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LER PARA SER. Os caminhos antes, durante e… depois de aprender a ler FERNANDA LEOPOLDINA VIANA, IOLANDA RIBEIRO & ADRIANA BAPTISTA (COORDENADORAS) Ler e Ser-001-092.indd 3 04-06-2014 14:43:39

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LER PARA SER.Os caminhos antes, durante e…

depois de aprender a ler

FERNANDA LEOPOLDINA VIANA, IOLANDA RIBEIRO & ADRIANA BAPTISTA

(Coordenadoras)

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LER PARA SER.os Caminhos antes, durante e… depois de aprender a lerCoordenadoras

FERNANDA LEOPOLDINA VIANA, IOLANDA RIBEIRO & ADRIANA BAPTISTAeditor

EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.Rua Fernandes Tomás, nºs 76-803000-167 CoimbraTel.: 239 851 904 · Fax: 239 851 901www.almedina.net · [email protected] de Capa

FBA.pré-impressão

EDIÇÕES ALMEDINA, SAimpressão e aCabamento

NORPRINTJunho, 2014depósito legal

Apesar do cuidado e rigor colocados na elaboração da presente obra, devem os diplomas legais dela constantes ser sempre objeto de confirmação com as publicações oficiais.Toda a reprodução desta obra, por fotocópia ou outro qualquer processo, sem prévia autorização es-crita do Editor, é ilícita e passível de procedimento judicial contra o infrator.

Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na PublicaçãoLER PARA SERLer para ser : os caminhos antes, durantee… depois de aprender a ler / coord. FernandaLeopoldina Viana, Iolanda Ribeiro, Adriana BaptistaISBN 978-972-40-5598-5I – VIANA, Fernanda Leopoldina, 1955-II – RIBEIRO, Iolanda S.III – BAPTISTA, AdrianaCDU 028

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Índice

Prefácio Fernando pinto do amaral ..................................................................... 7

Introdução Fernanda leopoldina Viana, iolanda ribeiro & adriana baptista ...... 9

1. Alicerces da aprendizagem da leitura e da escrita Fernanda leopoldina Viana, ana suCena, iolanda ribeiro & irene Cadime ........................................................................................ 15

2. Leitura de Palavras ana paula .............................................................................................. 33

3. Literacia visual no jardim de infância. As imagens ao pé das letras adriana baptista ..................................................................................... 61

4. Para um entendimento da complexidade d(a aprendizagem)a leitura Íris suzana pires pereira ........................................................................ 93

5. Motivação para a leitura João a. lopes & marina serra de lemos .............................................. 121

6. Leitura do berço ao recreio. Estratégias de promoção da leitura com bebés ana margarida ramos & sara reis da silVa ........................................ 149

7. Linguagem e literacia emergente. Propostas de intervenção em jardim de infância teresa leal, ana madalena gamelas, Carla peixoto & Joana Cadima 175

8. Padrinhos de Leitura ilda Fernandes & iolanda ribeiro ......................................................... 207

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9. O desafio de formar leitores competentes anabela CarValho & maria da ConCeição tomé .................................. 237

10. Ler, hoje ana bela martins & teresa Calçada ................................................ 277

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3. literAciA visuAl no jArdim de infânciA. As imAgens Ao Pé dAs letrAs

Adriana Baptista

Textos e paratextos

Atualmente, todas as crianças se confrontam diariamente com tare-fas de observação e compreensão de imagens que circulam, em contextos sociais e pedagógicos, em número significativamente superior ao que era habitual há algumas décadas. Tal deve-se prioritariamente à facilidade e baixos custos da sua impressão em papel e à sua circulação massiva em ambientes virtuais. Esta facilidade económica e técnica implica com cer-teza mais do que uma simples mudança na quantidade de imagens dis-poníveis, mas, apesar do debate sobre as vantagens e desvantagens dessa quantidade no desenvolvimento cognitivo das crianças estar sempre ativo, a aprendizagem de mecanismos e a promoção de estratégias para o desen-volvimento da literacia visual têm sido muito pouco sistematizadas.

Até bem recentemente, as imagens tinham por função o registo do-cumental, o apoio à compreensão dos textos escritos (ou, pontualmente, do discurso oral religioso) e a fruição estética, como era o caso particular das ilustrações, importantes a embelezar, a detalhar, a organizar, a escla-recer ou a concretizar a informação.

Hoje, para além de existirem de forma independente dos textos com muito mais consistência, as imagens, na relação produtiva que com eles mantêm, acresceram a essas funções primitivas outras que ultrapassam em muito a mera função decorativa e complementar dos textos, que Le-vin, Anglin e Carney (1987) identificaram como a função representativa organizativa. Assim, acomete-se hoje, às imagens, a tarefa de transmitir informações e emoções de forma autónoma ou de interagir produtivamente

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com os textos, potenciando a sua dimensão informativa, contradizendo--os numa dialética complexa ao serviço da ironia ou da manipulação da percepção ou mesmo, de modo quase subversivo, transformando retori-camente a informação que os textos transmitem. Esta forma de represen-tar transformando pode ter como intuito manipular a receção, tornando a informação mais percetível (ou seja, facilitando o acesso à compreensão dos conteúdos através de alegorias visuais, capazes de concretizar visual-mente o que os textos dizem) ou, bem pelo contrário, tornando a compre-ensão da informação transmitida verbalmente mais difícil.

