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Liberação (Salvador Gentile).txt LIBERAÇÃO SALVADOR GENTILe (Romance) ASSOCIAÇÃO ESPÍRITA CHRISTOPHER SMITH, RUA LUIZA DE SAN MARCO, 171, BAIRRO SANTA EFIGÊNIA CAIXA POSTAL 584 BELO HORIZONTE, MG AGOSTO DE 2011 1 Nas malhas da obsessão Logo que entrei no pequeno salão do Centro Espírita em companhia de Arquimedes, que iria me proporcionar uma quinzena de estudos junto às instituições terrenas, às quais estava vinculado na tarefa de desobsessão, impressionou-me a fisionomia e o aspecto geral de um senhor, de meia-idade , que se achava sentado numa poltrona à espera de atendimento. Naquele horário o Sr. José Pedro Donato, respeitável trabalhador da casa, na equipe dos tarefeiros encarnados, atendia as pessoas que o procurassem, orientando-as em seus problemas pessoais, com base nos esclarecimentos proporcionados pela Doutrina Espírita, no socorro imediato, através dos passes, e na triagem, para os serviços assistenciais na instituição. Detentor de várias faculdades mediúnicas, entre elas a vidência e audiência, com tais recursos, podia orientar, com segurança, quantos lhe viessem procurar a ajuda. Logo em seguida, saiu uma senhora da sala de consulta e convidaram o cavalheiro, que me sensibilizara, para o atendimento. Levantou-se com dificuldade, e, na sua expressão de tristeza, viam-se-lhe sinais evidentes de cansaço e de esgotamento. Pensei que por me registrar o interesse pelo consulente, Arquimedes convidou-me: - Vamos começar nossas observações a partir do acompanhamento do caso do nosso irmão, que se dirige à consulta, e me parece sob o guante de violento processo obsessivo. Segui-o, maquinalmente, sem qualquer comentário, e adentramos, juntos, a saleta provida apenas de pequena escrivaninha, onde se acomodava José Pedro, e tosca cadeira já ocupada pelo consulente. - Chamo-me Antônio Serra, tenho quarenta e cinco anos, dedico-me ao comércio e resido nesta cidade. Vim procurá-lo em face de informação de um amigo, que já se beneficiou da sua ajuda - disse, atendendo à indagação inicial. Notei, desde logo, que José Pedro se concentrava, esforçando-se para penetrar os pensamentos do consulente e analisá-los, quando se aproximou entidade de elevada hierarquia, que lhe orientava a tarefa. - Este é o nosso irmão Sérgio, de quem lhe falei, e que vai estagiar comigo por uma quinzena - disse Arquimedes, ao amigo, em me apresentando. - Muito bem! Chamo-me Orlando e estou à sua inteira disposição,quanto às tarefas que desenvolvo nesta casa -, falou, estendendo-me, fraternalmente, a mão. Mas, vamos Página 1

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  • Liberao (Salvador Gentile).txt

    LIBERAO SALVADOR GENTILe

    (Romance)

    ASSOCIAO ESPRITA CHRISTOPHER SMITH, RUA LUIZA DE SAN MARCO, 171, BAIRRO SANTAEFIGNIA CAIXA POSTAL 584BELO HORIZONTE, MG

    AGOSTO DE 2011

    1 Nas malhas da obsesso

    Logo que entrei no pequeno salo do Centro Esprita em companhia de Arquimedes, que iria me proporcionar uma quinzena de estudos junto s instituies terrenas,

    s quais estava vinculado na tarefa de desobsesso, impressionou-me a fisionomiae o aspecto geral de um senhor, de meia-idade , que se achava sentado numa poltrona espera de atendimento. Naquele horrio o Sr. Jos Pedro Donato, respeitvel trabalhador da casa, na equipe dos tarefeiros encarnados, atendia as pessoas queo procurassem, orientando-as em seus problemas pessoais, com base nos esclarecimentos proporcionados pela Doutrina Esprita, no socorro imediato, atravs dos passes, e na triagem, para os servios assistenciais na instituio. Detentor de vrias faculdades medinicas, entre elas a vidncia e audincia, com tais recursos, podia orientar, com segurana, quantos lhe viessem procurar a ajuda. Logo em seguida, saiu uma senhora da sala de consulta e convidaram o cavalheiro, que me sensibilizara, para o atendimento. Levantou-se com dificuldade, e, na sua expresso de tristeza, viam-se-lhe sinais evidentes de cansao e de esgotamento. Pensei que por me registrar o interesse pelo consulente, Arquimedes convidou-me:

    - Vamos comear nossas observaes a partir do acompanhamento do caso do nosso irmo, que se dirige consulta, e me parece sob o guante de violento processo obsessivo.

    Segui-o, maquinalmente, sem qualquer comentrio, e adentramos, juntos, a saleta provida apenas de pequena escrivaninha, onde se acomodava Jos Pedro, e tosca cadeira j ocupada pelo consulente.

    - Chamo-me Antnio Serra, tenho quarenta e cinco anos, dedico-me ao comrcio e resido nesta cidade. Vim procur-lo em face de informao de um amigo, que j sebeneficiou da sua ajuda - disse, atendendo indagao inicial.

    Notei, desde logo, que Jos Pedro se concentrava, esforando-se para penetrar ospensamentos do consulente e analis-los, quando se aproximouentidade de elevada hierarquia, que lhe orientava a tarefa.

    - Este o nosso irmo Srgio, de quem lhe falei, e que vai estagiar comigo por uma quinzena - disse Arquimedes, ao amigo, em me apresentando.

    - Muito bem! Chamo-me Orlando e estou sua inteira disposio,quanto s tarefasque desenvolvo nesta casa -, falou, estendendo-me, fraternalmente, a mo. Mas, vamos

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtao trabalho.

    Acercou-se de Jos Pedro, que no o via, e, tocando-lhe a fronte, dilatou-se-lhea percepo visual. Foi quando o mdium viu vasta rede de tnues fios escuros que, saindo da cabea e da nuca da criatura a ser atendida, se alongava pelo recinto at a rua, evidenciando a presena nas proximidades, de um esprito obsessor.

    Atravs do pensamento, pediu ajuda aos seus Guias Espirituais, para que lhe trouxessem o algoz,que estava distncia.

    Qual se fora sugado por forte m, num timo, compareceu infeliz Esprito que, de pronto, se enlaou no enfermo, alheio nossa presena, que no identificava.

    Mas, tendo entrado no campo da percepo visual do mdium, e vendo este que o Esprito procurava se senhorear das faculdades do enfermo, em estreito processo obsessivo, preparou-se para iniciar breve interrogatrio mental:

    - Vamos! meu amigo, fale, se puder, atravs da sua vtima. Por que o persegue? Que mal lhe fez? Que pretende?

    O Esprito no revelava muita lucidez, mas, via-se-lhe, na atuao, que se desincumbia bem no processo em que se impunha ao obsidiado. Mostrou pavorosa carantonhae, parecendo que estava sendo obrigado a responder, falou com aparente calma, o que Jos Pedro ouvia pelos canais da audincia.

    - Estou sendo pago para atorment-lo. Pretendo desencarn-lo em breve, cumprindominha misso, conquanto a mim, no tenha feito nada, nem de bom nem de mau.

    - Quanto lhe esto pagando?

    - Isso no da sua conta.

    - Em nome de quem voc age?

    - Uma senhora fez negcio com meu chefe que, por sua vez incumbiu-me da tarefa. No me pergunte o nome, porque no sei. So detalhes que no me interessam.

    - Por que no deixa em paz essa criatura, que nada lhe fez de mal?

    - No posso. Tenho compromisso a zelar e estou preso em funo do processo do qual aceitei ser um dos executores. Minha parte controlar-lhe a mente, a fim deenlouquec-lo.

    - Veja, meu irmo, que j um erro revidar mal com mal, estabelecer processo devingana, por mais justo que, aparentemente sejam os motivos. E eis o amigo fazendo-se de brao vingador de terceira pessoa! No pensou que, amanh, ser punido por isso? Que dever recolher o mal que semeou, acrescido muitas vezes?

    - Nada tenho a perder. Pior do que me encontro no posso ficar. Estou escravizado e fao isso para manter-me em p, a troco de comida e alguma proteo.

    - proteo?

    - Sim, tenho inimigos ferozes que so mantidos distncia.

    - Por quem? Pela Organizao?

    - Sim. E bom que comece a pensar nisso, pois est se metendo com foras que desconhece. No seja intrometido e cuide da sua prpria vida, se no quiser v-la perder-se

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  • Liberao (Salvador Gentile).txttambm.

    - No temo. Tenho os bons Espritos para me ajudar.

    - Cuidado. Os encarnados esto mais para ns do que para eles, uma vez que a matria lhes impe um jugo muito forte, arrastando-os, naturalmente, para a sombra.

    - O amigo conhece muito!

    - So noes elementares, que recebemos nas instrues que a organizao nos d.

    - Que organizao essa?

    - Nada posso dizer-lhe a respeito.

    - No gostaria de fazer o bem e viver em paz e feliz?

    - No tenho escolha. Estou escravizado e no tenho foras para reagir; alis, por isso mesmo, por no ter foras, que estou nessa situao.

    - Nunca se lembrou de Deus, nosso Pai, de Jesus nosso Mestre, e dos Espritos bons que protegem as criaturas?

    - Muitas vezes lembrei e muitas vezes pedi, entretanto nunca obtive qualquer resposta. Essa gente deve andar bem ocupada...

    - Talvez no tenha pedido com o corao, ou no merecesse, naquele momento, essesocorro. Quer fazer um negcio conosco?

    - Que negcio?

    - Nosso Centro dirigido por Espritos benevolentes, que ajudam o semelhante desejoso de progredir e de ser feliz. Numa demonstrao de carinho e de boa vontade,voc deixa em paz nosso amigo Serra, e ns pedimos proteo para voc e apoio para que se eleve a melhor posio.

    - Quem garante isso? Se eu trair a organizao, liquidam comigo.

    - Ns garantimos.

    - Ns quem?S vejo voc.

    - H aqui outros Espritos que voc no v, que esto fora da sua faixa vibratria e, portanto, da sua percepo. Vamos fazer uma coisa:Voc nos autoriza a pedir proteo e socorro e, se for atendido, deixa sua vtima em paz?

    - Tudo bem.

    - Ento, procure ajudar,mentalmente, para que se eleve na sua posio vibratria. Vou orar. Ore comigo.

    E Jos Pedro passou a pronunciar belssima e comovedora prece, envolvendo operseguidor temvel, que, aos poucos, se integrou nela, vendo Orlando, o dirigente espiritual do mdium, que lhe sorria e lhe oferecia os braos para estreit-lo. Sentiu-se envolvido por fluidos tranqilizantes e experimentou to doce paz, que pensou que iria desmaiar. Caminhou para Orlando, que o acolheu nos braos, e desfaleceu.

    Orlando entregou-o a outros servidores da casa, que o conduziram para um posto de assistncia prximo.

    Estando a situao controlada, Jos Pedro passou a aplicar passe em Antnio Serra, a fim de alijar-lhe a carga de fluidos pesados de que o Esprito se fazia

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtportador.

    Terminado o passe, Serra sentiu-se mais senhor de si e extremamente aliviado.

    - Agora est tudo bem - disse-lhe Jos Pedro, procurando acalm-lo, e p-lo vontade.

    - Que aconteceu comigo? Parece que adormeci. Perdoe-me a indelicadeza. Mas o fato que ando to fraco e cansado, que acabo adormecendo em qualquer lugar.

    - No foi nada. Como est se sentindo agora?

    - Mais aliviado. Contudo, sinto um calor muito grande; um Peso tremendo nas costas, e muita dificuldade para manter a serenidade do prprio pensamento.

    - Tenha f, creio que vamos poder ajud-lo. O amigo deve freqentar nossa instituio, que abre as portas todas as noites, especialmente quando haja trabalho de assistncia, atravs dos passes. O ideal ser que venha ao Centro, assiduamente,pelo menos por um certo perodo, para que possa assistir aos nossos cursos, e se

    esclarecer acerca da problemtica da vida e do Esprito. Isso ir ajud-lo muitona compreenso dos problemas que lhe dizem respeito. Tem inimigos?

