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A Assistncia aos Leprosos na Idade Mdia: A Gafaria de Coimbra (scs. XIII-XV)1

Ana Rita Rocha

Universidade de Coimbra

Resumo Neste artigo apresentamos o projecto da nossa dissertao de mestrado, na qual estudamos uma instituio de assistncia destinada ao acolhimento de leprosos, a Gafaria ou Hospital de S. Lzaro de Coimbra, entre os sculos XIII e XV. Pretendemos desenvolver um estudo institucional e eco-nmico da leprosaria, focando o seu funcionamento, patrimnio e relaes com foreiros e poderes rgio e concelhio. Atendendo a estes objectivos, o projecto elaborado incide sobre o tema desen-volvido e questes levantadas ao longo da nossa investigao, a contextualizao da matria em estudo na historiografia nacional e internacional, a enumerao e descrio das fontes consulta-das e metodologias aplicadas e sobre a estrutura da dissertao, indicando os captulos a desen-volver.

Abstract In this paper we present the project of our master thesis, which studies an assistance institution for the reception of lepers, the Leper House or Hospital of Saint Lazarus of Coimbra, between the 13th and 15th centuries. We intend to develop an institutional and economic study of this leper house focusing on the functioning, patrimony and the relationship between this hospital and its tenants and the royal and municipal powers. Considering these objectives, this project focuses the theme developed and the issues brought up during our research, the contextualization of the sub-jects under study in national and international historiography, the enumeration and description of the analyzed sources and the applied methodologies, and the structure of the dissertation, with the indication of the chapters to develop.

1. O TEMA: ESTUDAR UMA GAFARIA MEDIEVAL Desde cedo, o tema seleccionado apresentou-se propcio a ser desenvolvido numa dis-sertao, devido riqueza do ncleo documental existente no Arquivo da Universidade de Coimbra, mas tambm devido escassez de estudos exclusivamente dedicados ao

1 O texto aqui publicado corresponde, na sua essncia, comunicao que apresentmos no III Workshop de Estudos Medievais, realizado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, nos dias 14 e 15 de Abril de 2011. Salientamos que alguns dos aspectos aqui considerados, respeitantes elaborao da nossa disser-tao de Mestrado, entretanto concluda e defendida a 2 de Dezembro de 2011, sofreram evoluo e altera-es, devido, sobretudo, ao aparecimento de novas fontes e a opes por diferentes formas de abordagem. Para a redaco final do texto aqui apresentado, contmos com as sugestes da nossa orientadora, Prof. Doutora Maria Helena da Cruz Coelho, e do Prof. Doutor Lus Miguel Duarte (Universidade do Porto) e de Margarita Vsquez Corbal (Universidade de Santiago de Compostela), responsveis pelo comentrio ao nosso artigo na referida sesso do WEM 2011, a quem muito agradecemos.

Incipit 2. Workshop de Estudos Medievais da Universidade do Porto, 201112

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Hospital de S. Lzaro. excepo de alguns trabalhos sobre a assistncia em geral e de um artigo de Rocha Brito2, a Gafaria no foi ainda objecto de uma investigao consis-tente, em que fossem analisados, de forma aprofundada, os elementos facultados pela documentao existente. De facto, o ncleo de documentao mencionado, que est na base do nosso estudo, permite-nos levantar importantes questes que tm norteado a nossa investigao.

Logo de incio surgiram elementos relativos propriedade da Gafaria de Coim-bra. Tratando-se de uma instituio de assistncia, que tinha de fornecer aos indivduos que nela estavam internados uma rao alimentar e monetria, obrigatoriamente seria detentora de importantes bens, que permitissem o seu sustento e sobrevivncia. Assim, como era composto o patrimnio do Hospital de S. Lzaro? Que bens, que rendas, que tipos de contratos se estabeleciam e a quem eram aforadas ou emprazadas as suas pro-priedades? Pretendemos, pois, que este estudo seja desde logo um contributo para o alargamento dos conhecimentos sobre patrimnios e paisagens, com enfoques locais, que se tm vindo a desenvolver ao longo das ltimas dcadas.

A documentao fornece, ainda, dados essenciais para compreender as relaes que se estabeleceram entre a Gafaria de Coimbra e os lavradores que traziam as suas terras emprazadas ou aforadas. Estas relaes traduziram-se, muitas vezes, em confli-tos que colocavam em risco a capacidade de administrao dos bens pelo Hospital de S. Lzaro. Tornou-se pertinente conhecer o abandono e degradao a que as propriedades eram votadas pelos seus foreiros e tudo aquilo que contribua para a eroso da autori-dade da Gafaria e dos seus funcionrios.