Podemos, pois, afirmar que a reprodução sistemática de imagens na periferia (ou no coração) dos textos verbais mudou as relações entre estes dois sistemas semióticos, as quais deixaram de ser apenas redundantes ou complementares. Como diz Sipe (1998), estas relações são atualmente rela-ções sinérgicas, capazes de dar corpo a narrativas paralelas ou interdepen-dentes (cf. Agosto, 1999). As imagens já não repetem apenas o que dizem os textos e são capazes de contar histórias diferentes. De acordo com Lewis (2001), pensamos que as imagens podem ser o contexto dos textos e os textos o contexto das imagens. A flexibilidade entre estes dois meios, que podem funcionar simultaneamente como organismos e como ambientes de leitura, criou um sistema ecológico onde significados complexos po-dem ser lidos produtivamente, mesmo que não tenham sido intencional-mente codificados para ser lidos desse modo. Não faz, pois, sentido, di-zer-se que as imagens são apenas elementos paratextuais (Genette, 1987). De facto, uma maioria significativa das imagens que as crianças observam são verdadeiros textos semióticos com autonomia informativa e retórica e exigem complexas estratégias de leitura. O leitor fica assim com uma ta-refa gigantesca a seu cargo, uma vez que a leitura de textos bimodais (ou seja, textos que combinam dois meios apresentativos para veicular a in-formação, como por exemplo, o texto verbal e a imagem) potencia as al-ternativas de interpretação do material informativo, narrativo ou poético.

Perceção de imagens e desenvolvimento da literacia visual

As imagens que as crianças veem hoje em dia podem, pois, ser imagens muito complexas que, ao lado dos textos verbais, dão corpo a outros textos significativos. Muitas são mesmo sequências de imagens tecnicamente tão elaboradas que criam a ilusão perfeita da captação do

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movimento, como os filmes de animação e os vídeos. Outras, ainda que mais artesanais, são também capazes da sugestão de movimento, como os stopmotion ou os flipbooks. Mas uma grande percentagem das imagens observadas por crianças é ainda ocupada por imagens fixas, impressas em papel e rodeadas de texto verbal. Estas estão muito longe de ser as mais simples e são, cada vez mais, imagens com estruturas narrativas muito ricas e retoricamente muito elaboradas. É exatamente para estas, que fi-guram nas obras de literatura infantil, mas também em jogos, cartazes pu-blicitários ou embalagens de diversos tipos, que é urgente promover ati-vidades sistemáticas de leitura, chamando a atenção das crianças para a necessidade de ler alguns detalhes que lhes podem passar despercebidos e de relacionar certos elementos que ganham significado exatamente quan-do se percebe a razão da relação que os juntou.

O modo muitas vezes rápido como as crianças identificam o que está figurado nas imagens, ao contrário do que acontece com os textos verbais escritos, faz com que se pense que a literacia visual se adquire de forma espontânea e mais precocemente do que a literacia verbal. Todavia, essa não é a realidade. Percecionar e identificar um objeto, mesmo que fiel-mente representado, não é suficiente para ler uma imagem. Identificar não é ler.

Particularidades da leitura de imagens: identificação e compreensão

A aprendizagem da leitura depende, numa fase de iniciação, do conhe cimento do código escrito e de estratégias de descodificação da cor-respondência fonológica de cada um dos seus sinais. Estas são, normal-mente, ensinadas em contexto académico e têm fases de aprendizagem sensivelmente idênticas em todas as crianças. Por seu lado, os diferentes níveis de compreensão são normalmente exigidos por diferentes tipos de texto e habitualmente a complexidade dos textos verbais aumenta pro-gressivamente, exigindo também capacidades de compreensão mais com-plexas. Este é, no entanto, um processo diferente do da literacia visual, onde não é possível falarmos em descodificação, nem em códigos de sinais. De facto, os elementos gráficos usados na composição das imagens, ainda que obedeçam a uma gramática própria, só metaforicamente podem ser designados como um alfabeto ou como código. Daí que nenhuma criança

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aprenda sistematicamente um código visual, nem faça exercícios de des-codificação para aprender a ler imagens.

Ora, na maioria das vezes em que observamos imagens, somos absor-vidos pela sua dimensão mimética, isto é, pela sua capacidade de repro-dução mais ou menos fidedigna do mundo real e, frequentemente, con-fundimos identificação dos elementos figurados com descodificação.

Para que a identificação se processe, é necessário que existam ícones (ou seja, elementos visuais que representem fielmente a realidade pelo menos num ponto) e que a figuratividade das imagens (cf. Moles, 1981) seja significativa, de modo a que se possa fazer corresponder a imagem percecionada à imagem mental que possuímos do referente, se este já é conhecido. A facilidade de identificação (normalmente não são necessá-rios muitos traços fidedignos para que se processe o reconhecimento dos objetos figurados, isto é, conseguimos identificar formas correspondentes a realidades conhecidas através de figurações muito minimalistas) con-duz, frequentemente, a que se pense que a atividade de identificação ab-sorve toda a informação da imagem. Todavia, as imagens atualmente são muito mais do que o registo de ícones fidedignos da realidade e, para ace-dermos aos significados de uma imagem há que proceder a algo mais do que a simples identificações.

A maioria das imagens goza de sinergias com o texto que a rodeia, o qual pode ajudar a explicar a função de alguns índices visuais. Estes, ao contrário dos ícones, não mostram, mas apontam para uma dada re-alidade. Como se pode ver nas figuras 1 e 2, há imagens com índices de figuratividade muito diversos, mas onde o referente pode ser facilmente identificável.

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Figura 1. As maçãs do Sr. Peabody. Madonna & L. Long, 2003.

Imagem com referentes identificáveis e índi ces de figuratividade muito elevados.Nesta imagem é notório um realismo figurativo, que apesar de não ser fotográfico, disponibiliza variadíssimos detalhes informativos para a identificação dos referentes.

Figura 2. A bomba e o general. U. Eco & E. Carmi, 1989.