    - Que eu saiba, no tenho.

    - No teve nenhum relacionamento negativo com algum? Alguma mulher, por exemplo?

    O consulente empalideceu, vacilou temendo responder, e envergonhado de faz-lo.

    - Devo confessar - disse finalmente -, que tive um caso com uma jovem que trabalhava em minha firma. Mas ningum ficou sabendo disso. Alis, nunca ningumao menos suspeitou, pois, sou pessoa que goza de boa reputao, apesar do desvio que reconheo.

    - E como terminou esse caso?

    - Bem, a jovem foi tomando muita confiana, com algumas intimidades diante dos outros, e fui obrigado a pedir que solicitasse demisso, embora continuasse a pagar-lhe o salrio, por fora.

    E depois?

    - Longe dela, da sua influncia e presena constantes, consegui refletir melhor e perceber a tolice que fizera, com esquecimento da minha famlia, e dos meus deveres de cidado honrado. Fui espaando nossos encontros, diminuindo-lhe as generosas propinas, o que gerou muitas ameaas da suaparte, at que, amedrontado, e tambm revoltado, rompi definitivamente. No sei se foi remorso, mas, embora no saiba explicar, passado pouco tempo, minha vida comeou a mudar, minha casa, antes to

    acolhedora, parece-me um ambiente hostil; minha sade, sempre firme, comeou a balanar, inclusive com problemas quanto s minhas funes gensicas; meus negciosno vo bem, e, de repente, parece-me que no me conheo: s vezes, sinto que sou outra pessoa.

    - O amigo est descrevendo um autntico quadro obsessivo.

    - Que isso?

    - A presena e influncia de Espritos,interessados em destru-lo.

    - Destruir-me, por qu?

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    - Bem, essa uma resposta que deveremos adiar, at que nos seja possvel definir as coisas.O que posso recomendar-lhe, desde logo, que procure orar, pelo menos noite, antes de dormir, e pela manh, ao levantar-se, pedindo a ajuda e a proteo dos bons Espritos,a fim de que eles possam, socorr-lo com a assistncia indispensvel.

    - O senhor acredita que poderei ficar bom?

    - Claro que sim. Basta que nos ajude, tendo f em Deus, e mantendo o seu pensamento em alto nvel moral.

    - Como assim?

    - Pensando apenas em coisas boas,que elevam e dignificam. Essa atitude mantm osmaus Espritos longe, evitando-lhes a influncia perniciosa.

    - Mas j lhe disse que, s vezes, no consigo reconhecer-me.

    - Isso vai melhorar. No desanime nunca, e isto importante. Poderemos ajud-lo, mas precisamos da sua adeso total. Esforce-se, ao mximo, para dominar sua prpria mente, e expulsar qualquer influncia negativa externa, de Espritos malfazejos.

    - E como fao para repelir essa influncia estranha?

    - muito simples. Quando ns pensamos, elaboramos o nosso pensamento do jeito que nos interessa e na direo que nos propomos. Quando um pensamento nos vem mente, sem esse esforo e sem essa inteno, porque no nosso, mas, sim, esto no-lo impondo de fora para dentro. Entendeu?

    - Penso que sim. Mas, como devo reagir?

    - Percebendo a intromisso mental, deve varr-la da mente, opondo-lhe o seu prprio pensamento: de repente, lhe vem a mente a figura de uma mulher que voc associaa algum que conhece, com forte carga de sensualidade. Voc no estava querendo pensar nisso, nem essa pessoa estava na sua cogitao. uma claraintromisso mental, muito comum, e um dos principais artifcios, que os obsessores usam para conduzirem a pessoa a posio extremamente negativa. A voc reage e expulsa a idia da cabea, pensando na sua casa,por exemplo, em algum da sua famlia, ou orando,mas se impondo ao seu campo mental.

    - Diante dessa explicao,me dou conta de que,por mim mesmo, nada tenho, pensado. Que h intromisso permanente em minha mente,pois, alm de pensar em coisas absurdas, com as quais nada tenho, e, s vezes, causam-me medo de loucura, geralmente, socoisas nas quais,eu mesmo, no desejaria pensar.

    - A est a opresso mental declarada.O amigo precisa lutar contra isso, da maneira simples que lhe expliquei. Vai ver como se reconhecer melhor, e ser mais dono de si mesmo.

    - Realmente, pensei que estivesse enlouquecendo.

    - Deixe disso. Fique sabendo que, pelo menos, noventa e nove por cento das pessoas, so, constantemente, oprimidas mentalmente, umas mais, outras menos, porm, todos ns, com aquela pequenssima exceo, estamos debaixo da presso constante das mentes do mundo espiritual inferior. Nesse oceano de energias mentais, negativase perturbadoras,quem quiser viver, realmente viver, deve montar guarda, vigiar a

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtprpria mente, para no ser tragado. Da o orai e vigiai que Jesus recomendou a seus discpulos e, por extenso, a todos ns, os que peregrinamos pelo mundo carnal.

    - O que o amigo me diz muito srio, mas, no nada fcil manter-se a cima dascoisas inferiores do mundo. Estando debaixo dessa vara de suplcio, vejo o quantosomos frgeis, e a maneira fcil com que nos arrastam. De um momento para outro,sem que, sequer, tivesse tempo de cogitar das coisas e fazer uma escolha, pareceque algum faz essa escolha por ns e nos impe fatos consumados, terrveis. O meu problema central foi assim. Um momento rpido de arrastamento, e me vi a braoscom um drama, do qual nunca cogitei nem desejei, ganhando um inferno, que me consome.

    - bom que esteja tomando conscincia disso, porque cabe-lhe lutar muito, recusar sua mente opresso mental externa. Ns podemos ajud-lo, e muito, mas,sem a sua adeso total e a sua reao constante, pouco conseguiremos.

    - Graas a Deus, pudemos ter esta conversa, e pude conscientizar-me de tudo. Nofora isso, no ritmo que vinha, logo conheceria a falncia material e moral, e o

    desmoronamento da minha famlia e do meu lar.

    - Meu amigo, no desanime nunca; lute sempre, com a melhor inteno e com as foras construtivas do bem. Ganhe amigos e evite inimigos. Se certo que um corao que nos ama, nos alimenta e nos encoraja, um corao que nos odeia, ser sempre terrvel fora destrutiva a nos provar a resistncia interior, com muitas chances de triunfo, porque nem sempre estamos vigilantes.

    Arquimedes convidou-me a aproximar-me, e depois de pedir-me para que aguasse a viso, indicou-me, colados s costas do enfermo, e disfarados em duas leves corcundas, dois ovides ligados de maneira profunda no infeliz.

    - Este ovide, que abriga um Esprito que se enlameou nos desvarios do sexo, acabando por perder o membro viril em terrvel doena, est ligado aqui na medula espinhal, ao feixe de nervos que controlam o aparelho gensico, e trabalha com o fim deliberado de levar o obsidiado, completa impotncia sexual. Este segundo ovide, que se v tambm ligado na medula, agasalha Esprito criminoso na Terra, e que terminou seus dias atacado de artrose generalizada, e tem por finalidade levar oenfermo a se enfermar nas pernas, com destaque para os joelhos. Alm disso, se voc fizer um exame mais acurado, vai perceber que estes dois intrusos sugam todas asenergias da vtima. Ainda h pouco, nosso irmo foi beneficiado por luminoso passe, que lhe deu foras, das quais quase nada mais lhe resta, porque j foram, em parte,apropriada pelos obsessores, que se alimentam com a sua energia.

    - Incrvel!

    - Estas duas entidades fazem o trabalho fundamental e contnuo de sugar-lhe a energia vital e produzir alteraes na sua sade, atendendo solicitao da pessoa que o odeia, e est levando a cabo esta vingana.

    - E aquele esprito que lhe foi desligado?

    - Seu papel era de coadjuvante do processo. Encarregava-se de controlar-lhe as emoes, assim como das pessoas que o rodeiam, a fim de proporcionar-lhe aborrecimentos

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  • Liberao (Salvador Gentile).txte conflitos, constantes, mantendo-o sob tenso continuada, para que no sentissequalquer espao de liberdade mental, que lhe ensejasse a mais leve reao, at chegar loucura. Levado de roldo, vem acumulando desnimo, j estando prximo das fronteiras do desespero.

    - Bem, mas agora est livre dele!

    - Dele sim, porque o nosso desventurado amigo obsessor vai passar a receber a nossa assistncia, com vistas a recuper-lo.

    - Um salto assim to grande!

    - Nada, pelo que sabemos, d saltos. Ocorre que, como acontece com a maioria de todos ns, nosso irmo tem seu crculo afetivo e, dentro dele, pessoas que esto

    intercedendo para tir-lo dessa situao; alm de que, como vimos, ele mesmo aderiu mudana.

    - Quer dizer que, assistindo-se uma vtima, beneficiam-se os algozes?

    - No se esquea de que somos todos irmos e merecemos, da Misericrdia Divina, o mesmo carinho e considerao. Quantos estiverem no nosso raio de atuao, e se

    dispuserem a ser ajudados, ou estejam recomendados por intercesso, sero socorridos. De outra parte, lembre-se de que qualquer repercusso, num processo obsessivo, condiciona-se culpa do obsidiado. Sem dvida que, nosso amigo, invigilante, estabeleceu ligaes deplorveis, que no se rompem facilmente, e pelas quais ter que pagar um preo, s vezes, como no caso, muito elevado, porque a pessoa com quem se comprometeu excessivamente m, alm de estar profundamente ligada malta que lhe executa a vontade perversa.

    - Acaso esse Esprito que o assediava ser substitudo?

    - Sem nenhuma dvida.

    - E o que vem a ser a mencionada Organizao?

    - uma instituio que atua nestes planos inferiores, entre as muitas que existem, e que, maneira das quadrilhas do campo fsico, empresta projetos criminosos, igual ao que temos sob observao.

    - Realmente, parece-me crime autntico.

    - Como no! Esto produzindo danos imensos, tanto ao patrimnio financeiro, quanto ao fsico e ao moral do nosso irmo, que, se no for socorrido, acabar desencarnando pelo efeito malfico dessas entidades, que o perseguem. Um verdadeiro homicdio.

    - E ganham alguma coisa com isso?

    - Decerto que sim. Ningum se move, nestes planos inferiores, sem que haja um lucro, ou uma remunerao qualquer. Os valores, por aqui, pesam mais do que as moedas de ouro, com as quais podemos comprar os objetos dos nossos caprichos, quando nacarne. Todo esse servio prestado, vai ser pago com lgrimas de sofrimento na servido mais aviltante, ou dizendo mais claro, a pessoa se entrega a si mesma, com todasas suas faculdades, em pagamento do trabalho que lhe prestam. , mais ou menos, como vender a alma s foras do mal, parafraseando conhecida expresso terrena.

    - H pouco, nosso amigo, afastado, disse que trabalhava a troco de proteo. Como entender isso?

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  • Liberao (Salvador Gentile).txt

    - De forma natural. No existem, no mundo material, organizaes que proporcionam proteo, a pessoas e estabelecimentos, para livr-los dos criminosos? E, por outro lado, no existem quadrilhas que vendem proteo contra outros criminosos, e atmesmo extorquem para que, elas mesmas, deixem de prejudicar? O quadro aqui o mesmo, alis, mais agravado, em face da maior liberdade dos malfeitores. As muitas organizaes existentes se respeitam, mas, s vezes, entram em guerra e lutam, tal como acontece com as quadrilhas de encarnados, na disputa de vantagens para seus grupos, no domnio que intentam impor.

    - E esses ovides, por qual processo se engajaram na Organizao e esto a seu servio?

