leopoldina e luiz raphael: um caso de amor
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LEOPOLDINA E LUIZ RAPHAEL: UM CASO DE AMOR
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Professor, artista plástico, conservador, pesquisador, ativista cultural,
memorialista são alguns dos qualificativos que Luiz Raphael Domingues Rosa
soube tão bem assimilar e pelos quais é lembrado e reverenciado. Fiel
representante dos chamados “homens Renascentistas”, indivíduos de múltiplose admiráveis talentos, deixou um legado de inestimável valor do qual, hoje, a
Casa de Leitura Lya Botelho hospeda uma parcela na exposição “LEOPOLDINA E
LUIZ RAPHAEL: UM CASO DE AMOR”.
Se a sua luta preservacionista é por todos conhecida, na árdua labuta em
manter e impedir que desaparecessem os traços da permanência do poeta
paraibano Augusto dos Anjos na cidade, é em sua expressão artística que
vamos encontrar o desenhista, o pintor, o professor mas, sobretudo, o atento
memorialista.
Se me permitirem fazer uma analogia, poderia dizer que o poeta e
músico leopoldinense Antônio Sérgio Lima Freire (1945-2008), o Serginho do
Rock e Luiz Raphael, o “Fael”, contemporâneos que foram, compartilharam
uma singular característica: praticamente toda a sua produção artística é
centrada em sua terra, na “pequena” Leopoldina, em seus tipos humanos e sua
geografia. Cada um, à sua maneira, preservou “instantâneos” da cidade e seus
arredores exaltando suas formas, seus aspectos mais corriqueiros, a sua singelabeleza, preservando-a para sempre, inalterada.
Como artista plástico, autor de diversas aquarelas, desenhos telas a óleo
e acrílica, Luiz Raphael associa o olhar amoroso do cidadão apaixonado pela
sua terra e seu povo com um outro, mais preciso, menos idealizado, o do
memorialista comprometido no registro da verdade, do real. Observa-se em
muitas de suas obras a precisão quase fotográfica no desenho e colorido dos
elementos arquitetônicos existentes associados a um entorno onde o ser
humano e demais elementos são “interpretados” mais livremente pelo artista.Herdeiro de uma longa tradição de pintores documentaristas que incluem
nomes como Debret, Rugendas, Eckhout, só para citar os mais conhecidos, que
tiveram como missão registrar em todos os seus detalhes um Brasil recém-
descoberto, Luiz Raphael olha para a sua cidade com a mesma admiração de
quem a vê pela primeira vez. Os “anjinhos” na festa da Igreja do Rosário, a
marcante presença do Morro do Cruzeiro, as palmeiras imperiais da Praça Félix
Martins, a velha sorveteria, em tudo há poesia e verdade. A realidade coexiste
inseparável do olhar amoroso do artista.
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Esta exposição, que acontece durante a passagem do centenário da
morte do poeta Augusto dos Anjos, de quem Luiz Raphael definia-se como
“mordomo”, reúne obras de diversas épocas, pertencentes a coleções
particulares, inclusive da própria família do artista e que foram gentilmentecedidas graças ao valioso empenho do pesquisador leopoldinense Elias
Abrahim Neto.
O visitante irá, certamente, identificar lugares e situações ao visitar a
mostra, aceitando o convite do artista para “re-ler” sua cidade, renovando seu
olhar e estima pelas suas belezas naturais e outras edificadas através de
gerações. Nesse resgate de valores, a importância da conservação patrimonial
e o seu registro através de todas as manifestações artísticas e equipamentos
tecnológicos se faz evidente e necessária. Não há futuro onde o passado é
negado, omitido, abandonado. Provavelmente não teríamos o Museu Espaço
dos Anjos na própria casa onde viveu e morreu o poeta, não fosse pelo
empenho abnegado de Luiz Raphael Domingues Rosa. Não estaríamos hoje
apreciando sua obra, não fosse o cuidado dos proprietários desses quadros
expostos em conservá-los, da família Domingues Rosa e, naturalmente, do
patrocínio da ENERGISA, da Prefeitura Municipal de Leopoldina, Secretaria de
Educação e Secretaria de Cultura, Esportes, Turismo e Lazer de Leopoldina e o
contínuo apoio da FOJB-Fundação Ormeo Junqueira Botelho.
Convidamos, então, a todos para apreciarem Leopoldina através do
sensível e apaixonado olhar de um dos seus mais destacados filhos. Salve Luiz
Raphael!
A exposição permanece aberta ao público de 4 de novembro a 20 de
dezembro de 2014.