Imagem com referentes identificáveis e índices de figuratividade muito baixos.Nesta imagem, a personagem do general de que o texto fala é facilmente identificável, ape-sar de não estar representado iconicamente e apenas vermos pedacinhos de tecido. Estes ar-ticulam-se, no espaço gráfico, numa frase visual coerente para sugerir a imagem de um boné, de uns galões, de umas polainas e de um sobretu-do, compondo a vestimenta de um general que, mesmo não existindo representado, aparece de forma metonímica.

Assim, a identificação de diferentes referentes na imagem nem sem-pre é suficiente para uma compreensão bem sucedida dos seus significa-dos se as relações que estabelecem entre si não funcionarem. Num dado espaço percetivo, os referentes representados apresentam uma organiza-ção dos seus elementos mínimos com sintaxes visuais muito particulares (isto é, mantêm entre eles relações de ordem, quali dade, pertença, gran-deza, relevância, entre outras, às quais atribuimos significado) e que po-dem corresponder à organização do mundo tal como a conhecemos ou a um caos estruturalmente quase indecifrável. As imagens 3 a 6 ilustram esta enorme variedade de cenários.

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Figura 3. Dez numa cama. P. Dale, 1997.

Imagem com referentes identificáveis e uma gestão do espaço fiel face ao real. Apesar da confusão gráfica que a cor e a profusão de personagens desencadeiam, é fácil perceber o esforço de mimetismo, face ao real, nos objetos, detalhes e proporções.

Figura 4. Greve. C. Sobral, 2011.

Imagem com referentes identificáveis e uma gestão do espaço desviada face ao real.Neste caso, o espaço, apesar de guardar índices capazes de indiciar o mundo real, apresenta-se de uma forma fantástica, personificando os referentes e subvertendo proporções e contiguidades espaciais.

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Figura 5. O coração e a garrafa. O. Jeffers, 2010.

Imagem com referentes identificáveis apresentando de forma simultânea o decurso de um diálogo.A estratégia dos balões para as falas das personagens é uma estratégia recorrente, mas também ela exige a leitura de alguns índices para que a ordem e a autoria das falas seja entendida. Aqui, onde cada balão aposta mais na dimensão do significante da palavra do que no significado, a mensagem inclui a ideia de quantidade e diversidade.

Figura 6. Seis histórias às avessas. Luísa Ducla Soares e F. Afonso, 2003.

Imagem com referentes identificáveis e uma gestão do espaço distribuída entre passado, presente e futuro.Nesta imagem é-nos apresentado de forma simultânea o desenrolar diacrónico das ações do monstro que começou sugando a gasolina de um bidão. Insaciável, atacou o depósito de uma camioneta e acabou bebendo toda uma cisterna. A sequência temporal começa no centro e continua no sentido contrário aos ponteiros do relógio, gerindo o espaço com a presença de animais de grande porte, mas diminuindo, de facto, o tamanho das personagens, violando estranhamente a proporcionalidade relativa.

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A gestão sintática do espaço e do tempo gráficos ou seja, a forma como se organiza cada elemento da imagem para interagir no espaço de perceção com os que lhe estão próximos, influencia a leitura que faze-mos da imagem. Apesar de a identificação dos diferentes elementos po-der ser imediata, a forma como os interligamos e as relações significativas que estabelecemos entre cada um deles dependem de opções indivi duais que condicionam a compreensão. Por isso, o adulto que ensina a ler uma imagem deve ajudar a estabelecer implicitamente essas relações, que podem ser sequências temporais (que implicam que se decida onde se começa e termina a frase visual), a perceção de contrastes, as alternâncias de espaços (onde diferentes acontecimentos se desenrolam), etc. A per-manente chamada de atenção para estas estratégias gráficas desenvolve uma metaconsciência acerca da forma como funcionam, uma vez que se repetem de imagem para imagem. O adulto pode explicar, por exemplo, para que servem os balões de pensamento, os contrastes cor/preto e bran-co para indicar presente e passado, os círculos que funcionam como lupas de aumento para indicar um detalhe imperceptível ou um espaço longín-quo, ou as diferenças de tamanho para indicar diferentes distâncias, etc.

Por outro lado, imagens com índices de figuratividade muito eleva-dos e referentes identificáveis podem apresentar registos de conotação e denotação muito diferentes e, consequentemente, exigir interpretações com graus de competência muito diferentes. No caso das imagens com graus de figuratividade elevados e valores conotativos, os elementos figu-rados não valem por si mas pelos seus valores simbólicos e, por isso mes-mo, ver e identificar não é suficiente. É necessário relacionar o que se vê com as imagens mentais que a representação desencadeia, como acontece com a figura 8.

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Figura 7. Le chaperon rouge. C. Perrault & Doré, 1862.

Imagem de dimensão denotativa, com referentes identificáveis e valores de figuratividade muito elevados. Esta imagem tenta ilustrar a história no seu sentido literal, apresentando o perigo como um lobo, ainda que disfarçado de avozinha, representado como um verdadeiro animal feroz.

Figura 8. O Lobo engata o Capuchinho Vermelho. Paula Rego, 2003.

Imagem de dimensão conotativa, com referentes identificáveis e valores de figuratividade muito elevados. Esta imagem acresce à narrativa do Capuchinho Vermelho uma imagem onde a força conotativa é muito ele-vada, com funções representativa, interpretativa e transformadora, fazendo com que o lobo assuma a forma de um indivíduo do sexo masculino, enganosamente vestido de mulher, para melhor se aproximar do capuchinho vermelho.