    - Geralmente, pela execuo de obsquios de alta significao que lhes foram prestados, atendendo aos seus desejos criminosos. So Espritos excessivamente maus, que, no contentes com o mal que eles prprios faziam, diretamente, ainda se valeram do concurso desta Organizao das sombras, para estend-lo com mais eficincia e horror. Uma vez desencarnados, so reduzidos, por processos hipnticos, a essas formas humilhantes e so armazenados espera de utilizao. Quando surge um cliente, que exige tortura maior, so ligados magneticamente, pretensa vtima, sobre a qual exercem a influncia deletria de sua prpria posio, de forma automtica.

    Tambm aceitam com facilidade, programao mental. Tendo em vista que giram num crculo estreitssimo de atividade mental, so hipnotizados para imporem, ao encarnado, um determinado pensamento, assim como um texto a ser repetido, lembrando-lhe de fato que lhe mantenha vivo o sentimento de culpa, que a porta que d acesso ao

    processo obsessivo.

    - Incrvel, como agem com preciso e requintada tcnica! Quando as pessoas puderem saber o alto preo que pagam, pelo mal que fazem, talvez o bem passe a imperar com mais amplitude. E ningum interfere na ao das sombras? Aqui, na Crosta, no h autoridade constituda para coibir os abusos e crimes?

    - Ora, Srgio, organizao, disciplina, i respeito, so qualidades prprias de Espritos que j se elevaram, mais acima destas sombrias paragens, e vivem com responsabilidade diante da vida. A autoridade, aqui, est personificada naquele que pode mais. a lei da fora. Quem pode dominar, domina, quem no pode, obedece; quem no obedece escravizado. Quem trai ou se rebela, desafiando a fora, pode ser preso e supliciado por largo tempo; ao nosso redor, e abaixo de nossos ps, existem, talvez, milhes de Espritos encarcerados, vampirizados e seviciados por outros. Se o insurreto, ou o traidor,tiver alta dose de culpas, alta carga negativa, pode serreduzidoa ovide.

    - Ento, aqui h um ditador?

    - No; h muitos ditadores, do mesmo modo que, na terra, h muitas organizaes do mal e do crime. Cada um tem a sua rea de influncia.

    - Estaro, pois, os homens encarnados, em melhores condies do que os Espritosque os rodeiam?

    - No se esquea de que, na carne, existem Espritos encarnados di todas as categorias, at as mais sublimadas. Esses Espritos exercem influncia sobre os demaise impem a Lei, que fora a disciplina e o respeito, para que a sociedade,

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtembora heterognea e com mais Espritos Inferiores do que superiores, possa viver em relativa paz. Aqui, no plano espiritual, funciona a lei da atrao. Os Espritos so atrados para as regies ecompanhias que se afinam com o seu estado vibratrio, de maneira automtica, qual do dial do rdio onde determinada frequncia sintoniza determinada emissora. E essa lei funciona tanto no desprendimento temporrio, durante o sono, quanto na hora da morte, quando a alma se desliga definitivamente do corpo.

    - Como funciona esse processo na hora da morte do corpo fsico?

    - Se a pessoa, quando encarnada, j estava sob o domnio de um Esprito das sombras, esse domnio continuar, agora com mais intensidade, e, dependendo da qualidade dessa ligao, poder ser arrastada para grandes sofrimentos, a menos que algum, com mritos para tanto, interceda em seu favor. Esse um dos momentos mais importantes, para ns todos, quanto colheita do bem, ou do mal, que plantamos. Os que no tiverem coraes reconhecidos para receb-los, na passagem, que se preparem, pois, esto sujeitos a arrastamentos para situaes inimaginveis de sofrimento. Talvez por isso que a Doutrina Esprita preveniu, desde logo, que fora da caridade no h salvao. O homem deve fazer o bem que puder, para conseguir muitos amigos, muitos coraes que o ajudem nesse transe difcil, quando nossos inimigos desencarnados nos esperam para o _ajuste _de _contas, ou quando, simplesmente, podemos ser envolvidos e arrastados por Espritos malfazejos.

    - Na verdade, as pessoas encarnadas no desconhecem o mal e as suas conseqncias. As leis terrenas prevem pesadas penas aos criminosos, chegando, em alguns pases, a imporem a pena de morte; no entanto, a criminalidade no recua e parece at acentuar-se. Penso que s depois que sentiu, em si mesmo, as funestas conseqncias espirituais dos atos criminosos, e disso se conscientiza, que o Esprito sufoca os seus impulsos ferozes, e passa a atuar no sentido do bem. O seu projeto de escrever um livro, relatando todos esses pungentes dramas, que faceamos no nosso trabalhode assistncia, muito louvvel, vai ajudar a muita gente para que deixe de gerar foras malficas, ou tenha noo delas para defender-se, mas no guarde a pretenso de que as suas palavras, por mais claras que sejam, consigam varrer o mal de sobre a Terra. No basta conhecer o problema, preciso conscientiz-lo, para passar sua soluo.

    - Este no me parece um processo obsessivo comum.

    - Diria, antes, tratar-se de processo especializado, e de propores mais amplas. O assdio espiritual comum, que costumamos chamar de _obsesso, se d quando um Esprito, por si mesmo, e em razo de laos de dio ou de incompreenso, se ligaao Esprito encarnado, impondo-lhe seus pensamentos e emoes, causando-lhe prejuzo, no s ao seu estado de conscincia como tambm ao seu estado fsico. Se vai pensar em algo, sofre a interferncia do pensamento do Esprito, que lhe est imantado, e fica na situao de no ser dono de si mesmo por inteiro. s vezes, quando existem laos de dioprofundos, e a culpa do paciente grande, o Esprito interveniente pode subjug-lo, inteiramente, anulando-lhe a vontade. No caso com que nos defrontamos, vemos quadro diferente. Um Esprito encarnado, que quer desencadearum processo de vingana, empresta os servios de uma organizao especializada das sombras, que vai se encarregar, em seu nome, por sua conta, de ser o seu brao vingador,

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtsegundo a sua vontade, procurando prestar-lhe os servios requeridos.

    - E como se acerta esse contrato? Durante o sono?

    - Os laos iniciais ocorrem quando a pessoa comea a alimentar desejos de vingana e atraem os empreiteiros do mal, que lhe alimentam o dio. Durante o sono, pode-se dizer que acontece o aspecto formal do pacto, quando o encarnado defrontado pelos _amigos que o querem _ajudar a resolver o problema e obtm a sua adeso, para agirem em seu nome. Na generalidade dos casos, ocorre assim.

    - E a assistncia, como se desencadeia? Esse nosso amigo vai ser socorrido, paraque sirva de lio viva, em razo do nosso programa de estudos?

    - Certamente que no. Sou um trabalhador da casa, integrando a equipe espiritualque aqui atua. Nosso irmo vem em busca de socorro, batido que est pelo sofrimento, e, por outro lado, estamos atendendo petio de sua filha, Esprito de acentuadas virtudes e mritos espirituais, que o convenceu de procurar a consulta e aconselhamento do nosso amigo Jos Pedro. Qualquer um dos dois motivos, seria suficiente para desencadear o trabalho assistencial e, com a soma dos dois, contamos com a adeso do paciente e o apoio, no lar, de sua filha, que, como ver, tambm vai entrar com sua parte no processo.

    **

    Voltamos a centralizar nossas atenes na consulta, que se delineava em fase final.

    - O amigo conhece o espiritismo? - perguntou Jos Pedro.

    - Realmente, assoberbado pela minha atividade comercial, e pelos compromissos dolar, no tive chance de conhecer a Doutrina Esprita. Mas tenho uma filha, Ruth,

    que adepta fervorosa e est ligada s atividades de um Centro Esprita.

    - Deste Centro? - atalhou Jos Pedro.

    - No, mas de uma instituio localizada em outro bairro.

    - Suponho que ela disponha de uma biblioteca Esprita...

    - Oh! Sim, e com muitos volumes, que l, avidamente.

    - Ser interessante que voc leia alguns livros bsicos, para ter idia dos Espritos e do seu mundo, porque isso ajudar muito na soluo do seu problema pessoal. Sugiro que pea a Ruth para orient-lo nesse sentido. Porque, se o amigo pudercompreender melhor o significado das coisas que lhe sugerimos, com vistas ao seurestabelecimento, tudo ficar mais fcil.

    - Tudo bem. Vou me interessar pela leitura, e pedir o apoio de minha filha.

    - quanto a sua freqncia, aos trabalhos do Centro, gostaria de acompanhar sua filha, ou pode freqentar a nossa instituio?

    - Prefiro freqentar esta casa, pois, creio que, assim ficarei mais vontade.

    - Neste caso, vamos nos encontrar sempre, uma vez que estou quase todas as noites aqui, principalmente nos dias de passes. Esperarei continuar trocando idias e, conversando, vou poder orient-lo no que for possvel. Pode ficar tranqilo que,

    Pgina 10

  • Liberao (Salvador Gentile).txtcom a ajuda de Deus e dos bons Espritos, tudo se resolver a contento, em tempo

    breve.

    Jos Pedro levantou-se, dando por finda a entrevista, despedindo-se de Antnio Serra, com fraternal abrao, que comoveu o consulente.

    Antnio ganhou a rua, andando firme e mais aliviado. A entrevista lhe produziu resultados benficos, pois, abriu-lhe um horizonte de esperanas novas. Ia repensando as palavras de Jos Pedro, uma a uma, avaliando-as, sentindo-lhes a lgica e o elevado grau de fraternidade crist.

    No tinha, ainda, vencido a primeira esquina, e dois espritos, com ares de vadios e de semblante duro, se acercaram dele, um de cada lado, e passaram a gritar-lhe no ouvido:

    - Voc precisa de mdico, e no de bruxo! Essa cantilena de esprita no vai ajudar e m nada. No perca tempo. Trate de sua sade, pelos caminhos corretos doconsultrio e do hospital. De outro modo, vai acabar morrendo.

    Antnio no lhes ouvia a voz, mas percebia-se, em sua fisionomia, que uma onda de dvidas comeava a varrer-lhe a cabea, transtornando-lhe os pensamentos.

    - A est a Organizao presente - informou Arquimedes. O amigo retido j encontrou substitutos para martelarem a mente do enfermo. Daqui h pouco, talvez, nem consiga se lembrar de tudo o que ouviu, apesar de que, intimamente, j tomou a deliberao de seguir a orientao de Jos Pedro, at o fim.

    - Que coisa triste para ser vista! Se j no conhecesse alguma coisa sobre a leide causa e efeito, talvez estivesse, agora, questionando a bondade de deus, que permite, a esses malfeitores, estarem confundindo e supliciando um homem enfermo, incapaz de defender-se da agresso.

    - Uma coisa, porm, certa: nosso amigo, com os esclarecimentos de Jos Pedro, que lhe levantou tambm o nimo, j no presa to fcil. Veja que os malfeitores no conseguem se ligar com a sua mente, como estava antes o outro, que foi desalojado. Ainda que muito leve, j esboou uma reao.

    Continuamos a caminhar, acompanhando o trio, que se deslocava, sem muita pressa,em direo a outro bairro at que, finalmente, Antnio se dirigiu para uma casa,

    que logo deduzimos ser a sua.

    Efetivamente, tirou a chave do bolso, e abriu a porta, entrando, sozinho. Os malfeitores se detiveram, gesticulando e proferindo imprecaes.

    - No podem atravessar a barreira magntica, gerada pelas oraes e bons pensamentos de outros componentes do grupo familiar - informou Arquimedes.

    - Mas, e os ovides? - obtemperei -, por que no foram impedidos de entrar?

    - Isso j outro problema. Ocorre que esto plantados no perisprito hospedeiro, igual a um parasita seenraiza numa rvore, por exemplo. At que, num momento oportuno, sejam convenientemente desligados, fazem parte integrante da personalidade de Antnio, se assim podemos nos expressar, para figurar que compartilham, de certomodo, o mesmo corpo e o mesmo clima mental.

    - Por que o mdium vidente no os viu?

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  • Liberao (Salvador Gentile).txt

    - Voc tambm no havia notado a presena deles. que se acham em singular situao, que se costuma chamar de _segunda _morte.

    - Em que consiste essa _segunda _morte?