Leopoldina, Novembro/Dezembro de 2014
Alexandre Moreira, Coordenador da Casa de Leitura Lya Botelho
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Sumário
O luar no atelier do artista ...................................................................................................................... 5
Um passeio no bosque ............................................................................................................................ 7
"O demônio do meio dia": Godard x Luiz Raphael Domingues Rosa ...................................................... 9
A arte memorialista de Luiz Raphael Domingues Rosa ......................................................................... 11
"Vila", um dos quadros da mostra de Luiz Raphael Domingues Rosa .................................................. 13
Festas populares: a cidade em celebração, na obra de Luiz Raphael Domingues Rosa ....................... 15
A casa dos avós: memória e emoção na pintura de Luiz Raphael Domingues Rosa ............................. 17
Domingo de Carnaval: o Tempo e a Memória na obra de Luiz Raphael Domingues Rosa ................... 19
Uma loja na Cotegipe: o cotidiano da cidade na obra de Luiz Raphael Domingues Rosa .................... 21
A 1ª sorveteria de Leopoldina-MG ........................................................................................................ 23
Ponte sobre o Feijão Cru ....................................................................................................................... 24
Construções, trânsito e comércio na pintura de Luiz Raphael Domingues Rosa .................................. 25
A árvore da forca ................................................................................................................................... 27O Espaço dos Anjos: atelier-museu criado por Luiz Raphael Domingues Rosa .................................... 29
O Morro do Cruzeiro (Serra dos Puris) .................................................................................................. 31
Da janela dos fundos: Luiz Raphael Domingues Rosa e o Espaço dos Anjos ........................................ 32
Um casarão em Piacatuba: a preservação da memória patrimonial na obra de Luiz Raphael
Domingues Rosa .................................................................................................................................... 34
A antiga estação ferroviária (I) : Leopoldina por Luiz Raphael Domingues Rosa .................................. 36
"Como um leite tão branco dá uma fumaça tão negra?" ..................................................................... 38
O último quadro: a obra inacabada de Luiz Raphael Domingues Rosa ................................................ 40
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O luar no atelier do artista
Quadro: “Luar no jardim do Espaço dos Anjos” (1985) / Acervo: Josiani Schettini
Os quadros fazem parte da exposição LEOPOLDINA E LUIZ RAFAEL RAPHAEL: UM CASO DEAMOR que segue até o dia 20 de dezembro de 2014 na Casa de Leitura Lya Botelho (R. JoséPeres, 4 / centro Leopoldina-MG).Esta exposição é patrocinada pela ENERGISA e tem o Apoio Institucional da FOJB-FundaçãoOrmeo Junqueira Botelho.Apoio Cultural: Prefeitura Municipal de Leopoldina, Secretaria de Educação e Secretaria deCultura, Esportes, Lazer e Turismo de Leopoldina.
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Da janela do atelier o artista vê a lua. Branco disco a refletir a luz solar na
noite escura. Imenso satélite orbitando em torno deste planeta, inspirando
enamorados, poeta, cientistas e artistas.
A lua em Leopoldina, para Luiz Raphael Domingues Rosa, não é uma
luazinha qualquer, tímida, anônima, escondida entre nuvens, dependente de
telescópios para ser encontrada na imensidão do cosmos. Não! Certamente
que não. A lua que passeia sobre o quintal da casa-atelier “Espaço dos Anjos” é
soberana, rainha da noite, senhora dos céus.
É ela que vem visitar o artista que, na calada da noite, segue pintando
sua cidade. É ela que alumia a copa da alta mangueira onde, certamente,
Augusto dos Anjos esteve a lembrar-se do seu tamarindeiro, lá na terra natal.Ela, romântica que é, entende o caso de amor do artista com sua Leopoldina.
Essa lua gigante, tão próxima, tão ao alcance da mão, parece querer entrar na
casa da Rua Cotegipe pela porta da varanda perfumada pelas flores do jardim,
indiferente à guarda montada pelo busto do Carlos Gomes que empertigado,
com seu bigode, terno e gravata, observa o noturno movimento.
Para Luiz Raphael não havia assunto, tema, paisagem que não merecesse
sua atenção e seus dons artísticos. Bastava-lhe olhar ao redor para encontrar
beleza e significado dignos de registro. E se o clarão do luar vinha visita-lo,invadindo-lhe a janela do atelier, por que não recebê-lo amorosamente, com
talento, tela, tintas e pincéis?
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Um passeio no bosque
Quadro: “À tarde no bosque da Catedral, o brilho do sol...” (1998) / Acervo:Cândida Maria Cortes Botelho
Tecendo um tapete para quem sobe a escadaria que leva à Catedral de
São Sebastião, as árvores do bosque oferecem as mais diversas tonalidades de
verde para os olhos do caminhante. Plantadas onde, conta-se, foi um antigo
cemitério de escravos, formam um oásis de sombra e frescor em meio à
cidade, amenizando o costumeiro calor e permitindo que a subida seja menos
cansativa.
Uma pequena clareira se forma para que a floreira em forma de cálice
atraia para o seu entorno os pássaros. Aproveitam-se deste elemento os casais
de namorados que ali trocam juras de amor e costuram sonhos comuns.
Também grupos de amigos, risada solta, conversa de futebol, de namoricos, de
festas nos finais de semana, fazem daquele elemento decorativo um ponto de
encontro. Aos solitários, àqueles que preferem ficarem em paz consigo
mesmos, perdidos em seus próprios pensamentos, aquele espaço entre as
árvores nativas é um convite à reflexão.
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"O demônio do meio dia": Godard x Luiz Raphael Domingues Rosa
Quadro: “O demônio do meio-dia” remissivo a Pierrot le Fou – Godard /pintado no Espaço dos Anjos – julho 1993 – Leopoldina - Luiz Raphael. Acervo:
Dr. Ormeo de Faria Filho
Há paisagens que parecem existir apenas na imaginação. Construídas emcores lânguidas, ângulos improváveis, perspectivas e proporções irreais, elas
não se comprometem com o real, mas o recriam como ele deveria, ou poderia,
ser.
Entre morros e colinas, roças e chácaras, entre o acobreado mineral da
terra e uma vasta paleta de verdes, a Catedral de São Sebastião se revela,
quase timidamente, na paisagem ensolarada do quase meio-dia. À distância, no
curvilíneo horizonte, as antenas no Morro do Cruzeiro replicam, na forma, a
torre do sino da igreja.