Naturalmente, o estudo de uma instituio no se pode limitar anlise dos seus domnios e do modo como os geria. Com efeito, imperativo conhecer intrinseca-mente a Gafaria, ou seja, como funcionava e como era administrada e que indivduos compunham o seu quadro de funcionrios. Alm disso, de que modo evoluiu este esta-belecimento assistencial desde que foi fundado, em 1210, at ao final da Idade Mdia, quando foi alvo de reformas pela mo de D. Manuel? Neste aspecto, temos, ainda, de nos debruar sobre a paisagem urbana, uma vez que a leprosaria estava integrada no espao citadino de Coimbra, onde existiam outros hospitais e albergarias.

O relacionamento que a Gafaria de Coimbra estabeleceu com os poderes rgio e concelhio constitui outra das questes a desenvolver na nossa dissertao. Estabele-cem-se hipteses sobre a ingerncia, ou no, dos dois poderes acima mencionados, numa poderosa instituio de caridade, como era a leprosaria conimbricense. Neste aspecto, procuraremos centrarmo-nos, essencialmente, nos finais do sculo XIV e no sculo XV, por serem aqueles para os quais existe uma maior massa documental, mas tambm por se ter verificado uma maior interveno da autoridade rgia, muitas vezes em confronto com o poder concelhio, nos estabelecimentos de assistncia em geral. Estas hipteses levam-nos, igualmente, a questionar a independncia ou submisso da Gafaria de Coimbra aos poderes superiores. Alm disso, qual desses poderes exercia uma maior influncia sobre este estabelecimento? Em que aspectos da administrao institucional a sua ingerncia se fazia sentir?

Por fim, ao estudarmos uma gafaria medieval torna-se obrigatrio fazer uma contextualizao da doena que est na base da sua fundao: a lepra. necessrio compreender como era definida na Idade Mdia, que conhecimentos possuam os m-dicos e a populao em geral, que causas e valor simblico lhe eram atribudos. igualmente indispensvel considerar o maior ou menor isolamento a que os leprosos foram votados. Mas estes doentes foram tambm alvo da caridade da sociedade medie-val, que lhes prestava assistncia, canalizando para estes indivduos obras de miseri-crdia, com o intuito de atingir a salvao eterna.

Perante o que foi exposto, podemos considerar que todas as questes levantadas e hipteses que pretendemos apresentar se inserem em diversas reas da histria. Des- 2 A. da Rocha Brito, Histria da Gafaria de Coimbra, Arquivos de Dermatologia e Sifiligrafia, I (1931-1932).

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de a histria rural histria urbana, passando pela social, econmica e institucional. No podemos esquecer que mesmo o estudo das relaes com os poderes nos coloca sob a alada da histria poltica.

2. A GAFARIA DE COIMBRA NO CONTEXTO HISTORIOGRFICO NACIONAL E INTERNACIONAL No panorama historiogrfico portugus, o nosso estudo sobre a Gafaria de Coimbra, na Idade Mdia, integra-se, antes de mais, no vasto tema da assistncia medieval, que tem, desde os anos 70 do sculo XX, atrado a ateno de alguns historiadores. Sob este pon-to de vista, vrios estudos tm sido publicados, desde ento, versando assuntos como pobreza, caridade, instituies de assistncia e marginais. Devemos salientar, pelo ca-rcter precursor em Portugal, a realizao das Primeiras Jornadas Luso-Espanholas de Histria Medieval, em 1972, subordinadas ao tema A Pobreza e a Assistncia aos Po-bres na Pennsula Ibrica durante a Idade Mdia, das quais foram publicadas as res-pectivas actas.3 Estas jornadas manifestam-se como um sinal das novas tendncias his-toriogrficas, de influncia internacional, nomeadamente francesa.

Mas outras obras se salientam no estudo da assistncia. Ainda antes da realiza-o das mencionadas jornadas, Fernando da Silva Correia, entre os anos 30 e 60 do sculo passado, se havia destacado pela publicao de diversos trabalhos subordinados ao tema em questo. Salienta-se a obra Origens e Formao das Misericrdias Portu-guesas, publicada, pela primeira vez, em 1944, na qual o autor faz um estudo globali-zante da assistncia, centrando-se na Idade Mdia.4 Apesar de apresentar algumas in-suficincias metodolgicas e conceptuais decorrentes da natural evoluo historiogrfi-ca, a obra continua a ser um marco fundamental da historiografia portuguesa sobre o tema, sendo de incontornvel consulta. No nosso caso especfico, contm informao de base acerca da lepra e das gafarias, constituindo um importante ponto de partida para a nossa investigao, tendo sempre em ateno que necessrio fazer constantes comparaes com a bibliografia mais recente e com a documentao a que temos aces-so.