    - Quando a pessoa desencarna, perde o corpo fsico e lhe restam o perisprito e o Esprito. Ao reentrar no Mundo dos Espritos, o perisprito reveste-se da matria prpria do plano em que estagia, e em harmonia com a sua posio evolutiva, cujopadro vibratrio nele se expressa. Refazendo conceitos, para se evitarem enganos, no podemos dizer que o Esprito desencarnado possui apenas perisprito e Esprito; que, o que chamamos perisprito, segundo a definio kardequiana, naverdade, se compe de duas partes: uma, mais material, composta da matria da esfera em que se encontra, e que o corpo espiritual; outra, mais etrea, servindo de ligao entre o corpo espiritual e o Esprito, que j foi definida com o nome de corpo mental (1). O corpo mental preside formao do corpo espiritual, do mesmo modoque no homem encarnado, o perisprito preside formao do corpo fsico (2). Individualizando um Esprito desencarnado, portanto, restabelece-se, em suma, o mesmo trio: corpo espiritual, corpo mental e Esprito. Pela semelhana do processo, quando o Esprito desencarnado perde, por qualquer circunstncia, o seu corpo mais denso, embora de matria, para ns, quintessenciada, diz-se que a sua segunda morte.

    (1) e (2) EVOLUO EM DOIS MUNDOS, Andr Luiz, Francisco Cndido Xavier e Waldo Vieira, 8 edio, FEB, 1985, Primeira Parte, Cap. II, p. 25.

    - Temos, ento, a repetio precisa do processo de desencarnao comum?

    - No precisamente. Na morte comum, perde-se o corpo fsico, ou de carne, de modo irremedivel, pois este se decompe, a matria correspondente no pode ser restaurada, e a ligao, do Esprito, no pode ser restabelecida. S se adquire outro corpo de carne atravs do processo reencarnatrio. No caso da segunda morte, basta que, por processos mentais e eletromagnticos, se revista o corpo mental da matria do plano em que se adapta, por afinidade vibratria, e o Ser readquire a sua posio natural.

    - Se entendi o mecanismo, quer dizer que, tcnica e logicamente, embora o corpo mental seja sempre o mesmo, apenas mais sutilizado, teremos tantos corpos quantas sejam as esferas que devamos ultrapassar, em nossa caminhada? Se so sete as esferas espirituais, ao redor do Globo Terrestre, e a partir da Crosta, quer dizer que, na prtica, at que consigamos percorrer todo o caminho da evoluo terrestre, teremos sete corpos fsicos, diferenciados apenas na qualidade da matria que oscompe?

    - a deduo natural, tendo em vista o mecanismo contnuo que nos preside evoluo. Teremos, sucessivamente, corpos mais rarefeitos, corpo mental mais etreo, e Esprito cada vez mais sublimado. Oportunamente, se for possvel, analisaremosmelhor o assunto. Para o momento, voltemos pergunta quanto ao fato de o mdium

    no ter visto os ovides.

    - Est bem. Alis, creio que j compreendi o motivo. O mdium capaz de ver a matria do plano espiritual que o cerca; se, no ovide, no h essa matria, logo,

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtno poderia mesmo v-la.

    - isso. E pelo mesmo motivo, voc necessitou dilatar o seu campo perceptivo para registrar-lhes a presena.

    - Tudo me parece muito lgico e fascinante. No entanto, ser que os meus leitores compreendero essas notcias?

    Arquimedes olhou-me e sorriu.

    Enquanto os obsessores tomavam outro rumo, regressamos ao centro, onde Arquimedes tinha outros compromissos, aguardando-lhe a presena.

    II - CONHECENDO OS PROBLEMAS

    Eram quase dezessete horas, quando nos aproximamos da casa onde residia Slvia, a personagem principal do drama sob a nossa observao.

    De repente, um Esprito, com ares de debochado, assomou janela e gritou para aturba, que estava na vizinhana, gesticulando para que viessem. Num instante, a malta, estacionada nas cercanias, em louca correria, invadiu a casa, causando-meespanto.

    Arquimedes, acostumado a ladear esses espritos, em razo do seu trabalho assistencial, mantinha-se sereno e, quando se completou a invaso, convidou-me para entrar.

    - Vamos, a casa est franqueada a todos. Prepare-se, no entanto, para presenciaralgo que, posso apostar, voc nunca chegou, sequer, a pensar que seria possvel ocorrer. Essa turba est querendo divertir-se.

    Entramos. O ambiente era horrvel. Um cheiro acre dominava, causando impressodisconfortante. A multido de Espritos, que tomou de assalto a casa, se apinhava em um cmodo, mais no fundo, que, de longe, dava a impresso de ser um quarto debanho. As emanaes mentais, daquela malta desvairada, era algo indescritvel e deprimente. Sentia dificuldade para manter-me em p ou locomover-me. Arquimedes percebeu-me o despreparo.

    - Vamos, anime-se. Embora deprimente, esta uma cena comum no dia-a-dia das pessoas levianas e inconseqentes, que se entregam s paixes doentias. falta de educao invadir a intimidade de quem quer que seja, contudo, estamos em misso de estudos, que poder vir a ser muito proveitosa esclarecendo as pessoas para que cenas como esta, escasseiem cada vez mais. Ningum nos v, de maneira que voc pode estudaro fato pelo ngulo que quiser.

    Aproximei-me da porta de espaoso banheiro, completamente lotado pelos Espritosinvasores, restando apenas um pequeno crculo central, como fora um palco, onde uma bela e jovem mulher se movia, em meneios lascivos, abraada por um Esprito de feies horrveis. O espetculo era dantesco. A jovem se deslocava em passos sensuais, passando a mo pelo corpo nu, procurando excitar-se. Tinha as plpebras cerradas, como quem devaneia, mergulhando em extraordinria fantasia de prazer. A multido estava esttica, em silncio, integrando-se na sensualidade do momento.

    Faltam palavras para retratar o quadro terrvel, que se desdobrava diante dos meus olhos, nascidos dos desejos desenfreados daquela jovem. A sua mente irresponsvel devia estar tentando fixar a imagem de algum homem, da sua predileo, contudo, era criatura de aspecto quase animalesco, que lhe sorvia e desfrutava as emoes.

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtQuando o espetculo parecia atingir seu clmax, Arquimedes tocou-me o brao, convidando-me para sairmos.

    - Meu Deus! - exclamei -, nunca pensei presenciar cenas to estranhas! Nunca imaginei tais conseqncias, como resultado dos devaneios sensuais de uma jovem!

    - Que quer voc, meu amigo? Se a dona da casa mantm a porta aberta, e atrai aqueles que esto na mesma faixa vibratria, na qual deliberadamente se coloca, o resultado est consentneo com a realidade. Quem quiser conviver com Espritos puros, que procure melhorar as prprias condies morais. Pela mesma lei, quem se compraz em mergulhar no pntano das emoes grosseiras, que se prepare para conviver com osEspritos das sombras. a lei da atrao, ou da afinidade vibratria. A Humanidade invisvel, que povoa a Crosta, e esperas mais abaixo dela, se nutre dos Espritos encarnados, sugando-lhes as energias vitais, arrastando-os para que lhes satisfaam os vcios de toda espcie, sorvendo as emanaes mentais deletrias, que geram imagens de vida momentnea e peso especfico, que so para eles indispensvel alimento. Esse o motivo principal da luta da sombra contra a luz. Cada pessoa espiritualizada, como se fosse uma vaquinha a menos no curral, para lhes fornecer o leite insubstituvel. Imagine uma populao na proporo de cinco para um, de desencarnados e encarnados, e ver, desde logo, o que representa, para a sombra,o potencial de cada ser encarnado, ser, teoricamente, compartilhado por cinco.

    O raciocnio era lgico demais, contudo, sentia pena daquela mulher, jovem e bonita, entregue a si mesma, e incapaz de conter os seus impulsos.

    De repente, abriu-se a porta do banheiro e Slvia, vestindo luxuoso roupo de banho, saiu, um tanto abatida, em direo ao quarto. A turba seguia-lhe os passos, e tudo fazia crer que invadiria, tambm, a intimidade do quarto de dormir. Quando a jovem passou por ns, Arquimedes estendeu a destra, e imperceptvel raio magntico se interps frente da multido. O primeiro Esprito invasor, chocando-se com abarreira magntica, dando a impresso de que sofrera o impacto de uma descarga, pulou para trs, exclamando, surpreso:

    - Epa! Aqui tem _anjo. Vamos dar o fora, pessoal!

    Num instante, a sala se esvaziou, restando apenas ns dois. Entramos no quarto. Slvia estava deitada, parecendo extenuada. Pobrezinha - pensei -, nem imagina quanta energia lhe vampirizaram e, pior de tudo, pela riqueza da permuta de sensaes lascivas, quanto iria se afundar, cada vez mais, nesse processo de intercmbio deplorvel.

    - Arquimedes, custa-me crer que essa jovem seja m, vendo-a assim to abandonada! No seria vtima de pura ignorncia?

    - Antes fosse, meu amigo! Voc deve estar influenciado pela beleza dos seus traos fisionmicos. _Quem _v _cara, _no _v _corao, diz a sabedoria popular. Ela no tardar em se mostrar tal qual .

    As palavras do instrutor pareceram profticas, ou moveram Slvia, porque, virando-se na cama, deparou com a foto, emoldurada, do nosso conhecido e desventurado amigo Antnio Serra. Dando a impresso de que uma corrente eltrica lhe atravessasse ocorpo, saltou da cama, qual leoa acuada e como se fora leve, igual uma pluma. Apanhoua foto, crispou-lhe os dedos sobre o vidro reluzente, como se quisesse despedaar aquele homem, e, com a face transtornada pelo dio, ps-se a

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtvociferar:

    - Canalha! Ingrato! Velho sujo e indecente! Depois que se fartou de mim, lana-me ao lixo? Voc vai me pagar caro! Quero v-lo numa cadeira de rodas, a comida h de descer-lhe, igual a fogo, pela goela! Mulher nenhuma desfrutar da sua condio de homem, porque vou pedir para que o tornem incapaz! Seu dinheiro no lhe servir para nada. S libertarei voc quando ajoelhar-se aos meus ps e satisfizer todosos meus caprichos de mulher. No! No vou perder a oportunidade, que se me abriu, para conquistar tudo o que eu quero!

    medida que esbravejava, Slvia foi se desfigurando, seus traos fisionmicos se endureceram, sua expresso se assemelhava de uma fera, e os olhos retratavam um brilho sinistro. A metamorfose era constrangedora, porm, real; de repente, ajovem se nos apresentava, pelo que se notava, em sua personalidade efetiva, e j

    no me parecia nem jovem e nem bonita, mas, muito ao contrrio, fazia-me lembrara imagem de uma bruxa.

    O impulso de dio provocou-lhe uma onda de sangue, a percorrer-lhe todo o corpo,transmitindo-lhe calor, que lhe ruborizava as faces. Deixou-se arrastar pela emoo e cansou. Sentou-se um momento, na cama, e j se levantou em direo a pequeno bar, armado num canto da estante, de onde tirou um frasco de usque. Afoita, despejou gordo gole num copo, enchendo-o pela metade, e sorveu todo o lquido de uma s vez. Via-se, pela sua reao, que a bebida queimava-lhe a garganta, contudo, dentro de curto espao de tempo, aquietou-se. Parou um instante, copo pendente na mo, com a outra mo na testa, igual a quem procura decidir por qual caminho enveredar, e, de sbito, comeou a desabotoar o roupo, dando a entender que iria vestir-se.

    Arquimedes convidou-me a sair do quarto, com simples gesto de cabea. Ganhamos arua.

    - Ufa! - desabafei. J no suportava mais o peso do ambiente, e o ar repugnante,que estava obrigado a respirar.

    - Vamos caminhar um pouco. Voltaremos mais tarde, quando Slvia estiver repousando, para tentarmos, se possvel, um entendimento, em favor do nosso amigo Antnio Serra.

    **

    Eram vinte e trs horas, quando regressamos.

