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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: CULTURAS ESCOLARES E LINGUAGENS GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM LEITURA E LETRAMENTO CLAUDIONOR ALVES VIANA LEITURA E LITERATURA NA ESCOLA LIVRE PORTO CUIABÁ NA PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA WALDORF CUIABÁ - MT 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: CULTURAS ESCOLARES E LINGUAGENS

GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM LEITURA E LETRAMENTO

CLAUDIONOR ALVES VIANA

LEITURA E LITERATURA NA ESCOLA LIVRE PORTO

CUIABÁ NA PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA WALDORF

CUIABÁ - MT

2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: CULTURAS ESCOLARES E LINGUAGENS

GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM LEITURA E LETRAMENTO

CLAUDIONOR ALVES VIANA

LEITURA E LITERATURA NA ESCOLA LIVRE PORTO

CUIABÁ NA PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA WALDORF

CUIABÁ-MT

2012

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CLAUDIONOR ALVES VIANA

LEITURA E LITERATURA NA ESCOLA LIVRE PORTO

CUIABÁ NA PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA WALDORF

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação do Instituto de

Educação da Universidade Federal de Mato

Grosso, como requisito final para obtenção do

título de Mestre em Educação na Linha de

Pesquisa Culturas Escolares e Linguagens.

Orientadora: Profª. Dra. Dra Ana Arlinda de Oliveira

CUIABÁ-MT

2012

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FICHA CATALOGRÁFICA

V614l Viana, Claudionor Alves.

Leitura e literatura na Escola Livre Porto Cuiabá na perspectiva da

Pedagogia Waldorf / Claudionor Alves Viana. – 2012.

166 f. : il. color.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Arlinda de Oliveira. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de

Educação, Pós-Graduação em Educação, Área de Concentração: Educação,

Leitura e Letramento, Linha de Pesquisa: Culturas Escolares e Linguagens, 2012.

Bibliografia: f. 156-160.

Inclui anexos.

1. Pedagogia Waldorf. 2. Literatura infantil – Relação professor-aluno. 3.

Leitura infantil – Práticas pedagógicas. 4. Formação do Leitor – Práticas

pedagógicas. 5. Crianças – Letramento literário. 6. Crianças – Práticas de leituras. I. Título.

CDU – 371.4WALDORF

Ficha elaborada por: Rosângela Aparecida Vicente Söhn – CRB-1/931

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AGRADECIMENTOS

A conclusão desta Dissertação de Mestrado em Educação significa avançar

um degrau a mais na minha carreira profissional e pessoal, com mais bagagem, com

mais conhecimentos. Meus agradecimentos a todos que contribuíram de diferentes

maneiras com este avanço.

A Deus, por me possibilitar condições de saúde, força confiança, vontade e fé para

trilhar os caminhos num novo desafio, sendo meu sustento, meu amparo, minha

força, meu tudo;

à minha família, especialmente meu pai, pelo exemplo de coragem, garra, força e

determinação, e por sempre acreditar em mim;

à Professora Drª Ana Arlinda de Oliveira, pela credibilidade, confiança, amizade,

carinho e paciência na orientação segura que resultou na realização deste trabalho;

às Professoras Doutoras Sandra Norma de Oliveira Ferreira, Lázara Nanci de Barros

Amâncio e Ana Lúcia Nunes da Cunha Vilela, por aceitarem o convite para a

composição da Banca Examinadora desta Dissertação, sendo valiosas suas

considerações para a conclusão deste trabalho;

aos professores do Curso de Mestrado, pelas contribuições e seus ensinamentos.

Aos colegas do Curso de Mestrado pelo companheirismo, amizade e convívio social

na pessoa de Eucaris Joelma Rodrigues Ferreira;

à Diretora da Escola Livre Porto Cuiabá, Ana Maria F. S. Pagliarini e sua Equipe

Gestora, pelas contribuições, pela acolhida e permissão para a realização desta

pesquisa;

à Professora Núbia Oliveira Lopes e seus alunos, pela fraternal acolhida em sua sala

de aula e pela valiosa contribuição para a concretização desta pesquisa;

aos professores e funcionários da Escola Livre Porto Cuiabá, que contribuíram direta

e indiretamente para a realização deste trabalho;

à Secretaria Municipal de Educação do Município de Cuiabá-MT, pela compreensão

e incentivo à minha formação profissional, concedendo-me afastamento para

qualificação profissional;

à Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, pela compreensão e incentivo

à minha formação profissional, concedendo-me afastamento para qualificação

profissional.

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Dedicatória

Aos meus pais, Ângelo Alves Viana e

Maria Pereira Viana (in memorian),

aos meus sobrinhos Rafael Racis Viana e

Nathane Acácia Viana de Lima

e, em especial, à Profª Drª Ana Arlinda de

Oliveira, orientadora desta pesquisa.

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RESUMO Esta pesquisa realizada em nível de Mestrado no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso teve como objetivo investigar como se desenvolve a proposição pedagógica sobre a Leitura e a Literatura Infantil na turma do quarto ano da Escola Livre Porto Cuiabá, conforme os princípios da Pedagogia Waldorf. Tem como questão central: Como a Leitura e a Literatura Infantil vêm sendo trabalhadas nas práticas pedagógicas em uma sala do quarto ano da Escola Livre Porto Cuiabá em Mato Grosso de modo a contribuir para a formação do leitor? Os objetivos específicos ajudaram a nortear a pesquisa, sendo eles: conhecer as concepções e práticas que dão suporte ao fazer pedagógico da professora, com relação à leitura e à literatura infantil; observar as estratégias utilizadas nas atividades de leitura; analisar se a prática metodológica da professora possibilita a construção da autonomia com relação à formação de leitores, ampliando o letramento dos alunos; identificar os gêneros literários presentes na prática pedagógica que circulam no contexto da sala de aula. Os sujeitos foram a professora e os vinte e quatro alunos da turma. Pautada na pesquisa qualitativa, os instrumentos utilizados foram: o questionário; a observação do contexto da sala de aula; a entrevista gravada; fotografia; o Projeto Político Pedagógico da escola; o planejamento da professora e os cadernos dos alunos. De acordo com as análises, a literatura infantil presente na sala de aula tem sido fundamental para que os alunos desenvolvam cada vez mais o letramento literário. A prática da professora, ao trabalhar o poema, variava entre o momento do ritmo que acontecia no pátio, declamado por todos e, ao retornar à aula em sala de aula, em que três ou quatro alunos por dia recitavam aos demais o seu poema de boletim. Ao trabalhar o gênero teatro, solicitava que os alunos escolhessem a parte do livro que mais lhes agradava para dramatizar. Assim, o envolvimento com a dramatização era constante entre os alunos. O espaço da biblioteca não é frequentado por esses alunos, tendo acesso apenas aos livros que são disponibilizados nos cestos ou em estantes em cada sala de aula. Somente os alunos de outras séries fazem uso constante da biblioteca,, buscando os livros de seu interesse, ou sugeridos pelo professor. Os dados coletados e analisados revelaram que as concepções de leitura, metodologias aplicadas e a prática pedagógica da professora contribuem significativamente para a formação de alunos leitores. Palavras chave: Leitura; Literatura Infantil; Pedagogia Waldorf.

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ABSTRACT

This research carried through for a Masters Degree in the Post-Graduation Program at the Federal University of Mato Grosso, had as objective to investigate how does the pedagogical proposal on Reading and Children's Literature - according to the principles of the Waldorf Pedagogy - develops on fourth-graders at the Livre Porto Cuiabá school. The central question: How have been the Reading and Children's Literature worked through in pedagogical practices with fourth-graders at the Livre Porto Cuiabá School in order to contribute for the formation of the reader? Specific objectives had helped to guide the research, which are: knowing the conceptions and practices that support the pedagogical actions of the teacher, with regards to the reading and to the children's literature; observing the strategies used in the reading activities; analyzing whether the pedagogical practices of the teacher make it possible for the construction of an autonomy in relation to the formation of readers, increasing pupils' literacy levels; and identifying the literary styles present in pedagogical practices circulating in the context of the classroom. The subjects were the teacher and the twenty-four students in the group. Based on qualitative research, the instruments were: the questionnaire; observation of classroom context; the recorded interview; the school’s Political-Pedagogic Project; the teacher’s plannings and the students’ notebook. In accordance with the analysis, children's literature in the classroom has been fundamental for pupils to develop literary literacy. Teacher's actions, when working the poem, varied according to the moment and the rhythm of the class, which took place in patio, when recited to all and, when returning to the lesson in classroom, when three or four pupils per day recited their poems to all. When working with theater, she requested that the pupils would choose the part of the book that pleased them the most for a theatrical performance. Thus, the involvement with Drama was constant between the pupils. The library is out of bounds to these pupils, them having access only to the books left on their hampers or bookshelves in each classroom. The pupils of other grades make constant use of the library, searching the books of their interest, or suggested by the teacher. The collected and analyzed data showed that the applied conceptions of reading, methodologies and pedagogical praxis of the teacher contribute significantly to the formation of pupils with the habit of reading. Key words : Reading; Children's literature; Waldorf Pedagogy.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 - Na atividade de ritmo declamando o Verso da Manhã ............................... 31

Figura 02 - Ritmo com bastões ..................................................................................... 31

Figura 03 - Capa do livro Rápido como um gafanhoto .................................................. 32

Figura 04 - Atividade de ritmo com música cantada e tocada ...................................... 33

Figura 05 - Atividade de ritmo com música tocada na flauta ........................................ 33

Figura 06 - Atividade de ritmo com cantiga de roda ..................................................... 34

Figura 07 - Alunos recitando o poema de boletim em sala de aula .............................. 35

Figura 08 - Momento durante o recreio no pátio escolar ............................................. 36

Figura 09 - Brincadeiras durante o recreio .................................................................... 37

Figura 10 - Espaço na lateral da sala de aula ............................................................... 38

Figura 11 - Os alunos mostrando os cadernos para a professora ................................ 39

Figura 12 - Momento de interação em sala de aula ...................................................... 39

Figura 13 - Organização das mesinhas em sala de aula .............................................. 40

Figura 14 - Jornais e revistas na realização de atividades ........................................... 41

Figura 15 - Momento de leitura da literatura infantil em sala de aula ........................... 41

Figura 16 - Crianças produzindo através de desenhos ............................................... 124

Figura 17 - Os alunos aguardando o momento de entrada ......................................... 126

Figura 18 - Apresentação do diálogo .......................................................................... 128

Figura 19 - A escolha do livro ....................................................................................... 129

Figura 20 - Cesto com livros ........................................................................................ 130

Figura 21 - Momento de socialização da leitura ........................................................... 130

Figura 22 - Momento do ritmo ...................................................................................... 132

Figura 23 - A escolha do livro ....................................................................................... 132

Figura 24 - Procurando gravetos para escrever ........................................................... 135

Figura 25 - Vários escritos na argila ............................................................................. 136

Figura 26 - Apresentação da pena de pássaros ...........................................................137

Figura 27 - Cada aluno recebe uma pena de pássaro ................................................. 138

Figura 28 - Primeira escrita com a caneta tinteiro ........................................................ 139

Figura 29 - Apresentação do trabalho do grupo 1 ........................................................ 145

Figura 30 - Apresentação do trabalho do grupo 2 ........................................................ 145

Figura 31 - Escolha do livro para leitura silenciosa .......................................................147

Figura 32 - Aluno lendo a Bíblia no momento de leitura ...............................................148

Figura 33 - Momentos de leitura no pátio ..................................................................... 149

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 - ............................................................................................................ 53

Quadro 02 - ............................................................................................................ 56

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11

1 A PESQUISA E SEU REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ................. 21

1.1 REFERENCIAL TEÓRICO DA PESQUISA QUALITATIVA................................ 21

1.2 CARACTERIZAÇÃO DO LÓCUS DA PESQUISA ............................................. 24

1.3 A ROTINA DIÁRIA DA ESCOLA ........................................................................ 30

1.3.1 A Sala de Aula ................................................................................................. 38

1.4 OS SUJEITOS DA PESQUISA .......................................................................... 41

1.4.1 Os Alunos ........................................................................................................ 42

1.4.2 A Professora .................................................................................................... 43

1.5 OS INSTRUMENTOS DE COLETA E ANÁLISE DOS DADOS ......................... 44

1.5.1 A Observação .................................................................................................. 44

1.5.2 As Entrevistas Gravadas ................................................................................. 46

1.5.3 O Questionário ................................................................................................ 47

1.5.4 As Fotografias ................................................................................................. 47

1.5.5 Os Documentos ............................................................................................... 48

1.5.6 Os Blocos de Análise do Capítulo 4 ................................................................ 58

2 O SISTEMA DE ENSINO WALDORF ................................................................... 59

2.1 A PEDAGOGIA WALDORF ................................................................................ 59

2.2 PRINCÍPIOS DA PEDAGOGIA WALDORF ....................................................... 67

2.3 OS SETÊNIOS ................................................................................................... 70

2.3.1 O Primeiro Setênio .......................................................................................... 71

2.3.2 O Segundo Setênio ......................................................................................... 73

2.3.3 O Terceiro Setênio .......................................................................................... 75

3 LEITURA, LITERATURA E LETRAMENTO: O PERCURSO TEÓRICO ............. 76

3.1 ABORDAGENS SOBRE A LINGUAGEM ........................................................... 76

3.2 LEITURA E FORMAÇÃO LEITORA DA CRIANÇA ............................................ 79

3.3 LITERATURA INFANTIL E LETRAMENTO LITERÁRIO DA CRIANÇA............. 88

3.4 LETRAMENTO: AMPLIAÇÃO DO CONHECIMENTO DE MUNDO ................... 94

4 ANÁLISE DOS DISCURSOS E PRÁTICAS DA PROFESSORA ......................... 98

4.1 A FORMAÇÃO LEITORA DA PROFESSORA .. Erro! Indicador não definido.98

4.2 DISCURSOS DA PROFESSORA SOBRE OS PRESSUPOSTOS DA

PEDAGOGIA WALDORF ................................................................................ 103

4.3 ANÁLISES DAS PRÁTICAS DE LEITURAS .................................................... 114

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4.4 AS OBSERVAÇÕES EM SALA DE AULA ....................................................... 122

4.4.1 As Aulas da Professora NÚB ........................................................................ 122

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 151

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 156

ANEXO I ................................................................................................................ 162

ANEXO II ............................................................................................................... 163

ANEXO III .............................................................................................................. 164

ANEXO IV .............................................................................................................. 166

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INTRODUÇÃO

O ensino da leitura e da literatura é de grande importância na formação

pessoal e intelectual do ser humano. Essas práticas quase inexistem nos programas

de formação inicial e continuada das escolas brasileiras, talvez porque os

professores não possuam uma formação que lhes permita com habilidade dar

enfoque à Literatura Infantil de forma prazerosa.