Quanto ao tema mais particular da lepra e das gafarias, contexto especfico no qual se insere a nossa dissertao, devemos referir que a historiografia nacional surge lacnica. Nas obras de carcter geral, encontram-se, frequentemente, referncias s gafarias, enquanto instituies de acrescida importncia na Idade Mdia. Contudo, no passam de simples referncias.

Alm disso, poucos so os estudos que se dedicam exclusivamente a estes esta-belecimentos assistenciais. Destacam-se os artigos de Manuel Slvio Conde e Maria ngela Beirante, das dcadas de 1980 e 1990, respectivamente. O de Manuel Slvio Conde assume-se como um dos primeiros trabalhos em Portugal referentes a leprosos e gafarias, elaborado nos novos moldes da historiografia. Comea por abordar a lepra e os leprosos na sociedade medieval, para depois se centrar na Gafaria de Santarm e nos seus gafos.5 O artigo de Maria ngela Beirante segue um esquema de anlise semelhan-te, mas referente Gafaria de vora e relativamente mais sucinto.6 A nossa dissertao enquadra-se no tipo de questes e debates lanados por estes historiadores.

Outras leprosarias portuguesas tm sido objecto de estudo de diversos traba-lhos. Veja-se como exemplo as dissertaes de mestrado de Maria Odete Neto Ramos, intitulada O patrimnio da Gafaria de So Gio de Mono: sculos XV-XVI, de 2002,7 e a de Rita Lus Sampaio da Nvoa, A Casa de So Lzaro de Lisboa: Contribu- 3 A Pobreza e a Assistncia aos Pobres na Pennsula Ibrica durante a Idade Mdia. Actas das 1.as Jorna-das Luso-Espanholas de Histria Medieval. 2 tomos (Lisboa: Instituto de Alta Cultura, 1973). 4 Fernando da Silva Correia, Origens e Formao das Misericrdias Portuguesas (Lisboa: Livros Horizon-te, 1999). 5 Manuel Slvio Conde, Subsdios para o Estudo dos Gafos de Santarm (sculos XIII-XV), Estudos Medi-evais, 8 (1987): 99-170. 6 Maria ngela Beirante, A Gafaria de vora, in O ar da Cidade: Ensaios de Histria Medieval e Moder-na (Lisboa: Edies Colibri, 2008), 235-251. 7 Maria Odete Neto Ramos, O patrimnio da Gafaria de So Gio de Mono: sculos XV-XVI (tese de


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tos para uma Histria das Atitudes face Doena (scs. XIV-XV), de 2010.8 Nesta ltima, a autora estuda a Gafaria de Lisboa sob um novo ponto de vista historiogrfico no contexto nacional, analisando as atitudes face doena nos sculos XIV e XV, para alm de contribuir para o conhecimento da instituio em si mesma.

Quanto Gafaria de Coimbra, esta ainda no foi analisada a partir das novas metodologias historiogrficas. De facto, para alm de breves referncias em obras ge-rais ou artigos, existe um nico estudo exclusivamente a ela dedicado, mas datado de 1931-32, da autoria de Rocha Brito, no qual feita uma anlise global da instituio.9

Alm fronteiras, o tema da assistncia e das leprosarias despertou desde cedo a ateno de inmeros investigadores, dando origem a trabalhos de grande importncia. De facto, o contexto internacional do nosso tema revela-se muito mais frtil do que o nacional. Encontramos inmeras referncias a obras dedicadas exclusivamente lepra e s gafarias de determinadas regies. Este fenmeno facilmente se explica pela abun-dncia de fontes de natureza diversa.

O caso francs paradigmtico. Da extensa produo historiogrfica deste pas relativa ao tema, recolhemos a maior parte de bibliografia estrangeira. Nessas obras, encontramos importantes informaes a respeito da lepra, do papel dos leprosos na sociedade medieval e do funcionamento das leprosarias na Frana, permitindo-nos estabelecer uma histria comparativa com a Gafaria de Coimbra, em particular. Entre outras, as obras Histoire des Lpreux au Moyen ge: une socit dexclus, de Franoise Briac,10 e Maladie et socit au Moyen ge: la lpre, les lpreux et les lproseries dans la province ecclsiastique de Sens jusqu'au milieu du XIVe sicle, de Franois-Olivier Touati,11 salientam-se pela importncia historiogrfica que exercem no contexto temtico em questo. A primeira obra apresenta um modelo interpretativo semelhante quele que pretendemos desenvolver na nossa prpria dissertao, embora conceda uma maior importncia vertente mdica e imagem da lepra na Idade Mdia.