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A sensação de satisfação que dá a própria perceção das imagens e o reconhecimento dos elementos que nelas figuram mascara, por vezes, o facto de que, apesar de a identificação da figura ter sido bem sucedida, a observação foi pouco rigorosa e muitos detalhes da imagem não foram vistos. Essa desatenção ao detalhe é algo que o adulto tem de monitori-zar em si próprio antes de fazer a exploração com crianças, para não se deixar satisfazer com simples atividades de identificação da situação ge-ral e estimular a perceção e a compreensão. Por vezes, são exatamente os detalhes que permitem aceder a todos os significados de imagem, como poderá acontecer na figura 9, se questionarmos qual a razão para a pre-sença daquele quadro particular na confortável casa da mosca.

Figura 9. A casa da mosca Fosca. E. Mejuto & S. Mora, 2008. Aqui, a atenção aos detalhes cenográficos suscitará a perceção de um quadro com excrementos na parede. Tal quadro justifica-se na casa da mosca, mas seria muito estranho em outras casas e, portanto, parece o detalhe ideal para explorar a compreensão inferencial e a apresentação de argumentos que justifiquem a sua presença.

É com essa desatenção ao detalhe, que acontece sempre que o tema central é identificado com facilidade, que contam, aliás, todos os que usam imagens como estratégias de convencimento. Para ser convincente, é fundamental que a imagem seja de fácil identificação e verosímil, pre-tendendo-se, por isso, às vezes, que não se gaste tempo com a atenção aos deta lhes para se proceder à identificação dos seus conteúdos. Assim, tornar-se-á mais difícil identificar o que foi manipulado na imagem.

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Em certas imagens, um detalhe pode tornar-se tão sedu tor para al-guns observadores que oblitera a visão global da imagem, como foi o caso dos retratos de mulheres nuas na parede da figura 10.

Figura 10. Tommy Ungerer. Otto, 2010.As mulheres nuas são, sem dúvida, um detalhe sedutor da ilustração da narrativa, mas até o próprio Tommy Unge rer se surpreende quando recebe uma carta de uma criança que leu o livro e lhe conta que o que a atraiu mais nesta história foram os retratos das mulheres nuas na parede da sala. Isto é tanto mais interessante para Ungerer, quanto as mulheres nuas não aparecem referidas no texto e surgem apenas na parede de uma sala, aquando do reencontro de dois velhos amigos separados pela guerra em crianças, numa situação particularmente dramática, que obriga um deles, deportado para um campo de concentração, a oferecer o seu urso de peluche ao outro que o perderá durante um bombardeamento.

Por isso, a observação e a compreensão da imagem dependem de um balanço equilibrado entre a compreensão geral do contexto da imagem (o que tecnicamente se chama the gist of a picture e que normalmente é feito pelas crianças muito rapidamente, nos primeiros 60 milissegundos) e a observação detalhada dos seus pormenores (a qual muitas vezes só é feita se obedecer a uma instrução de processamento) para que a leitura da informação da imagem e não apenas a identificação dos seus detalhes seja possível.

Imagens óticas e imagens gráficas

Uma das etapas iniciais na construção da literacia visual implica sensibilizar a criança para o facto de que as imagens podem ser represen-tações miméticas e verdadeiras ou miméticas e falsas.

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Estas últimas palavras podem:a) derivar de um processo de captação (como as fotografias, os ví-

deos, as imagens nos espelhos, as pegadas, etc., que são imagens óticas) e, apesar de parecerem verdadeiras, serem falsas, uma vez que a manipulação é hoje muito fácil;

b) derivar de um processo de produção pela mão humana (como as pinturas, os desenhos, etc. que são imagens gráficas) e, mesmo sendo verosímeis, poderem ser invenções.

As figuras 11 e 12 ilustram exemplos de mimetismo extremo que não corresponde a nenhuma representação do real que não sem a presença de mimetismo.

Figura 11. Publicidade a roupa de cama para bebés. Spanco, 2010.

Imagem ótica com figurações ficcionais.Esta imagem, apesar de ser intensamente ótica e de incluir a captação fotográfica do real, é profundamente ficcional. A cegonha aviadora (que trouxe este bebé e que com ele repousa) obviamente não existe. O que existe é a proteção e o conforto de um edredon feito com penas de cegonha.

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Figura 12. Mário Soares. Júlio Pomar.

Imagem gráfica com figurações reais.Este retrato, que originou alguma controvérsia e que figura na galeria dos Presidentes da República Portu-guesa, tem uma dimensão gráfica que o afasta do realismo fotográfico tradicional nos retratos de Estado. Aproxima-se quase de uma ilustração para crianças, mas é fiel a uma certa imagem de bonomia do presidente e traduz, de forma muito fidedigna, uma mímica facial inconfundível.

A tarefa de sensibilizar a criança para o detalhe pode parecer fasti-diosa, mas é, de facto, o primeiro passo para que ela aprenda a reconhecer a dupla dimen são mimética das imagens e para que não seja um alvo fácil de mani pulação, tomando o verosímil pelo verdadeiro. Para tal, é funda-mental orientá-la no sentido de dar atenção a todos os detalhes e a habi-tuar-se a procurar elementos que lhe forneçam informações para além das que é possível identificar através dos valores de figuratividade. Esta orien-tação é sempre desencadeada por instruções de processamento que devem ser definidas antes da observação conjunta da imagem. A melhor maneira de fornecer a uma criança instruções de processamento de uma imagem consiste em elaborar perguntas sobre essa imagem que impliquem prever acontecimentos futuros, deduzir acontecimentos passados ou explicar o

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status quo da cena. Apesar de a declaração da imagem ser a tarefa mais solicitada, descrever, só por si, não quer dizer compreender.