Tudo é silêncio na paisagem. Nada se move, nem as folhas das palmeiras,
nem as ramas do capim ou a copa das árvores. Nuvens não há. Pássaros a voar,
Ainda que este quadro não faça parte da exposição “LEOPOLDINA E LUIZ RAPHAEL: UMCASO DE AMOR”, convidamos todos a visitarem a mostra e apreciarem as mais de 2 dezenasde obras desse grande artista gentilmente cedidas pelos seus atuais proprietários.A exposição, que continua até o dia 20 de dezembro na Casa de Leitura Lya Botelho, emLeopoldina-MG, é patrocinada pela ENERGISA e tem o Apoio Institucional da FOJB-FundaçãoOrmeo Junqueira Botelho.Apoio Cultural: Prefeitura Municipal de Leopoldina, Secretaria de Educação e Secretaria deCultura, Esportes, Lazer e Turismo de Leopoldina.
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não há. Como se o Tempo houvesse parado, permitindo-se também observar,
sob a claridade solar, os vestígios das construções despontando em meio à
paisagem rural.
Luiz Raphael Domingues Rosa criou um pequeno retábulo, uma peça
devocional, uma joia em termos de composição, cor, simbolismo e emoção.
Não se fica indiferente diante dessa representação de Leopoldina pois, como
toda obra de arte, ela nos fala diretamente aos sentidos, instigando nossa
imaginação, provocando emoções, fazendo com que uma parte de nós se
identifique profundamente com aquilo que vê.
Como os artistas que se dedicaram a pintar o Paraíso terrestre, a
Jerusalém celeste, o artista leopoldinense Luiz Raphael, esteticamentedespreocupado com a realidade objetiva, retrata sua amantíssima cidade como
se quisesse dar forma a uma lenda, como se estivesse ilustrando uma fábula,
como se com tintas e pincéis, esse mago das cores (citando Serginho do Rock)
eternizasse, tornando definitivamente mitológica, a sua pequena Leopoldina.
O artista batizou essa obra como “O demônio do meio-dia”, numa clara
alusão ao filme “Pierrot le Fou” (1965), de Jean-Luc Godard. Podemos, então,
tentar encontrar um paralelo entre essa obra cinematográfica e a pintura em
questão, se nos ativermos ao fato que esse filme fala de romance e das suasimplicações, sendo um drama sobre escolhas e do enfrentamento das
dificuldades. Por isso mesmo é um filme sobre a vida, sobre o destino e sobre o
aceitar desse destino, onde o herói (ou anti-herói) encontra conforto na
literatura e nas artes. E quem mais do que Luiz Raphael Domingues Rosa
aceitou seu destino e escolheu viver uma vida de inteira entrega à Arte, fosse
na preservação da memória do poeta Augusto dos Anjos (literatura), ou,
através da sua obra pictórica, preservando a memória da sua Leopoldina?
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A arte memorialista de Luiz Raphael Domingues Rosa
Quadro: “Residência José Peres” / 1984. Acervo: Rubens Maia
A casa, em sua imponência, domina a esquina e a visão dos que passeiam
e descansam nas aleias da Praça Félix Martins. A arquitetura, que se traduz em
elementos neoclássicos e coloniais brasileiros, faz com que ela se destaque na
rua que ainda guarda terrenos vazios esperando por outras edificações.
O artista escolhe o ângulo daquele que observa com respeitosa distância,
em meio à natureza, à sombra de árvores centenárias, que emolduram o que a
mão do homem construiu. A casa se ergue, rubra, em meio ao verde das
árvores e dos morros que lhe servem de cenário. Uma rosa encarnada, de
tijolos, em meio a uma cidade que parece ser um jardim.
Luiz Raphael Domingues Rosa, autor dessa tela, distribui os elementos
em 3 movimentos como se fosse uma peça musical: à direita, o portão de
entrada que limita o espaço público do privado, mas que não impede a
apreciação do jardim e da construção. No meio da tela, a fachada principal em
todo o seu esplendor e glória. O branco dá-lhe um caráter de templo grego, deentrada de foro romano, de palacete senhorial. Mas é à esquerda da tela, no
restrito espaço entre duas árvores, que percebemos melhor a casa de família,
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com suas janelas abertas para que entre a luz e a brisa, para que as pessoas no
seu interior ouçam os sons da cidade, para que nelas se debrucem apreciando
a luxuriante vegetação da praça em frente,
Com essas divisões, Luiz Raphael dá ritmo e vida ao objeto da sua
pintura. O casarão da esquina deixa de ser apenas a soma dos seus elementos
arquitetônicos e a eles acrescenta a humanidade das pessoas que o habitam,
ainda que não as vemos. E, com a licença concedida a todos os artistas,
audaciosamente acrescenta, sobre a imagem pintada, um célebre trecho
escrito por Rainer Maria Rilke (traduzido por Cecília Meireles) em sua primeira
carta no livro “Cartas a um jovem poeta”:
“Utilize, para se exprimir, as coisas de seu ambiente, as imagens de seussonhos e os objetos de suas lembranças. Se a própria existência cotidiana lhe
parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante
poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza
nem lugar mesquinho e indiferente.”
Foi exatamente isso que Luiz Raphael Domingues Rosa fez com seu
talento e arte: utilizou-se da paisagem do lugar onde vivia, das construções,
ruas, praças, bosques, da sua imaginação e da memória para exprimir seu
profundo amor por Leopoldina.
Curiosidade: Carlos Luz, político leopoldinense com brevíssima passagem
pela Presidência da República, foi um dos moradores desse imóvel que, graças
à manutenção constante realizada por seus proprietários, mantém-se fiel ao
seu desenho original.
