lendas de beja o touro e a cobra e outras rias, para te/me (en)co(a)ntar/es. ... são contos...

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LENDAS DE BEJA o Touro e a Cobra e outras lendas... VIAGENS do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através do MARAVILHOSO por José Penedo um deNómio de José Rabaça Gaspar (img001 - capa – os ciganos o fogo e os astros…)

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LENDAS DE BEJA

o Touro e a Cobra e outras lendas...

VIAGENS do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através do

MARAVILHOSO

por José Penedo um deNómio de José Rabaça Gaspar (img001 - capa – os ciganos o fogo e os astros…)

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

2

img002 – silhueta touro e cobra – marca d‘água

ISBN: 978-84-686-0375-9

Impresso em Portugal / Printed in Portugal Impresso por Bubok Publishing

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

3

José Penedo

VIAGENS do Cigano CASTANHO e da Cigana

MARIANA ATRAVÉS DO MARAVILHOSO

por TERRAS do AQUÉM TEJO

I

I

Penedo Gordo – Beja 1988 – 1995/6

Corroios – Seixal 1998/99 e 2008 - 2012

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

5

concepção montagem e adaptação de

J 0 S É P E N E D 0

VIAGENS do Cigano CASTANHO e da Cigana MARIANA

ATRAVÉS DO MARAVILHOSO pelas TERRAS do AQUÉM TEJO

1ª JORNADA

LENDAS DO ALENTEJO I

1ª PARTIDA

lendo

LENDAS DE BEJA - O TOURO E A COBRA e outras lendas a ler

nas letras das estrelas

ou

A HUMANIDADE A CRESCER PARA A LIBERDADE

ou

o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano

PENEDO GORDO – BEJA 1988 – 1995

Corroios – Seixal 1998/99 e 2008 - 2012

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

6

FICHA TÉCNICA Título VIAGENS do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através do

MARAVILHOSO por Terras do Aquém-Tejo LENDAS DO ALENTEJO I

lendo LENDAS DE BEJA - O TOURO e a COBRA e outras...

Autor José Penedo

reescrita, introduções, estudos

e pistas de leitura

José Rabaça Gaspar

coordenação e montagem @

desenhos e arranjo gráfico @

JORAGAJORAGA e montagens finais, pp. 397 e sg. com imgs da net.

processamento de texto e

impressão

1ª em 1989 - Amstrad PCW 8256 - JORAGA - Penedo Gordo, Beja

2ª recuperação de texto e desenhos por especial favor de Minerva, ESE/Beja, c/ Prof. Mantinhas, Grilo, Toucinho e equipa.

3ª revisão em 1994/95 e em 1995/96 a acabar em 2008 – 2012.

Revisões Maria de Fátima da Vinha Borges

Local Penedo Gordo - Beja e Amora / Corroios - Seixal

data/s 1988 - 1994/95 e 1995/96 e 1998/99 – 2012.

Assistência técnica e

acompanhamento

Todos estes trabalhos tiveram a assistência dos técnicos da

INFORGÉNESE -Amora – Continente, Seixal e depois MMCruz

todos os direitos reservados @ JORAGA – Pentium 200 - WinWord, Hewlett Packard Desk Jet 550C

Penedo Gordo, Beja 1993/94 a 1995/96, 2012, com todos os direitos reservados.

ISBN 978-84-686-0375-9

O Cante dos Contos dos quatro cantos do AQUÉM TEJO Penedo Gordo, Beja, de 1988 - 1995/96

Corroios, Seixal, 1998/99 – 2012

JORAGA

Nota 1: Este livro está também disponível em PDF onde pode ver as imgens a cores...

Declaro que ―Desejo oferecer o eBook aos leitores que

comprarem o meu livro em papel.‖

Os que não puderem ou não quiserem ter o livro em papel podem ter o livro em PDF por um preço quase simbólico.

Aceder em: http://www.bubok.pt/livros/5206/Lendas-de-Beja--O-Touro-e-a-Cobra-e-outras-LENDAS

Nota 2: Por razões óbvias, e por se tratar de Literatura Oral, Popular, Tradicional, o autor não utiliza o projectado

(infeliz e confuso) Acordo Ortográfico.

JORAGA

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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dedicatória

...para a FÁ, a FADA / ANJO que me apareceu n’A MAR de

DOR em 1991 e para a Diana, para o David e Beatriz, pela

minha falta de arte para lhes contar histórias...

a desgraça de um Povo é ser geralmente mais conhecido, nos seus defeitos e qualidades, pelos que os exploram e oprimem utilizando esses conhecimentos para seu benefício... do que por aqueles que têm por missão aproveitar e encaminhar as suas potencialidades e características para o seu DESENVOLVIMENTO e PROGRESSO imparável... é preciso, entretanto, reconhecer que é mais fácil oprimir e explorar em proveito próprio, as características latentes e criar barreiras, paredes e arenas para domar a fúria do TOURO, do que aproveitar devidamente a sua força bruta, a sua fúria indomável e a sua fecundidade para uma correcta e eficaz CONSTRUÇÃO do DESENVOLVIMENTO... que, talvez, só seja possível, através da luta interminável, entre o TOURO e A COBRA... aí, o desafio desta aposta e destas LENDAS (in)acreditáveis!

Para ____________________________________________

Com Amizade,

o desafio para uma Reflexão Crítica / Tomada de Consciência / para uma urgente e consciente Intervenção

Activa...

Após uma longa Aprendizagem e Docência em Permanência:, mais de 50 anos após o curso superior, mais

de 40 anos de exercício activo, e após 12 anos de Aposentação do ensino Oficial / vulgo Vida Activa / que

pode ser considerada de Professor Jubilado / Emérito no que eu chamo de ISSCCAA – Instututo Superior

de Superiores Ciências Complementares e Artes Aplicadas, aqui vos deixo

a minha ‘Tese de Mestrado a Catedra’ / ‘Oração de Sapiência’ / ‘Última Aula’ como Liturgia

Académica de uma vida que começa.

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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E R A U M A V E Z N O A L E N T E J O...

apresentação

lendo

LENDAS DE BEJA - O TOURO E A COBRA e outras lendas

a ler nas letras das estrelas

ou A HUMANIDADE A CRESCER PARA A LIBERDADE

ou o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano

introdução

a

VIAGENS do Cigano CASTANHO e da Cigana MARIANA

ATRAVÉS DO MARAVILHOSO pelas TERRAS do AQUÉM TEJO

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O CANTE: DOS CONTOS DOS 4 CANTOS DO ALENTEJO

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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0 - em viagem...

«... Tenho visto alguma coisa do mundo, e apontado

alguma coisa do que vi e ouvi. De todas quantas viagens

porém fiz, as que mais me interessaram sempre foram

as VIAGENS NA MINHA TERRA.

Se assim o pensares, leitor benévolo, quem sabe?

pode ser que eu tome outra vez o bordão de romeiro,

e vá peregrinando por esse Portugal fora, em busca

de histórias para te contar.»

Almeida Garrett

in VIAGENS NA MINHA TERRA (§ final)

E foi assim, leitor amigo, que um dia decidi convidar-te para entrar

no mundo do conto encantado da fantasia do ERA UMA VEZ...,

pegando de novo no bordão de romeiro que o ilustre visitante teve de

abandonar e, seguir contigo, apesar de nos escassear a sua arte, e

peregrinar por estas terras e por este Alentejo fora, em busca de

histórias, para te/me (en)co(a)ntar/es.

Vamos seguir pausadamente ao ritmo lento de uma simpática e

irreverente caravana de ciganos que encontrámos errantes por esses

montados.

Se pudermos, nem sequer vamos interferir nas histórias. À medida

que avançarmos devagar, muito devagar, vamos sentar-nos quedos

de espanto, de olhos, ouvidos, nariz e boca e pele, com todos os

sentidos e sensibilidade muito atentos, e deixar falar esses fabulosos,

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espantosos contadores de histórias que o tempo vai tragando voraz e

impiedoso.

Aquela história de mil e novecentos que ouvi UMA VEZ..., tinha-me

ficado nos olhos para sempre... Um velho sisudo de barbas brancas e

cabelos ralos, debruçado na sua mesa gasta de velhos escritos, disse-

me lá do alto do seu retrato faiscante, pendurado na parede de um

sujo e perdido café de aldeia, a sua penosa vergonha e atrevimento

de tanto escrever, enquanto tantos homens e mulheres da sua terra

oprimida, sedenta de liberdade, nem sabiam ler, nem escrever...

Mais do que os olhos e os ouvidos, o nariz a boca as mãos, aquele

aviso mudo gritado de outros tempos, ainda não deixou de me

impressionar os sete sentidos...

Angustiado e impotente, de olhos cor de sonho, gastei meio século do

meu tempo a tentar ensinar os outros a ler e a escrever. Pouco fiz.

Menos adiantei...

... até que, UMA VEZ... UMA VEZ descobri o que estava à vista de

toda a gente.

Poucos ainda o tinham descoberto. UMA VEZ descobri, disseram-me,

contaram-me, ouvi dizer que muitos dos que me diziam nem saber

ler nem escrever, liam e escreviam os mais belos contos de encantar

e cantavam dizendo os mais belos cantos capazes de cativar, e afinal,

me seduziam e embalavam, desde a meninice!

Não quis nem acreditar!

Daí, o atrevimento de tentar agarrar essa arte de encantar e metê-la

nesta máquina dos tempos modernos, o sistematizador ou ordenador

que teimam em chamar computador, com a ideia, não de a

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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aprisionar, mas de a recolher como semente que assim há-de ser

fecunda e germinar, mesmo quando os homens loucos e racionais

decidirem criar tudo com máquinas frias e fatais e já não houver mais

espaço para o sonho...

É a aposta do poeta de 1888: «E assim, nas calhas da roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.»

Venham então daí à cata desses criadores de tesouros da cultura

tradicional que por aí andam pobres e ignorados, votados ao

desprezo, enquanto uns senhores se vão pavoneando e locupletando

com a cultura instituída ganhando bom dinheiro a vociferar do alto do

estrado das suas escolas ou tribunas, sem haver polícia capaz de lhe

dar ordem de prisão, que “...o povo nada inventa, nada cria; antes

deturpa e suja as criações magistrais da cultura e da ciência erudita!”

e publicam, em livros de luxo, os ―Tesouros da Literatura Popular

Portuguesa‖! Publicam ―o lixo‖!!! Ganham dinheiro! Não pagam

direitos!!!

Que seria da cultura erudita, se não tivesse raízes?

O convite, pois, é para ir à procura da Cultura Ancestral, aquela que é

em gérmen no Ventre da Terra e corre como o Vento no Útero do

Tempo e fecunda com o seu sémen tudo o que é cultura ciência e

desenvolvimento em todo o Universo.

do ventre da terra é o canto que grita

o grito de vida de um povo oprimido

que dá pão que dá trigo que dá de comer

saído da terra embebida em esperma

que é suor e que é sangue

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por gente vertido

espremido

exprimido

por violentado povo

que se sente ofendido / fendido / fundido

(com um o no lugar do un)

e contudo cantando regando ceifando

rasgando amanhando cavando mondando

faz nascer das vozes que cantam o canto

o canto da terra que não é ouvido.

esse canto que é cante é cultura profunda

é como as flores que nascem no campo

como a erva que pinta de verde a planície...

todos a vêem , a todos encanta

dão colorido ao mundo universo,

mas fenecem e morrem parecendo infecundas...

vivendo uma vida, num dia fugaz!!!

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img005 – acampamento dos ciganos

As carroças de duas rodas assentaram pacatamente no chão libertando as

azêmolas e formaram em estrela em redor do campo... (p. 18)

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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É como o pensamento de Álvaro de Campos, escrito num livro

abandonado em VIAGEM:

«Venho dos lados de Beja.

Vou para o meio de Lisboa.

Não trago nada e não acharei nada.

Tenho o cansaço antecipado do que não acharei,

E a saudade que sinto não é nem no passado nem no

futuro.

Deixo escrita neste livro a imagem do meu desígnio

morto:

Fui como as ervas e não me arrancaram.»

mas logo florescem no tempo da flor

ao ritmo fecundo das quatro estações

trazendo o feitiço ao pão das espigas

dando embriaguez ao vinho das cepas.

o canto que eles cantam

é canto da terra

esquecido ignorado

para desprezar...

são contos que encantam

como os cantos que eles cantam

em cante que brota do ventre das gentes

ligado em cordão ao ventre da terra.

eles contam eles cantam

co/antos de encantar

mas

nas contas que contam

não têm lugar!

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Vamos nós, ao menos,

ouvi-los CA/ONTAR...

«não evoluo, VIAJO.» «Navegadores antigos diziam: “Navegar é

preciso: Viver não é preciso‖» disse-nos ainda Fernando Pessoa.

E foi então que deparei com aquela caravana de ciganos que decidiu

parar as suas carroças e montar arraiais naquele lugar estranho...

Estávamos no ano cinquenta depois de trinta e oito e a deslizar sobre

as quatro rodas do oitenta e oito que nos abria boas perspectivas

para rodar com segurança até ao ano dois mil e trinta e oito...

As carroças de duas rodas assentaram pacatamente no chão

libertando as azêmolas e formaram em estrela em redor do campo.

Delas, três ficaram com as baias majestosas erguidas para o céu,

aparecendo-nos, ao pôr-do-sol, como hirtas peças de artilharia,

guardando nobre acampamento de aguerridos senhores. As outras

afocinhavam no chão verde refazendo-se exaustas da dura

caminhada.

Vindos do fundo dos tempos, das Terras de Santa Maria e todo o

Mundo, o Cigano Castanho e a Cigana Mariana surpreenderam-se

seduzidos pela monotonia faiscante desta desolada planície

alentejana. Gente sem pátria nem terra que todo o mundo é seu!...

há pedaços de terra que lhes falam mais. Que sentem mais seus.

Do alto do seu trono da trotante carroça ondulando ao sabor dos

cascos troantes que enchiam os campos e os montes, esta terra

vasta, extensa sem fronteiras dizia-lhes mais que as outras terras.

Ouviam certamente a flauta encantada do poeta do Orfeu:

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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«Encho os olhos de terra.

No Alentejo há muita e é de graça.

Dou-lhes esta fartura,

Antes que um só torrão na sepultura,

Os encha e satisfaça.» (M. Torga in Diário X)

A terra voz ecoava na planície e a magia do canto captava

inconsciente os sons e a voz difusos, seguindo a sugestão do poeta:

... ennnnnnnnche os ooooolhos de teeeeerra... (silêncio alucinante)...

... ennnnnnnnche os ooooolhos de teeeeerra...

E eles a encher a encher os olhos e os sete sentidos o seu ser todo

com o gozo imenso de ninguém os vir proibir, de ninguém os vir

prender por aquele crime de roubar a terra que é sempre dos outros,

porque ali, além “... No Alentejo há muita e é de graça‖.

Era a terra a cantar captada pelo Torga transmontano o

médium/druida/, artista/poeta que como ninguém, ouve por dentro

as mensagens que a terra-madre tem para os seus paridos.

In/Tolerados, in/dóceis, in/domáveis, livres e soberbos, irredutíveis,

irreverentes os ciganos, o Cigano Castanho e a Cigana Mariana,

assim como, por vezes encontram nos intermináveis caminhos do

mundo, sempre diferentes tão iguais, uma terra mais afim, que lhes

fala melhor, que eles entendem melhor, encontram, por vezes ao

redor do mundo, um povo, uns povos irredutíveis soberbos livres

irreverentes, que os entendem melhor.

São gente que os tolera e respeita. Diferentes. Aceita, admira, ao

lado / de longe... e deixa-os ser como são. Defende-se, entrando no

jogo perigoso das suas artes de viver diferente… Enganados,

escorraçam-nos quando eles já partiram para serem acolhidos ali,

logo mais além... para logo entrarem outra vez no jogo...

São os povos da planície do Alentejo, ouvi contar por quem corre com

eles, e os povos, da Estremadura espanhola, que eles mais sentem

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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seus diferentes/semelhantes, onde mais bem se sentem. Províncias

irmãs unidas num espaço que é contínuo, ligadas/cortadas pela fada

Odiana de falas cruzadas, prosódia CONsoante com nomes diferentes,

por nações diferentes, fronteiras cortadas pelas espadas dos

senhores das guerras. com armas diferentes do sentir das gentes...

Naquela noite, à luz da fogueira vermelha do acampamento, de olhos

brilhantes, brasas acesas apesar de cansados, ansiosos semicerrados

abertos de tanto quererem ver... eram já noites e noites depois de

terem atravessado o Tejo!...

douuuuuuuu-lhes eeeeeeesta fartuuuuuuuuuura!...

douuuuuuuu-lhes eeeeeeesta fartuuuuuuuuuura!...

antes que um só torrão na sepultura

os ennnncha e satisfaaaaaaça!!!, ouvia ela, a Mariana, das

profundezas da voz mágica da Terra, e o Cigano Castanho explodiu:

Ei! gente!!! Isto Aquém do Tejo é só montes e montados a perder

de vista...

Terra quente e bravia que nos esturrica com o calor do sol em brasa

e logo nos tolhe e encolhe com o frio de gelo quando o sol se vai...!

Eiiiii! gente! Tanta terra!!! Tanta cor!!! E há quem diga que isto é

uma monotonia!

Não têm olhos para ver! gritou-lhe o poeta das imagens, que

andou a apanhar com a sua caixa de luz as cores da terra e das

paisagens alentejanas...

Isto é de morrer de pasmo e solidão vomitavam, encolhendo os

ombros, os aceleras lá dos nortes e das cidades, que, em grande

velocidade, vão à procura de outras paragens, à procura das serras e

das areias do Além-Garbe..., que isto, para os senhores Godos, tudo

abaixo do Tejo é Além... e eles, os donos, é que dão os nomes...

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Gente esquisita! esta, plantada como árvores paradas majestosas

à beira da estrada! E o modo como cantam?!!! Aqueles cantes!!!?

Pufff! Não há pachorra!

Não têm ouvidos para ouvir, gritou de longe a cigana Mariana,

tricana ladina, a de olhos meigos, luzeiros de fogo, que andava

encantada duns olhos castanhos do cigano moreno iguais ao seu

nome.

Cigana tricana de olhos de fogo

de corpo marmóreo esguio a dançar

bailava bailava ao redor da fogueira

as tranças desfeitas em cabelos longos

esvoaçando à roda do seu busto firme

suas ancas soltas girando girando

ateando chamas noutros olhos vivos

do cigano trigueiro que chamam Castanho

castanho como os olhos castanhos também!

Mas hoje não bailam. Mudos e que dos. Pararam ali para ouvir. O

quê? Cantar. Contar. A terra a falar. A água a correr. o ar a voar. O

fogo a crepitar. Répteis a deslizar. Grilos e ralos a gritar um grito

estonteante. Gente a murmurar. Grupos a cantar. Grupos de

namorados enlaçados ao luar...

Hoje é noite de abrir os olhos para ouvir. É dia de abrir as janelas do

corpo para admirar. É tempo de abrir todas as portas do ser todo

para o espanto, o deslumbramento!!!

Terra madrasta de miséria, chama-lhe os senhores que vão gastar o

que lhe sugam sem suar, para a cidade de outros prazeres... Terra

para desprezar e esquecer, mentem os tolos apressados, que rasgam

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estradas lisas e velozes pela planície além e não têm tempo de ver

que estão atravessando a terra com tesouros mais fabulosos que os

das mil noites... e uma, como diz o Borges, o poeta que via por ser

cego! ou das mil e uma noites de encantar, como dizem os poetas

que não sonham a dormir!?

Hoje é a hora de parar para ouvir esta Terra, este Povo cantar.

Contar-nos a vida com artes de encantar. Olha esta neblina de

madrugada! É a Terra a arfar. O campo a falar com sinais de fumo

que esvoaça. O seu corpo a abrir. O sol a penetrar. A Vida a gerar

Vida...

Vamos nós por esses montes e povoados roubar os tesouros que

ficaram desprezados, abandonados esquecidos..., tesouros que os

finaços nem vêem de tanto os olhar... e quando lhos mostramos, !!!,

encolhem os ombros.

É um segredo sagrado, uma jura secreta... ciciou o cigano à

cigana castanha presa nos seus lábios, as cores misturadas, corpos

enlaçados de nomes trocados. Nestas Terras do Sado, Tejo e

Odiana, há imensos tesouros que são de pasmar! Não há só galinhas

e gado a roubar... Há tesouros ricos, finos preciosos, dignos de um

Califa para entesourar... Como aquele califa Harun-el-Raschid, aquele

que reinava no reino de Bagdade, aquele califa que os mandava

guardar e escrever em letras douradas, para não se perderem para a

Humanidade.

É isto que agora, e d‘ora em diante, vamos, doravante, nós os dois

roubar... para os esbanjar, espalhar ao vento, devolver ao povo que

os soube criar...

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img006 – a dança da cigana mariana

Cigana tricana de olhos de fogo de corpo marmóreo esguio a dançar

bailava bailava ao redor da fogueira... (p. 21)

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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E assim

em tempos de dor, em tempos de crise, quando tudo à roda é

escuridão negra de terror, e esse terror é de toda a terra o grande

senhor, qual negro dragão, em luta com quem, não há salvação...

quando a vida à roda é só solidão; quando tu estás só mesmo

misturado e envolvido no turbilhão da vida, turbilhão de feira...

quando não há mais resposta para as contradições da vida; quando a

cada resposta tentada, desesperada, te surge logo, sem tempo para

a refazeres, um novo e louco desafio...

quando te pedem só as soluções já feitas..., mesmo sem serem

solução...

quando já não precisam de ti porque já têm outros e lhes fica mais

barato... quando já não precisam, para nada, do teu contributo, antes

pelo contrário, e to vêm dizer delicadamente...

quando, já desesperado dás de borla e nem sequer dão conta que

ofereces um tesouro...

quando os outros, acomodados, já têm as soluções todas..., soluções

mais cómodas...

quando só precisam de ti para as soluções deles... e tu decidires

dizer: JÁ BASTA...

quando pela centésima vez, deres conta que te enganaste no

caminho e voltares atrás, mais uma vez, pela centésima primeira vez,

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ao princípio, para começar tudo de novo..., e exactamente pelo

caminho diferente dos que te dizem: “vem por aqui...”

quando a prepotência, a arrogância e a imbecilidade diplomada /

instalada / poderosa porque no poder - for tão cínica, tão subtil e

capciosa, que já não te deixam uma saída digna...

ENTÃO

a gente perdida sem mais solução, senão a fantasia e a imaginação...

para exorcizar os medos todos os medos para renovar energias,

para retomar o seu lugar no ciclo universal qual pulsar ou quartar no

mundo imenso das galáxias que gira em espiral...

para vencer tiranias, para descobrir caminhos que as ciências não

apontam... mas aponta a sabedoria...

então, quando isso acontecer, vai ao cofre da sabedoria ancestral, a

dos saberes profundos imemoriais...

monta o teu cavalo, toma da espada e...

qual cavaleiro andante, príncipe encantado, ou qual mísero viandante

desprezado vagabundo, põe-te a correr mundo... põe-te a cantar /

contar...

ou põe-te a escutar a cantar / contar

OS CONTOS OS CANTOS QUE SÃO DE ENCANTAR

e começam todos, mais ou menos assim:

ERA UMA VEZ...

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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E, cada vez que acabar uma história, lembra-te, como nos recorda

Selma Lagerlöf, quando nos fala da morte da sua avó, recordando

aquele seu hábito de se sentar no sofá de canto, no seu quarto, a

contar-nos histórias: “...sempre que terminava uma história,

passava-me a mão pela cabeça e dizia: Tudo isto é tão verdadeiro,

como eu estar aqui e tu aí, como vermo-nos uma à outra...”

Quando ela morreu, a avó, “calaram-se as histórias e canções que

embelezavam a nossa casa, encerradas naquele caixão negro, donde

nunca mais voltariam!... qualquer coisa de muito doce nos faltou na

vida. Foi como se nos houvessem expulsado de um mundo

maravilhoso, cujas portas, constantemente abertas para nós, se

tivessem fechado, de súbito, para sempre. E ninguém mais havia que

fosse capaz de as abrir!...”

Felizmente, como a própria Selma nos provou, isso não é verdade.

Quantas portas desse mundo maravilhoso ela nos abriu e continua a

abrir?

Nós, queremos, mesmo sem os seus dons excepcionais, provar que

ainda é possível abrir muitas portas por abrir...

Cada um de nós, através da fantasia e da imaginação, tem dentro de

si a chave do cofre que nos dá acesso ao mundo encantado e

maravilhoso da realidade mais verdadeira que a realidade

aparentemente verdadeira que se abre às janelas dos nossos sentidos

comuns...

Com as suas Histórias Maravilhosas e A maravilhosa Viagem de

NILS HOLGERSON através da Suécia, ela, ―a contista épica por

excelência‖, como lhe chamaram os que lhe deram o Prémio Nobel da

Literatura, e pela primeira vez a uma mulher, dá-nos, ela própria a

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prova de que não pode ser verdade que as portas do MUNDO DO

MARAVILHOSO ―se tivessem fechado, de súbito, para sempre‖...

Basta ouvir uma vez pela milésima vez, o neto pedir: “„Vó conta

aquela da princesa... Conta aquela...”

É por isso que voltamos a parar para

CO/ANTAR

É por isso que voltamos a parar para

ESCUTAR

OS CONTOS E OS CANTOS DE ENCANTAR

que começam todos, mais ou menos assim:

ERA UMA VEZ...

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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1ª PARTE – A/s LENDAS/s DO

TOURO E DA COBRA

img007 – o touro e a cobra desenhados com letras - separador

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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E R A U M A V E Z ...

0.0 - B E J A E A/s L E N D A/s

ou A VISÃO DO VELHO CIGANO CEGO

Castelo de Beja

Subindo lá vai

Castelo de Beja

Tu metes inveja

Às águias reais.

(Cancioneiro Popular do Alentejo)

Touro nobre na peleja

Esculpido na muralha

Lembras ao povo de Beja

A sua maior batalha.

A sua maior batalha

De lutar pela liberdade

Fazer cair a muralha

Que fechava esta cidade.

Beja tem uma lenda. Tem um brasão. Tem um castelo. Águias reais.

Um Touro...

Beja é uma legenda.

Rainha da planície. Centro do Baixo Alentejo. Tem no touro - rei da

planície - o símbolo da sua força. Tem nas águias - rainha das alturas

- o símbolo das suas ambições... Tem o castelo - morada de nobres

cavaleiros ao serviço do rei - o símbolo da sua nobreza.

Não tem cobras, nem serpentes, nem répteis que se revolvem no

ventre da terra!

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Mas a lenda, as lendas, valem, às vezes, talvez, por todos estes

símbolos.

Pode ser até, que o que está oculto, ou só escondido, dê um

significado diferente a tudo o que parece que se vê!...

A sabedoria ancestral, captando as lições da vida ao longo de todo

um tempo que se perde na memória das gerações, em toda a sua

complexidade e contradições, captando do cosmos as leis e os sinais

dos impulsos que governam os astros e toda a vida que se

movimenta nos planetas e nas estrelas ao longo das imensas

infindáveis galáxias, incapaz de a organizar e comunicar através de

um tratado científica e tecnicamente correcto e absoluto, vai

transmitindo essa sabedoria através da complexidade da sua cultura

tradicional, basicamente oral, que permite uma recriação e uma

adaptação constante, infindável, emocionantemente actualizada em

constante reinvenção.

Eu, deixei há muito tempo de ter tempo para perder tempo.

Passei então a perder tempo à procura do tempo. Dos sinais que o

tempo nos deixou. Fico então imenso tempo a ouvir a voz do vento

que atravessa o tempo e nos vai falando através das gerações

redescobrindo sempre o encanto novo dos contos antigos que nunca

ficam velhos porque é sempre nova a arte de os contar.

E para lá do vento o brilho das estrelas. O Fogo. Nelas lemos as letras

das histórias que nunca deixam de encantar, fecundando a terra com

a fertilidade da água que alimenta o nosso corpo e a nossa

imaginação, o nosso sentido de viver. É esta sabedoria que as

comunidades vão transmitindo ao ritmo da vida.

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Como o contador de ―O principezinho‖, desde menino que as pessoas

crescidas fizeram tudo para matar em mim o artista que podia/devia

ser... Passaram a ensinar-me a gramática, a geografia, a história, a

matemática e a avaliar-me pelas cotações fabricadas por pessoas

engravatadas que se armaram em donas do tempo e da história...

Então, quando tenho saudades dos tempos em que podia ser tudo, e

me canso de falar de futebol de política e de gravatas como as

pessoas crescidas, volto então a refugiar-me no desenho da jibóia

que engoliu um elefante e ―Depois as jibóias ficam sem se poder

mexer e dormem durante os seis meses em que fazem a digestão...‖

É um teste. É o meu teste.

Então, as pessoas crescidas, olham lá do alto do seu ar importante e

dizem: - “Então porque é que um chapéu havia de meter medo?” E

encolhem os ombros ou nem sequer se dignam parar para ver...

E eu, como não tenho o poder de as repreender ou reprovar, fico

reprovado, apavorado, e desisto...

Mas o certo é que, nesta terra quente de sol e de noites geladas, de

searas douradas e de pão negro, há muitos muitos anos, que é o

presente dos anos que hão-de vir, houve uma luta de vida e de morte

que ainda há, entre uma serpente e um touro que ficou gravado nas

muralhas da cidade e que em noites de lua cheia se liberta para a

vigiar da serpente sempre sempre pronta para a voltar a atacar ou

para a despertar da letargia em que vive mergulhada? não se sabe ao

certo. Há mesmo quem diga que não é uma luta de inimigos, mas o

cíclico encontro de vida e de morte que é o Amor, e este encontro,

luta de vida e morte entre a serpente e o touro é de facto de morte

porque é condição para a vida ser vivida e constantemente renovada.

Como o Amor.

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É esta pois a história que vamos contar, para que todos a possam

cantar e cantando se possam encantar e encantados a possam

representar apresentando a ficção que é, afinal, a realidade..., para

que enfim a possam reCRIAR.

E naquela noite os nossos ciganos encontravam-se sentados à roda

da fogueira.

Nesta terra quente, de noites frias como o gelo, o fogo reúne as

pessoas para escutarem os anciãos, que pouco têm a ver com as

pessoas crescidas e pretensiosas que se arvoraram em donos da

cidade com o poder do dinheiro dos cargos e com o poder de ajuizar

os outros e distribuir benesses ou castigos.

Não era esse o cenário.

Enrolados na mesma manta, os rostos e os corpos quase se

confundiam à luz cintilante e incerta do fogo. Os olhos brilhavam na

noite. Os olhos da cigana Mariana reflectiam os olhos acesos do

Cigano Castanho.

O velho cigano, já de pele enrugada e de corpo encurvado,

embrulhado na sua manta, reflectia nos olhos que correram muito

mundo, o brilho das estrelas.

A maneira como estava sentado, de fronte do par apaixonado,

permitia que o Cigano Castanho e a Cigana Mariana vissem,

misturado com o brilho das estrelas, o perfil das muralhas da cidade

reflectida nos seus olhos que não viam...

O velho cigano, então abriu a boca e contou...

Há muitos muitos anos, que eu já não me lembro, era talvez ainda

mais novo do que vós, quando passei aqui pela primeira vez, ouvi

contar uma lenda desta cidade que era uma muralha de pedra

erguida no meio da planície, e não entendi.

Ainda não a entendo.

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img008 – a dança do fogo e das estrelas… dos astros… dos signos…

... e os olhos do velho viram-na bailar... p. 37

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Era a lenda do touro e da serpente...

e os olhos do velho viram-na bailar

em redor da fogueira a viram dançar

seu corpo ondulante em voltas girar

ao redor do fogo a serpentear

rodando encantada em círculo-espiral

em dança magia à luz do luar

de mulher serpente a enfeitiçar

os olhos ciganos incréus a olhar

a serpente humana em ondas rodar

seduzir atrair aterrorizar

estacando em pose d'hipnotizar

que prepara o bote felino mortal

de abraçar o corpo louco a delirar

do cigano vencido por golpe letal

da mulher serpente cigana fatal

que o envolveu por fim no abraço final...

mortal?

vital?

E o cigano vencido, ergueu-se a lutar

com a cigana serpente que o estava a abraçar

em abraço de morte de asfixiar

abraço de vida de ressuscitar...

E ela apertou-o, seus anéis possantes

sua boca aberta pronta a devorar...

Ele atravessou-a, chifres penetrantes

com o peso do corpo, boca a espumar...

E olhos do velho cansados de olhar

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em redor do mundo, tanto admirar

mudo com o espanto de ver, sem captar,

guerras, mortes, lutas a vida gerar...

olhando as estrelas, olhando o luar

de boca fechada, como a murmurar

incapaz de entender o saber ancestral

que lia nas letras do livro universo

escrito em estrelas em forma de versos

sem saber o quê, como interpretar...

O touro e a cobra?

A serpente e o touro?

O Bem e o Mal?

A Vida e a Morte

Guerra à opressão?

Grito: Liberdade?

Encontro fecundo de macho e de fêmea?

A revolta subtil da mulher escrava?

Encontro vital da vida e da morte?

A precariedade da vida feliz?

A busca sonhada da felicidade

sempre ameaçada?

... ...

Ou será que tudo isto

tem muito a ver afinal

com aquele mito proibido

que vedado, é consentido

no rito da morte risco

que é a tourada ancestral

que

põe frente a frente homem e touro

em combate desigual

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de macho p‘ra macho impante

donde a mulher está ausente

mas sempre sempre presente

como a história da serpente

ou da cobra da história

que vence o touro na luta

mas ao vencer é vencida...?

e quem vence nestas lides

de touradas e corridas

com capotes e com farpas

e nas faenas com capas

e com espadas mortais

com toureiros e capinhas

campinos e apoderados

com pegadores e forcados

cavalos e cavaleiros

todos artistas de um circo

que uns atrai, outros repele

e excita multidões...

é afinal um escape

um sonho de vida e morte

que o mortal sempre persegue

desde as mais remotas eras

tempos imemoriais

em busca da felicidade

que é imortalidade?

Tantas perguntas, ó Céus

que um simples conto contém

para ver de olhos fechados

quando essa lenda provém

de um saber imemorial

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que é transmitido oralmente

pelos velhos anciãos

que muito sabem contando

mas têm dificuldade

de explicar com noções claras

ou pouco claras talvez

que são caras à cultura

que por artes ou por manhas

se convencionou chamar

da cultura - a erudita

e que afinal só encobre

outras artes, outras manhas...!!!

... o velho cigano, deixou de pensar

e mudo falando, com fogo no olhar

o velho ancião começa a contar...

a história esquecida

de todos sabida...

Leitura de letras

escritas nos astros

que podem ser lidas

olhando as estrelas

no céu do Alentejo

amplo e descoberto

por olhos abertos

de poetas sábios

mesmo analfabetos...

que apontam com o dedo

de olhos fechados

a Ursa maior

a Ursa menor

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a Cassiopeia

o Touro, a Serpente

Signos do Zodíaco

sempre em movimento

em luta constante

donde nasce a vida

em mil repartida

pelo cosmos sem fim

onde este planeta

-pra nós o maior!

girando no espaço

em torno do sol

em torno da lua

em torno de si

à velocidade

de trinta quilómetros

num fugaz segundo

é ínfimo mundo

perdido em Galáxias

do imenso Universo.

Eis então, crianças

senhoras, senhores,

meninos, meninas,

a história esquecida

de todos sabida,

do touro e da cobra,

como ele a contou,

de noite ao luar,

o cigano velho

de estrelas no olhar.

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1 A/S LENDA/S DO TOURO E DA COBRA

img010 – o touro e cobra (em letras de imprensa)

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1.00 - O TOURO E A COBRA -v. - 00

Noutros tempos, há muitos muitos anos que hão-de acontecer de

novo no futuro, havia um reino muito grande e muito belo onde os

habitantes eram todos muito belos e amigos. Viviam, quase podemos

dizer com certeza, muito felizes... Trabalhavam as suas terras. Estas

eram distribuídas em campos imensos que não precisavam de muros

e divisões pois todos respeitavam o que era dos outros para ser mais

de todos. Ajudavam-se uns aos outros, faziam festas, conviviam uns

com os outros... cantavam, dançavam e amavam... Faziam jogos que

muito os divertiam e até os trabalhos mais duros e necessários eram

feitos como se fossem jogos e festas, pois todos se ajudavam a

amanhar as terras, a semear, a regar e mondar, a ceifar e arrecadar

as colheitas, a pascer o gado e a transformar tudo em alimentos e

vestidos coloridos e outros objectos para viver, cantar, tocar e folgar

nas festas da vida... e acudir nas doenças e celebrar as cerimónias

dos que deixavam esta vida... Trocavam as coisas que sobravam uns

com os outros e nomeavam, à vez, os seus reis e rainhas, os seus

príncipes e princesas, isto é, aqueles que os haviam de servir

governando durante certo tempo, o que acontecia com certa

regularidade para não se cansarem nem perderem o encanto... Como

durante esse tempo de serviço, esses não tinham tempo para se

governar, pois governavam os outros, todos os sustentavam e

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garantiam que nada lhes faltasse, para que não faltasse nada a cada

um de todos os outros... "e assim eram felizes para sempre...‖ como

costumam acabar todas as histórias.

Era assim, há muitos muitos anos, que se perderam na memória dos

tempos, mas ainda não no coração dos que sonham felicidade,

liberdade e a alegria.

Chegou entretanto um dia em que a alegria e a paz desses habitantes

desse reino começou a ser ameaçada. Ouviu-se dizer, que um grande

monstro rondava as fronteiras do reino. Nos campos, durante a noite,

as sementeiras começavam a aparecer destruídas. As pessoas,

quando, de manhã, chegavam para continuar o trabalho do dia

anterior, ficavam mudas de espanto pois encontravam grandes

estragos e podiam ver enormes sulcos muito estranhos que nenhum

ser vivo, dos que eles conheciam, pessoas ou animais, poderia ter

feito...

O que seria? O que não seria? Quem poderia ter sido?

Começou então a ouvir-se dizer que tudo era devido a uma enorme

serpente que ainda ninguém tinha visto ao vivo, mas todos

suspeitavam já a ter entrevisto a esquivar-se e a esconder-se em

sítios esconsos esquisitos e havia mesmo quem afirmasse que o seu

esconderijo seguro era o poço do monte da cobra...

Esse monte ficava lá para noroeste da cidade principal do reino, num

sítio ermo por onde ninguém se atrevia a passar de noite e, os que se

teriam atrevido a passar, mesmo de dia, nunca ninguém mais alguma

vez soube o que lhes terá acontecido... foram certamente devorados

pelo monstro desconhecido ou levados pela gigantesca cobra para o

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seu refúgio preferido, e nunca mais ninguém ouvira falar deles,

começando mesmo a duvidar-se se alguma vez teriam existido.

Logo a seguir, começou também a constar, a ouvir-se dizer, a dizer-

se, que o monstro não era somente mau e por isso destruía tudo o

que podia, mas era igualmente um terrível bicho inteligente, pérfido e

ambicioso que tentava descobrir o modo de entrar na cidade principal

do reino, tomar conta da praça principal, e instalar-se no castelo,

donde governaria todo o reino e seria então indiscutivelmente servido

pelo medo, pelo terror e pelo servilismo de todos os seus habitantes.

Entretanto, apareciam cada vez mais sinais de que o monstro

devorava cada vez mais habitantes que se atreviam a andar sós pelos

caminhos e pelos campos.

Para o aplacar da sua fúria devastadora começava-se a exigir que

cada rua, bairro, freguesia ou monte, lhe sacrificasse a donzela mais

bonita e virgem que normalmente era escolhida pelas suas amigas e

vizinhos como a princesa das festas da Primavera em Maio. Eram ―as

Maias‖ coroadas de flores que passariam a ser sacrificadas ao

monstro para que não continuasse a destruir as suas culturas e

deixasse de matar os seus habitantes ou os fizesse desaparecer para

lugares misteriosos donde nunca mais se sabia notícia.

Passaram-se assim, anos e anos de angústia indescritível, de terror

horrível, de mudos medos, de revoltas caladas, de actos de heroísmo

desesperados. Nada parecia acalmar a sanha opressora da serpente

cobra monstro que tudo devorava.

E um dia, sem se saber muito bem como, os habitantes cada vez

mais isolados e fechados nas suas casas para melhor se defenderem

pensavam eles começou a correr de porta em porta a notícia

fatal. A serpente do mal e da guerra, da destruição e da opressão, já

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estava no meio da cidade. Tomava conta da praça principal. Tinha

feito fugir todos os governantes e defensores que não sabiam o que

fazer e, para tomar conta da cidade e do reino e tudo dominar, a

serpente cobra-sinuosa monstro lançava gritos horripilantes no

meio da praça, no alto da cidade e dava saltos e urros sibilantes,

torcia-se e retorcia-se nos seus anéis coloridos e viscosos, dava

voltas e reviravoltas descrevendo círculos e oitosssssss e essssssses

endiabrados, numa dança louca, infernal, impossível de contar e

descrever... Só vendo.

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img011 – a serpente domina a praça da cidade…

A serpente do mal e da guerra, da destruição e da opressão, já estava no meio da

cidade. Tomava conta da praça principal... (p. 46)

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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Os habitantes da cidade, das aldeias, dos lugares, dos montes, dos

bairros e das ruas, estavam aterrados, petrificados de medo e de

espanto. Tal como os governantes, amedrontados e espavoridos, não

sabiam o que fazer. Contavam uns aos outros, para se animarem em

família, histórias de tempos idos muito antigos de que já ninguém se

lembrava muito bem e falavam contudo de esperança e felicidade,

mas não encontravam solução. Desejariam perguntar, ao menos, aos

outros, doutras ruas, doutros lados, se valeria a pena fazerem

alguma coisa, e se valesse, o quê, e como o haviam de fazer. Mas a

comunicação era impossível. Os mensageiros que tentaram mandar

de uns para os outros lados, começaram também a ser apanhados

pelo monstro que, de vez em quando, suspeitando, saía da praça, e

apanhava os desprevenidos que, para encurtar caminho, se atreviam

a passar pelas imediações...

Foi então que no desespero, inventaram a única maneira que tinham

de comunicar com os de longe, para lhe darem sinal, para se

levantarem, se prepararem, se decidirem enfim, todos em conjunto,

atacar e destruir o monstro, que durante tanto tempo, tanto mal

causara, e agora os aterrorizava e os queria dominar para sempre...

Começaram a cantar as canções que conheciam e o seu estro

produzia sobre os momentos dramáticos que viviam. Logo as

cantavam em coro. Esse coro vinha juntar-se ao grito do alto que

lançava o repto. Ao coro inicial ia-se juntando sempre mais e mais

gente... E o canto de cada rua, cada bairro, cada lugar e cada aldeia,

cantado a plenos pulmões, eram gritos saídos do ventre da terra que

atroavam os ares e cobriam os gritos da serpente monstro. Assim o

som dos cantes começou a ouvir-se por todos os cantos da cidade e

foi o sinal para todos começarem a avançar a fim de se ouvirem

melhor uns aos outros e poderem encontrar, finalmente, um lugar

onde se pudessem juntar. Irresistivelmente, levados pela magia do

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canto, todos estavam a caminhar para a praça principal que era

ocupada pelo monstro.

Cada grupo que caminhava do seu lado ia arrastando consigo todos

os que encontrava pelo caminho. Começavam enfim a encontrar-se

grupos de ruas e bairros diferentes... Para se saudarem, no

reencontro da alegria, as crianças começaram a trocar as flores com

que se tinham enfeitado para a festa ou para a morte. Os outros

todos, mesmo os que depois de tantas desilusões estavam dispostos

a permanecer indiferentes e alheios, contagiados, e, ou por medo ou

para se mostrarem fortes, ou para vencerem o medo do medo de

enfrentarem a serpente, juntavam-se ao que começava a ser um

povo e cada um levava consigo aquilo que tinha mais à mão. Armas

não. Como era um povo que nunca soubera o que era a guerra, não

tinham armas. Armavam-se com o que tinham. Como era Primavera,

e à semelhança das crianças, a maioria levava flores. Outros levavam

os instrumentos com que trabalhavam em casa e nos campos...

Outros levavam só os símbolos que representavam a sua vontade de

paz, de alegria, de felicidade... eram desenhos e pinturas e sinais e a

sua poesia e as suas canções e os seus gestos e os seus vestidos de

cores de festa... Muitos levavam tralhas velhas de que já não

precisavam em casa, para irem armados com qualquer coisa que

serviria, quem sabe?, de arma de arremesso para atirar para cima do

monstro, para o entulharem e enterrarem se fosse possível, para o

queimarem, para o consumirem e fazerem desaparecer... O

importante é que todos se juntavam, inventando cada um o que lhe

era possível e, o mais importante, é que todos se iam decidindo a

enfrentar unidos a terrível serpente que ameaçava a cidade, todo o

reino e todos os habitantes.

Assim, quando os cantes já tinham circulado por todo o reino e

entrado em todas as ruas e casas onde os habitantes se escondiam

cheios de medo e de terror, os grupos da frente que já tinham mais

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gente a cantar com eles, começaram a chegar às entradas das ruas

que desembocavam na praça... ao verem a serpente, os primeiros

estacaram tomados pelo espanto. Depois, quebrado o primeiro

choque, queriam fugir, mas os detrás, que queriam ver, não os

deixaram escapar... e, ao mesmo tempo que tinham medo, eram

seduzidos, fascinados pelo monstro que, ao vê-los, se encheu de

nova fúria e tentava atacar todos ao mesmo tempo... Passados os

primeiros momentos de confusão e medo, de cada canto da praça

recomeçaram os cantos e os grupos começaram a avançar e a cantar

cada vez mais forte para se libertarem do medo e do fascínio que a

serpente exercia sobre eles com o seu poder mágico... Pouco a pouco

o canto era já só cante e cada vez mais forte.

Foi então que a serpente-monstro-cobra-réptil, teve um ataque de

raiva, de fúria imparável. Viu que estava perdida. Deu ainda, na

praça, saltos desesperados, mais voltas e reviravoltas e urros

terríveis, mas, perante o cante que gritava sem medo, procurava um

lugar para fugir.

Não era fugir que ela tentava.

Procurava sim escapar-se para o castelo da cidade, onde melhor

poderia defender-se e donde melhor poderia dominar todo o reino e

toda a população!

Fugiu então por uma pequena rua que encontrou livre ludibriando a

multidão e serpenteando por entre a arcaria do açougue.

No primeiro momento, todos ficaram surpreendidos.

Tinham-se esquecido, e ao mesmo tempo consentido que aquela

pequena rua ficasse livre e desimpedida.

Era no entanto um sinal claro de medo do monstro medonho e, logo a

seguir a este sinal, que era o gesto desesperado de tentar tudo por

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tudo, os habitantes do reino que agora se sentiam cheios de coragem

por se verem todos juntos, animados e encorajados pelos cantos que

cada grupo de cada rua, ou de cada bairro ou de cada aldeia, ou

monte, ou de cada zona, atirava para o ar como gritante cante da

terra, movidos por uma força envolvente que emanava deste cante,

todos caminharam atrás da terrível serpente que tudo e todos

ameaçava.

Temiam-na ainda, mas sentiam que estava próxima a possibilidade

de a vencerem definitivamente...

Foram percebendo que afinal a bicha não fugia mas que se dirigia a

toda a pressa para o castelo. Que faria tudo para nele se instalar,

impedindo-os de entrar, governando então de lá, a seu bel-prazer...

Mas o povo todo junto, nesta altura era uma autêntica multidão... os

cantos-cantes redobravam de energia e de expressão... não havia

hipótese de os da frente terem medo e se deixarem atemorizar,

recuarem ou tentarem fugir... os que vinham detrás empurraram-nos

decididamente para dentro das muralhas do castelo e, os primeiros à

força por temerem o que lhes poderia acontecer, e os outros a seguir,

em catadupas, entraram.

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img012 – a luta / dança dos touros e cobras no castelo da cidade

Aconteceu neste momento o imprevisto que todos afinal sabiam que podia acontecer e desejavam ansiosamente. p. 58

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A serpente procurava, ora refúgio, ora os mais diversos modos de os

intimidar como fizera na praça. A multidão entretanto espalhava-se

pelo terreiro e pelas amuradas do castelo... Ninguém queria arredar

pé. Ninguém se atrevia a enfrentar o monstro... Aspirava-se no ar a

ameaça de uma tremenda luta de vida e de morte dentro das

muralhas do castelo... A serpente soltava silvos arrepiantes e evoluía

em círculos desesperados, em espirais ameaçadoras, desafiando a

multidão que ora se aproximava, ora se afastava na defensiva,

tentando enfrentar a cobra, mas sem êxito.

Foi então que, de súbito, apareceu o TOURO.

Cheio de energia e força, surpreso e generoso, correu a praça

desembolado a farejar os possíveis adversários... Ele que tinha sido,

durante todo o tempo o companheiro e o apoio de todos os

habitantes, nos trabalhos do campo, desde o amanho das terras, às

sementeiras, às colheitas, à recolha e transformação de todos os

produtos, parecia assim, de súbito, fera disposta a defender-se,

atacando qualquer fera ou inimigo que se lhe apresentasse pela

frente.

Após a primeira corrida louca de reconhecimento, vitoriado pela

multidão que entretanto se escudou atrás das barreiras, e ameaçado

pela serpente que o enfrentava medindo-o à distância, o Touro parou.

Escavou a terra com fúria desmedida e espumou. Olhou em todas as

direcções como que a medir o tamanho e a força da serpente que se

empinava na sua frente desafiando-o, temendo-o também. Ambos se

olharam com fúria. Parecia iminente a luta. Uma luta de vida e de

morte...

Caiu um silêncio profundo no terreiro do castelo.

Ambos se miravam como hipnotizados.

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O Touro, como que fugindo ao magnetismo que o paralisava, escavou

mais uma vez a terra.

A serpente procurava prender o olhar do toiro e aproximar-se o

suficiente de cabeça erguida para desfechar o bote decisivo que lhe

permitisse envolvê-lo depois, presa derrubada, nos seus anéis

possantes...

Aconteceu neste momento o imprevisto que todos afinal sabiam que

podia acontecer e desejavam ansiosamente. Só não se sabia se

poderia acontecer e quando aconteceria. A multidão movimenta-se.

Do meio da multidão começam a aparecer primeiro um touro, depois

outros, depois muitos touros. Dava a impressão que cada família,

cada grupo, tinha levado, escondido o seu touro secreto, o seu touro

protector, o seu touro indispensável. Mas não era cada um. Cada

grupo de dois ou mais, fazia aparecer um touro, que desde sempre

trazia escondido, repartido em pedaços como que recortado em

puzzle e dentro de cada um uma parte, que ali, de súbito, começava

a aparecer em peças que procuravam e encontravam o seu

complemento, a encaixar-se, a tomar forma... Eram dezenas e

dezenas de touros que apareciam e saltavam da multidão, em menos

tempo do que levamos a contar e se espalharam por todo o terreiro

da arena muralhada do castelo. Eram já centenas. Tornaram-se

milhares... Então, o Touro bravo, o grande Touro, investiu e todos

com ele...

Logo à primeira investida, todos puderam constatar o que também já

sabiam desde há muito, muito tempo, desde sempre. A cobra-

serpente-bicho horrendo era afinal um grande monstro de papel

ornamentado e enfeitado, disfarçado de fitas e papéis e outros

enfeites coloridos que se fora tornando grande e asqueroso monstro

poderoso e dominador, à medida que crescia e se agigantava com a

força que todos os iludidos que foram engolidos e enganados lhe iam

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dando... Assim, rompeu-se o monstro logo ao primeiro assalto, e

perante o assédio feroz e a seguir de festa de todos os touros,

começaram a saltar da serpente-cobra-monstro-de-papel todos os

que magicamente a formavam e não passavam, na sua grande

maioria, de crianças e jovens frágeis tímidos e imberbes que assim

juntos e disfarçados foram, tanto tempo, a causa de tantos

infortúnios e tanta miséria, impedindo um povo de caminhar e

construir o seu futuro fortemente enraizado no seu passado ancestral

de partilha com a natureza que os envolvia e gerara...

À medida que todos os enganados e desaparecidos se iam libertando

do monstro fantoche, a cobra-serpente-monstro-de-papel, os restos

que os vestiam foram-se acumulando ao centro do terreiro. Os que

saltavam do monstro, alguns esboçavam ainda gestos de luta, sinais

de agressão, mas logo se transformavam em dança de festa e

encontravam o seu grupo, o seu par, a sua família, o seu povo... A

multidão em júbilo cantou e dançou e foi acumulando, no centro da

praça, todos os disfarces, todas as armas, todos os restos inúteis e

velhos que por ignorância ou por medo, timidez ou ilusão, tinha

acumulado e levado e era o símbolo da dominação e do medo em que

tinham vivido durante tanto tempo...

Finalmente lançaram o fogo à pira e foi uma grande festa.

E todos cantaram e dançaram a alegria incontida.

E inventaram o hino da alegria e da paz que já desde sempre ecoava

no Universo e há milhares de anos se ouvia mas ninguém o

cantava...

Vem, canta, dança a alegria

Canta bem alto o hino à paz...

Canta a poesia deste povo

que trabalha o pão...

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Vem canta, dança a alegria

conta os teus contos de encantar...

Vem cantar o cante

deste povo que partilha o pão.

Voa como as águias a rainha das alturas – céu...

Percorre a campina onde vive e cresce a vida – o pão...

Voa sobre os montes a planície do Aquém-Tejo – Além

Vê de lá o Mundo a gente que trabalha a Terra – o pão

Luta como o touro em fúria louca contra a tirania

Luta co'a serpente o signo força do que avilta a vida

Vem cantar o cante deste povo que trabalha o pão

Vem cantar o coro deste povo que partilha o pão.

Quando a festa acabou ali naquele lugar, todos partiram e foram

levar a festa espalhando-a pelas ruas, praças e bairros da cidade;

pelas aldeias, lugares e montes de todo o reino. Espalharam as

cinzas, as flores, as pombas e os gestos que eram sinais e símbolos

da paz e da alegria.

Terminou assim a história do Touro e da Cobra.

Ou antes, assim começou uma era nova de trabalho, de alegria e de

paz para todos os habitantes daquele reino...

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Continua a contar-se, entretanto, ainda agora em longos serões de

Inverno junto à lareira ou em amenas noites de lua cheia carregadas

de mistério, em grupos alegres que se juntam pelos campos, que, na

euforia final, ninguém se lembrou de vasculhar as cinzas quentes da

grande fogueira naquele dia de festa memorável, para verificar se o

fogo tinha, de facto, destruído tudo. Todos tinham visto que os restos

da serpente tinham ficado reduzidos a cinzas e até as tinham

espalhado ao vento. O fogo tinha destruído tudo. Tudo o que se via.

Consta agora, que uma pequena parte da cobra, um pequeno corpo

muito reduzido, teria escapado com vida e com toda a malícia do

monstro. Pequeno e insignificante, ninguém se apercebera disso e,

por sua vez, o bicho-monstro, agora cheio de medo e de terror, teria

fugido discretamente como réptil refinado no mal e fora encontrar

refúgio nas profundezas do poço do monte da cobra que fica lá para

noroeste da cidade principal do reino, donde, como toda a gente do

campo sabe e cantam os poetas e artistas, sopram os ventos de

tempestade que destroem as searas e os rebentos das árvores... e

empurram os habitantes desnorteados para o refúgio dos seus

abrigos nos montes...

Conta-se ainda... Conta quem vive ou passa por aqueles lados... que

em certas noites de luar, se ouvem um rastejar e uns silvos

esquisitos e logo a seguir um restolhar de sons surdos e furiosos que

muito bem podem ser sinais de uma luta feroz e encarniçada de um

Touro e uma Cobra monstruosa... e tudo isto lá para as redondezas

do poço do monte da cobra...

Alguns que vagueiam tarde pela cidade adormecida, dizem que já

ouviram estes sinais pelas imediações da praça ou do castelo da

cidade... A praça, pode ser a praça principal, mas há quem diga que

é, sim, a praça de touros que durante muito tempo ali fica assim

como um espectro inútil onde não acontece a magia de uma cobra

esguia encarnada num toureiro destemido armado de farpas capas e

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espada enfrentar o touro, em luta de morte... Há pois quem diga que,

mesmo sem espectadores, ou talvez só para alguns poucos

privilegiados que sonham os sonhos só vividos nos contos e lendas de

encantar..., essa luta acontece nas noites de lua cheia.

Conta-se. Canta-se. Ouve-se contar em encontros fortuitos em que

os habitantes se encontram para cantar e também para contar outros

contos de encantar...

Conta-se. Nunca ninguém viu nada de concreto, talvez encantados,

enganados pelo luar ou pelo sortilégio da hora ou da solidão do

lugar...

É talvez bom sinal.

É sinal de que talvez o Touro continue a velar pela paz do reino.

É talvez sinal de que o touro bravo repartido em pedaços por cada

um dos habitantes, continua a luta interminável com a Cobra.

Beja, em 22 de Maio de 1986 ou 1689 ou 9681

e em 11 de Maio de 1988 que pode ser 2001 e Setembro de 2008.

Conto reinventado,

todo dito e contado

como lenda encantada...

já completo encontrado

escrito com letras

no livro brilhante,

do céu cintilante,

pelo velho cigano

à luz das estrelas.

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0.1.0 - AS LENDAS DO TOURO e

da COBRA E OS CONTADORES DE

HISTÓRIAS

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0.1.0 - Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto...‖

Inda mal o velho cigano acabara de contar a história, em palavras

mudas que ele ouvira contar imaginadas, nos tempos antigos em que

passara por Beja agarrado às saias da mãe cigana que mendigava

cirandava e rapinava alguma coisinha para sobreviverem enquanto o

pai cigano e os outros, ciganavam pela cidade e imediações e pelas

feiras e mercados...

inda ele, o velho cigano, cego, via, no brilho das estrelas, a luta

perpétua incessante sedutora do touro e da cobra que giravam em

movimentos ovais de espiral...

e já os ecos do atentado soavam pela cidade e punham em alvoroço

os velhos e conceituados contadores de histórias a quem desde há

muito ninguém ligava a mínima importância, por velhos e desligados

da cultura do progresso moderno como se dizia...

- Aqui d‘El Rei que nos roubam a magia das nossas

lendas...

Alguém estranho, cigano larápio, se atreveu a desvendar

a caverna dos nossos tesouros escondidos e tenta

penetrar nos segredos que nem nós sabemos desvendar

e apropriar-se dos valores que nem nós sabemos

devidamente apreciar e vamos transmitindo em palavras

veladas sibilinamente cantadas de acordo com as

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circunstâncias e os circunstantes às gerações que nos

ouvem sem nos ouvir e entender...

e logo convocaram um encontro dos mais velhos e sabidos, ali em

lugar discreto e desafogado à sombra das árvores frondosas das

portas de Avis, de olhos abertos para a planície imensa que se

estendia a perder de vista... pelos campos onde teria acontecido a

luta, as lutas, ... do touro e da cobra... os episódios da fonte mouro...

as imorredouras batalhas da morte do Lidador... os movimentos da

revolução de 1383... os campos da família Alcoforado...