Entender a leitura de uma imagem como uma atividade de legenda-gem, ainda que eventualmente estimulante e com certeza importante para a sua memorização, não desenvolve a literacia visual. A legendagem de uma imagem, a procura de um título para uma imagem ou a sua descrição são tarefas que desenvolvem mais as competências de oralidade do que as de literacia visual. Podem ser realizadas com objetivos determinados, mas não devem ser uma prática sistemática de abordagem a uma imagem. Questionar a criança apenas sobre o que vê na imagem não é uma verda-deira instrução de processamento e, normalmente, desencadeia respostas imediatas que se limitam a identificar o ambiente representado e pouco mais. Todas as imagens motivam questões diferentes e interessantes, mas perguntar o que pode ter acontecido no momento anterior ao retratado na imagem ou o que acontecerá imediatamente a seguir, perguntar o que sen-te a personagem x ou y, porque estará naquele lugar ou vestida daquele modo, é sempre mais rico do que um pedido de descrição que apenas tes-ta perceção, sobretudo quando o questionador se contenta com uma res-posta global.

Ajudar a ler uma imagem não é, pois, uma tarefa simples e implica que o educador esteja muito sensibilizado para a executar, distinguindo sistematicamente imagens gráficas de imagens óticas, que saiba que o di-gital permite, hoje em dia, manipular imagens óticas e que algumas ima-gens gráficas (como o desenho hiper-realista) podem ser mais fidedignas do que as óticas, como acontece na figura 13.

Figura 13. Histórias Naturais. M. M. Faria, 1984. Desenho hiper-realista de uma aranha.Ainda que gráfica, esta imagem apresenta um pormenor do corpo da aranha, impercetível a olho nu, com grande definição e rigor científico. Aqui, a ilustração é confiável.

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Figura 14. Fotografia de uma aranha no seu habitat natural.Apesar de ótica, esta imagem não consegue transmitir uma representação rigorosa do real, confundindo a informação. Nem sempre as imagens fotográficas, captadas do real, o apresentam de forma clara.

Sem que seja necessário que a criança domine explicitamente esta diferença, é desejável que se questione sobre quais as imagens que são fruto de uma acção de captação (lentes, espelhos, ultra-sons, etc.) e as que são fruto da mente humana e da habilidade manual ou digital e que se aperceba em quais pode confiar e acreditar.

Um dos índices para a identificação é exatamente o desvio que a imagem exibe face ao real. Os desvios podem ser intencionais nas ima-gens gráficas ou óticas (por exemplo, através da produção de elemen-tos gráficos distorcidos face ao real, como nas caricaturas, ou através da mani pulação de fotografias para que um produto pareça o que não é) ou serem fortuitos, como nas fotografias desfocadas ou nos desenhos pouco rigorosos. Em qualquer dos casos, os desvios podem ter implicações rele-vantes na compreensão das imagens e devem ser identificados como tal.

As crianças lidam atualmente com várias imagens em que o desvio face ao real é muito grande (animais e objetos antropomorfizados mas com um índice de figuratividade grande, ou seja, facilmente reconhecí-veis) como é o caso das figuras 15 e 16. Na figura 15, a Carochinha e o João Ratão mantêm as antenas e a cauda ou o focinho, mas atuam como humanos, apagando, por isso mesmo, os seus traços animais. Na figura 16 há a representação de personagens ficcionais ou conceptuais não-huma-nas, credíveis apenas por traços aparentados com os humanos.

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Figura 15. A história a Carochinha e do infeliz João Ratão. A. Torrado & M. M. Faria, 1992. A antropomorfização de diversas personagens nas narrativas verbais e visuais confunde as características parti-culares dos referentes e instala a dimensão narrativa num mundo permanentemente humanizado. Embora apareçam frequentemente com funções lúdicas, estas imagens que apresentam um efetivo desvio face ao real, nem sempre são lidas como ficionais, pelo que a confusão entre mimético e ficcional instala-se desde muito cedo, fazendo com que o desvio seja progressivamente entendido como a representação do possível.

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Figura 16. O Tempo Canário e o Mário ao Contrário. R. T. Duarte & L. Henriques, 2008. A ideia que a expressão idiomática “tempos difíceis” encerra é visível através da anexação da carapaça do cara-col à personagem gráfica que representa o tempo. A sua locomoção é difícil e lenta e, por isso, é um tempo que demora a passar e que sentimos como um fardo insuportável. De facto, o tempo não é humano, mas vê-lo com a forma humana autoriza a construção de imagens mentais sobre o experimentável através do conceito.

Nestes casos, a compreensão só é possível quando a estratégia retó-rica de representação é completamente desmontada. Estamos no com-plexo domínio das alegorias visuais, ou seja, da estratégia de fazer ver mentalmente uma realidade (como os tempos difíceis, por exemplo) que não tem um referente iconicamente representável, através de elementos que com ela mantêm uma relação associativa.

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“Mostração” vs Representação

Tal como a linguagem verbal, também a linguagem visual está dis-ponível para segundos sentidos, ou seja, para a conotação. Isto quer dizer que o que as imagens mostram nem sempre corresponde àquilo de que se fala, ou que pretendem representar.

Pode-se ter uma imagem que mostra uma paisagem exterior total-mente coberta de neve e o que se pretende transmitir ser apenas uma ideia de solidão e não de rigor climático, não sendo, por isso, importante saber a altura da neve, nem onde nem quando foi obtida a imagem. Apesar disso, a identificação do sentido primeiro ou denotativo (paisagem coberta de neve) é fundamental para se aceder aos sentidos segundos (silêncio, ari-dez, solidão, frio).