Os livros de literatura infantil são instrumentos importantíssimos, pois ajudam

a despertar a imaginação, não somente das crianças que não dominam a escrita

como também dos adultos, visto que a partir deles são capazes de produzirem e

reproduzirem a própria história, dentro de sua visão particular.

A Literatura Infantil, quanto ao desenvolvimento cognitivo, proporciona às

crianças desenvolver habilidades como agentes facilitadores de sua aprendizagem.

Possibilita o aumento do vocabulário, na criticidade e na criatividade.

A obra literária infantil possibilita à criança compreender a escrita como um

meio de comunicação criado para transmitir informações, expressar sentimentos,

discutir conhecimentos e ideias, instrumentalizando o ser humano no

estabelecimento das relações sociais, na resolução de problemas, na discussão de

opiniões, etc.

Como minha prática pedagógica, ao desenvolver atividades com os alunos,

apresenta pontos convergentes com a Pedagogia Waldorf, utilizando-se bastante do

desenho como forma de produção e compreensão da leitura, dentre outras

atividades, foi sugerido pela professora orientadora que eu conhecesse a Escola

Livre Porto Cuiabá. É interessante a forma como esta escola desenvolve seu

currículo e a maneira como aplica os princípios da Pedagogia Waldorf, o que

despertou em mim curiosidade em ver como os alunos vão absorvendo princípios e

valores que lhes acompanharão por toda a vida. Dessa forma, aumentou em mim

um interesse maior em conhecer melhor sua organização, optando então por defini-

la como lócus para a realização da pesquisa.

Assim, para compreender como acontece a prática da professora do quarto

ano da Escola Livre Porto Cuiabá, quanto à leitura da literatura infantil de acordo

com os princípios da Pedagogia Waldorf, fez-se necessário compreender sua

trajetória educativa, buscando a interação tanto da comunidade interna como

externa, tendo por base a Pedagogia Waldorf, a partir da antroposofia, ciência

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espiritual elaborada por Rudolf Steiner, bem como do percurso construído pela

professora em sua trajetória de leitura.

Com base nos estudos e reflexões foi necessário conhecer as práticas e

histórias de leitura e o efetivo exercício na docência para que pudesse compreender

e encontrar respostas para o problema a ser respondido nesta pesquisa, que assim

foi definido:

- Como a Leitura e a Literatura Infantil vêm sendo trabalhadas nas Práticas

Pedagógicas em uma sala do 4º ano da Escola Livre Porto Cuiabá em Mato

Grosso, de modo a contribuir para a formação do aluno leitor?

Alguns questionamentos foram feitos e devem ser considerados importantes

para o caminho a ser trilhado na busca de respostas para os mesmos: Como tem

sido construída a prática pedagógica da professora em relação à leitura? Que

concepções permeiam o fazer pedagógico? Que estratégias de leitura são aplicadas

em sala de aula? A prática da professora tem contribuído para a formação leitora e o

desenvolvimento do letramento? Quais gêneros circulam em sala de aula?

Na busca de respostas a essas indagações definimos como objetivo geral

desta pesquisa:

- Investigar e analisar como se desenvolve a proposição pedagógica sobre a Leitura

e a Literatura Infantil na turma do quarto ano da Escola Livre Porto Cuiabá, conforme

os princípios da Pedagogia Waldorf.

Apresentamos os seguintes objetivos específicos:

- Conhecer as concepções e práticas que dão suporte ao fazer pedagógico da

professora, com relação à leitura e a Literatura Infantil;

- Observar as estratégias utilizadas nas atividades de leitura;

- Analisar se a prática metodológica da professora possibilita a construção da

autonomia e formação de leitores, ampliando assim o letramento dos alunos;

- Identificar os gêneros literários presentes na prática pedagógica, que circulam no

contexto da sala de aula.

Este trabalho de pesquisa obedece à seguinte estrutura: Introdução, na qual

apresento os motivos que me despertaram para a concretização desta investigação,

juntamente com as questões levantadas e os objetivos que foram propostos para a

busca de respostas. A seguir, é apresentada minha história de leitura... No primeiro

capítulo apresentamos a metodologia da pesquisa e seu referencial metodológico.

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O segundo capítulo se constitui a partir dos referenciais teóricos da

Pedagogia Waldorf e seus princípios.

O terceiro capítulo segue a seguinte organização: referenciais teóricos sobre

a linguagem, a leitura, a literatura infantil e o letramento.

No capítulo quarto foi analisada a entrevista da professora sobre suas

concepções e práticas de leitura e a descrição de seu fazer pedagógico.

Finalmente, nas considerações finais elenco pontos importantes da pesquisa,

considerando as observações e as entrevistas com a professora.

Minha História de Leitura

O que procurei relatar aqui faz parte de um longo caminho trilhado por mim

desde o período em que eu ainda era uma criança até os dias de hoje, quando já

sou um adulto que desempenha a função de professor.

Quando refleti sobre a escrita de minha história de leitura, confesso que

busquei um objetivo: fazer uma reflexão de tudo aquilo que, durante minha vida, foi

relevante para a minha formação enquanto ser humano que ocupa um lugar nessa

sociedade.

Posso, então, dizer que minha trajetória é marcada por fatos e

acontecimentos significativos, que me ajudaram na resolução de conflitos existentes

em determinadas épocas de minha história.

Considero que, nesse percurso que venho trilhando, minha família ocupa um

lugar de destaque, pois a vejo como importante para a formação do caráter dos

filhos.

Embora meus pais não tivessem muita leitura, ambos estudaram até a 4ª

série da Educação Básica, e sempre incentivaram, não somente a mim, mas a todos

os outros irmãos a estudarem. Lembro-me que a escola dava muita importância à

família, havia uma grande preocupação por parte da Diretora da Escola Reunida de

São Pedro da Cipa, em Mato Grosso, em conhecer a família dos alunos - talvez por

serem irmãs de caridade fizessem esse trabalho paralelo entre a educação escolar e

a pastoral da família.

Quando completei a idade para frequentar a escola, na sala da pré-escola

minha mãe já havia me ensinado as primeiras letras. Isso relatado por ela, enquanto

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viva, que os dois mais velhos também foram para a escola já sabendo escrever seus

próprios nomes e identificar as letras do alfabeto.

Filho de uma família humilde, católica, que tinha como ramo de emprego a

terra para lavrar. E desse trabalho sustentar seis filhos, sendo quatro homens e duas

mulheres.

Meus pais, Ângelo Alves Viana e Maria Pereira Viana, pernambucanos que

desde suas infâncias já conheciam o sofrimento da vida dura do sertão

pernambucano, procuravam oferecer o que possuíam de melhor para seus filhos.

Portanto, em sua concepção, o mais importante para eles era que os filhos

pudessem estudar. Os filhos que estudavam no período matutino, no horário oposto

iam ajudar na lavoura, e os que estudavam no período vespertino davam sua

contribuição no período matutino. O trabalho da lavoura se restringia à limpeza e

colheita de arroz, feijão e milho.

É bom lembrar que eles nunca nos deixavam ir até a escola sem realizar

todos os deveres de casa. Mesmo sabendo da necessidade de levar os filhos para o

trabalho na lavoura, nunca os levavam se estes tivessem tarefas de casa para fazer.

Sempre penso na dura vida de sitiante, dura no sentido de as crianças desde

muito cedo terem que realizar atividades adultas na lavoura, ficando um pouco

distante o ato de brincar peculiar à infância. Milton Nascimento me faz enxergar a

realidade vivida e agora distante com a música “O Cio da Terra”

“Debulhar o trigo, Recolher cada bago do trigo, Forjar no trigo o milagre do pão e se fartar de pão... Decepar a cana, Recolher a garapa da cana, Roubar da cana a doçura do mel, se lambuzar de mel... Afagar a terra, Conhecer os desejos da terra, Cio da terra, propícia estação De fecundar o chão”...

Esta canção me faz retroceder e ver os cabelos brancos de meu pai, hoje

com 79 anos ainda na luta, dando lição de vida e exemplo de sabedoria. Já na

educação pré-escolar, e muito tímido, não entendia porque, mas nas festividades e

datas comemorativas era indicado para apresentar jogral e declamar poesias. As

lembranças das primeiras leituras são as poesias que recitava.

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Ainda quando crianças fomos privilegiados pela imensa sabedoria de meu pai

ao contar histórias quase todas as noites antes de dormirmos. Lembro-me de

algumas histórias que contava, tais como: O Galo e a Raposa, O Macaco e a Onça,

A Raposa e a Coruja, Joãozinho e Maria, e outras mais. Em suas histórias sempre

prevaleciam as atitudes de um mais esperto e algumas acompanhadas com uma

sutil lição de moral.

Meus pais não possuíam uma cultura que os direcionasse para momentos de

leitura. Minha mãe, sempre do lar e na lavoura... Soube que fez leituras de romances

quando esteve internada em Brasília, por quase um ano e meio, período de muita

dificuldade enfrentado por meu pai, pois, como todos os filhos eram pequenos, foram

distribuídos nas casas de um amigo e de uma tia.

Ao receber alta, já em casa, ouvia as histórias dos romances lidos por ela no

período de internação. Meu pai, sempre na lavoura, apenas depois de alguns anos

foi convidado a trabalhar como zelador na Escola Irmã Miguelina Corso em São

Pedro da Cipa-MT, onde se aposentou, porém sua única fonte de leitura, que me

lembro, era o folheto “O Domingo”, o qual era distribuído na igreja para celebração

da Santa Missa.

Embora não sendo leitores proficientes, sempre procuravam nos incentivar a

ler e escrever. Colocavam-nos para escrever cartas ditadas por eles para enviarem

aos familiares que residem em Pernambuco. E quando recebiam cartas nós, os

filhos, líamos para eles, principalmente eu.

Fui um dos filhos que muito escreveu as cartas que eles queriam. Hoje me

lembro o quanto sentiam saudade de seus familiares que estavam distantes e que

só o tempo diria se um dia haveriam de reencontrá-los.

Nas cartas que escrevia para meu pai relembro-me, com tristeza, dos anos

que passou distante de seus pais, irmãos e amigos e que só pôde retornar à sua

cidade natal vinte e cinco anos após a sua saída, e que, ao reencontrar seu pai, este

não o reconheceu como filho, e nem se lembrava de sua existência. Hoje recordo

esses escritos, os quais comparo com a história contada por Graciliano Ramos, em

“Vidas Secas”.