Eram a ti Ana Maria do Pelame, o ti Jorge da Cruz da Boavista, o

Jorge das Cantigas, maltês de toda a parte, a ta Isabel Mateus que

viera co‘s ratinhos e por cá ficara, o Carlos Miúdo do Joaquim

Cardador dos lados de Mombeja que apesar de velho era sempre

Miúdo, a Fátima da Almocreva vinda de Alvalade e que vivia lá para a

Mouraria, o Ti Luís Filipe mais conhecido por Bull o Touro e ainda o

Jorge Corujo amante de corridas e touradas rijas...

Eram assim as histórias que contavam...co/cantavam...

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1.01 - O TOURO E A COBRA – V/01

O Touro vence a cobra

e liberta a cidade.

Não, não é assim que a história se contou... Dizia a tia Ana

Maria e ela morava lá para os lados do bairro do Pelame.

A mim, contaram-me a história assim:

Há muitos muitos anos, quando Beja nem era ainda uma cidade, e

era uma terra pequena, mais pequena do que é agora, muito mais

pequena, era rodeada de campos de cultivo a toda a volta e, até

muito muito longe, até se perder a vista, havia uma mata muito

grande como se fosse uma floresta onde havia muitos animais

selvagens.

As pessoas viviam do amanho dos campos e iam à floresta para

arranjarem lenha para acenderem as lareiras e cozinharem a comida

e também para caçarem.

A certa altura tiveram de deixar de o fazer.

Os que se atreviam a entrar na floresta nunca mais voltavam e um

que conseguiu escapar falava muito aflito de uma cobra, um bicho

muito grande e muito feio, que ele vira engolir o seu companheiro.

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... Saiu assim do mêo das árvores uma coisa a modos que um ramo

muito grosso que mais aparecia um tronco do qu‟ium bicho, sem

nada se poder fazeri, aquele braço apanhô o Maneli que lá ficou

apertadinho sem se poder mexeri coitadinho e foi engolido em menos

de um piscar d'olhos. Ê cá na pude fazeri mais nada sanão alargari a

fugiri e escapuli-me o mais depressa que pude...

Nunca mais houve descanso naquela terra. Nem ao campo se podia ir

trabalhar sossegado.

No tínhemos já avonde co trabalho e mais essas cavandelas todas,

e agora mais esta nos havera de aconteceri.

As pessoas da terra juntaram-se então para ver o que haviam de

fazer.

Lembraram-se de mandar um touro para os lados onde o Manel tinha

sido morto e, passados uns tempos, viram-no voltar muito

maltratado e com sinais de que esmagara a bicha.

Foi uma festa tão grande que o povo passou a pendurar nas paredes

as cabeças dos touros que tinha de matar e quando construíram a

muralha, fizeram uma grande cabeça de touro lavrada numa pedra e

lá a puseram à vista de todos, voltada para fora para meter medo às

cobras que se quisessem atrever a entrar na cidade.

E assim as pessoas puderam viver descansadas.

Vitória, vitória,

acabou-se a história.

E AGORA A TODA A HORA

O TOURO, LÁ NA MURALHA,

GUARDA A CIDADE DA COBRA.

PODEM DORMIR SOSSEGADOS!

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1.02 - O TOURO E A COBRA – V/02

O touro é engolido pela cobra

mas a população mata-a enquanto o digere

e a cidade é libertada.

Num ei nada assim camo êla contoi mê sinhori. A stória ei mas ó

menos a mesma mas num há ninhum grovito qui ei um boi de corna

alta quantu mais um gachélo que fique d'impéi numa garreia cuma

bicha desse esbarrunto... Tal é lá isso hen!

Mas isso sân'istórias! que uma bichana dessas num há aqui, nim

nunca overa de haveri, na senhori, mesmo noutros tempos. Ê num

m'interi mas com'ê ovi dzeri é qu'a bicha ficou com'um grifo e o boi

ficou lá todo incorrusquinhado na barriga da cobra qu'era um

esbarrunto da grossura dum êcalitro já bem medrado...

A história é mais ou menos assim... Contou o Ti Jorge da Cruz

da Boavista.

Em tempos passados, houve uma vez uma perigosíssima serpente,

que aterrorizava os habitantes da região de Beja pois destruía muitas

culturas e sementeiras, chegando mesmo a matar algumas pessoas

que apanhava no descampado dos montes.

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Certo dia, a população teve de tomar medidas e chegou à conclusão

que só poderia matar uma serpente daquele tamanho pondo-a a lutar

com um animal também de grande envergadura.

Foi então que se lembraram dos touros que utilizavam para os

trabalhos agrícolas e havia, no povoado, alguns que eram de grande

porte.

Escolheram pois um dos maiores e levaram-no até perto da floresta

que naqueles tempos não distava muito da cidade, para um local

onde havia sinais mais recentes dos estragos que a cobra tinha

feito...

Não foi preciso esperar muito tempo. A serpente apareceu. Houve

uma luta de morte. O touro bem lutou enfurecido e raivoso,

espezinhando tudo e tentando furá-la com os chifres, mas a cobra

enrolou-o, apertou-o e depois de o asfixiar engoliu-o todo inteiro.

As pessoas que assistiram ficaram atónitas e desconcertadas perante

aquele espectáculo horrível e choraram a sorte do animal tão nobre e

corajoso.

Passado algum tempo, como descobriram que a bicha não se mexia,

com o peso que tinha na barriga, e souberam que levaria meses a

digerir o touro, juntaram-se os mais corajosos e, com enxadas,

forquilhas, varapaus, foices e gadanhas, foram-se à serpente e

mataram-na.

Abriram-na depois de a cortarem quase toda e trouxeram como

troféu a cabeça do touro que, anos mais tarde, esculpiram em pedra

e meteram-na na muralha que estava em construção na cidade.

A BICHA MATADA.

POVO SOSSEGADO.

TOURO EMURALHADO.

E CONTO ACABADO!

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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1.03 - O TOURO E A COBRA – V/03

A população lança um touro

para ser comido pela cobra

a fim de libertarem a cidade.

Mas que é que vomecês stão p'raí aldeagando! Ele os intigos num

cuntavam nada assim! Isto é mesmo um esbarrunto ó mal

acomparado é com'ó ôtro que diz: quêm conta um conto, acrescenta

um ponto. Ele há cada paiolo mais taronjo qu'inté a gente já nem fica

esparsido!

Ora com'ê ovi contar era assim que contava o Jorge das

Cantigas imbora ê no m'alembre dirêto é assi al modos...

Era uma vez... e Beja ainda nem era uma cidade ... e tinha campos e

matas por tudo quanto era lado, apareceu uma cobra que metia

medo a toda a gente e não havia quem pudesse ir para o campo

trabalhar ou pudesse andar sossegado pelas ruas.

Andando assim o povo muito aflito e sem saber o que fazer,

juntaram-se num grande ajuntamento e discutiram o bom discutir até

resolverem como é que se havia de livrar daquela peste que não

deixava ninguém viver sossegado...

Lembraram-se então de deitarem um touro para que a cobra o

comesse e uma vez que ficava farta, desapareceria e deixava-os em

paz.

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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E foi assim que fizeram.

Deitaram um touro a monte, lá para os lados onde a bicha rondava e

o touro nunca mais ninguém o viu e da cobra nunca mais ninguém

ouviu falar.

De barriga cheia a serpente ficou por lá meses e meses a dar conta

dele e, ou nunca mais acordou, ou nunca mais se lembrou de vir

inquietar a gente destes lados.

Foi assim que um touro salvou a terra onde viviam as antigas

pessoas de Beja que nem se chamava assim, nem era uma cidade...

e as pessoas puderam voltar a viver em paz... e mais tarde, quando

isto foi uma cidade e teve muralhas, meteram a cabeça esculpida do

touro nelas para toda a gente se lembrar que foi um touro que a

livrou ...

e assim é que foi

a história do touro

a história do boi

e assim é que fica

e assim se livra

a cidade da bicha

e isso foi obra

maior que um tesouro

livrar-se da cobra

a terra do touro.

Novelo enrolado...

e conto acabado...

Vamos pois deitar

p'ra cedo acordar

e cada um lidar

bem no seu lugar...

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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1.04 - O TOURO E A COBRA – V/04

A cobra é envenenada

com um touro a que tinham dado veneno

e assim é libertada a cidade

Mas a ta Isabel Mateus é que no stava a modos... Que é qu'eles

stão p'raí aldegando que num dizem uma cum duas... o conto é mais

ó menos esse mas o certo é que a cobra foi morta cum veneno que

há pra matar as cobras e um homem de cá que tinha andado por

muitos lados é que sabia...

Algum dia, há anos muitos anos, quando Beja era rodeada de uma

floresta cheia de animais selvagens e nem tinha este nome e os

habitantes daqui trabalhavam os campos ao redor, aconteceu que

uma grande cobra apareceu e metia medo a toda a gente e causava

muito mal a tudo e até matava pessoas.

Muito preocupados com o que sucedia, as pessoas juntavam-se para

discutir o que haviam de fazer mas não havia modos de encontrarem

uma solução para tamanho mal.

Um dia, apareceu numa assembleia, um homem que tinha corrido

muito mundo e era um explorador aventureiro que tinha visto e

ouvido de tudo... No meio da barafunda e da altercação em que todos

estavam, pediu para falar e então contou que tinha visto as cobras e

as serpentes matarem gente e outros animais com o veneno mortal

que elas tinham, mas havia sempre um veneno mais venenoso e

mortal para atacar os outros venenos e ele sabia o segredo de um

veneno que até as cobras peçonhentas podia matar e não via outro

modo de se livrarem da cobra que tanto mal fazia a pessoas como a

animais e até aos campos que tanto trabalho davam a cultivar... o

problema era descobrirem o modo como haviam de dar o veneno a

comer à cobra, pois se o engolisse, o certo é que morreria e ficariam

livres da cobra para sempre.

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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Todos o ouviram com muita atenção e com o respeito que é devido a

uma pessoa que andou por longes terras e sabe de venenos e artes

de outros lados e de outros povos e ali ficaram a ver qual seria a

melhor maneira de poderem usar o saber e inteligência daquele

homem que andara por longe e sabia de cobras e venenos.

Decidiram, pois, acatar a sua opinião.

Perguntaram-lhe então, se esse veneno dado a um animal de grande

porte, o mataria logo, ou se levaria algum tempo a dar efeito.

Ele disse que sim.

Então, todos se lembraram que poderiam dar aquele veneno do

aventureiro ao maior touro que encontrassem nas redondezas e,

depois de o envenenarem, dá-lo-iam a comer à cobra.

Foi assim que fizeram.

O homem aventureiro que andara por longes terras e sabia de

venenos preparou a mezinha. Deram-na a beber ao touro, o que não

foi fácil, pois ele não a queria beber, e lançaram-no para o campo,

para os lados onde havia de encontrar a serpente mais rapidamente.

O touro ainda lutou com ela, mas, envenenado como estava,

sucumbiu.

A cobra engoliu-o. Ficou envenenada e morreu uns tempos depois.

A recordar o sacrifício deste tão nobre animal, esculpiram e

colocaram a cabeça de um touro nas muralhas da cidade, para todos

se lembrarem de um animal tão forte e perigoso, que afinal foi tão

amigo dos habitantes desta cidade...

segredo, segredo,

veneno, veneno...

Touro envenenado.

Cobra envenenada.

História acabada

Como foi contada.

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1.05 - O TOURO E A COBRA – V/05

A cobra engole um touro

mas é morta por uma manada de

touros em fúria

e pela população.

Mas Carlos Miúdo que era filho do Joaquim Cardador que morava lá

para os lados da Boavista e lidava com touros e vacas desde que

nascera, ouvira e sabia a história do touro e da cobra duma outra

maneira que passamos a contar.

Em tempos que já lá vão, há muitos muitos anos de que já ninguém

se lembra, a campina toda, aqui à roda do que é agora Beja, era

cheia de árvores grandes e de mato onde havia muitos animais

selvagens e muita caça, e os nossos antepassados guardavam

grandes rebanhos de animais como porcos e ovelhas, mas o melhor

de tudo eram grandes manadas de touros e de vacas, que até

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serviam para os ajudar a desbravar as terras e fazer as grandes

sementeiras que eram de pasto para os animais e de pão para os

habitantes de toda a região do Alentejo e dos Algarves que, no fim do

Outono, se trocavam nas feiras de Castro e Alvito.

Viviam todos, cada um como era da sua sorte e não faltava a lenha

para o fogo, nem a carne da caça e dos rebanhos para comer o que

era preciso, nem o pão que havia com fartura para ser cozido todas a

semanas no forno de cada monte, que acenavam de longe, em longe

uns aos outros, com as colunas de fumo branco que saíam do lado

das casas voltadas para nascente.

Nunca, até uma certa altura, se tinha ouvido dizer que os habitantes

desta região tivessem tido medo de alguma coisa ou bicho que os

impedisse de trabalhar a terra deles e de ajudar no amanho das

terras dos outros...

Mas aconteceu um dia, começar-se a ouvir falar de uma enorme

cobra que causava estragos nas terras semeadas e começava até a

fazer fugir os caçadores que nunca tinham tido precisão de fugir de

nada, a não ser quando viam que não valia a pena caçar mais.

Começou de facto essa cobra a fazer estragos de mais e muitos

puderam vê-la de longe a destruir as suas terras, e o medo, e depois

o terror e o medo passaram a dominar o ânimo e as vontades de

todos os habitantes.

Ficaram assim, durante algum tempo paralisados, sem saber o que

haviam de fazer, até que um dia resolveram juntar-se para

conversarem e descobrir em conjunto o que haviam de fazer.

Era evidente que não se atreviam a enfrentar aquela cobra que os

aterrorizava e destruía impunemente todo o trabalho que, apesar de

tudo, iam, persistente e teimosamente, fazendo nos campos,

desbravando, amanhando, cultivando... mas nunca chegavam a ver o

benefício de tantos trabalhos, suores e dores...

Lembraram-se então, de repente, que possuíam, ao menos, grandes

e possantes manadas de touros que os ajudavam no amanho dos

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campos e lhes forneciam a carne e o leite que os iam mantendo

vivos... Aí estava a solução!... Quem sabe?! Juntariam uma valente

manada de touros e atirá-la-iam contra a cobra maldita... Mesmo que

a bicha adregasse de matar um ou outro, nada poderia fazer contra

uma manada brava e enfurecida que havia de ficar ainda mais brava,

se a danada da cobra conseguisse matar algum deles... Esta ideia foi

acolhida como uma esperança que se mudou em alegria e pouco a

pouco impôs-se a todos como única e desesperada solução. Não

tinham mesmo outra e era a que tinham à mão, usando dos meios

que dispunham. Mesmo correndo o risco de perderem algumas

cabeças de gado, tudo era preferível ao medo e à desgraça contínua

em que viviam permanentemente.

Juntaram então uma manada de touros bem forte e brava e

encaminharam-na para os campos onde há menos tempo tinham

visto a cobra andar à solta e à vontade destruindo tudo o que lhe

apetecia.

Atraída pelo tropel ensurdecedor, a cobra apareceu. Ao avistar aquele

inimigo inesperado, ela enrolou-se e desenrolou-se volteando no ar

sibilou em desafio.

Fssssssst Fichsssssssssst. ...Afinal, desde que aparecera que todos

fugiam de medo, e não era aquela nuvem carregada de pontos

negros que ia fazê-la fugir...

Os touros, que até ali corriam quase em debandada, ao verem a

bicha voltear no ar e a sibilar, investiram direitos ao alvo. Rasgaram

a campina de cabeça em riste prontos a rasgar e esmagar, mas ela

esquiva e rastejante iludiu a sua fúria e deixou-os passar desafiando-

os de novo, altiva e provocante.

Frustrados no ímpeto do primeiro ataque, os possantes animais

pararam surpreendidos e voltaram-se. Lá estava ela, arrogante, toda

empinada no ar segurando-se em pé só apoiada em duas voltas do

seu corpo enorme que a seguravam no chão...

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Cegos de raiva investiram de novo e, quase ao apanhá-la, a bicha

esquivou-se ao golpe pendurando-se numa árvore que bordeava a

clareira transformada em arena de combate de morte.

Era agora um enorme ramo abanado por inesperada tempestade,

enquanto a toda a volta caía um silêncio de terror e a terra e o ar

parecia terem paralisado de respeito. Era o momento em que os

animais paravam e pareciam desnorteados por falharem o ataque.

Ao descobrirem o grosso ramo diferente dos outros que lhes acenava

em provocação os animais atacaram de novo. Aquele ramo rasava o

chão e parecia, a todo o momento, ir desprender-se.

Investiram com mais fúria e a toda a brida. Não podiam falhar. Não

podiam dar-lhe tempo de se erguer de novo. Quase o conseguiram.

Os primeiros ainda a apanharam de raspão no momento em que ela

se erguia para escapar e outro e outro e outro ainda golpearam-na

com as hastes erguidas nas voltas que a cobra fazia e desfazia para

se poder erguer...

Foi então que um dos últimos touros da manada tropeçou nos da

frente e, dobrando as patas dianteiras, caiu desamparado ao alcance

do braço temível que se desenrolava da árvore e pretendia escapar.

Rápida como um raio a cabeça que se esquivava volteou fulminante e

no momento em que o touro possante intentava levantar-se, a cobra

já o tinha abraçado e desenrolava-se do ramo à medida que se

enrolava mais no touro e o parava nos movimentos desesperados que

o animal fazia torcendo-se e volteando-se para a tentar apanhar e

desenvencilhar-se dela.

Quando os outros, ao fundo do campo aberto, se voltaram para

atacar de novo, já a cobra tinha apertado o boi no seu abraço mortal

de muitas e asfixiantes voltas e, abrindo a enorme bocarra, engoliu-o

de pronto fazendo-o desaparecer no seu enorme corpo.

Estava agora estendida no terreno carregada com o peso da presa

que apanhara.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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Arrastou-se ainda um bocado para a entrada da floresta, mas não

pôde ir muito longe porque o animal era grande e o peso era muito,

mesmo para um monstro daquela força e tamanho.

Os touros em manada, que já não divisavam a inimiga a desafiá-los,

iam a desistir, mas logo reagiram ao alarido dos pastores e das

gentes que entretanto se tinha juntado para assistir àquela luta

nunca vista e correram direitos à clareira por onde a cobra deixara

rasto...

De longe as pessoas só puderam adivinhar a fúria dos animais a

investir contra a bicha pesada que mal se podia mexer... E, quando

finalmente se puderam aproximar para guiar os touros de volta,

puderam então acabar de abrir a cobra já de todo esmagada e quase

desfeita, e libertar o touro sacrificado que ainda mexia e respirava a

custo.

Trouxeram-no a rojo, que já não podia andar, e, depois de o

matarem por já não poder viver, puseram a cabeça dele no cimo da

casa que era a mais alta e era vista de mais longe e de muitos outros

montes ao redor.

Nunca mais os habitantes destas redondezas esqueceram esta luta e

logo que se ergueu a cidade onde agora é a cidade de Beja,

escavaram numa pedra a cabeça de um toiro e lá ficou nas muralha

como lembrança do sucedido para nunca mais ser esquecido.

E assim...

POR OBRA DE UMA MANADA

DEU-SE CABO DE UMA COBRA

E ACABOU-SE A DANADA...

E ACABOU-SE A HISTÓRIA...

Meada dobada.

história acabada.

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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E ASSIM,

NO FIM DA PELEJA,

COMO A HISTÓRIA NOS DIZ,

OS HABITANTES DE BEJA

FORAM,

PRA SEMPRE, FELIZES!

TODOS ELES?

NÃO.

SÓ QUEM QUIS

A FORTUNA BENFAZEJA!...

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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1.06 - O TOURO E A COBRA – V/06

A cidade é livre de um ataque

dum exército de mouros

com a ajuda de uma manada de touros

lançada contra eles.

A Fátima, de olhos azuis e cara morena com um misto de raças que

ninguém poderia julgar compatíveis e misturáveis, que veio dos

montes da Almocreva e mais pequenina ainda viera da herdade de

Alvalade, vive agora ali para a zona da Mouraria, às Portas de Moura,

que também é povoada de ciganos e malteses que pouco a pouco se

fixaram na cidade que agora se chama Beja.

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Muito calada e fugidia, quando está num grupo, isola-se numa ponta

ou procura como que esconder-se ao fundo duma sala, e só pelos

olhos se adivinha que está atenta a tudo o que a rodeia e se

emociona e vive, reagindo ao que vai ouvindo e vendo – vivendo.

A lenda do touro e da serpente deixou-a, primeiro, surpresa e depois,

quase em segredo, contou a lenda do TOURO como a tinha ouvido

contar, e era uma lenda do tempo dos mouros, muitos séculos depois

de os romanos se terem ido daqui embora, tempos esses em que se

localizaria a lenda do touro e da serpente que ela ouvia surpresa aos

outros contadores...

Essa Fátima, que traz no nome evocações dos sons árabes da

princesa Alfátima, todos a conheciam por Míriam, nunca ninguém

soube porquê. Talvez porque se chamava Maria de Fátima como tem

que ser com toda a mulher portuguesa que se presa ou era conhecida

por Burrica que era o Má-nome que lhe vinha da família.

Contava assim ela, a história que era lenda...

A lenda do Touro passou-se aqui no tempo em que os mouros vinham

de Mirtilis do Sul para conquistar a cidade e com o apoio de muitos

outros mouros que se lhe juntaram no caminho, vindos das terras da

Moura e de Serpes...

Ao ouvirem falar que um grande exército se aproximava desta zona,

os habitantes, dispersos pelos montes e herdades, apressaram-se a

refugiar-se dentro das muralhas da cidade invadindo-a por todas as

portas. Pela porta de Évora e de Avis, pelas portas de Moura e de

Mértola e até alguns pelo arco dos Prazeres que era mais estreita e

rodeada de um jardim de delícias onde se podia cheirar o odor

intenso das laranjeiras floridas misturado com o cheiro do alecrim e

do rosmaninho espalhado pelas barreiras que rodeavam a cidade.

Invadiam assim a cidade pelas suas cinco portas em forma de

estrela, acompanhados pelas famílias e rebanhos mais preciosos dos

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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animais que pretendiam salvar e lhes poderiam valer caso o cerco se

tornasse prolongado.

Era parca a guarnição de homens de armas treinados para defender a

cidade que, naquela confusão medieval, mudava constantemente de

senhores mouros ou cristãos que punham as populações inseguras

em constante sobressalto e mal havia tempo para os senhores

actuais, se preocuparem convenientemente com as fortificações que

mal abraçavam e protegiam o pequeno burgo.

Apesar de tudo, os exércitos que se aproximavam para reivindicar

questões de senhorio que tinham sido usurpados por parentes e

tricas familiares, eram numerosos e vinham dispostos a tudo. As

intenções dos donos da cidade, ninguém as sabia ao certo nem o que

pretendiam defender, até mesmo se eram mais a favor de outros

senhorios mouros ou cristãos, contando muito pouco para isso, os

interesses ou os desejos da população que não tinha lá muitas

preferências pelos deuses únicos e absolutos do crescente ou do

levante... Oriundos talvez de um indefinido e mal conhecido povo

cúneo de cultura avançada e de características diferentes e bastantes

evoluídas que contrastavam com os povos vizinhos, pouco

interessava à população de pastores e agricultores enraizados aqui

desde séculos, que os senhores em guerra adorassem um ou outro

deus único e absoluto... O que sabiam, é que eles pouco ou nada

contavam para esses problemas que eram questões de guerra para

os senhorios da cidade e para os califas e vizires dos exércitos que a

cercavam ...

O cerco já durava há uns tempos e não se via saída possível que não

fosse a rendição pela fome e pelo cansaço ou o assalto que se

tornava iminente pela evidente desproporção de forças em presença.

Uma guarnição pequena e mal armada, perante cinco exércitos

numerosos e bem armados que se espalhavam tranquilamente pelas

campinas que rodeavam a cidade.

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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Mais preocupados que os senhores em resolverem rapidamente o

problema, a população dos que se refugiaram dentro dos muros e via

perderem-se os seus bens e culturas que estavam à mercê dos

invasores, murmurava cada dia mais alto e buscava uma solução

para o conflito que se arrastava indefinidamente.

Foi então que se lembraram duma ideia genial. Sem pastos e

forragens que lhes valessem por muito tempo para aguentarem o

gado que pretendiam salvar, em vez de o verem definhar e morrer à

fome, os pastores-guerreiros lembraram-se de o usar para lançar a

confusão e a morte entre os seus inimigos...

Numa madrugada, em que nada o fazia prever, abriram subitamente

todas as portas da cidade e, antes que os acampamentos árabes

espalhados pela planície se apercebessem bem do que se passava,

estavam todos invadidos e espezinhados pelas manadas de toiros que

fugiam à frente dos gritos da população e dos poucos soldados que se

tinham distribuído pelas cinco saídas da estrela em que se abria a

cidade... O grosso principal dos sitiados tinha-se concentrado na

saída das portas de Mértola, pois era ali nas cercanias que estava o

acampamento dos principais chefes que comandavam o cerco e a

manada de touros mais valentes e cuidadosamente escolhida foi por

ali que tinha sido ardilosamente conduzida.

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img013 – os touros rompem o cerco mouro da cidade…

Numa madrugada, em que nada o fazia prever, abriram subitamente todas as

portas da cidade e,... p. 86

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O pânico e a confusão foi de tal ordem misturada com a grita de um e

outro lado que, os invasores, convencidos de que se tratava de um

cataclismo do outro mundo e perdidos ou isolados dos seus chefes,

debandaram à frente das manadas em fúria ou eram sumariamente

decapitados ou mortos pela população ou pelos poucos soldados que

vinham atrás, sem terem tempo de se aperceberem do que

realmente se passava.

Foi assim que o Touro, símbolo da riqueza e da força duma região,

conquistou o seu lugar nas muralhas com mais um título que nunca

mais as gentes haveriam de esquecer: - o de defensor e libertador

das terras e bens desta população que vive dispersa pelos montes

por muitas léguas em redor...

E depois?

Depois?!

Morreram as vacas e ficaram os bois!

Assim ficou

a meada enleada

história acabada,

até ser de novo,

outra vez dobada!

A HISTÓRIA CONTOU:

CO'A AJUDA DOS TOUROS

ASSIM SE LIVROU,

A BEJA, DOS MOUROS.

CORRENDO EM MANADA

PELAS CINCO ENTRADAS

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PELAS CINCO PORTAS

P'LAS PORTAS DE MÉRTOLA

P'LO ARCO DE AVIS

PELA ENTRADA DE ÉVORA

ARCO DOS PRAZERES

ENTRADA DE SERPA

FOI A DEBANDADA

DOS MOUROS C'OS TOUROS

SEMPRE À DESFILADA.

VITÓRIA ALCANÇADA!

E O POVO ENCONTROU

NA TERRA LIVRADA

IMENSOS TESOUROS

DEIXADOS P'LOS MOUROS

NA TERRA LAVRADA!

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1.07 - O TOURO E A COBRA – V/ 07

Num dia de tempestade

um Touro Azul descobre uma cidade

que muitos anos antes

tinha sido engolida por um terramoto.

...Mas o ti Luís Filipe, que lá na terra era mais conhecido por ―Bull - o

Touro", retirado lá pró fundo, sentado a um canto com o resto da

plaineta colada no bêço que ia mudando com a língua dum lado pró

outro da boca, já com um trancaço levado dos diabos que até metia

aflição a quem ouvia aquela tosse funda, olhava de soslaio toda

aquela história de estarem para ali a contarem histórias, com o seu

olhar miúdo de ironia e distante silêncio, e ia lá dizendo para os seus

botões:

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Isto sãn 'stórias de moços piquenos! Já no é nada comós intigos.

Isto é mesmo uma paiolada ó atão a gente é qu'éramos taronjos de

todo, poi'sorte!...

Ora a istória que a gente inventava, a saber, que não podia ser

verdadeira, pois parece que Beja nunca esteve interrada, dizem os

intendidos, mas há muita coisa interrada com'aquela casa romana lá

prós Pisões... e há esta terra toda que cá da banda debaixo do Tejo e

que uns donos disto acoimaram aí de Alentejo sem a gente ter que

ver ou ser tido nem achado e durante muito tempo esteve p'ráqui

mais que interrada e inda stá, ó se stá... é só ver o Alqueva ó as

minas das Neves Corvo se trouxerem algum interesse cá pró povo...

no andam nem um bocadinho até parece um atoco... Ele é comó

cante e comás décimas cá do povo e com‟estas lendas... só vêm cá

pra fora prós jornais e com letra de forma se for do interesse dos

latinfundiários e dos senhores, qu'isto ele há uns que o são das

agriculturas outros das culturas... isto é assim a modos qu'a gente a

conversar antes que mal pareça...

Ora a stória qu'a gente cá inventou e no pode ser verdadeira e é mais

verdadinha quás outras todas é mesmo assim.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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O TOURO AZUL... que desenterrou Beja...

Há muitos, muitos anos, quando Beja ainda não era uma cidade nem

tinha este nome... teria para aí uns trezentos habitantes..., ouvi

dizer, deu-se um terramoto e aquela povoação ficou completamente

enterrada por areias e calhaus.

Os tempos, aos poucos, foram passando e nunca mais se soube nada

da cidade ou lá o que era aquela terra que aqui havia dantes...

Um certo dia, um maioral que vivia aqui para esta zona, saiu com o

seu gado para pastar.

Andou, andou, andou e não reparou que o tempo se agravava.

Foi então que se desencadeou um grande temporal que mais parecia

um dilúvio.

O gado espantou-se fugindo cada uma das reses para cada lado e

tentando acudir a uns e a outros, armou-se ali uma tal confusão que

o homem acabou por se perder. Ao seu lado, só um Touro,

completamente Azul.

O maoiral lá se abrigou como pôde e não tendo mais o que pensar

senão no gado que andaria, sabe Deus por onde, não tirava os olhos

do intrigante Touro Azul que o não abandonava e continuava a pastar

como se nada fosse com ele.

Passadas algumas horas, a tempestade foi-se espalhando e, quando

o homem se dispunha a procurar o gado transviado com a ajuda do

Touro que lhe restava, o animal não se arredava do sítio onde

pastava e... parece que já não pastava mas tentava escavar...

parecia mesmo que procurava o que quer que fosse... começou

mesmo a escavar com mais força e depois com mais fúria como se

estivesse acossado por alguma coisa estranha... Teria descoberto a

cova de algum bicho ou o buraco de alguma cobra que se esgueirava

agora para o fundo.

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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Tanto escavou, tanto escavou, que começaram a aparecer as pedras

do que mais parecia ter sido uma grande construção sabe-se lá de

uma igreja ou dum castelo e rastos do bicho ou da bicha nunca mais

se viram. Habitava mas era nos restos de um palácio enterrado ou

quem sabe? as ruínas de uma cidade desaparecida.

O maioral, ao ver tal acontecimento, lembrou-se das histórias que

tinha ouvido contar aos que as tinham já ouvido contar há muitos

muitos anos e logo pensou que poderia ser a povoação desaparecida

que ficara enterrada por um terramoto de que já ninguém se

lembrava. Só de ouvir falar, de vez em quando, mas já ninguém

ligava.

Correu então de monte em monte a contar a todos os que encontrava

aquilo que lhe tinha acontecido de mistura com a aflição do gado que

se tinha perdido e a pouco e pouco toda aquela gente foi aparecendo

à medida que a história ia correndo correndo e lá iam desenterrando

a cidade que não era cidade mas tinha castelo e muralhas e igrejas e

ainda bastantes casas.

Passados alguns anos, Beja ou o que agora o é, ficou totalmente

desenterrada e novamente habitada e para recordar o sucedido, os

habitantes resolveram esculpir nas muralhas a cabeça do Touro para

que assim ficasse como símbolo da velha cidade de Beja, agora

reconstruída, renascida e renovada.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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E assim se contou

Assim se cantou

ESTA HISTÓRIA DO TI BULL

QUE METEU UM TOURO AZUL

A DESCOBRIR A CIDADE

QUE HÁ MUITO ESTAVA

ENTERRADA

ALI JAZIA IGNORADA

PARA TODA A ETERNIDADE

PELOS GRANDES DA CIDADE

P‘LOS GRANDES SENHORES DO

REINO!

E O TOURO ESCAVOU

E BEJA ENCONTROU

E BEJA ENCONTRADA

DE NOVO HABITADA

TANTO TRABALHOU

TANTO TRABALHOU

QUE FOI LIBERTADA.

E TANTO LUTOU

QUE SE LIBERTOU

E O MUNDO

ENCANTOU

POR SER TÃO

en/CANTADA!

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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1.08 - O TOURO E A COBRA – V/ 08

A cobra é fechada numa paliçada

onde metem um touro bravo

que luta até a morte.

Mas o Jorge Corujo não se deixou convencer por todas estas histórias

de fantasias mal arquitectadas, que não respondiam ao seu sonho de

luta e de liberdade... e vai daí, contou assim...

Há já muitos anos, em que a cidade de Beja cabia ainda dentro das

muralhas, havia uma floresta enorme à sua volta, onde habitava um

monstro terrível que era uma enorme cobra e causava grande medo

e terror a toda a população.

A situação foi-se agravando, porque essa cobra monstruosa destruía

as colheitas dos agricultores, e comia-lhes o gado e deixava-os na

miséria e na fome.

Pior do que a fome, era o medo e o terror em que todos viviam.

Os que governavam a cidade, preparavam e adestravam os seus

soldados mas eram tão poucos, que mal chegavam para calar a

população que se mostrava cada vez mais insatisfeita e revoltada, até

que se convenceram que tinham de encontrar uma solução.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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Reuniram-se com os velhos mais sábios da cidade e foi então que

tiveram a ideia de arranjarem maneira de enfrentarem a cobra com

um touro, coisa que até aí ninguém se tinha lembrado, apesar de já

terem perdido muitos animais.

Foram então erguendo uma paliçada, lentamente, à volta da clareira

onde a cobra muitas vezes se refugiava e estendia ao sol para

aquecer o seu corpo frio e viscoso e, um certo dia, que ela ali

dormitava em breve letargia, provavelmente a digerir algum pequeno

animal que devorara, fecharam-lhe o cerco.

Antes que acordasse de todo e se escapasse com as suas artes e

manhas de bicho peçonhento e ardiloso, meteram-lhe dentro o touro

mais possante e bravo que tinham encontrado entre todos os que

tinham.

O touro enfrentou-a e antes que a cobra enorme se pudesse erguer

para o envolver e asfixiar, ele prendeu-a com as suas patas

esmagando-a e com as suas grandes e afiadas armas furou-a lado a

lado, trespassando-a repetidas vezes.

A morte da cobra foi festejada com grandes cantos e festas como

nunca houve memória em toda a cidade.

Mais tarde, alguém se lembrou de esculpir, numa grande pedra, a

cabeça de um touro, e, aquando da reconstrução das muralhas, ela

foi ali encravada de tal modo, que passaria a ser o símbolo da cidade

libertada.

História contada

e nunca acabada!

Sempre REVIVIDA

Sempre RENOVADA

Em cada TOURADA

ELA É REPETIDA...

O TOUREIRO É COBRA

QUE ATACA PRIMEIRO

NESTA LUTA ARMADA

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DE VIDA OU DE

MORTE.

OU DE VIDA E DE

MORTE?...

DUMA VEZ A SORTE

SAI À ESTACADA

E A COBRA ENTÃO

MORRE

P‘LOS CORNOS FURADA

P‘LO TOURO ESMAGADA!

MAS NOUTRAS

TOURADAS

MUDA A SORTE E MORRE

O TOURO VARADO

PL‘O TOUREIRO-COBRA

QUE VIBRA A ESPADA!

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1.09 - O TOURO E A COBRA - V 09

A cidade os touros os mouros...

as cobras e as dobras de ouro...

os mitos de uma idade de ouro...

Afinal, nenhuma destas histórias é verdade! Ou quem sabe?

Talvez todas o sejam à sua maneira... ou seja: a verdade de quem a

conta.

Talvez a sua história seja a sua verdade...

e talvez, quem sabe? Um dia o liberte, e à sua cidade!

ESTE ESPAÇO É SEU, CARO LEITOR.

Aqui o vamos encontrar LENDO ESCREVENDO DIZENDO a sua LENDA

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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0.1.1 AS LENDAS e os MAGOS da

CLAREIRA ESCONDIDA na

FLORESTA – PISTAS DE LEITURA

E POSSÍVEIS FORMAS DE EXPRESSÃO

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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0.1.2 AS LENDAS E OS MAGOS DA CLAREIRA

ESCONDIDA NA FLORESTA

E...

Havia naquele reino uma clareira escondida no meio da floresta que

todos sabiam que existia mas ninguém nunca tinha visto... Nessa

clareira havia uma casa que não era casa e era habitada por uns

magos, os sábios que desvendavam os mistérios do Universo e da

Natureza Humana, mas que nunca sabiam muito bem o que era o

Universo e a Natureza Humana porque eles também eram um bocado

humanos, embora fossem magos e tentassem estar acima das coisas

humanas... Mas fora, não podiam estar, porque senão não podiam

perceber a Natureza Humana e não podiam falar ou comunicar com

as pessoas humanas... E estando dentro, procuravam aquele refúgio

da clareira escondida na floresta, onde estavam sempre a completar

os seus conhecimentos e a adaptar a sua linguagem porque os

conhecimentos da humanidade iam mudando e a linguagem

entendida pelos humanos era, de tempos em tempos, muito diferente

e por vezes tornava-se muito confusa...

É evidente, pelo que dissemos, que esses magos sábios não eram só

sábios magos porque senão não perceberiam nada da Humana

Natureza. Eram também magas e sábias que muitos conheciam por

fadas, por procurarem ter na mão dos seus conhecimentos o poder

de revelar o destino dos homens / da humanidade... Chegou mesmo

a dizer-se que havia também bruxas e feiticeiras à mistura, mas isso

eram influências de outras histórias, pelo que, essas, rapidamente

deixavam a clareira escondida na floresta, e fundavam, pelos reinos e

cidades, umas casas, que se pretendiam semelhantes àquelas, mas

não tinham nada a ver com esta história que é de pura e fantástica

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fantasia verdadeira... acontecia mesmo que, nessa escola secreta

escondida na floresta, os sábios trabalhavam de noite sem fim, que

era o dia, em que havia espaço para caberem todos os sonhos do

mundo, mesmo os que não se podiam realizar e enchiam de alegria o

coração das pessoas, e era assim, na noite, que eram devidamente

semeadas as flores de todos os sonhos e realizações que depois

haviam de crescer sãs e belas, ao calor do sol...

A certa altura, chamavam àquela casa dos magos escondida na

floresta, o Palácio Encantado da Ciência, melhor, da Sabedoria,

porque era habitada por sábios que já faziam a alquimia de muitas

ciências adquiridas e amadurecidas ao longo de muitos séculos...

Noutras épocas, chamavam-lhe variados e diversos nomes e havia

até quem lhe chamasse a Escola dos Sábios, porque afinal constava

que era uma Escola onde os Sábios daquele reino se juntavam para

aprender e por isso, muitas vezes, vinham Sábios de muitos outros

lugares para investigarem e desvendarem os segredos do Universo e

da Natureza Humana... e, entre outras coisas, procuravam descobrir

os segredos destas lendas inventadas, des/cobertas, lidas e delidas,

pacientemente elaboradas, ditas e reditas em anos e anos a fio

tecidas em tecidos textos preciosos e, ao longo de séculos,

sedimentadas e transformadas, que por vezes formavam e se

transformavam em minas de oiro e outros materiais preciosos que

era preciso explorar penosamente, minando e escavando e

peneirando, separando-as das misturas de terra, cascalho e lixo, até

chegar ao mineral de valor incalculável...

Mas a confusão era muita, porque passaram também a chamar

escola, e escola de sábios, a muitas outras coisas que se podiam

parecer de longe com esta Escola dos Sábios, mas, era tão de longe

aquilo em que se podiam parecer, que não se pareciam mesmo nada.

Podemos mesmo dizer que eram o contrário. Enquanto na Escola dos

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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Sábios, os sábios se juntavam para aprender, nas outras, a que

chamavam nomes parecidos por engano, nem se juntavam, nem se

juntavam para aprender, e por isso, não eram sábios... mas

juntavam-se, dizia-se, para ensinar umas coisas que não sabiam bem

se tinham aprendido e diziam que estavam ali para ensinar e ver se

os outros sabiam... Assim, parece que afinal ninguém tinha tempo

nem motivos para aprender nada... uns fingiam que ensinavam, não

se sabe bem o quê...?, e os outros fingiam que aprendiam, mesmo

sem saber o que os outros não sabiam e lá viviam entretidos nessas

casas que alguns confundiam com a Escola dos Sábios, mas não eram

nada - nem Escolas, nem muito menos de Sábios... E, de facto, como

não eram nada, nem nunca existiram, não vale a pena perder tempo

com essas coisas que não existem e alguns, repito, confundem com a

Escola dos Sábios escondida na clareira da Floresta, que era de

magos e fadas e, portanto, eram pura fantasia de verdade.

Em determinada altura, mas isso foi há muitos muitos anos que ainda

estão para acontecer, não se sabe bem quando, chamaram-lhe,

alguns, ESCOLA Superior de Investigação de/para Todos, porque ali

todos tinham de trabalhar e estudar muito, por uma razão muito

simples... como os minerais e os textos tecidos eram muito preciosos

e misturados com muitas coisas que o não pareciam, mas depois se

verificava que o eram, e mesmo muito preciosas, eram precisos

trabalhadores e investigadores e especialistas dos mais variados

quadrantes e ramos, e oriundos das mais diversas origens e

condições... e, todo este trabalho, não era possível, e não tinha

sentido nenhum, sem o trabalho exaustivo e profundo daqueles que,

bem agarrados à terra, afanosamente cavavam e abriam as galerias

e quase desesperadamente carreavam sacos e sacos de terra e a

acumulavam em montões e montões de lama, que por vezes mais

parecia esterco, e onde finalmente se podia procurar o mineral

precioso, que era de qualidade e valor diverso, mas muitas vezes

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quase impossível de distinguir e separar... e havia, enfim, os grandes

depósitos de material precioso, seleccionado, que, então, seria

cuidadosamente escolhido e distribuído para reenriquecimento e

revitalização plural de feliz policromia para aquela terra e para toda a

humanidade...

Muitos agora espantam-se, porque afinal ninguém, destes tempos,

tem tempo para ouvir a voz das lendas tecidas de palavras! ou para

entender as mensagens deixadas nas vozes e nos rastos de outros

tempos!!!

Mas, quem é que agora tem tempo para ouvir a voz do vento, ou

para ler as mensagens que cintilam nas estrelas como letras que os

poetas transformam em palavras que voam com o vento? ou ler os

vestígios que se afundaram nos aluviões do tempo? As pessoas agora

não têm tempo, nem olhos para verem a luz natural e verdadeira,

ofuscados como estão pela luz artificial que as não deixa ver as

estrelas!!!

O segredo, só o detêm os sábios que decidiram ter tempo e espaço

para ouvir a voz do vento e aprender a ler as mensagens do espaço

no original, apreendendo os seus segredos em qualquer língua falada

no Universo... Transmitem-na depois porventura como os poetas e

como os contadores de histórias, numa língua parecida com as

línguas que conhecemos... as palavras e os sons parecem iguais, mas

só as ouvem e entendem, só as captam, os que são capazes de se

perder no caos do espaço para se encontrarem e perceberem e

saberem renascer de novo nos mistérios da vida. Mas só se pode

renascer depois de morrer... Só se pode ser fecundo depois de ser

fecundado... A planta só pode nascer depois de ser semeada no

ventre da terra... Só se pode sustentar, erguido na vida, o que

estiver devidamente mergulhado nas raízes, enterrado e vivo, para

poder crescer, comunicar, ser fecundo, multiplicar-se e povoar a

Terra...

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img014 – a clareira dos magos escondida na floresta…

Nessa clareira havia uma casa que não era casa e era habitada por uns magos, os sábios que desvendavam os mistérios do Universo e da Natureza Humana... p. 103

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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E era assim, que naquela clareira perdida na floresta se juntavam

pessoas vivas que viviam e por isso não estavam lá, e eram

investigadores do saber que era a cultura milenária dos povos, de

todos os povos, e por isso, vinham e estavam em todos os lugares e

tempos, e sabiam das ciências humanas e da sociedade como a

cultura, a política e a economia, e, para conhecerem a vida, a viviam

e sofriam e dela estavam distantes para se poderem pronunciar sobre

ela... eles tinham conhecimentos dos segredos da Natureza e da

Natureza Humana, dos comportamentos, pensamentos e formas de

expressão e de comunicação e intercomunicação, o segredo dos

signos, dos sinais e dos símbolos e ícones de cada geração... coisas

que ao longo dos tempos foram tendo vários nomes como Ciências,

Geografia, Língua e Linguística e Filologia, Filosofia e Psicologia com a

Psicolinguística, a Antropologia, a Etnografia... sabiam de outras artes

como as Artes que privilegiavam algum dos sentidos, como a Arte

Divina dos Sons, ou a Arte da Magia das Formas e das Cores...

Sabiam também das artes que procuram a comunicação global para

chegarem aos sete sentidos através dos cinco mais conhecidos e

enumerados pelos humanos... Tentavam a Semiótica ou a Ciência das

formas, dos signos e dos símbolos... a Epistemologia ou as bases

científicas de todas as ciências... enfim... a Hermenêutica, a chave de

penetrar em todos os mistérios e perceber a multiplicidade de

mensagens dos múltiplos grupos sociais que foram construindo a

humanidade nas suas diversas e multímodas manifestações... com

aquilo que muitos chamaram, porque tudo precisa de nomes, as

Ciências Sociais...

E, a estes, juntavam-se os que conheciam da vida e da comunicação,

tudo o que era a arte de viver...

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E foi assim que começaram a aparecer propostas e pareceres os mais

diversos, e, por outro lado, mais complementares e indispensáveis,

porque só do contributo de todos os campos do saber humano era

possível tentar chegar a algum conhecimento verdadeiramente útil e

eficaz para o desenvolvimento da humanidade a caminho de uma

maior felicidade de vida plenamente vivida...

Mas afinal, o que fazemos nós aqui? nesta história, perguntaram

os sábios, muitos dos quais também eram fadas, e que não estavam

ali para perder tempo e, muito menos, para resolver tudo com uma

varinha de condão?!...

Para já, esta história, que tenta contar a nossa história, está muito

mal engendrada, diziam alguns, porque nos apresenta dando a

impressão que somos seres diferentes dos outros que existem,

quando afinal, nós somos tal e qual os outros que também têm de ser

diferentes para poderem perceber o que são!!!... Pois aí é que está o

problema, diziam outras fadas entre as quais havia também sábios,

mas é que temos de parecer diferentes para os outros perceberem

que somos iguais, e eles, os humanos, é que percebem da natureza

humana, porque eles é que são humanos, e portanto eles é que

podem falar do que conhecem, mas como o objecto do conhecimento

tem de estar fora daquele que procura conhecer, de facto eles não se

conhecem a si mesmos se não saírem de si próprios, e nós, como

estamos fora é que os conhecemos, mas não os poderíamos conhecer

se não fossemos humanos, e não podíamos falar-lhes da natureza

humana e dos seus anseios mais profundos, se não fossemos

humanos, porque a não conhecíamos e ninguém pode falar do que

não conhece!!!

Então em que ficamos?

... Tudo isso é muito verdade mas nem todos falam e entendem da

mesma maneira, pelo que tivemos necessidade de inventar uma

maneira de dizer as coisas para os outros as entenderem e nós

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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entendermos os outros, até que encontrámos uma maneira, que é a

das histórias que fazem de conta, porque é muito difícil explicar tudo

a todos sem fazer de conta e fazendo de conta podemos quase dizer

tudo e entender tudo... Mas as histórias que fazem de conta não são

verdadeiras e por isso não contam a realidade e cá estamos nós a

trair os fundamentos da nossa ciência e da nossa escola que assim

não serve para nada!... Aí é que vocês estão enganados...

gaguejavam outros... mas é que a verdade - realidade é tão

complexa, relativa e interdependente de tantos factores que é difícil

reproduzi-la para a abarcar na sua multímoda pluralidade e aí, com

as lendas e os poemas, tentamos as formas de expressão mais

adequadas que permitam ler/ver e comunicar em circular o

omniálogo para que todos cheguem perto da verdade...

Bem!, sabiam cada palavra difícil estes sábios, que até diziam

algumas que ainda não existiam... Mas parece que não havia meio de

se entenderem os bons dos sábios e as encantadoras fadas,

encantados como estavam por desejar ter alguma coisa de sólido e

de verdadeiro e de seguro, de ordem, para dar sentido à sua escola

escondida na secreta clareira da floresta onde se reuniam para

desvendarem os segredos do Universo e da Natureza Humana,

quando subitamente repararam que a Ordem do Universo era o que

nós chamamos Caos/Confusão e que Tudo o que tem Vida está em

Movimento, e que a Natureza Humana é tão plurifacetada que é rara

ou inexistente a Pessoa Humana que se conhece a Si Mesma... !!!

Eia, gritaram então!!!... Já temos bases sólidas para o nosso trabalho

sério e científico! É que, afinal, não temos bases sólidas nenhumas,

cavando assim, bem fundo, os alicerces da nossa Ciência e

Investigação... !!!

E foi então, ali, que todos se atiraram ao trabalho com afã!!!.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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0.1.3 pistas de leitura/s para as LENDAS do TOURO e

da COBRA…

Então que me dizeis, caras cofadas e caros comagos, dessa história

de ciganos que viajam em caravanas e percorrem reinos cidades e

povoações e se põem a pilhar o que é dos outros? Não será isso um

atentado às regras da Justiça que devem nortear todos os reinos?

Deveis saber ilustre cosábio que aquilo que muitos deitam fora dá

para muitos viverem, até o lixo... e deveis saber que, no meio do

lixo, as pessoas distraídas com a ordem da vida que às vezes é uma

boa desordem, atiram ao desprezo muitas coisas preciosas e que lhes

fazem muita falta... mas fazem-no por falta de espaço, ou por estar

na moda, ou por exibicionismo e por estatuto social e intelectual

deformado... e, acontece ainda, que muitas vezes só do lado de fora

é que se vê bem e é preciso estar a uma certa distância para se ter a

noção da realidade no seu conjunto, sem contar com a miopia o

estrabismo e o astigmatismo e até outras doenças que são frequentes

na humanidade enferma!...

Deixemos então seguir a caravana com os seus utilíssimos roubos

para reciclagem dos produtos... mas o que é lá essa história de pôr o

cigano ceguinho a contar a história mais fantástica e incrível para

parecer mais verdadeira?

É que, já nos tempos da avó da minha avó velhinha, no tempo em

que não havia jornais nem outros meios de comunicar notícias, os

ceguinhos é que tinham por missão, contar o que os outros que viam

não viam e faziam, e lá iam vivendo divulgando e cantando os contos

de terra em terra e as pessoas que viam, agradecidas, pagavam-lhes

para viver e sustentavam-nos... em troca de os ajudarem a ver...

Para mais, eles é que costumam ver o que os outros não vêem. De

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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tanto olharem e de tanto terem para ver, por vezes, parece que os

que vêem é que ficam ceguinhos..., para o que é essencial! “É que o

essencial é invisível para os olhos‖, dizia aquele mago que voava nos

aviões dos anos quarenta e punha principezinhos a falar com raposas

em coisas tão banais e corriqueiras e às vezes esquecidas por serem

essenciais!...

Isto discutiam animadamente os comagos e cofadas que eram todos

cosábios, e pouco a pouco, e por vezes, surpreendentemente, lá iam

descobrindo o sentido das coisas, até das que pareciam banais e

desprezíveis...!

Mas têm ao menos alguma arte, algum sentido, esses contos

contados e cantados para encantar?

Disso não sabemos muito, cara cofada, pois tentámos ler as

intenções secretas do velho cigano cego em frente do par dos ciganos

enamorados olhando a cidade as muralhas e as estrelas, mas parece

que o que ele via na Via Láctea era o longo percurso da longa via da

sua vida quase secular e quereria ele, quem sabe, deixar naquele

conto o resumo cifrado do muito que vira através dos caminhos do

mundo e dos tempos...!

Mas então, porque não contava ele, claro e direito, aquilo muito que

aprendeu?

Certamente porque não sabia, caros cosábios, não sabia traduzir as

letras das estrelas em letras e sons falados nas nossas línguas que

usamos todos os dias, e, mesmo sabendo o que sabia da vida vivida

e observada, corre-se sempre o risco de cada um entender aquilo que

sabe que quer saber... e assim, deixa o desafio para cada um

desvendar, na sua língua, na língua que cada um usa para pensar e

para sonhar e construir para si os mundos reais que não existem e

assim ficam com as pistas para descobrirem o que supunham não

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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poder ser verdade e não sabiam... pois é este o desafio mais humano

e tentador para os seres inteligentes que caminham na vida...

Dai-nos então uma chave desses contos, dessas lendas?

É muito arriscado, ó cosábios que tudo quereis saber, mas sempre

tentaremos umas pistas... Chaves?!, Chaves universais que podem

abrir tudo?!, isso não existe. Só nos contos de fadas!!!

Primeiro, era preciso perceber o motivo por que se inventam lendas,

que as pessoas chegam a crer mais verdadeiras que as histórias que

foram história ou histórias verdadeiras de reis e de rainhas e

príncipes e princesas e povos verdadeiros que muitas pessoas julgam

que são lendas... Depois, reparai bem, que todas começam em

tempos perdidos na memória dos tempos que afinal todos sonham

que hão-de acontecer de novo e inventam casos e personagens que

nunca existiram mas todos desejam ser...

É sempre um pouco assim a insatisfeita natureza humana... Depois

vivem felizes ou viviam simplesmente... e é sempre um mal exterior

que os vem perturbar e causar desgraças, quando afinal, o mal vem

sempre de dentro e de bem perto, mas eles contam como se viesse

de fora para assim descobrirem essa verdade tão simples que até

custa a crer porque não se quer...

...E então, as pessoas ficam cheias de medo e de pavor, e até vão

procurar a solução que já sabem, se a quiserem saber, vão-na

procurar através de desconhecidos sábios génios ou supostos super-

homens, quando, afinal, são eles, é cada um, que procuram,

encontram e executam as soluções e sofrem as consequências ou

ficam recompensados...

...Metem ainda nos contos todos os seus defeitos e virtudes,

qualidades e características, muitos dos seus valores culturais e

revoltas e cansaços acumulados por gerações e gerações porque

muito bem se conhecem....

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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...e tentam desvendar os mistérios do que os confunde como a

complementaridade do masculino e do feminino que parece fálico e

dominador na cobra mas afinal é feminino e fecundo e parece forte e

indómito no touro mas por vezes falha, morre mas liberta... Quantos

mistérios, credes vós, que podem ser apontados num simples conto

duma, duas páginas? A origem, a formação, as frustrações, os

desejos e anseios daqueles que os ouvem e daqueles que os

contam...!!!

A COBRA tem sido sempre entendida como a origem do MAL, de

todos os males que afligem a humanidade. Segundo a Bíblia, Adão e

Eva viviam no Paraíso Terreal, pois Deus os colocara no Jardim do

Éden para o cultivar e o guardar, mas deu-lhe este preceito: “Podes

comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas do

fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque no dia em que

dele comeres, morrerás indubitavelmente.” Mas... “A serpente era o

mais astuto de todos os animais dos campos que o Senhor Deus tinha

formado. Ela disse à mulher: É verdade que Deus vos proibiu comer

do fruto de toda a árvore do jardim?” “A mulher respondeu-lhe:

Podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da

árvore que está no meio do jardim, Deus disse: “Vós não comereis

dele, nem o tocareis, sob pena de morte.” “ Oh não! tornou a

serpente vós não morrereis! Mas Deus bem sabe que no dia em

que dele comerdes, os vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses,

conhecendo o bem e o mal.”...Veio então a tragédia conhecida... “A

mulher vendo que o fruto da árvore era bom para comer, de

agradável aspecto, e muito apropriado para abrir a inteligência,

tomou dele, comeu, e apresentou-o também ao seu marido, que

comeu igualmente.”...os olhos abriram-se... Deus apareceu,

repreendeu-os, condenou os três... “E o Senhor Deus disse: Eis que o

homem se tornou como um de nós, conhecendo o bem e o mal.

Agora, pois, cuidemos que ele não estenda a sua mão e tome

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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também do fruto da árvore da vida, e o coma, e viva eternamente. E

o Senhor Deus expulsou-o do jardim do Éden, para que ele cultivasse

a terra donde tinha sido tirado. E expulsou-o; e colocou, ao oriente

do jardim do Éden, Querubins armados de uma espada de fogo, para

guardar o caminho da árvore da vida.” (Génesis, Cap. 2 e 3).

E assim ficámos com mais uma história. Lenda? Uma lenda cheia de

símbolos e sinais para explicar uma outra história mais complicada e

complexa que é a da origem da humanidade ou, mais propriamente,

a da origem dos seus males, permanecendo sempre o mito do

Paraíso/Éden! Uma explicação judaico-cristã que foi ou é sinal de

civilização ocidental cristã!!!

Mas há outras explicações para a Humanidade e os seus males. Por

exemplo esta.

―Segundo os livros de Zoroastro, o primeiro homem e a primeira

mulher foram criados puros e submetidos a Ormusd, seu autor.

Arimânio viu-os e teve inveja da sua felicidade; abordou-os sob a

forma de uma cobra, apresentou-lhes frutos e persuadiu-os de que

era ele o criador de todo o Universo. Eles acreditaram e, desde então,

a sua natureza ficou corrompida, e esta corrupção infectou a sua

posteridade.” (Fulcanelli, in As Mansões Filosofais, ed. 70. 1977; e

José Gabriel Pereira Bastos e Fernanda Birrento, in A Mulher O leite e

a Cobra, ed. Rolim, 1988).

Então? Consideramos a serpente como origem de todo o mal que

veio cair sobre a humanidade, como parece podermos entender da

Bíblia e de Zaroastro / Zaratustra ou é, afinal, a serpente, o agente

do caminho imparável para a maturidade e para a liberdade

responsável que fez sair a Humanidade da Infância e da Adolescência

em que viviam completamente dependentes e submissos, para

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assumirem, decisivamente, DE OLHOS ABERTOS, em pleno risco, a

LIBERDADE E A RESPONSABILIDADE?

Até aparecer a serpente e os frutos, os nossos progenitores seriam

como crianças que Deus tinha de proteger e guiar pela mão indicando

os limites... Inocentes, sem poderem arriscar... e morrer... e, a partir

daí, eis que têm de renunciar ao proteccionismo, aos privilégios e

assumir a vida com todos os riscos. inclusive, o risco de MORTE!!!

Também na Bíblia, livro do Êxodo, capítulo sétimo: “O Senhor Deus

disse a Moisés e a Aarão: Se o Faraó vos pedir um prodígio, tu dirás a

Aarão: toma a tua vara e atira-a diante do Faraó: ela se transformará

numa serpente..." ... E mesmo quando os sábios, os encantadores e

os mágicos do Faraó fizeram o mesmo com os seus encantamentos e

atiraram cada um as suas varas que se transformaram em serpentes,

a vara de Aarão engoliu as deles... E quando o Povo de Israel

vagueou pelo deserto a caminho da Terra Prometida, em castigo das

suas murmurações, diz o Livro dos Números, capítulo vinte e um:

―Então o Senhor enviou contra o povo serpentes ardentes, que

morderam e mataram a muitos." O povo arrependido recorre a

Moisés. ―Moisés intercede pelo povo, e o Senhor disse a Moisés: Faz

uma serpente ardente e mete-a sobre um poste. Todo o que for

mordido, olhando para ela, será salvo. Moisés fez, pois, uma serpente

de bronze, e fixou-a sobre um poste. Se alguém era mordido por uma

serpente e olhava para a serpente de bronze, era salvo." !!!