    Slvia j havia se recolhido e comeava a se envolver nas malhas do sono. No vestbulo, antecmara do quarto de dormir, havia um pequeno sof para duas pessoas, do tipo conhecido como _namoradeira. Sentamo-nos. Deveramos esperar que Slvia,mergulhada em sono mais profundo, deixasse o corpo fsico. Nesse ponto pretendamos abord-la, fraternalmente, intentando apazigu-la, com relao aos seus sentimentos, em face da desero de Antnio, do compromisso afetivo que iniciou de vontade prpria.

    Talvez porque tivesse hbitos regulares, pouco antes de se erguer do corpo fsico, duas entidades da Organizao, que identificamos pelas suas insgnias, compareceram

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtna casa e passaram, tambm, a aguardar o comparecimento de Slvia, fora do vaso carnal.

    Passavam quarenta minutos da meia noite, quando Slvia assomou porta do quarto.

    No quis acreditar no que os meus olhos viam. Embora guardasse identidade em alguns traos, aquela no podia, de forma alguma, ser a alma de Slvia. Era um monstro. O seu rosto parecia ter se alongado, procurando, mais ou menos, a forma da cabea de uma serpente, e as rugas, que o cobriam davam-lhe aparncia de pessoa de muito mais idade; os braos eram peludos e alongados, pendendo dos dedos, delgados e crespos, longas unhas encurvadas,lembrando garras de guia; o corpo dava a impresso de estar recoberto de matria lamacenta.

    - ela mesma - confirmou Arquimedes ante o meu espanto. O corpo de carne, bem conformado e jovem, no caso, no muda a hediondez do Esprito, a retratar-se no perisprito. Essa Slvia autntica, sem qualquer retoque. A mulher que o destino colocou nocaminho de Antnio Serra, e que o aprisionou em suas malhas de sombra.

    - Meu Deus! Mas o perisprito, geralmente, no acompanha o retrato do corpo fsico?

    - Geralmente, sim. Mas, estamos diante de um caso excepcional. Como lhe informei, o processo de assistncia foi iniciado, a partir dos insistentes pedidos de Ruth, filha de Antnio, e estou no caso h dias. Tive oportunidade de pesquisar e colocar-me a par de certos detalhes, quanto aos personagens da trama, que se desdobra aos nossos olhos. Slvia, infelizmente, um Esprito tremendamente endurecido. Vive, h muito tempo, estacionada nas faixas do dio e da revolta. Antes de se reencarnar, integrava essas falanges de Espritos malfazejos, inclusive fazia parte dessa quadrilha imensa, que se autodenomina Organizao. Tinha mrbido prazer em assustar, para melhor se impor, s suas vtimas, e seu aspecto era uma cpia, muito mais triste, do que a que est nossa frente, e que vai retomando gradativamente.

    - E a assistncia para a encarnao, com toda a sua preparao prvia, orientadapelos bons Espritos, no ajudou-a em nada?

    - Sua reencarnao foi promovida por especialistas da Organizao.

    - Dispem eles de poderes para isso?

    - E por que no? O processo, em si mesmo, no nvel de automatismo que o realizam, no oferece muita dificuldade.

    - E como conseguem a adeso dos futuros pais?

    - Nem sempre necessitam dessa formalidade, pois, h pessoas, e muitas, infelizmente, que no se fazem respeitar, ou no merecem respeito, e que acabam colaborando com essas organizaes das sombras.

    - Como assim?

    - No caso de Slvia, por exemplo, foi intromisso no lar de um casal leviano, apesar da boa formao que receberam, mas que s mais tarde aproveitaram. Na poca, jovens e inconseqentes, formava na opinio _moderna de liberalidade sexual. Tudo o que no ofendesse a nenhum dos dois era bom, essa a regra. A intimidade conjugal no se diferenciava muito dos quadros deprimentes que se vem nos prostbulos; verdadeiras bacanais, que fariam inveja aos mais licenciosos romanos. As

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtconseqncias, naturalmente, eram as mesmas que presenciamos h pouco, no quarto de banho: portas abertas, para quem quisesse entrar, e intimidade conjugal transformada emespetculo pblico. Numa dessas orgias conjugais, a senhora concebeu, e os Espritos, que livremente acompanhavam a vida domstica, ligaram ao ovo o Esprito que conhecemos sob o nome de Slvia.

    - E como reagiu o casal?

    - A ligao de um Esprito de tal condio, desde o incio, produziu tremendo impacto na me que, se era leviana, no albergava maus sentimentos. A diferena de padro vibratrio, entre me e filha era brutal. O estado mental da gestante preocupava a todos, porque a mudana do seu temperamento alarmava. A encarnao periclitou, muitas vezes, mas os Espritos da Organizao permaneciam vigilantes para lhe evitarem o insucesso. Quando esta se completou, com o nascimento, a me, aliviada de tal fardo dentro de si mesma, pde voltar ao seu estado normal. A criana desenvolveu-se com todo o carinho, apesar de intrusa, e, medida que o Espritose senhoreava das funes orgnicas, a sua maldade se punha mostra. O casal pagou alto preopela sua invigilncia. Mas Slvia no se sentia bem naquele lar, onde os pais procuravam, agora, respirar em climas mentais mais altos. To logo comeou a receber algum dinheiro, de namorados generosos, deixou o lar, mudou-se para outra cidade, e alugou esta casa, onde mora s, sem interferncia de ningum, levando a vida que lhe apraz.

    - Pobre menina!

    - Disse bem. Pobre menina! Ainda no completou vinte e dois anos, na presente encarnao, e j chegou a este estado deplorvel.

    - Venham aqui, vocs! - gritou Slvia, asperamente, para os dois Espritos que aaguardavam. Vo buscar aquele canalha que foi meu amante. Quero-o aqui, aos meus

    ps.

    Notei que a jovem infundia terror at queles Espritos endurecidos, acostumadoscom a ferocidade imperante no plano no qual circulavam. Saram depressa.

    No demorou muito e a porta se abriu. Algo foi atirado com violncia para dentro; como se tivesse sido apanhado pelos dois brutamontes, pelas pernas e pelos braos, para ser atirado, Antnio estatelou de barriga ao cho, bem aos ps de Slvia que, altiva e feroz, moveu os lbios num tmido sorriso de satisfao, ao ver o homem humilhado aos seus ps.

    - E ento, senhor Antnio Serra, vai voltar para mim? Honrar as juras de amor com as quais voc seduziu uma criana, que estava na sua dependncia econmica? Onde est o patro generoso e amante ardente?

    - Slvia, por favor, libere-me! Perdoe-me se a ofendi, se a prejudiquei! Cometi um erro terrvel, esquecendo dos meus compromissos anteriores.

    - Por que no se lembrou, quando me envolveu com a sua lbia, de que era homem casado e pai de filhos da minha idade? S agora se lembra disso, para se desculpar e fugir?

    - Por favor, Slvia, reconheo meu erro e peo-lhe perdo!

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  • Liberao (Salvador Gentile).txt- muito fcil pedir perdo. E eu, como fico?

    - Procurarei reparar meu erro com algum dinheiro!

    - Ah! Quer comprar-me! Seu ouro compra tudo! No quero esse dinheiro, seu velho sovina! Quero voc na minha casa. Quero humilh-lo, como voc me humilhou, enxotando-me. Couro nele! - Gritou aos capangas, profundamente irritada com o dilogo.

    Nesse momento, Antnio estava ajoelhado, com o rosto entre as mos, que encostavam no cho.

    Os homens avanaram, desabotoaram os cintos, que eram espcie de corda, tranadae rija. Antnio se aquietou espera dos golpes; parecia estar acostumado quele

    suplcio.

    - Quatro, para comear - vociferou a mulher.

    Os golpes, alternados e cadenciados, alcanaram a vtima na altura dos rins, de ambos os lados; fazia fora para agent-los, mas no podia deixar de soltar curtos, mas angustiantes gemidos.

    - Entenda, Slvia, no posso mais continuar com voc...

    - Mais seis, porque, pelo que vejo, as outras pouco adiantaram! - Gritou possessa.

    E os golpes se sucederam do mesmo modo, s que, agora, podia-se notar que Antnio perdia foras, estava exausto pelo esforo.

    - Levem-no e, e que prossiga, com mais rigor, o processo de reparao.

    Os homens apanharam Antnio, por debaixo do seu brao, ergueram-no, e arrastaram-no para a rua.

    Seguimos atrs. Antnio mal podia caminhar. Deixaram-no andar por si mesmo, porm, vendo que no conseguia, ampararam-no de novo. Chegados casa, pararam diante da porta, e da barreira magntica que lhes impedia a entrada. Pegaram-no pelos braos e pelas pernas, um de cada lado, deram dois ou trs impulsos e o arremessaram, violentamente, para dentro da casa.

    **

    - Que mulher perversa! - Exclamei, enquanto caminhava, no podendo sopitar a minha indignao com as cenas que presenciara. - E essa surra? Antnio parecia sentir muita dor a cada golpe!

    - No h do que se admirar. Cenas piores do que essas aparecem nos filmes policiais, que invadem os lares atravs da televiso. Quanto dor, embora Antnio esteja sob a impresso da carne, no se pode desconhecer que o seu perisprito de matria igual das cordas com as quais foi golpeado, e essas, naturalmente, lheproduziram dano.

    - Quais vo ser as conseqncias dessa surra? Vai refletir-se no corpo fsico?

    - Claro que vai afet-lo. Quando acordar, sentir dores agudas nas costas, a refletir-se na regio dos rins. Talvez passe o dia todo na cama, se no for convenientemente socorrido.

    - Por que no retomou o corpo, quando foi supliciado? O normal, diante do

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtperigo, seria faz-lo, no ?

    - Sim, mas, de um lado, Antnio est sob a ao de sedativos, ministrados pelo mdico, e, de outro lado, sofre o controle dos seus perseguidores, contra os quais no tem foras para lutar.

    - Fiquei admirado ao ouvir Slvia acusar Antnio de t-la seduzido e enganado com falsas promessas. Foi isso mesmo que ocorreu?

    - Nada disso. Ela procura aumentar-lhe a culpa para domin-lo melhor. Na realidade, ela planejou cuidadosamente toda a trama. Insinuou-se, progressivamente, e com muita cautela. Facilitou algumas roadas de corpo a corpo, quando se cruzavam, bem assim algumas oportunidades para conversarem. Vestia-se com sensualidade, a fim de ser notada. Certo dia, fizeram uma festa, num restaurante, em comemorao ao aniversrio da casa comercial, e Slvia acabou desafiando Antnio a danar com ela. Este, ingenuamente, aceitou o convite e, quando o sentiu nos braos, com alguns copos de vinho na cabea, largou o corpo no corpo do parceiro e a comeou tudo.

    Antnio, tomado de surpresa, aceitou o jogo.

    Danaram outras vezes, e a intimidade cresceu ao ponto de lev-la, de automvel,para casa. No entrar para conhecer, acabou se envolvendo, definitivamente, apaixonando-se e criando todo esse problema.

    - Notei que Slvia no est informada da iniciativa de Antnio, procurando um Centro Esprita, ou seja, apoio para sair dessa enrascada.

    - Penso que no interessa Organizao, que lhe presta servio, inform-la de qualquer fracasso, principalmente em face dos vnculos existentes, de longo tempo, entre eles. Como o faria qualquer organizao terrena, vo absorver o prejuzo eseguir adiante, agora com mais cuidado.

    **

    Arremessado com violncia, Antnio caiu no hall de entrada da sua casa, quase nos braos de Ruth e de Ana, sua esposa, que o aguardavam, ansiosas, desligadas do corpo fsico.

    Quando entramos, Ruth, sentada no cho, j tinha-lhe a cabea recostada em seu regao, e alisava-lhe os cabelos grisalhos, com ternura.

    - Elas sabem o que est acontecendo?

    - Na qualidade de Espritos, e desligadas do corpo fsico, sim. Que quer voc, meu amigo? Quando os membros de uma famlia se amam, sentem prazer em conviver juntos; ao desprenderem-se, durante o sono, continuam esse convvio, em nvel mais elevado, principalmente no caso dos nossos amigos, que so pessoas boas, honradas, embora suscetveis de se enganarem, como todos ns.