A historiografia inglesa tambm se apresenta muito rica relativamente ao tema da lepra e leprosos, dando-nos um importante contributo bibliogrfico. A principal obra britnica que temos vindo a seguir na elaborao da nossa tese da autoria de Carole Rawcliffe e intitula-se Leprosy in Medieval England. Esta autora apresenta, para a Inglaterra, uma anlise detalhada da lepra medieval, analisando as suas causas, diagnstico, tratamento, mas concedendo igualmente alguma importncia segregao dos leprosos e vida nas gafarias.12

Aps a anlise atrs desenvolvida, apercebemo-nos de que existe, actualmente, muita bibliografia a que podemos recorrer como auxiliar de pesquisa para compreenso do fenmeno em estudo e comparao da Gafaria de Coimbra com outras instituies similares, portuguesas e estrangeiras. Em Portugal, o tema tem vindo a ser desenvolvi-do ao longo das ltimas dcadas, mas sem se verificar uma produo exaustiva de obras sobre assistncia e instituies assistenciais como no exterior.

Alm das obras sobre assistncia, lepra, leprosos e gafarias, temos de recorrer a estudos de histria econmica que nos auxiliem na anlise do patrimnio da Gafaria de Coimbra. o caso da obra de Maria Helena da Cruz Coelho, O Baixo Mondego nos Fi-nais da Idade Mdia, na qual so analisados todos os aspectos necessrios compreen-so do mundo rural num espao que se cruza com aquele onde o Hospital de S. Lzaro de Coimbra possua uma grande parte das suas propriedades.13 mestrado, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2002). 8 Rita Lus Sampaio da Nvoa, A Casa de So Lzaro de Lisboa: Contributos para uma Histria das Ati-tudes face Doena (scs. XIV-XV) (tese de mestrado, Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Uni-versidade Nova de Lisboa, 2010). 9 Brito, Histria da Gafaria de Coimbra. 10 Franoise Briac, Histoire des Lpreux au Moyen ge: une socit dexclus (Paris: ditions Imago, 1988). 11 Franois-Olivier Touati, Maladie et socit au Moyen ge: la lpre, les lpreux et les lproseries dans la province ecclsiastique de Sens jusqu'au milieu du XIVe sicle (Bruxelas: De Boeck Universit, 1998). 12 Carole Rawcliffe, Leprosy in Medieval England (Woodbridge: The Boydell Press, 2006). 13 Maria Helena da Cruz Coelho, O Baixo Mondego nos Finais da Idade Mdia. 2 vols. (Lisboa: Imprensa


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3. AS FONTES E METODOLOGIAS APLICADAS Para atingirmos o objectivo inicial proposto, devemos consultar um grande nmero e uma grande variedade de fontes. Desde que inicimos a nossa investigao sobre a Ga-faria de Coimbra, deparmo-nos com documentao suficiente para responder maior parte das questes colocadas.

Concentradas maioritariamente no Arquivo da Universidade de Coimbra, em vrios ncleos, destacando-se os Pergaminhos do Hospital de S. Lzaro, as fontes de que dispomos distribuem-se por diversos tipos. No referido arquivo encontramos cinco modelos de documentao avulsa: cartas rgias, contratos agrrios, doaes, uma nica carta de venda, sentenas, compromissos e cartas de composio. A esta documentao avulsa, acrescenta-se um tombo de propriedade e um livro de regimentos.

Os contratos agrrios, as doaes e a carta de venda servem o nosso propsito central de estudo do patrimnio da Gafaria de Coimbra na Idade Mdia. Deles preten-demos recolher dados que nos permitam fazer o cadastro da propriedade entre os scu-los XIV e XV. Embora com funes diferentes, todos estes documentos nos fornecem o tipo de propriedade em questo e a sua localizao geogrfica. Com estes dados, alm da anlise terica a que sero submetidos, elaboraremos mapas de distribuio geogr-fica dos prdios, a partir dos quais podemos ter uma percepo simplificada e imediata dessa mesma distribuio. Assim, possvel avaliar as regies territoriais de maior con-centrao de bens de uma instituio de assistncia conimbricense e at a concentrao de determinados tipos em zonas especficas.