!!! O que significa afinal a SERPENTE? A Morte ou a Vida? A origem

do Mal? O Poder de Deus? A mola que desafia a Humanidade para os

riscos da Criatividade e da Liberdade? A guardadora dos segredos e

mistérios profundos que a Humanidade busca desde sempre

incansável e inutilmente? Ou significará a inteligência? A inquietação

atrevida que não deixa que a Humanidade caia no comodismo

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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(Paraíso), na demissão irresponsável não interveniente, no

imobilismo estéril?

Isto tudo, talvez e muito mais...

E o TOURO? O que significa o TOURO, que é afinal o herói,

personagem principal das múltiplas lendas que inventámos e tanto,

que teve direito a figurar, esculpido, nas muralhas da cidade, e

desenhado, ocupa o lugar central do escudo heráldico que é o brasão

- emblema deste povo?

Ah! o TOURO, esse foi sempre, através de todos os tempos e

espaços o símbolo da energia criadora, o símbolo da força, do ímpeto

indomável, da fúria indómita, o símbolo / simbólica da fonte do vigor

da potência fecundante e fertilizante que fecunda a terra e a torna

produtiva e criadora...

Em todas as regiões e religiões do Mundo, o TOURO aparece como

signo, ícone, simbólica, índice da seiva vital, o sémen, o falo

desmedido que rasga o VENTRE DA TERRA e a torna produtiva e

criadora abrindo nela a vida escondida e secreta, desvendando os

tesouros ciosamente guardados... abrindo caminhos de riqueza e

felicidade...

Até o povo eleito de Javé, perdido no deserto, quando Moisés

desapareceu para receber as Tábuas da Lei, desesperado, fabricou

um BEZERRO DE OIRO construído com os brincos e colares que todo

o povo guardava avaramente e celebrou festas ao ÍDOLO, vendo nele

OS DEUSES DA ABUNDÂNCIA que os libertaram do cativeiro do

Egipto... Este drama de idolatria e de ingratidão ao Deus de Moisés,

pode ser lido na Bíblia, no Êxodo capítulo trinta e dois e seguintes... a

ponto de Moisés, no regresso, cheio de fúria, quebrar as Tábuas da

Lei que tinham sido escritas pelo próprio dedo de Deus, e destruí-o

pelo fogo até o reduzir a pó que moeu e dissolveu na água, que na

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120

fúria da sua cólera obrigou a beber aos filhos de Israel... tendo os

filhos de Levi passado à espada mais de três mil homens dos que se

rebelaram contra Javé! O certo é que ainda no tempo de David, havia

signos e imagens que perpetuavam a idolatria ao bezerro de oiro

sonhando a abundância dos tempos da escravatura no Egipto! Povo

de cabeça dura e digno de ser exterminado da face da Terra! ...

Donde a força idolátrica do TOURO que se opõe à força do Deus

Criador Todo Poderoso?... Muito haveria para contar...

Mas mais não contamos porque muito haveria e há para contar, mas

há mais pistas e exemplos que os nossos coartistas querem

apresentar...

... É que de facto, uma das coisas mais comoventes que acontecia

naquela Escola Secreta da clareira escondida na floresta que não

existia era, quando na clareira inacessível aparecia uma criança, um

velho ou um poeta com um poema um conto ou uma canção nas

mãos nos lábios ou no coração… e a mostrava aos sábios!

Alguns deles liam. Reliam. Sorriam. Liam-na depois alto e

expressivamente para que os outros a ouvissem. Cantavam-na

embelezada com a arte dos sons. Todos aplaudiam. Pediam para a

guardar e publicar aos ventos... Iam ao seu tesouro escondido e

davam-lhes uns grãozinhos de oiro ou pedras preciosas... Punham-

lhe a mão na cabeça... e lá voltavam para casa, mais felizes, do que

se tivessem encontrado todo o ouro do mundo, com o seu TESOURO

FABULOSO!

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

121

0.1.4

Possíveis formas de expressão

para as LENDAS do TOURO e da COBRA

Mas então que propostas temos dos coartistas, artífices que artam

lá na terra? e concretamente sobre estas lendas que contastes de

touros e de cobras?

Muitas propostas, ó caros comagos...

Há um grupo que se exprime com o corpo, o corpo inteiro que a

natureza deu. São jovens, crianças e gente madura. Propõem-se

contar a história sem palavras para ser universal.

A cobra é uma bailarina que gira e rodopia ameaçando uma cidade

inteira, cercando, ameaçando, aterrorizando...

O povo, com o medo e seduzido, tenta reagir... há perdas e mortes...

entra em pânico... procura soluções contra a cobra que foge, ludibria,

domina, se disfarça...domina... até que o povo decide mandar um

touro contra ela...

O touro que sai, observa o terreno, descobre a inimiga, enfrenta-a,

investe... numa ambiguidade de luta e jogo amoroso de vida e de

morte contra a serpente que já não é a serpente mas o povo que se

encadeou em cobra e depois já é povo que se transforma em touro e

luta com a serpente...

Procuram-se depois uma ou várias soluções estilizadas de cada um

dos dez mais um dos contos e termina com a festa da libertação ou

da catástrofe que gerará a libertação...

Há agora um PAR, só DOIS, ó caras cofadas, que se propõem dançar,

sozinhos esta lenda, voando nas asas da fantasia e inebriados na

música mais sublime que foi possível conceber pelos médiuns que

captam os sons do universo e emoldurados num cenário de cores de

sonho realidade que os artistas das formas e dos tons captaram do

arco-íris!

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Tudo isto, mas muito mais complexo, se propõe fazer agora um

POVO espalhado por diversos lugares, que depois de tempos e

tempos de preparação, aliás como todas as outras tentativas de

representação que são humanas e tentam penetrar no sobre-

humano, tendo divulgado o conto canto por todos os cantos da sua

terra, escolas, grupos, famílias e solitários, recolhe de todos eles

ideias e sugestões... fabricam símbolos e enfeites de mil formas e mil

cores e chega o dia da celebração... o dia da festa... o dia da

representação...

A grande dança da serpente, formada por centenas, só tem sentido

quando os grupos vindos de todos os cantos e lugares se vai

juntando e figurando o medo, o pavor, a afoiteza da multidão enfim

unida, que enfrenta a cobra monstro... a põe em fuga para o

castelo...

O percurso da praça para o castelo... a cobra e o povo já uno na sua

diversidade que pode ser um cortejo de símbolos e cantos

diversificados...

A cobra no Castelo e as novas tentativas de intimidação para a

tomada do poder com ameaças e fúrias desmedidas... é dança

macabra que aterra e seduz.

A aparição do touro-touros e a luta final do touro e da cobra e a

multidão que se transforma em manada de touros... é jogo fantasia

feita realidade na arte!

A fogueira festa final e a fuga imperceptível dos restos sub-reptícios

da serpente... é a festa que se espalha por toda a cidade libertada...

que afinal continua ameaçada...

Mas há ainda um grupo musical que se propõe cantar representar a

mesma lenda, com sons luzes e cenários, evocando os cenários

conhecidos com montagens de grafismos, fotos, sons e cores... Os

cantores, com as suas vozes – touros, atacam os microfones ligados

a fios intermináveis – serpentes, que eles/as cantores/as com as suas

bocas – serpentes, simulam engolir como se os micros subitamente

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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se transformassem em touros... E outros grupos musicais lançam as

suas bailarinas/os serpentes coleantes ao som das suas violas e

baterias – touros estonteantes de fúria que se transformam em sons

envolventes como serpentes que devoram vocalistas e bailarinos/as...

Nós nem precisamos de representar, diz um grupo de aficcionados da

festa brava dos touros e touradas... A corrida que vamos apresentar

a cavalo, com pegas e a pé, é afinal a luta do touro e da serpente, do

toureiro frente ao touro, macho contra macho, com o feminino

sempre ausente presente como na vida e na realidade... numa

ambiguidade que se representa porque não se explica...

Tudo isto e muito mais pode acontecer à volta duma simples lenda...

- Os artistas que trabalham com o ouro e a prata e outros metais e

com eles fabricam adornos, enfeites e feitiços criaram anéis,

braceletes, colares e medalhões com touros e serpentes que

insidiosamente se enrolam em espirais carregadas de insinuações...

- Os das artes gráficas inventaram livros articulados como cobras que

tinham dentro touros e histórias em palavras e desenhos de

encantar...

- Os poetas e os músicos cantavam a lenda em canções dolentes que

dançarinos interpretavam em bailados coreografados de corpos

esguios que se transformavam em cobras ondulantes e touros de

corrida...

- Os oleiros faziam nascer da sua roda giratória serpentes repelentes

que enleavam touros desesperadamente vencidos na sua fúria... e os

artistas do barro, com as suas mãos, conseguiam um misto de herói

a transformar-se em serpente e a moura apaixonada a transformar-

se em fonte numa magia de formas surpreendente…

- Os mestres marceneiros fabricavam com pedaços de madeira,

cobras articuladas que soavam como matracas ligadas por nastros de

pano que se dobravam e desdobravam ou serpenteavam ligados com

arames e desafiavam touros que se montavam e desmontavam em

madeira fina com recortes e encaixes e ranhuras...

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- Nas festas de Carnaval, os mascarados destrajavam-se de touros e

de cobras e esboçavam lutas em qualquer canto da cidade, nunca se

descobrindo se eram homens que se disfarçavam de cobras e

mulheres de touros ou vice-versa, para o jogo e a ambiguidade

permanecer como se fosse verdade...

- Os pastores artistas, no enlevo e distância do seu isolamento, iam

fabricando a canivete, de paus rijos e disformes, de ramos partidos e

dispersos... ora cobras que mexiam e metiam medo... ora faziam dos

ramos secos em forquilhas, touros estilizados que mais pareciam

vivos na fúria de combate...

- Até as crianças, nos seus grafismos de riscos sem sentido,

desenhavam sem saber!... ondulações de serpentes ondulantes

misturadas com touros...

- Desenhando uma praça circular, com arcos e bancadas repletas de

uma multidão disforme, com um touro ao meio atónito, em defesa,

pronto a investir, os poetas das formas e das cores, com tintas e

variegados materiais, pintam na sua tela as sugestões que as outras

artes não podem sugerir... e dizem tudo aos que quiserem

perceber...nas suas gravuras, pinturas, tapeçarias...

- Na sua intimidade, os casais de amantes dançam a dança do touro

e da cobra. O amante com o seu falo serpente ataca as ancas da

amante touro que com os seus lábios cobra engole e recebe a força

túmida do amante que se entrega...

- E dos outros artistas? Não falas dos outros artistas que povoam o

Universo?

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img015 – uma mistura de símbolos e sinais…

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

127

Dos outros artistas que desempenham os seus papéis de

figurantes no vasto palco que é o Mundo? De muitos desses

esquecemo-nos... Só sabemos que inventaram coisas nunca vistas e

inconcebíveis...

Sabemos por exemplo de crianças que já o não eram e nunca tiveram

tempo de andar na escola para aprenderem a ser artistas, que se

vestiram de rolos de papel pintado e enfeitado com fitas de mil cores

e se colaram umas às outras numa fila imensa coleante

transformando-se numa enorme serpente e foram pelas ruas e praças

meter medo às pessoas acomodadas e instaladas em muitas

instâncias de vários poderes, que andavam a estragar o seu mundo

de floresta virgem e selvagem, com as suas políticas vesgas de

progresso e desenvolvimentos e outras coisas sem pés nem cabeça

que destruíam o Mundo em vez de o tornarem mais habitável e

bonito...

e vai daí, disseram sem palavras aos marretas dos touros que

marravam de cabeça baixa sem olhar para as estrelas, para o sol, a

lua e os planetas que continham as letras do passado e do futuro...

Ai ele e isso?! Pois desta vez quem ganha a luta da lenda é a

serpente que nós já estamos cansadas de ser as más da fita... e ai de

vocês se se atrevem a estragar mais o nosso mundo livre e belo com

mais muralhas e muros e paredes e grades e sebes e divisões e

cortes e portas sem entradas nem saídas e chaminés e fumos e

porcarias que emporcalham tudo...

Ai de vocês, se nos roubam o Espaço do Mundo do Futuro que é

Nosso!

Nós queremos o Ar a Água a Chuva o Sol o Espaço sem fim onde nos

queremos encontrar... para nos encantar/mos...

Mas que podem significar as lendas e histórias que gerações e

gerações guardaram na memória e contam e recontam dos mais

diversos modos?...Como vimos com a Bíblia e Zaroastro, a SERPENTE

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é a fonte e a causa de todo o mal, do sofrimento, da morte a que a

humanidade está inexoravelmente condenada?... ou é simplesmente

a origem e causa da sua emancipação e libertação arriscada e

responsavelmente assumida o risco de optar pela liberdade que

todas as democracias do mundo prometem e a que todo o ser

humano aspira e teme no mais profundo do seu ser?...

Isso são perguntas que ficam para sempre sem resposta, mesmo

nesta escola de magos sábios e de fadas que se refugiam na clareira

secreta escondida na floresta, e durante a noite infinita que é o dia

espaço em que todos os sonhos se podem realizar, procuram

descobrir os segredos da Natureza e da Natureza Humana que faz

viver os povos e os lança nos caminhos do futuro à procura da

liberdade e da felicidade...

Mas embora nós não o saibamos, sempre revelaremos mais um

segredo para os que têm ouvidos para ver e olhos para ouvir...

E o segredo é este.

É que entrar no mundo das lendas e dos contos não é para qualquer

um. É só para os que são capazes de regressar ao Futuro. Isso.

Exactamente o que dissemos. Entrar no Mundo das Lendas e dos

Contos é um REGRESSO AO FUTURO...

É um mergulho no tempo

um mergulho nos Tempos

um mergulho nas raízes

uma procura do estado puro original

numa tentativa encantada, sedutora, irresistível

de o alcançarmos de novo no Futuro...

É uma VIAGEM de encontrar um sentido para a vida

um desejo insaciável ansioso

de encontrar de novo um Tempo e um Espaço

em que de Novo tudo pode acontecer de Novo...

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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ENCONTRADO, CONTADO ENCANTADO!

No meio das desilusões, contradições, condições e falsas ilusões da

vida real que é um irreal dolorosamente real para uma grande

multidão a quem todos os males acontecem em cadeia... apesar dos

esforços... apesar dos desejos... apesar dos trabalhos... apesar da

paciência infinita... apesar da esperança... apesar de todas as

promessas dos que pretendem que podem prometer... há sempre

uma multidão de desprotegidos, dos arredados da sorte que só no

sonho encontram hipóteses de felicidade... que subitamente se perde

ao acordar...

Ora o segredo é este.

O encontro com a MAGIA DAS LENDAS é ir ao encontro do sonho,

mesmo sem dormir... mesmo sem ter necessidade de acordar...

é fabricar o SONHO como um artista produz a sua obra perante a

qual se detém embevecido...

É VIAJAR PELO MUNDO ENCANTADO DAQUELE VELHO DE CORAÇÃO

SIMPLES QUE ERA SEGADOR DE ERVA E VIVIA NUMA CABANA DE

BARRO DISTANTE DE QUALQUER CIDADE LÁ NUM PAÍS LONGÍNQUO

DOS REINOS DO ORIENTE E CONSEGUIA POUPAR MEIO DINHEIRO

POR DIA DOS CINCO MEIOS DINHEIROS QUE GANHAVA VENDENDO

A ERVA QUE CORTAVA NA SELVA PARA FORRAGENS DE CAVALOS E

AO FIM DE MUITOS MUITOS ANOS CONSEGUIU SER DONO DE UM

TESOURO QUE OFERECEU SEM SE DAR A CONHECER À MAIS BELA

PRINCESA DA TERRA QUE SURPREENDIDA LHE AGRADECE COM

OUTRO TESOURO AINDA MAIS VALIOSO QUE POR SUA VEZ ELE

ENVIA AO PRÍNCIPE MAIS BELO E PODEROSO DE QUE OUVIRA FALAR

E NUNCA VIRA... E QUE AFINAL SE TRANSFORMA NUM TESOURO

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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INCALCULÁVEL CAPAZ DE FAZER ENCONTRAR / ENCANTAR

PRÍNCIPES E PRINCESAS QUE CASAM... SÃO MUITO FELIZES... E...

NO FIM DE MUITAS MUITAS VIAGENS... VIVEM TODOS... O VELHO

SEGADOR DE ERVA DE CORAÇÃO SIMPLES, OS PRÍNCIPES E AS

PRINCESAS... NUM PALÁCIO ENCANTADO... COMO É SEMPRE O DA

MAGIA DAS LENDAS... E DOS CONTOS DE ENCANTAR.

É NO FUNDO O QUE ESTE LIVRO PRETENDE SER.

A VOZ E A MÃO MILAGROSA DO GÉNIO DOS TEMPOS QUE,

POUSANDO-SE SOBRE A VOSSA CABEÇA, VOS FAÇA DESCOBRIR O

VALOR IMENSO DO VOSSO TRABALHO HUMANO E DO AMOR, e cada

um possa construir enfim... o SEU PALÁCIO ENCANTADO DE

ENCANTAR!!!

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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... na impossibilidade de to enviar todo de uma vez,

aqui te envio a primeira bolsinha do tesouro acumulado

de migalhas guardadas durante anos e anos,

pelo velho segador de erva de coração simples

que fez felizes reis e princesas...

Fico à espera, sem esperança de receber nada de troca,

para no final receber tudo duma vez...

Mas além das Lendas do TOURO e da COBRA, Beja tem ainda mais

LENDAS com Touros e Cobras e outras Cobras e Touros ou Ícones ou

Signos carregados de significado e de mistério.

Aí a seguir, te envio mais uma arca de tesouros recolhidos por muitos

ao longo de muito tempo e espaço que têm feito reflectir os magos

da clareira escondida na floresta, contando-os e recontando-os nas

suas assembleias, cheios de prazer, de prazer e de apreensões!

Qual será, no fundo, o significado destes contos que contam

encantados contas que muitas vezes nos escapam?

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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LENDAS DE BEJA

o Touro e a Cobra e outras lendas...

VIAGENS do Cigano Castanho e da Cigana Mariana através do

MARAVILHOSO

por José Penedo um deNómio de José Rabaça Gaspar

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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img016 – a/s fonte/s…

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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2ª PARTE

A/S LENDA/S DA FONTE MOURO

Mas além das Lendas do TOURO e da COBRA, Beja tem ainda mais

LENDAS com Touros e Cobras e outras Cobras e Touros ou Ícones ou

Signos carregados de significado e de mistério.

Aí a seguir, te envio mais uma arca de tesouros recolhidos por muitos

ao longo de muito tempo e espaço que têm feito reflectir os magos

da clareira escondida na floresta, contando-os e recontando-os nas

suas assembleias, cheios de prazer, de prazer e de apreensões!

Qual será, no fundo, o significado destes contos que contam

encantados contas que muitas vezes nos escapam?

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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2 - A/S LENDA/S DA FONTE MOURO

2.01 - A LENDA DA FONTE MOURO (prosa, rescrita)

2.02 - A LENDA DA FONTE MOURO (Décimas de um anónimo)

recolha de Manuel Joaquim Delgado

in"Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231

2.03 - A LENDA DA FONTE MOURO (rescrita por Fernanda Frazão)

in ―Lendas Portuguesas”, 5º vol. p. 85

2.04 - LENDA DE BEJA - A FONTE DA MOURA, por Edmundo Belfonte,

1º in ―A Folha de Beja‖, 10/01/1901

2º, in ―Jornal de Beja‖, em 17, 20 e 25 de Junho de 1986

por intermédio do senhor Barbosa Bentes.

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0.2.0 - Ligação entre as LENDAS…

Mas por onde andará a COBRA encantada da lenda contada do

TOURO e da COBRA?

Onde se esconde ela? Mudou-se em estrela?

Ou, andará encantada, algures escondida, pelos campos perdida,

esperando o desENCANTO?

Dizem... as pessoas que sabem: “... que há quem tenha visto, em

noites de luar, a enorme serpente ir junto da fonte beber nela as

longas saudades de Aldonça...”

Dizem outros, que junto do MONTE DA COBRA, um dia se defrontou

ela com um TOURO BRAVO...

Que SERPENTE ENORME é essa?

Que TOURO BRAVO se atreveu ela a defrontar?

Onde é o MONTE DA COBRA?

Onde é a FONTE MOURO?

Quem é Aldonça, aquela que se transformou em fonte, e Atanásio, o

que se transformou em cobra, na Lenda da Fonte Mouro?

Dizem que a MOURA encantada pode lá aparecer sob a forma de bela

mulher de longos cabelos doirados fiando em fuso de oiro fios de

luar...

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... e que a COBRA pode ser vista, nas redondezas, em noites de lua

cheia...

...

Desde a noite mágica dançada no largo da feira, os nossos ciganos

andaram e cirandaram pelas ruas de Beja, por largos e praças, por

campos e montes...

Não lhe permitiam parar muito no mesmo local...

Ditos de pilhagens e ciganagens, que muitos aproveitavam para

fazer, caíam-lhe em cima… e eles lá seguiam pelos caminhos das

Terras de Santa Maria e Todo o Mundo a querer dizer que Todo o

Mundo é seu e nunca estão no seu Mundo e acolheram-se nas

sombras da saída da cidade lá para os lados das ruínas do Carmo

Velho depois de passarem a encruzilhada de S. Pedro... onde havia

uma FONTE de água fresca e abundante a correr generosamente pelo

valado...

FONTE MOURO, FONTE MOURO

O QUE TEM A TUA ÁGUA?

DIZEM P'RAÍ FONTE MOURO

QUE ESCONDE UMA GRANDE MÁGOA

ESCONDE UMA GRANDE MÁGOA

DUM AMOR QUE FOI PROIBIDO:

QUEM ME DERA DESSA ÁGUA!

QUEM MO DERA TER VIVIDO!

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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SE POR MIM FOSSE VIVIDA,

UMA PAIXÃO, ASSIM!?, TÃO VIVA

TAMBÉM ME MUDAVA EM BICA

QUE CORRESSE TODA A VIDA!

OU ENTÃO MUDAVA EM COBRA

P‘RA BEBER EM FONTE VIVA

QUE CORRESSE A TODA A HORA

PARA ASSIM VALER A VIDA!

Estavam, sem o saber, ao pé da FONTE MOURO, que muitas lendas,

tinha, para contar...

Mas eles que de noite ouviram ou viram ruídos de luta, movimentos

difusos de alguém que rasteja, de algo que se agita... murmúrios da

água que corre, que corre e que canta, que geme de prazer de ser

bebida, encantada por sentir que mata a sede, uma sede profunda

que não morre, insaciável, insaciada... ruídos confusos que no meio

do pesadelo dos sonhos são de luta de morte... mas duma morte que

não mata mas cria... que grita...

...ao romper da manhã, encantados e despertos, vão ver que,

durante a noite, ouviram ou viram os sonhos e os cantos e os contos

que contam e cantam encantos... de cobras e de touros... de cristãos

e de mouros... de gentes e bichos que povoaram esta terra... de

tesouros escondidos envoltos em mistérios...

Foram perguntar pelos montes perdidos por ali escondidos...

...Nós sempre temos ouvisto que isto aqui se chama o MONTE DA

FONTE DA COBRA e isto aqui já era do meu avô e sempre aqui tenho

vivido... mas aqui só temos água daquele poço que o meu avô abriu.

A FONTE MOURO é além do outro lado da estrada seguindo pela

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azinhaga e fica mesmo ao pé do MONTE DA SERRA, e aqui deste

lado, logo a seguir, é o MONTE DA COBRA, mas nós não sabemos

donde vêm estes nomes, nem quem lhos pôs, não senhor... isto

contou o simpático casal de velhotes que habita o Monte da Fonte da

Cobra ...e ainda o ano passado arrancaram as laranjeiras que iam

da fonte (a Fonte Mouro) até ao monte que lhe fica por cima e está

em ruínas!, que aquilo é mesmo um desmazelo... e nem sei bem a

quem é que aquilo agora pertence, porque parece que andam lá

demandas com os herdeiros que eram uns Vilhenas...

E foi assim que os nossos ciganos ficaram a saber alguma coisa, do

muito que ali há para e n c a n t a r…

...mas as lendas contam-se ou cantam-se! e as LENDAS contam ou

cantam... que...

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2 - DUAS LENDAS DA FONTE MOURO

01 - A LENDA DA FONTE MOURO (prosa)

02 - A LENDA DA FONTE MOURO (Décimas de um

anónimo)

recolha de Manuel Joaquim Delgado

in "Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231

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2.01

A LENDA DA FONTE MOURO

2.01 - A LENDA DA FONTE MOURO (prosa) recolha de

Manuel Joaquim Delgado

in "Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231

A Nordeste da cidade de Beja, a pouco mais de meia hora de

caminho, a pé, ainda hoje há uma horta cuja fonte de boa água

fresca corre de noite e de dia para um barranco. Chama-se da FONTE

MOURO e junto dela passa um caminho vicinal.

Diz-se que a dita horta fora outrora de abastado mouro de nome

Albutassén, que havia de sua esposa Judith uma formosa e gentil

filha chamada Aldonça.

Pouco temente a Allah, Albutassén era rico mas muito avarento e

mau. Porém, sua filha Aldonça, a antítese do pai, era bondosa,

desprezava as riquezas e muito crente em Allah.

Em idade de noivar e com tendências afectuosas, ela vivia recolhida

em casa entregue a trabalhos domésticos e outras ocupações

próprias da sua condição de jovem moira. Raro consentia seu pai que

Aldonça se afastasse de casa a ir a alguma festa ou a assistir

nalguma mesquita aos sagrados ritos e devoções em honra de Allah.

Em todo este termo corria fama de seus excelentes dotes físicos e

morais, o que mais atraía as atenções e curiosidades dos jovens

cavaleiros que tinham a dita de contemplar tão excelsa como

encantadora e formosa moira.

Dada ao afecto amoroso, a bela Aldonça votava particular atenção a

um jovem cristão de nome Atanásio que, embora pobre e de crença

diferente da sua, possuía, contudo, excelentes dotes morais e de

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carácter que faziam inveja a seus companheiros, alguns nobres e

ricos cavaleiros.

Sabendo das tendências amorosas da filha, Albutassén mais ainda a

contrariava e, raro, consentia que ela saísse da horta onde vivia,

triste e contrafeita, entregue às suas chorosas penas.

Um dia pensou o jovem moço Atanásio raptar a mulher de seus

sonhos e encantos mais caros, visto de outro modo ser-lhe impossível

possuir aquela que tanto amava. E, numa noite clara de Agosto, em

que a lua estendia sobre a terra seu manto de luz, o moço cavaleiro,

montado em seu ginete fogoso, dirige-se à horta onde já o esperava,

impaciente e nervosa, a formosa Aldonça. Os olhos dela eram as

noites negras estreladas, e o seu cabelo em ondas como as do mar,

tinham a cor do azeviche.

Ao ver o seu bem amado, trasbordante de alegria, mas nervosa, a

jovem moira ajoelha, volve ao céu o doce olhar e, numa prece

fervorosa e breve, pede a Allah misericórdia e perdão do seu plano de

fuga. Passaram-se alguns segundos. Junto de si chegou o moço

cristão que a arrebatou e, sentando-a na sela, à sua frente, corre

veloz no fogoso ginete.

Allah, que sabe dos desígnios dos homens, não podia consentir na

fusão de duas crenças diferentes. Não favoreceu, por isso, ao cristão

a sua amorosa aventura e nem à jovem amada a felicidade que tanto

desejava. Então, com o seu poder divino, fez que o cristão se

mudasse em serpente, e ela, Aldonça, se transformasse numa fonte

de água cristalina.

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img017 – a fonte e a cobra…

―...há, quem tenha visto, em noites de luar, a enorme serpente ir, junto da fonte,

beber nela, as longas saudades de Aldonça...‖ p. 139

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É assim que o incansável e persistente professor Manuel Joaquim

Delgado nos conta a Lenda da FONTE MOURO, num livro que intitulou

"A Etnografia e o Folclore no Baixo Alentejo‖ e assim a registou para

a posteridade nas páginas duzentas e trinta e duzentas e trinta e

uma...

... lendas de moiros e cristãos que não podiam casar porque o grande

Allah não podia consentir na fusão de duas crenças diferentes!!!

fizeram brilhar na noite os olhos dos ciganos... ele o Cigano Castanho

a ver-se transformado em enorme serpente que ardente de sede

buscava nas sombras do barranco a água fresca e cristalina que para

lá corre de noite e de dia incessantemente para o saciar... em que se

tinha transformado a bela cigana Mariana...

Mas não, não era verdade. Eles eram da mesma crença e da mesma

raça e isto eram sonhos de encantar que lhes povoavam os sonos

encantados que dormiam enlaçados, misturados, embevecidos numa

felicidade que os fazia livres... e membros de uma religião universal

que estava acima e para além destes ciúmes e desavenças de deuses

antropomorfizados à medida dos preconceitos das multidões que os

concebem...

... mas havia ainda um velho ca(o)ntador, sentado ao luar, aquele

luar luminoso das noites de Agosto que não deixa dormir de fresco

que traz nas suas asas, a deixar adivinhar a brasa do dia que ameaça

derreter estas terras do aquém Tejo..., sentado à porta do monte, o

velho co(a)ntador, deixava correr, em versos de décimas, a lenda já

velha, que lhe tinham contado dos lendários senhores que tinham

vivido no Monte da Cobra, agora o ―seu‖ monte, que não era seu!, e

eram moiros e moiras que tinham plantado aquele laranjal que enchia

ali o ar de perfumes esquisitos inebriantes de mistura com o feitiço

da lua que brilhava lá no céu...

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Aquela mangana! a rir-se dos homens atarefados que só olham pró

chão!!!.

Mas o ca/ontador, com a sua viola de cordas de arame, cantava na

aragem o canto da água que corria da Fonte do Mouro chamada, e...

encantado como que em transe, exorcizando os sortilégios

circundantes, cantava baixinho versos de redondilhas ondulantes que

cavalgavam no dorso do vento como melodia de encantar:...

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2.02

A LENDA DA FONTE MOURO

2.02 - A LENDA DA FONTE MOURO – (Décimas de um

anónimo)

recolha de Manuel Joaquim Delgado

in "Etnografia e Folclore no Baixo Alentejo" p. 230/231

Na região transtagana,

Perto da velha cidade

De Pax-Julia romana

Já muito velha de idade,

Inda hoje há uma fonte

D'água pura, cristalina,

Que nasce num baixo monte,

Nas faldas duma colina;

muito fresca e afamada,

A FONTE MOURO é chamada.

É tradição, diz a lenda,

Que a horta em que a fonte está

Fora de um servo de Allah

Que habitara esta vivenda.

Era orgulhoso, abastado,

Judith o nome da esposa,

Ele Albutassén chamado,

A filha Aldonça formosa.

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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Mais linda que a luz do dia,

Outra assim não haveria.

Em Deus Allah pouco crente

Esse rico Albutassén

Era mau pra toda a gente

E avaro como ninguém.

Aldonça, porém, bondosa,

Mui afeita à piedade,

Era em Allah temerosa,

Dezoito Abris sua idade,

Durante os quais recolhida

Em casa, fazia vida.

Raro, seu pai consentia

Que ela daí se afastasse,

E da horta não saía,

Inda assim não demorasse...

Corria na redondeza

Fama de dons excelentes.

0s seus dotes de beleza

Eram sabidos das gentes;

De Aldonça, a seus caros afectos

Se opõe o pai nos projectos.

Particular afeição

A jovem moira votava,

Não a moiro, mas a cristão;

Sabendo-o, quem duvidava?

Era pobre a condição

Do amado cavaleiro,

Nos dons morais o primeiro

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Lá da sua freguesia.

Atanásio se chamava

E todo o mundo o sabia.

Pensou o moço rapaz

Arrebatar a donzela

A dona dos seus amores,

E viver entre as flores

Aonde quer que lhe apraz.

Monta o ginete fogoso

Numa noite de luar

Do mês de Agosto calmoso,

A correr a vai buscar;

À sua espera já estava

Aldonça que suspirava...

Chegado à horta o cristão

O precioso tesoiro,

A quem tem tanta afeição,

Quer levar para longe do moiro.

À sua frente, na sela,

Sentada, a jovem formosa,

Vai segura, mas medrosa,

Na boa esperança vai ela...

Numa corrida seguia

O ginete a toda a brida.

Pelos desígnios sabidos

Só de Allah que tudo manda,

Dos homens desconhecidos,

Torna o mal, o bem desanda.

Allah consentir não pode

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Na fusão de duas crenças

Diferentes, e logo acode

A puni-los com sentenças,

Transformando-os, de repente,

Ela em fonte, ele, em serpente.

Num fado eterno e fatal

Dum amor contrariado,

Até ao Juízo Final

'Stá a moira e seu amado.

Mas que sons são estes? Quem canta ao luar? Quem teima em

cantar as lendas contadas que são de encantar com a lua a brilhar?!!!

Autor desconhecido! Incógnito! Paternidade incognoscível!

Anónimo! Valores da cultura tradicional que, constatam os senhores

da cultura!, nascem da terra como a água das fontes sem ninguém os

criar! Sem direitos de autor!!!

Isto cismavam os jovens ciganos, ela a Mariana e ele o Castanho,

cada um para si a pensar, sem nada mostrar das dúvidas e segredos

secretos que julgavam sonhar e só para si guardar!!!

Havia ainda porém, mais histórias para contar...

... as histórias da FONTE MOURO ainda não tinham acabado, porque

uma dona do tempo sem tempo nascida nos anos cinquenta e que só

tinha sete anos quando a televisão nasceu e podia ameaçar vir

roubar-lhe os tesouros sonhados escondidos em castelos

semiderruídos onde viveram reis e rainhas príncipes e princesas...,

tesouros bebidos da fonte que jorrava inesgotável dos avós e dos

velhos lá da aldeia!... essa dona, de nome Fernanda Frazão que,

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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como ela diz continuou a ter “à sua disposição todos os velhos e

velhas do mundo, e os menos velhos também, para lhe encantarem

os dias com tudo quanto é lenda e conto e história e

maravilha.”...esta dona de tempos antigos, através dos ―Amigos do

Livro‖ editores pôs à nossa disposição seis belos volumes com as

―LENDAS PORTUGUESAS‖ para que, perante o perigo da aculturação

progressiva que os novos meios de comunicação permitem, os povos,

cada povo não perca o enraizamento dos seus valores culturais, o

que seria um empobrecimento drástico para eles e para a

humanidade.

... e foi assim, que naquela noite de brilhante e mágico luar de

Agosto, o Cigano Castanho e a Cigana Mariana viram aparecer,

recortada na luminosidade feérica daquela noite, a figura meio

indefinida, mas real e sedutora de uma jovem avó, de nome Maria

Fernanda, que eles não conheciam, a contar para encantar, a mesma

história que talvez tenha lido ou ouvido ao velho professor Manuel

Joaquim que por sua vez a ouvira cantar aos velhos cantadores e

contadores de histórias aqui do Alentejo... e conta-a assim, da página

oitenta e cinco a oitenta oito do quinto volume das Lendas

Portuguesas:...

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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2.03

LENDA DA FONTE MOURO

2.03 - A LENDA DA FONTE MOURO (reescrita por Fernanda

Frazão)

in ―Lendas Portuguesas”, 5º vol. p. 85

A nordeste de Beja, a pouco mais de meia hora de caminho da

cidade, existe, ainda hoje, uma horta com uma fonte de água muito

fresca correndo para um barranco.

Já no tempo dos mouros ali existia a horta, mas incorporada na

propriedade de Albutassén, o mouro mais rico da região. Ao lado da

horta havia uma bela casa, grande e branca, de um só andar e

parecida a uma prisão. De facto, era rodeada de um muro alto que

tapava a habitação dos olhos curiosos.

As poucas pessoas que tinham entrada na casa de Albutassén diziam

que, para lá do portão de ferro que dava acesso à propriedade, havia

um pátio sombreado de árvores de fruto. Ao penetrar na casa do

mouro ficava-se imediatamente maravilhado com a enorme entrada,

de chão de mármore branco e negro, e uma fontezinha em forma de

taça donde brotava naturalmente, no Inverno, água quente e, no

Verão, água fresca. O escoamento desta corrente fazia-se por um

pequeno canal descoberto que levava directamente a um enorme

tanque que ficava no jardim da parte detrás da casa.

De cada lado desta imponente e fresca entrada ficavam os aposentos

da família de Albutassén, que à boa maneira árabe tinha dentro de

casa um nunca acabar de gente, desde irmãos e cunhados, a filhos e

até primos. As mulheres da família, conforme mandava a Lei e o

costume, em presença masculina mantinham a face tapada e só

saíam de casa no momento do casamento. A este acto eram

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totalmente alheias, pois que o enlace era negociado entre o

pretendente e o chefe da família, neste caso Albutassén.

Assim estava destinado acontecer a Aldonça, a única filha do mouro.

Este, porém, muito cioso dela, como de tudo o resto que era

propriedade sua, não mostrava pressa em tratar do casamento da

filha. Preferia mantê-la consigo todo o tempo que lhe fosse possível,

tanto mais que, rico como ele era, nunca lhe faltaria pretendente.

De facto, muitos homens pretendiam aceder a Aldonça, que não

conheciam, mas sabiam ser bonita, bondosa e muito crente de Alá,

bem ao contrário de Albutassén. Mas Aldonça parecia não sair nunca,

nem sequer para ir à mesquita rezar a Alá. Sua vida passava-a no

remansoso jardim da casa do pai, entretendo os dias à sombra das

laranjeiras, jogando xadrez, cantando ou ouvindo as velhas escravas

contarem histórias, infindavelmente.

Apesar de tudo isto, de toda esta prisão dourada, Albutassén

descobriu que Aldonça estava tristemente apaixonada. 0 mouro não

atinava como tal era possível no recato daquela casa. E o pior de

tudo descobriu-o depois a paixão de Aldonça era nada menos

que um cristão, Atanásio, chegado à região vindo sabe-se lá de onde!

Redobrou Albutassén a vigilância. Ameaçou de morte os escravos que

propiciassem os encontros, mas nunca descobriu de que modo se

encontrava Aldonça com Atanásio.

No terror em que vivia de seu pai, a rapariga começou a perder cores

e apetite, a entristecer cada vez mais. Atanásio todos os dias a via

mais pálida e tristonha, mas não conseguia resolver o caso. Depois

de muito ponderar, decidiu acabar com aquela agonia mútua o mais

depressa possível, e a única solução viável, ainda que perigosa,

pareceu-lhe ser o rapto. Falou com Aldonça, que concordou com a

solução, e combinaram a oportunidade.

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Assim, numa noite de Agosto, em que o luar inundava a perder de

vista a planície alentejana, Atanásio chegou ao portal da horta onde

já Aldonça o esperava, acocorada junto a um muro para se esconder

na sombra. Ao ver chegar o amante encheu-se-lhe o coração de

alegria e de gratidão por Alá. Ergueu os olhos ao céu numa muda

oração de agradecimento pelo paraíso que antevia abrir-se-lhe e,

nesse momento exacto, um estranho caso aconteceu: Aldonça

transformou-se em fonte, Atanásio transmudou-se em serpente.

Conta a lenda que a Alá não prazia esta união de diferentes religiões

e, por isso, encantou para todo o sempre aquele par de namorados.

Dizem as gentes da terra que em noites de luar, especialmente em

Agosto, se vê muitas vezes a cobra bebendo naquela fonte as longas

saudades de Aldonça.

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... ao ouvirem isto, o par de ciganos estreitaram-se mais ternamente

no abraço em que estavam enlaçados e saciaram longamente as

saudades e os medos que os perturbavam quase não acreditando na

felicidade que lhes era concedida ao abrigo das leis e costumes e

talvez dos interesses escondidos das religiões e dos senhores que

mandavam na sociedade que eles se atreviam a invadir e a perturbar,

correndo sempre de lado para lado na sua carroça que os levava de

terra em terra de feira em feira de festa em festa percorrendo

incansavelmente o imenso Alentejo sempre misterioso e sedutor, com

mil segredos e tesouros para encontrar e contar, e de encantar...

Ainda inconscientes semi-adormecidos na ânsia de matar a sede

insaciável, eis que mais um cantador vinha da profundidade dos

tempos, cantar com as suas oitavas de decassílabos quase épicos:

a LENDA DE BEJA - a fonte da moura...

O certo é que aos dezassete do mês de Novembro do ano de mil e

novecentos, quando o século vinte estava mesmo no alvorecer,

conta-se que o poeta Edmundo Belfonte concebeu os seus versos

heróicos de oitavas, com musicalidade, ritmo e rima de ―Os

Lusíadas‖, tentando cantar, com a ―FONTE MOURA‖, a epopeia da

cidade de Beja e da Planície sem limites para o Sul...

Apareceu publicada pela primeira vez no jornal ―A FOLHA DE BEJA‖

N° 419, Ano IX, de 10 de Janeiro de 1901, que tinha como editor

João Valente Beck, mas tinha tido como Director Político, José

Mendes Lima e foi um jornal que sobreviveu até 1919 sob a

orientação de Marques Mendes.

Foi no ―Jornal de Beja‖ de 17, 20 e 25 de Junho de 1986 que foi dada

de novo a conhecer aos seus leitores, pela mão, julgamos nós, do

amante enternecido pelas coisas da sua terra, o senhor Barbosa

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Bentes, neto do último director daquele jornal e mais conhecido por

―o Cheira Pedras‖ pelo ardor e pelo empenho que sempre pôs em

procurar conhecer e dar a conhecer todos os sinais que podem ajudar

a ler a história e as raízes deste povo...

Mas, ciganos que somos, sempre a deambular, e assim que vamos

encontrar o par amoroso o Cigano Castanho e a Cigana Mariana,

sentados ao fresco da fonte, depois de saciados, ouvindo o poeta de

novecentos...

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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LENDA DE BEJA – A FONTE DA MOURA

2.04 - LENDA DE BEJA – A FONTE DA MOURA, por

Edmundo Belfonte,

1º in ―A Folha de Beja‖, 10/01/1901

2º, in ―Jornal de Beja‖, em 17, 20 e 25 de Junho de 1986

por intermédio do senhor Barbosa Bentes.

Subindo à velha torre do castelo

Erguida ao noroeste da cidade

Desfruta o visitante um quadro belo

Se do ano correr a mocidade,

Verá da mãe Natureza o gran desvelo,

Vestindo de verdura a imensidade

Das campinas, e, orlado a mal-me-queres,

As messes bastas da cuidosa Ceres.

Ao leve e fresco arfar da viração,

Que corre pelo prado a suspirar,

Exercendo sobre nós fascinação,

Parece o campo, movediço mar.

Enchendo-nos de gozo o coração,

O doce panorama faz sonhar

Co‟um ser celestial, casto e gentil,

Poder divino do ridente Abril.

Planície sem limites para o Sul,

Desdobra-se formosa, viridente,

Por sob a vastidão da cúpula azul

D'um belo e puro céu, sempre fulgente.

Por entre o flóreo manto de taful

E gracil Primavera permanente,

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A música das aves, e defronte,

Em linha sinuosa, o horizonte.

Olhando agora desde o norte a leste,

Um campo acidentado se descobre (Serra do Mendro)

Vestindo um manto muito mais agreste;

Porém a flora tem par'cer mais nobre.

O flóreo manto, que neste campo veste

Segredos da Natura mãe encobre;

São ledas aves descantando amores,

São frescas fontes e mimosas flores.

Desçamos à planura a ver agora

Um tanto mais perto a Natureza,

Após um pouco do nascer da Aurora,

Saindo aos prados da gentil beleza.

Primeiro comecemos pela flora

Do Norte a Leste, que dará surpresa

Num célico conjunto d'harmonia,

Enchendo o peito d'alegria.

Aqui cristais destila a Fonte Santa, (Água medicinal)

Oculta estando junto à férrea via;

Um tanto mais abaixo alegre canta

Gentil donzela, que ao amor envia

Queixumes ternos com que o moço encanta,

Qu‟aos doces cantes com prazer se alia.

Num tanque mais a leste há lavadeiras (Pelame)

Lavando sob o olor das laranjeiras.

Além no cimo da vertente o Santo,

Que às almas justas dá no céu entrada,

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Olha as campinas de florente manto

E escuta atento pastoril balada.

Ao lado a Borja, com pomar d'encanto (Horta do Borges)

Sentada à beira de escabrosa estrada

E além d'um ribeirinho com decência (Barranco do Rabelo)

A quinta apelidada Consciência.

Mais longe, no planalto d'um outeiro,

Contempla as graças do surgir do Sol

A Senhora das Neves que primeiro

Descobre a luz purpúrea do arrebol.

E neste campo florestal inteiro

Hinos d'amor repica o rouxinol,

Enchendo os peitos d'eternal magia,

Quer seja noite ou brilhe o claro dia.

Voltemos para o Norte. O Carmo Velho

Ou antes as históricas ruínas,

Convento onde do célico Evangelho

O povo ouviu as práticas divinas,

Onde a caridade, o são conselho

Aos homens ensinou Santas doutrinas,

Com suas largas derrocadas portas

Domina pequeninas, várias hortas.

Detrás, a curtíssima distância,

Envolta em flores que a luz bela doura

Num paraíso d'ideal fragrância

Oculta-se a gentil FONTE DA MOURA,

(falham 2 v. já na 1ª ed.)

Onde dizem, divinal princesa

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Mourisca, foi esconder sua beleza.

Versão lendária, mas que prende e agrada

Contava-me em pequeno minha avó:

Meu filho; nesta fonte transformada

Em cobra, uma princesa sobre o pó

Se arrasta, começava, que encantada

Há muito tempo está. Isto é um dó.

Já muita gente viu a pobre cobra,

Que, súbito fugindo se desdobra.

Malvada gente que no mal só pensa,

A cobra procurando em seus retiros,

As armas vis lh'aponta, sem detença,

Mandando à triste venenosos tiros!

Mas ela estando a fado estranho apensa

Sem dano se retira, entre suspiros,

Sumindo-se instantânea, prontamente

Aos olhos desta tão malvada gente.

Um dia uma formosa rapariga

Vivendo com seus pais n'um pobre monte,

Que perto ali ficava, e era amiga

D'a horas altas ir beber à fonte,

Fiando o fuso setinosa estriga,

Angélica deidade viu de fronte

Da ubérrima, cristalina origem

Que fora do Empyrio etérea virgem.

A tímida donzela receosa

Passando perto as boas noites deu,

Notando que a deidade suspeitosa,

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Que súbito a tal hora lh'apareceu,

Tinha na frente, linda e cobiçosa

Uma condeça, que hábil mão teceu,

Contendo largas e mimosas passas,

D‟aquelas que em tal tempo eram escassas.

A estranha criatura respondendo,

Ao cumprimento da gentil donzela,

Lhe disse, seu trabalho suspendendo:

“Feliz te faça Deus, criança bela.

Não queres passas, filha? Tira, querendo."

A jovem se aproxima com cautela,

Tirando quatro passas a tremer

“Não tiras mais? Pesar haveis de ter..."

Agradecendo se retira a jovem

De susto e medo muito atormentada;

Em breve, cantos d'alma que comovem

Ouviu, apenas alcançou a estrada,

São cantos que apesar do medo, a move

Para ouvi-los, fazer ali parada;

Julgou ouvir voz dum Serafim,

Que tristes mágoas declinou assim:

Oh Silvanea, oh Silvanea

Oh Silvanea desgraçada!

Há-de vir o fim do mundo

E Silvanea aqui postada!

Pobre flor da Murinea

N'este vale abandonada

Por um Pai que te adorava

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Oh Silvanea desgraçada!

Sempre entregue a negro olvido,

Em cobra vil transformada

Chegarás ao fim do mundo

Oh Silvanea desgraçada!

Nem no inferno profundo

Tu terás, Silvanea entrada,

Pois que a lei dos teus deixaste

Oh Silvanea desgraçada!

Por seres do jovem Cristão

Terna flor idolatrada

Te votou a eterna dor

Oh Silvanea desgraçada!

Mal dizendo o teu amor

Te deixou escravizada

Dum poder desconhecido

Oh Silvanea desgraçada!

Verás bela a flor na haste,

Pouco depois desfolhada,

Isto por anos sem conto

Oh Silvanea desgraçada!

Teu sofrer não tem desconto

Tuas mágoas não são nada

Para a demência paterna

Oh Silvanea desgraçada!

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Fica entregue à dor eterna,

Com teu pranto malfadado,

Alimentando esta fonte,

Oh Silvanea desgraçada!

Cessou da moura o cântico sentido

Sucedendo-lhe então fremente pranto

Profundos ais de queixas mil seguido

Que os ecos da campina acorda em espanto!

Dizia minha avó, que após o encanto,

Cessou da moura o cântico sentido

Sucedendo-lhe então fremente pranto

Profundos ais de queixas mil seguido

Que os ecos da campina acorda em espanto!

Dizia minha avó, que após o encanto,

Muitos séculos tinham decorrido,

E que esta moura só se põe vista

Na festejada noite do Baptista.

Opresso o peito, alucinada a mente

E as pernas mal sustendo o débil busto,

A casa corre atarantadamente

Mordida a moça por crescente susto,

Entrando em casa cai redondamente...

Mas corre a socorrê-la irmão robusto,

Que o pulso possuía duro e forte,

Esbelto o talhe e donairoso o porte.

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Voltando à natural serenidade,

Narrou a jovem, detalhadamente

O caso estranho, baixo, à puridade,

Temendo ouvi-la qualquer outra gente.

A dar prova de cabal verdade,

Notou que as passas milagrosamente

Se tinham transformado em peças d‟ouro

Brilhando como um fúlgido tesouro!

Beja, 17.11.1900

Edmundo Belfonte (in "A Folha de Beja", 10 de Janeiro de 1901)

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img018 – a moura encantada em fonte e a tímida donzela

A tímida donzela receosa Passando perto as boas noites deu,...p. 166

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Sentados ali à beira da fonte que sai duma mina e corre para um

barranco que atravessa uma azinhaga, foi assim que a Cigana

Mariana e Cigano Castanho ouviram o épico arrojado cantar as lendas

que a avó misturava da bela moura Aldonça que passa a Silvanea

desgraçada e aparece a uma formosa rapariga, amiga de a altas

horas ir beber à Fonte e fica com quatro passas transformadas em

ouro, fúlgido tesouro, que fica a testemunhar a verdade de toda esta

fantasia...!!!

Era a avó que misturava as lendas? De Aldonça e Alfátima lá nos

Hermíneos tão perto e tão distantes, se contam lendas semelhantes,

como a da Moura Encantada do caminho de Mértola...!!! Era a avó ou

vate que sonhava e de tanto sonhar as misturava?!!!

Ali postados, deslumbrados, os ciganos nada puderam confirmar.

Era no luar de Agosto. Não tiveram pois oportunidade de ver a

aparição da cobra aparecer na meia-noite do dia de São João!

Num outro ano havemos de cá vir, sem ninguém nos ver, na noite

de 23 para 24 de Junho... Prometeram!

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0.2.1 - ENCONTRO DOS MAGOS NA FONTE DAS

CAVADAS

Mas os ciganos, mesmo apaixonados como o par jovem que nos leva

a correr pelo Mundo da Fantasia e do Maravilhoso, não vivem só da

água das fontes... deram conta que precisavam de comer, e como

eles, também os animais que puxavam as carroças e os

acompanhavam nas suas andanças... Correram os montes por palha

mas o ano não tinha sido lá muito bom... A primavera não tinha sido

luminosa como os mais anos... e umas chuvadas já no mês de Junho

tinham derrubado as searas e atrasaram as ceifas que só podiam ser

magras, e o mais do grão a rebentar com a humidade e o calor, e a

palha estava a apodrecer...

... Só lá p‘rás herdades fartas é que se pode esgravatar alguma

coisa do que sobra aos que têm a mais... sentenciou o velho

cigano sentado nas pernas dobradas como os budas do oriente e

enrolando o tabaco na mortalha que não dispensava...

É abalarem lá para as bandas da Almocreva que dali nunca

arredou pobre de pedir sem ser aviado!...

... A palavra do velho é Lei e ainda por cima ele sabe o que diz

sem dali arredar pé... e o mais, nós não temos mais aqui o que

procurar...

Vamos assim ver os ciganos abalar azinhagas fora ao redor dos

montes que ladeiam o Carmo Velho, meter à circular e seguir os

caminhos do Monte da Almocreva onde as sobras dos imensos

telheiros que abrigavam os fardos davam para fartar e ainda

sobrava...

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Satisfeitos e servidos, vamos encontrar o par de ciganos acampados

junto à FONTE DAS CAVADAS que ao outro dia logo chegarão os

outros com a erva e a palha que arranjaram pelo caminho...

E a noite é toda nossa, gemeu a cigana Mariana ao ouvido do

Cigano Castanho!

E era. Mas não era.

Depois de matarem a sede na água fresca e abundante que ali corre

e sempre correu por duas bicas de água sempre abundante duma

grossura maior que os pulsos fortes dum homem do campo cavador

de enxada e corre farta e livre tanto de verão como de Inverno e que

de verão ainda é mais fresca que de Inverno... os nossos ciganos

recolheram para passarem a noite no seu palácio encantado que era

em cima da palha por baixo da carroça...

Ele não há fonte como a das Cavadas!... Só nos anos da seca é que a

cortaram uns tempos para reforçar o abastecimento da água à cidade

mas quando veio a água do Roxo amanharam-na outra vez como

houvera de ser e ali corre ela generosa e perdulária a perder-se pela

valeira que ia encher o lavadouro e regar as hortas da quinta da

Faleira que faziam a abastança de tudo o que era verde no mercado

de Beja... isto nos anos em que aquilo tudo ali eram hortas...

Agora!!! perde-se por aí que é uma dor de alma... Uma água como

não há outra! ...que é muito melhor do que essa que vendem pr'aí

em garrafões... uma água que até é boa prós doentes e prós bebés...

É ver a quantidade de gente que, ainda agora, que já há água

canalizada nas casas do Penedro, vem aí com as bilhas metidas nas

rodelas dos carrinhos de mão que durante anos e anos foram a

canalização das casas deste povo todo... e os que já não têm esses

carrinhos, vêm com garrafões e depósitos, e vem gente da cidade e

doutros lados até de carro para beberem desta água que não há

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outra igual... Mal há-de ser se vão ter de a cortar outra vez para a

misturarem com a outra água que vai para os depósitos e depois é

tratada e distribuída pelas casas... Mal há-de ser se nos tiram tudo o

que é são e autêntico como esta água que sai pura e verdadeira do

ventre da terra...

É que aquela noite era noite de luar e os nossos ciganos custavam a

adormecer. E como lhes custava a adormecer no meio do seu enleio

ouviram vozes que vinham lá dos lados da fonte e pareciam ser de

muita gente reunida... Aguçados pela curiosidade rastejaram do seu

esconderijo ali escondido a céu aberto e puseram-se a espreitar... O

que haviam de ver?

Naquela noite os MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA NA FLORESTA

tinham precisamente escolhido a FONTE DAS CAVADAS para a sua

reunião de sábios que desvendam os mistérios do Universo e da

Natureza Humana e ali estavam reunidos em grupos de magos e

fadas espalhados pelas mesas e pelos bancos e pelo muro baixo que

rodeia a cúpula branca que protege as bicas da fonte e forma sobre

elas como que uma caverna fresca por onde, quem sabe, se pode

entrar no Mundo das Mil e Uma noites?...

Eram então eles que contavam aquelas coisas sobre aquela fonte e

dizia-se que diziam muitas coisas mais?!!!...

Mal vai aos seres humanos se lhes tiram tudo o que é são e autêntico

como esta água pura e verdadeira que aqui sai do ventre da terra

para lha darem depois de misturada e tratada com produtos e

purificada, dizem eles, porque por este andar vão dizer que só são

bons para as pessoas os produtos de plástico misturados e

modificados e tantas vezes conspurcados que em vez de alimentarem

andam para aí a matar a gente aos bocadinhos como fazem com os

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insecticidas que tudo vão envenenando até o que eles comem e

bebem... Pobre humanidade se não for capaz de salvar algumas

fontes de água viva para poderem matar a sede verdadeira!

Pobres deles se secam todas as fontes como as que têm ainda, de

poesia e canto e lendas e contos e tradições populares para

alimentarem os seus sonhos de felicidade e liberdade... e de vida!!!

Pobres deles quando se convencem que, para conseguirem a

felicidade, tem de conseguir que tudo seja igual, fabricado em série,

tudo a obedecer ao mesmo modelo... quando se vestirem todos da

mesma maneira, quando todos forem iguais, quando todos pensarem

da mesma maneira!... Pobres loucos que não sabem o que querem! E

o perigo das doutrinas religiosas e políticas e ideias pessoais quando

se convencem até que o ano seria ideal sem as quatro estações, que

seria melhor haver só dia ou só a noite, ou só a luz ou só a sombra,

só o bem ou só o mal...

e não dão conta, coitados!, que se tivessem isso, teriam o tédio a

morte... o caos que não gera a vida se fossem esses loucos a criar a

humanidade... Que seria do Universo se não houvesse o estímulo

criador da diferença do calor e do frio do peso e da imponderabilidade

da luz e das trevas como diz Milan Kundera, Hubert Reeves e

outros... e da energia sublime das milhares de variações existentes

entre os pólos negativo e positivo em que muitos querem dividir a

Humanidade como a Morte e a Vida e o Bem e o Mal?!

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img019 – a fonte das cavadas… uma visão naif…

...hoje estamos aqui reunidos à volta desta fonte que rebenta em duas bicas cheias de impulso e de força duma mina cavada nas entranhas da terra... p. 181

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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O certo é que, caros comagos e cofadas, ouviram às tantas falar

os ciganos escondidos ao luar hoje, estamos aqui reunidos à volta

desta fonte que rebenta em duas bicas cheias de impulso e de força

duma mina cavada nas entranhas da terra que com duas golfadas

enche o pequeno poço ali cavado e protegido e depois se perde pela

regueira cavada em sulco por esses campos e ribeiros e vai

fertilizando os terrenos, encher lagos e talvez desaguar no mar e

voltar ao interior da terra transformada em chuva ou em neve para a

tornar a fecundar e brotar de novo e tudo fazer renascer...

Numa terra seca e deserta como esta imensa planície que chamaram

Alentejo é a água que produz o milagre da vida e a falta de água é

fonte de angústia desolação e de morte...

Esta força da água a correr forte por estas duas bicas é música

maravilhosa encantatória que as pessoas em grupos, sozinhos, aos

pares, às escondidas... vêm ouvir para alimentar o seu sonho de

fertilidade felicidade vida... É como a força sedutora da mulher, do

feminino... é o signo da beleza e do bem da fantasia... é o sinal de

que pode haver um mundo em que tudo, mesmo inacreditável, é

possível, e todos os desejos podem ser realizados.

Mas não é só esta fonte que existe.