Mas o que me traz melancolia é quando me pego a recitar a música “A Triste

Partida”, cantada por Luís Gonzaga, cuja letra é do nosso ilustre poeta do sertão,

Patativa do Assaré, visto que a letra retrata a história de minha família, cujos relatos

me fazem lembrar as histórias vivenciadas e contadas por ele, quando choravam a

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dor do abandono da terra natal. A música é triste, porém retrata uma realidade dura

que enfrentavam e enfrenta o povo da região nordestina, castigada pela seca. Para

contextualizar meu leitor mostro um trecho da letra:

Meu Deus, meu Deus! Setembro passou Outubro e Novembro Já tamo em Dezembro Meu Deus, que é de nós Meu Deus, meu Deus! Assim fala o pobre Do seco Nordeste Com medo da peste Da fome feroz Ai,ai, ai, ai (...) Sem chuva na terra Descamba Janeiro Depois fevereiro E o mesmo verão Meu Deus, meu Deus! Entonce o nortista Pensando consigo Diz: “Isso é castigo Não chove mais não” Ai, ai, ai, ai Apela pra Março Que é o mês preferido Do santo querido Sinhô São José Meu Deus, Meu Deus Mas nada de chuva Ta tudo sem jeito Lhe foge do peito O resto da fé (...) Meu Deus, Meu Deus! Eu vendo meu burro Meu jegue e o cavalo Nóis vamo a São Paulo Viver ou morrer (...) Em um caminhão Ele joga a famia Chegou o triste dia Já vai viajar (...) A seca terrívi Que tudo devora Aí, lhe bota pra fora Da terra Natal Ai, ai, ai, ai (...) Aquele nortista Partido de pena De longe acena Adeus meu lugar Ai, ai, ai, ai

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(...) Se arguma notiça Das banda do norte Tem ele por sorte O gosto de ouvir Meu Deus, meu deus Lhe bate no peito Saudade de móio E as água nos óio Começa a cair (...)

Já dominando a leitura, uma das coisas que mais gostava era acompanhar as

leituras realizadas pelas pessoas que assumiam a liturgia na igreja, principalmente

as leituras do Evangelho e as orações dos fiéis contidas no folheto “O Domingo”.

Buscava acompanhar com os olhos a leitura, embora tivesse um pouco de

dificuldade.

Esse gosto pelas leituras do folheto “O Domingo” foi despertando em mim um

interesse vocacional pela vida religiosa. Outras leituras também me chamavam a

atenção e eu apreciava muito as leituras realizadas por meus irmãos da literatura de

cordel, lidas várias vezes entre nós porque achávamos muito interessantes as rimas,

e os fatos relatados chamavam-nos muito a atenção.

No Brasil, a literatura de cordel é produção típica da Região Nordeste, como

herança trazida pelos portugueses desde a colonização. As histórias que gostava de

ouvir ou ler estavam muito relacionadas aos episódios históricos, lendas, como por

exemplo, as proezas de Virgulino Ferreira da Silva (1900-1938), o cangaceiro

Lampião, Pedro Malazartes, etc. Em seus escritos, um dos poetas brasileiros que eu

gosto de ler é Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva), considerado um

poeta da literatura de cordel. Acredito que a literatura de cordel tenha despertado o

gosto pela leitura em muitas pessoas e, principalmente, escritores nordestinos que

também foram influenciados por ela e se tornaram ilustres escritores, como José

Lins do Rego (1901-1957), com “O Menino do Engenho”.,“Fogo Morto”, “Doidinho”, e

Guimarães Rosa (1908-1967), com ”Grandes Sertões: Veredas”.

Aos 12 anos, por interesse meu e empenho dos padres e religiosos da

paróquia católica de Juscimeira, cidade próxima a São Pedro da Cipa, fui para o

Seminário Santo Antônio (franciscano), que fica na cidade de Agudos - São Paulo.

Lá as minhas leituras estavam voltadas para aquelas com foco na

religiosidade. Como o Seminário era Franciscano, tive que fazer leituras para

conhecer a história e a vida de São Francisco de Assis, tais como: O Poverelo de

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Assis, Francisco, Clara e Francisco, e outras leituras que estivessem relacionadas à

vida de santos, como Santo Antonio, Santo Agostinho, Santa Clara de Assis, etc.

Como o regime de vida em um seminário é bastante fechado, tínhamos que

nos ocupar com atividades das festas comemorativas dos santos da Igreja. Nessas

festividades participávamos de retiros espirituais, onde havia encontros com

palestras e estudos bíblicos. Nesses retiros o recolhimento era total, tínhamos que

nos ater apenas a leituras espirituais.

Então, posso dizer que minha adolescência foi cheia de leituras relacionadas

à vida de santos ou livros religiosos. Dispúnhamos de uma biblioteca com muitos

livros, que contemplavam desde os temas religiosos a outras áreas de

conhecimento. Para cumprir o que assegurava o currículo escolar, tínhamos que

fazer leituras dos clássicos da literatura e realizar teatro com essas obras, no Salão

Nobre, espaço de Arte e Cultura, onde aconteciam festivais, concertos, sessões

solenes, peças teatrais, danças, etc.

As sessões solenes faziam parte da disciplina de retórica para os alunos do

colegial. Em cada sessão três oradores realizavam seus discursos, que eram

analisados pelos demais. Fiz parte dessas análises por várias vezes, e participei

discursando numa sessão solene aberta à comunidade externa no dia das mães.

O museu, que existe ainda hoje no Seminário, foi um espaço também

importante na minha formação, contribuindo para a leitura de mundo que hoje

possuo. Há, no museu, diversos escritos e uma grande variedade de peças teatrais

e obras baseadas na teoria evolutiva, iniciando com a criação do mundo até a era

espacial.

Ainda no Seminário tive ótimas oportunidades de leitura da literatura. Durante

os anos de 1977 a 1981 meu gosto pela leitura estava mais voltado para os escritos

de Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Manuel Bandeira e,

principalmente, Cecília Meireles, dentre outros. Os seus textos, como: Colar de

Carolina, O Mosquito Escreve, O Menino Azul, Leilão de Jardim, As Meninas, A Flor

Amarela, Passarinho no Sapé, e muitas outras, permitem seu reconhecimento na

poesia infantil. Isso porque Cecília Meireles se utilizou de coisas simples para a

composição de seus poemas, nos quais se percebe jogo de palavras.

Nos anos de 1982 e 1983, período em que ingressei na Escola Pública

Marechal Rondon, em Jaciara-MT, cursei o Magistério. Nesse período, minhas

leituras ficaram mais restritas às questões literárias e se iniciou um novo rumo na

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minha vida e na minha carreira, pois agora havia deixado o Seminário. Então, passei

a fazer leituras que estivessem relacionadas à nova carreira que almejava: ser

professor.

Antes de concluir o Ensino Médio fui convidado a trabalhar na Escola Irmã

Miguelina Corso como professor interino, assumindo uma turma de 4ª série. Após

concluir, me foram atribuídas, além de uma turma de 4ª série, as aulas de Língua

Portuguesa do Ensino Fundamental. Minhas leituras se ampliaram nesse período,

visto que os conteúdos das últimas turmas do Ensino Fundamental exigiam mais

leituras, para melhor compreensão e planejamento mais organizado.

Foi nesse período, mais especificamente com os alunos da 8ª série, que as

leituras se voltaram mais para a literatura brasileira. Então, procurava trabalhar com

os contos de Machado de Assis, José de Alencar, Carlos Drummond de Andrade,

dentre outros. Nesse período confesso que minha prática pedagógica se

enquadrava na tendência pedagógica tradicional.

Somente no período de 1988 a 1990, com a Licenciatura em História, minhas

concepções sobre a prática pedagógica foram tomando conceitos diferentes, vindo a

influenciar meu desempenho em sala de aula. Em 1988, assumindo uma cadeira no

concurso público da Rede Municipal de Cuiabá, tive que pedir a remoção da Rede

Estadual do município de São Pedro da Cipa, para Várzea Grande-MT, para a

Escola Heroclito Leôncio Monteiro, onde estou até hoje.

Como a rede municipal de ensino de Cuiabá intensificava ações de formação

continuada, participei ativamente com intuito de melhorar meu desempenho em sala

de aula, focalizando a alfabetização. Minhas leituras se intensificaram nas questões

ligadas à aquisição da leitura e da escrita. Nesse sentido, pude ampliar meus

conhecimentos, inovando minha prática pedagógica.

Em 1998 concluí o curso de Especialização em Metodologia e Didática do

Ensino Superior.

Para a conclusão desse curso desenvolvi uma pesquisa para realização da

Monografia, intitulada: A Aquisição da Língua Escrita pelas crianças da Pré

Escola. A professora Rosa Maria Jorge Persona contribuiu muito, com sua

experiência e prática na alfabetização, ao orientar a minha pesquisa. Nesse período

minhas leituras se intensificaram mais, para dar conta de compreender o processo

de aquisição da escrita nas crianças. Isso só foi me possibilitando aprimorar minha

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prática pedagógica e compreender o mundo da criança e suas singularidades no

processo de construção de conhecimento.

Os momentos de formação continuada realizados nas unidades escolares,

tanto na rede estadual como na rede municipal, com as trocas de experiências com

os colegas, contribuíram para mudanças significativas em minha prática docente. A

experiência que tive, enquanto gestor público, quando dirigi a EMEB Maria da Glória

de Souza por seis anos, foi preocupar-me com a qualidade da educação que

estávamos ofertando à nossa clientela. Nesse sentido nossos momentos de

formação continuada visavam sempre aperfeiçoar a prática pedagógica em sala de

aula, de modo a permitir o fortalecimento de diferentes modos de ensinar e

aprender. Por isso, era necessário que o professor repensasse sua postura,

interligando o sentido que representa a escola e o papel que ela cumpre exercendo

sua função social, associada à ação do professor em sala de aula.

Após concluir meu pleito como gestor um novo desafio apontou para mim

novas perspectivas, na busca de continuidade de minha formação, pois me

matriculei no curso de Pedagogia, na busca de aquisição de conhecimentos que

sustentassem e garantissem minha permanência na Educação Básica, como

professor alfabetizador na rede municipal de Cuiabá-MT.

. Os cursos de Alfabetização de que participei, especialmente o curso do

CEALE (Centro de Alfabetização, Leitura e Letramento) - Faculdade de

Educação/UFMG/SME, têm me possibilitado maior criatividade e dinamicidade ao

trabalhar nessa modalidade de ensino.

Por fim, um maior desafio despontou quando novamente quis prosseguir

minha formação, ao pleitear uma vaga no Mestrado em Educação na UFMT. Isso me

fez novamente mergulhar no mundo da leitura, garantindo a mim um novo

referencial, com uma visão mais ampla de conhecimentos, e possibilitando um

universo cultural mais significativo para minha vida pessoal e profissional. Nesse

novo momento de minha vida e de minha carreira estou rodeado de professores, de

pessoas com novos ideais, com novas expectativas, que me deixam com a

autoestima elevada, dando-me coragem para superar os obstáculos que surgem.

Enfim, que esse momento possa me tornar verdadeiramente um professor

pesquisador que seja capaz de construir conhecimentos e buscar sempre investir na

qualidade das aulas, para que possa fomentar em seus alunos o desejo do

conhecimento e garantia de formação humana com qualidade.

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1 A PESQUISA E SEU REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

Neste capítulo descrevemos o processo percorrido para dar conta da

pesquisa. Assim, será explicitado o referencial teórico que embasa o estudo, a

caracterização do lócus, a escolha dos sujeitos, e os instrumentos de coleta e

análise de dados.

1.1 REFERENCIAL TEÓRICO DA PESQUISA QUALITATIVA

De acordo com a linha de estudo que dá suporte a esta pesquisa o método

aplicado para a elaboração da mesma foi pautado na abordagem qualitativa.

Pesquisas qualitativas com enfoque educacional tiveram início nos anos

setenta com estudos realizados em antropologia e sociologia. Pela amplitude dos

campos de estudos diretamente ligados à educação, podemos pensar que este está

relacionado com a interdisciplinaridade, visto que as pesquisas em educação se

apresentam sob diferentes perspectivas; podemos citar as pesquisas com

perspectiva histórica, sociológica, psicológica, culturalista.

A pesquisa qualitativa se vale das experiências que podem e devem ser

absorvidas a partir das pessoas com quem diretamente trabalha, ou que são

observadas, não apenas, ou simplesmente considerando-as como objetos de

investigação, e busca uma compreensão de forma minuciosa das situações que

envolvem seus entrevistados.

Assim, a pesquisa qualitativa se envolve na forma descritiva e interpretativa da

experiência de determinada pessoa ou grupo de pessoas, vivenciadas em seu

cotidiano.

Para Bauer e Gaskell (2002, p. 68), “a finalidade da pesquisa qualitativa não é

contar opiniões, pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro de opiniões, as

diferentes representações sobre o assunto em questão”. Rodrigues (2008, p. 42-43)

assim concebe a pesquisa qualitativa:

comumente apresenta-se como uma tentativa de compreensão detalhada dos significados e das características situacionais evidenciadas pelos entrevistados, em lugar da produção de aspectos e comportamentos meramente quantitativos. Por outro lado, os critérios de cientificidade da pesquisa são muitas vezes questionados devido à problemática da verificação de seus dados.

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Pensando nas práticas pedagógicas, referenciando a leitura e a literatura

infantil vivenciadas no contexto escolar como instrumentos ou objetos que facilitam o

processo ensino-aprendizagem e formação do leitor, a pesquisa busca fortalecer tais

práticas no contexto escolar a partir das próprias ações dos alunos, de sua forma de

compreender e interpretar.