No caso dos contratos agrrios, estes sero uma das nossas principais fontes, pois a partir deles temos conhecimento de toda a poltica de explorao da terra ence-tada pela Gafaria de Coimbra. Estas fontes, de tipo enfitutico, muito comuns em Por-tugal, fornecem uma grande variedade de dados, quer quantitativos, quer qualitativos. Da leitura de mais de meia centena deste tipo de documentos, ficamos a conhecer a durao dos contratos, os tipos de propriedade, a localizao dos prdios, as suas con-frontaes e as rendas principais e acessrias aplicadas. Temos, assim, os dados neces-srios elaborao de um estudo econmico da propriedade da Gafaria, tendo acesso forma como esta era gerida e aos rendimentos que eram auferidos. Entre estas infor-maes, tambm encontramos as culturas maioritariamente praticadas e os trabalhos que os foreiros tinham de fazer nas terras e edifcios para evitar a sua degradao. Alm disso, os contratos indicam a profisso ou estatuto social dos recebedores, permitindo-nos conhecer os indivduos a quem era entregue o domnio til dos bens do hospital.

As sentenas, compromissos e cartas de composio so outro grupo de docu-mentos com grande valor historiogrfico para o nosso estudo. Compilmos dezasseis cartas deste tipo, no Arquivo da Universidade de Coimbra. Temos por objectivo reco-lher o acusador e o acusado, o assunto em questo e a deciso tomada pelo juiz ou ofici-al de justia, para compreendermos os problemas decorrentes da gesto da proprieda-de, devido falta de zelo, quer dos camponeses que dela traziam o domnio til, quer dos administradores da instituio.

documentao j descrita, acrescentam-se os diplomas rgios. No Arquivo da Universidade de Coimbra inventarimos onze cartas deste tipo respeitantes ao Hospital de S. Lzaro, s quais se acrescentam diversas referncias e documentos encontrados nas Chancelarias Rgias, conservadas na Torre do Tombo e algumas delas j publica-das14, e um nmero reduzido de diplomas no Arquivo Histrico Municipal de Coimbra. Estes documentos contribuem para o estudo das relaes da Gafaria com o poder rgio e at com o poder concelhio, assim como para o conhecimento da sua histria instituci- Nacional - Casa da Moeda, 1989). 14 No nosso estudo recorremos s seguintes chancelarias publicadas: Chancelaria Portuguesas: D. Pedro I, 1357-1367, ed. A. H. de Oliveira Marques (Lisboa: INIC/CEH-UNL, 1984); Chancelarias Portuguesas: D. Joo I, vol. II, tomo 1, 1385-1392, ed. Joo Jos Alves Dias (Lisboa: CEH-UNL, 2005) e Chancelarias Por-tuguesas: D. Joo I, vol. II, tomo 2, 1387-1402, ed. Joo Jos Alves Dias (Lisboa: CEH-UNL, 2005).


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onal. De um modo geral, encontramos neles informaes acerca da confirmao e con-solidao de privilgios da instituio, das medidas tomadas com vista sua boa admi-nistrao, e ainda relativas aco dos monarcas para proteger o hospital do poder que as autoridades concelhias lhe tentavam impor e ao provimento da Gafaria.

Acrescente-se o segundo testamento de D. Sancho I, de 1210, no qual concedi-da uma quantia de dez mil morabitinos ao abade de Alcobaa para fundar a Gafaria15, e dois documentos do Mosteiro de Alcobaa, de 1212 e 121416, que nos do pistas sobre os anos iniciais do hospital, nomeadamente sobre a sua dotao. assim possvel conhe-cer os primeiros bens imveis adquiridos pela Gafaria e a sua localizao. Estes docu-mentos esto conservados na Torre do Tombo.

Para alm da documentao avulsa, fundamental consultar os Regimentos e o Tombo do Hospital de S. Lzaro, existentes no Arquivo da Universidade de Coimbra17. Dos regimentos da Gafaria, interessam-nos os de D. Afonso IV, de 1329, e o de D. Afon-so V, de 1452, para a anlise do funcionamento regulamentado da instituio, que per-mitia a sua correcta administrao. No entanto, no podemos deixar de prestar signifi-cativa ateno ao regimento outorgado por D. Manuel, em 1502, que corresponde, em grande medida, a uma actualizao do de D. Afonso IV. Desta documentao normativa recolhemos, principalmente, as raes a ser atribudas a gafos e merceeiros sos, foros e costumes e funes do vedor e escrivo.