Tanto nesta como em muitas outras, há seres que vêm à procura dos

seus sonhos de felicidade e é por isso que há, por todo o lado, a fonte

dos namorados e as fontes de sete bicas... e aqui, os nossos

ciganos tiveram um sobressalto, ao lembrarem-se das numerosas

fontes que tinham visto por todo o mundo que tinham corrido e das

que tinham ouvido dizer que havia, isto contado pelo velho cigano

que já tinha corrido muito mais mundo do que eles, e as tinha ou

visto ou ouvido contar a outros velhos ciganos, que tinham corrido

tudo o que era Mundo... e em todas elas, de água fresca e

cristalina, aparecia, nas noites de luar, uma princesa encantada, que

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seria uma bela moira ou uma bela adormecida ou uma princesa do

oriente ou do ocidente ou índia ou dos países exóticos dos Andes ou

das Ilhas, conforme a fantasia e os sonhos de cada um... e ali estão

elas, encantadas, à espera dum milagre, dum feito heróico que

desfaça o encanto!!!

Vejam por exemplo o que acontece na FONTE MOURO. Uma fonte

que fica além para Norte do outro lado da cidade mais ou menos à

mesma distância que esta fica e onde na outra noite pernoitaram o

par de namorados que são nossos convidados esta noite... !!! e eles

que pensavam estar ali escondidos a assistir a uma reunião de seres

nunca vistos e ouvidos... a cigana Mariana abriu muito o olhos e

agarrou-se com força ao corpo do Cigano Castanho que ainda os

tinha mais abertos e morria de pavor... Sim, eles pensam que nós

somos seres como os outros que estão habituados a espiar e pilhar, e

o certo é que somos, mas não somos bem como os outros porque a

nós não é preciso iludir e enganar... Venham para aqui e sentem-se

connosco para nos contarem o que viram e não viram e aqui sempre

estão melhor gozando do fresco destas árvores e destes bancos e

podem ficar inebriados pela música desta água refrescante que brota

das entranhas da terra com uma vitalidade carregada de fecundidade

e fertilidade...

De manso, muito de mansinho... de mãos dadas um ao outro... o par

de ciganos levantou-se... começou a caminhar... e como

transportados nas asas da brisa suave que corria imperceptível...

encontraram-se maravilhados no meio da assembleia dos magos e

das fadas que tinham muitas coisas para contar... e semeavam,

durante a noite, as sementes de todas as flores de todos os sonhos e

desejos que depois durante o dia se haviam de tornar realidade e

crescer e multiplicar-se à luz do sol...

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Como viram, explicaram então os sábios da clareira escondida na

floresta depois de lhes terem dado a beber da água da fonte em

transparentes taças de cristal que ali apareceram como por magia e

eram, pura e simplesmente, cocharros talhados em cortiça ou a

concha das mãos unidas como toda a gente pode beber, como viram

lá na vossa FONTE MOURO que outros chamam a FONTE DA MOURA

porque pensam que é mais claro e mais simples, mas esquecem ou

querem esquecer que a fonte foi descoberta e mandada construir

pelo mouro que consideram mau e terrível e esquecem muitas vezes

que mesmo ao lado, não muito longe, fica o monte da FONTE DA

COBRA e logo mais adiante o monte da COBRA que vão espreitar a

medo e até lhe metem um MONTE da SERRA pelo meio para impedir

que se juntem, sem perceberem coitados! que a magia da FONTE

MOURO da encantada princesa perderia todo o sentido sem a ameaça

terrível constantemente possível de aparecer por lá uma cobra

sedenta a beber longamente as saudades de Aldonça... Há mesmo

quem diga que caçadores espertos e experientes já tentaram tudo

para matarem o monstro que aparece ali em noites de luar com todas

as artimanhas laços armadilhas e tiros fatais... mas para sorte deles

e da humanidade a Cobra esguia sempre sempre se esgueirou sem

dano desaparecendo instantaneamente dos olhos cegos dos mortais

para sempre aparecer de novo a beber a beber sem nunca se

saciar...

Chega por hoje, por esta noite que já vai bem alta, porque temos

mais convidados para uma festa de despedida... e era certo. Ansiosos

pelo calor da noite e intrigados pelas coisas misteriosas que se

passavam no ar ao luar daquela noite, os pares de namorados da

aldeia tinham-se levantado e com a desculpa aos pais que morriam

de sede e iam buscar água para toda a família, pegaram no carrinho

de uma roda com dois arcos e dois braços e com os potes vazios

partiram a caminho da fonte onde, por pressentimento, sabiam que

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iam encontrar os seus amados. Não era novidade nenhuma isso, que

já tinham aprendido desde os trovadores medievais que cantavam os

encontros secretos dos amantes que todos acabavam por saber, mas

o que não sabiam é que naquela noite, se iam encontrar em tão

brilhante e encantatória assembleia... encantados de espanto de se

verem todos misteriosamente descobertos nos seus secretos sonhos,

em coro de magia de braço dado, fizeram uma grande roda à volta

dos magos e do par de ciganos e todos em roda puseram-se a

cantar...

as canções das FONTES de todo o tempo e lugar...

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2.2 - A/s LENDA/s DA FONTE DAS CAVADAS

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...E no meio dos cantos e da festa, um par de namorados não se

conteve e passou a co/antar a seguinte LENDA...

2.2.01 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 1ª Versão

... Todos vocês sabem que esta Fonte das Cavadas, serviu durante

anos e anos o povo do Penedo Gordo, que inventou, para a

transportar, um carrinho de mão prático e original, que entre a roda

dianteira e as pegas para o guiar, se abria em dois arcos onde se

podiam transportar duas bojudas bilhas de água que eram a água

corrente das casas e a água que matava a sede à gente nos trabalhos

do campo...

Foi mandada construir pelo senhor Joaquim Filipe Fernandes, em

1876, como lá está gravado na pedra por cima das bicas, e era o

dono da Quinta da Faleira e das hortas que verdejavam por esta

regueira e forneciam o mercado de Beja durante anos e anos...

Olhando daqui para nascente e para o norte, podemos ver que

estamos no vértice dum triângulo formado pelo castelo de Beja e

pelos campos a perder de vista dos Condes da Boavista, Santa Clara

do Louredo... Esta é a fonte que dava de beber aos que trabalhavam

no monte da Almocreva... e tudo isto parece envolver um certo

mistério e significado...

Tudo isto, como se pode ver, é rodeado de férteis terrenos de cultivo,

dos melhores barros vermelhos de Beja, do Alentejo...

... Consta... Contaram-me... Ouvi dizer que havia por aqui um touro

e uma serpente.

A serpente, cobra, procurava delimitar o seu território de pasto, de

comida, de sustento e de domínio... para si e para as cobras suas

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súbditas que viviam na sinuosa ribeira alimentada por um fio de água

que ninguém sabia donde vinha...

O touro, esse vivia nos fartos pastos circundantes que sustentavam

numerosa manada de fecundas vacas leiteiras, o seu orgulho e

harém...

Consta então, que um dia se envolveram numa disputa por questões

de água...

O touro: que a serpente lhe roubava a água que fazia reverdecer os

seus pastos...

A cobra: que o touro era o culpado de lhe faltar a água no veio por

onde ela se movimentava, porque os campos sequiosos ao redor,

para se manterem verdes e lhe darem alimento e mais a todas as

vacas, lha bebiam toda e a deixavam a míngua...

...Decidiram-se então por uma luta. Uma luta que seria de morte...

E... nessa noite, de lua resplandecente, quando a cobra se erguia no

seu corpo enroscado para abraçar o seu inimigo e o apertar no seu

abraço mortal...;

e o touro investia já de cabeça a rojar quase o chão com os

poderosos cornos apontados e levantava sucessivamente as patas

dianteiras para esmagar o réptil repelente, eis que se produziu o

encanto...

...Nessa altura, o rei dos animais?, a Lua?, o Sol?, alguma Estrela?,...

interveio... paralisou-os e disse:

Vós que disputais por causa da água... ides transformar-vos em

fonte... tu, touro ficarás uma bica mais grossa e poderosa... e tu,

cobra, uma bica mais fina de água sempre corrente e forte que será

fresca e deliciosa no verão e quente e reconfortante no inverno... e

sempre separados e sempre misturados, ambos cavareis uma ribeira

CAVADA serpenteando e fertilizando todos estes campos e matando a

sede a todos os viandantes que vão demandar estas paragens, no

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meio deste Alentejo quente e tórrido... e isto para sempre... assim

disse a fada!

... e foi assim que nasceu, talvez, a LENDA DA FONTE DAS

CAVADAS...

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...Mas a namorada disse: Eu sei outra versão!... e timidamente,

começou a contar assim:

2.2.02 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 2ª Versão

Conta uma lenda, de tempos muito antigos, parece que de mil mais

mil anos, que correram incessantemente sobre a vida, que,

ali, no vértice do triângulo que os barros vermelhos da Almocreva,

Penedo Gordo, formam com o castelo de Beja ou com a casa da

Torrinha que é o solar Almodôvar e o solar dos Condes da Boavista, a

umas centenas de metros da sede do monte maior da Almocreva

nome feminino de almocreve que não é comum usar no feminino e

nos leva a supor que já em tempos muito antigos que se perderam

na memória, teria havido uma mulher que suplantou os homens no

ofício de organizar e conduzir as caravanas de bestas de carga, ali,

muito perto da propriedade mais conhecida pelo número e qualidade

de vacas leiteiras e de touros mais famosos da região...

havia um lugar especialmente fresco e verdejante, farto em bons

pastos para o gado, que era atravessado por um declive, uma valeira,

entre terrenos, que aparentava ser mais fresco e verdejante e

transmitia por assim dizer frescura e fecundidade aos campos e

montes de ao redor que eram ponteados aqui e além por recantos de

sombras raras no meio da campina abrasadora...

e no meio desse pasto, pachorrento e distante, como se nada fosse

com ele, havia um grande touro que dominava e protegia a maior e

mais luzidia manada de vacas leiteiras que se espalhavam pelos

imensos pastos abundantes e verdejantes e produziam leite em

abundância que eram o alimento, a força e o sustento de toda a

gente daquela esforçada e laboriosa região...

passava por ali muito perto a larga e espaçosa canada por onde, nos

períodos da transumância, corriam centenas e centenas de cabeças

de gado guiados por experientes almocreves que conduziam as

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manadas com a ajuda dos seus maiorais em busca de pasto e de

frescura, quando o calor tórrido ameaçava deixar à míngua o gado

que era a razão de ser e o meio de subsistência de toda uma imensa

e estranha região...

a acompanhar essas manadas de gado e atraída pela magia do

perfume do leite, uma grande cobra estendia a sua vigilante avidez

por toda aquela zona fértil de bom pasto onde pastava a maior

manada de vacas dominada e protegida pelo touro maior e mais

poderoso que por ali jamais fora visto, grande e poderoso como um

penedo...

era insinuante e discreta a cobra que se esgueirava por entre as

árvores e as ervas da valeira e atrevidamente atravessava fugaz e

repentinamente os caminhos e valadas por onde transitavam a gente

e os animais com suas caravanas de bestas de carga e carros de

carga e carroças...

o touro, pesado e pachorrento, circulava lenta e vagarosamente com

a sua imensa manada pelos campos cercados de estacadas aramadas

em ciclos regulares para aproveitar sempre os pastos tenros e

renovados renascidos e alimentados pelas águas e pelo sol que

também por si obedecem a ritmos renovados, e assim serpenteavam

pelos campos fartos e abundantes prenhes de fartura e abundância

ao sabor das estações...

assim também a serpente circulava discreta e disfarçada de mil

formas aspectos e disfarces habilmente insinuada por entre as ervas

e riachos, veios de água veredas e caminhos...

foi assim que, durante muito tempo, iludidos e disfarçados, viveram

em aparente e desconfiada paz os inimigos inconciliáveis e

dependentes que não podiam nem ver-se, nem viver um sem o

outro...

até que um dia...

um dia, ali a uma centena de metros do vértice do triângulo

equilátero que forma a Herdade da Almocreva com o Castelo de Beja

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ou a Torre do solar dos Almodôvar e o solar do Condes da Boavista ali

para Santa Clara do Louredo... eis que um dia se encontram, se

afrontam, se acusam mutua e violentamente...

ah! és tu serpente maldita que em certas épocas do ano me

roubas a água que fecunda os campos onde cresce a erva verde e

abundante que sustenta a manada que dá o leite que é o sustento, o

vigor e a força desta região e do seu povo?...

ah!, és tu maldito, que com tua imensa manada me roubas todos

os refúgios e me deixas a descoberto em todos os esconderijos em

que me tento esconder!!!?

ah! és tu serpente cobra que roubas o leite e mataste a vaca

leiteira que alimentava o vitelo mais forte e prometedor de toda a

manada?...

ah! eras pois tu e o teu gado que me roubavam as poças de àgua

dos regatos que me refrescavam e me permitiam ocultar da vista dos

que me perseguem e querem matar...!?

ah? eras tu que afugentavas e assustavas a manada que tantas

vezes fugia atarantada e espavorida e não parava, irrequieta, sem

poder comer....!?

ah! eras tu... ... ...

ah! eras tu... ... ...

e assim, travando-se de razões, que não eram razões, ali se

ergueram um contra o outro em desafio de luta de vida e de morte...

era noite de lua cheia e a luz feiticeira iludia-os encantando-os...

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já a cobra se enrolava nos anéis que lhe serviam de apoio no chão e

se arqueava para desferir o bote contra o touro monstro, que furioso

investia com todo seu peso e o perigo das suas hastes pontiagudas

de cornos arqueados...

ela disposta a envolvê-lo nos seus mortais anéis... ele disposto a

esmagar a serpente insidiosa e insinuante com todo o peso das suas

patas devastadoras...

foi nesse momento que o feitiço do luar os paralisou e os deixou

estáticos, e a terra se abriu como se fosse uma benção ou uma

maldição...

Vós que dependeis um do outro e disputais ferozmente pela

frescura das fontes e fecundidade da terra, permanecereis juntos e

separados para sempre transformados em duas bicas de águas

abundantes e imperecíveis que hão-de ser a fonte de frescura e

abundância falada e afamada por toda a região...

e vós viandantes e caminhantes que passardes e aqui vos vierdes

dessedentar assim os conhecereis porque uma bica será grossa e

forte como um touro e a outra será grossa e esguia como uma

serpente insinuante e interminável e ambos nunca unidos

inconciliáveis mas sempre juntos... separados mas misturados na sua

força indomável correrão serpenteando pela terra até ao mar infindo

e fecundarão a terra e acalmarão o fogo ardente desta região e assim

se unirão dois inimigos irreconciliáveis que hão-de correr quentes no

Inverno e frescos no verão para que assim do encontro dos contrários

aparentemente irredutíveis nasça a fonte da vida imperecível...

as pessoas da região, para a transportarem para as suas casas, hão-

de inventar um carro de mão com uma cabeça que roda no chão

sustentada por dois braços e com dois membros que se estendem

para o poderem fazer rodar e, no seu corpo, que assenta ainda em

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dois pés para se poder parar, abrirão dois círculos em forma

antropogamiamórfica que correrá todos os caminhos e levará a todas

as casas a água, ou, por assim dizer, a própria fonte de água viva e

vivificante...

Assim, Fonte das Cavadas, a Fonte das Duas Bicas, a Fonte do Touro

e da Cobra, são bicas que nos remetem ao início da História e afinal

ligam toda esta história.

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0.2.2 - O CANTE DAS FONTES

Dá-me uma gotinha d'água,

Dessa que eu oiço correr;

Entre pedras e pedrinhas,

Alguma gota há-de haver...?

Alguma gota há-de haver,

Quero molhar a garganta;

Quero cantar como a rola,

Como a rola ninguém canta!

Dá-me uma pinguinha d'água,

Não ma dês pelo cucharro;

Dá-ma pelas tuas mãos,

Para ter sabor tão raro!

Para ter sabor tão raro,

É do trabalho no campo;

Nós somos feitos de barro,

E da terra é o meu canto!

Dá-me uma pinguinha d'água,

Dessa que oiço correr;

Entre silvas e mentrastos

Alguma pinga há-de haver.

Dá-me uma gotinha d'água,

Não ma dês pela tigela;

Dá-ma pela tua boca,

Que eu não tenho medo dela!

Dá-me uma pinguinha d'água,

Da boca faz uma bica;

Quanto mais água me dás,

Tanto mais sede me fica!

Fui à fonte beber água,

Bebi tornei a beber;

„Stava o meu amor defronte,

Regalei-me de o ver!

Fui à fonte beber água,

Encontrei um ramo verde;

Quem o perdeu tinha amores,

Quem o achou tinha sede!

Fui à fonte beber água,

Debaixo da flor da murta;

Foi só p'ra ver os teus olhos,

Que a sede no era muita?

Fui à fonte beber água,

Achei um ramo de flores;

Quem'no achou (perdeu) tinha sede,

Quem‟no perdeu (achou) tinha amores!

Fui à fonte beber água,

Onde o rio desce, desce;

Nem a água apaga a sede,

Nem o meu amor me esquece!

Fui à fonte beber água,

Debaixo da vide branca;

Fui p'ra ver o meu amor,

Que a sede não era tanta!

Fui à fonte beber água,

Por baixo da folha verde;

Encontrei o meu amor,

Bebi água sem ter sede!

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Fui à fonte beber água,

Em casca de belancia;

Nem bebi, nem truxe augua,

Nem falei com quem eu queria!

... quando o grupo desatou a cantar ‗Dá-me uma gotinha d'água‘...

todos se lembraram de outras cantigas e outras quadras a cantarem

as fontes, os encontros secretos, as demoras na fonte, as mentiras e

disfarces, as esperas desesperadas dos namorados no caminho das

fontes, as desculpas... os enredos... as más línguas... e todos à roda

cantaram cantaram... e até os magos ciganos entraram no desafio...

e às tantas, já não se sabia quais eram as quadras tradicionais e com

direitos de autor já consagrados pelo tempo e nunca registados, e

quais eram as improvisadas ali inventadas de novo, trocando,

misturando e baralhando as palavras e as ideias...

No Pened(r)o há uma fonte,

D'água fresca e abundante;

É das Cavadas, do monte,

Mata a sede ao viandante!

Há no mundo muitas fontes

D'água pura, frescas águas;

Mas a mais viva entre montes,

É a água das Cavadas!

Há poços e ricas veias,

Água correndo nas casas;

Mas para as gentes da aldeia,

Água sã, só nas Cavadas!

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Ela dá saúde aos mortos,

Faz medrar na horta a couve;

Não tem tratos desses tortos,

Com'esta água, nunca houve!

Com'esta água nunca houve,

Com'as nossas tradições

Se houver quem no-las roube,

Vai passar consumissões!

Vai passar consumissões,

Porque as fontes não se matam;

Aqueles que matam as fontes,

Trazem a morte na alma!

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img020 – a fonte touro cobra e a figueira…

Mal sabes quanto me alegro Quando te vejo defronte:

É como quem morre de sede E põe a boca na fonte.

in Cancioneiro Popular de J. Leite de Vasconcellos, Vol. I, p. 421. (Ver Fonte Mouro, p. 157 – Fonte da Moura, p. 163.

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... No meio do entusiasmo, houve até quem se lembrasse das

cantigas dos trovadores medievais como a de Pero Meogo (1253?-

1269?), comparando-a com a adaptação de Natália Correia, 1970:

(Levou-s'a louçana),

Levou-se a velida;

Vai lavar cabelos

Na fontana fria,

Leda dos amores,

Dos amores leda.

(Levou-s'a velida),

Levou-s'a louçana;

Vai lavar cabelos

Na fria fontana,

Leda dos amores,

Dos amores leda.

Vai lavar cabelos

Na fontana fria;

Passa seu amigo

Que lhi ben queria,

Leda dos amores,

Dos amores leda.

Vai lavar cabelos

Na fria fontana,

Passa seu amigo

Que a muito ama,

Leda dos amores,

Dos amores leda.

A bela acordara

Formosa se erguia;

Lavar seus cabelos

Vai, na fonte fria,

Radiante de amores,

De amores radiante.

Formosa se erguia;

A bela acordara;

Lavar seus cabelos

Vai, na fonte clara;

Radiante de amores,

De amores radiante.

Lavar seus cabelos

Vai, na fonte fria;

Passa seu amigo

Que muito queria,

Radiante de amores,

De amores, radiante.

Lavar seus cabelos

Vai, na fonte clara,

Passa seu amigo

Que muito a amava,

Radiante de amores,

De amores radiante.

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

204

Passa seu amigo,

Que lhe bem queria;

O cervo do monte

A augua volvia,

Leda dos amores,

Dos amores leda.

Passa seu amigo,

Que a muit'amava;

O cervo do monte

Volvia a augua,

Leda dos amores,

Dos amores leda.

Passa seu amigo

Que muito lhe queria;

O cervo do monte

A água volvia,

Radiante de amores,

De amores, radiante.

Passa seu amigo,

Que muito a amava;

O cervo do monte

Revolvia a água,

Radiante de amores,

De amores, radiante.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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2.3 - A LENDA DA PRINCESA ENCANTADA EM COBRA

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

207

0.2.3 A perplexidade dos ciganos...

As lendas da FONTE MOURO, com princesas transformadas em

FONTE, A FONTE DA MOURA com o seu amado transformado em

COBRA, ver o MONTE da FONTE DA COBRA e o MONTE DA COBRA,

não podiam terminar, sem ver esta transfiguração d'A PRINCESA

TRANSFORMADA EM COBRA.

Foi contada por Simplícia Maria das Dores, de Penedo Gordo,

freguesia de Santiago Maior, Beja, concelho e Distrito de Beja. Não

temos o ano de quando foi recolhida, mas vem no I volume, com o

N° 129, o último do II Ciclo: A BELA E O MONSTRO, dos CONTOS

POPULARES E LENDAS, coligidos por José Leite de Vasconcellos e

preparados para a publicação sob a coordenação de Alda da Silva

Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, e publicado POR ORDEM DA

UNIVERSIDADE, (Acta Universitatis Conibrigensis), Coimbra, 1963.

Quem já não percebia nada destes contos, lendas e interpretações,

eram os nossos inseparáveis ciganos, o Cigano Castanho e a cigana

Mariana, que depois daquele encontro maravilhoso e inesperado com

o fantástico nunca imaginado, pensavam que estavam dentro dos

segredos dos contos e das lendas e dos signos e dos símbolos que

eles traziam, quando, em vez de verem a princesa transformada em

fonte, ouviram da tia Simplícia, ali do Penedo Gordo, de ao pé da

Fonte das Cavadas, que foi mandada construir por Joaquim Filipe

Fernandes no ano de 1876, como reza a placa de pedra que lá está

por cima das duas bicas dentro daquela cúpula nascida do chão que a

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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protege e guarda para os viandantes se abrigarem e refrescarem...,

contar a lenda: A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA... Aí fica, como

a transcrevemos da citada obra.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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2.4.01 A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA por Simplícia Maria das Dores, do Penedo Gordo…

…por Simplícia Maria das Dores, de Penedo Gordo, freguesia de Santiago Maior,

Beja, concelho e Distrito de Beja In CONTOS POPULARES E LENDAS, coligidos por

José Leite de Vasconcellos e preparados para a publicação sob a coordenação de

Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, e publicado POR ORDEM DA

UNIVERSIDADE, (Acta Universitatis Conibrigensis), Coimbra, 1963

Havia um moinho muito velho chamado da Torre. Diziam que

apareciam lá medos e ninguém para lá queria ir habitar, até que foi

para lá um moleiro mais a mulher morar; havia lá umas figueiras

muito antigas. Debaixo das figueiras aparecia lá uma cobra muito

grande com uns olhos muito ramudos, como os olhos de uma pessoa.

O homem e a mulher viam-na, nas não tinham medo, não se

assustavam; até que uma manhã de S. João apareceu uma menina

muito linda, com um testo de ouro na mão a pedir uma brasa de

lume, chamando-lhe vizinha. A mulher assustada veio à porta ver

quem era; perguntou-lhe onde é que estava, que vinha chamando-

lhe vizinha. Onde ela disse à mulher que era vizinha, porque estava

ali encantada na raiz da figueira, havia já uma quantidade de anos, e

que saía naquele dia de S. João, porque o encantamento lhe dava

ordem de sair; que vinha feita uma mulher, mas daquele dia em

diante só ali vinha a aparecer, ou feita numa cobra ou num carneiro,

ou num touro, que só assim naquela forma aparecia, e que podia

assustá-los, à mulher e ao tal dito moleiro, mas não lhe podia falar,

porque só aparecia assim feita bicho; o encanto não a deixava

aparecer senão naquele dia de S. JOÃO. Onde a mulher do moleiro,

muito assustada de ver uma menina tão linda, perguntou-lhe se não

havia nada que de lá a pudesse tirar, donde ela estava encantada.

Ela, com muito desejo de sair de lá para fora, disse para a mulher

que podia, querendo, a desencantar de lá: levando ela a mulher

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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dentro de um lindo palácio, que ela tinha debaixo da raiz da figueira,

onde ela tinha a morada; chegou ela a levar lá a mulher do moleiro

para mostrar a riqueza que tinha. A mulher, vendo aquela riqueza, e

prometendo-lhe ela ficar rica, mais o marido, convenceu-se a querer

desencantar a princesa.

Onde a princesa jantou nesse dia com o moleiro e a mulher dele, e

almoçou; e afinal muito contentes se encontravam a princesinha mais

o moleiro e a mulher, onde combinaram da maneira que haveria de

ser desencantada.

A princesa dizia que era desencantada em três noites, caso a mulher

do moleiro tivesse coragem de não se assustar com o que visse; que

a princesa mandava pôr ao pé de uma serra de palha, que ela por

pino da meia-noite lá haveria de aparecer feita de um carneiro.

Parece que vinha para lhe marrar, mas chegou ao pé dela com aquela

fúria com que vinha e ficou feito na princesa; agradeceu-lhe por

aquela noite.

Depois na segunda noite veio feita num touro a berrar e a esgravatar,

touro muito bravo; a mulher com muita coragem ameigou-o,

levantou-o e o touro não lhe fez mal. Ficou outra vez a dita princesa

falando com a mulher, agradecendo-lhe pela segunda noite. Dizendo-

lhe a princesa para ela que na terceira noite, na última vez, é que era

o mais perigo: vinha feita numa serpente e enrolava-se em volta da

cintura e devia dar-lhe um beijo na face esquerda; que não se

atemorizasse, que ela não lhe fazia mal. A mulher assustou-se,

quando ela lhe foi para beijar a cara, e ia para lhe tirar os santos

olhos; ela apertou-a e matou-a, e ela disse-lhe: "Ah! Tirana, que me

dobraste o meu encantamento". E ficou encantada por outra

quantidade de anos.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

211

0.2.4 - os magos pesarosos pelo sucedido decidem

não reunir...

Assim ficou o encanto dobrado e o conto acabado...

Desta vez os magos da clareira escondida na floresta já não reuniram

mas foram pensando maduramente durante o enterro da pobre

mulher do moleiro que por falta de coragem dobrou o encantamento

da princesa e pagou com a vida quando descobriu que a serpente

quando lhe foi para a beijar, ia para lhe tirar os santos olhos....

Que mistérios e segredos se encontram encantados neste conto

assim contado em que os medos do moinho da Torre faziam com que

ninguém para lá quisesse ir morar, até que foi para lá um moleiro

mais a mulher... Porquê tantas mutações?

Primeiro cobra, depois menina, depois carneiro, depois touro, depois

cobra?...

Representará esta mistura de masculinos e femininos, e em contraste

com a Lenda da Fonte Mouro em que e Atanásio que se transforma

em cobra, o mito da ADROGENIA do Banquete de Platão, em que os

seres humanos seriam hermafroditas e portanto sós, completos, e

agora erram pelo mundo na procura desesperada do seu

complemento que os realize, faça felizes e os torne criadores?... Ou

esta Lenda da mulher corajosa que se atreve a enfrentar perigos

terríveis para quebrar tabus e encantamentos seculares, serão um

aviso por exemplo solidez da FAMÍLIA TRADICIONAL que só

sobrevive, devido ao mito da FIDELIDADE CONJUGAL!?

Ora como esta sociedade está impregnada por uma mentalidade

machista, falocrática e falocêntrica, parece ser comummente aceite

que A FAMÍLIA TRADICIONAL poderá porventura subsistir se a

INFIDELIDADE FOR DO HOMEM, e sobretudo se for conveniente e

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hipocritamente disfarçada por ser tolerada, mas tudo ruirá e se

desmorona em derrocada se a INFIDELIDADE FOR DA MULHER por se

tornar SOCIALMENTE INSUSTENTÁVEL... É ver os filmes, os casos

conhecidos de divórcios, e a INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER de

Milan Kundera, em que Teresa arrasta Tomás, se revolta com as suas

infidelidades, mas sustenta o insustentável até se perderem no

isolamento completo...

Mas vejamos melhor a lenda!

Ao princípio, nada de medos. ―Havia lá umas figueiras muito antigas”.

Debaixo das figueiras aparecia lá uma COBRA muito grande com uns

olhos muito ramudos, como os olhos de uma pessoa. O homem e a

mulher viam-na, mas não tinham medo, não se assustavam...”

Um casal isolado, a lidar todo o dia no trabalho do moinho, convive

com a natureza que o rodeia como Adão e Eva no paraíso e nem da

cobra tinham medo, pois até tinha os olhos ramudos como os de uma

pessoa, sinal que a viam de perto e com tempo para poderem

observar bem, a ponto de atentarem bem nos olhos, com a

familiaridade das pessoas mais amigas que se querem...

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img021 – a cobra a figueira e o moinho…

Havia um moinho muito velho chamado da Torre.

Diziam que apareciam lá medos... p. 209

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

215

A seguir a mulher assustou-se. Quando nada o fazia prever... ―até

que uma manhã de S. João apareceu uma MENINA MUITO LINDA,

com um testo de ouro na mão a pedir uma brasa de lume,

chamando-lhe vizinha.”

Em vez duma explosão de alegria por finalmente ter uma vizinha,

ainda por cima linda e atraente, aparece finalmente o susto, o medo

o receio, mas que perante as revelações do encantamento que só lhe

permitiriam aparecer daí em diante em forma de CARNEIRO, TOURO

e SERPENTE e só três vezes, e perante o espanto diante das riquezas

do lindo palácio que era a sua morada debaixo da figueira que a

podiam tornar rica a ela e ao moleiro... a mulher ―convenceu-se a

querer desencantar a princesa.‖ Era só preciso ter ―coragem para não

se assustar com o que visse.‖ e assim depois do susto veio a

sedução...

Então...

“...por pino da meia-noite lá haveria de aparecer feita de um

CARNEIRO.”

A mulher não teve medo e a princesa em que se transformou,

agradeceu-lhe.

“... na segunda noite veio feita num TOURO... TOURO muito bravo.”

―A mulher com muita coragem ameigou-o, levantou-o e o touro não

lhe fez mal.” e a princesa agradeceu-lhe pela segunda noite.

"... Na terceira noite, na última vez, é que era o mais perigo: vinha

feita numa SERPENTE e enrolava-se em volta da cintura e devia dar-

lhe um beijo na face esquerda;...”

E “A mulher assustou-se, quando ela lhe foi para beijar a cara, e ia

para lhe tirar os santos olhos; ela apertou-a e matou-a...”

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Crê-se primeiro que a mulher tão corajosa terá apertado a cobra

pegando-lhe abaixo da cabeça como sabem fazer os domadores e

que teria matado o encanto, mas o encanto não morre e a pobre

mulher é que paga com a vida e o encantamento é dobrado. "Ah!

Tirana, que me dobraste o meu encantamento...” e aqui ficamos nós

estarrecidos e perplexos perante os signos e os símbolos que esta

lenda nos quer comunicar...

Nem a fúria do CARNEIRO atemorizam a mulher... Nem a bravura do

TOURO a impedem de o acariciar e levantar... Só quando lhe aparece

na forma familiar de COBRA, depois de se deixar enrolar pela cintura,

no momento do beijo, é que a viscosidade duvidosa da SERPENTE

que “foi para beijar a cara, e ia para lhe tirar os santos olhos‖;

assustam a mulher que morre e dobra o encantamento...

Caros comagos e cofadas, ouviram os ciganos dizer a uma das fadas

muito comovida depois daquele funeral muito concorrido por todo o

povo que fora abalado por tão insólita história que vinha assim

confirmar os medos pelos quais ninguém queria para lá ir para o

moinho muito velho chamado da Torre,... nós bem que dizíamos...

ele ao princípio nem tiveram medo da cobra que até parecia humana

mas depois ele viu-se... pobre mulher e pobre do moleiro, agora

coitado... e outras coisas mais que se ouviam como é costume,

...caras cofadas e caros comagos, perante estas emoções tão

violentas a que todos fomos submetidos hoje não reunimos para

tentar desvendar esta história que mistura os encantamentos da

PRINCESA em COBRA quase humana e familiar... em MENINA MUITO

LINDA que vai por uma brasa à vizinha e a assusta e seduz... em

CARNEIRO que vai para marrar e se transforma em menina... em

TOURO muito bravo que não lhe faz mal... em SERPENTE falsa ou que

levou a mulher a duvidar com o medo que lhe arrancasse os santos

olhos e a apertou e matou e foi injuriada de TIRANA...

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

217

Por hoje desistimos de mais tentativas de descobrir os mistérios da

Natureza Humana até porque já deixámos muitas pistas na

assembleia da primeira noite da clareira escondida na floresta quando

falámos do TOURO e da COBRA, e deixamos cada um entregue à

necessidade do seu isolamento, à imperiosa ânsia de estar só e de se

deixar assustar e seduzir e não ter medo e se deixar morrer de medo

e o anseio imperioso de viver com os outros e conviver, ver até olhos

humanos na cobra grande e repugnante, assustar-se com a menina

que encanta e seduz, enfrentar as fúrias do carneiro e do touro, mas

deixar-se matar perante a ameaça de deixar de ver... DE FICAR SEM

OLHOS PARA VER...

A cigana Mariana assustada que fechara os olhos para pensar deitada

no campo, voltada para as estrelas, acordou sobressaltada e olhou

para o seu companheiro o Cigano Castanho que dormia a seu lado...

Não dormia. De olhos bem abertos percorria o céu inteiro onde

naquela noite brilhavam as estrelas ofuscadas pelo brilho da lua, e

quando a sentiu acordada, apontou as estrelas e falou sem a olhar

para não perder as suas descobertas:

Olha, olha que maravilha as constelações riscadas no céu. O

CARNEIRO além mansinho, parado, como que deitado junto aos

Peixes; O TOURO logo a seguir a arremeter em fúria com a testa e os

chifres cravejados de brilhantes estrelas e a mais brilhante e maior é

a Aldebarã; e além mais longe A SERPENTE que não se vê senão uma

parte porque a outra há-de rodar do outro lado do mundo, mas fica

além ao lado por cima da Balança... é o Ofioco... o signo que não

existe... o 13°... aquele que faz a ligação entre os doze para que o

ciclo dos 12 se renove incessantemente...

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Não vejo bem! Não... Já vejo. Ajuda-me a encontrar... pediu a

cigana.

Olha além... depois logo a seguir... agora do outro lado do céu...

Já vês?

Que mistérios e segredos têm as estrelas para nos contar? Será

que brilham tanto só para nos encantar?...Não acredito. Tanto

encantamento e beleza e tanto brilho, hão-de servir com certeza para

VERMOS... Um dia destes havemos de surpreender de novo os Magos

da Clareira escondida na Floresta e havemos de aprender mais uma

infinidade de coisas sobre os mistérios do Universo e da Natureza

Humana... sonhos e verdades que eles nem sequer se atrevem a

sonhar!

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

219

3 - LENDAS ou HISTÓRIA OU

PERSONAGENS REAIS QUE SE TORNARAM LENDA

do fantástico que se torna real ao real que se torna

fantástico

3.1 - A MORTE DO LIDADOR – o lida DOR –a DOR lida

5.1.1 - A Revolução em Beja – (1383 - 1385)

5.3 - Mariana Alcoforado – (A Freira de Beja)

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

221

0.3 - CIGANOS ANDARILHOS

acontece que a nossa

caravana de ciganos

inebriados pela aura das

lendas que tinham ouvido

tentavam começar a

compreender a terra e as

gentes por onde passavam,

e assim passaram os dias

seguintes a deambular pela

cidade e além das pessoas

que encontravam e olhavam

e os olhavam, eles passaram

a ver outras coisas para

além das ruas e das casas

e a olhar as pessoas como

eles eram olhados.

Por detrás de um povo há

sempre uma carga de ideias

de história de verdades ou

de mentiras de ideias

preconcebidas ou de

preconceitos, de história

ou de lenda, de tradições

ou costumes, de arte ou de

características... que

podem ajudar a ver melhor

as pessoas...

até que ponto é que esta

herança influía ou

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222

modificava o primeiro

olhar sobre as pessoas?

até que ponto lhes dava a

conhecer as virtudes ou os

defeitos, os traumas ou o

desejo de deles se

libertarem?

E foi assim que andando

andando e cirandando

para tudo iam olhando

olhando e anotando...

E viram que em toda a parte

fosse por magia ou arte

aparecia com fulgor

o nome do LIDADOR.

Mas que LIDADOR é este

com estátuas e pinturas?

O que diz a esta gente

que o põe lá nas alturas?

É com certeza um herói

que diz muito a esta gente

Seja lá pelo que for.

Foi certamente um valente!

O que terá sido ao certo.

vamos sabê-lo de perto...

será mesmo um lidaDOR?

ou será uma DORlida

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img022 – a luta de morte entre o cristão – o lidador - e o mouro…

E ali foi mais aficada a lide... p. 228

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3.01 - O LIDADOR

Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador

fora nomeado fronteiro de Beja

por El-Rei D. Afonso Henriques

primeiro rei de Portugal

e no ano de 1170

para comemorar o dia em que completava

95 anos de baptismo,

80 de ter vestido armas

e 70 de cavaleiro,

empreende uma surtida contra os mouros,

tendo enfrentado o temeroso Almoleimar

e o poderoso Alboacém

que são derrotados

mas pagando com a vida

tão estrondosa vitória!

E assim entrou na lenda

0 famoso Lidador

Por ter vencido a contenda

E dos mouros ser terror!

Depois de Alexandre Herculano nos ter deixado nas LENDAS E

NARRATIVAS as páginas brilhantes que foram a semente fecunda do

romance histórico e do romantismo mais puro em Portugal, dando-

nos, na época convulsa das lutas liberais do século dezanove, um

conjunto de quadros espantosos sobre a história, as tradições e

valores do velho Portugal medieval, cavaleiresco e semibárbaro,

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226

poderia querer dizer que é pretensão demasiada querer apresentar

aqui a velha lenda ou história.

Não é pretensão. Antes convite a uma nova e repetida leitura e se

possível uma nova recriação, nesta época que vivemos, seguindo

afinal o exemplo que Herculano nos deixou... Cada época, cada

geração, tem o direito de ter a sua leitura da história...?!!!

É mesmo essa heresia que queremos afirmar. Mesmo os rigorosos

iluminados que clamam infalivelmente que a história é, tem de ser

objectiva, e só pode ter uma leitura, gritam-no em monumentais

edições e envoltos em grandes doutoramentos, porque sabem que

não é verdade. Basta comparar dois desses notáveis monumentos

sobre o passado, basta ler dois jornais ou ouvir e ver dois noticiários

sobre o presente!!!

O que vale saber a Historia?

Como é que cada povo e cada geração lê a sua História?

O que valem a História e as Tradições, à luz dos novos

condicionalismos e desafios da época que vivemos?

Longe de nós pretender imitar Herculano na beleza da escrita e na

vivacidade e realismo romântico com que nos faz aparecer as

personagens no seu ambiente com o rigor histórico em que ele é

mestre segundo as leis de um são e fecundo romantismo da Época!

“Seul est bon ce qu‟est vrai.”

Fica o desafio para os incansáveis renovadores de Hoje, tentarmos

construir o Futuro e o Desenvolvimento, com o mesmo ardor e

verticalidade deste gigante da Literatura Portuguesa que não se

coibiu de intervir como cidadão consciente e empenhado na

transformação da Sociedade do seu tempo, até com a sua nobre

retirada para Vale de Lobos aos 49 anos, onde veio a falecer, em

1877, com 67 anos de idade...

Como complemento da constelação que formam as LENDAS DE BEJA,

fomos copiar, dos LIVROS DE LINHAGENS atribuído ao Infante D.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

227

Pedro, filho de D. Dinis, insertos nos PORTUGALIAE MONUMENTA

HISTORICA, SCRIPTORES, o excerto das páginas 279-280...

... e assim continuar a saudável pilhagem que o Cigano Castanho e a

Cigana Mariana continuam a fazer por este Alentejo fora, para assim

devolverem ao povo o tesouro dos valores preciosos que lhe

pertencem...

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3.01.1 - A MORTE DO LIDADOR

In LIVROS DE LINHAGENS atribuído ao Infante D. Pedro, filho de D. Dinis

D. Gonçalo Mendez irmão de D. Soeiro Meendez, foi adiantado por El-

Rei D. Afonso Henriques na fronteira e venceu muitas lides, de que

aqui nom falamos. E uum dia, indo a correr a par de Beja, houve

duas lides ua com Almoleimar e a outra com Alboacém, rei de

Tânger. E Almoleimar chamou-se vencedor das lides, porque era

aventurado em elas, e havia tal forçaa, que em todo o homem que

pusesse a lança, nom lhe valia armadura que se lhe nom quebrasse,

que lha não metesse pelo corpo.

E houveram aquele dia sua lide muito aficada e acharom-se ambos

no campo e derom-se das lanças e for a terra. E ali faziam uuns e

outros de todas as partes muito pera livrar aquele com que veera. E

estando assi a lide muito aficada, chegou D. Egas Gomez de Sousa e

D. Gomes Meendez Gedeam, e os filhos de D. Egas Moniz, de riba de

Douro, e livrarom D. Gonçalo Meendez e puserom-no em uum cavalo.

E ali foi mais aficada a lide, assi que os mouros nom no puderam

sofrer e foram vencidos e morto D. Almoleimar e D. Gonçalo Meendez

chagado de chagas mortaes.

E os cristãos indo-se mui ledos pola vitória que houverom, como quer

que muitos deles desperecessem, oolharom per uum grã campo e

virom viir mil de cavalo quanto mais podiam. Este era Alboacém, rei

de Tânger, que passara aquém-mar por cobrar o castelo de Mértola,

que lhe tinha forçado um seu tio, o qual castelo fora de uum seu avôo

deste Alboacém. Este Alboacém quisera seer na lide primeira de

Almoleimar, e nom pôde, porque Almoleimar se coitou, rompendo a

alva.

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E disserom a D. Gonçalo Meendez em como aquelas companhas

vinham; e ele chamou tôdolos seus fidalgos e fez com eles sua fala:

"que sabiam em como fora voontade de Deus de leixar com eles D.

Afonso Henriques por guarda daquela frontaria, nom pelo ele

merecer, mas porque assi foi sua voontade; e que, como quer que

cada um deles esto mais merecesse, que lhes pedia por mesura que,

pois os mouros vinham tão acerca e em esto nom podia haver

conselho alongado, que lhe prouguesse de ele dizer em esto aquelo

que lhe parecesse‖. E eles todos louvaram-no, como aquele que era

muito amado deles; e disse-lhe:

Senhores, peço-vos um dom: que me outorguedes o que vos

quero pedir.

E eles louvaram-no, dizendo que nom podia seer cousa que ele

demandasse que eles nom outorgassem, ca bem certos eram que

nom demandaria senom todo aguisado e a sua honra deles. E porque

ele estava mal chagado e entendia em si que a lide não poderia

sofrer, por as grandes chagas que tinha no corpo, que lhe dera

Almoleimar, de que perdia muito sangue, de que enfraqueciam as

pernas e os membros, temendo-se do cavalgar com a fraqueza, o que

ele encobria mui bem a todos, pediu-lhes que, se ele desperecesse

naquela lide, que ficasse D. Egas Gomez de Sousa em seu logo, que

era de boom linhagem e de grandes bondades.

E eles responderom que Deus o guardaria de todo cajom e de todo o

perigo; e, se tal cousa acontecesse, que eles fariam como lhe ele

mandava

A D. Gonçalo Meendez se mudava cada vez mais a cara do rosto, e

entendeu sua fraqueza D. Afonso de Baião e disse-lhe que se

desarmasse e que se assentasse no campo, ca eles todos morreriam

ante ele ou venceriam. E ele disse que Deus nom quisesse que ele

escondesse sua força, enquanto lhe pudesse durar antre taes amigos.

E em esto os mouros vinham a grã pressa, como aqueles que tiinham

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que os cristãos achariam cansados e chagados da primeira lide que

houverom. E em esto disse D. Gonçalo Meendez.

Senhores, estes mouros vêm com grã loucura. Vamo-los receber!

Ali desarrancarom todos contra eles e nas primeiras feridas caiu D.

Gonçalo Meendez do cavalo, como aquele que estava já sem força. E

os fidalgos, que eram muito seus amigos, e estremados em bondade,

quando virom seu caudel, desejando sa vida sobre tôdalas cousas,

faziam cada vez melhor, crescendo-lhes as forças, como aqueles que

eram mazelados da perda de tal amigo que tiinham que já o nom

podiam vingar, se ali o nom vingavam.

E por esta grã força acendia-se cada vez mais e mais, como aqueles

que eram de grã coraçom. E de todas as partes do mundo em aquele

tempo esclareciam a sas bondades, das cavalarias que faziam. Ali se

espedaçavam capelinas e bacinetes e talhavam escudos e

esmalhavam fortes lorigas; e ferirom-se de tão dura força de

tamanhos golpes, que os cristãos da Espanha e os mouros que desto

ouvirom falar, dos talhos das espadas que naquele lugar forom feitos,

disserom que taes golpes nom podiam seer dados per homens. E esto

nom foi maravilha por assi teerem, ca i houve golpes que derom per

cima dos ombros, que fenderom metade dos corpos e as selas em

que iam e grã parte dos cavalos; e outros talhavam per meio, que as

metades se partiam cada ua a sua parte. E disserom que Sant'Iago

os fizera com sua mão; pero a verdade foi esta: eles forom dados por

os mui bõos fidalgos com ajuda de Sant'Iago, e os mouros virom-se

maltreitos, nom o puderom sofrer e forom vencidos.

E os cristãos perecerom melhor da quarta parte; e forom a D.

Gonçalo Meendez e acharom-no morto. E a tristeza e doo dos fidalgos

foi mui grande, e levarom-no muito honradamente. Ele era de idade

de noventa e cinco anos, e ali lhe puserom nome ―o boom velho

Lidador‖, como quer que o já ante chamassem, havia grã tempo,

―Lidador‖. E oolharom por as chagas que tinha e houverom per

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grande maravilha de lhe tanto durar a força, ca elas eram grandes e

estavam em lugares mortaes.

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0.3.1 - OS MAGOS NO ALTO DA TORRE

OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA NA FLORESTA

REÚNEM no alto da TORRE DO CASTELO

E numa noite límpida depois de um dia quente de um verão ardente

como são os do Alentejo, a assembleia dos Magos da Clareira

escondida na floresta decidiu reunir-se no terraço mais alto da Torre

do Castelo de Beja para não só poderem sentir as raízes do tempo e

da terra em que ela está solidamente enterrada, mas também para

poderem descortinar lá do alto, um tanto distanciados do barulho e

do burburinho do formigueiro que se agita pelas ruas e casas da

cidade, o sentido do tempo e da paisagem, o tempo e o espaço em

que os acontecimentos se passaram, como tentar penetrar nos sinais

da história que vive e constrói a sociedade actual. Além do mais,

gozava-se ali duma frescura paradisíaca! que qualquer um de nós

pode tentar sentir deixando-se vogar no mundo fantástico da

imaginação mesmo que esteja a ler estas páginas num dia tórrido de

calor ou num dia de frio gélido de Inverno...

Os ciganos irrequietos e imprevisíveis que ali se tinham escondido

para poderem desfrutar o panorama único de observar uma paisagem

mágica ao redor de todo o horizonte transfigurado pela luz difusa da

lua, arranjaram maneira de se dissimular entre a respeitável e ilustre

assembleia dos sábios. Passavam mesmo a ser aceites como

membros de tão luzidia assembleia, pois como era impossível

ocultarem-se aos olhos penetrantes dos magos da clareira escondida

na floresta, estarem ocultos e tentarem esconderem-se era o mesmo

que estarem presentes e a partilhar a discussão, ao menos como

ouvintes atentos e sedentos de tudo ouvir para melhor ver...

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Ouvimos, caras cofadas e comagos o relato comovente atribuído ao

infante D. Pedro, filho de D. Dinis, tentando ouvir os ecos das vozes

dos tempos medievais em que se enaltece a força e a coragem dum

velho Lidador de noventa e cinco anos que além de excepcional

combatente capaz de sobreviver aos golpes de Almoleimar ―que havia

tal força que em todo homem que pusesse a lança, nom lhe valia

armadura, que se lhe não quebrasse, que lha nom metesse pelo

corpo.‖ era um chefe igualmente excepcional que não se sentia digno

de comandar tão nobres companheiros de armas e, antes de morrer,

e para prevenir a hipótese lúcida da sua morte, ali, sem detença,

nomeia seu substituto a D. Egas Gomez de Sousa “que era de boom

linhagem e de grandes bondades‖.

Vem então uma segunda lide contra o imenso exército de Alboacém

em que, apesar de o Lidador cair logo no primeiro embate, é uma

hipérbole fantástica ao valor e força dos cristãos que só poderia ser

explicada pela intervenção do maravilhoso cristão dizendo os próprios

agarenos que desta luta ouviram falar ―que taes golpes nom podiam

seer dados per homens.” “...a verdade foi esta: eles forom dados por

os mui boos fidalgos com a ajuda de Sant'Iago‖.

É esta a verdade documentada do cronista medieval, à distância de

quatro ou cinco reinados!!!

Desta verdade medieval, o grande mestre da História e das Letras

que foi Alexandre Herculano talha com golpes de artista mestre mais

uma das suas espantosas Lendas e Narrativas em meados do século

dezanove filmando com rigor imbatível os homens de armas e suas

vestes, cavalos arreios e armaduras, como tenta dar-nos conta do

seu estado de espírito perante a luta de conquista em que estava

empenhada toda a península no afã de expulsar os mouros e impor a

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soberania dos senhores cristãos... que desde há quatro séculos

vinham descendo das Astúrias!!!

O que eram esta luta e estes tempos, só o podemos tentar

compreender lendo-o na mestria impressionante como o grande

mestre e escritor nos resume cinco séculos de história e neles retrata

Beja e estas batalhas que aconteceram no mês de Julho de 1170

quando “se viam ondear as searas maduras ainda não cegadas,

cultivadas por mãos de agarenos para seus novos senhores cristãos.

Regadas por lágrimas de escravos tinham sido esses campos, quando

em formoso dia de Inverno os sulcou o ferro do arado; por lágrimas

de servos seriam outra vez humedecidos, quando, no mês de Julho, a

paveia cerceada pela foice, pendesse sobre a mão do ceifeiro; choro

de amargura havia aí, como, cinco séculos antes, o houvera: então

de cristãos conquistados, hoje de mouros vencidos.”..."Nesta luta de

vinte geraçõoes andavam lidando as gentes do Alentejo.”... E oito

séculos depois?

Quem eram e quem são as gentes do Alentejo?

Quem eram e quem são os habitantes do ALENTEJO ou seja desta

Região que se estende desde a margem esquerda do Tejo até às

serras muralhas do Algarve?

Quem lhe pôs o nome?

Por quem, e por quê, e porque combatiam estes valorosos senhores

que até vieram de riba Douro e se envolviam em terríveis e

encarniçadas lutas enquanto as searas eram sulcadas regadas e

cegadas pelo suor e pelo sangue de servos e escravos que ora eram

cristãos ora agarenos vencedores?! Vem com certeza desses tempos

da reconquista o nome de além Tejo e do além Garbe, que depois se

estendeu até aos Além - Mar

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Mas, antes de nos adiantarmos, é a partir deste ambiente e dos

dados gerais recolhidos que temos de partir para perceber a História

ou a Lenda ou porque não, para tentar perceber a História através da

Lenda.

A mão de mestre, escritor e historiador de Herculano, dá-nos o filme

da movimentada campanha que celebrava os noventa e cinco anos do

fronteiro de Beja...

Baseado no relato atribuído ao infante D. Pedro, eis como Herculano

nos relato o filme daquele dia de Julho de 1170...

―Trinta fidalgos, flor da cavalaria, corriam, à rédea solta pelas

campinas de Beja; trinta, não mais, eram eles; mas orçavam por

trezentos os homens de armas, escudeiros e pajens que os

acompanhavam.‖

Aí está Herculano, no século dezanove, depois de ter lido aquela

crónica e com os conhecimentos de história medieval em que era

mestre, a relatar-nos, para vermos em directo, um típico fossado de

uma trintena de cavaleiros e seus homens de armas... logo a seguir a

esta corrida inicial, o recontador do episódio vai focar a figura e feitos

dos que mais avultavam entre o pequeno exército cristão e os

poderosos chefes árabes que comandavam uma extensa e profunda

linha de cavaleiros mouros... que depois de vencidos foram

socorridos por Ali-Abu-Hassan ―que viera com mil cavaleiros em

socorro de Almoleimar.‖...

É preciso ler, ler de novo aqueles impressionantes nove capítulos

pintados com letras pelo magistral Herculano e depois... depois ver,

ver de novo o filme devidamente enquadrado no seu tempo medieval,

recuando seis, sete séculos, e levar-nos ainda mais cinco séculos

para trás do início da nossa nacionalidade como Portugal, caminhar

talvez mais para trás até aos tempos dos romanos e Lusitanos e mais

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ainda... para apreendermos as nossas autênticas e profundas

raízes... Terá sido este o motivo que levou Herculano a reconstituir,

rescrevendo-a, esta última lide do Lidador?

Quem somos afinal e para onde vamos?

Pelo nome - ALENTEJO - somos possivelmente os herdeiros dos

conquistadores que baptizaram desde há longo tempo estas terras

com o ferrete dominador e colonizador de distância e exploração.

Quem, senão uns senhores vindos do norte, podiam conceber o nome

de Além-Tejo? Só podia ser além do Tejo para os cristãos poderosos

que vieram do Norte, das Astúrias, dos Montes Cantábricos e do

Nordeste, vindos das Castelas e das Gálias, com toda a carga de

séculos de vingança contra os árabes ocupantes.

Já antes, estas mesmas terras, tinham sido possivelmente Terras de

Além-Mar para os sarracenos que vieram do Norte de África e do

Oriente. Antes destes, já tinham sido cobiçadas pelo Império Romano

que, no coração do Alentejo, apelidou esta Terra de Pax Julia que

passou sucessivamente a Paju - Baju - Beja, tudo isto a marcar as

sucessivas ondas de ocupantes e conquistadores que por aqui

passaram.

Ou, seremos os sucessores dos povos primitivos que aqui viveram e a

quem pertencia esta terra? Desde quando?

Quem foram eles? Quem somos nós?

Interrogações angustiantes mas de difícil resposta. Somos com

certeza uma mistura em que os primitivos e os sucessivos invasores

se amalgamaram e onde houve sempre grandes senhores, poucos,

mais ou menos trinta, servidos por um punhado de homens de mão,

que punham à sua disposição a multidão de escravos que era toda a

população que procurava viver da terra e do trabalho, fossem seus

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senhores cristãos, visigodos, agarenos ou cúneos... Cada grupo

esperava os seus salvadores, e a cada grupo de salvadores que

chegava sucedia-se a reciclagem dos servos e dos escravos que

justificava, para os salvadores, o trabalho de os terem libertado. E,

na base da pirâmide social, permaneceram e permanecem sempre os

que servem de alicerce e base para que essa pirâmide se mantenha

de pé. Até quando? Até descobrirem que a podem fazer desmoronar

por completo. Mas isso seria o caos e a desordem completa e a

sociedade cairia na anarquia ineficaz, como defendem os mentores da

ordem estabelecida, mesmo a seguir a uma espécie de revolução e

mudança como pode ser visto por numerosos episódios da história

como este em que o Lidador nos libertou dos poderosos opressores

mouros...

E se fossemos dominados pelos mouros? Leríamos nós agora na

história e nas lendas que tínhamos sido libertados dos temíveis

opressores cristãos, por um heróico Almoleimar ou Albuassén?!...

Que blasfémia meu Deus, quando pretendemos que as lendas e as

histórias tenham um fim educativo e formativo e preparem as nossas

crianças e jovens para a sociedade em desenvolvimento...

É exactamente por isso que queremos deixar aqui as pistas possíveis

de análise e desmistificação dos nossos mitos mais mitificados, para

que dando a possibilidade de as nossas crianças e jovens e adultos se

formarem na libertação de todos os preconceitos e tabus absurdos,

tenham a possibilidade de construir um Mundo Melhor com um

Desenvolvimento gratificante para a Humanidade no seu Global em

que todos, todos os seres humanos possam participar consciente e

responsavelmente conseguindo o máximo da sua realização pessoal

na sociedade a que pertencem e que, afinal, é a Humanidade na sua

globalidade de Tempo e de Espaço.

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Claro que estas tiradas fastidiosas e quiçá de difícil deglutição, eram

achegas de diversas fadas e magos, de sábios mais experientes e

doutros menos maduros e letrados, mas todos a contribuírem para

uma descoberta do que se pode ler através dos acontecimentos e dos

tempos e, ainda por cima, com a fragilidade perigosa de os relatos

serem relatos narrados, contados, descritos, e portanto nascidos de

uma ficção que pode tentar dar-nos a realidade na sua totalidade

mas que todos sabemos que é impossível e daí a sua fraqueza e a

sua grandeza quando se trata de uma autêntica obra de arte nascida

do génio popular ou erudito, porque o génio humano não está

dependente dos aprendizes de feiticeiro que procuram castrar a

criatividade humana.

No meio disto tudo o nosso simpático e sequioso par de ciganos de

olhos esbugalhados a olhar para o modo como os outros povos e

outras raças tentam conhecer-se e exprimir-se e exprimindo-se

conhecer-se e dar-se a conhecer, estavam pura e simplesmente

boquiabertos por lhes parecer incrível serem precisas tantas

discussões e discursos para descobrirem as fraquezas e virtudes tão

evidentes e observáveis da Natureza Humana que não é só deste

povo desta região como de todas as outras...

É ver como eles ciganos chegados de fora são acolhidos quando

chegam a uma região estranha... como afinal são todas por onde se

movimentam, ou não é nenhuma, porque eles vêm e são das Terras

de Santa Maria e Todo o Mundo e têm as suas raízes e a sua

liberdade nos seus costumes, tradições e leis que, vistos de fora,

parecem incrivelmente coercivos e limitadores...

Então, ou chegam desprotegidos e discretos e podem ser tolerados,

ou chegam como poderosos e ricos senhores e serão aceites e

imporão as suas actividades e até as suas extravagâncias...

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É afinal o mesmo que acontece com os habitantes de origem ou aqui

radicados! Ou jogam o jogo dos interesses do poder estabelecido, ou

continuam ou passam a ser o sustentáculo dos que se querem

arvorar em salvadores do povo e perpetuar a exploração, a

colonização e o aproveitamento só para alguns, das capacidades da

região e das suas gentes.

Claro que não há os servos da gleba nem escravos nem torturados

em masmorras da Idade Média... Mas há o isolamento, a falta de

estímulo, o desprezo, a falta de motivação para trabalhar, a falta de

poder de compra, a sobrecarga de trabalho repetitivo e monótono, a

falta de diálogo... com todo o cortejo de meios refinadamente

destrutivos quer económica, quer física, quer psicologicamente...