Pode-se ter a imagem de uma maçã para representar a tentação, o desejo e o perigo, embora se não se reconhecer o ícone da maçã como fruto, ou seja, seu valor denotativo, não será possível associá-la ao fruto proibido com que Eva tentou Adão ou à maçã com que a bruxa envene-nou Branca de Neve.

A conotação na linguagem visual é um processo diferente daquele que ocorre na linguagem verbal porque implica que a imagem mental, construída no processo de compreensão dos valores conotativos, seja di-ferente da que está a ser percecionada. Na linguagem verbal as imagens mentais produzem-se através de imagens verbais, não havendo, por isso, entre a imagem mental e as palavras, a interferência de qualquer imagem gráfica ou ótica.

Ensinar a ler uma imagem, sobretudo uma imagem que tem infor-mações para além do registo documental (como quase todas, hoje em dia), implica estar disponível para construir imagens mentais diferentes das que estão a ser percecionadas, implica não se satisfazer com o que se vê. Esta é uma atitude para a qual é preciso exercitar o olhar e desenvol-ver estratégias de ilação e inferência e sensibilidade aos pequenos deta-lhes que nos permitem identificar hipérboles, trocadilhos, ironias, metoní-mias, alegorias, etc.1 De facto, quando interpretamos a dimensão retórica numa imagem, os seus significados ficam mais evidentes.

1 Estas são figuras de retórica que ajudam a elaborar a informação. Estão presentes quer nos textos verbais, quer nos visuais através da manipulação gráfica de escalas, da presença ou ausência de elementos previsíveis, da sua substituição ou apresentação incon-gruente, etc.

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Ler não é adivinhar

Ver uma imagem não pode servir apenas para verificar a veracidade do texto que a acompanha ou para conduzir o leitor a adivinhar de que fala o texto. Ler uma imagem é, pois, interpretar o seu significado com base em índices – elementos gráficos presentes na imagem que mantêm uma relação de contiguidade com outros elementos ausentes da imagem – que permitem relacionar, de forma implícita ou explícita, o contexto da imagem com os seus elementos, inferir acontecimentos passados ou futu-ros relativamente aos retratados, identificar as características das persona-gens retratadas, etc.

Uma imagem é, normalmente, demasiado poderosa, e não pode ser apenas um pretexto para atividades prévias ao trabalho com o texto. Nas atividades de exploração de imagens, estas são frequentemente utilizadas apenas como um ponto de partida para uma discussão sobre um tema ou como pretexto para uma atividade de leitura de textos verbais, condu-zindo as crianças a tentar adivinhar, por tentativa e erro, em função das características da imagem presente, por exemplo, na capa do livro, de que fala a história que vai ouvir.

Pode pensar-se que se está a promover o raciocínio inferencial, mas, de facto, nesta situação apenas se suscita uma atividade de identificação. Para além disso, promove-se a ideia de que as imagens servem para mos-trar fielmente a realidade. Se sabemos que o livro fala de medos infantis, e que a aranha funciona como um índice desses mesmos medos, não po-demos pretender que a criança adivinhe que o livro fala de medos unica-mente através do visionamento de uma aranha na capa do livro. As infe-rências são feitas através de índices e as aranhas podem ser o índice de múltiplas temáticas e não apenas da temática dos medos ou fobias. Já se a imagem da capa associar uma aranha a um outro qualquer animal ter-rífico ou a uma qualquer atitude de fuga ou pânico de uma personagem, poder-se-á, nesse caso, questionar sobre o que quererá dizer essa relação, ou por que razão tomará aquela personagem essa atitude, promovendo, então, a construção de inferências.

Certas capas de livros, por muito expressivas que sejam, não permi-tem que a criança faça algo mais do que atividades de adivinhação. Mui-tas vezes aquilo que a criança deduz ser possível em função da imagem que lhe pedem para observar, está, de facto, errado, mas o seu raciocínio pode ter sido correto e a imagem que observou poderia, de facto, ilustrar o que está a pensar.

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Quanto maior for o conhecimento que o leitor possuir acerca do assunto que a imagem aborda, maior será a sua capacidade para a ler. Assim, as imagens não podem servir sistematicamente para que os seus leitores adivinhem de que falam os textos; antes pelo contrário, a leitura dos textos pode ajudar a que a leitura da imagem seja mais profunda e produtiva e, portanto, a questão sobre o que significam deve ser criterio-samente introduzida.

Figura 17. Poster da Branca de Neve. C. Jackson, 2012.

Neste caso, um leitor conhecedor da narrativa infantil A Branca de Neve, não terá qualquer dificuldade em identificá-la, mas tal processa-se através da topicalização de um só elemento da narrativa e da elisão de todos os outros exigindo, por isso, mecanismos de inferência com base num conhecimento prévio muito particular. Aqui, não faria sentido perguntar de que história fala esta imagem se as crianças não a conhecessem. A presença de uma maçã dentada pode sugerir milhares de coisas, mas depois de lida a história perceberemos com certeza porque foi a maçã escolhida. Ela é o veneno, o símbolo máximo da maldade, a materialização da inveja e da tentação. A dentada significa que a Branca de Neve se deixou enganar. A análise desta imagem, como a de muitas, será sempre mais produtiva depois de conhecida a narrativa.

Inferir ou deduzir é diferente de descrever

Se se pretende que uma imagem suscite no leitor deduções e infe-rências e que este leia os sentidos conotativos que esta encerra, deve colo-car-se o leitor dentro do contexto de ocorrência da imagem, levando-o a perceber que deduzir, induzir ou fazer analogias está muito longe de iden-

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tificar e descrever o que se vê. Aliás, frequentemente, o que se vê mascara os significados profundos da imagem dado que, como vimos, mostrar é diferente de representar.