O Tombo da Gafaria de Coimbra, mandado elaborar por D. Manuel e concludo em 1515, um extenso volume que contm o traslado dos regimentos e de algumas car-tas rgias, a que se segue uma relao pormenorizada dos bens do hospital. Nela so descritos, para cada prdio ou ttulo de bens, o tipo de contrato que vigorava, rendas entregues Gafaria e dimenses e confrontaes das propriedades. Todavia, apenas faremos um levantamento de todos os prdios descritos e sua localizao, pois, apesar de conter muitos bens que a Gafaria j possuiria na Baixa Idade Mdia, esta fonte j do sculo XVI, extravasando a cronologia de investigao proposta. Esta lista exaustiva, que nos permite fazer um ponto da situao em 1515, servir para elaborar cartografia onde conste o patrimnio do hospital neste ano, de modo a comparar estes dados com aqueles recolhidos nos contratos agrrios e outra documentao dos sculos XIV e XV.

Pelo volume de documentos e pela quantidade de informao, os dados recolhi-dos nos contratos agrrios sero introduzidos numa base de dados que crimos especi-ficamente para o efeito. Trata-se de uma base de dados simples, onde inserimos os ele-mentos essenciais para responder s nossas questes de investigao e que atrs j nos referimos. Atravs deste suporte informtico, o estudo da propriedade, no seu todo, torna-se mais simples e acessvel, permitindo a comparao entre os diversos contratos e at a pesquisa simplificada de termos, que filtra a informao de acordo com as ne-cessidades do momento.

No caso especfico do Tombo, a lista de prdios que recolhemos ser introduzi-da, medida que consultamos a fonte, numa folha de clculo, com o posterior objectivo de organizar os bens por localizao e tipo, de modo a facilitar a criao de cartografia.

As restantes fontes a que recorremos, como cartas rgias e sentenas, sero alvo de uma anlise qualitativa. Deste modo, sero organizadas por tipo de documento e assunto. Naturalmente, muita documentao ser transversal a diversos temas, exigin-do, da nossa parte, a capacidade de os organizar de modo a cruzar informao sempre que exigido. Para facilitar a sua consulta pretendemos extrair os dados essenciais, como intervenientes, assunto e, no caso das sentenas, deciso tomada.

Apesar de existir um nmero de fontes suficiente para responder a praticamente todas as questes levantadas, em alguns aspectos nota-se uma certa falta de documen- 15 Documentos de D. Sancho I (1174-1211), vol. I, ed. Rui de Azevedo, Avelino de Jesus da Costa e Marcelino Pereira (Coimbra: Centro de Histria da Universidade de Coimbra, 1979), doc. 194, p. 298. 16 ANTT, Mosteiro de Alcobaa, DP, 1. inc., m. 3, n. 15 e ANTT, Mosteiro de Alcobaa, DP, 1. inc., m. 3, n. 21. 17 AUC, Regimento do Hospital de S. Lzaro, Cofre, n. 34 e AUC, Tombo do Hospital de S. Lzaro (1515), Cofre, respectivamente.


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tos que nos permitam cobrir determinados espaos de tempo da histria da Gafaria ou resolver dvidas para as quais apenas possumos um nmero muito limitado de docu-mentos. o caso do sculo XIII, aps a fundao do hospital por D. Sancho I, perodo para o qual nos deparamos com um quase vazio documental. excepo de alguma documentao, como o testamento de D. Sancho, os dois documentos de Alcobaa j mencionados e uma carta de aforamento colectivo de 127518, no encontrmos, ainda, elementos que nos permitam reconstituir de forma slida a vida administrativa e eco-nmica do Hospital de S. Lzaro. Esta situao poder estar relacionada com o que indicado no Regimento de 1329, no qual se pode ler que se perderam muytas scriptu-ras por a malicia dos veedores que foram ante quando os tiravam do oficio com quei-xume que avyam sunegavam as scripturas e perdian-as e per esta guissa ficava a gaffa-ria delapidada sem escripturas.19 Para as relaes que se estabeleceram entre a Gafaria e o concelho de Coimbra as fontes tambm se revelam relativamente escassas. Para isso temos de nos servir daquelas que nos chegaram e apresentar algumas hipteses a partir dos elementos que nos so fornecidos.