Esse tipo de investigação qualitativa - investigação da ação - apresenta o

espaço escolar em que esta se desenvolverá, como meio da coleta de dados, por

meio da observação de seus instrumentos, bem como os seus sujeitos, etc.

Guba e Wolf (1978a, apud BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 17) enfatizam que a

investigação qualitativa em educação

é frequentemente designada por naturalista, porque o investigador frequenta os locais em que normalmente se verificam os fenômenos nos quais está interessado, incidindo os dados recolhidos nos comportamentos naturais das pessoas: conversar, visitar, observar, etc.

Nesse sentido, podemos dizer, baseados no pensamento de Bogdan e Biklen,

que a investigação qualitativa em educação assume muitas formas e é conduzida

em múltiplos contextos.

Na escola e na vida encontramos grande multiplicidade de pessoas e de

modos de viver, de pensar e ser diferentes. E a escola faz parte das criações

humanas, no seu contexto histórico, criações essas que vêm carregadas de

determinada bagagem cultural. Essa cultura nos enraíza nos caracteriza e nos

identifica. Tendo sido, possivelmente, o primeiro antropólogo a escrever sobre a

antropologia e educação, de acordo com Bogdan e Biklen (op. cit., p. 25), para

(...) o desenvolvimento da investigação qualitativa em educação, o contributo mais significativo de Boas foi a sua participação no desenvolvimento da antropologia interpretativa, bem como o seu conceito de cultura. (...) acreditando que cada cultura estudada devia ser abordada de forma indutiva.

Partindo do princípio de pesquisa como algo que busca, que se indaga, para

se informar a respeito de, a pesquisa qualitativa está relacionada com fatos reais,

para buscar ser realista e verdadeira. Waller (1932, apud BOGDAN e BIKLEN, ibid.,

p. 31) afirma que o objetivo é auxiliar os professores a tomarem consciência das

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realidades sociais da vida escolar, e que, para alcançar esse objetivo, é preciso ser

realista e concreto.

Pádua (2003, p. 31) caracteriza pesquisa como “toda atividade voltada para a

solução de problemas; como atividade de busca, indagação, investigação, inquirição

da realidade”, que vai permitir elaborar conhecimentos que auxiliem na compreensão

da realidade e oriente ações.

Parte dos investigadores qualitativos se identifica com a perspectiva

fenomenológica, a qual atenta para o entendimento do significado dos fatos, dos

acontecimentos em situações particulares, buscando compreender os sujeitos por

meio de seu ponto de vista e de suas observações. A fenomenologia é o estudo da

consciência e dos objetos da consciência, orientando seu olhar para o fenômeno,

entendido como a relação sujeito-objeto.

Segundo Bello (2006, p. 17-18), fenomenologia é uma palavra constituída por

duas outras, ambas de origem grega. “Fenômeno” significa aquilo que se mostra,

não somente aquilo que aparece ou parece. “Logia” deriva da palavra logos, que

para os gregos tinha muitos significados: palavra, pensamento.

Na perspectiva de Masini (1989), o método fenomenológico está centrado na

experiência do ser humano, pois ele próprio torna-se o ponto de partida neste tipo de

investigação. Masini ressalta que, se tratando do método fenomenológico, este

trata de desentranhar o fenômeno, pô-lo a descoberto. Desvendar o

fenômeno além da aparência. Exatamente porque os fenômenos não

estão evidentes de imediato e com regularidade faz-se necessário a

Fenomenologia. O método fenomenológico não se limita a uma

descrição passiva. É simultaneamente tarefa de interpretação (tarefa

da hermenêutica) que consiste em por a descoberta os sentidos

menos aparentes, os que o fenômeno tem de mais fundamental

(MASINI, op. cit., p. 63).

A pesquisa qualitativa se caracteriza pelos enfoques definidos como:

participativa, a pesquisa ação, a pesquisa etnográfica, o estudo de caso. As

características da investigação qualitativa têm sido relevantes nos diversos aspectos

da vida educativa. As características estão basicamente assim constituídas, segundo

Bogdan e Biklen (1994, p. 47-50):

1) A fonte direta dos dados na pesquisa qualitativa é o ambiente natural, onde o

pesquisador interage com os sujeitos, [...] por compreender que as ações podem

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ser mais bem compreendidas quando se dá em seu ambiente onde elas

acontecem.

2) Possui um caráter descritivo abrangendo o lócus da pesquisa, os sujeitos, os

instrumentos através dos dados que se levanta da realidade, respeitando a forma

em que estes foram colhidos. Na relação entre processos e produtos os

investigadores qualitativos se interessam mais pelo processo do que pelos

resultados ou produtos. O interesse do pesquisador está em retratar como um

determinado problema se manifesta nas atividades e nas interações cotidianas.

3) A preocupação com os dados não é a de confirmar suas hipóteses, as quais

tendem a ser analisadas pelos investigadores de forma indutiva.

4) Se dá importância vital ao significado na abordagem qualitativa e este se torna o

foco do pesquisador. Este por sua vez se preocupa em compreender as

indagações sobre as pessoas e suas vidas.

1.2 CARACTERIZAÇÃO DO LÓCUS DA PESQUISA

A Escola Livre Porto Cuiabá é uma unidade prestadora de serviços

educacionais, mantida pela Associação Micael, instituição sem fins lucrativos,

situada à Rua Tenente Lira n° 320, esquina com a Rua Santa Terezinha, no Bairro

Dom Aquino, Cuiabá-MT.

De acordo com documentação da Unidade Escolar sua legalização foi

publicada no Diário Oficial de Mato Grosso em 27/09/89, onde institui sua fundação

constante na Ata n° 1.

De acordo com a documentação e registros, a escola está a serviço das

necessidades e características de desenvolvimento de sua clientela, ofertando

atendimento à Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e formação

profissional do professor. A formação profissional aqui referida é para atender às

necessidades dos professores e funcionários da escola. O atendimento por meio de

cursos de formação continuada, para atender às diversas modalidades, se faz em

um dos períodos letivos ou em congressos.

A Escola Livre Porto Cuiabá, a partir de suas concepções e princípios, se

propõe como inserida em seu contexto histórico, propiciar uma assimilação

sistemática e crítica da cultura, oferecendo condições para que o aluno adquira uma

concepção integral de homem e de mundo. Nesse sentido, de acordo com o Projeto

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Político Pedagógico (PPP), esta vem promovendo harmonicamente a pessoa

humana, mediante um encontro vivo com o patrimônio cultural, isto é, confrontando e

inserindo valores perenes ao contexto atual, exercitando a inteligência na busca e

explicação do sentido das experiências e certezas vividas, orientando o projeto

educativo na libertação da liberdade do ser

Como parte de suas concepções, a escola considera a educação não só no

sentido restrito, mas a educação no seu sentido mais amplo, sugerindo pela própria

etimologia da palavra (do verbo ”educere”), conduzir, e do prefixo preposicional “e”

que significa: movimento de dentro para fora. Ou seja, a escola concebe educação

como processo de exteriorização das potencialidades do educando pelo qual o

homem se torna ele mesmo, onde encontra a sua identidade. Tudo relacionado ao

convívio com o outro.

Eis porque esse processo educacional é sempre relacional. O homem o faz

mesmo através das relações com outras pessoas. A escola abraça a tarefa de

trabalhar as relações educando/educador/família, triângulo essencial para

encaminhamento de uma proposta de trabalho. Visa respeitar o desenvolvimento

natural da criança, olhando-a como indivíduo, dotado, portanto, de personalidade, de

características pessoais que devem ser respeitadas, sem perder de vista o ser social

que é inserido numa determinada realidade, num determinado momento sócio,

político, cultural e histórico da humanidade.

A escola estuda o desenvolvimento do ser humano, para que, conhecendo

suas fases evolutivas, possa saber quais as capacidades inatas em determinada

fase da vida, a fim de que atue como oportunizadora de vivências que facilitem o

desabrochar.

O professor necessita estar sempre estudando, se aprofundando no

conhecimento do homem e do universo em suas diferentes categorias. Para tanto, é

preciso criar condições para que este permaneça na escola.

Nesta linha, a escola vê grande importância na participação dos pais no

sentido de conhecerem a pedagogia, participarem conjuntamente da educação das

crianças e jovens e lutarem para que esse impulso pedagógico possa se realizar de

forma cada vez mais completa.

Como filosofia a Escola Livre Porto Cuiabá adota a Pedagogia Waldorf, de

Rudolf Steiner, filósofo e cientista austríaco, fundamentada na Antroposofia por ele

criada.

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Desse pensamento nasce uma antropologia, um estudo do homem, em sua

visão integrada de homem e do mundo, que fundamenta a Pedagogia Waldorf. Lanz

define o sentido da pedagogia Waldorf afirmando que

ela resulta da antroposofia em geral e, em particular do que ela tem a dizer sobre o desenvolvimento da criança. (...) “a Antroposofia não é uma religião; é uma visão do Universo do Homem obtida segundo métodos científicos”. Dessa cosmovisão decorre a imagem do mundo, a própria existência das escolas Waldorf e o trabalho de seus professores. Mas ela é ensinada aos alunos: respeita-se a liberdade espiritual destes e de seus familiares (LANZ, 1998, p. 79).

Nessa visão, concebe o Homem como um ser dotado de corpo (físico), alma

(psíquico emocional) e espírito (individualidade). Ele existe como parte do universo,

sujeito a processos de evolução nesses três dimensionamentos.

A filosofia da escola tem como cerne o impulso crítico para a Humanidade, de

onde se originam os valores espirituais trabalhados na mesma, que são alicerçados

no Amor, Justiça, Igualdade, Liberdade, etc.

A escola pauta seu compromisso no princípio de transmissão de

Conhecimento e Amor preparando crianças, adolescentes e jovens,

independentemente de raça, cor, credo religioso e classe social, para que possam

na vida adulta optar por uma atuação em prol do nosso mundo, da natureza, do seu

próximo, do organismo social.

Em seus princípios filosóficos traz a pessoa para o centro de processo

educativo; currículo, metodologia e didática são encaradas como meios de propiciar

um desenvolvimento saudável para crianças e jovens. Por meio das vivências

realizadas a partir dessa cosmovisão, a informação acontece de forma mais ampla,

a pessoa passa por um processo de autoconhecimento.

A Escola Livre Porto Cuiabá resume sua filosofia nos seguintes itens,

conforme consta em seu Projeto Político Pedagógico:

- O Homem, obra prima da Criação na Terra, necessita ser respeitado no seu

desenvolvimento natural, para que possa fluir na plenitude de suas

potencialidades.

- O Homem é um ser capaz de evoluir, transformando, impulsionando positivamente

o mundo ao seu redor, como parte do universo.

- O ser Humano é visto como o centro do processo educativo e o currículo,

metodologia e didática são meios de propiciar um desenvolvimento saudável para

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crianças e jovens, onde a informação acontece de forma mais ampla, carregada de

vida, dada a imagem de Homem e de mundo que permeiam a Pedagogia.

- O equilíbrio do Pensar, Sentir e Querer humanos evidencia o processo de

aprendizagem evitando todo e qualquer processo unilateral, optando pela

aquisição de conceitos móveis, passíveis de evolução, contextualizados,

artisticamente compartilhados.

- A responsabilidade da escola é com o fortalecimento do aluno para a construção

do seu destino e o da Humanidade, como pessoa harmonizada, que está em paz

consigo mesma, que olha o mundo de frente, é forte e é feliz.

A Escola Livre Porto Cuiabá desenvolve o processo de tomada de decisões

através de órgãos colegiados que tratam das áreas de atuação e níveis hierárquicos,

denominados “Conferências” e Conselhos. As Conferências são encontros livres dos

elementos que desenvolvem o projeto da escola. Os Conselhos são os órgãos em

que se reúnem professores, alunos, pais, todos os segmentos com intuito de

canalizar suas percepções do processo educativo para melhor desempenho da

escola, bem como intensificar a participação dos segmentos no processo educativo.

A organização das conferências se apresenta com as seguintes

denominações: Conferência Gestora; Conferência Pedagógica; Conferência Técnica

Administrativa.

A Conferência Gestora é o órgão que tem a função deliberativa sobre os

destinos da escola, direcionamento ao seu desempenho regular para a

concretização da “Arte de Educar”, se fundamentando na Antroposofia, como

concepção pedagógica. É composta por professores identificados com a proposta da

escola e comprometidos com sua concretização, na busca contínua de seu

aperfeiçoamento, incluindo nesse grupo o diretor.

Atualmente a Conferência Gestora está composta por 7 (sete) membros.

Dentre os seus membros, 3 (três) assumem responsabilidades, tais como: tomada

de decisões rápidas requeridas pelo dia a dia da Escola; recepção de visitantes;

execução das decisões da Conferência Interna; relato dos trabalhos executados, etc.