    - Pelo que vejo, no se revoltaram com o procedimento de Antnio.

    - Quando libertos do corpo, vemos as coisas com mais lucidez, e podemos julg-las com mais segurana.

    - Se soubessem disso no plano fsico, agiriam do mesmo modo?

    - Creio que no, porque no teriam o conhecimento integral dos fatos, a lucidez a que me referi.

    Pgina 19

  • Liberao (Salvador Gentile).txt- E esse conhecimento no se reflete, de nenhum modo, no plano fsico?

    - Em parte, sim. Diante da situao deprimida e enfermia de Antnio, o inconsciente, s vezes, ameaa liberar a informao, para justificar logicamenteo insucesso do amigo.

    - Mame, ajude-me a colocar o papai na cama - disse a jovem, cujas faces estavammolhadas de lgrimas reluzentes.

    Ergueram Antnio, com todo o cuidado, e, aos seus gemidos, se angustiaram procurando melhor maneira de segur-lo, at que o acomodaram na cama, ao lado docorpo fsico.

    Depois - maravilha! - Ruth ergueu ardente orao a Jesus, suplicando socorro para o pai, ali vencido e supliciado. Ana associou-se a ela, e as duas mulheres se transformaram em dois pequenos sis, com realce para Ruth, ao mesmo tempo que, sobre Antnio, descia uma chuva de eflvios, que lhes jorravam do corao.

    Antnio, aliviado, acomodou-se no corpo e, sem acordar, prosseguiu dormindo, em sono reparador.

    A um sinal de Arquimedes, fizemo-nos visveis s duas mulheres.

    Diante da luz que se irradiava de Arquimedes, Ruth comoveu-se e prostrou-se de joelhos.

    - Oh! Obrigada, Senhor! Vejo que minhas preces foram ouvidas! Mensageiros de Deus, ajudem meu paizinho a sair dessa perseguio terrvel! Sabemos que ele temculpa, mas o castigo nos parece desproporcionado. Embora tenhamos alguns conhecimentos acerca da espiritualidade que nos cerca, no sabemos como agir, como ajudar de maneira eficiente. Papai se nos mostra arredio, esquisito...

    - Levante-se, filha. Somos seus irmos, nada mais. Sim, suas preces foram ouvidas e estamos nos movimentando para ajud-las na soluo do problema. Antnio esteve em um Centro Esprita, pedindo orientao e nosso concurso, o esforo de todos ns, deve dar nfase ao seu progresso no conhecimento esprita, que nos ser o mais poderoso auxiliar, no seu fortalecimento. Espontaneamente, vai pedir sua orientao para programar os estudos; Facilita-lhe os livros mais apropriados, para que ganhemos tempo, e a sua adeso total. Consagrem-lhe todo o apoio, muita compreenso, e procurem fazer com que ele se sinta bem em casa.

    - Sim, meu irmo em Jesus, prometo fazer de tudo para ajudar papai, e lhe sou imensamente grata pela assistncia que lhe vai ser proporcionada. Que Deus o recompense.

    - Fica tranqila, que tudo se resolver em breve.

    Ruth e Ana, emocionadas, regressaram ao plano fsico e despertaram, felizes, tentando recompor, na mente, as alegrias daqueles momentos.

    III - COMO CAMINHA O MAL

    No dia seguinte, eram quase quatro horas, quando Arquimedes me convidou para breve passagem pela casa de Slvia.

    Naturalmente, pensei desde logo, iremos presenciar alguma coisa importante, com vistas ao nosso trabalho de assistncia.

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtDe fato. Por indicao de pessoa de suas relaes, Slvia chamou sua casa, mdium muito conhecida no bairro, que ajudava a resolver muitos problemas das pessoas, com seus recursos espirituais. J estivera outras vezes, e voltava a pedido da jovem.

    Slvia a aguardava impaciente, e com ela ficamos a fim de acompanhar a entrevista.

    No demorou muito e uma senhora, de meia idade, tez morena, e relativamente gorda, acionou a campainha da porta, sendo atendida prontamente pela moa.

    - Oh! Dona Maria das Dores, ando to nervosa com a minha situao, que me parececaminhar de mal para pior.

    - O que houve, minha filha?

    - que o Serra est se afastando cada vez mais de mim. Sinto que vou perder a sua proteo. Chego at pensar que os Espritos, que a assistem, no esto fazendo nada por mim, porque no noto qualquer melhora no nosso relacionamento; muito pelo contrrio, nosso relacionamento est cada vez mais difcil...

    - Que isso, menina! Voc precisa confiar nos Espritos. Eles nunca me decepcionaram. Acontece que cada pessoa tem a sua rea de proteo, e nem sempre fcil romper essas defesas. Tenha calma, que o tempo tudo resolve.

    - A senhora sempre diz isso, mas o tempo passa e no resolve nada. J estou ficando desanimada, desesperada mesmo.

    - Vou incorporar meu guia; converse com ele, pea orientao, e voc vai ver queele lhe explicar tudo, e que tudo est se processando dentro do possvel.

    As duas se concentraram e a mdium evocou seu guia espiritual.

    Prontamente, compareceu um Esprito da Organizao, que se aproximou e senhoreou-lhe as faculdades.

    Olhei, admirado, para Arquimedes, que, compreendendo a minha surpresa, elucidou:

    - Realmente, o guia de nossa irm um Esprito que pertence a essa organizao das sombras, e lhe presta servio. Vemos, aqui, uma outra modalidade de empreita

    do mal: de um Esprito encarnado para um Esprito desencarnado, atravs de um mdium. uma modalidade de pacto mais sria, delicada, porque deliberadamente aceita pelo tomador de servios, que no age iludido, e, vemos, exige eficincia. O compromisso bastante claro, e as conseqncias pesaro na economia espiritual da nossa desventurada irm.

    - Que deseja nossa amiga? - perguntou o Esprito comunicante.

    - Quero saber como est meu caso.

    - Est tudo bem encaminhado.

    - No me parece, porque o meu relacionamento com o Serra no est bom.

    - Ora, as coisas no se fazem da noite para o dia, embora tenhamos muitos Espritos trabalhando no seu caso, para atender aos seus interesses. Estamos apertando o cerco e, de um momento para o outro, o peixe cair, definitivamente, nas redes. Tenha pacincia, porque voc vai vencer a demanda.

    - Est bem, vou aguardar mais algum tempo, vou tentar me controlar. A verdade que estou passando por dificuldades financeiras e, daqui h pouco, talvez

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtprecise sair me vendendo, pelas ruas, a troco de comida.

    - No exagere. Serra generoso e no deixa faltar nada a voc. Seja mais cordial, atenciosa e alegre com ele, e, com isso, os laos que ainda existem, entre os dois, no se rompero de uma vez. Pode confiar. Adeus.

    A entidade afastou-se. A mdium se recomps e procurou acalmar Slvia.

    - E ento, minha filha, mais encorajada, agora?

    - Nem tanto, mas me parece que no h outro remdio seno esperar, esperar. Issome irrita e me cansa; todavia, que seja.

    Em seguida, Slvia procurou sua bolsa, de onde tirou dez cruzados novos, que entregou medianeira, que se retirou.

    - Essa a parte dela no negcio - esclareceu Arquimedes.

    - Quer dizer que, materialmente, s ela quem ganha, enquanto uma falange de Espritos vai trabalhar para atender o servio?

    - Exato, mas, por sua vez, um dia, ela mesma dever prestar servio em benefciodos demais, que a ajudam agora. Est recebendo, adiantadamente, por coisas que lhe sero exigidas no futuro.

    - No vejo o que os Espritos obsessores, e empreiteiros, ganham de sua parte...

    - Estes esto vinculados s quadrilhas, sua direo, e dela recebem favores dealguma espcie, assim como ocorre no plano fsico. E a direo, por sua vez, tem

    sua paga no poder que desfruta e nas regalias decorrentes do poder.

    - Parece-me to pouco.

    - No entanto, o mvel que aciona as criaturas terrestres. No vemos, por exemplo, uma pessoa dedicar muito e precioso tempo para treinar em determinado esporte, a fim de competir, ganhar medalhas, e projetar o seu nome?

    - verdade. No fundo, a maioria luta para se impor sobre os outros, ou destacar-se mais do que os outros.

    Slvia saiu e ns a seguimos. Seu carro estava parado na rua. Montou, e, por nossa vez, nos aboletamos no banco traseiro. A motorista dirigia nervosa, serpenteando no trnsito para passar sempre frente.

    - Interessante! - apontei - as pessoas cometem tantas imprudncias apenas pelo gosto da ultrapassagem. Nossa amiga no est trabalhando nem dirigindo-se a compromisso urgente, no entanto, guia negligentemente. J que estamos estudando o problema da obsesso, penso que os Espritos, usando esse mau costume dos motoristas, poderiam provocar muitos desastres.

    - E provocam. A maioria esmagadora dos desastres rodovirios provocada pelos Espritos obsessores, seja atuando diretamente sobre o obsidiado, seja sobre os motoristas, que faceiam com ele. O veculo tem sido arma eficiente para os vingadores espirituais, facilitando-lhes a eliminao das suas vtimas ou, quando menos, a sua mutilao ou sofrimento.

    Slvia, de repente, encostou o carro no meio-fio e parou. Do lado oposto da calada, estava o estabelecimento comercial de Antnio Serra, que se

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtmovimentava, l dentro, entre as mercadorias.

    Slvia tinha os olhos postos nele e, talvez em razo da ligao mental de ambos,Antnio voltou-se e identificou-a. A jovem fez sinal com a cabea, e seguiu um pouco mais adiante, a fim de escapar do raio visual dos empregados da empresa, que a conheciam.

    Antnio saiu, muito nervoso, atravessou a rua e, procurando disfarar, se aproximou.

    - Preciso de dinheiro, urgente. No tenho nem para comer. No queria procur-lo de novo, porm, ainda no arrumei emprego. Voc pode me arranjar algum?

    - Os negcios vo mal, Slvia. Minhas vendas caram demais, vou at demitir alguns empregados.

    - Tudo bem! Mas, o que preciso no d para quebrar a firma. Arranje-me, pelo menos, cem cruzados novos, emprestados, pois, vou devolv-los em breve.

    Antnio meneou a cabea, afirmativamente, e a moa, aliviada, comeou a tamborilar com os dedos no volante do carro, at que o homem, retornando com um envelope na mo, lho entregou.

    Por iniciativa de Arquimedes, descemos do auto.

    - Tchau, querido. Quando sentir saudades do meu carinho, procure-me. Ainda o espero, diariamente.

    Pressionou o acelerador e se foi, deixando nosso amigo, na calada, pensativo e preocupado. Quando o carro desapareceu numa esquina, voltou casa comercial. Seguimo-lo.

    Arquimedes me indicou, diante das portas da loja, alguns Espritos integrados navingana de Slvia. Quando algum intentava entrar no estabelecimento, debruavam sobre a pessoa e cochichavam algo no seu ouvido. A pessoa parava, hesitante, s vezes, entrava, s vezes, voltava a caminhar pela calada. Dentro do estabelecimento, outros espritos, tambm, atuavam na tentativa de prejudicar. Se a pessoa conseguia entrar, aqueles influenciavam-nas, falavam no seu ouvido, e elas acabavam no comprando.

    - Est vendo? Os empreiteiros do mal levam a srio o seu trabalho, ao passo que,os que poderiam fazer o bem, arrumam mil desculpas para se esquivarem. Se Antnio ficar entregue a si mesmo, por mais tempo, vai arruinar-se.

    - Meu Deus! Nunca pensei que a opresso fosse tanta. Mas essa moa no v que seAntnio quebrar, ela perde a galinha dos ovos de ouro?

    - Slvia sabe que j perdeu a galinha dos ovos de ouro. Vai explorar at onde puder, contudo, a sua mente perversa deseja a runa doex-amante.