Através do desenvolvimento de analogias ou antíteses entre reali-dades percecionadas ou de deduções com base em índices que permitem concluir factos ou consequências que não são mostrados, é, muitas vezes, necessário ultrapassar o real percecionado na imagem e ser capaz de cons-truir imagens de conceitos que não podem ser figurados, como o medo, a dor ou a solidão, à semelhança do que acontece nas imagens 18 e 19.

Figura 18. O coração e a garrafa. O. Jefferson, 2010.

Imagem que representa muito mais do que mostra.Aqui, a cadeira vazia, onde habitualmente se sentava o avô, representa a sua ausência, ou seja, a morte, assim como o desgosto da neta.

Figura 19. O livro dos grandes opostos filosóficos. O. Brenefier & J. Després, 2007.

Imagem que pretende sugerir o contrário do que mostra.Ativo e passivo são dois conceitos em oposição aparente e este momento da partida, em que tudo parece con-gelado e inerte, exibe, pela iminência do disparo, a sensação de movimento interior de excitação.

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Nestes casos, em que a representação excede, contradiz ou questiona a “mostração”, a descrição pormenorizada da imagem é menos relevante do que a identificação do detalhe significativo em torno do qual se estru-tura a significação. Para a identificação deste detalhe contribui normal-mente a capacidade de ler a alotopia, ou seja, a capacidade de identificar o elemento que se afasta ou que sobressai de um contexto coerente, na-tural ou lógico. Este elemento é fundamental para o levantamento de hi-póteses que justifiquem a sua presença e ponham a nu a temática da ima-gem.

Ler o contexto espacial

O espaço de uma imagem é o pano de fundo dos objetos figurados na área de perceção. O espaço pode ser minimalista e dar protagonismo às figurações, distante dos contextos reais, ou, bem pelo contrário, pode ser um espaço preenchido de pormenores e de detalhes reais ou ficcionais.

É fundamental ter sempre presente que o espaço de uma imagem gráfica ou ótica é sempre um enquadramento e que esse enquadramento pressupõe um ponto de vista. Quando se enquadra, foca-se a atenção so-bre um dado pormenor, limpa-se o espaço real. As imagens gráficas e óti-cas são, por isso mesmo, diferentes das imagens percetuais, onde o olhar alcança muito mais e onde o sujeito que vê altera o ponto de vista ao mo-ver o rosto ou ao mudar o local onde se encontra.

As imagens gráficas e óticas nem sempre gozam do ponto de vista do leitor, como as percetuais, apesar de ele estar a olhar para elas, mas do ponto de vista que o produtor da imagem escolheu e, por isso mesmo, podem ter um ponto de vista humano ou sobre-humano. Só pontualmente o autor da imagem faz coincidir o seu ponto de vista com o do leitor ou o da personagem.

As imagens podem mostrar o infinitamente longe, o demasiado es-curo, o demasiado pequeno, etc. As imagens gráficas, por vezes, mostram mais do que o olho humano vê. Quanto mais atenta a criança estiver a esse pormenor, maior vai ser a sua capacidade de ler as imagens e menor a probabilidade de ser enganada pela gestão traiçoeira das escalas. Na fi-gura 20 são as pernas que são grandes ou é a personagem que é demasia-do pequena para andar sozinha no meio delas?

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Figura 20. Mateo.. P. Carfalleira & Peixe, 1999. Espaço enquadrado, demasiado preenchido, com um ponto de vista coincidente com o ponto de vista da personagem, uma criança pequena e que, por isso mesmo, quando se perde da mãe, na rua, só vê uma floresta de pernas.

Figura 21. O pai e a mãe são assim. A. D’Atri & U. Wensel, 1978. Espaço minimalista, com um ponto de vista picado sobre a cena, diferente do ponto de vista humano, mas que permite a alguém saber (porque vê quando os outros todos já estão deitados) que o pai e a mãe trabalham noite fora.

Pedir a descrição do espaço contextual das imagens pode ser uma ati-vidade que promove a atenção percetiva e a concentração, para além de exi-gir a manipulação de léxico designativo e classificativo, o que, por seu lado, permite que a criança reflita sobre a importância da presença do espaço. Na figura 20 o espaço é caótico, claustrofóbico, sugere o medo de quem está perdido numa floresta de pernas. Na figura 21, o espaço mal iluminado sugere altas horas da noite, o desalinho da mesa, longas horas de trabalho.

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Ler o contexto temporal

Mesmo as imagens fixas são capazes de contar histórias. Isto não quer dizer que as imagens fixas possuam decurso temporal, mas quando olhamos para os elementos que nelas figuram podemos quase sempre ten-tar inferir o que se terá passado antes daquele momento que a imagem “congelou” e o que se passará depois. Falamos da analepse da imagem e da sua prolepse. Estes incluem o momento imediatamente anterior à ima-gem e o momento imediatamente posterior, mas também o seu passado provável e o seu futuro previsível. Todos eles fazem uma linha temporal que vemos mentalmente e que dá consistência à imagem.

Figura 22. O elefante acorrentado. J. Bucay & Gusti, 2008. A construção de analepses dos momentos em que o elefante era bebé e tentava soltar-se da estaca – aqui apresentados sob a forma de memórias visuais, guardados em fotografias ou desenhos nas costas dos envelopes – explica a imagem.

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Figura 23. Uma noiva bela, belíssima. B. Masini & A. L. Cantone, 2002. A imagem suscita a construção de prolepses temporais, fazendo-nos prever que, se avançarmos em função dos dados laçados (3+5=8), Filomena, a noiva, alcançará o noivo fugitivo.