Perante essa escassez de fontes, consideramos oportuno, nestes casos, proceder a uma histria comparativa com outras instituies de assistncia, que possa dar ind-cios sobre o que se ter verificado na Gafaria de Coimbra. Daremos assim um particular destaque s leprosarias portuguesas j estudadas, como a de Santarm, vora e Lisboa, mas tambm a outros estabelecimentos assistenciais, como hospitais e confrarias, ob-jectos de estudos mais ou menos aprofundados. No deixaremos, igualmente, de pres-tar ateno histria de leprosarias alm-fronteiras. Esta histria comparativa serve igualmente para verificar regras e excepes na histria da assistncia em Portugal, no geral, e na histria das gafarias, em particular.

4. ESTRUTURA DA DISSERTAO A nossa dissertao de mestrado estrutura-se em quatro partes principais, intituladas, respectivamente, A Lepra e os Leprosos no Ocidente Medieval, A Gafaria de Coimbra no Espao e no Tempo, A Propriedade da Gafaria de Coimbra e Relaes com Pode-res. Cada uma destas partes divide-se em captulos e subcaptulos, de nmero varivel, consoante a informao recolhida e a importncia de cada assunto.

Ao estudar uma instituio de assistncia reservada a leprosos imprescindvel compreender a doena que esteve na base da sua fundao e os indivduos que a ocupa-ram ao longo da sua histria. Neste sentido, iniciamos o nosso estudo com uma parte, dividida em dois captulos, dedicada ao contexto mdico, mental e social de apareci-mento das leprosarias. No primeiro captulo, que intitulmos A Lepra na Idade Mdia: uma afeco de todo o corpo20, fazemos uma anlise desta doena na poca em estu-do, atendendo sua cronologia no Ocidente, definio actual, conhecimento mdico medieval e causas que lhe eram atribudas, quer pelos mdicos, quer pela sociedade.

Segue-se o segundo captulo, no qual analisamos os leprosos, ou seja, aqueles cuja vida estava inevitavelmente condicionada pela doena de que padeciam. , pois, importante verificar como estavam integrados, ou no, na sociedade medieval. Por essa razo, consideraremos a atitude ambivalente da sociedade em relao a estes doentes, manifestando tanto repulsa como compaixo. Analisamos o isolamento a que os lepro-sos foram votados, com particular destaque para o papel das gafarias, mas tambm as atitudes de caridade manifestadas pela restante sociedade, que lhes prestava o seu aux-lio atravs de doaes e do socorro pessoal.

Depois de analisados a lepra e os leprosos, passamos ao estudo concreto da Ga-faria de Coimbra. A segunda parte dedicada instituio no espao e no tempo, divi- 18 AUC, Tombo do Hospital de S. Lzaro (1515), Cofre, fl. 8 9v. 19 AUC, Regimento do Hospital de S. Lzaro, Cofre, n. 34, fl. 2v. 20 Esta expresso corresponde a uma descrio da lepra feita por Bernard de Gordon, professor de Mont-pellier, em 1305. Citado a partir de Franoise Briac, O medo da lepra, in As Doenas tm Histria, apre-sentao de Jacques Le Goff, 127 (Lisboa: Terramar, 1997).


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dindo-se em dois captulos principais. Com o primeiro, intitulado A Assistncia em Coimbra, pretendemos recriar o quadro assistencial urbano, no qual o Hospital de S. Lzaro estava integrado. De um modo geral, faremos um levantamento das instituies existentes na cidade de Coimbra, ao longo da Idade Mdia, que, juntamente, com a Ga-faria, praticavam a caridade, acolhendo e alimentando os mais necessitados.

O captulo seguinte tem por objectivo tratar a Gafaria do ponto de vista institu-cional, subdividindo-se em trs subcaptulos. Abordaremos, no primeiro, o processo evolutivo do hospital ao longo da Idade Mdia, desde a sua fundao em 1210, tentando compreender as mutaes operadas numa instituio de assistncia. Segue-se a anlise da estrutura administrativa, num segundo subcaptulo, onde enumeramos os oficiais que ocupavam os principais cargos de gesto da Gafaria. Concederemos, naturalmente, um lugar de destaque ao vedor e ao escrivo, pela importncia das funes que desem-penhavam. Alm disso, pertinente procurar saber quem eram estes homens e qual a sua origem social, na tentativa de compreender o prestgio que os cargos superiores do Hospital de S. Lzaro alcanavam.