A Conferência Pedagógica é o trabalho para a percepção e viabilização de

tudo que está relacionado à vida pedagógica da escola, em todos os sentidos, e

essa conferência é formada por todo o corpo docente, uma vez que a escola é um

espaço propício para a discussão e o debate das questões educacionais. Nelas são

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desenvolvidas atividades no interior da escola, como a formação continuada do

professor.

Dentre as atividades desenvolvidas pela Conferência Pedagógica estão: troca

de experiências que subsidiam a prática docente de cada um; levantamento e

análise de dados sobre o desenvolvimento dos trabalhos em andamento, fazendo

análise avaliativa dos resultados; discussão sobre o desempenho e progresso dos

alunos e das turmas no decorrer do processo de construção de conhecimento, de

aprendizagens; estudo e trabalho em conjunto das bases do PPP, delineadas na

obra “Arte de Educar – Pedagogia Waldorf de Educação”, de Rudolf Steiner, e obras

complementares.

A Conferência Técnica Administrativa é apresentada como um espaço de

trabalho que reflete e decide sobre problemas organizatórios que podem ser

oriundos da execução do PPP Assim, as questões pedagógicas se caracterizam

como uma dimensão muito importante para o desenvolvimento do trabalho diário da

escola e, de um modo mais amplo, para a execução do Projeto Político Pedagógico.

Fazem parte da Conferência Técnica Administrativa todos os professores e os

responsáveis pela manutenção, conservação e administração dos recursos físicos e

materiais da escola. Ainda com base na visão da Escola Livre Porto Cuiabá, a

metodologia é compreendida como algo a garantir a concretude do que se propõe

referente aos fundamentos e pressupostos filosóficos.

Nesse sentido a mesma adota uma metodologia na condução do processo de

ensino extraída da antropologia antroposófica, da qual se origina a Pedagogia

Waldorf. Nela é extraída a concepção de que o desenvolvimento do homem se

processa em fases evolutivas, cíclicas de sete em sete anos, aproximadamente,

contendo subdivisões em que mudanças importantes acontecem. Essas fases são

chamadas de “os setênios” e, em conformidade com o pensamento de Rudolf

Steiner, assim se caracterizam:

...a vida humana não decorre de forma linear, mas em ciclos de aproximadamente sete anos. (...) A personalidade, isto é, o eu “vive” então nesse membro. Embora essa divisão em setênios possa ser observada durante a vida inteira, a educação, no sentido comum, limita-se aos primeiros 21 anos de vida, ou seja, aos três primeiros setênios (LANZ, 1998, p. 38).

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Em sua estrutura pedagógica a Escola Livre Porto Cuiabá apresenta

avaliação que enfatiza as atividades curriculares no cotidiano da vida escolar, em

que o aluno vivencia experiências, para que, utilizando-se do pensar, sentir e querer,

o aluno possa ir construindo um conhecimento da realidade exterior e interior como

atividade da alma humana (autoconhecimento).

A escola dispõe de um sistema de avaliação que possibilita acompanhar de

forma contínua e sistemática o desenvolvimento das atividades de ensino e

aprendizagem, de modo que torne possível tomar decisões visando alterar, manter

ou substituir procedimentos didáticos ou comportamentos na condução do processo

educativo. No processo avaliativo a escola agrupa os segmentos comprometidos, ou

envolvidos com o processo educativo, viabilizando o avanço do aluno, da equipe

escolar e da família.

Perrenoud (1999, p. 78) considera como formativa toda prática de avaliação

contínua que pretenda contribuir para melhorar a aprendizagem em curso, qualquer

que seja o quadro e qualquer que seja a extensão concreta da diferenciação do

ensino. Dessa maneira, podemos inferir que o processo avaliativo presente da

Escola Livre Porto consiste numa avaliação formativa, pois a mesma condiz com o

pensamento de Perrenoud:

A avaliação formativa participa da renovação global da pedagogia, da centralização sobre o aprendiz, da mutação da profissão do professor: outrora dispensador de aulas e de lições, o professor se torna o criador de situações de aprendizagens. A Avaliação passa pelas práticas de agentes individuais ou institucionais (PERRENOUD, op. cit., p. 18).

Com relação aos resultados da avaliação de um modo geral a escola adota

alguns procedimentos de registros: no próprio material produzido pelo aluno em

cadernos, livros, exercícios, trabalhos, etc.; relatórios individualizados ao final do

ciclo de trabalho, das épocas, dos semestres e do ano letivo. Ao final do ano letivo a

escola repassa aos pais o boletim descritivo, contendo o resultado do

desenvolvimento do aluno.

Essa escola possui uma prática metodológica diferenciada, desenvolvendo

atividades de acordo com os setênios e as características da entidade humana que,

em sua constituição, é formada pelo conjunto de corpo, alma e espírito.

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1.3 A ROTINA DIÁRIA DA ESCOLA

De modo geral entende-se a palavra rotina com sentido associado às coisas

enfadonhas, negativas. Dentro do contexto escolar ela apresenta significado no

sentido de organização diária.

Na Escola Livre Porto Cuiabá as aulas se iniciam no horário de 07:15 h (sete

horas e quinze minutos) e finalizam ao meio dia. Os alunos vão chegando e se

dirigindo para a porta de suas salas de aula. Após dado o sinal, o professor de

classe se dirige a ela e os recebe. Depois de guardarem seus materiais escolares,

professores e alunos vão para o pátio, onde se acomodam embaixo das árvores, ou

no espaço coberto da quadra. Nesse momento realizam o prólogo, que é

denominado ritmo.

A classe realiza todos os dias um agradecimento. Todos, no caso da turma do

quarto ano, pronunciam juntos o “Verso da Manhã” (STEINER, s/d) dizendo:

“Com sua luz querida, O sol clareia o dia É o poder do espírito Que brilha em minha alma Dá força aos meus membros Na luz do sol Oh! Deus! Venero a força humana Que tu bondosamente plantaste Em minha alma. Para que possa estar ansioso(a) em trabalhar. Para que possa ter desejo de aprender De Ti vem a luz e a Força Que para Ti reflua o Amor, a Gratidão!”. “Bom Dia”!

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Figura 01 - Na atividade de ritmo declamando o Verso da Manhã Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Durante o poema todos os alunos se encontram em círculo e elevam seu

agradecimento. O poema é declamado até o quinto ano.

Durante o ritmo cada turma apresenta, conforme sua organização: cantigas

de roda, poemas encenados por todos em coreografias criadas pela professora,

atividades de ritmos com flautas, bastões, taquaras, movimentos corporais, que

podem ser com a utilização de bolas, bastões e com fitas, etc. (ver Figura 02).

Figura 02 - Ritmo com bastões Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Outra atividade do ritmo é a declamação de poemas, com o objetivo de

aprender a declamar de diferentes formas. Um exemplo é: “Rápido como um

Gafanhoto” (livro de Andrey Wood, ilustrado por Don Wood), em que o autor

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possibilita isso, pois os alunos vão falando e gesticulando conforme a letra do

poema. Meninos e meninas declamavam o poema alternando as estrofes.

Sou rápido como um gafanhoto, Sou lento como um caracol, Sou pequeno como uma formiga, Sou grande como uma baleia, Sou triste como um basset, Sou feliz como um passarinho, Sou mau como um tubarão. Sou frio como um sapo, Sou quente como uma raposa, Sou frágil como um gatinho, Sou forte como um touro. Sou barulhento como um leão, Sou quieto como uma ostra, Sou valente como um rinoceronte, Sou meigo como um carneirinho, Sou corajoso como um tigre, Sou medroso como um camarão, Sou educado como um poodle, Sou travesso como um macaco. Sou preguiçoso como um lagarto, Sou trabalhador como uma abelha, Junte tudo isto, e... É assim que EU SOU!

Figura 03 - Capa do livro Rápido como um gafanhoto Fonte: VIANA, C. A. (2010).

O ritmo por intermédio da música tem grande importância pelo fato de

trabalhar o social, o coletivo, o conjunto de forma afinada. Esse conjunto é que

produz harmonia.

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Figura 04 - Atividade de ritmo com música cantada e tocada Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Figura 05 - Atividade de ritmo com música tocada na flauta Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Já o ritmo a partir dos movimentos corporais está diretamente relacionado às

atividades do cérebro. É o despertar do cérebro. Esse despertar dos dois

hemisférios do cérebro é justamente porque o aluno chega cedo, logo ao sair da

cama. Então, o ritmo com movimentos corporais possibilita ao aluno esse despertar,

que também assume uma característica de ser harmonioso pela leveza dos

movimentos realizados.

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Figura 06 - Atividade de ritmo com cantiga de roda Fonte: VIANA, C. A. (2010).

As aulas principais, ou aulas por épocas do núcleo básico, são ministradas no

primeiro horário e têm duração entre três ou quatro semanas. Os conteúdos

ministrados de forma aprofundada no assunto correspondente às matérias, tais

como Língua Portuguesa, Matemática, História, que acontecem logo após a

atividade de ritmo.

Ao retornarem à sala de aula realiza-se outro momento no qual os alunos

recitam poemas. Esses poemas são chamados de poemas de boletim, escolhidos

pela professora ou feitos por ela. A professora escolhe o poema que mais se

identifica com o aluno, que mais demonstre as suas características. O poema de

boletim enfatiza as qualidades que o aluno possui, mostrando suas especificidades.

Serve como fortalecimento do eu do aluno, dando força para que o mesmo supere

os obstáculos que surgirem. O poema de boletim é recitado como um desejar de

boas vindas.

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Figura 07 - Alunos recitando o poema de boletim em sala de aula Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Após o poema de boletim a aula acontece normalmente com o

desenvolvimento de atividades sugeridas pela professora e acatadas pelos alunos.

O período do recreio na escola acontece às 09:15 h (nove horas e quinze

minutos), nesse momento é servido o lanche. Somente após o lanche as crianças

podem se retirar para o espaço externo, onde acontecem diversas brincadeiras.

Antes de servir o lanche as crianças forram suas mesas com uma toalha. Em

seguida, fazem o seguinte agradecimento:

Tu que reinas Acima das estrelas Faça-nos dignos De receber com devoção O alimento que a terra nos dá...

Em seguida é servido o lanche, confeccionado na própria escola. Este varia

de acordo com o dia. Durante o tempo de observação os lanches mais servidos às

crianças foram: salgado com presunto, mussarela, pão com hambúrguer, bauru, bolo

de queijo, bolacha de maisena, torta de frango com atum e catupiry, bolacha de sal,

caldinho de feijão, etc.

Todos os dias foram servidos uma espécie de salgado, sempre tendo uma

opção a mais para as crianças que porventura não comessem salgado. Foram

servidos também frutas e sucos naturais.

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No horário do lanche duas crianças ou mais de cada sala vão até a cozinha e

recebem das mãos dos funcionários as vasilhas contendo salgados e jarras de

sucos.

Somente após o lanche as crianças podem se retirar para o pátio e vivenciar

o momento do recreio. Durante o recreio o espaço da escola é frequentado pelos

alunos de diversas maneiras. Uns brincam e realizam atividades esportivas, outras

crianças brincam no parque em brinquedos distribuídos em vários espaços da

escola.

Figura 08 - Momento durante o recreio no pátio escolar Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Na realização das brincadeiras as crianças vivenciam relações interativas,

experiências, constróem habilidades, enfim, compartilham relações e fortalecem

seus laços de amizade. Em relação à brincadeira Silva (2008, p. 115) expõe que:

A brincadeira também oferece a oportunidade de resolver problemas, ajudando na elaboração e no desenvolvimento das estruturas mentais (memória, atenção, etc.). Favorece, ainda, a distinção entre fantasia e realidade e ajuda a melhorar a linguagem. (...) Através da brincadeira, as crianças descobrem a vida social dos adultos e as regras que regem essas relações, identificando-se com a vida social dos adultos.

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Figura 09 - Brincadeiras durante o recreio Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Ao término do recreio, às 09:30 h (nove horas e trinta minutos), após dado o

sinal, os alunos retornam para as suas salas de aula para atividades de música, arte,

trabalhos manuais, educação física, que exigem um relaxamento após o recreio,

onde se agitam bastante. Dessa forma a aula prossegue até o meio dia.

Semanalmente as atividades realizadas seguem essa programação destinada à

aprendizagem dos alunos.

Há uma organização diferenciada todas as terças e quintas feiras para

atendimento a todos os alunos, em que estes permanecerão por período integral,

finalizando as atividades às 16:00 h (dezesseis horas) para o Ensino Fundamental e

16:45 h (dezesseis horas e quarenta e cinco minutos) para o Ensino Médio.

Nas sextas feiras só permanecem no período integral, para apoio pedagógico,

os alunos que dele necessitarem. Os alunos ocupam seu tempo na organização dos

cadernos, colocando suas atividades em dia. Aqueles que, por um ou outro motivo,

deixarem de frequentar a aula por algum dia são convocados pela professora para

comparecerem no período vespertino, para colocarem seus conteúdos em ordem na

organização do seu livro, que é o próprio caderno. Nos dias em que ocorrem

momentos de estudos no período vespertino há almoço e os alunos adquirem a ficha

da refeição por um valor de R$ 7,00 (sete reais).