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"Vila", um dos quadros da mostra de Luiz Raphael Domingues Rosa
Quadro: “Luiz” (Vila da R. Joaquim Ferreira Brito – 1994) / Acervo: Dr. OrmeoLopes Faria Filho
Um jardim bem cuidado enfeita e alegra as casinhas da vila. Enfileiradas,
se distinguem umas das outras pelo colorido suave da luz que o artista cria comtintas e pincéis, iluminando a manhã que avança sobre o bairro do Rosário. Um
momento de silêncio na cidade que não vemos por inteira. Apenas as flores se
exibem, únicas habitantes, donas e senhoras daquele colorido e privilegiado
corredor de casas geminadas.
Um poste, preso aos fios de luz que nele terminam, lembra que há toda
uma agitação na cidade que amanhece, além desse recorte do Paraíso. Quem
mora aí? O que fazem enquanto suas janelas se abrem para a beleza do dia,
para a exuberância das flores, para a suave timidez do sol? Espreguiçam-seesfregando o sono que insiste em ficar só mais 5 minutinhos? Vestem-se para o
trabalho? Tomam o café da manhã conversando em família? Arrumam os
lençóis desfeitos nas camas? Será que se ouve o choro manhoso de um bebê,
ou as notícias nas vozes que vêm do rádio?
Luiz Raphael Domingues Rosa, o artista que recriou em tela as ruas,
praças, logradouros e contornos da sua amada Leopoldina, transporta o
observador para a intimidade da sua cidade. Nos leva a conhecer (e
reconhecer) recantos insuspeitos de existirem, aqueles que somente o bom
observador se permite o tempo em contemplação.
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Numa composição com um ponto de fuga quase central, Luiz Raphael
convida o olho do espectador a percorrer o corredor onde os verdes, mais
escuros, fazem contraponto com a paleta de cores primárias e quentes usadas
para definir as flores e, mais suavizadas para retratar a luz solar quase fria damanhã, paredes das casas. Somente as telhas de barro avermelhado, da casa
onde todas as linhas mestras da composição partem, criam uma mancha de cor
que nos leva a observar a palmeira que, espraiando-se sobre o azul do céu
leopoldinense, a tudo parece observar.
A Casa de Leitura Lya Botelho, graças à imprescindível colaboração dos
Srs. Elias Abrahim Neto e Rubens Maia, e à generosidade do empréstimo das
obras por seus proprietários, reuniu mais de 20 trabalhos originais de pintura à
óleo sobre tela do saudoso leopoldinense Luiz Raphael Domingues Rosa em
uma exposição denominada LEOPOLDINA E LUIZ RAPHAEL: UM CASO DE
AMOR.
Agradecemos ao Patrocínio da ENERGISA e ao Apoio Cultural da FOJB-
Fundação Ormeo Junqueira Botelho, que viabilizaram essa mostra, e aos
órgãos de divulgação que de maneira espontânea, têm colaborado com a Casa
de Leitura Lya Botelho e, constantemente, contribuído para que nossos
eventos e demais ações culturais atinjam ao maior número possível de pessoas.
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Festas populares: a cidade em celebração, na obra de Luiz Raphael
Domingues Rosa
Quadro: “Igreja do Rosário” (2001) / Acervo Marlene Meireles
A Igreja do Rosário reina absoluta, envolta pelo brilho de uma lua em seu
quarto minguante e pelos sons, perfumes e movimentos da festa que acontece
na pracinha.
A corrida de coelhinhos, o chocolate quente, a maçã do amor, o bingo, osrisos, a conversa das comadres, a correria dos “anjinhos” depois da coroação
da santa, a paquera, a fofoca, o namorico que surge, a roupa especial de ir à
missa, um finzinho de perfume de incenso escapando da porta da igreja, a
vizinhança observando a festa que acontece, nada escapava aos olhos e
memória do artista plástico Luiz Raphael Domingues Rosa.
O controle absoluto do pincel ao reproduzir a igreja e a liberdade alegre
em retratar a festa, tudo reunido numa única tela, num único quadro. Domínioda técnica em função da emoção, o maior atributo dos grandes artistas, e Luiz
Raphael era pródigo nisso. Esses festejos do mês de maio quando aconteciam a
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coroação da Virgem por uma revoada de anjinhos, foram capturados pelo
saudoso artista em seus menores detalhes, com a precisão de quem conta uma
história. Olhar esse quadro é como assistirmos a um filme, onde cada cena,
cada movimento, cada personagem soma para compor uma história. E, emsendo o artista o saudoso Luiz Raphael Domingues Rosa, a história será da sua
Leopoldina, terra amada que ele morreu retratando.
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A casa dos avós: memória e emoção na pintura de Luiz Raphael Domingues
Rosa
Quadro: “Casa Comercial Raphael Domingues” (1973) / Acervo: AngelaDomingues Rosa
A casa dos avós: tantas vezes perpetuada nas delicadas e precisas
pinceladas sobre a tela branca. O começo de tudo. O lugar do nascimento. A
família. A origem.
A construção austera e bela da Rua Barão de Cotegipe, no centro da
cidade, de onde se podia apreciar das sacadas o desenvolvimento trazido pelo
trem, os caixeiros-viajantes e visitantes chegando aos hotéis e pensões, a casa
bancária logo em frente recebendo seus clientes. A loja, no pavimento térreo,
aberta para o movimento da rua, a atrair compradores com suas mercadorias
cuidadosamente dispostas nas prateleiras. A vida acontecendo no ritmo do dia
a dia.
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Essa memória idílica da residência-loja dos avós foi algumas vezes
retratada por Luiz Raphael Domingues Rosa, talvez premonitoriamente para
que hoje pudéssemos comparar o passado ao presente, pudéssemos avaliar em
como tratamos as construções históricas e as de arquitetura distinta da nossacidade.