Para terminar a segunda parte da nossa dissertao, escolhemos um subcaptulo destinado compreenso do funcionamento da Gafaria de Coimbra. A partir dos Regi-mentos de 1329, 1452 e 1502 e de diversas cartas rgias, nosso objectivo saber quais os direitos e privilgios dos gafos na instituio, que raes recebiam, a que foros e cos-tumes deviam obedecer e quais as funes dos oficiais que estavam regulamentadas. Neste aspecto, a informao ser, ainda, complementada com a comparao, sempre que necessrio, com os regimentos ou compromissos de outras gafarias portuguesas, j publicados, como o caso de Santarm e de Lisboa.

A terceira parte corresponde ao ncleo central do nosso estudo. Dividida em trs captulos, nela pretendemos reconstituir o patrimnio da Gafaria, com particular relevo para os sculos XIV e XV. No primeiro captulo, ser feito o cadastro da proprie-dade, que inclui a descrio dos tipos de bens do hospital e a respectiva localizao. Este captulo ser enriquecido com a elaborao de mapas, onde conste a distribuio de tipos de prdios por regio, procurando uma leitura simplificada do patrimnio da Gafaria.

No segundo captulo da terceira parte, abordaremos os aspectos essenciais ao conhecimento da poltica de explorao da propriedade praticada pelo Hospital de S. Lzaro de Coimbra. Desta forma, sero redigidos trs subcaptulos, a saber: Durao dos Contratos, Rendas e Foros e Recebedores. No primeiro, pretendemos verificar qual o tipo de contrato predominante, entre emprazamentos e aforamentos. Segue-se, no segundo subcaptulo, uma anlise das rendas e foros pagos Gafaria, com o intuito de encontrar relao entre o tipo de prdio contratado e a renda a pagar, distinguindo sempre, no caso da renda principal, entre renda fixa (em gneros ou dinheiro) e parci-ria. O terceiro subcaptulo apresenta-se como uma tentativa de conhecimento dos indi-vduos a quem o hospital confiava o domnio til dos seus bens, a partir da sua proveni-ncia social e geogrfica, indicada na maior parte dos contratos.

O ltimo captulo da terceira parte receber o ttulo de A Propriedade como Causa de Conflito, pois nosso objectivo observar os problemas que o Hospital de S. Lzaro enfrentava a partir do momento em que entregava o domnio til das suas pro-priedades. Pormenorizando, os conflitos sero divididos por grupos de causas, de acor-do com as questes que estiveram na origem das sentenas, normalmente relacionadas com a desobedincia ou incumprimento dos camponeses.

A nossa dissertao termina com uma parte dedicada s relaes da Gafaria de Coimbra com o poder rgio e o poder municipal, dividindo-se em dois captulos. Apesar de tratadas autonomamente, as relaes com o poder rgio e com o concelhio sero alvo de uma anlise muito semelhante. Desta forma, os referidos captulos incidiro sobre a maior ou menor ingerncia do poder rgio e do concelho de Coimbra na Gafaria. Tam-bm pretendemos averiguar quais os aspectos da administrao da instituio mais expostos a essa interveno e qual dos dois poderes exercia uma maior autoridade so-bre o hospital. Devemos acrescentar, aos assuntos a tratar nestes dois captulos, a qua-lidade das relaes estabelecidas. Tero sido pacficas ou, em algum momento, verifi-


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cou-se uma tentativa de abuso de poder? A tese ser complementada com mapas, tabelas e grficos de anlise e com a

transcrio de grande parte do ncleo documental. Neste caso, ser feita uma seleco dos documentos mais relevantes. Por essa razo, sero escolhidos alguns contratos agrrios e doaes apenas para exemplificar este tipo de documentao, uma vez que se trata de diplomas muito comuns e muito semelhantes no que respeita ao teor diplom-tico. Por sua vez, os regimentos, cartas rgias, sentenas, compromissos, entre outros, sero transcritos e includos no apndice documental na ntegra.

Para concluir, sabemos que algumas fontes se revelaro insuficientes para resol-ver alguns dos problemas colocados. Nesse sentido, procuraremos extrair o mximo de informao daquelas que temos disponveis e sempre que no seja possvel responder a algumas questes, recorreremos a hipteses colocadas a partir da comparao com ou-tras instituies, que nos possam elucidar acerca daquilo que, possivelmente, se passa-ria no Hospital de S. Lzaro. Com o estudo desenvolvido, pretendemos contribuir para a historiografia nacional sobre a assistncia medieval. Atravs do estudo de uma das mais importantes instituies caritativas da cidade de Coimbra, na Idade Mdia, espe-ramos fornecer os conhecimentos necessrios compreenso do seu funcionamento e do seu patrimnio e sua integrao na rede assistencial conimbricense e nacional.

lepra idade média

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