Logo após o horário de aula as funcionárias e funcionários ajudam na

organização do espaço em frente à cozinha e parte do corredor, que servem de

refeitório. São disponibilizadas várias mesas, para acomodação dos alunos e

professores durante o almoço.

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Na organização para o almoço somente as crianças pequenas são servidas

pelas funcionárias, as demais se servem sozinhas, demonstrando autonomia para

servir a quantidade que quiserem e evitar desperdício.

Os alunos do quarto ano desenvolvem um projeto chamado “Guardiões da

Limpeza”, no qual os alunos envolvidos fazem coleta de objetos, como guardanapos

e copos descartáveis deixados por alunos onde almoçaram. Estes alunos são os

primeiros a se servirem, dada a atividade que realizam em benefício de todos,

orientando a fazer uso do depósito para esses objetos.

Ao término do almoço os alunos aguardam até o momento de iniciar a aula

complementar das terças e quintas feiras permanecendo na escola até 16:00 h

(dezesseis horas). Aqueles alunos que precisam de aulas de apoio e que foram

faltosos nos dias normais são convocados nas segundas, quartas e sextas feiras

para período integral e permanecerão na escola até as 15:30 h (quinze horas e trinta

minutos).

1.3.1 A Sala de Aula

Figura 10 - Espaço na lateral da sala de aula Fonte: VIANA, C. A. (2010).

É na sala de aula que acontece em maior escala a interação do professor

com o aluno e do aluno com o professor.

Nas salas de aula a criança necessita de interação com textos diversificados,

tais como: jornais, revistas, livros, cartazes etc. Ela deve ter contato com todo

material que propicie uma prática social, no caso aqui a leitura. Nesse sentido, a sala

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de aula tem que apresentar uma organização que permita às crianças circularem

livremente para troca de informações, que podem ser com seus pares, e

principalmente com a professora. Esta constitui um dos espaços mais importantes

para a criança, pois, é nela que acontecem as mais variadas formas de

aprendizagens.

A organização do espaço da sala de aula deve se apresentar de forma a

permitir que a criança possa exercitar sua autonomia, onde a mesma possa interagir

com textos, livros e outras fontes de linguagens.

Este espaço da sala de aula deve ser organizado e reorganizado quando se

fizer necessário, sendo essa tarefa uma forma de aprendizado.

Figura 11 - Os alunos mostrando os cadernos para a professora Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Figura 12 - Momento de interação em sala de aula Fonte: VIANA, C. A. (2010).

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O espaço aqui descrito possui mesas retangulares com capacidade para duas

crianças se sentando uma ao lado da outra. Duas mesas são postas juntas,

começando das paredes laterais para o centro da sala, formando dois corredores um

no meio e outro ao lado direito do aluno os quais servem para circularem quando

necessitarem.

Figura 13 - Organização das mesinhas em sala de aula Fonte: VIANA, C. A. (2010).

A sala de aula possui uma organização que permite às crianças circularem

para troca de informações e interações com os pares e com os professores.

As atividades realizadas pelos alunos são dispostas nas paredes da sala ou

em varais, onde todos possam ver, ler e formular suas opiniões.

A sala da turma do quarto ano dispõe de materiais que garantem aos alunos

momentos diferenciados de leitura, tais como: jornais, revistas e dois cestos com

livros de literatura infantil.

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Figura 14 - Jornais e revistas na realização de atividades Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Figura 15 - Momento de leitura da literatura infantil em sala de aula Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Foi possível observar, na sala pesquisada, intensa relação afetiva e interação

entre as crianças e entre estas e sua professora.

1.4 OS SUJEITOS DA PESQUISA

A turma escolhida para a realização da pesquisa conta com 5 (cinco)

professores que são: a professora de classe, de língua inglesa, de educação física,

de arte educação e o professor de música. Dentre esses cinco, faz parte da

pesquisa a professora de classe que ministra aulas para a turma do quarto ano no

período matutino.

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1.4.1 Os Alunos

De acordo com os princípios das Escolas Waldorf os alunos recebem um

ensino voltado para a preparação da vida, desenvolvendo e adquirindo qualidades

que servirão como aporte para que, quando jovens, possam lidar com as diversas

fases, ou mudanças que poderão ocorrer no mundo.

Os alunos apresentam capacidades de questionar com criatividade sobre os

assuntos abordados, comunicando com clareza e tendo sempre oportunidades de

melhorar, pois são vistos como ser humano que está em formação. São

considerados como agentes participativos nas ações realizadas pela escola. Dessa

forma, o aluno é compreendido como agente de seu processo de desenvolvimento e

na execução de atividades que o tornarão posteriormente um sujeito integral.

Os sujeitos desta pesquisa da categoria alunos são 24 (vinte e quatro)

crianças, sendo 12 (doze) meninos e 12 (doze) meninas, da turma do 4° ano, que

possuem idade entre nove e dez anos. Foi considerada essa turma, por entender

que os alunos nessa faixa etária possuem um maior domínio da leitura e da escrita,

e na busca de investigar como a professora possibilita momentos que possam ajudá-

los na construção do aluno leitor e no desenvolvimento do letramento. Os alunos do

quarto ano são oriundos de diversos bairros da cidade de Cuiabá (Dom Aquino,

Poção, Jardim Cuiabá, Jardim Guanabara, Bairro Boa Esperança, Jardim das

Américas, Santa Cruz 1, Verdão, Santa Helena e Jardim Itália) tendo apenas um

aluno que reside na cidade de Várzea Grande. Apenas uma criança é moradora do

bairro onde a escola está inserida.

Os alunos desta turma pertencem à classe média alta, em sua maioria, e

alguns fazem parte da classe média e baixa, tidos pela escola como alunos

carentes, recebendo bolsas com percentuais de acordo com a necessidade e

capacidade financeira da família. Aos alunos filhos de professores e funcionários é

oferecida bolsa integral.

Ressaltamos que os alunos em situação de bolsa são apenas membros

integrantes dessa turma, não sendo oportunizado a eles nenhum questionamento.

No primeiro momento da observação em sala de aula alguns alunos ficaram

sem entender minha presença na sala. Percebi que alguns ficaram meio tímidos a

princípio, outros se aproximaram apenas no segundo dia, vindo até mim e me

questionando porque eu escrevia tanto. Um aluno me fez a seguinte pergunta: “Você

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vai fazer um livro? Porque você está escrevendo muito”. E me disse que estaria ele

escrevendo um livro também. Somente após uma semana os alunos se

aproximaram nos momentos de intervalo.

Enfim, os alunos aos poucos foram se acostumando com a minha presença,

não se importando muito com o fato de estar ali. Mas quando era permitido expor

suas idéias a respeito do que se tratava na sala de aula, todos queriam se

posicionar, fazendo-me entender que eles não tinham timidez alguma. Quanto a

minha receptividade os alunos foram unânimes ao me desejar boas vindas.

1.4.2 A Professora

De acordo com os princípios da Pedagogia Waldorf o professor precisa

possuir conhecimento e domínio da pedagogia, para que o mesmo possa combater

contra-atitudes e pensamentos os quais alienam, deturpam, que massificam os

ideais e afetam os adolescentes e jovens, sendo esse em sua prática um agente

transformador na busca incessante de uma sociedade mais justa e, no entanto,

ajudando o aluno a compreender-se a si próprio.

A sala de aula é que completa a prática do professor, pois é nela que

acontece diariamente a ação, a prática de sua tarefa que compreende no ensinar.

Em sua formação continuada o professor terá que adquirir sempre

conhecimentos específicos da Pedagogia Waldorf, em cursos que são oferecidos

através de seminários, para que este absorva conhecimentos teóricos e práticos que

ajudarão a assimilar o processo de desenvolvimento humano.

O professor Waldorf pode ser caracterizado como um pesquisador, uma vez

que a pedagogia não se utiliza do livro didático para acompanhamento. Portanto,

deve estar sempre buscando, atualizando-se através de estudos de grupos

realizados pelas instituições, seminários e congressos.

O professor Waldorf terá que estar sempre buscando desenvolver habilidades

necessárias à prática de educar. Lanz (1998, p. 89) concebe que: “Ninguém pode

ser um bom educador se não conhece a fundo a natureza humana e as leis segundo

as quais ela se desenvolve”.

Dentre as professoras que compõem o quadro docente da Escola Livre Porto

Cuiabá estão as que trabalham diretamente com a turma do 4° ano, ministrando

aulas na área de linguagem.

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NÚB, a professora regente, possui um vasto conhecimento da Proposta de

trabalho da Escola Livre Porto Cuiabá, a qual sustenta sua prática na Pedagogia

Waldorf; é habilitada em Letras - Português/Inglês pela Univag. Possui também uma

Especialização na Pedagogia Waldorf e Teoria da língua Portuguesa pela UFMT.

Trabalha na escola há seis anos. Possui vínculo profissional apenas com esta

escola. Em sua trajetória dos primeiros anos da escolarização não construiu uma

experiência rica em leitura, porém foi adquirindo essa prática bem mais tarde. Gosta

muito da literatura infantil, pois trabalha agora com crianças pequenas, e faz leituras

de revistas, tais como: Isto é, Nova Escola e Mundo Jovem, possuindo assinatura

destas duas. Frequentemente adquire livros. Hoje se considera uma boa leitora

porque se dedica mais a ela e com frequência, gosta muito de Monteiro Lobato,

Ziraldo e cita a obra O Pequeno Príncipe, obra que acha muito incrível.

Quando me apresentei no primeiro dia de observação me pareceu que a

professora NÚB não se sentiu muito à vontade com a minha presença. Percebi certo

distanciamento no primeiro momento, mas depois a professora foi se sentindo mais

à vontade. A professora possui alto conceito na escola, pelo trabalho que

desenvolve e pela experiência em trabalhar de acordo com os princípios da

Pedagogia Waldorf.

1.5 OS INSTRUMENTOS DE COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

Os instrumentos que nos valeram para o desenvolvimento da pesquisa e que

deram suporte para a compreensão e construção da mesma, se constituíram

importantes ferramentas com as quais obtivemos dados. Foram eles: observação,

entrevistas gravadas, questionário, fotografias, o Projeto Político Pedagógico da

Escola, o planejamento das professoras e os cadernos dos alunos.

1.5.1 A Observação

No processo de investigação qualitativa, o investigador, baseado na sua

realidade, para entendimento dos fatores que abrangem os aspectos social, cultural

e político, tem que possuir uma visão ampla dessa realidade, procurando considerar

suas estratégias metodológicas da ação investigativa. É por meio da observação

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que colhemos registros e informações que nos são garantidos no contato direto com

os sujeitos observados. Ruiz define observação da seguinte forma:

Observar é aplicar a atenção a um fenômeno ou problema, captá-lo, retratá-lo tal como se manifesta. Situa-se a observação particularmente na fase inicial da pesquisa, mas perdura durante todo o processo, alternando-se com a experimentação, pois, é necessário observar os resultados das manipulações das variáveis após os experimentos (RUIZ, 1977, p. 53).

A observação, como parte relevante para o desenvolvimento da pesquisa,

não pode ser superficial e sem solidez. Esta deve ser profunda, porque o observador

se envolve com a instituição. Na interação se estabelece uma relação entre as

partes: investigador, campo de investigação e sujeitos, pois é na observação

participante que o pesquisador interage continuamente com os sujeitos, participando

e vivenciando parte de sua realidade.

No início do processo de observação realizamos algumas fases, e entre elas

está a em que o investigador se aproxima dos sujeitos procurando romper restrições

ou bloqueios que possam surgir, permitindo que as relações se estabeleçam

progressivamente. Necessário se faz salientar o que dizem Bogdan e Biklen (1994,

p. 123): “Nos primeiros dias de trabalho de campo começa-se a estabelecer a

relação, aprendem-se ‘os cantos a casa’, passa-se a ficar mais à vontade e a

trabalhar no sentido de os sujeitos ficarem mais à vontade conosco”. Nos primeiros

dias o pesquisador fica à espera que o observem e aceitem, porém, à medida que as

relações se desenvolvem, as interações irão acontecer. As crianças poderão olhar

para os adultos de diversos modos, podem procurar a sua aprovação ou inibir-se

(BOGDAN e BIKLEN, op. cit., p. 125-126).

Esses mesmos autores também ressaltam a importância quanto à forma

como o investigador se porta ou deve se portar dentro do espaço a ser observado,

referente às relações sociais e procurando demonstrar interesse por aquilo que

busca, e como deve este participar nas atividades e tornar os primeiros dias menos

dolorosos.