Dificilmente hoje, o passante desinformado reconhecerá na decadência
do imóvel a antiga beleza das formas coloniais remanescentes do barroco rural,
da importância do comércio na construção da própria cidade e dos símbolos
das famílias que aqui, então, iam construindo sua descendência. Hoje,
escondida entre outras edificações de gosto duvidoso, a casa da família do
patriarca Raphael Domingues agoniza por falta de cuidados, de atenção, de
respeito pelo valor histórico e patrimônio que representa.
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Domingo de Carnaval: o Tempo e a Memória na obra de Luiz Raphael
Domingues Rosa
Quadro: “Domingo” (1994) / Acervo: Dr. Ormeo Lopes Faria Filho
Domingo de Carnaval. O centro da cidade é palco de um corso de carros
carregados de piratas, odaliscas, colombinas. Na estação foliões brincam na
plataforma, não se importando com chegadas ou partidas. O que vale é adiversão.
O cruzamento da Barão de Cotegipe com os trilhos da estrada de ferro é
onde se exibem no convés de sua embandeirada nau os divertidos piratas-da-
perna-de-pau-do-olho-de-vidro-da-cara-de-mau. Logo ali, um carro
transformado numa estrelada tenda onde diáfanas odaliscas se esquecem do
silêncio do deserto e, vindo em sentido contrário, pierrôs e colombinas saúdam
Momo, que reina sobre os festejos.
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Caminha pela rua um gigante nada ameaçador a brincar com os foliões
enquanto a dupla de marinheiros, que provavelmente nunca tenha chegado
até o mar, caminha em direção à folia que acontece em terra firme. Na graciosa
casa da esquina, que um dia sucumbirá ao tal do progresso, a sedutoraespanhola encanta, com sua beleza e figurino, um entusiasmado arlequim que
por ela esqueceu-se da Colombina.
Uma das mais lúdicas e sensíveis obras criadas por Luiz Raphael
Domingues Rosa , “Domingo” é um quadro para ser apreciado com poesia no
olhar. O convite para tomarmos parte nessa encantadora festa pagã se faz na
perspectiva de linhas acentuadas, no símbolismo dos trilhos que nos indicam o
caminho da diversão, no colorido dos figurinos cuidadosamente detalhados, na
luz quente que permeia a atmosfera da festa, na pequena máscara negra, em
primeiríssimo plano, esquecida nas pedras do chão.
Carnavais já foram assim, feitos de imaginação, sonho, fantasia e
inocência. Os domingos também, quando se ia ao cinema, passeava-se pela
praça, trocavam-se olhares e sorrisos, bilhetinhos românticos eram passados às
escondidas e ainda permitíamo-nos encontrar e desfrutar alegrias nas coisas
mais simples.
Visionário e intuitivo, como o são os artistas, Luiz Raphael conservouesse momento de festa na sua Leopoldina em tinta e tela para que hoje
pudéssemos conhecer, ou recordar, o que o Tempo insiste em apagar.
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Uma loja na Cotegipe: o cotidiano da cidade na obra de Luiz Raphael
Domingues Rosa
Quadro: "Casa Abrahão" (1975) Acervo: Cândida Maria Cortes Botelho
A loja na esquina das R. Barão de Cotegipe e Travessa Pedro II tambémfoi motivo de inspiração para o artista plástico Luiz Raphael Domingues Rosa e
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encontra-se hoje entre os quadros originais desse leopoldinense em exibição
na mostra LEOPOLDINA E LUIZ RAPHAEL: UM CASO DE AMOR, que acontece
até 20 de dezembro na Casa De Leitura Lya Botelho, em Leopoldina-MG.
Todo assunto em que pudesse, através do seu talento com tintas e
pincéis, registrar sua cidade, interessava a Luiz Raphael. Não havia nada
pequeno ou corriqueiro demais que escapasse aos seus olhos treinados de
artista, pois a beleza e a importância do registro encontra-se em toda parte.
A loja aberta para receber seus clientes, onde se vê a mercadoria à venda
sendo cuidada pela proprietária e as estudantes que passam pela calçada, indo
ou vindo da escola na luminosidade do dia, é um fragmento do cotidiano da
cidade. Luiz Raphael Domingues Rosa sabe que momentos como esse, imagenscomo essa, irão um dia desaparecer, se transformar com o passar do tempo e
as mudanças naturais de hábitos das pessoas e da própria paisagem urbana e,
por isso mesmo, os registra com aguda sensibilidade.
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A 1ª sorveteria de Leopoldina-MG
Quadro pertencente ao acervo de Arlene Carvalho.
Na Praça Botelho Reis (Pracinha do Ginásio) a casa de esquina onde hoje
funciona uma papelaria foi a primeira sorveteria de Leopoldina. Nicolau Sabino,
pai de Brígida e Angela, fabricava e vendia sorvetes neste local.
Este quadro a óleo, pintado em 1980 pelo artista plástico leopoldinenseLuiz Raphael Domingues Rosa, recupera a arquitetura original da casa e o
aspecto da paisagem ao seu redor, num resgate da memória local.
Este, e outros quadros do artista, fazem parte da exposição
"LEOPOLDINA E LUIZ RAPHAEL: UM CASO DE AMOR" que a Casa De Leitura Lya
Botelho exibe de 3 de novembro a 20 de dezembro graças ao empréstimo das
obras originais pelos seus proprietários e ao patrocínio da ENERGISA e apoio da
FOJB-Fundação Ormeo Junqueira Botelho.