    Antnio havia entrado no escritrio, que ficava em dependncia dos fundos. Para l nos dirigimos. Sentado, junto sua mesa de trabalho, meditava, preocupado. Via-se que sua tenso era alta, e pouco faltava para pr-se a chorar. Nisso, tocou o telefone: era Ruth. Quando Arquimedes identificou a interlocutora, aproximou-se do comerciante, colocou a mo sobre sua fronte e passou a inspir-lo, revivendo a conversa que teve com Jos Pedro. O assunto da conversa no era importante, mas a filha, ao final, deve ter perguntado como ele se sentia, porque respondeu

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtinformando que estava bem, embora sentisse alguma dor nas costas, no entanto, menos do que pela manh. Sob o impulso de Arquimedes, falou jovem que tinha interesse em conhecer a Doutrina Esprita e pediu-lhe que lhe selecionasse alguns livros para iniciar o estudo, convidando-a, finalmente, para que o acompanhasse at o CentroEsprita, onde militava JosPedro. Deve ter sido apoiado em tudo, porque desligou o telefone, com um sorriso de satisfao nos lbios.

    Achei interessante como algumas palavras apenas, daquela jovem, haviam produzidoefeito to benfico no nimo do pai. Oh! O amor! Que fora extraordinria tem as

    suas vibraes!

    - Por aqui est tudo bem! Vamo-nos.

    - E essa scia de Espritos que est prejudicando o comrcio da casa, no podemos espant-la?

    - At que poderamos. Mas, prefiro agir de uma s vez. Estamos fazendo um reconhecimento, avaliando a extenso do problema, para depois resolv-lo. Preciso tentar um entendimento com Slvia, antes de tudo, porque se apagarmos o foco do fogo, oincndio ser debelado.

    Arquimedes pretendia conversar com Slvia, assim que esta deixasse o corpo fsico, no estado de sono.

    Chegamos em sua casa em torno da meia-noite. Acomodamo-nos no vestbulo, passando pelos mesmos dois Espritos, da noite anterior, que montavam guarda na sala, segundo pude deduzir. No demorou muito e a jovem, liberta do envoltrio corporal, apareceu na porta. Estvamos preparados para sermos vistos por ela.

    - Quem so vocs? O que querem em minha casa? Quem lhes deu autorizao para invadirem meu lar?

    As perguntas eram feitas com rispidez incrvel, com voz carregada de vibraes pesadas.

    - Estamos vindo da parte de Eduardo, seu av materno, que nos solicitou ajud-la, visto que passa por momentos difceis, anda muito nervosa e est assumindo graves compromissos, cujas conseqncias no pode avaliar. Sou Arquimedes e este Srgio, que me acompanha.

    - Estou bem. Tenho alguns problemas passageiros, mas no quero meu av envolvidoneles.

    - Pois , ele est apreensivo com o seu relacionamento com um senhor, chamado Antnio Serra.

    - Escute, amigo, pelo seu jeito de bonzinho, acho que voc est mais interessadoem ajudar o Antnio do que a mim. Alis, j tenho muita gente me ajudando. Agradeo, mas dispenso a sua ajuda. - respondeu, agora, sria, e mostrando sinais de irritao.

    - Tudo bem, voc livre para escolher os prprios caminhos, contudo, sendo amigos de seu av, estaremos sempre por perto, para, eventualmente, ajud-la no que for possvel.

    - Obrigada. Agora, retirem-se, por favor. Tenho amigos me esperando para providncias inadiveis.

    Despedimo-nos e nos retiramos.

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  • Liberao (Salvador Gentile).txt

    Sabamos quais seriam essas providncias. Dentro em pouco, iriam buscar Antnio para, novamente, oprimi-lo e surr-lo.

    Trasladamo-nos, rapidamente, para a casa da vtima.

    Antnio, fora do corpo fsico, confabulava com a filha e a esposa, recostado em confortvel sof. Estivera no centro Esprita, recebera a ajuda atravs do passe

    abenoado e das preces, lera algumas pginas de O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, que o confortaram, e a sua disposio j era bem outra.

    Da h instantes, os cmplices de Slvia comearam a cham-lo, desde o lado de fora da casa, tentando atra-lo magneticamente, com a ajuda dos ovides, que lheestavam incrustados.

    Antnio agitou-se, demonstrou sbito mal-estar, parecendo relutar em atender o chamado. As mulheres se emocionaram, pedindo-lhe que orasse e resistisse. Mas a presso da sombra era grande, e ele no conseguia articular uma prece.

    Foi quando Arquimedes se aproximou, e, movimentando os braos, estabeleceu uma capa magntica ao seu redor, igual a um casulo de luz. Antnio aquietou-se, relaxou e deixou algumas lgrimas rolarem pela face. Deduzi que havia sentido a ajuda inesperada, e comoveu-se. Era o segundo golpe dado contra o esquema dos empreiteiros do mal.

    L fora, os malfeitores tambm sentiram a interferncia.

    - Entrou _anjo na conversa - disse um deles -, vamos falar com o chefe.

    Dirigiram-se para um barraco abandonado, no muito longe dali, e fomos em sua companhia.

    Notei o quanto triste e significativo o abandono. Vidros quebrados, teias de aranha em profuso, desde o teto, ratos, insetos e mais insetos, o que com um poucode limpeza e uso constante, poderia se mostrar belo edifcio, parecia um ambiente prprio para filmes de horror.

    Estava divagando e observando, quando defrontamos um Esprito de feies duras, e aura vermelho-pardacenta. Era o chefe da regio, sob cuja superviso estavam todos os membros da Organizao.

    - Tivemos problemas com o caso Slvia. O seu ex-amante, hoje, est protegido por_anjos. No pudemos atra-lo, apesar de todos os nossos esforos. A casa ainda est protegida por barreiras magnticas, em razo da filha e da esposa.

    - Outra vez! Precisamos apressar as providncias, seno, daqui a pouco, no o alcanaremos mais. O que sugerem?

    - Acho que esse suplcio noturno, a que Slvia o submete, no vai adiantar nada,em face do apoio que tem em casa. Transforma-se em vtima ostensiva, com castigo

    desproporcionado, e vo aparecer _anjos em profuso para defend-lo. Na minha opinio, devemos nos restringir a minar-lhe a sade, fsica e financeira.

    - Realmente, no sei porque essa mulher teima em repetir esses castigos noturnos. Voc tem toda razo. Vamos conversar com ela.

    Ato contnuo, seguiram, os trs, casa de Slvia, acompanhados, de perto, por ns.

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtA jovem estava impaciente, porque os sequazes no voltavam, demorando-se como nunca ocorreu. Andava de um lado para o outro, praguejando, mordia os lbios e estendia, de vez em quando, os olhos no retrato de Antnio, que estava no quarto, para mentaliz-lo melhor e dirigir-lhe dardos de perturbao.

    Quando entramos, todos, sobressaltou-se em vendo o chefe de servio que acompanhava os dois companheiros, sem Antnio. Antes que xingasse e explodisse, o chefe tomou-lhe a frente.

    - Slvia, seu ex-amante j esteve num Centro Esprita, e l perdemos um dos nossos, que desertou. Agora, meus auxiliares foram busc-lo, e nada conseguiram,porque h interferncias de _anjos e, neste caso, nossa ao anulada. Achamos que esse suplcio, que toda a noite voc teima em lhe impor, est tornando-o resistente e fazendo com que demonstre muito sofrimento, despertando piedade, que atrai ajuda, que no nos convm.

    - Estou pagando para que executem o trabalho como combinamos, e isso inclui esseencontro dirio. Preciso descarregar diretamente meu dio sobre ele.

    - Que dio, se voc est querendo que volte para sua companhia?

    - Sim, mas para humilh-lo, E para humilh-lo que quero v-lo aos meus ps, apanhando para aprender.

    - Vou consultar meus superiores. Voc vai acabar pondo tudo a perder. J temos interferncias poderosas, e no quero assumir a responsabilidade por eventual fracasso.

    - Est bem, est bem! - concordou a jovem, prevendo dificuldades no diz-que-diz,que se desencadearia. Mas, veja bem, preciso que apertem o cerco, porque tenho

    muita pressa em resolver este assunto.

    Arquimedes olhou-me, significativamente. Havamos conseguido mais um ponto a nosso favor, estando Antnio livre daquele suplcio.

    IV - A DEFESA CONTRA O MAL

    Estvamos no Centro Esprita, onde Arquimedes se desincumbia das suas tarefas deassistncia, integrado em intensos preparativos, com vistas reunio de desobsesso que, naquela noite, era o programa da casa.

    Inmeros companheiros, alguns com aparelhagem adequada, limpavam o recinto dos resduos da emanao mental de pessoas encarnadas e desencarnadas, que freqentavam a casa, dando a impresso, que, antes, desinfetavam, para, depois, perfumarem o ambiente, tamanha a modificao que se fazia sentir ao derredor, como se o isolassem do peso da matria mental umbralina, que reinava l fora.

    Em salas contguas, com as sadas protegidas por barreiras magnticas, j se aglomeravam alguns Espritos, trazidos pelos tarefeiros da casa, para os entendimentos necessrios, a fim de tentar resolver os casos de obsesso que estavam sendo tratados. Embora se pudesse notar, pela expresso terrvel desses espritos, de que ali estavam a contragosto, e mesmo com revolta, pareciam contidos em suas manifestaes, e no promoviam nenhum tipo de distrbio ou alarido.

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtSabia que eram Espritos ligados a processos obsessivos e que, se as condies fossem propcias, seriam levados ao entendimento atravs de instrumentos medinicos, no processo que se costuma chamar _doutrinao, quando so constrangidos a dialogar com o dirigente encarnado, que, na verdade, faz o papel de mediador, ouconciliador, entre o obsessor e a vtima e, muitas vezes, entre aquele e entidades que se lheafeioam e que perseguem sua renncia ao processo de vingana, em benefcio prprio.

    - Vejo que os preparativos so enormes e que j se acham, praticamente, definidos os Espritos comunicantes, com vistas doutrinao. Diga-me, j est inteiramente feita a programao dos trabalhos? Ainda no registrei a presena de nenhum tarefeiro encarnado para requerer providncia. No so eles que, indiretamente, elaboram a pauta?

    - De um lado no se esquea de que eles esto sempre acompanhados de seus guias ou protetores, e que, assim, conhecemos, inteiramente, as suas intenes. Por outro lado, o amigo sabe que ns, os Espritos ligados tarefa, na verdade, que selecionamos os casos, encaminhando as pessoas, quando o momento nos parece propcio, para o contato com os nossos amigos pelos condutos da inspirao ou da ao magntica. Se nenhum dos integrantes da equipe faltar, por motivo de ltima hora, a programao se cumprir totalmente.

    Nessa altura, chegaram algumas pessoas, que acionaram a iluminao interior, comluzes discretas, fazendo funcionar um equipamento eletrnico reproduzindo msicas gravadas em fitas, enchendo-se o ambiente de melodias clssicas inesquecveis.

    A equipe de trabalhadores encarnados compunha-se de dez pessoas, sendo trs mdiuns falantes semiconscientes e um mdium inconsciente, estes todos para incorporarem os Espritos que deveriam se comunicar; cinco companheiros de posio mental sadia que serviriam para o apoio fludico, e um mdium vidente e audiente, que se incumbiria de dirigir os trabalhos, e que no outro seno o nosso amigo Jos Pedro, que conhecemos quando atendia a Antnio Serra.

    medida que os encarnados iam chegando, tomavam o seu lugar, ao derredor da mesa, e entravam em preparao, mergulhando na meditao e na prece.

    Eram exatamente vinte horas, presentes todos os tarefeiros encarnados, quando Jos Pedro abriu o trabalho, com comovedora prece em benefcio daqueles que sofrem, especialmente sob a espada impiedosa, e quase sempre traioeira, dos processos de vingana, que resultam nos casos de obsesso. Orlando, seu protetor, estava ao seu lado, e lhe inspirava as palavras, que fluam carregadas de forte emotividade, atraindo a resposta do Alto, pois, suave melodia encheu o ambiente e flores de luz despejavam-se sobre os presentes, formando uma festa de claridades e vibraes sublimes.