Fazendo referência ao observador Ruiz (1977, p. 54), este destaca a

importância do observador no sentido de que o mesmo possua algumas qualidades

que são importantes para que seus dados, abstraídos no momento da observação,

não pequem em sua precisão. O autor relata as qualidades sensoriais, porém este

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deve também possuir qualidades intelectuais. Pois a sua intelectualidade, advinda

de um processo de construção adquirida na sua formação, bem como em sua

preparação, assegura que tudo o que for percebido seja de fato aquilo que é

necessário e importante para a compreensão do que se investiga.

Nesta linha conceitual, definimos por observar as aulas ministradas por uma

professora da classe, que trabalha com as diversas áreas do conhecimento,

inclusive leitura e língua portuguesa.

Para identificar o perfil da professora, que trabalha com a turma do 4º ano, foi

aplicado um questionário sobre informações pessoais, informações relacionadas à

formação e sobre informações profissionais, além das questões de entrevistas.

Durante o segundo semestre do ano de 2010 foram observadas as aulas de

leitura e como a professora desenvolve as práticas pedagógicas de língua

portuguesa e como esta trabalha a literatura infantil associada a o que acontece por

épocas na escola.

Dessa forma, buscamos compreender, por intermédio dos dados, como se

constrói o processo de leitura dos alunos do quarto ano, levando em consideração o

percurso trilhado nestes anos da escolaridade.

Em sala de aula podemos entender a observação como o instante em que as

relações sociais se desenvolvem dentro de um contexto onde a singularidade de

cada sujeito se mistura num complexo mais amplo, tornando esse momento fecundo

em interações, troca de ideias e experiências.

1.5.2 As Entrevistas Gravadas

Ganhando corpo no seu conjunto de coleta de dados a entrevista é uma das

formas de conseguir dos sujeitos as informações desejadas por meio de perguntas

numa conversa intencional.

De acordo com Bogdan e Biklen (1994) as entrevistas variam de acordo com

a sua estruturação, apresentando de forma relativamente aberta, centrando em

tópicos determinados, podendo ser guiadas por questões gerais.

De acordo com Ruiz (1977), para coleta de dados a entrevista consiste no

diálogo com os sujeitos, cujo objetivo é colher informações relevantes, dados

significativos para realização da pesquisa em andamento.

Em relação ao entrevistador o mesmo autor diz que:

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O entrevistador deve ser discreto, deve evitar ser inoportuno; precisa deixar muito à vontade o informante. Embora seja função dirigir a entrevista e mantê-la dentro dos propósitos dos itens pré-estabelecidos, o entrevistador precisa ser habilidoso e elegante ao evitar que o diálogo se desvie dos propósitos de sua pesquisa. É importante lembrar que o entrevistador deve apenas coletar os dados e não discuti-los com o entrevistado; disso se conclui que o entrevistador deve falar pouco e ouvir muito (RUIZ, op. cit., p. 51).

A entrevista realizada com a professora aconteceu num horário diferente

daquele onde acontece a prática escolar.

1.5.3 O Questionário

Este instrumento foi aplicado apenas à professora e teve como objetivo

identificar o perfil da professora que ministra aulas para a turma do 4º (quarto) ano,

que desenvolve estudos de linguagem. O questionário foi dividido em três itens: o

primeiro item apresentando questões para coleta de informações pessoais; o

segundo foi composto por questões que permitiram o levantamento de dados e

informações referentes à formação; o terceiro item, com indagações profissionais

das professoras.

Por meio deste questionário foi possível identificar a sua formação

profissional, sua habilitação e qual instituição em que concluiu a sua licenciatura.

Nas informações pessoais o questionário permitiu tomar conhecimento do tempo de

atuação no magistério, a função que exerce nas instituições que trabalha, bem como

a carga horária e o regime de trabalho.

1.5.4 As Fotografias

Como qualquer outro instrumento, a fotografia também expressa um valor

bastante significativo, visto que por intermédio dela o pesquisador se apropria de

informações, comparando e analisando os fatos em determinado momento de

registro, fazendo leitura visual. Esta serve como complemento comprobatório da

análise feita, embora a fotografia possa ser interpretada diferentemente de uma

pessoa para outra, pois, ao analisar, expressa a sua compreensão particular.

Bogdan e Biklen (1994, p. 185) nos dizem que: “Embora as fotos forneçam

informação factual, é importante compreender que as fotografias que os

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investigadores encontram ou que lhes são dadas foram tiradas com um objetivo ou

de um ponto de vista particular”.

Utilizar a fotografia como instrumento de pesquisa é compreender os

momentos vivenciados pelos sujeitos no momento do registro. A fotografia, como um

dos instrumentos de coleta de dados, proporciona maior riqueza de detalhes do

momento observado. Nesta pesquisa vale ressaltar que as fotografias foram

utilizadas como documentos para acompanhamento da trajetória da mesma bem

como instrumento ilustrativo das ações desenvolvidas pela escola e pela professora.

1.5.5 Os Documentos

Como instrumentos de ampliação e complementação das informações sobre

o universo escolar pesquisado foram observados: o Projeto Político Pedagógico, o

planejamento da professora e o caderno dos alunos.

Sobre o Projeto Político Pedagógico, este é um documento que só tem

sentido se for construído com a participação do coletivo da escola. Pude constatar

que ele é estudado por todos os segmentos durante a semana pedagógica que

acontece no início do ano letivo. Nesse sentido, necessário se faz entender que o

PPP da escola, norteia caminhos para a construção do trabalho pedagógico, o qual

envolve o trabalho dos professores em sua prática de sala de aula.

A escola usufrui da credibilidade junto à comunidade, pois está em constante

evolução quanto ao processo escolar dos alunos. Em sua fala a diretora deixa muito

claro que o que os torna mais gratificados é perceber a evolução dos alunos e o

sucesso dos mesmos ao ingressarem em outras instituições, dando prosseguimento

em seus estudos sem muitas dificuldades. E também pelo fato de poder contar com

um grupo de educadores que acreditam que podem continuamente oferecer o que

tem de melhor às crianças.

Em seu Projeto Político Pedagógico a escola se pauta e realiza o dia a dia de

acordo com as normas e determinações contidas na estrutura organizacional,

atendendo a clientela de acordo com a sua filosofia e objetivos traçados pela

mesma, atendendo as especificidades de cada momento, ou de cada período. Neste

documento constam as seguintes questões reflexivas, que dão norte para os

encaminhamentos de seu ensino, e que sempre que necessário é retomado:

- Quais as características da atual humanidade civilizada?

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- Que papel desempenha hoje a escola dentro da situação levantada?

- Que visão de mundo, que imagem de homem trabalha-se, projeta-se para as

crianças e jovens?

- Que perspectivas de vida lhes abrem a partir de seus estudos?

- Que possibilidades de ser feliz lhes trazem os longos anos de aprendizagem?

- Que conteúdos lhes apresentaram? Têm eles vida para lhes ser apresentada? Ou

são conteúdos que não crescem com as crianças? São fragmentados,

desarticulados?

- Que direção quer incutir em nossas crianças e jovens? Com que finalidade?

Em seu PPP a Escola definiu como objetivo geral: a formação de indivíduos

participantes e capazes de atuar crítica e criativamente em todos os âmbitos da vida

pessoal, familiar, profissional, social e espiritual, no sentido de promover uma

contínua construção de si mesmo, do meio e das relações homem-meio, orientados

pelos valores cristãos universais.

Assegura alguns objetivos específicos que o aluno, ao percorrer a

escolaridade oferecida pela Escola Livre Porto Cuiabá, seja capaz de:

- Dominar e aplicar os conteúdos básicos das principais áreas do conhecimento

humano, a partir de uma visão integrada de homem e de mundo.

- Alargar o horizonte, enriquecendo a formação do indivíduo, através do contato com

vários materiais e inúmeras atividades básicas da humanidade.

- Realizar observações, análises e críticas objetivas de dados da realidade imediata

e remota, apreendida direta e indiretamente.

- Dar respostas criativas às solicitações do meio.

- Perceber, examinar e criticar objetivamente seus valores e os valores de sua

cultura.

- Contribuir ativa e responsavelmente para a construção de si e do meio em que

vive.

- Realizar opções conscientes e assumir as consequências das mesmas.

Em análise do PPP da Escola, para a sua elaboração podemos constatar que

esta realizou um levantamento de questões reflexivas sobre o processo pedagógico

das unidades de ensino tais como:

- De onde vêm as propostas pedagógicas curriculares? Quem constrói?

- Que perspectivas de vida lhes abrem a partir de seus estudos?

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- Que conteúdos lhes apresentamos? Têm eles vida para serem experimentados?

Ou não passarão de conceitos que não crescem com as crianças, sendo estes

fixos e determinados que atormentem, ao invés de afirmações passíveis de

evolução? Serão eles fragmentados, desarticulados?

- Que visão de homem e de mundo se projeta para as crianças e para os jovens?

- Que papel desempenha a escola hoje dentro da situação levantada?

Em relação à metodologia utilizada pela professora, se esta tem suporte na

concepção do PPP, no qual está assegurada uma prática sociointeracionista,

analisamos dizendo que sim, embora algumas práticas, em determinados

momentos, reflitam uma postura com viés tradicional. Embora em sua prática se

enfatize com maior ênfase a abordagem sociointeracionista, que é muito evidente na

relação dos sujeitos e no fazer pedagógico, não apenas da professora, mas também

na organização dos momentos culturais promovidos pela instituição. Nesse sentido,

a metodologia, no sentido geral, se pauta por desenvolvimento de uma metodologia

interdisciplinar, tendo como eixo condutor a aula por época - uma forma de pensar e

fazer o currículo de modo reflexivo, integrando teoria e prática, o fazer e o pensar de

acordo com o projeto idealizado pela pedagogia Waldorf.

O Projeto Político Pedagógico enfatiza que a escola vê o educador como

aquele que está aprendendo no processo, não só por estar continuamente

estudando, mas também por ter de aprender sobre o seu aluno, suas dificuldades e

suas potencialidades, pois o currículo escolar determina o seu percurso de estudo e

aperfeiçoamento para desenvolvimento de uma prática condizente com a proposta

pedagógica que a escola almeja.

Mencionando currículo, Coll enfatiza dizendo:

O currículo é um guia para os encarregados de seu desenvolvimento, um instrumento útil para orientar a prática pedagógica, uma ajuda para o professor. Por esta função não pode limitar-se a enunciar uma série de intenções, princípios e orientações gerais que, por excessivamente distante da realidade das salas de aula, sejam de escassa ou nula ajuda para os professores. O currículo deve levar em conta as condições reais nas quais o projeto vai ser realizado, situando-se justamente entre as intenções, princípios e orientações gerais e a prática pedagógica (COLL, 1987, p. 44).

Para Hernández e Ventura (1998), os projetos de trabalho se baseiam na

concepção de globalização, e isso se deve ao fato de as propostas globalizadoras

serem embasadas em diferentes argumentações. Tais como: que tema que estará

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sendo trabalhado; as informações e experiências dos alunos sobre o assunto;

atualizar dados e informações sobre o tema a ser desenvolvido no projeto ou no

ensino por épocas; compartilhar informações, etc.

Na aplicação da prática pedagógica, quanto ao ambiente escolar,

observamos que foram realizadas diversas atividades de interação com os alunos e

junto à comunidade escolar, efetivando assim uma integração família/escola. Dentre

elas citamos: a culminância dos trabalhos produzidos pelos alunos, em que se

apresentaram os resultados obtidos das suas pesquisas para a comunidade interna

e externa, bem como as festividades culturais que aconteceram no decorrer do

semestre, seguindo seu calendário escolar. Os pais, a comunidade se fez presente

num elo de integração, pois, cabe à família participar do processo educativo

promovido pela escola, por meio do desdobramento das ações propostas em cada

aula, na participação de reuniões pedagógicas, nas festas, cursos, encontros, etc.

No ambiente escolar pesquisado há um espaço com brinquedos,

“parquinho”, onde foram desenvolvidas diversas atividades de recreação e de leitura,

em que utilizaram os diversos espaços na realização das mesmas. No pátio externo

existe outro espaço em que as crianças, ao chegarem à escola, podem sentar-se, ler

um livro ou praticar brincadeiras, desenvolvendo habilidades intelectuais.

Garaigordobil (apud SILVA, 2008), ao tratar sobre o desenvolvimento intelectual,

pondera que

a brincadeira possibilita à criança vivenciar novas experiências, estimulando, entre outras, habilidades como a capacidade de questionar e experimentar. (...) A brincadeira oferece também a oportunidade de resolver problemas, ajudando na elaboração e no desenvolvimento da capacidade das estruturas mentais. (...) Favorece ainda a distinção entre a realidade e ajuda a melhorar a linguagem (SILVA, op. cit., p. 115).

É bom ressaltar que os alunos saem nos intervalos e ocupam os espaços

disponíveis para brincar, utilizam o corredor, a quadra, as árvores. É nesse espaço

que acontecem muitas brincadeiras com elásticos, bambolês e danças. Ao tomar

contato com o Projeto Político Pedagógico pudemos constatar que para a

elaboração do mesmo houve participação expressiva dos segmentos, professores,

funcionários e alunos da instituição escolar, incluindo a representação dos pais.