Tantas pistas de leitura a partir de um simples relato de um episódio

medieval?

Nós diremos: Tão poucas!!!

A participação de todas as ciências sugeridas pela Escola dos Magos

da Clareira Escondida na Floresta e o contributo da Hermenêutica e

da Semiologia para analisar todas as pistas dos Signos Símbolos e

Índices que um texto nos revela poderia levar-nos à recriação de um

TEXTO tecido de fios e cores realizando uma textura de variedade e

beleza insuspeitadas...

Assim, são só algumas pistas que deixamos abertas para

caminharmos de descoberta em descoberta na prossecução de uma

Verdade que, porventura, pensávamos que já tínhamos adquirido...

Vamos sair daqui, que já temos uma parte bem boa do tesouro das

Lendas e Tradições e da História deste povo para lha devolvermos

inteira ficando nós e eles muito mais ricos... gritaram mudos os

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ciganos, a ladina Cigana Mariana e o vivaço Cigano Castanho,... e

ala! que se faz tarde e já ganhámos a noite, que é, como dizem os

outros: Já ganhámos o dia! Vamos mas é ainda saber de outros

episódios e acontecimentos que se deram neste Castelo e nesta Torre

altaneira e dominadora que se ergue acima da planície por luas e

léguas ao redor, e muito tem ouvido ou visto deste estratégico ponto

de observação e muito tem para nos contar ou mostrar de tudo o que

deu conta através deste Espaço imenso e dos Tempos e Ventos que

sopraram...

Há por aí a História de uma Revolução contada por um conversador

espantoso que escrevia para as pessoas ouvirem e verem aquilo que

dizia. Parece que um tal senhor Fernão Lopes que nos relata como se

fosse um cinema impossível de fazer nos filmes o que se passou

nesta cidade de Beja e com as suas gentes... Mas os acontecimentos

não começaram aqui e por esta semana já chega, e vamos à vida que

também precisa de comer, de beber e Amar...

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3.02 - REVOLUÇÃO EM BEJA – 1383/1385

CAPÍTULO 42

DA CRÓNICA DE EL-REI D. JOÃO I DE BOA MEMÓRIA

de FERNÃO LOPES

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A INSURREIÇÃO NA PROVÍNCIA

COMO FOI TOMADO O CASTELO DE BEJA

E MORTO O ALMIRANTE MICER LANÇAROTE

Quando foi morto o conde João Fernandes e feito o

levantamento de Lisboa, a rainha mandara as sua cartas pelo Reino,

tanto aos Alcaides dos castelos como aos notáveis das vilas e

cidades, queixando-se do que havia acontecido, e dizendo-lhes como

haviam de proceder na aclamação de D. Beatriz sua filha, rainha de

Portugal. E escreveu também a El-Rei de Castela que tratasse de vir

depressa ao Reino. Já então, como adiante podereis ver, ele estava

na Guarda.

De modo que, tanto por causa da sua vinda como por os mais

dos fidalgos do Reino estarem do lado da rainha, foi levantada voz e

pendão por sua filha, na forma como ela escrevera nas suas cartas.

Mas esta aclamação era dura de ouvir à gente pequena dos lugares. E

não podendo os pequenos opor-se às grandes pessoas, consumia-se-

lhes o coração de angústia, consentiam-no com medo e temor contra

o qual não tinham defesa.

Assim aconteceu em Estremoz: quando João Mendes de

Vasconcelos, primo da Rainha D. Leonor, que naquele tempo tinha o

castelo, mandou aclamar a rainha D. Beatriz, e trouxeram o pendão

pela vila. Lopo Afonso e Lourenço Dias, com alguns outros do lugar,

como viram que o outro povo estava agitado e descontente com tal

feito, logo disseram que era preciso pôr na praça um cepo e um

cutelo para decepar os que se opusessem ao que eles faziam.

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E, durando esta divisão nos corações de uns e de outros, foi

sabido pelo Reino como o Mestre assumira o encargo de Regedor e

Defensor dos Reinos e como tomara o castelo de Lisboa e o tinha em

seu poder. E a alguns do Reino que disto souberam parte aprouve

muito, especialmente aos povos miúdos; a outros, diferentemente,

que estavam da parte da rainha pesava assaz, posto que pensassem

que tudo isto era em vão.

Ora aconteceu que em Beja estava por alcaide Gonçalo Vasques

de Melo e tinha o castelo em nome da rainha. Nisto escreveu outra

vez a rainha suas cartas ao concelho de Beja para que não deixassem

de ter voz por ela e, se acontecesse El-Rei de Castela vir por ali, o

acolhessem na vila sem nenhum receio nem temor, porque ele os

defenderia de quem quer que lhes quisesse fazer mal e lhes faria por

isso muitas mercês.

Recebidas as cartas pelos principais do lugar, mandaram deitar

pregão pela vila que todos no outro dia fossem ouvir recado de cartas

que sua senhora a rainha mandara. No dia seguinte juntaram-se

Estevão Mafaldo e João Afonso Neto e mestre João e Rui Pais Sacoto

e Mendes Afonso e outros notáveis do lugar; apartaram-se todos à

porta pequena de Santa Maria da Feira e começaram a ver aquilo que

a rainha lhes escrevera.

Era muito o povo que estava pelo adro, aguardando que lhe

dissessem que novas eram aquelas que a rainha mandava dizer. E,

sentindo-se apertados os corações de todos, disse um que chamavam

Gonçalo Ovelheiro para os outros:

Não está agora aqui ninguém que vá saber que cartas são

estas, ou que recado é este que a rainha manda?

Falou então um bom escudeiro a que chamavam Gonçalo Nunes

de Alvelos, que não era dos grandes nem dos mais pequenos, e disse

para Vasco Rodrigues Carvalhal:

Queres-me tu ajudar e iremos saber que cartas são estas?

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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E ele disse que lhe aprazia. Então juntaram-se com eles até uns

trinta e chegaram até onde estavam aqueles notáveis. Falou Gonçalo

Nunes e disse:

Que cartas são estas que vós assim ledes de que nós não

sabemos parte? Porventura esta vila se há-de manter e defender por

quatro ou cinco que vós aqui sois? Certamente não, mas por nós

outros que cá moramos.

Disse então Estevão Mafaldo.

Que união é essa com que vós assim vindes?

Respondeu Gonçalo Nunes dizendo:

Isto não é união, mas queremos saber que cartas são estas.

Falou então Mendes Afonso e disse que ele perguntava bem e

era razão que as vissem. Então se meteram todos os notáveis no

Paço do Concelho, e parte dos outros com eles, e, lidas as cartas,

deram-nas a um tabelião que as publicasse aos de fora.

E ele saiu a eles e disse-lhes:

Amigos, o feito é este, eu não sei para que mais me deter

em ler o que aqui vem. A conclusão é esta: se quereis antes ter com

a rainha ou com Mestre.

E eles responderam todos a uma voz, dizendo:

Com o Mestre! Com o Mestre!

Esses maiorais, quando isto ouviram, partiram-se logo cada um

para sua pousada e não ousavam mostrar-se.

Eles nisto, sem mais tardança, viram aparecer gente de armas

no Castelo.

Então começaram todos a bradar:

Levanta-se o castelo! Levanta-se o castelo!

Gonçalo Nunes cavalgou à pressa e os outros todos se foram

armar e começaram logo a atacar o castelo. O alcaide, quando isto

viu, pôs fogo a duas torres em que estava muita munição, para os da

vila se não aproveitarem dela, no caso de ser o castelo tomado; e, os

de dentro, defendendo-se rijamente e ferindo alguns dos atacantes,

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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puseram os da vila fogo às portas do castelo, e logo que estas

arderam entraram dentro numa quarta-feira a horas de comer. E o

alcaide foi levado e posto a salvo por amigos seus.

Gonçalo Nunes e Vasco Rodrigues apoderaram-se logo do

castelo e aclamaram o Mestre, rondando e vigiando a vila, em nome

dele, com as portas fechadas.

Estando assim a vila vigiada, chegou alguns dias depois, de

noite, um homem de Campo de Ourique, montado numa égua, e

falou aos da vigia para que dissessem aos que tinham a cargo reger a

vila que naquela tarde chegara Micer Lançarote a um lugar chamado

Os Colos, que era dali nove léguas, a caminho de Odemira, que é no

reino do Algarve, para levantar esta região e aclamar El-Rei de

Castela.

Quando isto soube, Gonçalo Nunes tomou consigo cinquenta

homens de cavalo, cem besteiros e peões. Caminharam toda a noite

de modo que chegaram a Os Colos ao alvorecer. O almirante e os

seus tinham já selados os cavalos para partirem; e assim armados

como estavam foram todos presos, com mouros e mouras e azêmolas

e quanto haver levavam. Aos homens tomaram as armas e os

animais e deixaram-nos ir, e o almirante veio para a vila montado

numa mula.

Chegado aqui meteram-no na torre de menagem, dizendo ele

afincadamente a todos:

Amigos, mandai-me bem preso a arrecadado a meu senhor o

Mestre, e não me queirais matar sem porquê.

Eles respondiam que no tivesse medo. E enquanto Gonçalo

Nunes foi levar ao Mestre tudo quanto tinham tomado ao almirante,

os da vila, receando que ele se levantasse com o castelo, foram lá

todos um dia e disseram a Vasco Rodrigues que ficara a comandar o

castelo que o pusesse cá fora. Vasco Rodrigues, receando-se deles,

retirou-se para sua casa e deixou-o na torre.

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O almirante quando viu isto começou a defender-se o melhor

que podia; e bradando-lhe eles que viesse cá abaixo e não tivesse

medo, assim o fez. Mas pensando encontrar neles piedade e

compaixão, foi morto de má e aviltante MORTE. Assim acabou os

seus últimos dias. "... os seus postumeiros dias.”

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img023 – o largo de Santa Maria da Feira com o Castelo em fundo…

“...apartaram-se todos à porta pequena de Santa Maria da Feira e começaram a ver

aquilo que a rainha lhes escrevera.” p. 246

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0.3.2 - ...os magos… observam agora a história, do

alto da torre do castelo…

… os magos da clareira escondida na floresta observam agora a

história, do alto da torre do castelo, descendo até à profundidade de

1383, 1385; e, guiados pelo magistral-prodigioso-sedutor FERNÃO

LOPES, levam-nos pela mão para ver e ouvir. e para ouvindo e lendo,

assim ficarmos envolvidos e avisados pela história ...

Os magos que a anteriormente se tinham reunido no alto da

torre do castelo para daí observarem o nascimento da nossa

nacionalidade como povo, nos tempos de D. Afonso Henriques o

conquistaDOR, o fundaDOR, e do seu homem de confiança e fronteiro

de Beja: o lidaDOR, acharam que não havia melhor ponto de

observação para olharem e ouvirem os tempos e os espaços que

correram duzentos anos depois, tão vivamente relatados por Fernão

Lopes, do que O ALTO DA TORRE DO CASTELO...

Aí o vamos encontrar a si, caro leDOR, na companhia da Cigana

Mariana e do Cigano Castanho, a tentar ler connosco a DOR e todos

os sentimentos que moveram estes personagens destas histórias.

Com que DORES lidaram eles para realizarem os seus feitos? O que

era para eles a DOR? A HONRA por exemplo? O ÓDIO? O AMOR? Que

DORES conquistaram? Em que DORES e VALORES fundaram a sua

vida e o país que nos deixaram?...

Por sorte temos a guiar-nos o mago do visualismo, dum tempo

em que nem o cinema nem o vídeo existiam e ainda bem, pois creio

que não conseguiriam guiar-nos com a mesma leveza e profundidade

como este mago das palavras, consegue fazer com a sua escrita...

Escrita feita para ouvir e ver, mesmo para analfabetos que eram a

maioria dos portugueses do seu tempo, Fernão Lopes leva-nos a ver

e a ouvir a história, não a sua escrita ou a sua história, e assim, pega

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no leitor vedor-ouvinte, obrigando-o livremente a ver porque, ele até

pode fechar os olhos e os ouvidos, e depois, a ficar sem remissão

envolvido na história, mesmo os que fecharam os olhos e os ouvidos,

porque como seres sociais terão de ficar comprometidos... Não se

pode ler Fernão Lopes e ficar como espectador indiferente. Tem que

se ficar participante. Ou antes, só os que se sentem participar na

história, intervenientes da história do seu tempo, podem entender

Fernão Lopes e os acontecimentos da Época que ele relata...

Ora esguardai, como já dantes vistes e ouvistes, aquilo que

se passava naqueles tempos por todo o Reino de Portugal e de

Castela. Não era uma luta de independência ou predomínio entre reis

e senhores que queriam o seu reino e a sua independência!... A

própria rainha queria entregar seu Reino ao Reino de Castela! Do que

se tratava no fundo, naquele tempo como agora, era de um Povo que

queria o seu espaço e a sua terra para viver nela em Liberdade e

realização... dizia uma das fadas que aprendera a ler a história

através dos tempos. Pouco ganharam com isso é verdade, porque

a história que nos relata REVOLUÇÕES, relata-nos sempre as

fraquezas e desvarios que aconteceram quando o poder cai na rua e

é apanhado pelo povo abandonado e oprimido que não cresceu a

saber usar a sua liberdade e se comporta como criança ingénua e

incapaz de assumir responsabilidades... Comete todo o tipo de crimes

e loucuras e... nem tem tempo para ver e se arrepender como ÉDIPO

da lenda, que ao descobrir que tinha morto o seu pai e dormido com

a sua mãe, fura os olhos com alfinetes e coberto de andrajos,

abandona Tebas onde reinava como senhor todo poderoso!

Como criança abandonada que não dá conta dos crimes que comete,

aparecem logo os educadores responsáveis e previdentes que, mais

ou menos rapidamente, e com mais ou menos violência, metem tudo

de novo na ORDEM que lhes convém e tudo volta à normalidade...

não fosse o povo ter tempo de, com o tempo, poder aprender alguma

coisa para saber usar o poder... Isto é sabido pelos grandes que,

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como vimos no relato da página cento e sessenta, cento e sessenta e

um embora lhes pesasse a alegria dos povos miúdos dos lugares, iam

pensando que tudo aquilo seria em vão...”E a alguns do Reino que

disto souberam parte aprouve muito, especialmente aos povos

miúdos; a outros, diferentemente, que estavam da parte da rainha

pesava assaz, posto que pensassem que tudo isto era em vão.”

Porquê? Porque aqueles que se apoderam do poder e da força do

povo podem e ou procuram poder ter o tempo de poder cometer os

erros que quiserem para adquirirem experiência e rodagem para

manobrar... pois ninguém nasce predestinado para se instalar seguro

no poder... nem os reis!

Para vermos isto acrescentaram outros e outras

intervenientes daquela assembleia de magos da clareira escondida na

floresta que estavam reunidos no alto da torre do castelo mestre

Fernão Lopes dá-nos em resumo uma visão global do que se passava

em todo o reino, não esquecendo o que já relatou desde o início, pois

vamos no capitulo 42 duma primeira parte que tem 193 capítulos em

que, depois, o mestre da escrita visual nos faz passar visceralmente

pelas tribulações e padecimentos que passou o povo de Lisboa

durante o cerco montado pelo rei de Castela e como resistiu e

finalmente como o Mestre de Avis foi aclamado Rei e nomeou

Nun‘Álvares como condestável do Reino; e uma segunda parte com

203 capítulos em que a luta pela independência culmina com a

Batalha de Aljubarrota em que nos relata, em resumo, como poucos,

muito poucos, cheios de medo, mas unidos e bem comandados

podem muito; e muitos, mesmo muitos, com diversos interesses e

mal comandados podem muito pouco e são derrotados! Daí até se

confirmar a nossa independência e este povo se lançar nos

descobrimentos, entraram as negociações, e os grandes chefes e

senhores retomaram os seus poderes e posses ou foram substituídos

por outros, e até a inquisição foi pedida pelos reis para meter na

ordem os mais arredios e tornar mais fácil o engrandecimento da

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riqueza e poder dos mais poderosos, e... dominado o povo e

democratizado... lá se continua a escrever a história... mesmo com

os erros e crimes dos poderosos e tiranos...

É aqui, neste enquadramento, que encaixa a leitura do capitulo

42 da Crónica de El-Rei. João I de Boa Memória de Fernão Lopes.

Tendo em conta o que se passava em todo o reino, o relato do

que se passou em Beja é um sério aviso contra as falsas ilusões! É

ver como, nos capítulos imediatos à revolução em Beja, Fernão Lopes

nos leva a observar o que se passou em Portalegre e Estremoz, e

como o povo era intimidado e se revoltava. Mostra nos logo a seguir

e ao mesmo tempo, os desatinos que se cometeram em Évora e

levando-nos depois até ao Porto e por aí adiante até ao Cerco e a

aclamação do Rei e à distribuição de favores, poderes e riquezas...

que vão criar os alicerces da nova dinastia da época em que Portugal

se vai lançar pelo Mundo a descobrir...

A chegada das cartas a Beja e os processos democráticos

usados pelos dirigentes para as dar a conhecer, vão precipitar os

acontecimentos e permitir, pelo menos aparentemente, a realização

de uma quase ilusão: que o povo toma o poder…

A repressão e violência que vai ser preciso para meter tudo de novo

nos eixos, sabemo-lo, ou só podemos adivinhá-lo um pouco pela

história que se seguiu e pelo latifundismo e morgadio que imperaram

ferozmente nos séculos seguintes aqui no Alentejo... Basta ver A

História da Inquisição em Évora, do Professor Borges Coelho, ou

ler/ver a história das Casas de Avis e Bragança e, por exemplo, a

Seara de Vento de Manuel da Fonseca, ou o Levantado do Chão de

José Saramago, para se ter uma ideia.

O episódio da morte de Mice Lancerote, como o caso da morte

do Bispo em Lisboa, como a morte da abadessa de Évora, são os

factos vivos, viva e emocionantemente relatados, índices ou signos

de todos os desatinos e desvarios de que um povo sem maturidade

pode cometer em todos os tempos... mesmo na revolução russa...

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mesmo na revolução chinesa... mesmo no vinte e cinco de Abril...

mesmo na independência prematura com décadas de atraso das

colónias províncias ultramarinas que não estavam preparadas para

assumir as suas riquezas e os seus valores, para justificar que todos

os povos de ALÉM-MAR-TERRA-TEJO-GARVE-DOURO ou outros, como

quaisquer outros que não sirvam interesses centrais, não estão

preparados para assumir a sua independência e a assumir os seus

valores e a sua cultura, e assim as regionalizações vão ser

implementadas por pessoas devidamente escolhidas e preparadas,

como o caso das televisões e rádios e universidades e Alquevas...

para que, com uma farsa bem montada de pretensa regionalização, a

colonização perdure e se perpetue, embora com processos mais

refinados e democráticos... Porque, inquisição, não; mas

saneamentos sim. Condenações à morte e prisões, só algumas; mas

desprezo, marginalizações, falta de meios, falta de condições de

trabalho, boicotes, impedimentos, falta de implementação de

trabalhos que vão fundo na recolha e estudo dos valores regionais e

locais... isso continua, mesmo à beira do ano dois mil e da

aproximação de uma entrada solene e ao mesmo tempo boa e

perigosa na comunidade europeia!!!?... Essas coisas locais e

regionais continuam a ser estudadas pelas universidades distantes in

competentes, em nome da competência, por doutores distantes ou

génios que tudo abarcam, sem uma implantação séria, válida e

visceral que promova, imparavelmente, o desenvolvimento com a

afirmação dos valores de cada Região!

Como o Esopo das fábulas, o escravo a quem é prometida a

liberdade a troco da obra que tinha criado, perguntamos aos que nos

oferecem a liberdade, sem nos permitirem alcançá-la por nós:

Onde tendes preparado o precipício para os homens livres? -

E, a pé, sem guardas, nem ajudas, caminhou sozinho!...

Há quem nos acuse de abusarmos em análises e

interpretações disseram umas fadas e uns magos, já cansados.

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São muitos e complexos os sinais das lendas e história. Parece que

assim fechamos portas possíveis à leitura e leituras que as pessoas

podem fazer...

Não fechamos, caras cofadas e comagos. Em vez de

fecharmos uma, desafiamos as pessoas a abrirem mil...

E o mais grave, é que ainda hoje, passados mais de seis séculos

depois de 1383/5 e passados mais de vinte e cinco séculos, depois de

Esopo, ainda há Escolas, Ministérios e Serviços de Cultura que

oferecem trabalho e condições de subsistência a pessoas a troco da

sua liberdade de pensar e da sua criatividade!

E ainda há quem responda: onde tendes preparado o

precipício para os homens livres? comentou um desconhecido que

tinha ficado toda a reunião em silêncio! - Há de facto, ainda hoje, mil

portas por abrir...

...

Quer dizer que nós, é que vamos ter de ler o que significam

todas estas coisas? perguntou a cigana Mariana.

É isso mesmo, - respondeu o Cigano Castanho, muito

pensativo preocupado.

Mas a mim falaram-me da história, duma mulher que se

chamava MARIANA como eu.

Também já ouvi falar, mas não sei quem é. Fala-se mas é

dumas CARTAS que ela se calhar nem escreveu!...

Então, lá teremos de tentar ler as CARTAS DA MARIANA,

disse a cigana Mariana...

A janela dela, dizem, é aquela do convento que dá ou dava

aqui para as portas de Mértola... Vês! Aquela lá por cima do terraço...

... Ainda um dia me hei-de ir sentar junto às grades daquela

janela e tentar perceber os amores daquela Mariana... – disse a

cigana, que também era Mariana, com os olhos revirados de ironia...

...

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3.03 - MARIANA ALCOFORADO - A FREIRA DE BEJA

a realidade as cartas e a lenda

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3.03.1- MARIANA ALCOFORADO – a história possível…

A FREIRA DE BEJA

uma realidade semelhante a tantas outras

No ano de 1640, ano em que ia acontecer a Restauração em

Portugal, numa casa que dá de esquina para rua do Touro, e se abre

para a Praça D. Leonor e para o Largo que tinha a antiga capela de S.

João, nasceu uma menina a que puseram o nome de Mariana. Já

tinha uma irmã, Ana, dois anos mais velha e, até 1649, ainda

nasceram os irmãos Baltazar, cinco anos mais novo, Catarina e

Miguel, nove anos mais novos, e depois de ela já estar no convento,

a família ainda foi abençoada com mais três rebentos, o Francisco,

quando Mariana tinha quinze anos, Filipa, três anos depois e Maria, a

Peregrina, quando a freira fazia vinte anos e já tinha nove de

convento e quatro de profissão religiosa. A feliz família era dos

Alcoforados que, pelos dados que temos, não seria dos maiores nem

dos mais pequenos, mas não fugia, até por isso mesmo, à instituição

dos Morgadios.

Como muitas vezes acontecia nesta época, o filho mais velho

conservava a herança paterna, o património familiar, que devia

conservar e se possível aumentar com um bom casamento; os outros

irmãos seguiriam a carreira das armas ou a vida eclesiástica, e as

raparigas?, ou a família conseguia um casamento rico ou estavam

destinadas ao convento. Foi para isso, aliás, que foi criado o

Convento de Nossa Senhora da Conceição em Beja (1459?-1890?)???

Foi sobretudo por isso? Parece podermos deduzir que foi criado para

que as boas famílias vivessem na Paz e na Prosperidade! Assim esta

feliz devota e razoavelmente próspera família, cedo destinou o futuro

à gentil menina que não seria muito feia, mas não teria a beleza

esplendorosa que viesse a desencantar um príncipe encantado. Aliás

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já tinha uma irmã mais velha e, aos nove anos, já tinha pelo menos

dois irmãos varões para que a ilustre família tivesse assegurados os

Bens e a continuidade.

Assim, Mariana entrou aos 11 anos, 1651, para o Convento de

Nossa Senhora da Conceição, onde professaria cinco anos mais tarde,

partilhando a comunidade com as freiras, na sua maior parte também

de boas e até ricas famílias que ali estariam, não por vocação ou

devoção, mas por desgostos de amor, algumas? poucas!, mas como

já podemos calcular, sobretudo por determinação paterna que tinha

de zelar escrupulosamente pela manutenção ou aumento dos

rendimentos familiares e não pelo seu esbanjamento, como

aconteceria se fosse dada em casamento a algum digno pretendente,

ainda por cima, com dote adequado!!! Nestas circunstâncias, é

evidente, que para estas senhoras, viverem entregues à sua fé e

fervor religiosos, teriam a servi-las uma quantidade de devotas e

fervorosas religiosas que, por vocação? (provocação? ou porbocação),

ou devoção?!, ou obrigação!? mais ou menos voluntária, assim

fugiam ao duro trabalho das classes mais baixas. Seguindo ainda a

mesma ordem de raciocínio ou de juízos temerários que estamos a

desenvolver, haveria tudo a esperar destas santas devotas: um

misticismo religioso assoberbado a sublimar as frustrações

recalcadas, ou então os devaneios fantásticos a dar asas aos sonhos

e inclinação natural para o casamento e a maternidade!!!

Mariana só dali viria a sair, se é que se pode chamar sair a

saída para o cemitério que era debaixo das lajes que vieram a ocupar

duas quadras do convento, com 83 anos de idade, quando morreu

em 28 de Julho de 1723.

E ali ficaria, ilustre e desconhecida, como aconteceu à grande

maioria de ilustres desconhecidas irmãs que durante quase quatro

séculos e meio, mais de vinte gerações, passaram pelo Convento de

Nossa Senhora da Conceição de Beja, não fossem as célebres CINCO

CARTAS a gritar o encanto dos amores que teria tido a dita de

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experimentar, breve e apaixonadamente, e foi ela que as escreveu de

facto, tempo e meios não lhe teriam faltado, ou lhe foram atribuídas

por um genial editor ou, como se insinua, pelo feliz e galanteador

amante!?

Terá desempenhado variadas funções durante os longos setenta

e dois anos que passou no Convento: foi escrivã e vigária como

depois se verificou por variados documentos; teria sido porteira,

como dá a entender numa das suas cartas, mas a título passageiro e

como meio de cura; e consta que chegou a ser proposta para

abadessa em 1709, quando já, só? tinha sessenta e nove anos, mas

teria sido insuficientemente votada.

Perante tão enigmática e vulgar personagem, valerá a pena

perder tempo a dar uma espreitadela sequer pelas famosas ou

famigeradas cartas?

Só vale a pena fazê-lo, se conseguirmos decidir a tempestuosa

questão em que tantos e tão ilustres autores se envolveram?

Por mim, tenho a impressão que não. As cartas existem. Valem

pelo que valem independentemente do verdadeiro autor. São, de

qualquer maneira, um espectacular simulacro do real. A prova é a

discussão acesa que levantam. Se são de Mariana, no original em

francês ou traduzidas e retocadas, são um bom exemplar de

epistolografia íntima que muitos escritores gostariam de subscrever.

Se foram inventadas, então, terão de ser geniais. São porventura,

não o grito de uma freira, mas um grito tão grande e tão profundo de

centenas, de milhares de mulheres, talvez de homens e mulheres de

uma região, de um povo, humilhado, oprimido, refinada e

hipocritamente sacrificado com o apanágio de uma “vocação entrega”

superior!!! e fundamentalmente por interesses mesquinhos, valores

indiscutíveis de uma época! ou da nossa época.

É, porventura, isto, ou algo de mais profundo que é preciso ler

nas cartas, e não, penso, e sobretudo, a questão da origem e da

originalidade...

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É isso que vamos tentar ler nas CARTAS.

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img024 – mariana! (a partir de desenho…)

―E ali ficaria, ilustre e desconhecida,... não fossem as célebres CINCO CARTAS A GRITAR...‖ p. 261 Desenho decalcado a partir de um desenho de Matisse? ou de ?, difundido pelo Museu Rainha D. Leonor, de Beja, nos anos oitenta (86/87?).

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3.03.2 - MARIANA ALCOFORADO – as cinco cartas…

A FREIRA DE BEJA

as cinco cartas que são uma explosão poética de uma imensidade de

sentimentos humanos... ou finge/dores

Nada mais se saberia desta freira de Beja e nem talvez este

pouco se soubesse, como aconteceu com centenas de suas irmãs que

por lá passaram durante anos e anos (cerca de 430 anos de 1459? a

1890, pois, entre 1892 e 1897, teria sido quase totalmente derrubado

juntamente com a antiga residência dos Duques de Beja - O Paço dos

Infantes - que lhe era contíguo);

... nada mais se saberia da Freira Portuguesa, dissemos, se, em

1669, quando ela teria 28, 29 anos, não tivessem aparecido, em

França, as Lettres Portuguaises, que seriam a tradução de cinco

cartas suas dirigidas ao seu amante o Cavalheiro Chamilly, (que teria

nascido por volta de 1625 e teria na altura do romance os seus 42/43

anos, um respeitável quarentão) - ou teriam sido escritas em francês

logo no original? - que durante uma breve estadia em Beja ao serviço

do seu rei e da Restauração do Reino de Portugal ( entrou em

Portugal em 1663 fazendo parte de um grupo de franceses que se

juntou aos ingleses chamados por D. João IV, tendo entrado em

vários combates e Batalhas, e em Beja, deve ter estado depois das

Batalhas de Poymoio e San-Lucar, Agosto de 1666, tendo, em

Setembro de 1667, ainda tomado parte no ataque ao castelo de

Ferreira e depois retirado para França. Teria, portanto, durante o

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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tempo que esteve por aqui sediado, partilhado os favores desta

ardente mulher e pode-se gabar de ter despertado a maior paixão do

mundo como ela diz quase no final da terceira carta, paixão tão

grande que vai sobreviver longo tempo depois da súbita partida para

França, onde o esperava o título e o proveito de Marquis de Chamilly,

talvez avisado pela família dos contratempos diplomáticos que

poderiam trazer estes proibidos amores clandestinos conhecidos de

todos. Essa paixão terá durado meio ano / um ano com intervalos das

campanhas e saídas do Senhor de Chamilly, mas que, depois de a ter

desencadeado: “ao amar-te experimentei alegrias surpreendentes...

manifestaste-me a tua paixão, fiquei deslumbrada, e abandonei-me a

ti perdidamente”. Estes amores geraram pois uma explosão de

exaltação, e vão, como paixão exaltada e explosiva que era, e por ser

impossível e proibida, desencadear em cadeia uma amálgama de

sentimentos contraditórios, complementares? ―Ai!, que seria de mim

sem tanto ódio e tanto amor a encher-me o coração?" São,

possivelmente, estes sentimentos cruzados que fazem destas cartas a

expressão poética mais acabada e exaltante entre a poesia barroca

de seiscentos, maneirista, cultista, conceptista, marcada por um

classicismo estafado e decadente que primava pelo formalismo oco e

pela falta de talento. A atravessar esta aridez balofa dos literatos do

tempo, aparecem em prosa (poesia!), atribuídas a Soror Mariana

Alcoforado, cinco cartas de Amor, que na sua simplicidade,

sinceridade a atingir o arrebatamento que se manifesta nas

sucessivas contradições despertadas por um Amor que atingia as

raias da Loucura, são, porventura, a mais bela e expressiva

manifestação poética do que pode o Amor e do que ele é ou pode ser

na vida do ser humano, principalmente na vida da mulher como diz

Mário Gonçalves Viena na sua obra ―O Amor na Literatura

Portuguesa"; embora haja também quem diga que ―essas cartas

nem sequer têm nível literário....”

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No século XVII, temos pois conhecimento de que “A nota mais

vibrante de Amor... irrompeu, como tudo leva a crer, de entre as

grades de um convento.”

Era difícil, nessa época, esperar que surgisse, espontânea e

sincera, uma manifestação em que transbordasse veemência e

paixão, ou até a autenticidade de amor, sobretudo da parte de uma

mulher, apaixonadamente vivido... Os preconceitos puritanos, os

valores sociais em voga, e os interesses económicos, enclausuravam

as mulheres em casa e nos conventos e mesmo as outras só sairiam

de casa para se casar por conveniência da família, muitas vezes sem

se terem visto ou tendo-os visto de longe ou nas cerimónias

religiosas... conseguindo, como sempre acontece, as mais felizardas

ou as mais audazes, contactos epistolares através de criadas e

mendigos e por vezes directamente (!) iludir o recolhimento e recato

das famílias mais austeras, mas com grandes perigos e riscos, ou

acabavam com clamorosos raptos ou internamento nos conventos...

Aliás, ainda encontramos ecos deste fenómeno social nos romances

de Camilo e muitos sabem histórias parecidas que ocorreram em

pleno século XX! Era de facto muitas vezes preferível o rigor da

prisão dos conventos, em que era mais fácil conseguir estratagemas

que permitissem surtidas nocturnas dos amantes..., do que a

liberdade aprisionada da casa paterna...

No meio de tudo isto, ficamos perante um insólito problema. As

cartas que existem, o original publicado, é em francês. A partir desse

original (?), aparecem em várias dezenas de línguas. 130 edições em

oito línguas diferentes segundo Godofredo Ferreira que publicou uma

obra em 1923. Assim, seriam 76 francesas, 23 inglesas, 3 italianas, 3

alemãs, 3 espanholas, uma em dinamarquês, uma holandesa e vinte

em português. Fala depois, Belard da Fonseca, em edições em

húngaro, checo, grego, polaco, sueco e outras, na sua obra de 1966.

A que se fica a dever este fenómeno? Todos estão de acordo em que

se fica a dever ao impacto desta explosão de verdade e sinceridade,

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que apareceu no meio do desencanto da Literatura de Seiscentos.

Nós podemos até lê-las em português! mas não podemos ter

contacto com a força, a veemência e a violência que estaria na letra e

escrita original, porque dessas não temos notícia. Podemos tão só

imaginar, dando-nos conta, por exemplo na quinta carta, a última,

que declara “fazer-lhe sentir, na diferença de termos e modos desta

carta, que finalmente acabou por me convencer de que já me não

ama e que devo, portanto, deixar de o amar‖. Poderemos aperceber-

nos disso até no modo como aparece, em cores mais carregadas ou

mais esbatidas, uma autêntica explosão dos mais variados

sentimentos que parecem contraditórios e impossíveis de retratar na

mesma tela; e isto, quando já não há sentimentos - DORES, como ela

diz!!! Resta-nos então concluir, portanto, que todos aqueles

sentimentos são FINGIdos! Ela FINGE/DORES! “O poeta é um

fingi(e)dor...‖, diz Pessoa. O poeta finge DOR, podemos dizer nós.

Nestas cartas, o personagem emissor, nitidamente no feminino,

possivelmente, “...finge tão completamente, / que chega a fingir que

é dor, / a dor que deveras sente.”

Mas, quem nos diz, que aquela quinta carta é, realmente a

última?

Também este assunto, da ordem das cartas, é polémico. Qual é

a primeira e quais as do meio, e qual a última. Uma notícia que

temos é, para podermos fazer uma ideia de como aconteciam as

coisas de publicações naquela época, sabermos que em meados de

1668 já corriam numerosas cópias em França quando, em 28 de

Outubro de 1668, o senhor Claude Barbin obteve o “Privilège du Roi"

para imprimir a 1ª edição! Esta, 1ª edição, só aparece a 4 de Janeiro

de 1669, dizendo ao leitor que “Com muito cuidado e esforço,

encontrei maneira de recobrar uma cópia correcta da tradução das

cinco Cartas portuguesas, escritas a um distinto gentil-homem que

serviu em Portugal. Vendo-as louvadas, ou procuradas tão

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empenhadamente, por todos aqueles que sabem o que são

sentimentos, creio que lhes daria um raro prazer imprimindo-as. Não

sei o nome daquele a quem foram escritas, nem o de quem as

traduziu...” Isto lemos no prefácio traduzido por Eugénio de Andrade

numa edição bilingue feita para a RTP, em Março de 1980.

Ora o senhor Barbin, diz dos seus esforços para “recobrar uma cópia

correcta da tradução‖! Depois, diz: ―não sei o nome daquele a quem

foram escritas‖!!! Que pena! Bastaria ter falado da pessoa que as

teria escrito, para nos ter salvo de uma discussão inútil e longa de

séculos!

A verdade é que se sabia, afinal, ―o nome daquele a quem foram

escritas‖: Noel Bouton, Marquis de Chamilly, em finais de 1667, mais

conhecido, primeiro, como Noel Bouton, Chevalier, Seigneur de

Montaigu ou de Saint-Leger, também tratado por: Comte de

Chamilly-Saint-Leger que, quando veio para Portugal, em 1663, teria

possivelmente 38 anos, e em 1667, 42, quando Mariana teria,

respectivamente, 23, depois 27! Consta que teria "uma figura

elegante e majestosa‖. Parece que tradutor, a quem chegaram a

chamar autor, teria sido um certo Monsieur de Guilleragues!

Se de facto, como escreveu Matos Sequeira, as cartas são uma

mistificação, e se a freira não existiu, ou existiu, mas não terá sido

ela que escreveu as cartas, então, nesta hipótese, A FICÇÃO, A

MISTIFICAÇÃO LITERÁRIA, podemos dizer que ATINGE UM TAL

REALISMO, SÃO UM TAL SIMULACRO DO REAL, QUE PODEREMOS

CONSIDERAR SIMPLESMENTE UM PRODÍGIO, "O MODO COMO AS

CINCO CARTAS EXPRIMEM OS SENTIMENTOS FEMININOS DAS

APAIXONADAS...‖ Só os femininos? ou o de TODAS AS PESSOAS

APAIXONADAS que subitamente foram separadas do objecto da sua

PAIXÃO?!

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A Título de exemplo, tentaremos um levantamento, ainda que

superficial, porque aprofundado seria exaustivo, DOS SENTIMENTOS

QUE ESTÃO EXPRESSOS, SÓ NA 5ª CARTA – A ÚLTIMA em que já não

há sentimentos a exprimir, como diz a autora, para enfim, os que

andamos distraídos ou tão ocupados com a riqueza e variedade da

NATUREZA HUMANA como educadores etc., darmos conta que eles –

OS SENTIMENTOS – de facto existem, são muitos, variados,

contraditórios e ricos, e podem ser desencadeados em nós e nos

nossos filhos e educandos…, não só pelo que aconteceu a Mariana, e

com esta violência, mas, como vulgarmente se diz, por "COISAS QUE

ACONTECEM NA VIDA" a que por vezes não ligamos, não queremos

ligar, ou queremos que os outros não liguem IMPORTÂNCIA!... Ora,

esses SENTIMENTOS podem ser desencadeados por atitudes e gestos

que consideramos ―normais‖, e, muitas vezes sem nos apercebermos

da sua gravidade, e para maior surpresa ainda, não conseguimos

perceber o que podem, de facto, desencadear: de crimes... guerras...

heroísmos... ou simples loucuras...!!!

Assim, SOROR MARIANA, pretensa ou autêntica emissora das cartas:

Descobre, primeiro, FRIAMENTE que já NÃO É AMADA e

portanto NÃO DEVE AMAR... – É o DESPEITO., A REVOLTA DE

SE VER PRETERIDA. A DESILUSÃO DE SE VER TRAÍDA, A SUA

VINGANÇA! em contradição com o auto domínio, a frieza e a

paz que pretende dar a entender, ter alcançado!

Até vai devolver as recordações: cartas e presentes como o

retrato e pulseiras. Estava na disposição de queimar tudo mas

declara-se incapaz. Prefere dar a entender que atingiu o

DESPRENDIMENTO, mas, em vez de os queimar, vai devolver

os presentes, confessando que, afinal, é incapaz de o fazer.

Com a devolução, mesmo que o não consiga, ao menos na sua

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mente, renasce a ESPERANÇA de que os objectos e cartas o

venham a comover e, quem sabe? re/CONQUISTAR!!!

Quer sentir, até ao fim, a PENA de separar-se delas e causar,

ao menos algum DESPEITO. Confessa a AUTO COMISERAÇÃO,

mas quer que ELE as receba. Se as queimasse, ELE nem daria

conta! Quer portanto ferir, como se sente ferida!

Confessa a VERGONHA sua e dele de se sentir ligada àquelas

futilidades...

Declara-se RACIONAL, mas foi preciso VIOLÊNCIA para se

separar de cada uma quando se gabava de já estar

DESPRENDIDA.

Confessa MIL IMPULSOS e MIL HESITAÇÕES que não se podem

imaginar. Conheceu o DESVARIO do seu amor quando tentou

curar-se dele e não ousaria se pudesse prever que haveria

tanta DIFICULDADE e VIOLÊNCIA. Seria menos DOLOROSO

continuar a amar apesar da INGRATIDÃO. Joga outra vez a

SEDUÇÃO!

A PAIXÃO, afinal, é mais forte que amar a pessoa amada.

O SOFRIMENTO é tão penoso, que torna ODIOSO o ser que se

mostrou INDIGNO do seu amor. AMA de tal maneira, que tem

de ODIAR.

O ORGULHO, TÃO PRÓPRIO DAS MULHERES, vai impedi-la de

tomar decisões contra o ser amado.

Até suporta o DESPREZO e suportaria o ÓDIO e o CIÚME. Mas a

INDIFERENÇA é INTOLERÁVEL, INSUPORTÁVEL!

Vieram até provas de AMIZADE e ridículas provas de

CORRECÇÃO.

Verifica que as cartas foram recebidas e não causaram qualquer

PERTURBAÇÃO no coração do amado.

Tamanha INGRATIDÃO! provoca LOUCURA.

A razão dessa LOUCURA é tamanha que nem sequer lhe resta a

ILUSÃO de as cartas não terem sido recebidas.

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Denuncia por isso a sua FRAQUEZA, e acusa-o de ter dito a

VERDADE depois de mil acusações de não lhe ter escrito nunca.

Recusa, entretanto, ser ESCLARECIDA.

Prefere a PAIXÃO. Prefere a ILUSÃO. Preferia não ser obrigada

a NÃO LHE PERDOAR.

Declara-o INDIGNO dos seus sentimentos.

Conhece finalmente AS SUAS DETESTÁVEIS QUALIDADES.

Pede, apesar disso, que se ele tiver QUALQUER PEQUENA

ATENÇÃO, que a ajude a ESQUECE-LO completamente.

Nem sequer admite que a leitura o fizesse sentir algum

DESGOSTO, pois, A CONFISSÃO e o ARREPENDIMENTO dele,

poderia enche-la de CÓLERA e de DESPEITO “e tudo isso

poderia de novo INCENDIAR-ME‖...

―NÃO SE META NO MEU CAMINHO" grita desesperadamente

tentando acreditar que seria ainda possível vir a encontrá-lo...

"NÃO ME INTERESSA SABER O RESULTADO DESTA CARTA...”

"pode estar SATISFEITO com o mal que me causa..."

Prefere a INCERTEZA... ESPERA conseguir qualquer coisa

parecida com a TRANQUILIDADE...

Promete não ficar a ODIAR...

Desconfia dos SENTIMENTOS EXALTADOS para se permitir

ODIAR...

Tem a CONVICÇÃO que poderia encontrar um amante melhor e

mais fiel! mas NÃO ACREDITA que alguém a possa amar...

NÃO ACREDITA QUE OUTRA PAIXÃO a possa absorver!

Experimenta a REVOLTA e lança o desafio: “que poder teve a

minha paixão sobre si?” NÃO PODE ESQUECER um coração

ENTERNECIDO... Não pode esquecer quem lhe revelou prazeres

que não conhecia...

Todos os seus IMPULSOS estão ligados ao ídolo que criou.

Os PRIMEIROS PENSAMENTOS E PRIMEIRAS FERIDAS não

podem curar-se nem apagar-se...

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NÃO pode ser AUXILIADA nem APAZIGUADA...

Mesmo, à hipótese de outras PAIXÕES..., prefere A

LEMBRANÇA do SEU SOFRIMENTO...

ACUSA o ser amado de lhe ter dado a conhecer A IMPERFEIÇÃO

e o DESENCANTO de uma AFEIÇÃO que não pode durar

eternamente e a AMARGURA que acompanha um AMOR

VIOLENTO quando não é correspondido...

Confessa-se vítima de CEGA INCLINAÇÃO e de um CRUEL

DESTINO que NOS PODEM PRENDER àqueles que só a outros

são sensíveis!...

“É TAL A PENA QUE SINTO POR MIM que TERIA MUITOS

ESCRÚPULOS em arrastar o último dos homens ao estado a que

me reduziu...”

Isto é DESESPERO, DOR INENARRÁVEL!!!...

Já não me merece NENHUM RESPEITO...

Entretanto não pode decidir-se a semelhante VINGANÇA...

Procura depois DESCULPÁ-LO...

Reconhece, de facto, que uma freira raramente pode inspirar

amor, ...mas ao menos a elas, NADA AS IMPEDE DE PENSAR

CONSTANTEMENTE NA SUA PAIXÃO...

Será preciso ter pouca DELICADEZA para suportar sem

DESESPERO as futilidades das outras amantes...

Avisa-o de que, com as outras estará sempre exposto a NOVOS

CIÚMES...

Quantas suportam os maridos com DESGOSTO...

Como pode um amante não PEDIR CONTAS RIGOROSAS que

ela está disposta a dar? Como pode um amante ou um marido

ACREDITAR facilmente e SEM INQUIETAÇÃO...

Seria preferível o seu AMOR sem lei...

“Hei-de ser toda a vida uma DESGRAÇADA... Já antes MORRIA

DE MEDO que me não fosse fiel... QUERIA VÊ-LO A TODO O

MOMENTO... INQUIETAVA-ME... Desesperava-ME por não ser

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mais bonita e mais digna de si; LAMENTAVA a mediocridade da

minha condição... PENSAVA NOS PREJUÍZOS que ele poderia

ter... IMAGINAVA QUE NÃO O AMAVA BASTANTE... RECEAVA,

por si, A CÓLERA DA MINHA Família... afinal, encontrava-me

NUM ESTADO TÃO LAMENTÁVEL como o que estou agora.”

TERIA ARRISCADO TUDO para ir ter com ele...

Ter-se-ia DISFARÇADO...

E se ele a não acolhesse numa terra estranha que HORROR que

LOUCURA!

Que VERGONHA tão grande para a minha família, a quem

QUERO TANTO depois que DEIXEI DE O AMAR!

Tem SANGUE FRIO... Ao menos uma vez fala

PONDERADAMENTE... Sabe que A MODERAÇÃO lhe agradará...

Mas, NÃO QUER SABÊ-LO... SUPLICA que não escreva mais...!!!

AMEI-O COMO UMA LOUCA, TUDO DESPREZEI!...

A AVERSÃO dele só pode ser VISCERAL para a não AMAR

APAIXONADAMENTE...

DEIXEI-ME FASCINAR!...

Ele não RENUNCIOU a nada: outros prazeres, caça,

campanhas... perigos...

Ele NÃO FOI CORAJOSO... Uma carta do irmão bastou para

fugir... e, durante a viagem, a sua DISPOSIÇÃO era a melhor

do mundo!...

Tenho razões para O ODIAR MORTALMENTE...

Foi ela que causou a SUA PRÓPRIA DESGRAÇA...

Foi INGÉNUA... Não usou ARTIFÍCIOS para se fazer amar...

Acuso-o de Perfídia... ...Declaro-lhe que o entregarei à

VINGANÇA de minha família...

Ela viveu num ABANDONO e numa IDOLATRIA que a

horrorizam, e o REMORSO persegue-a com UMA CRUELDADE

INSUPORTÁVEL...

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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Sente ENORME VERGONHA DOS CRIMES que ele a levou a

cometer...

A Paixão impedia-a de CONHECER-LHES

A MONSTRUOSIDADE...

O seu coração está DILACERADO...

Não consegue libertar-se desta CRUEL PERTURBAÇÃO...

Crê, apesar de tudo, que NÃO LHE DESEJA NENHUM MAL...

Até DESEJA QUE ELE SEJA FELIZ...

“Quero escrever-lhe outra carta... com mais SERENIDADE...

para, com SATISFAÇÃO, o CENSURAR pelo seu procedimento

injusto, quando este já não ME IMPORTUNAR... e farei SENTIR

que o DESPREZO; que falo da sua TRAIÇÃO com a maior

INDIFERENÇA; que esqueci ALEGRIAS E PENAS...”

Ele tem vantagens porque inspirou uma PAIXÃO que lhe fez

PERDER A RAZÃO... mas não deve ENVAIDECER-SE com isso.

“Eu era nova, ingénua; haviam-me encerrado neste convento

desde pequena; não tinha visto senão gente desagradável;

nunca ouvira as belas coisas que constantemente me dizia;

parecia que só a si devia o ENCANTO E A BELEZA QUE

DESCOBRIRA EM MIM, E NA QUAL ME FEZ REPARAR...”

“Mas por fim, LIVREI-ME DO ENCANTAMENTO....”

E, depois de desferir as mais AZEDAS e IRÓNICAS ACUSAÇÕES

termina:

“É preciso deixá-lo, e não pensar mais em si. Creio mesmo que

não voltarei a escrever-lhe. Que obrigação tenho eu de lhe dar

conta de TODOS OS MEUS SENTIMENTOS?"

Parece, podermos afirmar, que temos, aqui, um levantamento

quase completo de TODOS OS SENTIMENTOS que podem mover A

NATUREZA HUMANA! ou, ao menos, as/os apaixonadas/os!

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Os que ali faltam na minha pretensa listagem, pode o leitor

procurá-los avidamente nessa mesma carta e nas restantes quatro.

Este é o mágico conselho dos magos da clareira escondida na

floresta, das fadas e dos sábios que desta vez se reuniram no

BALCÃO DE ONDE SE AVISTA MÉRTOLA - as Portas de Mértola!!!.

Aquele BALCÃO, Janela? Varanda? Onde Mariana tantas vezes...

"MUITAS VEZES DALI TE VI PASSAR COM UM AR QUE ME

DESLUMBRAVA; ESTAVA NAQUELE BALCÃO NO DIA FATAL EM QUE

SENTI OS PRIMEIROS SINAIS DA MINHA DESGRAÇADA PAIXÃO.

PARECEU-ME QUE PRETENDIAS AGRADAR-ME, EMBORA NÃO ME

CONHECESSES; CONVENCI-ME DE QUE ME HAVIAS DISTINGUIDO

ENTRE TODAS AQUELAS QUE ESTAVAM COMIGO; QUANDO PARAVAS,

IMAGINAVA QUE O FAZIAS INTENCIONALMENTE PARA QUE MELHOR

TE VISSE, E ADMIRASSE O GARBO E A DESTREZA COM QUE

DOMINAVAS O CAVALO; DAVA COMIGO ASSUSTADA, QUANDO O

LEVAVAS POR SÍTIOS PERIGOSOS...

Com esta sábia assembleia de fadas e de magos a olhar

ansiosos o intenso vaivém das PORTAS DE MÉRTOLA vamos ouvindo

Fidelino de Figueiredo:

Pode ali ver-se nessas cartas poema:

―O desespero do abandono; a lógica sentimental de tender a justificar

o que se deseja; a voluptuosidade agridoce de gozar no sofrimento; o

transporte de absorver toda a personalidade do ente amado; as

contradições constantes de quem só toma posições extremas e

insustentáveis e num incessante vaivém se debate, como havendo

perdido o rumo no pego encapelado do sentimento; todo o delírio

imaginoso de uma alma reduzida à imobilidade e à clausura,

orgulhosa de haver ascendido a um cume excelso donde avistou

vasta amplidão de ideal; a alternativa de querer ciosamente guardar

no coração recordações da perdida felicidade, como tesouro velado a

almas vulgares, para logo fraquejar perante o penoso dessas

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memórias; a abnegação sem orgulho; todos os extremos doidejantes

duma alma rica de emotividade, mas que perdera o equilíbrio e a

realidade - tudo que uma paixão absorvente pode produzir, ali está

expresso naquele pequeno poema de amor. O martírio do abandono,

o inferno de amar já sem esperança e a desolação de quem antevê

para si toda uma vida de solidão e tristeza trespassam as cartas, não

com a monotonia plangente das lamentações, mas em traços rápidos

e incisivos, feitos de cobardia egoísta e egoísmo orgulhoso. Nessa

mulher o amor revelou-lhe a própria alma, tão grande e sensível que

parece ter-se nela acumulado a sensibilidade de gerações, o caudal

guardado pela clausura. Estava mesmo disposta a servir as amantes

que porventura ele tivesse em França para não perder a oportunidade

de arcar com a insuportável gravidade, risco e perigo do seu amor

por ele...!!!

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280

Enfim...

As Cartas Portuguesas!

Les Lettres Portuguaises!

As Cartas da Freira Portuguesa!

Cinco Textos tecidos de DOR(ES),

GRITOS gritados em gritantes LETRAS

DE SENTIMENTOS angustiados e contrários

confusos, contraditórios

mas gritos que ecoam em estonteante ECO

dilacerante de encontro aos muros do convento,

do convencional que oprime e dilacera,

teimosamente olhando do balcão de Mértola

o Longe, o Azul, o Sul,

o Sol, a Luz, o Além,

A Felicidade!!!

GRITOS e GRADES!

Grades que provocam os gritos...

Gritos que procuram desesperadamente derrubar as grades

que os tentam sufocar e abafar .

Cartas Portuguesas!

Lettres Portuguaises!

Letras Portuguesas

GRITOS

DORES

SENTIMENTOS

GRITOS ESTRIDENTES SAÍDOS DAS MAIS PROFUNDAS

ENTRANHAS

DO CORAÇÃO DUMA MULHER!...

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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COMO GRITOS SAÍDOS DAS ENTRANHAS DA TERRA

GRITOS DE GENTE

GRITOS DE POETA

GRITOS DE PESSOAS

GRITOS DE UM POVO

desesperadamente

A GRITAR

para despedaçar, lutando, TODAS AS GRADES!

Buscando a LIBERDADE!!!

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img025 – mariana à janela donde se avista Mértola!

“Muitas vezes dali te vi passar com um ar que me deslumbrava...” p. 278

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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3.03.3 - MARIANA ALCOFORADO - A lenda que (se) pode (en)co(a)nt(r)ar...

Há anos, muitos anos que se passaram há mais de trezentos

anos, mais precisamente em 1640-1723, num reino muito distante e

perdido do mundo que ficava ali no Alentejo mais propriamente em

Beja, havia uma mulher e um homem que queriam ter um filho pois

já tinham uma filha, e um filho era importante, segundo os costumes

do tempo, para assegurar as propriedades e com elas a prosperidade

e a posteridade duma família com pergaminhos... e terras... e bens...

e prole...

Tanto desejaram, tanto desejaram, que um dia, quando a

mulher se estava refrescando na frescura sombreada de uma fonte

retirada das vistas da cidade perdida, lá para os lados de noroeste,

apareceu-lhe uma cobra monstruosa e encantada que lhe disse:

Não tenhas medo. O teu desejo vai ser satisfeito. Antes de

um ano, darás à luz uma menina.

Leonor era assim que se chamava a mulher ouviu. Não era

bem aquilo que queria... Mas, como com cobras não se pode discutir

muito, guardou para si o seu segredo e esperou.

A profecia da serpente realizou-se e aquela mulher teve uma

filha tão linda que o homem quis dar uma grande festa para partilhar

com todos a sua alegria. O senhor Francisco, assim se chamava o

extremoso pai além de convidar todos os familiares, parentes e

amigos, convidou também as fadas do reino para que

providenciassem o futuro mais feliz possível para a sua filha, o que

não era muito fácil, naqueles tempos conturbados!... e naqueles

ermos perdidos!

Ora havia naquele reino, perdido e esquecido há anos muitos

anos, treze fadas que fadavam e rondavam a cidade com seus fados

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bons e maus, mas eles, que só tinham um serviço completo com doze

pratos, digno de tais convidadas, convidaram só doze.

Chega. Disse o senhor Francisco Não é por faltar uma

que a menina ficará menos bem fadada!... e quem dá o que tem, não

é obrigado a mais.

Até porque, se convidamos mais uma, e não a podemos

servir na baixela de prata como as outras doze! disse a senhora D.

Leonor que ofensa, meu Deus! Que horror não seria! E uma mesa

com treze, até pode ser logo um mau agoiro para a nossa filha!...

Bem basta que tenha sido outra filha, e não um filho como tanto

desejávamos, para a ser mau presságio... Isto, pensava

secretamente e senhora D. Leonor, mas não disse nada.

A festa foi celebrada com muita alegria e esplendor e no meio

dos cantos e dos contos com que os convidados se encantavam uns

aos outros perante a beleza da menina que nascera, e, embora já

fosse encanto que bastasse, as fadas fadaram a princesa com dons e

encantos que tinham guardados no poder mágico das suas varinhas

de condão!

Veio então a primeira e disse:

Estás fadada, estás marcada,

para seres mui virtuosa,

e seres sempre consagrada

a um deus, como uma rosa!

A segunda disse:

Serás a mais inocente

no meio da tua gente!

A terceira disse:

E num dia especial,

quando passar um cortejo,

o teu ar celestial,

vai despertar tal desejo

que te há-de ser fatal

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E a quarta disse:

De tal modo sentirás

que toda a terra ouvirá!

A quinta disse:

Não sentirás só o Amor

provarás todas as DORes!

A sexta disse:

Teu Amor e tua DOR

tua DOR e o teu Pranto

vão dar ao Mundo calor - cor

e encher tudo de Espanto - santo!!!

A sétima disse:

A tua DOR sem igual

Vai dar-te Prazer sem rival!

E a oitava:

‗Té na tua Solidão

vai vibrar teu coração

em luta contra a Razão

Labirinto e Confusão!!!

E a nona disse:

Os prazeres que vais sentir,

muitas damas, de o sonharem

dariam a vida e porvir, (a vida por vir)

de só um pouco, provarem!!!

E a décima:

Com todos os teus sentidos

misturados e vividos

os teus gritos de Prazer

serão Dores para... Morrer! Viver

E a décima primeira:

Vou-te lançar um encanto,

contado com doce canto.

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e um tal deslumbramento

que verás o seu Encanto

no meio do sofrimento!!!

E como o cortejo das fadas a era muito longo e todos tinham

parado, com a boca seca, tensos sequiosos, parados suspensos, para

ouvir as palavras mágicas das fadas e procuravam adivinhar nelas o

que seria o futuro de tão prendada menina, no meio daquelas

palavras cantadas/encantadas, eis que de repente houve um barulho

infernal – BRRRUM BUM BUM – na sala da festa, que causou a maior

confusão. Entrara a fada de olhos brilhantes e coléricos, que não

tinha sido convidada, e vinha vestida de preto e pensava, na sua

raiva delirante, que a todas as fadas tinham fadado a menina com

tudo o que há de bom e desejável, e vinha para estragar todas as

promessas de felicidade que pairavam sobre o berço e a vida da

menina... (É assim, às vezes, a sorte do nosso fado! É que as magas

e as fadas também tem raivas e podem enganar-se ou distrair-se!...

ou até precipitar-se!)

Disse então a numero treze:

Abacadabra! Amor com DOR!

Ouvi todos com horror!

Brum Ruumm Bruummm...e com terror!

Por volta dos seus vinte anos,

Ai! esta bela menina

vai-se picar nalgum fuso,

ou nalguma agulha fina!

ou então vai encontrar

uma serpente encantada

como já acontecera

a sua mãe... para a ter !

Ficará ferida de morte!...

E, se conhecer o Amor,

há-de conhecer também

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a DOR pungente que tem! ...

Aí tens a tua Sorte...

Este é que é o meu dote!

Brrrrrrr! Amor com DOR!

...E voou como um vapor...!

E tão rápido como tinha entrado, a fada furiosa desapareceu

sem que ninguém visse sequer por onde...