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Ponte sobre o Feijão Cru
A exuberância da vegetação que margeava o Córrego do Feijão Crú foi
motivo para o artista plástico Luiz Raphael Domingues Rosa criar uma pequena
obra de arte.
A ponte (atualmente substituída por uma sem nenhuma preocupação
estética) da Rua da Floresta sobre o Feijão Cru, onde há muitas décadas asmães e babás dela se utilizavam para levar as crianças para brincarem à
margem do córrego (ainda não poluído) continuará a existir para sempre, pelo
menos nesse quadro que pertence ao acervo de Cândida Maria Cortes Botelho
e faz parte da mostra LEOPOLDINA E LUIZ RAPHAEL: UM CASO DE AMOR, que
acontece na Casa De Leitura Lya Botelho até 20 de dezembro.
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Construções, trânsito e comércio na pintura de Luiz Raphael Domingues Rosa
Quadro: "Casa Fellipe" / Acervo: Jesus Paixão Monteiro.
A paisagem urbana se transforma, inexoravelmente. Entretanto ela
sobrevive em nossa memória, seja pela lembrança de um fato ocorrido, ou por
uma ocasião festiva, ou mesmo por situações corriqueiras, do dia a dia, como
realizar uma compra.
A "Casa Henrique Fellipe", na esquina da R. Barão de Cotegipe com a R.
Tiradentes, aqui em Leopoldina-MG, não mais existe, substituída que foi por
um shopping center, mas certamente continua viva na lembrança de todos quelá iam para fazer suas compras entre centenas de itens diversificados. Um
verdadeiro "magazine", como nos referíamos, de forma afrancesada, às lojas
hoje chamadas de "departamentos".
Luiz Raphael Domingues Rosa soube como ninguém nesta cidade
capturar em tintas e pincéis essas mudanças que a cidade ia vivendo. Registrou
a "Casa Henrique Fellipe" no auge de suas amplas vitrinas e prateleiras repletas
de artigos de consumo que encantavam os transeuntes, sempre dispostos aapreciá-los.
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Na esquina oposta, ainda praticamente "no original" graças ao seu atual
proprietário, a "Ducal", outro símbolo do comércio local daquela época.
Este quadro pode ser apreciado, graças a gentileza do empréstimo feito
por seu proprietário, visitando a exposição "LEOPOLDINA E LUIZ RAPHAEL: UM
CASO DE AMOR", que acontece na Casa De Leitura Lya Botelho e segue até o
dia 20 de dezembro.
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A árvore da forca
Quadro: “Árvore da Forca” (1986) / Acervo: Cândida Maria Cortes Botelho
Uma árvore retorcida em seus muitos anos, no alto da colina, contra o
céu de um azul claro e sem nuvens. Uma trilha no mato, feita por muitos pés, a
nos dizer que há mais o que ver e onde chegar lá no alto e que a velha árvore
ali está, há muito, vigilante, atenta a quem por ela passa ou à sua sombra
descansa.A mítica “árvore da forca”, onde escravos e criminosos teriam sido
enforcados ou o local da primeira missa rezada no dia de natal de 1831, no
lugar onde hoje Pirineus? Com certeza, para o pesquisador, para o historiador
ou memorialista o esclarecimento desses possíveis dados importa, e muito, na
construção da história de Leopoldina-MG.
Mas aqui estamos falando de Arte, mais especificamente de pintura,
daquela poesia que é construída no ballet que o pincel do artista executa sobre
a tela. Histórias contadas pelos mais velhos, mitologias locais, tudo concorre
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para criar uma mística no objeto em questão e é isso que o artista procura
transmitir ao retratá-lo.
Não havia, para o leopoldinense Luiz Raphael Domingues Rosa, um tema
ou assunto “menor” ou algo que não merecesse sua consideração, seu olhar,
seu talento. Nada era “pequeno” demais, comum demais, simplório demais. Ao
contrário, tudo adquiria valor através da perspectiva do seu olhar de criador. A
velha e contorcida árvore no alto dos Pirineus não seria exceção.
Entre os diversos trabalhos que integram a mostra LEOPOLDINA E LUIZ
RAPHAEL: UM CASO DE AMOR que acontece até 20 de dezembro na Casa de
Leitura Lya Botelho, em Leopoldina-MG, está esse pequeno, mas poderoso,
quadro. Mais um aspecto da cidade amada retratado pelo multitalentoso Fael.
Obs: Capa do jornal "Via Popular", editado em Leopoldina, de maio de
1999 onde, com o título de "Daqui pra frente... um mergulho no futuro"
publicou-se uma reportagem sobre os 145 de Leopoldina destacando a
inauguração do Espaço Cultural nos Correios, onde Luiz Raphael Domingues
Rosa inaugurava, então, uma exposição de suas obras denominada "O Tempo".
Na montagem da foto, detalhe da capa do jornal e uma foto colorida do
mesmo quadro, que atualmente está exposto na Casa de Leitura Lya Botelho e
faz parte da mostra que homenageia esse importante nome da Cultura da
nossa cidade.
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O Espaço dos Anjos: atelier-museu criado por Luiz Raphael Domingues Rosa
A casinha na Barão de Cotegipe, quase escondida pela folhagem do oiti
que lhe faz companhia, debruça-se sobre a calçada, atenta ao movimento da
cidade. O transeunte, distraído, em 5 ou 6 passos cruza por ela, absorto em
seus pensamentos e alheio à sua graça brejeira e aos tesouros que abriga.