Para além desta linearização, as imagens fornecem informações so-bre o tempo histórico a que pertencem (através dos adereços das perso-nagens, do espaço arquitetónico ou dos artefactos culturais) ou do tempo sazo nal (através das tonalidades, do vestuário das personagens ou dos ín-dices climáticos).

Esta informação deve ser pesquisada sistematicamente, através da identificação dos índices disponíveis, sempre que seja relevante para a compreensão.

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Figura 24. O meu primeiro Eça. Luísa Ducla Soares & F. Afonso, 2011. É mais importante colocar questões sobre o tempo da história do que sobre a personagem, aqui tão visível. Esta imagem mostra um Eça que lê, que está vestido da sua própria vida e que sobe por si acima como se fosse o próprio desenrolar do tempo. O padrão da sua roupa contém inúmeros detalhes gráficos a ser lidos como índices temporais e socioculturais da vida do escritor, tendo, por isso, uma função muito mais do que decorativa.

Ações e consequências

As ações exercidas pelas personagens provocam acontecimentos no tempo e alteram situações. Podem, por isso, ser fundamentais para exer-citar a capacidade de prever o desenrolar dos textos verbais e de inferir situações de desenlace da história. Sempre que retratam ações, a maio-ria das imagens fixas, embora paradas no tempo, deixa adivinhar as suas

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consequências e suscita a construção de narrativas na nossa imaginação. As imagens com ações aguçam a curiosidade e permitem o levantamento de hipóteses, podendo servir de mote quando se pretende que as crianças criem, elas próprias, finais possíveis para as histórias que estão a ouvir ou a ler.

Figura 25. Eu espero ... D. Cali & S. Bloch, 2008Ação de consequência previsível. As lágrimas e o lenço a acenar indicam separação, distância. O texto localiza a separação no comboio. Podemos imaginar o comboio a afastar-se. Há agora que desenhar as personagens e encontrar a razão da separação.

Figura 26. O Ladrão de Galinhas. B. Rodriguez, 2011. Depois de uma página de ambiente tranquilo, instala-se a crise quando o raposo rapta a galinha e o galo se agita. O drama é previsível e, no entanto, todos os finais são possíveis.

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Algumas ações, como a descrita na figura 26 são potencialmente produtivas para a invenção de múltiplos finais possíveis para um só acon-tecimento.

Figuras e personagens

A caracterização das figuras é fundamental numa imagem. As figu-ras têm rostos que lhes conferem identidade e expressividade, têm pos-turas que lhes conferem atitudes, têm características de vestuário que as localizam numa época e num universo e executam ações que as situam no tempo. Quando isso acontece deixam de ser figuras, como um homem, uma criança, uma mulher e passam a ser personagens com vida dentro, ou seja, um médico, um aluno, uma bailarina. Para que estas personagens ga-nhem uma designação e passem a fazer parte do universo do leitor, é pre-ciso que, na leitura da imagem, o leitor anexe à identificação do referente a compreensão sintática, isto é, que o leitor associe à figura os detalhes que a caracterizam, o contexto onde se movimenta, as ações que executa e seja, assim, capaz de montar o texto visual.

Figura 27. O homem de água. O. Rosati & G. Pacheco, 2009.Quando a realidade de que se fala é ficcional, a sua representação figural (através de uma imagem mental, que o leitor imagina, ou de uma imagem gráfica, que o leitor vê) faz parte da construção da narrativa. A personagem toma conta da figura para construir a história.Como se relaciona este homem com a chuva, com os charcos, com o mar ou com a água do regador? São figuras distintas ou a mesma realidade?

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Figura 28. A árvore vermelha. S. Tan, 2011.A personagem, e não a figura, cria empatia com o leitor. A figura é aterradora: uma garrafa abandonada na orla marítima com uma criança presa dentro de um escafandro é uma imagem terrível, mas ao dar corpo ao abandono e à incompreensão esta imagem suscita em nós a capacidade de amar a personagem.

Espaço, tempo, ações e personagens são, como em todas as narrati-vas, alguns dos itens que é necessário identificar e desmontar para que a criança se movimente no mundo das imagens sem tomar a figuração pela representação nem a imagem percecionada pela mensagem visual.

As leituras produtoras de sentidos são possíveis em qualquer idade e permitem perceber que aquilo que a imagem mostra é uma plataforma de possibilidades para aceder ao que a imagem representa.

A construção da literacia visual só será possível com um esforço sistemático por parte do adulto para que a criança tome consciência das estratégias envolvidas na criação de sentidos visuais. Essa consciência terá muito a ganhar com um questionamento permanente acerca das par-ticularidades da imagem e dos seus sentidos possíveis que impeça que se tome o visível pelo certo. É preciso conscializar o leitor para a existên-cia de deta lhes que nos prendem a atenção e que são irrelevantes para a compreensão, embora possam não o ser para a fruição, e para detalhes

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escon didos que são determinantes para a compreensão dos significados profundos da imagem. Ou seja, o leitor deve aprender que há uma dife-rença entre o que a imagem mostra e o que a imagem representa.

Perguntar o que a imagem mostra estimula uma leitura top-down, que se pode satisfazer com uma reduzida atenção ao detalhe centrada na capacidade de observação e de descrição. Isolar um elemento da imagem e tentar perceber todas as suas características e funções ou a forma como vai evoluir, implica a leitura e a interpretação de índices e a construção de inferências numa leitura bottom-up que relacione todos os elemen-tos simul taneamente presentes no espaço de perceção e os que, estando ausen tes, fazem parte da cultura geral do leitor, ou seja, promove uma lei-tura potenciadora da compreensão e da própria construção de narrativas.

A promoção da literacia visual exige exercícios sistemáticos de obser-vação e interligação lógica dos elementos gráficos, muito para além da confirmação da sua presença.

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