Apareceu então a rainha das fadas, que esperava tudo daquela

sua companheira, que não tinha sido convidada, e se tinha deixado

ficar para o fim, sem que ninguém o tivesse percebido. Tais eram os

votos que todas as fadas tinham feito, que todos pensavam que

algum, era com certeza, já, o da rainha das fadas!... Ela aliás, em

nada se distinguia das outras, mas era a rainha escolhida para reinar

durante aquele tempo, coisas que só acontecem no reino das

fadas!...

E disse a rainha das fadas, para nós, a número doze:

Nada posso desfazer

do que disse aquela fada!

Ela há-de-se picar...

E também vai encontrar

uma serpente encantada!...

Mas a picada de morte,

não é morte. Será vida!

E vai viver a dormir

uns cem anos bem contados...

E depois, ao acordar,

com a picada mortal!

os gritos que ela vai dar

durante toda uma vida

vão espantar toda a Terra

que se verá comovida

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como em convulsões de guerra,

abalada, arrebatada,

por uma DOR renovada!

A festa acabou com bastante alegria misturada com o medo e a

ansiedade do que iria acontecer, e cada um foi para as suas casas...

Os pais da menina que a queriam defender de todo o mal que

lhe pudesse acontecer, ao chegar logo aos onze anos, meteram-na

numa espécie de castelo que bem podia ser uma prisão, mas onde

estavam convencidos de que nenhum mal, daqueles que foram

anunciados pela fada irada, lhe podia vir a acontecer, e onde nada lhe

faltaria de tudo o que desejasse. Viveu assim a menina muitos anos e

se até aos onze já era prendada com todos os dons que as fadas

tinham anunciado, mesmo no castelo que bem podia ser uma prisão,

onde nada lhe podia faltar, esses dons desenvolveram-se tanto, à

medida que ela ia crescendo cada vez mais bela e sedutora, que

quem a via não podia deixar de gostar dela.

Vinham então naquele tempo, muitos príncipes e cavaleiros

doutros reinos para auxiliarem este reino que passava tempos muito

conturbados. Já antes de a Menina nascer, durante doze lustros, um

rei poderoso tinha tomado conta de todo o reino ao qual pertencia

este reino mais pequeno e mais perdido e esquecido, e mandava em

todos os povos mesmo neste desprezado e perdido para além do Tejo

de modo que muitos viviam no medo e na revolta. Vinham então,

estes príncipes cavaleiros ajudar o rei, para que isso não pudesse

mais acontecer.

Mas aconteceu que um dia, quando a menina já estava a passar

a idade anunciada pela fada despeitada, e já ninguém pensava que

algum mal lhe pudesse acontecer,...um dia, que estava com todas as

suas companheiras, olhando do alto duma varanda envidraçada tudo

o que se descortinava para o Sul até lá muito ao longe, para os reinos

de Mértola e além Garbe, ela, de repente, soltou um grito

desesperado e caiu como se estivesse morta. Ninguém dera conta de

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nada. Não se notava ferida nenhuma. Na mão direita que tinha

pousada sobre o peito, notava-se um sinal que nem picada parecia! O

que seria? O que não seria? Os médicos chamados não descortinaram

nada! Mas o certo é que ela continuava aparentemente morta e de

olhos fechados parecendo que morria!

Nesse momento, sem que disso ainda se tivessem bem

apercebido as donzelas que olhavam fascinadas os campos e os

longes que se abriam para o Sul, entrava na cidade, pelas portas de

Mértola, um grupo de soldados comandados por um forte e esbelto

cavaleiro, que brindava a população, que timidamente os espreitava

por detrás das janelas e começava a correr para a rua, com

evoluções e malabarismos arriscados com que habilmente fazia

evoluir a sua montada na calçada empedrada da rua e no aterro que

ladeava o castelo encantado que mais parecia uma prisão onde

nenhum mal podia acontecer à fadada menina, e arrancava ais e

suspiros de aflição e excitação às pessoas que assistiam surpresas!

enfeitiçadas!

Foi no momento em que a luz o nimbou com um reflexo

repentino!... No momento em que se recuperava dum súbito

desequilíbrio da montada!... No momento em que Mariana escondida,

tão distante!, ali tão perto!, atrás da janela, estava presa como que

alheada nas evoluções arriscadas do nobre cavaleiro,... que um brilho

inesperado acendeu os olhos de Mariana! Um brilho repentino! Um

golpe fatal! Como um raio! Relâmpago! Repentino! Fulminante!

Invisível! Invisível a todos! Real para ela! que a prostrou sem vida...

Sem vida aparente!

Correu então pela cidade a nova nunca ouvida de que uma bela

menina na flor da idade que pouco mais teria que os seus vinte anos

ou ainda os não teria tão fresca e jovem ela aparecia!, estava picada

de morte e não morria, e já se mantinha assim há muitos dias...

Tanta fama correu, que a nova chegou aos ouvidos daqueles

formosos cavaleiros, que tinham vindo de longe para ajudar o rei

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deste reino nas campanhas e dificuldades que o reino atravessava.

Vinham pois eles equipados com tudo o que tinham de melhor e

podiam transportar para assim melhor servirem o rei que vinham

servir e dar bom-nome ao rei de que eram súbditos. Quando a nova

correu entre aqueles estrangeiros, houve um que disse:

Parbleu! Quel belle nouvelle!

Je saurai, certainement

Qu'est-ce qu'elle a, la demoiselle!

Oh meu Deus, que nova bela!

Eu saberei com certeza

Qual o mal dessa donzela!

Porventura! eu sei a doença que sofre a pobre e formosa

donzela! Não posso ter a certeza, mas se a puder ver, experimentarei

os remédios que pude trazer comigo e nunca me abandonam e são

segredos descobertos no nosso reino que porventura ainda não

chegaram ao vosso país e não me competirá a mim revelá-los, tão só

usá-los em caso de extrema necessidade como me parece ser esta!

Tão formoso discurso foi ouvido com muita atenção, espanto e

esperança, e logo esta bela fala do cavaleiro correu pela cidade, e

logo o levaram à presença da doente que mais parecia morta, mas

que irradiava uma beleza suave e discreta na sua palidez.

O cavaleiro chegou, olhou e ela continuava como morta.

Olhou com mais atenção e pode ver a cor da palidez do rosto e

dos lábios e como que pode adivinhar o brilho dos seus olhos mesmo

sem os ver.

Fez com a cabeça um sinal que todos entenderam que sabia

que doença era e que teria o remédio indicado para ela e todos se

retiraram respeitosamente... mesmo a ama, que mais cuidava

daquela menina, encarregada pelos pais de que nada lhe faltasse

mesmo naquele castelo que mais parecia uma prisão!

Então..., o cavaleiro olhou mais insistentemente os olhos que

não via mas adivinhava... os olhos que o não viam mas o

adivinhavam! aproximou-se. tocou-lhe no rosto. deu-lhe o beijo...

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Mal a beijou ela começou a abrir os olhos, e quando lhe deu o

remédio salvador que trazia para a salvar, ela abriu desmedidamente

os olhos de encanto e espanto descobrindo realidades fantásticas que

os sonhos e presságios já lhe tinham indicado, mas ela não julgava

nem sonhava possíveis, não podendo conter em si a alegria que a fez

entrar num desvario que mais parecia um deslumbramento.

Todos se encheram de alegria e festejaram tão milagrosa cura

que ela não podia esconder de ninguém e, durante algum tempo,

pode aquele salvador providencial visitar e assistir à espantosa

convalescença da sua doente!

Quando enfim, no final das campanhas, os cavaleiros tiveram

de partir, e entre eles aquele maravilhoso que a tinha salvo, os seus

gritos de dor e alegria foram tão estridentes, tão impressionantes,

que embora só desse CINCO! daqueles PRODIGIOSOS GRITOS, UM

EM CADA DEZ ANOS DOS CINQUENTA QUE AINDA VIVEU, eles foram

tão sentidos, tão dolorosos, tão expressivos da alegria e do encanto

que sentira, que se ouviram além fronteiras e ainda ecoam pelo

mundo como expressão dos mais profundos sentimentos que pode

experimentar a pessoa humana!

TÃO TRISTES, TÃO SAUDOSOS,

TÃO SENTIDOS DA PARTIDA,

POR SE VER ASSIM TRAÍDA,

POR SE VER ASSIM CAÍDA!

QUE PASSOU A SUA VIDA

A QUERER CURAR-SE DA FERIDA,

SEM O QUERER, POR ESTAR PERDIDA...

E POR MAIS QUE ELA GRITASSE

E QUE DESEJASSE CURAR-SE;

OS SEUS GRITOS DOLORIDOS,

ERAM SÓ P'RA QUE ELE VOLTASSE

E LHE ABRISSE AQUELA FERIDA

POIS ENCONTRARA NA VIDA...

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UMA ENCANTADA ALEGRIA,

QUE ELA NÃO QUERIA PERDIDA,

E VALIA MAIS QUE A VIDA,

VIVIDA SEM ALEGRIA!...

Eram assim os gritos de Mariana! Os gritos de Maria... Os gritos

de Ana... Os gritos da Ama... Os gritos da Maria Ana... da Maira... da

Maíra...da Nairama... da Arima... da Arinama... da Miriam... de todas

os MARIAS que de todos os rios, de todas as rias, do Tejo, do Sado,

do Guadiana – Odiana, do Alva e Ceira, do Mondego e do Douro...

que correm para o MAR... que unem fronteiras, que rasgam

fronteiras... daquém, dalém montes... daquém e dalém Tejo!!! mas

carregam as DORES de todas as FONTES! e levam as lágrimas de

todos os peitos... onde a DOR floriu!

Eram assim os gritos de TANTAS! Tantas MARIANAS!...

MARIAS!...

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A MAGIA DAS DÉCIMAS POPULARES!!!

O MOTE GLOSADO EM ESPIRAL – ou A QUADRATURA DO CÍRCULO.

A MAGIA DA QUADRA QUADRADA QUE GIRANDO SE TORNA

CÍRCULO!

E então se transforma na CIRCULATURA DO QUADRADO!

img026 – a magia das décimas ou a circulatura do quadrado…

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img026b – a magia das décimas ou a circulatura do quadrado… manuscrito!

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0.3.03 - Os Magos na Sala do Capítulo

Os magos e as fadas da clareira escondida na floresta, que

nesse dia tinham reunido na sala do capítulo, onde tantas freiras

tinham sido repreendidas e censuradas pelas suas leviandades e a

quem foram impostas rigorosas e penosas penitências, saíram

cabisbaixos e ainda pensativos carregados com os mistérios que

tentavam desvendar através de tão atribuladas e excitantes histórias

com um misto de factos reais e históricos, à mistura com umas cartas

que tanta polémica levantaram e levantam sobre a sua autenticidade

e mais ainda a Lenda!... e tentaram ir até ao balcão de Mértola que

se abria sobre a planície para o Sul...

Quem é que lá foram encontrar? triste e pensativa, recortada

no contraluz do dia a entardecer? A Mariana! Não. Não era a Mariana

Alcoforado. Mesmo que fosse não a reconheceriam, pois como não

deixou nenhum retrato autêntico para a posteridade, muitos artistas

a retrataram conforme a sua ideia, suposições e inspirações, e até

Matisse, em traços simples e vigorosos, se comoveu com a pobre

freira portuguesa do sul e, como diz Belard da Fonseca, como nunca

deve ter visitado Portugal, nos dá a imagem de uma mulher tipo de

marroquina, lábios muito carnudos, malares salientes e olhar de

animal perseguido.‖

Como é que ali teria entrado aquela intrusa? Não sabiam e

também não perguntaram. Também ninguém sabe como é que o

Cavalheiro de Chamilly teria entrado naquele convento de clausura

rigorosa!, mas sabe-se que pelo menos desde 1665 as freiras foram

fazendo casas próprias ou mais propriamente quartos encostados aos

muros do convento e o pai de Mariana teria até mandado construir

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duas, e embora fossem obrigadas a ir pernoitar no dormitório

interior, algumas, pelo menos algumas vezes, não iam com certeza.

Ali estava ela recortada pela luz coada da Janela de Mértola e

respeitaram seu silêncio e as suas divagações. Pensava talvez, como

eles os magos, e elas as fadas, descobrir o significado das leis

daquela época que encerravam jovens de tenra idade num convento

inventado pelos senhores dos morgadios e latifúndios para que a

riqueza da terra não se perdesse! e ali as sepultavam vivas!

E a riqueza dos valores e sentimentos humanos que foram traídos e

violentados?

Essa Mariana é talvez um símbolo! Quando a riqueza humana,

de sentimentos humanos e de corpo humano é semeada nesta terra

fecunda do Alentejo, não pode ficar condenada à esterilidade

castrada, ignorada, sem dar frutos. Os seus arroubos de doação e

entrega, a sua riqueza de sentimentos, ecoaram pelo Mundo e ainda

ecoam. Ela, como a Florbela e mais ainda outra figura de Lenda, a

Aldonça da Fonte Mouro, são possivelmente os ícones, símbolos desta

TERRA ALENTEJANA, feminina, fértil, rica, tanto em CULTURA Terra,

como em CULTURA Povo, e a FONTE de Aldonça, como as CARTAS

de Mariana, serão o grito feminino desta TERRA fecunda quando a

querem votar ao abandono, a pretendem fechar numa clausura ou

lhe criam entraves ao desenvolvimento, ou a pretendem

simplesmente colonizar como um qualquer Marquis de Chamilly que

só viria aproveitar e impor sua superioridade balofa de gente erudita

e bem nascida! E vêm! E chegam! E regem! E ditam! E determinam!

Mandam! Decidem! Condenam! Tem soluções para tudo! que não

resolvem nada... - Os de cá, não percebem nada! Nós é que

sabemos! Então não vêem, seus molengões, o que podem fazer, das

coisas que são vossas! - Nós é que sabemos!... Eles é que sabem...!

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Como todos os colonizadores souberam fazer, sempre, o melhor, nas

colónias onde enriqueceram à custa dos ignorantes!!! Coitados!!!

Claro que não é só isso! disse uma das fadas que tinha

estado sempre muito calada.

Quantos gritos de mulheres enclausuradas e exploradas se

revêem na revolta de Mariana e quantas damas que ficaram para

tias, sonharam aquelas cartas que talvez tenham escrito nos seus

diários íntimos... E como elas, quantas terras? Quantas regiões

perdidas, isoladas, enclausuradas, exploradas, oprimidas... deixadas

estéreis em nome de leis como a dos morgadios... em nome do

desenvolvimento... (deles!); do envolvimento... (deles!); em nome

do regadio... (deles!); em nome da Pátria… (deles!); em nome da

crença... (deles!); em nome da Fé... (deles!); em nome do

progresso... (deles!).... quantas Marianas... Anas... Marias... Rios...

Rias... Mares... ficaram infecundos, sem AMAR... sem CRIAR... A

GRITAAAAAAAR: AIS! AI! AI! AI! IA!... ... ... IAAAAAAAAAAAAAAA M !

Há uma imensidade de sinais que tentamos desvendar.

Talvez aquela cigana os esteja a ler melhor que nós, olhando a lua

que se levanta neste céu de Agosto e esteja a ler nos astros, os

destinos e anseios das mulheres e homens deste país de poetas,

cantadores e contadores de histórias!

Mas já vêm aí as Europas e as Américas com os seus dólares

e ecus e euros, e com os seus iluminados a decidirem o que é melhor

para nós e para o Alentejo... E esses, que estudam nos livros e nas

catedrais do saber, não se vão deixar enganar pelas letras das

estrelas que têm o segredo do Cosmos e do Universo! Esses vão

trazer aqui tudo o que é iluminária e inteligenzia!!!... Vão ouvir e

seguir todos e tudo, até lhes vão pagar para os ouvir ―cagar

sentenças‖!, menos ouvir as soluções daqueles que sabem, porque

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sempre aqui viveram ao ritmo das estações e sabem ouvir e

interpretar a Terra e a Natureza, a até, pobres analfabetos!, tentam

ler as letras das estrelas!, com a sua Poesia e o seu Cante!!!

E assim encerraram, os magos da clareira escondida na

Floresta, as suas reflexões. A Mariana recolheu-se à sua liberdade e

correu para o campo à procura do acampamento e do seu amado, o

Cigano Castanho...

... Na Planície imensa, ao Sol de Agosto, abraçados um ao

outro, ouviram subitamente um GRITO! Um CHORO! UM CORO! que

era um lamento das ÁRVORES DO ALENTEJO gritado num soneto de

Florbela Espanca:

«ÁRVORES! CORAÇÕES, ALMAS QUE CHORAM,

ALMAS IGUAIS À MINHA, ALMAS QUE IMPLORAM

EM VÃO REMÉDIO PARA TANTA MÁGOA!»

«ÁRVORES! NÃO CHOREIS! OLHAI E VEDE:

TAMBÉM ANDO A GRITAR, MORTA DE SEDE,

PEDINDO A DEUS A MINHA GOTA DE ÁGUA!»

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Aviso aos leitores…

Avisam-se os leitores mais

distraídos, que qualquer

semelhança que possa haver

entre qualquer coisa que fica

aqui contado e a história ou

personagens possivelmente

existentes na História ou na

sociedade vista no seu conjunto,

é pura e simples coincidência,

uma vez que tudo o que fica

aqui escrito é obra de pura

ficção e do contributo de muitas

e variadas obras de ficção de

consagrados e renomados

autores, e só existe no

prodigioso MUNDO DA FÁBULA!

do FANTÁSTICO! do

MARAVILHOSO!...

POSSIVELMENTE MAIS REAL DO

QUE O MUNDO dito REAL!...

O Autor

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VITÓRIA VITORIA

ACABOU-SE A HISTORIA.

E ASSIM FICA PROVADO,

DEPOIS DE BEM ENROLADO

O NOVELO JÁ DOBADO...

QUE AQUI NO ALENTEJO,

NÃO SE VIVE DE ILUSÕES

NEM DE SONHOS SENSAÇÕES... NEM TÃO POUCO DE PAIXÕES!

POIS TUDO ISTO

SÃO PURAS FICÇÕES...

ISTO TUDO É UM DESERTO,

ONDE NADA É PERTO...

ONDE NADA É LONGE!...

NÃO HÁ LONGE NEM DISTÂNCIAS, MAIS AMPLAS NESTE PAÍS...

MAS HÁ ESPAÇO PRÓ SONHO

E HISTÓRIAS DE PASMAR...

É O POVO QUEM O DIZ

COM SEUS CONTADORES DE HISTÓRIAS

E CANTADORES E POETAS...

QUEM NÃO CRÊ!!!?

SÓ QUER É TRETAS.

NÃO QUER POETAS

SÓ QUER PETAS

P‘RA REGAR A IDIOTICE!

MAS SE QUER SÓ ANEDOTAS

NÓS TAMBÉM LHAS CONTAREMOS

E MUITAS ATÉ COM CHISTE

PR‘ADOÇAR ESSA CHATICE

E ATÉ A PAROLICE

DOS PACÓVIOS DA CIDADE.

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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NÓS QUE SOMOS BONS ARTISTAS

COMO DIZ CERTO JUIZ...

MAS PASSAMOS POR PAROLOS

PRÓS TOLOS DESTE PAÍS

QUE QUEREM PAPAS E BOLOS...

VIMOS DAQUI AVISAR

QUEM ASSIM OUSA PENSAR

NA SUA PRIVACIDADE

SEM PENSAR UM SÓ INSTANTE!...

QUE LABORA EM ERRO GRANDE!...

E ISSO É DOENÇA GRAVE

OU UM MAL DA NOSSA RAÇA...

MAS É DOENÇA QUE PASSA

OU CO‘A MORTE, OU CO‘A IDADE!

BONS SONHOS TENHAM SENHORES, SENHORAS E CRIANCINHAS,

‗TÉ NOVA OPORTUNIDADE!...

TAVONDE!!! T‘AVONDO!!! TEM AVONDO!!!

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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TAVONDE... TAVONDO...

TEM AVONDO ! - Fim ! - Chega !

... um FIM antes de acabar... como um último copo, para saborear

devagar, durante a despedida...

TAVONDO é uma expressão de algumas zonas do Alentejo...

- Tavonde! Chega. Por agora basta! - avisava com ar brincalhão o

António Romão do Penedro, quando acabava de lhe encher o copo...

Tavondo! Por ora chega, de lendas e de reflexões!... Porque

talvez, quem sabe? depois de ouvir os gritos estridentes de Mariana,

os avisos luminosos das lendas escritos nas estrelas..., possamos

ouvir os GRITOS DESTE POVO... povo “indolente” que moureja ao sol,

―filho da fome e do trabalho sazonal‖, que grita mudo: - ―...somos

nós!‖ ―...temos uma cultura.‖. ―Grita Alqueva...‖ ―...uma gota

d‘água...‖ ―...alça-se o Castelo...‖ ―...soltam-se os touros...‖...canta o

seu cante... e conta os seus contos... tem uma história... tem os seus

poetas... os seus artistas... tem pessoas... tem gente... terra... e

grita, calado: Chega de colonização! TAVONDO...tem avondo!...

chega!

...é que naquele dia de LUA CHEIA, (1988/08/26,27) a MARÉ

CHEIA invadiu todo o areal da praia onde tínhamos acampado, não

nós! claro!, mas os ciganos que eram o Cigano Castanho e a Cigana

Mariana, e ameaçava, com a sua fúria, invadir a Terra, cobrindo-a,

submergindo-a, impedindo os humanos de VER COM OS OLHOS

ABERTOS os mistérios do MAR... Mas, sete horas depois, quando se

levantou a alva e ainda todos dormiam DE OLHOS FECHADOS, a

MARÉ VAZIA, com o recuo profundo das águas, pôs a descoberto as

profundidades do mar...

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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Então, acordei, não eu! claro! ...e pude ter o privilégio de VER

os segredos ocultos aos olhos humanos...

Assim, um dia, quando tiverem oportunidade de caminhar na

praia durante uma maré vazia excepcionalmente profunda, aquando

das marés vivas, que vos permita caminhar pela nudez do mar...

avancem sem medo pela nudez de a mar... da mar... d‘amar...

talvez nesse dia,

nos possamos ver

e enfim perceber

A LENDA DO TOURO,

A LENDA DA COBRA

E DA FONTE MOURO...

DA PRINCESA COBRA

E DO LIDADOR...

e até voltar,

vivendo outra vez,

a mil e trezentos

e oitenta e três...

levantar um povo,

tomar o castelo...

depois regressar

de novo ao futuro

a mil e seiscentos

nos anos quarenta

e então gritar

como a MARIANA

os gritos de DOR

desta TERRA fértil

e que fica estéril

de não fecundada...

e os gritos gritados

do povo esquecido

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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por ser desprezado

por ser explorado

por ser fecundado...

em proveito alheio.

... E então perguntar:

QUE CONTOS, QUE LENDAS

ESTE LIVRO CONTA?

LENDAS DE ENCANTAR

P‘RÁ GENTE CANTAR

DE NOITE AO LUAR?

ou servem também

para entender

que aqui ou no mundo

onde quer que seja...

há lendas de touros

de serpentes cobras

de mouros e mouras

de encantos e fontes

de lutas de morte

sonhando tesouros

procurando a sorte

procurando um norte

gritando de dor

de paixão, de amor...

como aqui em Beja .

e isso acontece

em terra esquecida

em qualquer lugar

no tempo ou no espaço

no mundo perdida...

como em toda a parte

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na humanidade

em constante guerra

pela liberdade

que seduz e aterra!...

eterno combate

do Homem na Terra

bem escrito em verso

no imenso Universo

que podemos ler

olhando as estrelas

que são como letras

das lendas que lemos... nós?...os analfabetos???

Para quem O MAR é A MAR… AMAR!!!

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4 - OUTROS SIGNOS

4.1 – PISÕES

4.2 – AS MAIAS

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4.1 - PISÕES

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0.4.1 - PISÕES – os Ciganos Romanos?!...

A dada altura, correu voz pelas casas acaloradas de Beja e do seu

termo, que, para os lados do Poente, a alguma distância do coração

do Monte da Almocreva, viveu uma família romana, talvez de nome

Atília, com a sua Villa Urbana de residência apalaçada, a sua Villa

Rustica, para os servos, e a Villa Fructuaria, com os seus silos e

armazéns para as colheitas, na melhor das comodidades e

condições...

de verão, protegiam-se do calor ardente do sol com a frescura da

água que caia como em chuva em magníficos repuxos, serpenteava

em regatos correntes como serpentes, e se estendia em

reconfortantes piscinas como o mar...

No Inverno, defendiam-se do frio com a grossura das paredes e a

água circulava quente do hipocausto subterrâneo para os tanques

aquecidos e podiam aproveitar toda a fonte do calor do sol, sempre

generoso e abundante ao Sul...

À voz da descoberta! de todos os lados correram a ver aquela

maravilha! gente de todos os lados, sequiosos, chorosos,

deslumbrados, pela facilidade tão evidente de poder ser feliz em

clima tão hostil! Choravam eles a tristeza de terem esquecido a arte

de construir no ambiente adequado a habitação certa para poderem

viver cómodos, confortáveis e felizes!... Mas para aqueles Atília

viverem confortáveis, quantos eram sugados pelo frio, pelo calor,

pela sede e pela fome?

???

Naquela noite, o Cigano Castanho e a Cigana Mariana adormeceram

embalados pelo sonho ancestral e universal de cada ser humano ter

um lar, uma casa, uma vila, um monte... no campo, isolado dos

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outros e do mundo, mas muito perto para conviver... e poder dormir

enfim ao som inebriante dos grilos e cigarras misturado com a música

do vento que passa a dedilhar as árvores e as searas, acompanhada

pelo murmúrio enfeitiçante da água das fontes e correntes...

Assim, isolados! solitários! estariam aptos para enfim intervirem

inteiros! solidários! na sociedade construída pelas mulheres e homens

do seu povo universal encantado com o riso das crianças a crescerem

para um Mundo Novo...

Ali, entre ruínas… sonhando-se romanos instalados, meditavam:

QUE OBSCURAS LETRAS SE LÊEM NA CLARIDADE DAS ESTRELAS?...

QUE CLAREZA DE ESTRELAS PODEMOS NÓS LER

NA OBSCURIDADE DAS LETRAS QUE JUNTAMOS

PARA FORMAR A MAGIA DAS PALAVRAS

QUE TENTAM CONTAR AS LENDAS E AS HISTÓRIAS

QUE TENTAM ENCANTAR COMO O CANTO DAS SEREIAS?

SÃO OS MISTÉRIOS QUE TODOS BEM SABEMOS,

MAS NÃO DESCOBRIMOS NEM DIZEMOS!...

QUE LOUCURA!

SÃO VERDADES QUE NÓS BEM DES/CONHECEMOS

MAS NÃO REVELAMOS NEM AS ENTENDEMOS!

PORQUE SE NOS ATREVÊSSEMOS A OUVI-LAS

COMO O CANTO sacrílego DAS SEREIAS

Ficaríamos PRESOS COMO ULISSES

OU CEGOS E SURDOS COMO OS OUTROS

SEUS COMPANHEIROS DE AVENTURA...

PORQUE NENHUM SER HUMANO PODE OUVIR

OU VER

DIZER

A VERDADE QUE REGE A HUMANIDADE...

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SEM MORRER!!!

MORRER? OU LIBERTAR-SE

DESTA HUMANIDADE CONHECIDA

QUE NÃO PODE SUPORTAR A LUZ INTENSA

DA VERDADE NUA E CRUA, IMENSA,

SECRETA E PROFUNDA, QUE A MANTÉM NA VIDA???!!!

TAVONDO! - dizem os alentejanos.

BONDA – Tem Abonde – dizem os outros mais ao Norte!!!

Tem que chegue.

TEM AVONDO!

Chega.

BAAAAAAAAAAAAAAAAAAASTA!

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img027 – no remanso de uma mansão romana!!!

…“Ali, entre ruínas. sonhando-se romanos instalados, meditavam:...” p. 314

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4.2 - AS MAIAS

In Expresso de 5 de Maio de 1984, Num trabalho de José Quitério, em COSTUMES:

AS MAIAS – O 1º de Maio já era data antes de ser festa combativa: flores, meninos(as), destinos gentílicos, manducações rituais, diabo e esconjuros, trabalho e capital.

Embora se estranhe, isto anda tudo ligado.

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04.2 - AS MAIAS E OS MAGOS

AS MAIAS

A FESTA DAS FLORES

A FESTA DA PRIMAVERA

A FESTA DA ALEGRIA

A FESTA DA VIDA

AS MAIAS AS FESTAS MILENÁRIAS DA PRIMAVERA também EM

BEJA...

AS MAIAS AS FESTAS DO VERDE E DAS FLORES AMARELAS E DE

TODAS AS CORES...

AS FESTAS DA ESPERANÇA NO VERDE DAS SEARAS QUE

SE HÃO-DE TRANSFORMAR NO AMARELO DAS

COLHEITAS DA COR DO OURO E DO SOL...

AS FESTAS que celebram o ciclo constantemente

renovado e aparentemente contraditório da ambígua

vitória da VIDA sobre a MORTE e da MORTE sobre a VIDA

que por sua vez será de novo vencida...

E foi assim que há anos muitos anos que estão ainda para vir que a

cidade de Beja se vestiu de FLORES e de CORES para celebrar uma

FESTA nunca vista e nunca acontecida que afinal se celebrava desde

sempre e em muitos lugares porque já vinha no coração e no ser

íntimo de cada pessoa desde os tempos imemoriais e esteve sempre

na alma e nas raízes destes povos de aquém do Tejo...

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Cada rua, cada bairro, cada canto de cada freguesia tinha o seu trono

ricamente engalanado com todas as riquezas que permitia a fantasia

das cores e dos odores que a Natureza tão prodigamente proporciona

nesta época do ano e em cada trono, entronizada, a rapariga símbolo

da beleza, da juventude, da alegria e da vontade de viver de toda a

gente...

Os sons, os cheiros misturados, o movimento e a agitação das

pessoas espalharam-se pelo ar e rapidamente se propagara a toda a

região e chegaram até à clareira escondida na floresta onde os magos

e as magas meditavam estudavam e procuravam descobrir,

descobrindo-se, a verdade, as verdades profundas da Natureza e da

Natureza Humana...

Ansiosos, insatisfeitos e preocupados, os magos da clareira escondida

na floresta, onde evidentemente havia as magas-fadas com a sua

afinada sensibilidade e encantos que encantavam os magos que por

sua vez as encantavam com os encantos que lhe eram próprios,

próprios da sua natureza e condição,...os magos da clareira,

dizíamos, ansiosos, insatisfeitos e preocupados em sondar o

significado dos gestos e manifestações que revelavam a maneira de

ser profunda dos humanos, depois de terem tentado terminar tanta

vez e dizer TAVONDO… CHEGA… TEM QUE CHEGUE… TEM AVONDO…

JÁ CHEGA… como dizia o António - o Romão ali o do Penedro com os

seus olhos brilhantes e manhosos quando o copo já estava cheio e

não cabia lá mais, para depois, malandro, o despejar todo de um

trago e o estender de novo e repetir depois de cheio: ―‘tá

Avonde‖,...os magos ali escondidos na clareira da floresta à vista de

toda a gente, beberam no ar a chuva de sons e cheiros misturados

que andavam espalhados por toda a parte. e embriagados...

vestiram-se de flores amarelas e de todas as cores que abundavam

pelos campos e florestas e à beira dos caminhos e vieram misturar-

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se, visto que sempre estavam misturados, com o turbilhão da

turbamulta que celebrava a FESTA . . .

Era uma FESTA como já dissemos nunca vista, uma festa total, uma

festa de todos, uma festa geral desde sempre celebrada por todos

com gestos e actos ou autos que todos inventavam e em que todos

participavam... festa cheia de todas as cores e cheiros e encantos de

todas as flores a sobressaírem dos tapetes imensos de verdura que

naquele ano providencial cobria toda a imensidão dos campos que

eram de terra de barro vermelho como se a terra se tivesse

misturado com o suor e o sangue de todos os que neles trabalham e

trabalharam em séculos e séculos de amanhos e sementeiras que

alimentaram as sucessivas gerações de senhores e de escravos

embora aqueles fossem mais bem alimentados mas estes sempre

gastavam mais, que foram sempre muitos, muitos mais milhares os

mal alimentados que sustentam os poucos bem alimentados e agora

ali estavam cobertos do verde e da esperança de virem a

transformar-se no amarelo dourado das searas e dos girassóis e do

junquilho e dos pastos com promessas de oiro e de pão e de

abundância para o corpo e para a alma de todos…

Era de facto a FESTA. Via-se, ouvia-se, respirava-se, saboreava-se e

sentia-se a FESTA por todos os sentidos e poros do corpo e do

espírito que envolvia e embriagava as pessoas na sua totalidade, mas

no fundo, no fundo, ninguém sabia bem em que consistia a FESTA

porque a FESTA consistia precisamente naquilo que cada um cada

grupo era capaz de inventar, inventando espaços, inventando sons,

INVENTANDO A FESTA, para se surpreenderem e surpreender os

outros numa explosão de espanto e de fascínio do fantástico que

provocava um estado de embriaguez e de deslumbramento sem

igual...

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Era a FESTA!

Em todos os cantos ruas e praças e a qualquer hora do dia ou da

noite havia imenso por onde escolher e não havia possibilidade

nenhuma de escolher o espectáculo que se queria ver porque em

todas as praças ruas e cantos da cidade e de qualquer freguesia ou

lugar havia uma grande ou pequena multidão empenhada numa

parcela da FESTA que era total e não havia mãos a medir...

Mesmo assim, os magos e as magas que iam representando a

dramatização da sua Escola da Clareira escondida na Floresta aberta

ali aos olhos de toda a gente lendo e aprendendo no livro da vida os

muitos segredos que procuravam aprender e aprofundar nos livros e

no isolamento solidário das suas reflexões iam distinguindo aqui e ali

em diversos tempos e lugares que eram quase os mesmos diversas

manifestações que eram tão variadas e tão as mesmas celebradas de

diferentes maneiras que afinal se concretizavam na mesma sinfonia

de música e de gestos em movimentos tão diferentes e tão iguais que

era espantosa coisa de ver como diz o pai dos nossos cronistas e

contadores, dos artistas que detêm a arte de contar tudo o que há

para OUVER...

A lenda do Touro e da Cobra era representada ali entre a Praça da

República e o Castelo em jogo de grandes grupos que ora eram

cobras ora touros…

Também num canto do jardim e nos empedrados das calçadas gente

pequena e grande criava símbolos do Touro e da Cobra que ficavam

desenhados nas pedras até serem apagados... ou nasciam figuras de

barro e de madeira que de repente se animavam e ali ficavam

gravados, parados em luta num movimento estático que se

prolongava para sempre até os materiais durarem... em relevo... em

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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baixos relevos… desenhados e pintados em pratos ou nos mais

diversos objectos…

Em diversos recantos de ruas e de casas havia música e dança e

poesia que faziam renascer os movimentos sedutoramente

horripilantes Ai que impressão!!! Que nojo!!! Que horror!!!

da luta entre o Touro e a Cobra em evoluções de magia e de

fantasia...

Lá para o Bairro da Esperança celebrava-se igualmente e de diversas

maneiras, que eram as mesmas, a Lenda da Fonte Mouro com grupos

mais misturados de grandes e pequenos e de homens e mulheres,

outros mais propriamente só de gente grande outra só mais

predominantemente de gente pequena cada um como mais gostava e

dava azo a exprimir e satisfazer a sua fantasia e habilidades...

No Moinho da Torre parcial e efemeramente reconstituído no próprio

local onde diziam que existiu o outro diziam que na verdade não

era bem ali mas o que interessava isso? representavam aquela

história nunca acontecida mas que todos sabem que aconteceu da

Princesa transformada em Cobra, aquela que apertou a mulher até à

morte quando ia para lhe furar os sagrados olhos que a impediriam

de ter os olhos abertos para a vida...

Quando os artemagos da Lenda do Touro e da Cobra invadiam o

Castelo, saía nesse momento a pequena grande multidão de

cavaleiros e homens de pé que acompanhavam o LIDADOR na sua

derradeira e memorável surtida contra os Mouros para comemorar os

seus 95 anos de baptismo, 80 de vestir armas e 70 de Cavaleiro

enfrentando o temeroso Almoleimar e o poderoso Alboacém que são

derrotados e vencidos mas pagando com a sua morte e a de muitos

dos seus tão estrondosa vitória...

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Mas já à porta pequena de Santa Maria da Feira se juntavam os que

tinham ouvido o pregão que anunciava terem chegado de Lisboa

novas cartas da rainha a D Leonor, a aleivosa, que pediam aos

nobres e notáveis das vilas e castelos que não tivessem medo de

tomar voz por sua filha, D. Beatriz, casada com o rei de Castela que

os defenderia e remercearia por tudo quanto por ele fizessem...

coisas deveras duras de ouvir para a arraia miúda... e todos à uma

responderam ao aio que se prontificara a ler as cartas e as resumiu...

não sei para que mais me deter em ler o que aqui vem. A Conclusão

é esta: se quereis antes ter com a rainha ou com o Mestre e todos

responderam a uma voz: Com o Mestre! Com o Mestre... e logo os

maiorais fugiram e logo eles: Alça-se o Castelo! Alça-se o Castelo... e

o foram tomar defendendo-se os de dentro rijamente e puseram fogo

a duas torres em que estava muita munição... e os da vila entraram

dentro numa quarta-feira a horas de comer e assim passaram a

rondar e a vigiar a vila até que prenderam e mataram Mice Lancerote

que se dirigia ao reino do Algarve para levantar essa região e aclamar

o rei de Castela...

No meio de tudo isto e de tão pacata como admirável confusão, não

era coisa menos admirável de ver, os grupos de moços e de moças

que celebravam e gozavam os cantos e os encantos das fontes com

seus contos acrescentados ou remendados de muitos pontos que

cerziam e recriavam novas e espantosas histórias como aquela que

as magas e os magos foram surpreender na Fonte das Cavadas onde

os contadores como os caçadores e pescadores e outros mentireiros

cantadores tinham metido ali debaixo daquela cúpula arredondada

como se fosse um mausoléu um Touro e uma Cobra que não se

entendiam e passavam a vida a guerrear transformados um na bica

grossa e farta e a outra na bica mais estreita e impetuosa mas ambas

fartas e poderosas que juntando-se no pequeno tanque depois vão

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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correndo e serpenteando até ao mar (até a mar) até um dia voltarem

de novo transformadas em negras nuvens descarregando-se em

chuva sobre a terra e as nascentes para ali correram de novo na

Fonte inesgotável que é fresca de verão e quente no Inverno... pela

estranha magia de tudo o que nasce do ventre da Terra - Mãe.

Ai quem me dera ser água

Sempre da fonte a correr,

Para beijar os teus lábios

Quando lá fosses beber!

...lançou uma cantadeira, desafiando o grupo para um descante… e

logo um pretendente a namorado respondeu:

Ai! se eu pudesse ser água,

E tu lá fosses beber

Bebia, amor, tuas mágoas

E contigo ia viver! (ou morrer!)

A água tem mil segredos

Mil histórias p‘ra contar;

São amores ou são degredos

Que vão correndo pró mar!

Quantos segredos encerra

A água a correr das fontes?

Traz lá do Ventre da Terra

Mil lendas, contos, amores!!!

...ali foram encontrar, as magas e os magos da clareira escondida na

floresta o espantoso grupo de moças e de moços cantando e

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questionando e tudo mudando da história e da lenda dos outros

contadores e mentidores... se não se estava mesmo a ver que aquela

abóbada redonda que mais parece uma cabeça gigantesca de um

árabe com o seu turbante não era mesmo um mausoléu que

guardava ali para sempre os amores proibidos pecaminosos à luz de

ambas as religiões e tradições entre um grande e formoso príncipe

mouro e uma bela e encantadora cristã de uma outra religião que

para ali vinham às escondidas de todos celebrar os seus encontros de

apaixonados e... numa noite de lua cheia... quando decidiam fugir

para longe, para uma ilha deserta onde enfim pudessem ser um do

outro sem necessidade de se ocultarem dos olhos reprovadores de

uma parte e outra...e eis que, eis que Alá e Javé intervêm lá do alto

do seu Céu ao mesmo tempo e querendo separá-los para sempre e

para exemplo de toda a humanidade, eis que sem terem tempo de se

entenderem e combinarem, fiados cada um na sua omnisciência e na

sua omnipotência, repentinamente tiveram a mesma ideia e ali os

juntaram para sempre em duas bicas cantantes permanentemente

juntas e permanentemente separadas, mais quentes de Inverno e

mais frescas de verão e a partir do tanque em que se misturam, aí

vão serpenteando pelos vales até ao mar (à mar) fecundando e

fertilizando as terras por onde passam e matando a sede aos

viandantes... e voltando sempre, sempre do mar em nuvens negras e

ameaçadoras de tempestade mas que trazem a chuva que vai

fecundar a terra e renovar as nascentes... e assim as duas Bicas são

a FONTE das paixões CAVADAS, proibidas por todas as religiões com

todos os dogmas e imposições que se não compadecem com a

Natureza Humana...

À vista disto, as magas e os magos sorriram surpreendidos por

aquela tão atrevida e desrespeitosa transgressão da lenda mito que

tão laboriosamente tinham ou/visto inventar sobre a FONTE DAS

CAVADAS... e mais sorriram, mas já discretamente, porque nessa

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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altura passavam uns sisudos senhores que deviam ser da

organização daquelas festas populares paciente e generosamente

organizadas pelos grandes senhores para entreter e divertir o povo

e... muito ajuizadamente, discorriam em voz baixa que se tornou

progressivamente mais alta e imperiosa: que desaforo!... Já não

há respeito pelas nossas tradições! Não se respeitam as lendas e os

contos que tão pacientemente mandámos recolher e divulgar como

fidedignas e autênticas!... mas que escândalo!... Por este caminho

onde é que isto vai parar... Isto não pode ser. Temos de mandar

intervir as forças da ordem e do saber e da ciência e da cultura e do

Poder... Se isto assim continua, se o povo aprende a divertir-se sem

licença... se não se limita a assistir a espectáculos prodigamente

fornecidos por medida e sabiamente orientados por nós! o que e que

vai acontecer?... Rapidamente aprenderiam que a Cultura é deles!

que lhes pertence! e ainda um dia aparecem aí uns loucos a pedir

direitos de autor por esta Cultura que a Natureza franca e generosa

põe à nossa disposição!!!... e o pior... o que ainda é pior... é que

depressa hão-de descobrir que a CULTURA TRADICIONAL, ela que é e

sempre foi essencialmente oral e transmitida de geração em geração

que a nova geração por sua vez recriava e reinventava, ainda

descobrem dizíamos que assim como os seus antepassados foram

espantosos criadores de contos e de cantos , ainda se convencem que

eles os de agora e os do futuro tem o mesmo direito!... e então lá se

acaba esta NOSSA DEMOCRACIA que tanto trabalho nos deu a criar...

e até, imaginem bem! tem permitido que o povo escolha os seus

legítimos representantes que os governam com tanta sabedoria e

sacrifícios de toda a ordem e tanto no que diz respeito à Cultura

como à Política e como na Economia!!!

... Ai se eles descobrem que podem inventar a Festa e podem pôr

um nome às coisas que eles inventam, e fazem a sua Cultura!!! Ai

que desgraça! É que, pôr nome às coisas, é ser dono delas! É ter

direitos e poder sobre elas! Se isso acontece, lá ficamos nós sem o

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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tão duro privilégio de os instruir, ensinar e educar, que tantos e tão

grandes sacrifícios nos têm custado até agora!... que até nos dão

direito a uma reforma mais cedo e bem paga!!!

Ainda os magos, magoados de grande mágoa, ouviam os últimos

comentários que já não ouviram ou não precisavam de ouvir mas já

noutros pontos assistiam a outros episódios incríveis espalhados por

imensos cantos e recantos...

Ali debaixo dumas abóbadas onde se queria criar cultura o mestre de

fazer nascer as formas no barro e na madeira que saem animados

das suas mãos ouve com atenção as sugestões dum pobre poeta e

medita descendo ao fundo das suas raízes a forma de representar o

seu povo a sua gente a sua região e enquanto amassa o barro vai

pensando e de repente começa a moldá-lo a dar-lhe forma e grita: já

está! E apareceu o pastor e o moiral e a ceifeira e o ceifeiro e a

catarina e os coros e as lendas e as fontes e as aias... a aprender

com ele e a ver como toma vida o barro informe ainda há pouco

inanimado as escolas e os arranjistas enviaram discípulos para

aprenderem com o mestre... daí a pouco, promovem-se exposições e

vendas e lá aparece o pobre e humilde artesão que tem a arte de

animar o barro rodeado de uma corte de ceramistas e artistas

consagrados diplomados a venderem as suas peças, pobres

tentativas de imitar o mestre, por bom preço devido ao seu nome e

ao seu diploma e à sua escola, enquanto o artesão que deu alma a

tudo vai assistindo escondido e discreto porque tem as peças presas

e pagas pelo espaço e material e forno e pelo pão que lhe pagam

para viver e criar... e foi assim que o vi um dia, não fui eu que o vi

foram os magos naquele dia de festa!, foi assim que o vi num dia

rodeado por uma corte de ávidos aprendizes pegar num bocado de

barro... começar a moldar... formar... criar... fazer nascer uma figura

ou um conjunto de figuras que representavam não sei o quê que se

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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movia ali na estática representação do barro ... e de repente...

afastando as mãos uma da outra, disse: já está!... e ainda não o

tínhamos ouvido bem ou ainda não tínhamos percebido, porque o

som das palavras ainda não tinha tido tempo de chegar ao nosso

entendimento e as suas mãos que criaram bateram uma na outra e

fizeram regressar o barro à sua forma informe primitiva que permite

todas as formas e criações... Já está! - disse-me ele um dia em

segredo... disse ele em segredo a um dos magos da clareira

escondida na floresta, franzindo os olhos marotos num misto de

tristeza inexprimível e de orgulho incontido…: A ideia já cá está na

minha cabeça e faço-a... e crio-a... ou destruo-a... quando me

apetecer! com as minhas mãos!!!

Mas já pelas ruas da cidade se assistiam às Cavalhadas e jogos e

lutas de cavaleiros... cavalheiros!!! talvez.

A praça de touros regurgitava de gente. Assistiam a uma tourada de

morte a pé e a cavalo!... Sem perceberem, sabendo, que assistiam

àquela luta interminável de um Touro e duma Cobra que nunca

existiram...

Já os campos desportivos se enchiam de gente que praticava os mais

diversos desportos e, em grupos diversos e diferentes espaços,

serpenteavam atrás de uma bola que voava e serpenteava por sua

vez até ser agarrada, domada e de novo lançada e disparada,

enchendo campos verdes de rabiscos de variegadas cores...

E havia merendas no parque da mata municipal... e grupos populares

os mais diversificados que jogavam a malha e o chinquilho e toda a

espécie de jogos tradicionais desde o pião ao arraiol...

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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E havia espectáculos, danças coreográficas, jogos e diversões nas

piscinas que serpenteavam em escorregas poços e baloiços...

E os claustros do convento de Nossa Senhora da Conceição e de S.

Francisco, assistiam às cenas reinventadas da Mariana e dos contos

Universais!...

Enfim, era uma cidade em festa... com todos os seus habitantes e

forasteiros a inventarem e recriarem as suas fantasias já feitas e

inventadas...

Eram assim as festas das MAIAS, AS FESTAS DAS FLORES, AS

FESTAS DA PRIMAVERA... AS FESTAS DA ALEGRIA E DA VIDA, A

FESTA DA ESPERANÇA NO VERDE DOS CAMPOS QUE SE IRIAM

TRANSFORMAR NO OIRO COR DO SOL DAS SEARAS E NO AMARELO

TORRADO DO GRÃO DAS COLHEITAS QUE SE TRANSFORMARÁ EM

PÃO...

Era assim a FESTA DAS MAIAS celebrando a vida em todo o seu

esplendor, em toda a sua pujança de juventude e, de novo,

tremendamente agressiva e destruidora de tudo o que é velho e não

resiste mais à força da VIDA NOVA que renasce, exactamente a partir

da MORTE...

Nestas festas, as MAIAS, as meninas entre os sete e os doze anos,

graciosamente enfeitadas de flores de todas as cores e odores, nos

seus tronos caprichosamente engalanados de flores amarelas das

giestas, e brancas dos jarros e rosas das olaias..., Meninas MAIAS no

limiar da sua meninice a passar para a adolescência, são, eram em

muitos lados o símbolo de toda a beleza e de todas as promessas e

de todos os sonhos... Promessas de rosa em botão que mostram toda

a sua beleza e esplendor pelo período de um dia e logo fenece e

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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murcha e se desfaz numa morte aparente carregada de sementes

que trazem em si os gérmenes da vida sempre a renascer...

Povo do Aquém-Tejo, desde tempos imemoriais, desde sempre ligado

à Terra e ao seu Culto, à sua Cultura, este Povo, já caldeado de

cúneos e lusitanos e depois de romanos e de árabes, têm na terra as

suas raízes tão profundas, que, é do VENTRE DA TERRA, que nasce o

seu PÃO o seu sustento, celeiro dum país, a sua CULTURA sustento

deste Povo e duma Região e sua forma de expressão através do seu

CANTE, da sua POESIA, dos seus CONTOS e LENDAS a sua VIDA...

só um POVO assim ligado ao VENTRE DA TERRA MÃE podia ter o

privilégio de ser, através dos seus GRUPOS CORAIS, a expressão

mais acabada do CANTE, só um POVO assim podia ter sido escolhido

para ser a própria VOZ DA TERRA!!!

Donde vêm então estas FESTAS das MAIAS que vamos reinventar?

E como eram celebradas?

Isso são contos largos que têm muito, ou quase nada de certo

para vos contar!

É já aí a seguir – AS MAIAS – AS FESTAS DA PRIMAVERA!

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img028 – as maias… no centro de muitas outras lendas e celebrações!!!

―Era assim a FESTA DAS MAIAS

celebrando a vida em todo o seu esplendor...‖ p. 332

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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img029 – a maia… (in DA)

In Diário do Alentejo, 15 de Abril de 1983.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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4.2.1 - AS MAIAS – AS FESTAS DA Primavera

A FESTA

AS MAIAS... eram por isso a ocasião oportuna para se celebrarem,

em toda a sua euforia loucura deslumbramento e alegria... as festas

de todos os sonhos anseios mitos símbolos aspirações tradições... dos

povos do Sul...

Conta-nos um cronista do Diário do Alentejo que se assina P.G., num

número talvez de um dia de Maio de 1954 (26 é a data que foi

possível detectar), numa coluna dedicada à FESTA DAS MAIAS:

―A sua origem distancia-se a épocas remotíssimas. Essencialmente

pagã, sendo por muitos escritores atribuída aos romanos. Com a

vinda dos árabes parece ter florescido mais, tanto assim, que é nas

terras onde estes mais se demoraram, que maiores vestígios ficaram

desta festa, como, por exemplo, no Algarve e nalgumas terras do

Alentejo.‖

(...)

―Tal como nos é descrito, por escritores que desta festa se têm

ocupado, procuramos dar uma pálida ideia do que ela era:

―Numa casa, junto à rua, constituía-se um trono todo ornamentado

de rendas, fitas, flores e objectos de ouro que lhe davam um certo ar

de riqueza. No sítio, procurava-se a rapariga mais bonita, com a

idade aproximada aos doze anos, para ir servir de Maia. Envergava

um vestido todo branco, tendo na cabeça uma coroa de flores; era

toda enfeitada de rendas, fitas, flores e jóias, como o trono que

ocupava.

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―Abria-se a porta, de par em par, e, na rua, em frente da ‗Maia‘,

erguia-se um mastro vistosamente ornamentado de verdura e flores,

em volta do qual se cantava e se dançava muito animadamente.

―Esta festa tinha lugar todos os anos no 1° dia do mês de Maio.

Todos os instrumentos musicais vinham para a rua nesse dia, ainda

que desafinados. Os adeptos de Lieu também não faltavam, havendo

abusos de toda a espécie. Era um dia completo de alegria e folgança.

―Cada rua tinha uma só ―Maia‖ procurando todos que a da sua rua

fosse a mais bonita, ganhando em tudo às outras.

―É ainda do nosso tempo a existência de uma só Maia em cada rua,

vestidas com relativo gosto, mas só aos domingos do mês de Maio.

Presentemente, são 3 e 4 na mesma rua, com a cara suja e mal

vestidas, em qualquer dia da semana.

(...)

―No princípio do século presente, era ainda costume, em Beja e

noutras terras, irem os seus habitantes passar o dia 1° de Maio nas

hortas, comendo lautas jantaradas, acompanhadas das respectivas

libações. Pelo dia fora cantavam e dançavam.

―Talvez, por esta razão, algumas Câmaras Municipais tivessem

deliberado que o seu feriado Municipal fosse no 1° de Maio.

―As actuais festas populares de São João e São Pedro fazem lembrar

um pouco as antiquíssimas festas das ―MAIAS".‖

... Vieram depois AS MAIAS dos anos 80...

Em 1982, por iniciativa do Núcleo de Etnografia da Casa da Cultura

da Juventude de Beja e do seu responsável Florival Baioa, apareceu

―uma única MAIA para uma cidade... ali na rua do Ulmo‖.

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Em Janeiro de 1983, a dinâmica poeta popular Maria Guiomar

Peneque cantava assim as MAIAS da sua infância distante:

No Largo Lima Faleiro

(que foi aonde nasci),

era eu ‗inda menina

Já lindas maias fazia

como outras iguais não vi.

Com uma cadeira alta

e outra mais pequenina,

logo no trono sentavam

de entre aquelas que chegavam,

a mais bonita menina.

Um lençol branco, bordado

ou uma saia de rendas

do pescoço até ao chão;

flores presas com pontinhos

dispostas em profusão.

Maças do rosto com tinta

feita a papel encarnado;

cara pintada a farinha,

lindos brincos-de-rainha

nas orelhas pendurados.

Uma capela de rosas

das mais bonitas que havia

tecida com malmequeres

e verdura entrelaçada

na cabeça se prendia.

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Cada uma à sua esquina

com a bandeja na mão,

à espera que os lavradores

que passavam p'rá tourada

nos dessem algum tostão.

Por debaixo das cadeiras

havia a caixa de lata

onde se juntava o lucro

das ofertas; mas as contas

davam sempre zaragata!...

A Maia largava o trono

(muitas vezes já à brocha...)

Cada qual com a sua parte

ia comprar guloseimas

à loja do senhor Rocha.

Ó minha querida cidade,

ó velha feira de Maio

dos tempos que já lá vão:

- Das Maias que já não vejo

só guardo a recordação.

E, a 15 de Abril de 1983, no Diário do Alentejo, agora semanal, onde

este poema apareceu, aparecia também, pela pena de Manuel de

Sousa Tavares, como que um anúncio da Primavera que chegava:

«―AS MAIAS‖ regressam este ano a Beja.»

Contava assim o jornalista, que tão dramaticamente nos ia deixar

passado um lustro:

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«Todos os anos, em Maio, era ver as crianças vestidas de branco,

cobertas de flores e grinaldas na cabeça, salpicando as esquinas das

ruas e largos da aldeia ou cidade deste Alentejo. Sentadas,

imperturbáveis, em seus tronos improvisados de banco ou cadeira,

trazidos de casa, tornavam-se sinal de novo ciclo da Natureza, do

“maduro Maio” das colheitas e do estio avizinhando-se. A quem

passava, vozes tenras soletravam invariavelmente em tom cantado:

“Um tostão para a Maia que não tem saia.” E na bandeja, lá ia

deslizando uma moeda, depois outra, “sempre poucas”.»

Mas em muitos lados as MAIAS foram proibidas e em muitas terras a

tradição foi-se perdendo e... o «MAIO DAS FLORES parecia

condenado a perder de vez uma das suas “sagrações”.», como

continua a dizer, mais adiante o cronista dos anos oitenta.

«Este ano, porém, o Núcleo de Etnografia da Casa da Cultura da

Juventude de Beja está disposto a reabilitar a tradição das MAIAS, a

mobilizar as crianças da cidade para o reanimar dos tronos onde

goivos e lírios, jarros e cravos com as giestas e as mimosas, as

papoilas e os lírios, os malmequeres brancos e amarelos e os

mentrastos e os espantosos tapetes de pequeninas flores das mais

variadas e impossíveis cores e odores, são o tesouro da Natureza

enfeitando o corpo de ―RAINHAS CRIANÇAS‖»... E tudo isto deve ser

entendido numa ― (...) perspectiva viva e activa, fruto de uma

filosofia participativa na defesa do nosso património histórico-

cultural.‖

Segundo a opinião, e talvez fruto da observação pessoal, do mesmo

jornalista «(…) esta “usança popular” estará em Portugal

particularmente entranhada nas crianças das classes mais pobres.

Através das MAIAS, elas conseguem amealhar o dinheiro (ainda que

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parco) para satisfazer necessidades que a sua condição converteu em

“capricho”. Em Beja, era normal as crianças que entravam nas

MAIAS partilharem as ofertas entre si, para depois gastarem, na Feira

de Maio, o dinheiro que geralmente os pais não tinham para lhe dar.»

Esta, seria uma maneira de retomar “ESSA SAUDAÇÃO DOS POVOS

AO RENASCER DA VIDA VEGETAL‖... que poderia ser animada com os

―jogos infantis tradicionais‖ como o berlinde, o jogo da pata, o eixo-

eixo-ribaldeixo, o pião...o apanha, o agarra, o salta e o mata...

Destas «MAIAS - TRADIÇÃO QUE REGRESSA» fez eco o Primeiro de

Janeiro de 10 de Maio de 1983 e, a 13 de Maio, o Diário do Alentejo

fazia assim a reportagem da festa:

« (...) As “MAIAS” voltaram, nessa sagração de um novo ciclo da

Natureza a que, anualmente, e desde a Antiguidade, diversos povos

se entregaram. Foram escolas inteiras como a “(...) Escola do

Salvador que colectivamente se empenharam na sua representação.

(...) ou ainda “ruas inteiras” (como a do Pé da Cruz) que

emprestaram uma nova moldura ao seu quotidiano: sobre o chão,

tornado tapete de flores e folhas de palmeira, se ergueu ali uma das

mais airosas “MAIAS” deste Maio diferente. (...) desde os bairros

mais modernos (como o do Ultramar) até aos suburbanos ou mais

pobres, como os do Pelame, Senhora da Conceição, Esperança,

Apariça, Zona Azul.»

É no entanto o semanário ―Expresso‖ pela mão de José Quitério que,

a 5 de Maio de 1984, traça o esboço de um estudo sobre as MAIAS

com mais dados e referências de várias fontes e autores...

Primeiro fala-nos das proibições destas festas.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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«Uma postura da Câmara de Lisboa, de 1385 rezava assim: “outro

sim estabellecemos que d'aqui em diante, em esta Cidade e seu

termo, nom se cantem Janeiras nem MAYAS, nem a outro nenhum

mez do anno.”»

«Em carta régia de 1402 também se determinava:

“(...) que não cantassem mayas, nê janeiras, e outras cousas que

eram contra a ley de Deus”.»

Cita ainda Pinho Leal que no seu ―Portugal Antigo e Moderno‖ (vol. V,

1875) onde refere que “há alguns anos o governo proibiu a FESTA

DAS MAIAS”.