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Na cidade que vai aos poucos se transformando, onde as antigas
construções vão sendo impiedosamente substituídas pelo que a moda do
momento dita como "novo", a casinha azul desafia o tempo. Espaço sagrado
onde a História é cultuada, guarda tesouros que resistirão muito mais àinclemência dos séculos que as construções pseudo-modernas que teimam
(inutilmente) desafiá-la.
A casinha discreta na rua de pomposo nome já ouviu os passos e a voz do
poeta maior Augusto dos Anjos. Viu-o à mesa com a esposa e filhos, permitiu
que a luz entrasse para iluminar o papel onde escrevia seus versos, protegeu-o
como a um filho querido quando o mesmo agonizava.
Como se fora sua sina, eis que tempos depois recebeu, portas e janelasabertas, novo artista, para, novamente, servir-lhe de inspiração, abrigar-lhe os
sonhos, tornar-se cenário para sua arte.
Este, também, um dia partiu e não mais voltou, mas a casa, saudosa,
transformou-se, cresceu em reconhecimento, ampliou sua importância,
assumiu, finalmente, seu papel e também escolheu manter viva a memória dos
que um dia a escolheram para nela viverem.
O quadro que hoje, pendurado numa das paredes da Casa De Leitura LyaBotelho, faz parte da exposição LEOPOLDINA E LUIZ RAPHAEL: UM CASO DE
AMOR, e revela, na simplicidade da sua composição, na escolha cromática, nos
pequenos, mas importantíssimos, detalhes que muitas vezes demandam que
os observemos por mais tempo, o carinho do artista plástico, professor,
colecionador e agitador cultural leopoldinenses, Luiz Raphael Domingues Rosa,
para com a sua casa-atelier-museu Espaço dos Anjos. Nele, realmente, morou a
família dos Anjos: Augusto, Ester, Glória e Guilherme. Mas se anjos servem
como mensageiros entre o Divino e o humano, a casa cumpriu, e cumpre sua
função por ter sido e ainda ser aquele espaço sagrado onde as Artes se
manifestam e realizam. Um espaço construído com suor e lágrimas, mas com fé
e esperança por Luiz Raphael.
Agradecemos a todos os colecionadores que tão gentilmente cederam
seus quadros para a exposição
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O Morro do Cruzeiro (Serra dos Puris)
Quadro: "Morro do Cruzeiro" (2002) / Acervo: Angela Domingues Rosa
O Morro do Cruzeiro ergue-se na paisagem abraçando Leopoldina.
Dele avista-se a cidade e o horizonte de colinas, morros, vales, verdes
pastagens e outros lugares onde os olhos não alcançam.
Dele lançam-se ousados homens-pássaros, Ícaros modernos a singrarem
os céus, voando entre as nuvens. Nele nos norteamos, encontramos o silêncio,
recuperamos a paz interior e a ele vamos para saudar o sol, em suas sempre
magníficas aparições no horizonte.
Impávido e majestoso é como Luiz Raphael Domingues Rosa o retratou,
em óleo sobre tela, expressando sua admiração e, com pinceladas precisas e
breves, a sua beleza.
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Da janela dos fundos: Luiz Raphael Domingues Rosa e o Espaço dos Anjos
Quadro: “Contente” (1985) / Acervo Elias Fajardo da Fonseca
A janela do atelier abria-se para o quintal onde a mangueira dava sombranas tardes quentes de Leopoldina. A simplicidade, um ascetismo quase
religioso, a lide do dia a dia ficam representadas pelas presenças das vassouras
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encostadas à parede, do encanamento aparente, do fio de luz descendo do
teto e contornando a janela, o branco que inunda paredes e céu como se
quisesse servir de tela para o artista.
Luiz Raphael, por longos anos, manteve a casa da Rua Barão de Cotegipe
386 como seu atelier, seu museu particular, seu laboratório de ideias, seu
espaço dos anjos. Local de peregrinação obrigatória para todo aquele desejoso
em conhecer melhor a história da cidade e do seu povo e, sobretudo, entrar no
universo do poeta Augusto dos Anjos, lá era o lugar para se ir e estar. Alunos,
pesquisadores, artistas, amigos, todos encontravam no Espaço dos Anjos, a
antiga moradia da família do paraibano Augusto dos Anjos, um local de culto à
memória do mesmo e de contato com a história e a produção artística da
cidade.
Da janela que se debruçava sobre o quintal, de onde o artista ouvia o
canto dos pássaros e apreciava a luz do sol refletida na brancura dos muros e
paredes, vê-se hoje o anfiteatro que leva seu nome. Vê passar por aquele
pequeno palco músicos, declamadores, poetas, escritores, cantores, bailarinos,
professores, autoridades, todos usufruindo da casa que Luiz Raphael
Domingues Rosa lutou sozinho por manter para que toda a cidade pudesse dela
desfrutar.A pequena sala-atelier continua lá, sem o cheiro das tintas, agora é a
biblioteca técnica do Museu Espaço dos Anjos, onde estudiosos do mundo
inteiro vêm conhecer e aprender mais sobre o poeta Augusto dos Anjos. Talvez
os visitantes parem para olhar pela janela com alguma curiosidade, sem
provavelmente saberem que ali estão porque houve um dia um artista
leopoldinense que dedicou sua vida e sua arte para fazer com que essa janela
ficasse para sempre nesse mesmo lugar.
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Um casarão em Piacatuba: a preservação da memória patrimonial na obra de
Luiz Raphael Domingues Rosa
Quadro: Casarão em Piacatuba (circa 2001) / Acervo: Nilza Cantoni
O “Casarão” domina a composição, com suas formas geométricas, com
sua solidez, com suas formas atemporais, janelas e portas aos pares se abrindo
para a Rua das Pedras, em Piacatuba.