    Estavam presentes entidades de elevada hierarquia, algumas com tarefas a desempenhar no programa de assistncia, outras interessadas na soluo de casos particulares, relativos a processos dolorosos com pessoas queridas, constantes da pauta.

    Finda aprece, e transcorridos alguns minutos, aps o xtase que a chuva de luz provocou em todos, percebi que Jos Pedro tinha as suas faculdades em fase de intensa ampliao, vendo e ouvindo o plano espiritual coexistente. Orlando, expressando a direo espiritual dos trabalhos, falava-lhe, baixinho, junto ao ouvido, quero

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  • Liberao (Salvador Gentile).txt

    crer, dando-lhe as instrues iniciais.

    Arquimedes postou-se junto mdium inconsciente, a fim de assisti-la, nos momentos do transe, ajudando-a no controle da instrumentao fsica, que seria cedida aos comunicantes. Permaneci ao seu lado, observando.

    Nisso, dois integrantes da equipe espiritual, mantendo fortemente presa, tomando-a pelos braos, aproximaram uma senhora, de expresso dura e em agitado estado de revolta, para o contato inicial com um dos mdiuns conscientes presentes, um jovem de cerca de vinte e cinco anos. Colocaram a mulher ao seu lado, do lado esquerdo, e, enquanto um mantinha o mdium sob a sua ao magntica a fim de adequar-lhe ocampo vibratrio ao estado da comunicante, o outro atuava sobre esta de modo a acalm-la e ajust-la melhor para o intercmbio.

    Em breves minutos, parecia que o perisprito do mdium e do Esprito se interpenetravam parcialmente, com destaque para a regio das espduas, onde se notava uma ligao mais forte, e a cabea do medianeiro.

    - Deixem-me em paz! Que querem de mim? - gritou o Esprito, pela boca do mdium.

    - Seja bem-vinda, minha irm - falou Jos Pedro, com suavidade, creio que j nosconhecemos da casa da nossa desventurada amiga Carolina, que voc mantm sob terrvel processo de vingana, aniquilando-lhe as foras e provocando-lhe os mais incrveis contratempos. Por que isso, minha irm? No sabe, voc, que o mal que semeamos se abater, mais cedo ou mais tarde, sobre ns mesmos? Se essa irm lhe ofendeu,perdoa, e, com isso, voc ser bem mais feliz, desfrutar de um prazer mais legtimo e suave, que vem do amor.

    - Como voc disse, ela semeou e est colhendo. a lei que est se cumprindo - redargiu a senhora opressora, firme e impassvel.

    Mas, a lei, para se cumprir, no necessita que nos vinguemos. A Justia Divina, que acompanha os nossos atos, tem recursos para punir os culpados, sem as chamas

    do dio que no resolvem o processo. A est o seu equvoco, minha irm - sentenciou o doutrinador.

    - Balela. Ningum vinha castig-la e, por isso, resolvi eu mesma infligir-lhe o castigo.

    - Mas, na verdade, quem est sendo mais castigada voc. Veja, que, mesmo sendoEsprito, com o Universo frente, ainda est arraigada carne, presa nossa irm infeliz, talvez mais infeliz do que ela, pois, enquanto aquela resgata uma provvel dvida, voc est contraindo outro pesado dbito. E esse estado de nimo, essa angstia, essa tristeza em que voc se consome, sem a mais ligeira fresta para entrada de luz e alegria, que a reduz, praticamente, a um estado de animalidade,pode ser chamado de felicidade? Vamos, minha amiga, liberte-se...

    Esse um problema meu. O dio, hoje, me alimenta, a minha motivao e o meu universo. Nada mais quero do que fazer justia e, como disse, uso as minhas prprias mos porque no apareceu, em meu socorro, a justia de Deus.

    - No diga isso, minha irm. A justia de Deus perfeita. Discuta comigo o seu caso. Vamos examin-lo com serenidade e, garanto, voc vai mudar de idia.

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtDiga-me, como nasceu esse dio.

    - Pois bem! Voc vai ver que tenho motivos de sobra para a cobrana de fao. Essa vbora, era minha irm, dez anos mais nova do que eu. Quando morreram os nossos pais, e ficamos rfos, eu fiquei no lugar deles e acabei de criar essa ingrata,como se lhe fora me. Quando casei, levei-a comigo, para o meu lar, junto ao meu

    marido. Pois veja que essa ingrata se enamorou dele e passou a envolv-lo de milmaneiras sem que eu percebesse, e sem que ele se dispusesse infidelidade. Essa

    serpente trabalhava num hospital, no setor de enfermagem, e se aproveitando da oportunidade de fazer-me curativos na cabea, em razo de um corte profundo, queganhei em uma queda, aplicou-me uma gaze impregnada de material contaminado com puz. A infeco se manifestou violentamente e, quando meu marido procurou o mdico, era

    tarde demais. Deixei-lhe o campo livre e, fcil imaginar, estando os dois sozinhos, acabaram se casando. Quando vim a descobrir a trama, brotou em mim este dio imenso e, desde ento, me agarrei a ela, e no a deixarei at que desencarne...

    - Esse tipo de conflito, minha irm, sempre tem ligao com o passado. Vou pediraos nossos Amigos Espirituais para que levantem o vu do passado, e mostrem os fatos que estejam relacionados com esse drama atual.

    Jos Pedro recomendou ao grupo de apoio que fornecesse material, mentalizando, diante do Esprito comunicante, uma tela fludica. Dentro em pouco, cada um passou a expelir matria esbranquiada, que era recolhida pelos Espritos instrutores que manipularam uma tela de mais ou menos, um metro por um metro e vinte centmetros.

    A senhora comunicante acompanhava tudo com muito interesse e algum espanto, quando, de repente, a tela se transformou num quadro vivo, como se fora cinema, onde ela se movimentava, dentro da noite, acompanhada de um homem, de condio inferior e olhar sinistro. Chegaram a uma casa de vastas propores e abrindo a porta, deu entrada ao homem, que se esgueirou, sorrateiramente, entrando no quarto ondedormia uma jovem de seus quinze anos. Acercou-se dela e, num golpe ultrarrpido,

    envolveu-lhe no pescoo um cordel que levava em mos, e estrangulou-a sem que pudesse esboar qualquer defesa, ou proferir qualquer palavra. Dir-se-ia que morreu dormindo. Enrolou a menina num lenol, jogou o fardo no ombro e, passando pela senhora, que lhe entregou uma bolsa, saiu dentro da noite, enterrando o cadver distante da casa, em pequeno capo de mato, onde ningum iria descobrir.

    A senhora era tia da jovem, e amante de seu pai, desde que lhe morrera a esposa.Apesar de vivo, recusava a casar-se por causa da filha, que adorava a me e a tinha na lembrana sempre viva. A tia pensava, tambm, na fortuna que adviria da herana e que lhe escaparia como amante. Removido o empecilho, depois de algum tempo do desaparecimento inexplicado da filha, e de longas e exaustivas buscas, acabou secasando com a assassina.

    Quando a tela se apagou, Jos Pedro que acompanhava o seu desenrolar pela vidncia, diante da senhora comunicante, fortemente emocionada, argumentou:

    - Viu, minha irm, onde est a raiz de seu drama? Ambiciosa, para satisfao de seus planos, voc no titubeou em cortar a vida de uma criana que o destino lhe

    colocou em mos. Um amigo espiritual est me dizendo que a Bondade Divina

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtpermitiu que ambas viessem ligadas pelos laos consanguneos para que, na qualidade de irms, pudessem apagar o passado. Infelizmente, nossa Carolina no resistiu aos mecanismos do inconsciente, e o dio do passado levou-a ao crime. De qualquer forma, se voc entende que se deve pagar olho por olho e pelas prprias mos da vtima,nada tem a reclamar, porque est colhendo o que semeou, pagando uma dvida. E tem mais: voc deve ajudar Carolina porque h muita possibilidade de que reencarnena qualidade de sua neta, com oportunidade para que ela faa muito por voc e venham a se amar, acima de qualquer interesse material, resolvendo o conflito entre ambas.

    A senhora ps-se a chorar e pedir perdo a Deus, e, tendo Jos Pedro pedido que acompanhasse alguns companheiros que a cercavam, afastou-se do mdium, que saiu do transe.

    A sesso prosseguia, e era vez, agora, de se apresentar um Esprito dos mais revoltados, entre os que foram trazidos para o entendimento fraterno.

    Os obreiros espirituais da casa aproximaram-no de outro mdium, procurando ajudar a adequao fludica entre o mdium e o comunicante, atravs do seu prprio concurso magntico e o aproveitamento dos fluidos dos encarnados. Tendo Jos Pedro notado, pela vidncia, que a ligao se completara, entabulou conversa com o esprito.

    - Meu irmo, seja bem-vindo. Estamos aqui para ajud-lo no que for possvel.

    - Perdo, mas, no d para acreditar, uma vez que me trouxeram fora. Estou perplexo, porque nada lhes fiz, nada lhes devo, e no entendo com que direito meconstrangeram a vir at aqui, atrapalhando a minha tarefa pessoal. Bela ajuda!

    - Mais tarde o amigo vai entender que se trata mesmo de uma ajuda, real e valiosa. J o conheo de vista. Notei a sua presena na casa do nosso irmo DiamantinoPvoas, onde voc se empenha em aniquil-lo, sob o jugo de terrvel vingana, que executa friamente. Fui aplicar-lhe passes para compensar e neutralizar a suaao.

    - Conheo-lhe toda a famlia, e no me consta que o senhor faa parte dela. De onde vem o seu interesse, para interferir no nosso caso?

    - que o nosso irmo Diamantino solicitou a nossa ajuda e, juntamente com ele, solicitamos a ajuda de nossos Amigos Espirituais, que, naturalmente, o trouxeram

    at aqui. Agora, sou eu quem pergunto: por que est empenhado em arrasar, moral,fsica e financeiramente, aquele irmo? Que laos terrveis tem esse dio? Que mal ele lhe fez?

    - Ah! Vejo que o amigo inteligente: notou que ele deve ter me feito algum mal,para gerar este dio. Claro, ele me fez muito mal, no s a mim, como a toda a minha famlia.

    - Nesta existncia? - atalhou Jos Pedro.

    - No. Foi na minha ltima encarnao, h duzentos e cinqenta anos atrs. Durante todo esse tempo, no lhe tenho dado trgua. Algumas pessoas do nosso plano de vida, com muitos recursos espirituais, conseguiram tir-lo, por duas vezes, das minhas unhas, reencarnando-o. A nossa ligao muito profunda, e posso dizer

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  • Liberao (Salvador Gentile).txtque ele sente a minha falta, acostumado que est ao martrio que lhe imponho, a ttulo de resgate do mal que me fez.

    - Meu Deus! E voc, no esgotou o seu dio? No lhe d pena v-lo assim vencido e atormentado, durante mais de dois sculos?

    - Pena? Isso uma coisa que ele nunca teve com ningum, ou melhor, de uns tempos para c, com as lies do meu dio, ele vem descobrindo que no est sozinho no mundo, que existem outras pessoas, e que essas outras pessoas tambm tm famlia, e aspiram a ser felizes.

    - Quer dizer, o sofrimento est ajudando o seu progresso?

    - Infelizmente, isso. s vezes fico irritado e penso em deixar que role por simesmo, porque o seu corao est muito mais para o abismo do que para a luz. Ele

    d a impresso de ser humilde, porque no tem sade e nem poder.

    - Sem querer ser indiscreto, mas, para matria de estudo, que mal lhe fez? O amigo pode nos contar os lances dessa triste histria?

    - Oh, no! No pea isso! Se for obrigado a rememorar aqueles dias fatdicos, creio que meu corao se encher de tanto dio que muitos sculos no consumiro.

    - No teremos chegado na hora de terminar esse processo doloroso? O irmo j percebeu que ele o nico a ganhar, porque est pagando pesada dvida e evoluindo custa do sofrimento, enquanto que voc, meu amigo, est estacionado H duzentos e cinqenta anos, e contraindo, por sua vez, tremendo dbito que lhe exigir, talv