Houve escritores que referem este rito popular por intermédio do

jornalista do Expresso de 1984, e o colunista do ―Diário do Alentejo‖,

levando-nos até trinta anos antes, onde nos é recordado o que

disseram Aquilino Ribeiro, Alexandre Herculano, D. Francisco Manuel

de Melo e Séneca.

Aquilino Ribeiro:

―Quando os pães apendoam, pelos caminhos, na testeira das belgas,

no festo dos cabeços, as giestas desentranham-se em maias. Maias

amarelas, maias brancas, é uma epifania.‖

Alexandre Herculano,

«em ―O Monge de Cister‖ (Capítulo IV, ―A festa da Maia‖), cuja acção

decorre precisamente no tempo de D. João I, depois de citar a

postura da Câmara de Lisboa ―(...) esguardando a uns graves

peccados que se em esta cidade de mui longos tempos acá faziam, e

extremadamente peccados de dollatria e costumes danados dos

gentios‖, indica que a lei não atingia as comunas de mouros e as

povoações por eles principalmente habitadas, e

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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descreve o ―préstito da maia‖ no Restelo: ―(...) a filha de Muça, que

fazia o principal papel, vinha cavalgando uma formosa hanaceia

levada de rédea por dois rapazes coroados de boninas e rodeada de

mancebos e donzelas, do mesmo modo enramados de flores e

cantando certas cantigas ao som de adufes e pandeiros, com uma

toada mui de folgar; (...) as crianças derramavam flores sobre a

cabeça dos maios pequeninos, que eram como génios que

circundavam a deusa da festa da Primavera‖.

Contudo, o colunista do ―Diário do Alentejo" de 1954, cita só, de

Alexandre Herculano: ― (...) porque a negregada cadela da filha (de

Muça) vai fazer de maia‖.»

D. Francisco Manuel de Melo,

na ―Carta de Guia de Casados‖ é citado por este último jornalista que

transcreve:

― (...) aborrece-me umas ―maias‖ muito enfeitadas sempre de

bordados e jóias, que parecem Fama de Procissão, ou Rainha Moura‖.

Já Séneca, desde os primórdios da era cristã dirigia ásperas censuras

contra a licenciosidade de tais ―Floralia‖.

MAIA é, em resumo, como dizem as enciclopédias um ―Rito popular,

sobrevivência de antiquíssimos cultos agrários, que consiste

essencialmente em enfeitar, no dia 1° de Maio, as portas e janelas,

os animais e os veículos, com ramos ou coroas de flores, sobretudo

com giestas. Trata-se de impedir a entrada do ―Maio‖, personificação

do Mal. Por vezes, a este rito, associam-se certos manjares

cerimoniais. ―MAIA personifica O DESPERTAR DA NATUREZA NA

PRIMAVERA e a sua festa celebrava-se em Maio e por isso terá dado

o nome a este mês.‖

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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"MAIA representaria uma deusa da fecundidade, a PROJECÇÃO DA

ENERGIA VITAL.‖

Voltando ao citado jornalista do ―Expresso‖ podemos ter uma

panorâmica das multímodas celebrações e motivações através do

tempo e do espaço:

"O dia das ―MAIAS‖ é o primeiro de Maio, que, desde tempos

imemoriais se comemora em Portugal e assume diversas formas

celebrativas de Norte a Sul.‖

Baseando-se depois em Ernesto Veiga de Oliveira, vai descrevendo as

várias formas de celebrar estas festividades, apoiando-se numa

considerável plêiade de estudiosos, tais como:

Abade de Baçal, Manuel Joaquim Delgado, Reis Dâmaso, Rafael

Bluteau, Rocha Peixoto, Jorge Dias, José Leite de Vasconcellos, Jaime

Lopes Dias, Luís Chaves, Luís da Silva Ribeiro...

Ao contrário de muitas outras regiões, em que a personalização do

―maio" retouceiro e sátiro é masculina, representado por rapazes

ataviados de giestas,

― (...) Nas províncias do Sul, a pessoalização é normalmente

feminina. Assim, no Alentejo, com particular incidência em Beja.

Aqui, as ―MAIAS‖ são meninas que vestem de branco e enfeitam com

flores, pondo-lhes na cabeça uma coroa de mais flores, e sentando-as

em cadeiras, à esquina de alguma rua, nalgum largo, ou junto à

porta de sua casa. Em seu trono enfeitado de rosas se aquietam

algumas horas, enquanto companheiras mais crescidas, com

pequenas bandejas na mão, pedem a quem passa:

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«- Meu senhor, um tostãozinho para a ―Maia‖»; ou «– Um tostão para

a ―Maia‖ / Que não tem saia!», segundo Manuel Joaquim Delgado.

«A mitologia cristã associa o hábito giesteiro à tradição de que,

quando Jesus nasceu, os judeus assinalaram a casa onde estava com

um ramo de giesta, para mais tarde o prenderem. Quando tal

quiseram fazer, todas as portas das casas da localidade – ó maravilha

de deus infante – estavam também com os mesmos ramos, tornando

impossível o reconhecimento....»

Rafael Bluteau, no seu ―Vocabulário Portuguez e Latino‖ (tomo V,

1716) diz das MAIAS que «(...) na antiga Gentilidade eram

espectáculos desonestos (...) representações obscenas (...) festa que

em Roma se celebrava com ramos, ervas e capelas de flores no mês

de Maio, por ser o tempo em que as plantas são mais viçosas (...)

antigos desatinos da gentilidade.»

Segundo o Abade de Baçal, as MAIAS são restos das religiões

naturais, adoradoras dos deuses protectores:

FLORA – deusa da florescência;

CERES – deusa dos frutos;

PALAS – protectora dos lameiros;

FAUNA – a ―Bona Dea‖, mãe de Mercúrio;

MAIA – deusa da fecundidade;

acrescentando que as nossas MAIAS se filiam nas festas FLORALES

romanas, celebradas durante seis dias, desde 28 de Abril a 4 de Maio,

em honra de FLORA, ―(...) por mulheres nuas saltando lascivas e

proferindo palavras obscenas, acompanhadas de gestos impúdicos.‖

«No fundo trata-se do velho mito solar em que o Verão, entrando em

luta com o Inverno, acaba por vencê-lo. E o Maio anunciava que mais

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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uma vez a terra ia ser fecundada, que a vida prosseguia e que o

amor e a luz inundariam outra vez o mundo.» (Rocha Peixoto) «Tudo

isto entronca em remotíssimos cultos agrários, na profundeza dos

séculos, em que os povos saúdam o renascer da vida vegetal com

ritos simbólicos as forças criadoras da Natureza.»

«Em Lagos existe a antiga ―Lenda do Maio‖, segundo a qual a

população costumava adornar um homem com as melhores jóias da

terra e que, montado em belo e enfeitado ginete, percorria as ruas na

manhã do 1° de Maio. Em certo ano, terminado o giro pela cidade, o

cavaleiro seguiu para o campo e desapareceu. Dizem que desde

então os lacobrigences ficaram esperando o ―regresso do Maio‖, a

ponto de haver um ditado popular ―Tornará como o Maio de Lagos‖.

A acompanhar todas estas festividades consta que havia a tradição

de grandes comezainas e bacanais desde a antiguidade, mas as

recordações mais recentes mostram que em geral no país se comiam

castanhas como esconjuro do mal e nas beiras todos comiam o

caldudo, e ao sul do Tejo é geral o costume de merendas no campo...

» «

Parece poder verificar-se que ―a gente sisuda‖, ―as pessoas

ajuizadas‖ os ―senhores‖ os representantes do poder civil ou religioso

ou cultural, não gostavam das MAIAS (como diziam os magos que já

tínhamos esquecido de tão escondidos na clareira aberta da floresta).

Não gostavam das MAIAS, como desde há muito se vêm contrariando

AS FESTAS POPULARES celebradas ao ritmo das Estações e da

Natureza que eram vistas como Manifestações pagãs, gentílicas, que

normalmente levavam a desmandos, excessos inconvenientes!

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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Nos regimes autoritários ou eivados de paternalismo e

proteccionismo, o facto é que o Povo existe para servir e divertir os

―grandes senhores‖ e ―padrinhos protectores e salvadores‖ e, se se

considera que tem algum préstimo aquilo que o povo produz ou cria,

(se é que o povo pode criar alguma coisa caso não seja permitido

pelos ―grandes senhores‖!) só o poderá fazer para os servir e

divertir... É ver os casos da música, da poesia, das artes populares...

Só em beneficio dos senhores é reconhecida e útil! Divertimentos

para o povo, aqueles que ―os senhores‖ prodigamente lhes oferecem

como - a Telenovela quotidiana nos dai hoje - mais os Telejornais e

os Telefilmes; ouvir ou ver/assistir ao menos a um desafio de bolapé

por semana, como – ouvir missa nos domingos e festas de guarda –;

gastar dinheiro em feiras, romarias e ―serões para trabalhadores‖ ou

outras variedades semelhantes em festividades especiais, locais,

regionais ou nacionais, sempre com atracções de fora, ainda melhor

se forem estrangeiros e muito caras... mas sobretudo nada de

excessos! nada de desmandos! Alegria e espontaneidade, sim, mas

devidamente controladas!!!

Como se a Natureza não cometesse excessos! Como se não houvesse

cheias, trovoadas, tremores de terra, vulcões e cataclismos que

ciclicamente renovam a Vida causando a Morte!!!

Como se ―os Senhores‖ não cometessem excessos!!! Excessos

proibidos e condenáveis ao Povo, mas que o Povo, como criança

menor, não pode cometer, sem ser severamente punido e penalizado,

exactamente pelos ―senhores‖ que podem cometer esses mesmos

excessos lá em casa ou no ―estrangeiro‖!!!

O ressurgimento da MAIAS, como das festas tradicionais, que

obedeciam ao ciclo do Sol, da Luz e da Vida, seriam uma Revolução

tão evidente como a descoberta heliocêntrica de Galileu, que poria a

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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Pessoa Humana como centro e medida de todas as coisas, e o Povo

centro e medida de todas as políticas e regimes!!! ―em que todos os

instrumentos vinham para a rua nesse dia, ainda que desafinados...,

em que era um dia de alegria e folgança!‖ em que a população se

sentiria em sintonia com a Natureza que se abre num mar Verde de

promessas, de Pão, de Alegria e de Vida, com toda a agressividade,

subversão e violência, que a própria Natureza traz - com os pólenes,

sementes e súbitas trovoadas - num crescimento para a Vida tão

intenso e por vezes tão brutal que, para muitos, vêm as alergias, e

para os que já não têm mais resistências, a Morte! para que a Vida

renasça.

Têm, afinal, muito para nos contar, AS MAIAS!

Mas chega. Tavondo!

MAIAS, como FESTAS POPULARES, só quando o Povo Soberano as

souber de novo inventar e criar como é de seu direito e dever.

Os donos do Poder, de qualquer Poder, desde o político ao religioso

ao económico e ao cultural, souberam sempre e sabem que, quem dá

o nome às coisas, é porque as cria, e se torna o dono dessas mesmas

coisas! Daí, no fundo, a grande luta surda entre as CULTURAS. a

popular e tradicional, e a académica dita erudita, como se a CULTURA

alguma vez pudesse estar em conflito ou contradição! O que está em

causa é, afinal, a manipulação da cultura para se servir ou para a pôr

ao serviço de quem?! Quando se decreta transformar a LÍNGUA – a

PALAVRA sem respeito pelo Povo que é o Dono e Criador incontestado

do mais poderoso meio de Comunicação, e/ou de Domínio, e/ou de

Libertação, é porque não convém, aos que a isso se atrevem, o

Senhorio do Povo sobre as coisas, os seres, a sua Língua, a sua

PALAVRA, a sua Vida.

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No dia em que o Povo assumir a FESTA, a PALAVRA, a ALEGRIA, a

VIDA, teremos então o Poder assumido pelo Povo – a Democracia.

Celebra-se hoje, 1° de Maio de 1989, o 1° Centenário da resolução

do Congresso Internacional de Trabalhadores de Paris, em 1889, que

consagrou o 1° de Maio como FESTA INTERNACIONAL DO TRABALHO.

Estaremos mais uma vez a subverter, ou em sintonia perfeita com a

Natureza pois já em 1890, esta data era celebrada em Portugal com

―um passeio ao campo‖ e, como dizia Rocha Pinheiro em 1894 a

propósito da FESTA DOS TRABALHADORES no dia 1° de Maio, trata-

se:

―(...) d'o triunfo da seiva nova e procriadora - o TRABALHO

(exaltação da fecundidade), sobre a força estéril e nociva - o CAPITAL

(esconjuro da entidade maléfica)... que como o Touro e a Cobra se

mantêm numa luta titânica e permanente com pontos mais altos ou

mais baixos na impossibilidade de viverem juntos/separados, como o

Bem e o Mal, como o Homem e a Mulher, numa descoberta sempre

conseguida e frustrada de fecundidade e reprodução...

Tal como a Natureza ciclicamente se renova, também a Comunidade

Humana tem de caminhar para o seu crescimento emancipação e

libertação, destruindo e apagando, renovando e transformando o que

é velho, caduco, estéril e nocivo... num caminhar imparável para o

desenvolvimento...

As MAIAS, as Festas da Primavera, da Vida e da Alegria, são o

símbolo desta Esperança constantemente renovada...

É afinal a Lei da Vida e da Natureza, tão evidente e visível no nosso

dia a dia, que até a Pessoa Humana a pode entender – os outros

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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seres estão sujeitos a ela, sem a poderem entender, pensamos nós –

sem disso poderem tomar consciência – e, esta consciência, pode ser

até Ideia Chave que nos permita libertar-nos da negativa angústia do

ancestral e corrosivo medo da velhice e da morte, porque,

finalmente, poderemos entender a velhice e a morte como condição

de uma Nova Vida que constante e ciclicamente se reNOVA.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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0.4.3 - NOTA FINAL – lendo LENDAS DE BEJA

PRETENDE SER UM DESAFIO PARA,

como o Velho Cigano,

PODERMOS IR LENDO LENDAS nas LETRAS das ESTRELAS!...

SERVE TAMBÉM ESTE LIVRO

PARA AFIRMAR AOS QUATRO VENTOS,

MESMO QUE NINGUÉM SAIBA OUVIR A VOZ DO VENTO,

QUE O POVO, E NESTE CASO O POVO DO ALENTEJO

AQUÉM DO TEJO

SEMPRE CRIOU A SUA MÚSICA, A SUA POESIA,

OS SEUS CONTOS, OS SEU CANTOS, AS SUAS LENDAS

A SUA ARTE

sem interferências (ou apesar) dos donos e dos doutores, apesar dos

colonizadores que lhe chamaram ALÉM - TEJO - e, como ―pôr o nome

é ser dono!!!‖ - que a vieram explorar e banquetear-se com ela!

É por isso mesmo, e apesar disso, que continua com o mesmo

Direito, Dever e até necessidade de continuar a criar a sua música, a

sua poesia, os seus cantos, os seus cantes e descantes, as suas

lendas e a sua arte, até para se exorcizar de todos os males,

e deles

Beja, 1° de MAIO de 1989

José Penedo

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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5 - BIBLIOGRAFIA/s

nota1

BIBLIOGRAFIA ou a referência às FONTES

apoios

e a solidão/ária

5.1 BIBLIOGRAFIA/s

5.1 – Bibliografia – referência às Fontes

5.2 – Bibliografia de Autores e Obras

5.3 Bibliografia Viva…

1A BIBLIOGRAFIA, como aliás vou ter oportunidade de dizer para o/s índice/s, vão numerados, depois de longas hesitações, porque são parte integrante da obra idealizada. Não são mero apêndice ou elementos

para facilitar a leitura. São capítulos de leitura que condicionam e orientam ou subvertem toda a Leitura.

Neste caso da BIBLIOGRAFIA, o mais importante, não é própriamente a Bibliografia como é entendida

em geral. A BIBLIOGRAFIA não escrita, essas HISTÓRIAS que você ouviu ccontar e de que já não se lembra... Aqueles de que se lembra mas não ligou importância nenhuma porque foram contadas por

alguém sem cotação no mercado das economias ou ideias rentáveis... Essas mesmo, que não podem estar aqui citadas, porque são as que voçê conhece, são A BIBLIOGRAFIA indispensâvel para entender

estas LENDAS e as reCONTAR e as subVERTER...

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5.1 BIBLIOGRAFIA a referência às FONTES

os APOIOS ou a SOLIDÃO SOLIDÁRIA

Nestas VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO, escritas na

angustiante solidão da desconfiança e da incompreensão, em que foi

preciso resistir aos constantes desânimos e desistências sucessivas,

pela falta de tempo, pela falta de condições, pela falta de estímulos,

pelos constantes apoios negativos que vão desde os risinhos

superiores dos pretensos eruditos sérios e realistas que só acreditam

no imediato, ate a necessidade de resistir para subsistir com horários

sobrecarregados de tarefas inúteis e absorventes, sem o mínimo

respeito pelo trabalho exaustivo de uma investigação tentando

caminhar por zonas pouco andadas e exploradas... tudo isto de

mistura com agressões inauditas, autênticos atentados a minha

dignidade profissional e humana, numa escola cega pela sua

infalibilidade diplomada de cultura livresca de costas viradas para a

realidade gritante, profunda e transformadora do meio em que esta

inserida...

no meio de tanta contrariedade, em que este acto de amor com a

cultura tradicional se transformava por vezes numa doação unilateral

quase violenta em que falhava a partilha do encontro amoroso;

no meio deste angustiante conjunto de circunstâncias que atingia

vezes sem conta os limites da resistência humana!...;

quem sabe se em vez de impeditivas, estas tremendas tensões limite

foram afinal a mola real que me terão levado, como a Sherazade das

mil e uma noites, a desafiar o Califa todo poderoso do destino e das

forcas que me queriam destruir, para, no encanto dos contos e das

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lendas e dos cantos, encontrar a magia, qual varinha magica, que

havia de trazer remédio para a situação de desespero sem saída em

que tantas vezes me encontrei;

eis que subitamente descubro que nada disto teria sido possível sem

me sentir rodeado de uma multidão de sábios e estudiosos e amantes

da cultura, da CULTURA entendida na sua acepção global que vai ate

as raízes...;

e afinal, a dolorosa viagem que parecia insuportavelmente solitária,

estava afinal acompanhada e impulsionada, solidária, por uma série

de ilustres viajantes audaciosas que me proporcionavam a sua

maravilhosa companhia, sem distinção de idades, sem limites de

tempo ou de espaços! sem a distancia inacessível do pedestal da

erudição e do desprezo pelo desejo esforçado de conhecer...

Que PRAZER agradável foi viajar com tantas e tão fantásticas

companhias, associadas a esta CARAVANA DE CIGANOS incansáveis

andarilhos que não param, atentos afinal, aquilo que os residentes

distraídos, de tão habituados, e os passantes apressados a caminho

das praias do Algarve, a não vêem!...

Eis pois, em género de crónica de viagem, que pára para descansar,

a lista ainda que incompleta das obras e autores e pessoas com quem

me foi dado viajar, nesta sedutora e exaustiva viagem através do

Maravilhoso destas TERRAS DO AQUÉM-TEJO…

Não seguira porventura as regras ortodoxas ditadas pelos donos da

cultura e do saber que da prémios e promoções! Não é isso que

procuramos…

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é que, como diz Miguel Torga, o insatisfeito e incansável andarilho

dos caminhos maravilhosos e perdidos deste Povo e desta Pátria a

Língua Portuguesa in PORTUGAL n'UM REINO MARAVILHOSO

(TRÁS-OS-MONTES) acontece a desgraça de O POVO SABER DE

Uma MANEIRA e as ESCOLAS SABEREM DOUTRA.

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5.2 - BIBLIOGRAFIA – autores e obras… JOSÉ LEITE DE VASCONCELLOS o Professor e Mestre, pela imensidão da obra que conseguiu escrever e tesouros que prodigiosamente pode coligir e me deu a oportunidade de consultar, como:

ETNOGRAFIA PORTUGUESA com seus 7 volumes; CONTOS POPULARES E LENDAS, I e II vol., com a coordenação de Alda e Paulo Soromenho;

CANCIONEIRO POPULAR PORTUGUÊS, I, II e III vol., coordenado e com introdução de Maria Arminda Zaluar Nunes; ROMANCEIRO PORTUGUÊS, I e II vol., com notícia preliminar de R. Menendez Pidal; publicações da Universidade de Coimbra impulsionadas pela dedicação e empenho do Professor Orlando Ribeiro com a colaboração de uma vasta equipa com o Prof. Manuel Viegas Guerreiro e o Dr. António Machado Guerreiro, além dos já mencionados que arrancaram da escuridão em que estavam mergulhadas, as preciosidades irrecuperáveis, fruto de longos anos de apaixonado e incansável trabalho. TRADIÇÕES POPULARES DE PORTUGAL, organização e apresentação de M. Viegas Guerreiro; FILOLOGIA BARRANQUENHA apontamentos para o seu estudo publicados pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda.

MANUEL JOAQUIM DELGADO o incansável e mal compreendido investigador das raízes do BAIXO ALENTEJO, sócio do Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia e sócio fundador da Sociedade de Língua Portuguesa, com

A ETNOGRAFIA E O FOLCLORE DO BAIXO ALENTEJO, 2a edição da Assembleia Distrital de Beja, 1985, tendo sidojá uma separata da Revista Ocidente, Lisboa, 1956.;

A LINGUAGEM POPULAR DO BAIXO ALENTEJO E O DIALECTO BARRANQUENHO (Estudo etnofilológico), 2ª edição da Assembleia Distrital de Beja, 1983, 1ª edição do autor, 1951 depois de ter sido publicada grande parte em artigos no Arquivo de Beja, entre 1948 e 1950; SUBSÍDIO PARA O CANCIONEIRO DO BAIXO ALENTEJO, I e II vol., 2a

edição do Instituto Nacional de Investigação Cientifica, Lisboa, 1980, 1ª edição de Lisboa, 1955; ENSAIO MONOGRÁFICO (Histórico, Biográfico, Linguístico e Crítico) acerca de Beja e dos Bejenses mais Ilustres, Beja 1973; com ―o manancial de preciosos elementos‖ que sem o seu trabalho seriam irrecuperáveis ou levariam imenso trabalho a recolher...

PADRE JOÃO RODRIGUES LOBATO pelos rumos que abriu e continua a abrir com suas recolhas, de lendas, falares e documentação em

AMARELEJA, RUMO À SUA HISTÓRIA, Évora, 1961 e pelo trabalho sobre Aljustrel que não tive oportunidade de consultar;

FRANCISCO VALENTE MACHADO pelo grande amor e dedicação com que se entregou à investigação de tudo o que podia ser útil à sua terra e a este Mundo

Maravilhoso das Tradições do seu Povo, pelos numerosos trabalhos que publicou e pelos que tem guardados e podem correr o risco de destruição e extravio; e pela

MONOGRAFIA DE VILA VERDE DE FICALHO, edição da Biblioteca, Museu de Vila Verde de Ficalho, 1980.

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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FERNANDA FRAZÃO pela sua crença nas raízes profundas da Tradição, apesar de ter visto nascer a televisão e temer pelo desaparecimento ―dos velhos e velhas‖ e da sua mágica forma de comunicação, que manifesta nas

LENDAS PORTUGUESAS, 6 vol. Amigos do Livro editores, sem data 1984?); e pelo espaço que neles dá ao Alentejo e as suas Lendas...

GENTIL MARQUES com o seu Imenso e perseverante trabalho na recolha, estudo e divulgação das LENDAS DA NOSSA TERRA, e pelas numerosas e quase exaustivas notas que se seguem a cada lenda, com numerosos dados sobre Beja; e pela Lenda da MOURA E DO TOURO (Messejana) vol. III, p.163 que pode servir para comparar com a da PRINCESA TRANSFORMADA EM COBRA, recolhida por José Leite de Vasconcellos, no Penedo Gordo, de Simplícia Maria das Dores; e pela lenda da FONTE MOURA, vol. III, p. 358, que é de Santarém e se refere ao tempo de D. Afonso Henriques, que pode servir para comparar com as LENDAS DA FONTE MOURO, daqui e do Algarve; tudo isto em

LENDAS DE PORTUGAL, 5 volumes, Editorial Universus, publicados em 1962 Lendas dos Nomes das Terras, 1963 Lendas Heróicas, 1964 Lendas

de Mouras e Mouros, 1965 Lendas Religiosas, 1966; e Lendas de

humor. CARLOS OLIVEIRA e JOSÉ GOMES FERREIRA, pelo estudo inicial e pelo monumental trabalho de recolha, ou antes, escolha de contos já publicados: ―Os contos populares publicados nesta antologia foram escolhidos de obras de Teófilo Braga, Adolfo Coelho, José Leite de Vasconcellos, A. Tomás Pires, Consiglieri Pedroso, Ataíde Oliveira e outras

colectâneas e revistas por onde tem andado disperso o tesoiro que hoje se reune aqui.” em

CONTOS TRADICIONAIS PORTUGUESES em 4 volumes, das Iniciativas Editoriais, Lisboa, em edição especial para a Lavraria Figueirinhas, Porto, sem data, (p. 58?).

TEÓFILO BRAGA pelo trabalho pioneiro de investigador incansável em

O POVO PORTUGUÊS NOS SEUS COSTUMES, CRENÇAS E TRADIÇÕES, em 2 volumes, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1985 (1ª ed. de 1885), e CONTOS TRADICIONAIS DO POVO PORTUGUÊS, 2 volumes, Publicações Dom Quixote, Lisboa 1987, (1ª ed. de 1883), ambos publicados na colecção PORTUGAL de PERTO, dirigida por Joaquim Pais de Brito, assistente de Antropologia do ISCTE, com valiosos trabalhos e estudos de Etnografia e Antropologia de inestimável valor e profundidade.

ALEXANDRE HERCULANO o austero e implacável criador do Romantismo, em especial pela criação da LENDA:

A MORTE DO LlDADOR e os inesgotáveis dados históricos dos primórdios da Nacionalidade, em LENDAS E NARRATIVAS que apareceram coligidas em 1851 depois de publicadas em O PANORAMA e A ILUSTRAÇÃO, como monumentos para renovar a Literatura em Portugal, e pela HISTORIA DE PORTUGAL que começou a publicar desde 1846 e nos chegou através da ULMEIRO, edição de José A. Ribeiro, Lisboa, 1980.

Júlio MARTINS professor efectivo no Colégio Militar, pela selecção dos textos e comparação com os extractos dos

LIVROS DE LINHAGENS insertos no PORTUGALIAE MONUMENTA HISTORICA,

SCRIPTORES, e excerto da p. 279-280 da Morte do Lidador em TRECHOS SELECCIONADOS DAS LENDAS E NARRATIVAS DE ALEXANDRE HERCULANO, Didáctica Editora, Lisboa, 1974.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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MÁRIO GONÇALVES VIANA pelas achegas, informações e opiniões que manifesta sobre os diversos períodos literários e citações que nos faz chegar de Matos Sequeira e Fidelino de Figueiredo, sobre Mariana do Alcoforado, em

O AMOR NA LITERATURA PORTUGUESA, Domingos Barreira editores, Porto, sem data.

ANTÓNIO BELARD DA FONSECA ilustre Bejense, advogado, que se dedicou à investigação de Arte, e escritor, que foi Director do Museu Regional Rainha Dona Leonor, pelo rigor e clareza com que traz uma luz nova sobre os equívocos provocados pelo editor das LETTRES PORTUGAISES, em 4 de Janeiro de 1669, o senhor Barbin, e o presumível autor que terá sido o tradutor das CARTAS, Guillerauxes, no seu livro

MARIANA ALCOFORADO A FREIRA DE BEJA E AS LETTRES PORTUGUAISES, 1966, bem como as achegas para responder a falsas interpretações mal documentadas, com os apoios de muitos outros autores e investigadores como: MANUEL RIBEIRO com VIDA E MORTE DE MADRE MARIANA ALCOFORADO, Lisboa, 1940 e

LUCIANO CORDEIRO, com SOROR MARIANA A FREIRA PORTUGUESA, 2ª ed. Lisboa, 1890 e GODOFREDO FERREIRA, que em 1923 nos informa sobre o espantoso número de edições nas diversas línguas que tiveram AS CARTAS PORTUGUESAS e ainda o poeta EUGÊNIO DE ANDRADE pela TRADUÇÃO E ORDENAMENTO DAS CARTAS PORTUGUESAS Atribuídas A

MARIANA ALCOFORADO, edição bilingue RTP, Março de 1980. FERNÃO LOPES:

AS CRÓNICAS DE FERNÃO LOPES CRÓNICA DE EL-REI D. PEDRO, CRÓNICA DE EL-REI D. FERNANDO, CRÓNICA DE EL-REI D. JOÃO em português moderno, por ANTÓNIO JOSÉ SARAIVA, Antologias Universais da Potugalia Editora, sem data <1982?), em especial o capitulo da página 215 e seguintes: A INSURREIÇÃO NA PROVÍNCIA Como foi tomado o castelo de Beja e morto o Almirante Micer Lançarote, que termina assim:..."O almirante quando viu isto começou a defender-se o melhor que podia; e bradando-lhe eles que viesse ca abaixo e não tivesse medo, assim o fez. Mas pensando encontrar neles piedade e compaixão, foi morto de ma e aviltante morte. Assim acabou os seus últimos dias.” Porquê ―traduzir‖ os célebres ―postumeiros dias‖?

FERNÃO LOPES

HISTORIA DE UMA REVOLUÇÃO Primeira parte da CRÓNICA DE EL-REI D. JOÃO I DE BOA MEMÓRIA, com actualização do texto, introdução e notas de José H. Saraiva, Publicações Europa-América, Janeiro de 1977, em especial pelo capítulo 42, p.158,

A REVOLUÇÃO EM BEJA Como foi tomado o castelo de Beja e morto o almirante Mice Lançarote, que termina assim: “...O almirante, quando esto viu, começou de se defender o melhor que pode. E eles bradando que descesse afundo e não houvesse medo, houve-o de fazer. E cuidando de achar em eles piedade e compaixão, mataram-no de ma e desonrada morte, e assim acabou seus postumeiros dias.”

FERNÃO LOPES de AUBREY F.G. BELL Tradução do Inglês por ANTÓNIO ÁLVARO DORA,

José Ribeiro Editor, 3ª edição: Março de 1986, Ulmeiro, que tomou por base

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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a 2ª edição, corrigida, da Revista Ocidente, de 1943, como diz o editor, Trata-se de um livro fundamental para a compreensão de Fernão Lopes.‖

A. KIBEDI VARGA

TEORIA DA LITERATURA, com a colaboração de Benoit de Cornulier, D.W. Fokema, Heide Gottner, Michel Grimsud, Elrud Ibsch, P.W.M. de Meier, Heinrich F. Plett, Horst Steinetz, Teun A. Van Di, Aart Van Zoest, Pierre V. Zima, tradução de Tereza Coelho, apresentação e revisão de Eduardo Prado Coelho, Editorial Presença, o Copyright by A. et J. Picard, 1981, pela vasta bibliografia que apresenta em cada uma das colaborações, pela actualização e desafios que faz a todo o trabalho de Análise Textual, abrindo-se ao

campo de inúmeras disciplinas e áreas de investigação. RICHARD E. PALMER

HERMENÊUTICA, HERMENEUTICS NTERPRETATION THEORY in Schleiermacher, Dilthey, Heidegger and Gadamer, Northwestern University Press, 1969, Tradução de Maria Luísa Ribeiro Ferreira, Edições 70, Lisboa, 1986, pela profundidade que sugere para a Teoria da interpretação literária.

MESQUITELA LIMA

ANTROPOLOGIA DO SIMBÓLICO (ou o simbólico da Antropologia), Editorial Presença, 1983, pelas pistas que apresenta e pelos exemplos apresentados de, a partir de contos tradicionais em diversas variantes, e analisando a sua estrutura, descobrir as suas simbólicas e então partir para uma visão quase global das respectivas sociedades, o que se torna

impraticável como diz o autor. CARLOS REIS

TÉCNICAS DE ANÁLISE TEXTUAL. Livraria Almedina, Coimbra, 2ª edição, 1978, por ser o livro fundamental para a abordagem de qualquer texto.

Vítor MANUEL DE AGUIAR E SILVA

TEORIA DA LITERATURA, Livraria Almedina, Coimbra, 4ª edição, 1982,

pela constante renovação e actualização que revela e pela abertura e exigências cientificas que demonstra e exige.

D. A. TAVARES DA SILVA Professor do Instituto Superior de Agronomia, que nos deu o

ESBOÇO DUM VOCABULÁRIO AGRÍCOLA REGIONAL, separata dos ―ANAIS

DO INSTITUTO SUPERIOR DE AGRONOMIA‖ vol. XII, Lisboa, 1942, e por este trabalho ser o resultado de “...observar a terminologia dos nossos agricultores, muito sua, original por vezes, pois em grande parte, cuido eu, se não encontra nos dicionários...E quantas vezes estes e outros vocábulos regionais, que os léxicos não registam, definem com justeza tão perfeita a operação técnica, que sobreleva a do termo cientifico." Dai a riqueza e expressividade da nossa Língua que tudo e capaz de definir com propriedade e precisão excepcionais, e muito seria útil ao país para conhecimento do todo e de cada uma das regiões.

ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA que organizou a antologia que intitulou;

TESOUROS DA LITERATURA POPULAR PORTUGUESA, Editorial Verbo, Lisboa, S. Paulo, 1985; pelo pretenso serviço prestado a Literatura Popular; pelo mau exemplo e descaramento insultuoso contra o Povo a pretexto de balofa

erudição que não é capaz de ver na dicotomia da maior parte das quadras populares a ligação do tema e da expressão dos sentimentos ou da sátira e da ironia, a Natureza e a realidade da vida a que o povo está ligado; insultando o povo (que) raro cria, antes adopta e adapta o que recebe de

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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alguém de mais instruído intelecto..., mas reconhece que e o nosso cancioneiro...o mais vivente e fecundo, e finalmente publica, depois de descaradamente a insultar, as recolhas de recolhas e selecções de múltiplas selecções, os grandes primores da alma portuguesa. !!! Com tantos

exemplos de obras de grande fôlego, não dá nenhum exemplo de DÉCIMAS, que consideramos a mais artificiosa e complexa forma de poesia popular!

SELMA LAGERLÖF (1858-190) Prémio Nobel da Literatura, a primeira escritora a receber tal galardão e 1909, por nos ter dado

A MARAVILHOSA VIAGEM DE NILS HOLGERSON ATRAVÉS DA SUÉCIA, tradução de Maria de Castro Henriques Osswald, 5ª edição da Editora

Educação Nacional de Adolfo Machado, Porto, s/data; HISTÓRIAS MARAVILHOSAS, versão portuguesa da Editorial Minerva, Lisboa 1952; O LIVRO DAS LENDAS, Tradução de Pepita de Leão e introdução de Paulo Arinos, Edição Livros do Brasil, Lda., Lisboa, s/data; A CARROÇA FANTASMA, versão Portuguesa de Leão Penedo, Filme da Transcontinental (Colúmbia), Editorial Minerva, Lisboa, 15 de Agosto de 1941; OS SETE PECADOS MORTAIS E OUTROS CONTOS.... enfim por toda a sua obra e por todas as suas MARAVILHOSAS VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO, mais real do que eu estar aqui e tu ai como dizia que a sua avó lhe dizia, quando no final de um conto lhe acariciava carinhosamente a cabeça...

PEARL S. BUCK Prémio Nobel, pelas HISTÓRIAS MARAVILHOSAS DO ORIENTE, tradução de Fernanda Pinto Rodrigues, Edição Livros do Brasil, Lda., Lisboa, 1965, que afinal são uma VIAGEM de descoberta, por terra e mar, a um mundo fabuloso de encanto e Fantasia, o mistério lendário das terras orientais. Os primores da sabedoria e da imaginação asiáticos reflectem-se nestas histórias maravilhosas que Pearl Buck recriou com o talento inimitável que lhe valeu o prémio Nobel.

RUDYARD KIPLING (186-1936), Prémio Nobel em 1907 pela sua obra em especial:

SIMPLES CONTOS DAS COLINAS KIM O LIVRO DA SELVA

CHARLES PERRAULT (1628-1703) pela coragem de, na sua época, irromper pelo campo do maravilhoso e do imaginário, em especial com

LES CONTES DE MA MÈRE L‘OYE (1694), contos que recolheu para “l'amusement des enfants‖ e CONTES DU TEMPS PASSÉ (1697), obras que ilustram a sua destemida e temerária posição na famosa QUERELLE DES ANCIENS ET MODERNES.

HANS CHRISTIAN ANDERSEN (1805-1875) autor de

CONTOS que publicou entre 1835 e 1872 e na sua simplicidade acessível, parece escrever para crianças, o que só os adultos podem entender em toda a sua profundidade...

ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY (1900-1940), piloto militar francês, que foi abatido num voo de reconhecimento durante a segunda guerra mundial, pelos voos-

desafios que nos deixou nas SUAS obras, em especial por nos CATIVAR ―aprivoiser‖, com

LE PETIT PRINCE, Librairie Gallimard, Paris,1943.

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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LYMAN FRANK BAUM (1856-1919) pela fantasia com que nos sabe levar com Dorothy, to

THE WONDERFUL WIZARD OF OZ, que naquele dia de ciclone, não conseguiu fugir para o subterrâneo para onde a chamava a tia Em, por causa do Totó que lhe saltou dos braços e se foi esconder debaixo da cama... e, aí vamos nós, depois da casa girar três vezes..., através dos ares, viajar pelos mundos do sonho...

WILHELM GRIMM (1786-1859) e seu irmão JACOB GRIMM (1785-1863), notáveis eruditos do romantismo alemão, e fundadores da filologia alemã, que nos deixaram a famosa e imensa recolha de CONTOS POPULARES, e se tornaram famoso pela divulgação dos

CONTOS DE GRIMM GIOVANNI BOCCACIO (1313-1375), que situando-se numa epidemia de peste em Florença, faz encontrar dez jovens, sete raparigas e três rapazes, que ao longo de dez dias de isolamento numa quinta ―encantada‖ nos dão os saborosos e picantes contos do

DECAMERON (1349-1353) LEWIS CAROL ou antes CHARLES DODGSON (1832-1898) pelo encanto refinadamente irónico e perigosamente adulto com que nos leva ao mundo infantil de

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS ou melhor "ALICE'S ADVENTURES IN WONDERLAND

JONATHAN SWIFT (1667-1745), escritor irlandês que em 1726 publica uma violenta sátira à sociedade inglesa e à civilização da época com

AS VIAGENS DE SAMUEL GULLIVER, que encontramos habitualmente como Viagens de Gulliver, presumivelmente apropriado para crianças...! e assim vamos até ao país dos anões, depois ao dos gigantes, depois, à ilha em movimento habitada por sábios, e enfim até à região dos cavalos civilizados

que dominam antropóides degradados! Enfim, um mundo de FICÇÃO! JEAN DE LA FONTAINE (1621-1695) por nos ter dado o retrato pedante da sociedade do século XVII (ou ―...de tout temps/les petits ont pâti des sottises des grandes‖) através da sua Arca de Noé rebelde e brincalhona dedicada ao Delfim de França, para através das

FÁBULAS

que devemos a ESOPO, o ilustre príncipe se poder distrair, já que isso é permitido aos príncipes; mas também para, por debaixo de uma capa de aparente puerilidade, poder dedicar alguns pensamentos a reflexões mais sérias e a algumas verdades consideráveis! Não será descabido evocar aqui, de novo, Miguel TORGA ou Adolfo Rocha com os seus/nossos BICHOS!

CONTOS ÁRABES AS MIL E UMA NOITES!!!

VLADIMIR PROPP

AS FUNÇÕES DO CONTO, pelos meios que fornece... NUNO BETELHEIM

PSICANÁLISE DO CONTO DE FADAS, pelas pistas que abre...

LUIZ VAZ DE CAMÕES OS LUSÍADAS e a sua monumental viagem através do tempo e do

espaço que vai da Via Láctea à Ilha dos Amores e passa por dezasseis séculos de história da civilização pC, mergulhando até aos tempos de

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

367

Homero aC e não descortinamos até onde e até quando o génio do seu poema abre clareiras de prodigiosa fantasia, mais real e profunda que a própria realidade!!!

FERNÃO MENDES PINTO PEREGRINAÇÃO pelas suas viagens de ladrão civilizado e de bandido

apóstolo, de civilizador de civilizações surpreendentes, navegando por este rio acima através dos REINOS DO FANTÁSTICO REAL!

GONÇALO FERNANDES TRANCOSO

CONTOS E HISTÓRIAS DE PROVEITO E EXEMPLO, de 1575

JOÃO BAPTISTA DE ALMEIDA GARRETT

VIAGENS NA MINHA TERRA e a sua promessa/desafio de tomar o bordão de romeiro e caminhar de novo por esse Portugal fora, à procura de histórias para te contar... en/cantar/cont(r)ar...

MIGUEL TORGA

PORTUGAL e o DIÁRIO, que em resumo são as suas viagens incansáveis e de uma profundidade ímpar através do país, através do Tempo, do Espaço, em especial por ―UM REINO MARAVILHOSO TRÁS-OS-MONTES sim, porque, mesmo num reino maravilhoso, acontece ―a desgraça de o povo saber duma maneira e o povo de outra!" e pelo retrato do ALENTEJO e o cântico do Homem e da Terra!

ADOLFO COELHO

CONTOS POPULARES PORTUGUESES, 1ª edição de 1879 e Publicações Dom Quixote, Portugal de Perto, Lisboa 1988, e o prefácio de Ernesto Veiga de Oliveira.

CONSIGLIERI PEDROSO

CONTOS POPULARES PORTUGUESES, (1ª edição em 1910 e edições Vega 1978 ), com prefácio de Maria Leonor Machado de Sousa que lhe agradece pelos preciosos documentos para a compreensão dos vectores tradicionais da nossa cultura.

J. DAVID PINTO-CORREIA

ROMANCEIRO TRADICIONAL PORTUGUÊS, Editorial Comunicação, Lisboa,

1984, pela apresentação crítica, organização, notas e sugestões para uma análise literária do nosso romanceiro...

ADOLFO SIMÕES MÜLLER

O PRÍNCIPE IMAGINÁRIO E OUTROS CONTOS TRADICIONAIS PORTUGUESES, Distri Editora, 1985, pela selecção prefácio e notas...

MARIA LAURA BETTENCOURT PIRES HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTIL PORTUGUESA, Editorial Vega,

Lisboa, s/data, pela lucidez que revela de procurar as suas raízes na literatura tradicional oral... e por assim tentar destruir a hipotética barreira que existe entre a Literatura Tradicional e a dita Erudita! /Infantil!...

MICHEL GIACOMETTI e FERNANDO LOPES GRAÇA

CANCIONEIRO POPULAR PORTUGUÊS, Círculo de Leitores, 1981, e pela obra incomensurável que construíram e estão a construir...

MANUEL DA FONSECA

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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SEARA DE VENTO – CERROMAIOR e por toda a sua obra de poesia encantatória sobre o Alentejo...

OLÍMPIO NUNES

O POVO CIGANO, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1961, por conseguir ir to longe e tão dentro de um mundo de mistério e maravilhoso que escapa a todos ou a grande maioria dos que se sentem incomodados ou fascinados por ele!

MARIA JOÃO PAVÃO SERRA

FILHOS DA ESTRADA E DO VENTO, CONTOS E FOTOGRAFIAS DE

CIGANOS PORTUGUESES, Assírio e Alvim, Dezembro de 1986, pelo impacto e divulgação que conseguiu despertar...

JOSÉ SILVESTRE RIBEIRO

BEJA NO ANNO DE 1845, com introdução de José Manuel da Silva Passos, pelo retrato que nos legou de Beja do século XIX, ele, que foi Governador Civil nesta cidade em 1845-1846, edição da Câmara Municipal de Beja, 1986

FERNANDO NUNES RIBEIRO

O BRONZE MERIDIONAL PORTUGUÊS, Beja 1965 e A VILLA ROMANA DE PISÕES, Beja, 1972 publicados in ARQUIVO DE BEJA, pelas recolhas e investigações arqueológicas e históricas que nos levam a procurar as raízes do Povo Alentejano, para além dos Árabes e Romanos, até aos vestígios de um POVO CÚNEO que possivelmente abrem profundas pistas para o desenvolvimento desta região agrária num REGRESSO AO FUTURO que se impõe...

JOSÉ D. GARCIA DOMINGUES

O ALENTEJO ÁRABE E A SUA INTERACÇÃO NO REINO DE PORTUGAL, Lisboa 1958, separata da revista INDEPENDÊNCIA, da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, pelo tremendo campo de batalha que nos mostra, onde, apesar de tudo, floriu poesia...

ARNALDO SARAIVA, pelos trabalhos, estudos e investigações no campo das Literaturas Marginais e outros estudos... e pela aproximação distante... JOSÉ SARAMAGO

LEVANTADO DO CHÃO a retratar o ALENTEJO ou um ALENTEJO, e pelo

seu fantástico MEMORIAL DO CONVENTO e por nos ter posto a navegar na sua inacreditável JANGADA DE PEDRA...

JOSÉ GABRIEL PEREIRA e FERNANDA BIRRENTO

A MULHER, O LEITE E A COBRA, edições Rolim 1988, pelas pistas que nos abrem a investigar o quotidiano (crendices?) que mergulha nas raízes da criação do mundo...

JEAN CHEVALIER et ALAIN GHEERBRANT

DICTONNAIRE DES SYMBOLES, MYTES, RÉVES, COUTOUMES, GESTES, FORMES, FIGURES, COULEURS, NOMBRES, Ed. Robert Lafont/Jupiter, Paris, edition originale 1969, et edition revue et corrigé 1982, pelos elementos fronecidos para desvendar os SIGNOS, SINAIS, ÍNDICES, INDÍCIOS, SÍMBOLOS...

LA SAINTE BIBLE Traduite en Français sous la Direction de L'École Biblique de Jérusalem, Desclée de Brouwer, Edition du Cerf, Paris, 1955.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

369

5.3 – ainda uma bibliografia viva… e o livro vivo…

Há, ainda, lugar para pessoas, estudiosos e amigos, que directa ou

indirectamente me acompanharam e acompanham nesta tão penosa

e por vezes angustiante como agradável VIAGEM ATRAVÉS DO

MARAVILHOSO. Cito em especial:

JOSÉ EDUARDO BARBOSA BENTES, pelo amor e dedicação que dedica

aos mínimos pormenores do Património Cultural de Beja e outros, a

ponto de ganhar o epíteto de ―O Cheira Pedras‖.

ABÍLIO PERPÉTUA RAPOSO, coordenador Distrital de Beja da

Direcção-Geral de Educação de Adultos, pela publicação da

LITERATURA POPULAR DO DISTRITO DE BEJA, Edição do Ministério

da Educação e Cultura e Direcção-geral da Educação de Adultos,

1986.

ABÍLIO TEIXEIRA, coordenador da Concelhia de Beja da DIRECÇÃO-

GERAL DE APOIO E EXTENSÃO EDUCATIVA, pelas recolhas e

incentivos que tem tentado para a investigação e divulgação da

Poesia Popular e valores tradicionais...

ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DO PATRIMÓNIO CULTURAL DA

REGIÃO DE BEJA, pelas inúmeras iniciativas e trabalhos

desenvolvidos e promovidos...

MUSEU REGIONAL DE BEJA, e a todos os que lá trabalham pelas

informações e dados fornecidos, e pelas pesquisas permitidas e pelo

trabalho de abertura e revitalização do museu vivo e interveniente

que a cidade e a região precisam...

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

370

POPULAÇÃO DE BEJA, cidade, concelho, distrito e a todos os

ALENTEJANOS que com a sua maneira de estar na vida, pelo seu

CANTE, pelos seus CANTOS e CONTOS e filosofia de vida nos dão a

matéria base para ler alguns fundamentos das características deste

POVO, em especial os habitantes do PENEDO GORDO e amigos

alentejanos que me honraram com a sua amizade e boa vizinhança e

tantas vezes estranharam este estrangeiro do Norte aqui perdido

nesta solidão!

O/A/s ALUNA/O/s DE PORTUGUÊS, LITERATURA PORTUGUESA e

LITERATURA PARA CRIANÇAS, da Escola Secundária Diogo de

Gouveia (Nº 1 de Beja), em especial aos cursos dos 10° e 11º anos,

de 1984/85, que inventaram o gosto pela Literatura que

estudávamos; os da Escola do Magistério Primário de Beja com os

Cursos de Educadores de Infância e Cursos de Promoção de

Educadores de Infância e o Curso de Professores, entre 1984 e 1987;

os da Escola Secundária Nº 2 de Beja (Escola Sec. Manuel da

Fonseca, proibido pelo Ministério e depois D. Manuel I) em especial os

alunos do 8° ano 5ª e 7ª turmas do Ano Lectivo 87/88, como por

exemplo para lembrar todos os colegas: o Luís Filipe (Bule), a Ana

Isabel, a Ana Paula, o Jorge Cruz, a Paula Cristina, o Rogério, etc.,...,

que tantas vezes não me entenderam nos caminhos que entendia

dever caminhar, e tanto me deram das suas memórias e cultura;

bem como todos os colegas e agentes culturais das mais diversas

instituições e associações que tantos dados forneceram e com quem

partilhei muitas des/ilusões... e os Cursos do 11º ano, 1987/88, da

Escola Sec. Nº 2, de Beja, pelas viagens fabulosas que inventaram

através do seu ALENTEJO, seguindo as pegadas de Garrett, viajando

para melhor conhecer e dar a conhecer a sua Terra... Não me lembro

dos nomes. Só me lembro que era uma turma de electrotecnia, e foi

das melhores turmas que tive a trabalhar a Língua e a Literatura,

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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mesmo comparando com turmas de Cursos Humanísticos com que

me foi dado trabalhar.

À MARIANA e ao CASTANHO, um casal real com quem convivi alguma

coisa, por me terem fornecido, sem o saberem, e sem eu o saber, a

ideia do par-ficção, que saltou para dentro destas viagens através do

maravilhoso, transformando-se em ciganos irrequietos e

irreverentes...

À NATÁLIA, que da sua cadeira de rodas, encontrou força para me

empurrar nesta viagem tantas vezes impossível e temerariamente

fascinante...

À PIEDADE, e à DIANA, que, para eu poder ter a companhia destas

tão numerosas e ilustres figuras, elas, as companheiras de todas as

horas e angústias durante a maior parte do tempo desta escrita,

tiveram de suportar a solidão imposta pela minha necessidade

absorvente de partir para as regiões da leitura e escrita criadora,

penalizando-as com a minha presença distante e tremendamente

dependente...

Finalmente, já na última década do século XX e no dealbar do século

XXI, falta citar a Fátima, a barranquenha, a fada alentejana, que me

deu por assim dizer, a cidadania alentejana, com o David, alentejano,

logo migrado para a Margem Sul, onde é notável e visível uma

interveniente comunidade de alentejanos… e a Beatriz, a princesa

cheia de encanto e magia!!!

Para todos, mas para elas especialmente, o meu abraço, um beijo

cheio de ternura, impregnado de todo o feitiço destas lendas

maravilhosas cujo significado profundo ainda me escapa... e nos

continua a espantar!!!

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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Falta citar

o grande LIVRO ABERTO que é a VIDA e em especial aqui A VIDA NO

ALENTEJO no seu apelo e solicitações constantes e, na sua imensa

SOLIDÃO, lembrando afinal que O ACTO CRIADOR só e possível no

AMOR, no AMOR PARTILHADO ENTRE O HOMEM E MULHER, mas

verificando, por contradição e ambiguidade, que o ACTO CRIADOR só

se realiza na SOLIDÃO absoluta... e no campo da arte, permito-me

citar os casos deste século:

A pintora VIEIRA DA SILVA que sentia necessidade de pedir aos

amigos que a deixassem não ter o prazer de ir tomar com eles o café

ou de ir a um concerto ou a uma festa, porque os seus quadros, sem

ela não nasceriam e a Humanidade ficaria mais pobre; o exemplo de

MIGUEL TORGA, o transmontano sempre chamado para o Reino

Maravilhoso da solidão de Trás-os-Montes, e sempre solicitado pela

vida, numa SOLIDÃO-SOLIDÁRIA inexprimível;

e ainda o exemplo do prémio Nobel da Literatura, Garcia Marques

que, depois de conceber os seus CEM ANOS DE SOLIDÃO, quando

durante uma viagem olhava o deserto e as montanhas!, e depois ...

tem de se isolar durante dois anos em que fica totalmente

dependente dos amigos e da família, para o tabaco, para a comida,

as necessidades primárias, e... até dos comerciantes que lhe

fiavam... para produzir a obra prima que deslumbrou o Mundo!

Ainda no final, este novo final em Junho de 1995, passados seis

anos!!!, tenho ainda um agradecimento muito a especial.

Todo este trabalho se teria perdido, se, em Julho de 1994, não

tivesse tido a sorte de encontrar a equipa do Projecto Minerva, em

Beja, que estava de malas aviadas para regressar ao seu trabalho

normal, depois de um trabalho pioneiro por todo o Distrito digno dos

maiores elogios. Como acontece muitas vezes neste Ministério de

Educação que parece apostado em deseducar, apesar dos professores

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que tem, ou talvez por causa disso, muitos que se empenharam em

trabalhos e experiências pioneiras e duma projecção ímpar, são

arrumados e ignorados como qualquer ―coisa‖ sem préstimo!!! Um

país pobre e de fracos recursos não se pode dar ao luxo de

desperdiçar, ignorar e enxovalhar, pessoas como estas que abriram

as portas do Futuro para as gerações do Futuro...

Na altura em que corria o risco de perder a informatização de todo

este trabalho, eis que, por indicação do Professor e amigo Vito

Carioca, pacientemente, os colegas Manuel Mantinhas e António Grilo,

do Projecto Minerva, pólo da Escola Superior de Educação de Beja,

sob o coordenação do colega Toucinho da Silva, me ajudaram e

permitiram que, com o skanner, recuperasse o que foi possível de

texto e desenhos para o poder reformular e trabalhar...

Pensei que seriam suficientes os serões de Inverno para recuperar

todo este trabalho e, só passado um ano cheguei ao termo do 1ª

fase.

Está enfim o texto recuperado. OBRIGADO e um grande abraço para

o Mantinhas e Grilo porque este trabalho fica, também, um pouco

deles.

Afinal, já em finais de 1995 e alguns meses de 1996, só a

persistência da Fátima nas revisões pormenorizadas, e o encanto da

companhia do David, agora ao lado da Diana, estão a permitir a

revisão e reconstrução final de todo este trabalho.

Uma viagem que começou, parecendo solitária, fica afinal como uma

obra colectiva e daí e não a assinar com o meu nome, mas, como

optei desde o início, com o meu deNómio, José Penedo. Este

deNÓMIO fica aí, a significar toda esta gente que permitiu que eu

realizasse este trabalho. Publicá-lo?!!! Isso será outra aventura e

outro desafio. Acho que não é comigo nem depende de mim.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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6 – EXTRAS

6.1

6.1.1 - Confidência

6.1.2 - Brinquedo de Miguel Torga

6.1.3 - Estrela de José Penedo

6.2

6.2.1 - Bibliografia do autor

6.2.2 - Uma Resenha d Ana Machado

6.2.3 - Referência à publicação destas lendas no Arquivo de

Beja pela mão do Professor Doutor José Orta

6.2.4 - O TOURO e a COBRA vistos por dois artistas de Tela e

do Barro – Paizana e Isaclino

6.3

SEPARATAS com várias montagens de imagens a permitir

sonhar com o tema do TOURO e da COBRA

6.3 - Separata 1 – Touros Luz

6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra

6.3 - Separata 3 – Estatuas Touro / Mulher Cobra

6.3 - Separata 4 – Pinturas – Picasso… Animalistas…

6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX)

6.3 - Separata 6 – TC Mitologia

6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários

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6.1.1 - CONFIDÊNCIA:

De um amigo, Já de cabelos brancos, e com multa falta

deles, e também com muitos muitos anos de Beja,

recebi um dia este desabafo:

“Beja é uma terra madrasta.

Não reconhece o valor e o trabalho dos seus filhos,

ou dos que vêm de fora para se dedicar e empenhar

ao seu serviço…,

mas bajula e se verga

aos estranhos que vêm para colonizar e explorar!...”

Não. Não é Beja e a sua gente descobrimos ambos

num repente São aqueles que se arvoraram em donos

para melhor colonizar e explorar!

Beja, Primavera de 1989.

José Penedo

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

379

6.1.2 - B R I N Q U E D O (Miguel Torga)

FOI UM SONHO QUE EU TIVE:

ERA UMA GRANDE ESTRELA DE PAPEL,

UM. CORDEL

E UM MENINO DE BIBE.

O MENINO TINHA LANÇADO A ESTRELA

COM AR DE QUEM SEMEIA UMA ILUSÃO;

E A ESTRELA IA SUBINDO, AZUL E AMARELA,

PRESA PELO CORDEL À SUA MÃO.

MAS TÃO ALTO SUBIU

QUE DEIXOU DE SER ESTRELA DE PAPEL.

E O MENINO, AO VÊ-LA ASSIM, SORRIU

E CORTOU-LHE O CORDEL.

Coimbra, 6 de Fevereiro de 1936 - Miguel Torga, in Diário I

6.1.3 - E S T R E L A (José Penedo)

e desde este dia, aqui, aquém do Tejo e do Mondego

tão distante da minha terra natal a Serra a minha Tserra Sterra

e do menino de bibe,

essa ESTRELA

deixou de ser ESTRELA de PAPEL

deixou de estar presa por um cordel,

e ao vê-la daqui,

sorri-lhe…! sorriu-me…!

e passou a ser a minha ESTRELA! De LETRAS no PAPEL!

Penedo Gordo, de Outubro de 1988

José Penedo

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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6.2– EXTRAS – autor, colaboração e apoios…

6.2.1 - Bibliografia do autor

6.2.2 – em teatro por Natália Quinta Queimada e alunos

6.2.3 - Uma Resenha de Ana Machado

6.2.4 - Referência à publicação destas lendas no Arquivo de

Beja pela mão do Professor Doutor José Orta

6.2.5 - O TOURO e a COBRA vistos por dois artistas de Tela e

do Barro – Paizana e Isaclino

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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6.2.1 - bioBIBLIOGRAFIA DO AUTOR

Salientando as duas TRILOGIAS sobre o ALENTEJO…

A MAR – Autor: José d’A MAR – Maio / Junho de 2003 – 102 pp.

Um deNómio de José Rabaça Gaspar. A MAR – Como a água das fontes e dos rios, a VIDA, todas as VIDAS, correm sempre para O MAR… A MAR… AMAR…

Nestes poemas com a influência de Camões, Torga e Borges, é proclamada a subversão: O MAR é A MAR! ISBN 950-502-602-5 /e 6 – Preço para transferir €3 – Em papel – $7.28 mais custos de envio. (in LP euros 7.5)

A ILHA – Autor: José d’A MAR – Julho / Agosto de 2003 – 80 pp.

Um deNómio de José Rabaça Gaspar. A ILHA, na sequência de A MAR, é um poema carregado de LENDAS e pretende ser um desafio para que os leitores

descubram a MAGIA de criarem a sua própria ILHA em A MAR…. ISBN 1-4135-0116/7-8/6 – Preço para transferir €3 – Em papel – $6.44 mais custos de envio. (in LP euros 7.5)

A FEIRA – Autor: José Penedo de Castro – Set/ Out 2003 –154 pp.