Parte da memória que todos têm desse distrito de Leopoldina inclui essa
senhorial casa construída na parte central da cidade, ao lado da praça, próximo
à igreja. Impossível ir-se a Piacatuba e não vê-lo, não admirar suas formas
retilíneas, seu desenho simples e austero, quase monástico.
Ao pintá-lo, Luiz Raphael Domingues Rosa o fez à maneira dos grandes
retratistas e, como se fora um personagem de grande importância, centralizou-
o na tela, manipulou a perspectiva para destaca-lo dos demais elementos e
coloriu-o em tons delicados e atraentes. Sobre a tela de algodão reina hoje o
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A antiga estação ferroviária (I) : Leopoldina por Luiz Raphael Domingues Rosa
Quadro: "Terça" (1994) / Acervo: Dr. Ormeo Lopes Faria Filho
O silêncio da noite é quebrado pela água que escorre do bar Lamarca
que, na madrugada, é lavado. Cruzando a Barão de Cotegipe, um cão sem
dono, desses que palmilham a cidade toda em busca de comida e, quem sabe?,
algum afeto.
No céu de intenso azul, a lua paira majestosa, observando a cidade que
dorme. Nenhum outro movimento, nem mesmo no pátio ou no prédio da
estação ferroviária, cujos trilhos cortam a cidade silenciosa.
Leopoldina, feita de luar e de silêncio na tela pintada por Luiz Raphael
Domingues Rosa, é de uma gritante beleza e nos convida a andar pelo
calçamento de pedras das suas ruas e a viajar nos trilhos da estrada de ferro
somente para poder voltar.
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Há que se olhar com reverência para essa cidade que, adormecida,
banha-se à luz de tão intenso luar. Sua beleza, que se revela timidamente, na
ondulante paisagem que a cerca, em suas ruas estreitas, no verde de suas
praças, em suas casas debruçadas sobre as calçadas, no burburinho do dia adia, no silêncio das suas noites.
Quem mais, a não ser Luiz Raphael Domingues Rosa, seu amantíssimo
filho, poderia traduzi-la tão maternal, tão acolhedora, tão vigilante, tão
presente enquanto seus muitos filhos dormem?
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"Como um leite tão branco dá uma fumaça tão negra?"
Quadro: “Praça João XIII, fundos C.P.L.” (1978) / Acervo: Cândida Maria CortesBotelho
“Como um leite tão branco dá uma fumaça tão negra?”
Ao grafar isso sobre a tela recém-pintada, o artista plástico Luiz Raphael
Domingues Rosa externava, além do comentário poético, a sua preocupação
com a poluição, os efeitos nocivos da mesma, enfatizando isso em pinceladas
que revelam a escura coluna de fumaça que parece avançar ameaçadoramente
sobre o Morro da Chácara do Desengano, reserva natural da sua tão amada
Leopoldina.
A Cooperativa dos Produtores de Leite de Leopoldina já ocupava lugar de
destaque na área central da cidade, evidenciando assim a importância
socioeconômica da pecuária leiteira no município. Ao lado da Praça João XXIII,
em frente à Praça Félix Martins, a Leiteria da Cooperativa reinava absoluta em
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O último quadro: a obra inacabada de Luiz Raphael Domingues Rosa
Acervo: Angela Domingues Rosa (2007)
A casa do avô é um fantasma cujas formas se dissolvem na brancura do
cânhamo da tela. A parede lateral revela a mercadoria da loja no nível da rua e
se avizinha das casas na subida do morro, estas sim, definidas pela destreza do
pincel do artista.
A vegetação exuberante da colina não chega a ocultar a presença
imponente do prédio do hospital. Do alto, parece olhar, entre as árvores, o
saudável movimento da cidade logo ali, mais abaixo.
Mas é a fachada, para sempre inacabada, que capta o olhar do
observador que busca adivinhar o que haveria por detrás das portas-janelas
rigorosamente desenhadas em arcos. Pessoas? Cortinas? Um pedaço de uma
sala? Alguma mobília antiga?
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A metade inferior da tela tem os precisos traços feitos pela mão do
artista em sua busca para recriar um espaço público há muito não mais
existente. Estaria desenhando de memória? Reproduziria o que lhe contaram
que havia em frente à casa dos avós? Decidira criar uma nova paisagem urbanaque se adequasse aos seus sentimentos em relação àquela casa, àquela rua, à
sua Leopoldina?
Nunca mais saberemos.
Luiz Raphael Domingues Neto deixou-nos antes de concluir essa obra,
mas a força imagética da mesma reside nesse mesmo fato: cada um vê e a
completa à sua maneira. O artista e o espectador se unem para criar uma
experiência artística única, onde a memória, as experiências, o conhecimentoe, sobretudo, a emoção, completam com pinceladas invisíveis o projeto
inacabado.
Homem de espírito renascentista, artista sensível e dedicado à causa do
registro iconográfico da sua cidade, Luiz Raphael nasceu nesse mesmo sobrado,
que tantas vezes pintou. Ali, no andar superior, onde seus avós moravam, pela
primeira vez o ar da sua amada Leopoldina adentrou seus pulmões. Naquela
casa começava a ser tecido pelas Moiras, a vida e o destino do artista. E,
pasmem, foi pintando o lugar do seu primeiro momento nesta terra, que oartista expirou.
Ciclo completo para o artista, restou-nos uma tela inacabada para
admirar.
A exposição LEOPOLDINA E LUIZ RAFAEL RAPHAEL: UM CASO DE AMOR