Um deNómio de José Rabaça Gaspar. José Penedo de Castro é um cigano andarilho de FEIRAS que tenta mostrar com palavras e imagens o movimento e o

colorido destes centros de Encontros e desEncontros... Publicou também, na mesma editora, como José d‘A MAR – A MAR e A ILHA. ISBN 1-4135-0126/7-5/3 – Preço para transferir €3 - Em papel – $9.80 mais custos de envio. (in LP euros 10)

A COBRA – Autor: José Penedo – Dez 2003 / Jan 2004 – 184 pp.

Um deNómio de José Rabaça Gaspar. Em A COBRA, José Penedo, outro deNómio como José d‘A MAR, e José Penedo de Castro, canta-nos aqui, em BALADAS, as

Lendas do Touro e da Cobra (uma LENDA de BEJA?) e o enCanto das Fontes… numa espécie de sinfonia em três Andamentos e várias Cantatas… ISBN 1-4135-0135/6-4/2 – Preço para transferir €3.5; em papel – $10.64 mais custos de envio. (in LP euros 10)

A SERPE – Autor: José Penedo de Serpa, Março / Abril de 2004 – 118 pp. Outro deNómio de JRG, como José d‘A MAR, José Penedo de Castro e, e José Penedo, canta agora AQUI, as Lendas da

SERPE, que pode ser o Rio ANA, e as origens de SERPA e Mértola… ISBN 1-4135-0142/3-7/5 – Preço para transferir €3 – Em papel – $7.68 mais custos de envio. (in LP euros 7.5)

A MOURA – Autor: José Penedo de Moura, Maio / Junho de 2004 – 136 pp.

José Penedo de Moura, outro deNómio de JRG, canta agora AQUI, através de 10 ―vozes‖ – autores diferentes, as Lendas da MOURA, cidade cristã, com nome pagão – ou a UTOPIA da CONVIVÊNCIA (im)Possível!!!

ISBN 1-4135-0164/5-8/6 – Preço para transferir €3 – Em papel – $8.30 mais custos de envio. In LP euros 10)

ALFÁTIMA – Autor: José da Serra do Vale do Zêzere, Julho / Setembro de 2004 – 124 pp. Com este livro sobre a LENDA da MOURA – ÁLFÁTIMA – o autor, decide regressar ao FUTURO, à sua Sterra – Serra da Estrela – Manteigas, com 10 Lendas da Moura encantada, à espera de uma libertação gloriosa, com Cristãos e Mouros… A

HUMANIDADE, um só POVO, com o tesouro da sua polícroma diversidade interCULTURAL. ISBN 1-4135-0185/6-0/9 – Preço para transferir €3.5 – Em papel – $8.30 mais custos de envio. In LP euros 10)

NOMINALIA – Autor: Herminia Herminii – Março de 2005 – 526 pp. - Uma TRILOGIA da minha Sterra – Serra da Estrela, Manteigas, a minha Terra na Serra…

NOMINALIA é uma Sinfonia vastíssima e caótica cujas notas não são outra coisa senão NOMES: terras, lugares, apelidos, alcunhas, expressões… de Serra da Estrela, Manteigas, terra do autor.

ISBN 1-4135-3547/8-X/8 – Preço para transferir €5 – Em papel – $19.80 mais custos de envio. (in LP euros 15)

O PASTOR – Lenda do Pastor dos Hermínios – por Viriato dos Hermínios – previsto para ser editado na e-libro.net, em Setembro de 2005 Novembro de 2005 (2º de uma outra trilogia da Serra da Estrela) O PASTOR – LENDA/s do PASTOR DOS HERMÍNIOS – é só uma MENSAGEM fascinante ditada pela ESTRELA – A SERRA, do

Pastor que conquistou os MONTES ERMOS! Viriato dos Hermínios foi encarregado de a divulgar a quem a quiser ouvir. Há mais 5 lendas complementares.

ISBN 1-4135-3600/1-X/8 – Preço para transferir €2.62; papel–US$ 9.80 (más gastos de 383edon). (in LP euros 10)

MANTEIGAS – uma Terra na Serra 383edondilh em Lendas – Lenda da Fundação mítica de Manteigas, por Hermes do Zêzere – previsto para ser editado na e-libro.net, em Novembro de 2005 – Março 2006 (enfim a outra

TRILOGIA sobre Manteigas, Serra da Estrela, com ALFÁTIMA e O PASTOR). Manteigas enoVELADA em muitas lendas e A LENDA de como foi descoberto o lugar onde hoje é MANTEIGAS e do PORQUÊ de ser este nome usado, contrariamente ao uso corrente, no plural – manteigas… & o que são OU PODEM SER os

ribeiros e ribeiras e caminhos e estradas… que serpenteiam pela Serra… ISBN 1-4135-3613/4-8/X – Preço para transferir €2.62 – Em papel – US$ 11.20 (e 383edon). (in LP euros 10)

GRITOS NA SOLIDÃO – Décimas de INOCÊNCIO DE BRITO – um POETA popular de S. Matias, Beja – Um Mestre esquecido e ignorado – José Rabaça Gaspar (coord.) Cremilde de Brito, Manuel de Sousa Aleixo – Junho 2006 – Inocêncio de Brito —1853? – 1938?— foi um notável Mestre na Arte de versar em Décimas ―construindo‖ importantes

temas com um profundo fundamento como a Morte, a Guerra, a Mulher… ISBN 1-4135-3624-7 – Para transferir €3.05 em papel – US$ 14.72 (más gastos de envio) in LP euros 12.5)

ISBN 972

9171 03 3

OUTROS EM COLABORAÇÃO: «Lendas da Moura SALÚQUIA», Março de 2005, com mais de duas dezenas de versões, uma Edição de “Moura

Salúquia” AMCM, 250 pp., tem prefácio e colaboração de 10 versões da lenda e uma Décima; «OS LOBOS DE MANIAMBA» Moçambique 1968 / 1970» Memórias da CART2326, Janeiro de 2005, com 156

pp., tem recolha de dados, organização, plano, digitalização e apresentação (c/ versão do CANCIONEIRO DO NIASSA). “Que modas?...que modos? (actas do 1º. Congresso do Cante Alentejano) (dos GRUPOS CORAIS

ALENTEJANOS)”, edição de FaiALentejo, Horta, Faial, Açores, com 360 pp. – colaboração. DEIXAS… As DÉCIMAS e Os Poetas Populares… colaboração no jornal “Há Tanta Ideia Perdida”, da Confraria

do Pão… Alentejo, Alandroal, Terena…

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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BIO(BIBLIO)GRAFIA Nota: deNómios de José Rabaça Gaspar. (www.joraga.net )

Não são um pseudónimo nem um heterónimo (exclusivo de Pessoa) mas um neologismo inventado, um NOME (outro), anjo ou demónio, musa inspiradora, que escreve através do

autor, o livro ou cada um dos poemas do autor.

José RABAÇA GASPAR – usando 1001 deNÓMIOS diversos… Professor de Língua e Literatura Portuguesa, já dispensado do Ensino Oficial, é de novo aluno.

Nasceu na Serra da Estrela, Manteigas (1938), tirou o Curso Superior de Filosofia e Teologia, na Guarda, e exerceu a sua actividade, desde 1961 em várias localidades da Serra – Loriga, Gouveia, Covilhã e

Ferro, passando depois pela Academia Militar, em Lisboa, antes de cumprir o Serviço Militar em Moçambique – Metanguala, Maúa e Nampula, (4 anos) tendo passado algum tempo em Angola – Luanda

e Benguela. Frequentou depois, em Paris, um Curso intensivo de Animação Cultural, para os Povos em

Desenvolvimento e Alfabetização, com Paulo Freire, e esteve, 4 anos, nos Serviços de Apoio aos Emigrantes Portugueses na Alemanha onde frequentou Cursos de Alemão e leccionou Português.

De regresso a Portugal, em 1975, esteve primeiro a trabalhar nas Cooperativas Agrícolas como trabalhador agrícola, na Alfabetização e Animação Cultural tendo ingressado no ensino Oficial em 1976.

Leccionou em Rio Maior, Setúbal, Caldas da Rainha e cerca de 20 anos em Beja, Alentejo, procurando levar os alunos a aprender o melhor da Língua e da Literatura Portuguesa, a partir das suas raízes

culturais. A Poesia Popular, as Canções, o Contos, as Lendas, os Provérbios e os usos e costumes, bem como a maneira característica de FALAR (saudações, nomes, alcunhas, expressões regionais…) serviam,

normalmente, de base para aprender toda a gramática e ―riqueza‖ da Língua e da Literatura. Com mais de 20.000 páginas de Recolhas e Textos dispersos por mais de 200 obras alguma das quais

podem ser consultadas em http://www.joraga.net – um ESPAÇO na NET – aminhaTEIAnaREDE… desde 09.2002.

PUBLICAÇÕES 2006 – Junho – GRITOS NA SOLIDÃO – Décimas de Inocêncio de Brito, um Poeta

Popular de S. Matias, Beja, um Mestre ignorado e esquecido! – José Rabaça Gaspar (coord.) Cremilde de Brito, Manuel de Sousa Aleixo – in www.e-libro.net 2006 – Março – MANTEIGAS – uma Terra na Serra 384edondilh em LENDAS, por Hermes do Zêzere (no prelo, na e-libro) 2005 – Novembro – O PASTOR – LENDAS do Pastor dos Hermínios, por Viriato dos Hermínios, in www.e-libro.net 2005 – Março – ―Que modas? …que modos? (actas do 1º. Congresso do Cante Alentejano em Nov. de 1997)”, edição de FaialAlentejo, Horta, Faial, Açores – colaboração com resumo da comunicação apresentada e participação em debates. 2005 – Março – OS LOBOS DE MANIAMBA – Edição da Cart2326, recolha de dados, organização, plano, digitalização e apresentação. 2005 – Março – Lendas de Moura, edição de ―Moura Salúquia‖ AMCM* – Prefácio, colaboração e apresentação. -*Associação das Mulheres do Concelho de Moura

2005 – Março – NOMINALIA, com o deNómio de Herminia Herminii, in www.e-libro.net

2004 – Setembro – ALFÁTIMA, com o deNómio de José da Serra do Vale do Zêzere, in www.e-libro.net

2004 – Maio – A MOURA, com o deNómio de José Penedo de Moura, in www.e-libro.net

2004 – Abril – O Canto do CANTE – DEIXAS – as DÉCIMAS e os Poetas Populares, colaboração regular, no Jornal ―Há Tanta Ideia Perdida‖ da Confraria do Pão, Alentejo, Alandroal, Terena…

2004 – Fevereiro – A SERPE, com o deNómio de José Penedo de Serpa, in www.e-libro.net

2003 – A GUERRA68/70 – LOBOS DE MANIAMBA – Memórias da Guerra Colonial da CART 2326 – Moçambique 1968/1970. (ver tb. In www.joraga.net com o Cancioneiro do Niassa e Canções de Guerra contra a Guerra…)

2003 – Dezembro A COBRA, com o deNómio de José Penedo, in www.e-libro.net 2003 – Outubro – A FEIRA, com o deNómio de José Penedo de Castro, in www.e-

libro.net (ver em Poesia de Vanguardia).

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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2003 – Julho – A ILHA, com o deNómio de José D‘A MAR, in www.e-libro.net (ver em Poesia e Vanguardia). 2003 – Maio – A MAR, com o deNómio de José D‘A MAR, in www.e-libro.net (ver em Poesia e Vanguardia).

2003 – Fevereiro – Mértola – As Vozes do Silêncio – in www.joraga.net – Alentejo – Mértola… 2002 – Lenda/s do Pastor da Serra da Estrela (5 EXEMPLARES impressão e

encadernação manual) 2002 – LENDA/s de ALFÁTIMA (5 EXEMPLARES impressão e encadernação manual) 2001 – Ceifeiro e Mil e Uma Noites – Grito do Índio, A LENDA do Pastor da Serra da

Estrela, e NOMINALIA (5 EXEMPLARES impressão e encadernação manual) 2000 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. XV, série III – PRESÉPIO

– AUTO DE NATAL de S. Matias, Beja 1999 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. XII, série III – Décimas

de Inocêncio de Brito – GRITOS NA SOLDÃO. 1998 – Agosto – in Revista Arquivo de Beja – Vol. VII e VIII, série III –

DÉCIMAS – Uma Linguagem Comum Ibero Americana 1997.01 – 1996.12 – SERPA 385edondilh EM LENDAS – Serpa Antiga – separata

de SERPA INFORMAÇÃO, 4º série, n.º 17 (12.000 exemplares). 1997 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. VI, série III – MOURA –

10 LENDAS – UMA LENDA – A Moura Amor A Morte – A Magia ou a Utopia da Convivência (im)possível.

1996 – Dezembro – in Revista Arquivo de Beja – Vol. II e III, série III – INSTITUTO ALENTEJANO DE CULTURA (IAC/D).

1996 – Setembro – AUTO DA VISITAÇÃO (DO VAQUEIRO) –NATAL NA ESCOLA OU A MAGIA DE TUDO RENOVAR – proposta de várias re/cr(i)eações. Ed. Da Escola Secundária João de Barros, Corroios, (50 exemplares impressão e encadernação manual).

1996 – Abril – in Revista Arquivo de Beja – Vol. I, série III – A/s LENDA/s do TOURO E DA COBRA – Uma lenda de Beja?

1995 Abril / Maio – A/s FEIRA/s – A FEIRA DE CASTRO EM VÃS REDONDILHAS – Brochura policopiada, (500 exemplares) ed. Escola Secundária João de Barros,

Corroios e Junta de Freguesia de Corroios. 1995 Abril / Maio – ILHA DO PESSEGUEIRO – A/s LENDA/s enCoANTADAS em

385edondilhas – Edição policopiada (100 exemplares) Junta de Freguesia de Corroios.

1995 – Março / Dezembro in LER EDUCAÇÃO Nºs 17/18 – Revista da Escola Superior de Educação de Beja – A LITERATURA (CULTURA TRADICIONAL) e o Desenvolvimento e a urgente criação de um INSTITUTO ALENTEJANO DE CULTURA /DESENVOLVIMENTO.

1994 – Abril e Maio O CANTO DO CANTE – in Jornal Terras do Cante Ano I, 1ª série, Nº 2 e Nº 3, Alcáçovas, Évora.

1987 (1989) – POETAS POPULARES DO CONCELHO DE BEJA – introdução, selecção, Anexos e Estudo final, arranjo gráfico, paginação e trabalho em processador de texto – Editora Câmara Municipal de Beja – Concelhia DGAEE (Direcção-Geral de Apoio e Extensão Educativa, Beja, 1987.

1985 – Outubro, Évora – A Linguística e a Análise Literária como contributo para o Desenvolvimento do Alentejo – in ACTAS do CONGRESSO SOBRE O ALENTEJO, III volume, pp. 1127 – 1131

1957 – Desde o Curso de Filosofia e Teologia, imensos trabalhos publicados em órgãos Regionais e da Escola e muitos preparados para publicação…

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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6.2.2 – Natália Quinta Queimada, de Clássicas, (estudo e teatro em 1991)

com o Professor de Filosofia e seus alunos do Secundário fizeram um

estudo e uma adaptação ao teatro que representaram em Beja, na

Casa da Cultura e em Corroios na Escola Secundária 1, (depois Esc.

Sec. João Barros), em Abril de 1991

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6.2.3 - Ana Machado – Antropóloga – um testemunho

Lendas de Beja: o Touro e a Cobra e Outras Lendas José Rabaça Gaspar Obra ainda não publicada

LENDAS A obra Lendas de Beja – O Touro e a Cobra e outras Lendas…, de José Rabaça Gaspar, professor de Literatura na Escola Secundária D. Manuel I, em Beja, traduz-se num trabalho de investigação minucioso e preciso sobre muitas das lendas e estórias maravilhosas que marcam a identidade cultural das gentes de Beja. Levando a cabo quase dez anos de recolha de lendas, a Lenda da Cobra e do Touro é, sem dúvida, a mais interessante e mais rica em conteúdo, sendo contada de múltiplas maneiras e com várias versões. Nesta(s) estória(s) existe quase sempre um predomínio do touro sobre a cobra, podendo representar, assim, uma vitória da força e astúcia do touro sobre a ruindade e ambição da cobra. O imaginário da cultura portuguesa, está carregado de evocações à cobra como animal quase humano capaz dos actos mais desprezíveis, pelo que esta lenda não poderia

―fugir à regra‖. Seja como for, a verdade é que esta lenda ainda está viva, e com por- menores que se vão recombinando consoante as versões, e expressa a ideia de um mito de origem que organiza e marca a sua concepção do mundo envolvente. Num tempo em que o conhecimento científico impera, todos os ensina- mentos baseados na oralidade, os contos, os jogos, os cantares, as crenças e as lendas, passados de boca em boca, de geração em geração, parecem estar ameaçados de esquecimento e à deturpação dos seus significados. Esta obra remete-nos para um conhecimento tradicional, assente na natureza e raiz popular de um povo, colocando-nos perante um conhecimento dos antigos, dos ditos ―analfabetos‖, que transportam consigo verdadeiras bibliotecas, sabedorias e segredos. Ao transpor esta realidade para a escrita está-se a preservar um património vivo, rico, que merece ser conhecido por todos. Daí que trabalhos como o de José Rabaça Gaspar devam ser encorajados e dignificados, na medida em que a nossa cultura popular encerra ainda muitos mistérios e desafios que vale a pena serem descobertos.

Ana Machado Antropóloga

in ―Imenso Sul‖, Nº 17, Janeiro de 1999, p. 46

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6.2.4 - In Arquivo de Beja – pela mão do Professor Doutor José Orta

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da Página 31 a 62

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6.2.5 - O Touro e a Cobra vistos por artistas da tela e do barro… Paizana… Isaclino…

Paizana – O Mestre dos Símbolos na Forma e Cor

Isaclino – o Mestre do Barro

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6.3 Separatas

IMAGENS EXTRA

Com montagem de obras de vários

artistas & outras ideias

6.3 - Separata 1 – Touros Luz

6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra

6.3 - Separata 3 – Estatuas Touro / Mulher Cobra

6.3 - Separata 4 – Pinturas – Picasso… Animalistas…

6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX)

6.3 - Separata 6 – TC mitologia

6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários

(Nota:com imagens da obra, do autor e várias pesquisadas em várias páginas da

internet.)

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6.3 - Separata 1 – Touros Luz TOURO – ASTROS DE LUZ

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6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra

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6.3 - Separata 3 – Estátuas Touro / Mulher Cobra

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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6.3 - Separata 4 - Pinturas - Picasso… - Animalistas… Touro e Cobra – Toureiros e Toiros… por vários artistas como Piasso…

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6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX) Touro e Cobra – Toureiros e Toiros… por vários artistas como Picasso…

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6.3 - Separata 6 – TC na Mitologia TOURO - MITOLOGIA

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6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários TOURO E COBRA - vários

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7 - ÍNDICE/s

Nota 22

mapa/s - pista/s de (re)leitura/s

7 - ÍNDICE/s

7.1 – Índice de índices e indícios…

7.2 – Índice, lista das GRAVURAS

7.3 - PLANO GLOBAL DESTA OBRA

7.4 – PLANO de possíveis Jornadas pelo ALENTEJO

7.5 – LINKs – Páginas da Internet com Lendas do Alentejo

7.6 – ÍNDICE GERAL (manual)

7.7 – ÍNDICE GERAL (com ligações)

2Assim como a BIBLIOGRAFIA, o ÍNDICE, ou os ÍNDICES, também vão numerados. Porquê? Como já foi

dito anteriormente, eles fazem parte da ESTRUTURA DA OBRA tal como foi concebida; ou antes, são eles, e sobretudo o ÍNDICE GERAL, que tenta mostrar toda a articulação como foi concebida e

estruturada a obra, ou melhor dizendo, como se foi estruturando a partir das primeiras ideais e sucessivas escritas e rescritas. Os índices, sobretudo o índice, é, sem dúvida, uma proposta de LEITURA

que, evidentemente, pode ser recusada pelo leitor.

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7.1 - índice de índices e indícios…

lista dos mais evidentes Índices -

indícios - indicadores - símbolos - simbólicas -

mitos - sonhos - desejos - valores - formas - figuras -

gestos - emblemas - signos ou sinais

ÁGUA O elemento primordial… que há… que dizem que falta no Alentejo…

ÁGUIAS as romanas? as reais? as águias - águias -

selvagens/livres... a sua grandeza! majestade! o

seu bico, as suas garras! a Águia rainha das aves,

Rainha das Montanhas, Rainha da Planície... e o ancestral sonho humano de voar...

ALENTEJO Um nome dado por conquistadores, colonizadores,

assumido ou que tem de ser assumido,pelos

habitantes do AQUÉM-TEJO…

ALENTEJANAS O adjectivo que identifica um tipo de mulheres raro, diferente, indomadas, indomáveis, sábias,

sofredoras… e muitas outras coisas como as

anedotas…

ALENTEJANOS A definição de um tipo de pessoas únicas e

vulgares (invulgares) que conseguem ser normais sendo poetas… artistas…

ALMOLEIMAR o valoroso lutador invencível nimbado com o seu

turbante que torna mais heróico o nosso herói...

ANEDOTAS de e sobre os alentejanos e os NOMES, AS

ALCUNHAS, OS MÁ - NOMES...

ÁRABES e os vestígios e mitos, os nomes, as lutas, as

lendas, os poemas...

AREIA da praia distante do Alentejo interior mas há mar

Alentejano que evoca o deserto? a imensidão do

mar? a cor da pele? tom árabe? cigano? alentejano?...

ARENA e a sua forma circular... em espiral...

ARTISTAS e as explicações ou as leituras cifradas do

indecifrável evidente...

CANTE A identificação de um tipo de CANTO único, inimitável porque nasce da terra ou é a VOZ DA

TERRA cantada por pessoas…

CANTO A arte de se expressar que, no Alentejo, se chama

CANTE…

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CANTORES Os intérpretes do CANTO / CANTE, que, no

Alentejo, se chamam CANTADORES…

CARTAS... Que aqui significam as CARTAS da FREIRA de

BEJA, os GRITOS de Mariana do Alcoforado… ou a

Poesia de Florbela Espanca… ou da Mulher Alentejana…

CAVALOS Os animais que nos remetem para as sagas

heróicas de guerras antigas e antigos feitos…

CIGANOS Os ciganos e suas tradições, o velho cigano e a

sabedoria dos tempos e espaços, o cigano Castanho e a cigana Mariana e sedução desejo de

liberdade na Natureza – Mundo...

COBRA a/s serpente/s da terra, do povo, da Bíblia, o dolo,

a prudência, a repugnância...

CONTADORES Os Mestres da Arte de CONTAR, com toda a magia da harmonia dos sons e das palavras e dos sons...

CONTOS e as lendas de encantar e os CONTADORES/AS de

HISTORIAS...

COROS Os Grupos que interpretam o CANTE…

CORTEJOS A manifestação colectiva de um povo em festa…

CRESCENTE A LUA e a relação do Alentejo com os Árabes…

CRUZ a religiosidade, as crenças, as crendices… as

bruxas...

DANÇA A manifestação corporal mais expressiva dos

sentimentos, que é muito apreciada e realizada

nas comunidades ciganas e pouco conhecida nas comunidades alentejanas…

DESFILES Relacionados com cortejos e manifestações

populares…

DEZEDORES Expressão atribuída aos MESTRES da POESIA,

especialmente aos analfabetos que criam e / ou dizem DÉCIMAS…

ESTRELAS Que, no Alentejo, brilham numa imensidão quase

sem fronteiras...

FESTA A expressão popular e colectiva da ALEGRIA e da

Amizade…

FOGO e o calor ardente do Sol que marca o Alentejo

esquecendo o frio...

FONTE A vida que brota do Ventre da Terra…

FREIRA Ver o significado: irmã, e as grades, a prisão... o

convento... os muros...

GRADES Os gritos que pretendem derrubar as GRADES...

GRITOS Há gritos aglutinadores: Por Sant'Iago... Por

Ala!...

GRITOS De alegria! De angústia! De socorro... e as

GRADES que criam barreiras à liberdade, à

expressão, à comunicação...

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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IDADE DE OIRO O reino feliz da convivência e entre – ajuda...

INDÍCIOS Os sinais, os signos, os símbolos... os mistérios

(in)decifráveis...

INDOLÊNCIA Ou a confusão com a força serena e indomável,

imparável...

JARDIM As flores e as árvores; e os perfumes inebriantes que encantam a vida...

JOGOS A Arte de fazer coisas sérias a brincar…

LIDADOR O herói medieval e do romantismo...

LIVRO Os livros e os autores, a busca das soluções nunca

encontradas...

LUTA Presente em todas as Lendas... Porquê?

LUZ Há ou não uma LUZ própria de cada Região?

Sempre diferente mas característica?! Por

exemplo a da planície?! E a do céu azul, diferente

de todas as luzes?!... A COR única...

MAIAS As festas da Primavera...

MAGAS Bruxas? Feiticeiras? Magas? as Boas? as Más?

MAGOS Da Magia Magia, ao Ilusionismo, até à Magia ou

Arte do quotidiano, como a de uma escola ligada à

vida e à sociedade sem escola; ou a busca

incessante e sempre insatisfeita de explicações

para o inexplicável...

MARIANA a Mariana, a cigana, a Florbela, a Campaniça, a mulher, a opressão, as leis justas...

MASTROS as FESTAS JOANINAS e a/s Festa/s...

MESTRE O/s Nome/s apelidos frequentes nesta região e

o cargo ou mester... e o MESTRE nomeado

Regedor e Defensor do Reino... os Salvadores...

e...

MOURA A Moura encantada, a beleza distante, a sedução...

MOUROS Os Mouros. Os Árabes. Os Muçulmanos... A ideia

do árabe rico e os tesouros e os mistérios, a vida

faustosa...

MÚSICA Donde e porquê esta música e este CANTE ALENTEJANO...

PREGUIÇA (vide indolência) e a ambiguidade entre preguiça e

obedecer ao ritmo da Natureza...

POETAS

POPULARES

Ver a sua arte própria inimitável, popular; e

suspeita e intrigante para as artes eruditas...

POVO Entidade abstracta? Concreta? Ver a revolução e o caminho da sonhada e nunca alcançada

democracia...

PRAÇA Como lugar de encontro e cruzamento de

desencontros, de festa, de ritos...

REINO DO MEDO O Reino da desconfiança da intimidação do

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416

autoritarismo discricionário..

ROMANOS Ver as marcas do que permanece... com restos,

rastos de exploração e opressão... e de lições...

SOLIDÃO Fundamental para a preparação da gestação do

acto criador

SOLIDÃO

SOLIDÁRIA

Ou o milagre de criar o impossível...

SOLIDARIEDADE Indispensável para que o acto criador e eficaz aconteça...

TERRA Por exemplo os barros vermelhos, a terra mais

produtiva para as searas que podemos ver como

Terra empapada em suor e sangue que lhe da

uma fecundidade única . ..

TOURADA O seus ritos, rituais... o insólito possível..., a

contestação à sua desumanidade!, crueldade!....

TOURO O poder a fertilidade(a vaca) a força, a

abundância(o vitelo de oiro)... A força bruta que o

homem põe ao seu serviço...

AS MIL CARACTERÍSTICAS ÍNDICES E INDÍCIOS que faltam como

esta arte de viver alentejana, indefinida?... indefinível? ...que

inquieta... intriga... e desarma... os ―estrangeiros‖ mesmo cá de

dentro, que se vingam em milhares de anedotas às vezes cheias de

significado..., outras, muitas, carregadas de uma raiva e de uma

malícia vingativa que, pretensiosamente ofensiva, ofende e retrata os

que pensam que servem para menosprezar os alentejanos... ver a

dignidade majestosa com que se veste de safões... pelico... capote...,

chapéu... cajado... ...e como usa o tarro... o cajado... o alforge ao

ombro... o cocharro... o barro... a madeira... a casa própria do clima

e paisagem alentejana... a arte telúrica com que assumem a sua

indolência proverbial!? que talvez seja o sinal mais poderoso de

resistência e persistência, teimosia e poder criador que este povo

tem, respeitando as leis da Natureza e o seu ritmo e ciclo, sem lutas

inúteis e estéreis... mas de uma resistência ao trabalho insuperáveis

e duma resistência imbatível nas adversidades...; tão fraco e tão

poderosamente forte como a água que, quando não fura a pedra (e

muitas vezes fura)..., mesmo que lhe criem barreiras e barragens, ou

não as façam por negligência, maldade ou falta de visão... ele, ela

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

417

há-de contornar ou derrubar os obstáculos, irresistível,

imparavelmente, mesmo que pare algum tempo..., pior ainda se lhe

tapam todos os escapes!!!...

...tantas coisas tão simples e importantes que dariam para estudos

intermináveis e que estudados, conhecidos e rentabilizados para uso

e proveito deste Povo, abriria caminhos imparáveis de Progresso e

Desenvolvimento... e marcariam o fim da Colonização que está

estigmatizado no nome que os do Norte/ os Colonizadores? puseram

ao Além-Tejo... ou teriam sido os de Aquém do Tejo?...

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7.2 - ÍNDlCE/s – lista das gravuras

Lendo Lendas de Beja ou só Lendas de Beja ou o Touro e a Cobra ou

O Cigano Castanho e a Cigana Mariana ou a viagem pelo Universo do

sonho do maravilhoso, do prodigioso... simples? intrigante? ...

001 Capa extra transparente 0

002 Touro e Cobra – marca de água – a repetir nas brancas pares

003 Silhueta Touro Cobra 10

004 Touro Cobra sobrepostos 10

005 Acampamento dos ciganos 15

006 A dança da cigana 23

007 Letras a desenhar o Touro e a cobra (separador) 29

008 A dança do fogo ou das estrelas 35

009 Cobra e Touro – Bandarilheiro Touro 38

010 Touro e cobra em letras de imprensa… 43

011 A serpente domina a praça da cidade 49

012 A luta do touro e da cobra no castelo da cidade 55

013 Os touros rompem o cerco da cidade 87

014 A clareira dos magos escondida na floresta 107

015 A mistura dos símbolos sinais 125

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420

016 A/s fonte/s 134

017 A fonte e a cobra 147

018 A moura encantada e a tímida donzela 171

019 A fonte das Cavadas 179

020 A Fonte a cobra e a Figueira 199

021 A cobra, a figueira e o moinho 211

022 A luta de morte do cristão e do mouro 221

023 O largo de Santa Maria da Feira com Castelo ao fundo 249

024 Mariana 263

025 Mariana e a janela donde se avista Mértola 281

026 A magia das décimas ou a quadratura do círculo 293

026b A magia das décimas ou a quadratura do círculo - manuscrito 294

027 No remanso de uma mansão romana 313

028 as Maias no centro de várias celebrações e lendas… 331

029 A Maia in DA 332

030 Contra Capa – montagem de touros e cobras – vários artistas… 436

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

421

7.3 - PLANO GLOBAL desta OBRA PLANO GLOBAL e resumo do trabalho em disquetes e para rever o ÍNDICE

D lbj. Pág. Numeraç

ão

Título bits.doc bits. Disq bits. Em

ac.

1 00 (Modelo com desenhos e…) 322048

01 001-008 Capa, 1 e 2, Ficha técnica, dedicatória e título da

introdução

343040

01ª 009-020 0. …em viagem (introdução 1) 45056

02 021-028 0.0 Beja e as lendas – Visão do cigano cego…

(introdução 2)

101376

03 029-042 1. A LENDA DO TOURO E DA COBRA 177152

1.00 O TOURO E A COBRA – V/00 – (A Lenda do TC

reconstruída)

988672 988672

2 04 043-054 0.1.0 As Lendas… e os contadores de histórias 116736

1.01 O Touro e a Cobra v/01 – O touro vence a cobra…

1.02 O Touro e a Cobra v/02 – O touro é engolido pela

cobra…

1.03 O Touro e a Cobra v/03 – a população lança um

touro…

1.04 O Touro e a Cobra v/04 – a cobra é envenenada…

05 055-066 1.05 O Touro e a Cobra v/05 – A cobra engole um touro…

manada.

69632

1.06 O Touro e a Cobra v/06 – A cidade é livre de um

ataque…

06 067-074 1.07 O Touro e a Cobra v/07 - … Touro azul 201728

1.08 O Touro e a Cobra v/08 – A cobra fechada numa

paliçada.

1.09 O Touro e a Cobra v/09 – Leitor é a sua vez…

07 075-086 0.1 Pistas de leitura para as Lendas do Touro e da Cobra 332800

0.1.1 As Lendas do TC e os Magos da Clareira da Floresta

0.1.2 Os Magos…

0.1.3 as pistas de leitura/s…

08 087-094 0.1.4 as possíveis formas de expressão 193024

Disquete 913920 913920

Acumulação da disquete 1 e 2 1902592 1902592

3 09 095-098 2 LENDAS DA FONTE MOURO (com referências e

uma introdução)

27136

10 099-108 2.01 Lenda da Fonte Moura, rescrita de M. J. Delgado 70144

2.02 Lenda da Fonte Moura, Décimas de um anónimo, rec.

De M. J. D

11 109-120 2.03 Lenda da Fonte Moura, rescrita de Fernanda Frazão 112640

2.04 Lenda da Fonte Moura, Oitavas de Edmundo

Belfonte

12 121-140 0.2.1 Encontro dos Magos na Fonte das Cavadas 135680

O Cante das Fontes…

3 A FONTE DAS CAVADAS

3.01 A FONTE DAS CAVADAS 1ª versão

3.02 A FONTE DAS CAVADAS – 2ª versão

0.3 pequeno poema à Fonte das Cavadas…

13 141-150 4 A LENDA DA PRINCESA ENCANTADA EM

COBRA

111104

0.4.0 A perplexidade dos ciganos

4.01 A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA

0.4.1 reflexão magoada dos Magos… 456704 456704

2359296 2359296

4 14 151-162 5 Lendas e História ou Lendas Históricas? – Lidador,

1383, Mariana

49152

0.5 Os Ciganos andarilhos… as Lendas e a História…

6 O LIDADOR (Dados Históricos)

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6.01 A morte do LIDADOR – pelo Infante D. Pedro

0.6 Os Magos no alto do Castelo… ou o desafio de

Herculano…

15 163-170 7. A Revolução em Beja (1383/85) por Fernão Lopes 33792

16 171-176 0.7 Os Magos na Torre do Castelo 37362

17 177-182 8 MARIANA ALCOFORADO 33792

8.1 Mariana… a realidade

18 183-196 8.2 Mariana… as cinco cartas… cinco gritos… 57856

19 197-208 8.3 Mariana… a Lenda que se pode en/cont(r)ar… 333312

Mariana… uma décima final 545266 545266

2904562 2904562

5 20 209-214 0.8 Os Magos na sala do Capítulo… 37744

21 215-222 08.1 TAVONDE… Tem Avonde… 34816

9 PISÕES

0.9 Pisões – os ciganos romanos?

22 223-232 10 AS MAIAS 47104

0.10 As MAIAS e os MAGOS…

23 233-242 10.01 As MAIAS – AS FESTAS DA PRIMAVERA 49152

10.02 AS MAIAS – 9 quintilhas de Maria Guiomar

Peneque… e os jornais…

0.10.0 O ressurgimento das MAIAS… ou a subversão!!!

0.10.1 LENDO AS LENDAS…

24 243-256 0.11 BIBLIOGRAFIA 68096

0.11.1 BIBLIOGRAFIA ou A SOLIDÃO SOLIDÁRIA

25 257-270 0.12 ÍNDICE/s ou as PISTA/s para reenviar os leitores 291840

0.12.1 Índice de índices ou indícios…

0.12.2 Índice de gravuras

0.12.3 Índice Geral

Confidência

Brinquedo de Miguel Torga – (Estrela de Papel)

Estrela no papel de José Penedo

528752

26 271-272 0.13 PLANO GLOBAL (doc.27 em 2 pág. 183296) 148992

677744 677744 3582306

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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7.4 - PLANO de (possíveis) JORNADAS pelo ALENTEJO…

outras obras que enquadram esta:

- VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO

1ª jornada

ERA UMA VEZ NO ALENTEJO

VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO

DO CIGANO CASTANHO E DA CIGANA MARIANA

POR TERRAS DO AQUÉM TEJO

1ª partida: (uma incursão pelo mundo das lendas)

lendo LENDAS DE BEJA nas letras das estrelas

O TOURO E A COBRA e OUTRAS LENDAS

ou a humanidade a crescer para a liberdade

o maravilhoso fantástico no imaginário alentejano

autor: José Penedo, Penedo Gordo, Beja, 1988. 260p.

2ª partida: (uma digressão ou leitura através de Baladas)

A/s LENDA/s BALADAS do TOURO E DA COBRA

autor: José Penedo – o baladeiro, Penedo Gordo, Beja, 1992/1993/94.

3ª partida: (uma digressão através do Cancioneiro Medieval e Popular)

AS FONTES

AS LENDAS – O CANTO, O ENCANTO das FONTES

autor: José da Fonte Santa, Penedo Gordo, Beja, 1991/1993/94.

4ª partida – pistas de LEITURA (estudo, análise e propostas…) em elaboração.

5ª partida

Uma dramatização feita pela professora Maria Natália Quinta Queimada, com finalistas da

Escola Secundária Diogo de Gouveia, de Beja, Março e Abril de 1992 (com um VÍDEO);

Uma série de várias peças em barro do Mestre barrista, Isaclino, de Beja – a partir de 1986…(

propriedade da Câmara Municipal de Beja, e outras recriações em promessa ao autor destas lendas que

o mestre Isaclino considerou uma vez co-autor dessas peças!!!

6ª partida: (a partir destas experiências, em colaboração com outras entidades, escolas,

associações e grupos…, explorar várias formas de re/criação, representação, divulgação… até no

empedrado das ruas, peças de artesanato, música e bailado…)

2ª jornada

1ª partida

A FEIRA DE CASTRO – AS FEIRAS EM VÃS REDONDILHAS

A FEIRA DE CASTRO – AS FEIRAS – vista por um CIGANO CASTANHO andarilho de feiras,

penedo gordo – BEJA – 1987 /1991/1993/94

2ª partida – (um estudo das origens e linguagem da FEIRA a programar com entidades ou

pessoas de Castro Verde…)

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3ª jornada

1ª partida: - LENDA/s da ILHA DO PESSEGUEIRO

autor: José d‘A MAR, Aivados, verão de 1989, Penedo Gordo, Beja, Outono de 1989, Ilha do

Pessegueiro, Ano Novo de 1992, Penedo Gordo, Beja, 1993794

2ª partida: - A MAR

autor: José d‘A MAR, Penedo Gordo, 424edo, 1989- 1991- 1993/94

4ª jornada –

1ª partida MOURA – lendo A/s LENDA/s autor: José Penedo de Moura, Penedo Gordo, Beja, Outubro de 1986 – 1994 2ª partida SERPA ENC(O)ANTADA em LENDAS 3ª partida MÉRTOLA – as pessoas também falam – As Vozes do Silêncio: http://www.joraga.net/mertola/index.htm … (baseado num trabalho de Fátima Borges) (um projecto a desenvolver com entidades e interessados da cidade de MOURA para ??? trabalhos que podem ir da dramatização, à ilustração, à criação de signos, símbolos… artesanato… divulgação…)

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

425

7.5 - Links –

com Páginas de lendas do Touro e da Cobra e outras lendas do

Alentejo… LENDAS DO ALENTEJO - http://www1.ci.uc.pt/iej/alunos/2001/lendas/index.htm - http://www1.ci.uc.pt/iej/alunos/2001/lendas/alentejo.htm

Por Marta

Costa

Lendas do

Alentejo

LENDAS DO ALENTEJO

- http://orgulhoseralentejano.paginas.sapo.pt/index.html

Por Miguel Gaspar Roque

- http://orgulhoseralentejano.paginas.sapo.pt/lend_alet.htm LENDAS E TRADIÇÕES http://www.alentejolitoral.pt/PortalTurismo/ARegiao/LendasTradicoes/Paginas/LendaseTradicoes.aspx

Por alentejolitoral

Canto da Terra http://www.cantodaterra.net/ct/site/lendas/default.asp?fpage=0&page=1&find=Todas%20as%20lendas&findbox=0

Lendas de

Beja

http://www.cantodaterra.net/ct/site

/lendas/default.asp?fpage=0&page=

1&find=Beja&findbox=13

Lendas de Évora

http://www.cantodater

ra.net/ct/site/lendas/default.asp?fpage=0&pa

ge=1&find=%C9vora&findbox=8

ALENTEJO – TERRA MÃE – Fundação 6- Património

e Cultura

Imaterial / Os Contos e as

Estórias Alentejanas...

Nota: Esta ligação e a Fundação ‗Terra Mãe‘ foram desactivadas, mas mantém um Banco de Dados - http://www.bdalentejo.net/ - de notável

utilidade, com publicações sobre o Alentejo de muito e variados autores.

(http://www.alentejo-terramae.pt/index) (desactivada, fica para que conste)

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

426

Obras com algumas lendas do Alentejo e eAlentejo com muito Alentejo… Por joraga - http://www.joraga.net/pags/0obras00as6de2003_04.htm

(As obras do Autor, sempre em actualização...)

Joraga dos1001deNÓMIOS

aminhaTEIAinterminávelnaREDEilimitada

um ANDARILHO em viagem pelas 7 partidas... 7 jornadas... 7 mundos... 7 mares... 7 temas... 7

espaços... 7 tempos... JORAGA o acrónimo de JOsé RAbaça GAspar e outros mais de 1001 deNÓMIOS...

http://www.joraga.net/contos/index.htm http://www.joraga.net/contos/pags/53_contos&lendas_alentejo.htm

http://www.joraga.net/contos/pags/53_00_indice.htm

CONTOS & LENDAS – Contos e Lendas em Portugal, com um lugar

especial dado ao Alentejo e uma grande recolha de por Obras e Autores

(15) com a digitalização dos que constam na revista TRADIÇÃO de SERPA, 1899 - 1904

A ARTE de enCANTAR

na LITERATURA POPULAR PORTUGUESA

por JORAGA o acrónimo de JOsé RAbaça GAspar e outros mais de 1001

deNÓMIOS.. - contacto © joraga ®

http://www.joraga.net/eAlentejo/ Nota: Esta ligação, embora esteja com problemas de actualização do MOODLE, a rever em breve,

desempenhou o seu papel num curso de uma Universidade Sénior (USALMA) e apresenta um importante esquema de trabalho e estudo sobre o Alentejo.

eAlentejo alguns aspectos de uma indentidade

«Caminhando e cantando e seguindo

a canção…»

TRABALHOS mais actuais, desde 2011, podem ser vistos no CANTO do CANTE no FaceBook e AQUI no

SBRIBD - http://pt.scribd.com/jose_gaspar_23

2012 e 1013, no que decidi chamar ANO DO CANTE, com mais de seis dezenas de trabalhos... sobre o CANTE... e mais de 10.000 consultas e leituras...

Dá especial relevo aos Grupos Corais e Instrumentais do CANTE... Levantamento de mais de sete centenas de Pautas musicais das ―modas‖ e canções... Empenho especial na elaboração do imenso CANCIONERO...

http://pt.scribd.com/jos%C3%A9_gaspar_35

Com 33

carregamentos e cerca de 3000 leituras, desde 2011 / 05 / 22 até Maio de 2012...

Com variados temas, com especial

relevo para os POETAS POPULARES e memórias do tempo da Guerra em África (1967 / 1970) e Reforma Agrária 1975...

http://www.joraga.net/

Página principal do autor com os mais variados

temas desde a Família, à Guerra, à investigação de

Valores Culturais idententários do

Alentejo...

Uma espécie de Enciclopédia, a que

tive de dar o nome de ―aminhateianarede‖, com actualização, pelo menos, mensal...

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

427

7.6 – ÍNDICE GERAL (manual) ÍNDICE – MAPA – PISTA de re/ leitura/s que aparece aqui para o leitor se poder

orientar neste LIVRO

LENDAS DO ALENTEJO – lendo LENDAS DE BEJA – O TOURO E A COBRA e outras…

que é uma primeira PARTIDA da

VIAGEM DO CIGANO CASTANHO E DA CIGANA MARIANA ATRAVÉS DO

MARAVILHOSO POR TERRAS DO AQUÉM – TEJO que, depois de Beja, seguir(ão)iam

por outras terras e montes…

que pretende ser a PRIMEIRA JORNADA das

VIAGENS ATRAVÉS DO MARAVILHOSO DO CIGANO CASTANHO E DA CIGANA

MARIANA que passam por outras regiões e terras de Portugal e pelas Terras de

Santa Maria e Todo o Mundo…

0 em VIAGEM 11

0.0 BEJA e A/s LENDA/s 29

1 O TOURO E A COBRA 31

1.00 O TOURO E A COBRA – versão 00 44

0.1.0 AS LENDAS DO TOURO E DA COBRA e os CONTADORES DE HISTÓRIAS

65

1.01 O TOURO VENCE A COBRA – versão 01 69

1.02 O TOURO É ENGOLIDO PELA COBRA – versão 02 71

1.03 A POPULAÇÃO LANÇA UM TOURO PARA SE LIBERTAR DA COBRA – versão 03

73

1.04 UM TOURO ENVENENADO, ENVENENA A COBRA – versão 04

75

1.05 UMA MANADA DE TOUROS MATA A COBRA – versão 05

77

1.06 OS TOUROS VENCEM OS MOUROS – versão 06 83

1.07 UM TOURO AZUL DESCOBRE A CIDADE PERDIDA –

versão 07

91

1.08 O TOURO E A COBRA LUTAM NA ARENA – versão 08 96

1.09 A LENDA DO TOURO E DA COBRA… era uma vez…, leitor, é a sua vez… versão 09 ou o recomeço…

99

0.1.1 AS LENDAS E OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA NA FLORESTA – com PISTAS DE LEITURA

101

0.1.2 AS LENDAS E OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA

NA FLORESTA

103

0.1.3 PISTAS DE LEITURA 113

0.1.4 PISTAS para POSSÍVEIS FORMAS DE EXPRESSÃO 129

2 A/s LENDA/s DA FONTE MOURO 135

2.01 A LENDA DA FONTE MOURO – recolha de MJDelgado 145

2.02 A LENDA DA FONTE MOURO – Décimas de um

anónimo in ibidem

151

2.03 A LENDA DA FONTE MOURO – rescrita de Fernanda Frazão

157

2.04 LENDA DE BEJA – A FONTE DA MOURA – oitavas de

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

428

Edmundo Belfonte 163

0.2.1 Encontro dos Magos na Fonte das Cavadas… sobre o Fonte Mouro…

175

3 A/s LENDA/s da FONTE DAS CAVADAS 185

3.01 LENDA DA FONTE DAS CAVADAS - 1ª versão 187

3.02 LENDA DA FONTE DAS CAVADAS - 2ª versão 191

0.3 O CANTE DAS FONTES 197

4 A LENDA DA PRINCESA ENCANTADA EM COBRA 205

0.4.0 A perplexidade do Ciganos… 207

4.01 A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA 209

0.4.1 A REFLEXÃO MAGOADA DOS MAGOS 211

5 AS LENDAS E A HISTÓRIA 219

0.5 Os ciganos andarilhos… as LENDAS e a HISTÓRIA… 221

6 O LIDADOR 225

6.0 A MORTE DO LIDADOR pelo Infante D. Pedro 228

0.6 Os magos no alto do castelo ou o desafio de Herculano

233

7 A REVOLUÇÃO (1383/1385) em BEJA por Fernão Lopes

243

0.7 Os Magos na Torre do Castelo 253

8 MARIANA ALCOFORADO – A FREIRA DE BEJA 259

8.1 A REALIDADE (?) alguns dados… 260

8.2 AS CINCO CARTAS QUE FING(em)DORES 267

8.3 A LENDA QUE SE PODE EN/CONT(R)AR 285

0.8 Os MAGOS na SALA DO CAPÍTULO do CONVENTO 297

Aviso aos leitores 301

Vitória… Vitória… 303

TAVONDE 305

9 PISÕES 311

09 PISÕES os ciganos romanos? 313

10 AS MAIAS 319

0.10.1 AS MAIAS e os MAGOS… 321

10.1 AS MAIAS as FESTAS DA PRIMAVERA A FESTA…

337

0.11 Lendo as LENDAS 353

0.12 BIBLIOGRAFIA 355

0.12.1 BIBLIOGRAFIA ou a SOLIDÃO SOLIDÁRIA 357

0.13 ÍNDICE/s ou a/s PISTA/s para reenviar o LEITOR 411

0.13.1 Índice de índices… indícios… 413

0.13.2 Índice de gravuras 419

0.13.3 ÍNDICE GERAL 429

Extra1 Confidência - 377

Extra2 Brinquedo de Miguel Torga - 379

Extra3 Estrela de José Penedo - 379

436

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

429

7.7 - ÍNDICE FINAL com ligações às páginas…

LENDAS DE BEJA ................................................................................................................. 1 introdução ............................................................................................................................ 9

0 - em viagem... ................................................................................................................. 11

1 – A/s LENDAS/s DO TOURO E DA COBRA ....................................................................... 29 0.0 - B E J A E A/s L E N D A/s .......................................................................................... 31

1 A/S LENDA/S DO TOURO E DA COBRA ........................................................................... 43 1.00 - O TOURO E A COBRA -v. - 00 .................................................................................. 44

0.1.0 - AS LENDAS DO TOURO e da COBRA E OS CONTADORES DE HISTÓRIAS ................. 65

0.1.0 - Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto...” ...................................................... 67

1.01 - O TOURO E A COBRA – V/01 ................................................................................... 69

1.02 - O TOURO E A COBRA – V/02 ................................................................................... 71

1.03 - O TOURO E A COBRA – V/03 ................................................................................... 73

1.04 - O TOURO E A COBRA – V/04 .................................................................................. 75

1.05 - O TOURO E A COBRA – V/05 ................................................................................... 77

1.06 - O TOURO E A COBRA – V/06 ................................................................................... 83

1.07 - O TOURO E A COBRA – V/ 07 .................................................................................. 91

1.08 - O TOURO E A COBRA – V/ 08 .................................................................................. 96

1.09 - O TOURO E A COBRA - V 09 .................................................................................... 99

0.1.1 AS LENDAS E OS MAGOS DA CLAREIRA ESCONDIDA NA FLORESTA PISTAS DE LEITURA 101

0.1.2 AS LENDAS E OS MAGOS DA CLAREIRAESCONDIDA NA FLORESTA ........................ 103

0.1.3 pistas de leitura/s para as LENDAS do TOURO e da COBRA… ................................ 113

2 - A/S LENDAS/S DA FONTE MOURO ............................................................................. 135

2 - A/S LENDA/S DA FONTE MOURO ............................................................................... 137

0.2.0 - Ligação entre as LENDAS… .................................................................................. 139

2 - DUAS LENDAS DA FONTE MOURO .............................................................................. 143

2.01 - A LENDA DA FONTE MOURO recolha de Manuel Joaquim Delgado ................................... 145

2.02 - A LENDA DA FONTE MOURO – (Décimas de um anónimo) ............................................. 151

2.03 - A LENDA DA FONTE MOURO (rescrita por Fernanda Frazão) .......................................... 157

2.04 - LENDA DE BEJA – A FONTE DA MOURA, por Edmundo Belfonte, ..................................... 163

0.2.1 - ENCONTRO DOS MAGOS NA FONTE DAS CAVADAS .............................................. 175

2.2 - A/s LENDA/s DA FONTE DAS CAVADAS .................................................................. 185

2.2.01 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 1ª Versão ........................................................... 187

2.2.02 - LENDA DA FONTE DAS CAVADAS – 2ª Versão ........................................................... 191

0.2.2 - O CANTE DAS FONTES .................................................................................... 197

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

430

2.3 - A LENDA DA PRINCESA ENCANTADA EM COBRA ..................................................... 205

0.2.3 A perplexidade dos ciganos... ................................................................................ 207

2.4.01 A PRINCESA ENCANTADA EM COBRA por Simplícia Maria das Dores, do Penedo

Gordo… .......................................................................................................................... 209

0.2.4 - os magos pesarosos pelo sucedido decidem não reunir... ................................... 211

3 - LENDAS ou HISTÓRIA ............................................................................................... 219

0.3 - CIGANOS ANDARILHOS .......................................................................................... 221

3.01 - O LIDADOR ............................................................................................................ 225

3.01.1 - A MORTE DO LIDADOR .......................................................................................... 228

0.3.1 - OS MAGOS NO ALTO DA TORRE ........................................................................... 233

3.02 - REVOLUÇÃO EM BEJA – 1383/1385 ............................................................................ 243

0.3.2 - ...os magos… observam agora a história, do alto da torre do castelo… ................ 253

3.03 - MARIANA ALCOFORADO - A FREIRA DE BEJA .............................................................. 259

3.03.1- MARIANA ALCOFORADO – a história possível…........................................................... 260

3.03.2 - MARIANA ALCOFORADO – as cinco cartas… .............................................................. 267

3.03.3 - MARIANA ALCOFORADO - A lenda que (se) pode (en)co(a)nt(r)ar... ............................ 285

0.3.03 - Os Magos na Sala do capítulo ............................................................................ 297

Aviso aos leitores… ........................................................................................................... 301

VITÓRIA VITORIA ............................................................................................................. 303

TAVONDE... TAVONDO... ................................................................................................... 305

4 - OUTROS SIGNOS ....................................................................................................... 309

4.1 - PISÕES ................................................................................................................... 311

0.4.1 - PISÕES – os Ciganos Romanos?!... ...................................................................... 313

4.2 - AS MAIAS ............................................................................................................... 319

04.2 - AS MAIAS E OS MAGOS......................................................................................... 321

Era a FESTA! ................................................................................................................... 324

4.2.1 - AS MAIAS – AS FESTAS DA Primavera ....................................................................... 337

0.4.3 - NOTA FINAL – lendo LENDAS DE BEJA................................................................. 353

5 - BIBLIOGRAFIA/s .......................................................................................................... 355

5.1 BIBLIOGRAFIA a referência às FONTES .......................................................................... 357

5.2 - BIBLIOGRAFIA – autores e livros… .............................................................................. 361

5.3 – ainda uma bibliografia viva… e o livro vivo… ................................................................ 369

6 – EXTRAS ..................................................................................................................... 375

6.1.1 - CONFIDÊNCIA: ...................................................................................................... 377

6.1.2 - B R I N Q U E D O (Miguel Torga) ............................................................................. 379

6.1.3 - E S T R E L A (José Penedo) .................................................................................... 379

6.2– EXTRAS – autor colaboração e apoios… .................................................................. 381

6.2.1 - bioBIBLIOGRAFIA DO AUTOR ................................................................................... 383

6.2.2 – Natália Quinta, de Clássicas, (estudo e teatro em 1991) ............................................. 387

6.2.3 - Ana Machado – Antropóloga – um testemunho........................................................... 389

6.2.4 - In Arquivo de Beja – pela mão do Professor Doutor José Orta ...................................... 391

6.2.5 - O Touro e a Cobra vistos por artistas da tela e do barro… Paizana… Isaclino… ................ 393

6.3 Separatas ................................................................................................................. 395

6.3 - Separata 1 – Touros Luz ............................................................................................ 397

6.3 - Separata 2 – Desenhos da obra .................................................................................. 399

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

431

6.3 - Separata 3 – Estatuas Touro / Mulher Cobra................................................................. 401

6.3 - Separata 4 – Pinturas – Picasso… Animalistas… ............................................................. 403

6.3 - Separata 5 – Pinturas (MIX) ....................................................................................... 405

6.3 - Separata 6 – TC mitologia .......................................................................................... 407

6.3 - Separata 7 – Desenhos Vários .................................................................................... 409

7 - ÍNDICE/s .................................................................................................................. 411

7.1 - índice de índices e indícios… ....................................................................................... 413

7.2 - ÍNDlCE/s – lista das gravuras ..................................................................................... 419

7.3 - PLANO GLOBAL desta OBRA ....................................................................................... 421 7.4 - PLANO de (possíveis) JORNADAS pelo ALENTEJO… ........................................................ 423

7.5 - Links – .................................................................................................................... 425

7.6 – ÍNDICE GERAL (manual)............................................................................................ 427

7.7 - ÍNDICE FINAL com ligações às páginas… ...................................................................... 429

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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(ANEXO EXTRA com notícia de finais de Abril de 2012)

Escultura rara de um touro com cerca de três mil anos para ver em Beja

http://sicnoticias.sapo.pt/cultura/2012/04/30/escultura-rara-de-um-touro-com-cerca-de-tres-mil-anos-para-ver-em-beja

A escultura, devido à "sua raridade, particular relevância científica e valor iconográfico", vai estar patente ao público até ao próximo dia 29 de junho na galeria de exposições da Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), em Beja.

... A peça, com 23 centímetros de altura, 17 de largura e 45 de comprimento, representa "um touro em posição natural de repouso, deitado sobre o ventre e com a parte traseira ligeiramente recostada sobre a perna esquerda", explica a

EDIA. A escultura foi recuperada no sítio arqueológico Cinco Reis 8, intervencionado no âmbito da empreitada de construção de uma infraestrutura da rede primária do subsistema de rega de Alqueva, o troço de ligação Pisão-Beja.

O sítio arqueológico Cinco Reis 8 é uma necrópole da 1. Idade do Ferro, "constituída por recintos limitados por fossos de planta retangular, no centro dos quais se situam sepulturas individuais". A EDIA, desde o início da construção do empreendimento de fins múltiplos de Alqueva, já promoveu cerca de 1.300

intervenções arqueológicas no âmbito da minimização de impactes decorrentes das obras do projeto. Segundo a empresa, as intervenções arqueológicas "têm permitido conhecer em concreto os espaços de ocupação" inseridos nas mais diversas cronologias, da pré-história aos tempos modernos, e tipologias, como necrópoles,

habitações e povoados. "Este conhecimento vem trazer novas luzes sobre o passado e contribuir para uma revisão do atual estado do conhecimento científico", sublinha a EDIA.

Lusa

PISTAS de LEITURA curtas: • A/s LENDA/s do TOURO e da COBRA ou um ÍNDÍCIO / ÍNDICE / SIMBÓLICA da Cidade... do

Alentejo... do País...do Planeta... com seus complexos conflitos!!!

• Possivelmente, NÓS, como sociedade, criámos, NÓS próprios, uma série de MONSTROS INSACIÁVEIS e agora, não sabemos “destruir” ou lidar com eles...

Corroios, Primavera de 2012 – O Autor

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Corroios, 8 de Maio de 2012 José Rabaça Gaspar

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José Penedo – um deNómio de José Rabaça Gaspar

434

Este trabalho foi acabado de realizar e imprimir em versões

manuais:

1º por JORAGA Amstrad pcw8256

1º de Maio de 1989

Penedo Gordo, Beja

e posteriormente, por

@ JORAGA – C 486-66c – WinWord,

Hewlett Packard Desk Jet 550C

Penedo Gordo, Beja 1994/95

no Verão de 1995 e em Julho de 1998,

e finalmente em Setembro de 2008, Abril de 2012,

Corroios, Seixal,

com todos os direitos reservados por:

JORAGA

em viagem...

... e foi editado pela BUBOK

http://www.bubok.pt/

Onde pode ser pedido em formato eBook (PDF) e no

formato em papel ‗a pedido‘ em Abril / Maio de 2012.

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Lendas de Beja – o Touro e a Cobra e outras LENDAS...

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