Embora tenha descrito no capítulo 1 sobre o lócus da pesquisa sobre os

documentos, onde consta a organização da escola mediante seu PPP, ressaltamos

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aqui que chamou atenção o item que trata da organização curricular sobre o ensino

por época1, no âmbito do qual se trabalha com um componente curricular por um

período estimado que se estenda entre três a quatro semanas. Esse componente é

trabalhado de forma ininterrupta e compacta por um período de duas horas. Ex.:

Quando o ensino por época for português, este deve ser trabalhado por duas horas

diárias na aula principal e nas outras horas são trabalhadas aulas complementares.

Dessa forma, a prática docente do professor de classe, como professor de

matéria, deve estar em sintonia e consonância com as características contempladas

no Projeto Político Pedagógico.

De acordo com o PPP da Escola, o “Professor de Classe” é aquele docente

que assume o encargo da execução das matérias que compõem a aula principal e

as aulas complementares e, eventualmente, as que compõem a Parte Diversificada.

Na Turma do quarto ano os componentes curriculares dispostos na grade são

os seguintes: Língua Portuguesa, Geografia, História, Matemática, Ciências, Artes e

Educação Física. A parte diversificada está assim constituída: Língua Estrangeira:

Inglês, Educação Musical e Trabalhos Manuais.

A matriz curricular da turma do quarto ano se constitui da seguinte maneira

(Quadro 01):

1Ensino por época: É o ensino de determinada matéria distribuída pelo ano letivo, esta é lecionada de

forma concentrada durante uma época: duas horas por dia, de preferência as duas primeiras, são dedicadas algumas semanas a essa matéria. (LANZ, 1998, p. 102).

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Lei 9.394/96 Componentes Curriculares

Aula Principal

Aula complementar

Total-Hora/aula

Português 137 108 245

Geografia 50 - 50

História 101 - 101

Matemática 135 294 429

Ciências 58 - 58

Artes - 80 80

Educação Física - 80 80

Parte Diversificada

Língua Inglesa - 80 80

Educação Musical - 80 80

Trabalhos Manuais - 80 80

Total 1.283h/a

Quadro 01 - Matriz curricular do quarto ano Fonte: PPP da Escola Livre Porto Cuiabá. Elab.: VIANA, C. A. (2011).

Uma característica que a escola adota, na concepção da Pedagogia Waldorf,

é que o “Professor de Classe” assume a turma em determinado ano e assume o

compromisso com essa turma, por todo o processo de escolarização, dando

sequência até o 9º ano do Ensino Fundamental.

Professor de Classe é aquele docente que assume o encargo de execução

das matérias que compõem a Aula principal e as Aulas Complementares e

eventualmente, as que compõem a Parte Diversificada.

No PPP da escola é assegurado ao Professor de Classe que este pode contar

com a assessoria e a participação eventual de outros professores que tragam

contribuições relevantes no momento em que a abordagem de determinado

conteúdo for especificidade de outra disciplina, ou de outra formação, não

propriamente a sua, ou de sua formação.

Pude presenciar isso no momento de observação em sala de aula quando,

por duas vezes, a professora de Classe recorreu a outros profissionais de formação

específica em Matemática e Arte Educação para auxiliar em determinado conteúdo

que não era especificidade de sua formação.

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É chamado “Professor de Matéria2 aquele profissional que assume a

responsabilidade de execução das matérias específicas, aquelas que compõem a

parte diversificada presente na grade curricular da escola.

A turma tem um tutor escolhido entre os professores de matérias que atuam

no 9º ano do Ensino Fundamental, cuja responsabilidade é a orientação e o

acompanhamento da turma em todo o percurso de escolaridade, até completar o

Ensino Médio. O aluno recorre ao professor tutor em caso de problemas e

dificuldades, relacionadas ao processo de desenvolvimento, ou dificuldades em

alguns conteúdos.

Lanz (1998), definindo o tutor, menciona suas atribuições. Segundo ele, o

tutor é

O elemento de ligação entre a classe e a escola. Em várias escolas,

ele é escolhido pelos próprios alunos. Cabe-lhe manter um contato

pessoal com a classe, conhecer seus problemas e ajudar na solução

de quaisquer problemas que possam surgir. Ele centralizará também

as informações de todos os professores que lecionam em sua classe,

e será o elemento de ligação com os pais dos alunos (LANZ, op. cit.,

p. 85).

Em relação ao planejamento, a professora desenvolveu seu planejamento de

acordo com as épocas. Nota-se, pela estrutura do planejamento, que tomou como

base o livro “Objetivo Pedagógico e Metas de Ensino de uma Pedagogia Waldorf”,

de autoria de Tobias Richter (2002).

Como a escola não adota o livro didático, quis saber se o conteúdo a ser

ministrado se encontrava na PPP, ou seja, onde o professor se referencia para ter a

programação do conteúdo a ser ministrado?

Bem, é assim: o conteúdo da escola, ele vai de encontro com a idade do aluno. Então eu tenho uma turma do quarto ano. E nas aulas de história eu vou trabalhar com eles a questão da Mitologia Nórdica. Porque é o momento que eles estão vivendo. È toma lá dá cá, aconteceu tô devolvendo. É o que acontecia com os Nórdicos. E também a questão da imaginação, da fantasia. É um momento deles, que eles vivem. Onde eu vou buscar essas histórias da Mitologia Nórdica? Existem materiais na escola, apostilas que são passadas de professor prá professor por todo o ano. E tudo que nós não

2 Professor de matéria: É o docente que assume o encargo de execução de matérias específicas que

compõem a Parte Diversificada do currículo, tais como: Língua Inglesa, Educação Musical e Trabalhos Manuais (PPP).

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temos, nós pedimos para a Federação lá em São Paulo, mas geralmente não precisa pedir, sempre tem aqui na escola (NÚB).

De acordo com explicação da professora de classe os conteúdos são

trabalhados de acordo com a idade dos alunos. Cita como exemplo as aulas de

História, nas quais ela trabalha a questão da Mitologia Nórdica, associada a

imaginação e fantasia. Para desenvolver seu planejamento e trabalhar a Mitologia

Nórdica, ela recorre aos materiais existentes na escola, apostilas que são

repassadas aos professores, e há uma troca de materiais entre esses profissionais

por todo o ano. Boa parte do material a ser trabalhado vem da Federação Waldorf

de São Paulo, embora a escola, segundo NÚB, possua um acervo muito rico no qual

os professores buscam informações e conteúdos a serem ministrados. Ao falar que

a escola possui esse material como suporte para a sua prática está se referindo à

biblioteca da escola, que contém diversos livros que servem de referências.

NÚB citou que o livro “Objetivo Pedagógico e Metas de Ensino de uma

Pedagogia Waldof”, de Tobias Richter (2002), contém os temas, os conteúdos a

serem trabalhados com os alunos de acordo com o ano escolar, contidos e

especificados no item: Currículo Horizontal do Ensino Fundamental, e que este livro

norteia sua prática.

Nesse sentido, a professora recorre a autores da Antroposofia para

elaboração de seu planejamento. A professora elabora seu planejamento depois de

elencar os conteúdos e os temas a serem trabalhados, de acordo com o que é

assegurado na proposta pedagógica da escola.

Foi perguntado: como e quando você faz seu planejamento (anual, semanal,

diário, grupo ou individual)? Para essa pergunta ela teve a seguinte resposta:

Na realidade nós trabalhamos com épocas aqui na escola, né. Cada época vai de três a quatro semanas. Então quando eu faço planejamento de aula já faço para uma época inteira, geralmente faço por época, de três a quatro semanas (NÚB).

De acordo com o discurso da professora o planejamento é anual, num

primeiro momento. Num segundo momento é feito o planejamento de acordo com a

época. E cada época varia de três a quatro semanas. De dentro desse planejamento

para as épocas são retirados os conteúdos a serem trabalhados, as atividades a

serem desenvolvidas diariamente.

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Ao realizar o planejamento a professora se utiliza de teóricos que trabalham

com a Pedagogia Waldorf.

Durante a entrevista, ao ser perguntada a quais teóricos da educação recorre

ao elaborar o seu planejamento, a professora cita Piaget e Vygotsky, como teóricos

de que gosta muito e que têm algo a ver com a pedagogia. Mencionou D. Bosco

como contribuinte para a sua prática pedagógica, dizendo que são esses com quem

ela mais trabalha. Isso pode se verificar na resposta da professora:

Olha, eu gosto muito do Piaget, ele tem muito a ver com a questão da pedagogia. Eu gosto de Vygotsky, leio muito Vygotsky. Trabalhei muito com ele. E D. Bosco tem muita a ver com a questão da pedagogia também. Assim, esses são os que mais trabalho, né (NÚB).

Quanto ao planejamento da professora de classe, o mesmo segue a seguinte

distribuição (Quadro 02):

Épocas Aula principal Aula complementar

1ª História Matemática

2ª Matemática Português

3ª Ciências Matemática

4ª Matemática Ciências

5ª Português Matemática

6ª Matemática Português

7ª História Matemática

8ª Matemática Português

9ª Português Matemática

10ª Geografia Matemática

Quadro 02 - Planejamento de aulas Fonte: Prof. NÙB, Escola Livre Porto Cuiabá. Elab.: VIANA, C. A. (2011).

A professora trouxe anotações das atividades a serem desenvolvidas em sala

de aula num caderno de planejamento, que tem como referência em sua prática,

embora não se prenda muito a ele. Para o desenvolvimento das atividades em sala

a professora, sempre que foi preciso, trouxe os materiais organizados, facilitando a

realização das tarefas.

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Dentre os objetivos traçados para as épocas estão os seguintes:

- Compreender a estrutura da linguagem materna de forma viva.

- Conhecer e relacionar-se com o meio.

- Analisar, interpretar e formular situações.

- Formar uma imagem de que o ser humano é a síntese de todo o reino animal, num

nível mais elevado.

- Proporcionar vivências de imagens metodológicas de épocas passadas da

humanidade, implantando idéias históricas a respeito do tempo.

- Aprimorar a linguagem oral e escrita através da leitura.

- Aprofundar conscientemente na estrutura da língua, de forma plástica, através da

evolução da escrita.

- Vivenciar processos de resolução de problemas compreendendo, propondo e

executando situações da vida prática.

- Conhecer e relacionar-se com o meio e com as atividades humanas.

- Produzir textos descritivos, desenvolvendo a capacidade de entender e relatar fatos

fielmente.

- Saber construir expressões para as linguagens.

- Aprofundar o conhecimento gramatical com novas condições semânticas.

- Trabalhar harmonização do aluno, procurando equilíbrio entre as forças do pensar,

sentir e querer.

- Criar e dominar as formas, encontrando novas cores a partir das primárias.

Os cadernos dos alunos são instrumentos importantíssimos, de grande peso

durante todo o ano letivo e, no decorrer deste, vão armazenando neles os conteúdos

ministrados pela professora. Nesse sentido, esse caderno deve possuir uma boa

organização: construção de margens e produção de desenhos sobre os conteúdos

ministrados pela professora, como forma de compreensão e interpretação.

Os cadernos são fabricados por uma produtora e seguem uma padronização

para todos os alunos. Não possuem linhas e os alunos, desde os primeiros anos de

escolaridade vão construindo sua coordenação e organização, sem a obrigação com

a demarcação do espaço para a construção da escrita. Nessas condições de

aprendizagem, segundo a Pedagogia Waldorf, está assentado o princípio da

liberdade.

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1.5.6 Os Blocos de Análise do Capítulo 4

O capítulo quatro será composto de acordo com o seguinte bloco de análises:

1. Análise quanto à formação leitora da professora.

2. Análise do discurso da professora sobre a Pedagogia Waldorf.

3. Análise das práticas de leitura.

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2 O SISTEMA DE ENSINO WALDORF

A construção deste capítulo se deu por meio do referencial teórico dos

autores da Antroposofia, que tratam das especificidades da Pedagogia Waldorf.

Abordaremos nele um breve histórico dessa pedagogia, os princípios em que se

embasa e os selênios.

2.1 A PEDAGOGIA WALDORF

Rudolf Steiner, ao final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), desenvolveu

ideias sobre a educação escolar, tomando como parâmetros o contexto cultural, a

situação econômica e social vivenciada pela sociedade naquele período. A partir

dessas conferências e publicações Rudolf Steiner ganhou a admiração de Emil Molt,

diretor da fábrica de cigarros Waldorf Astória, que se empenhava em propiciar aos

seus operários um aprendizado adicional e, ao mesmo tempo, tinha anseio por uma

escola que atendesse aos filhos dos operários da fábrica.

Emil Molt convidou Steiner para realizar uma série de palestras para os

trabalhadores de sua fábrica, que culminou com o convite para que fundasse e

dirigisse uma escola para seus filhos.

Essa pedagogia foi introduzida por Rudolf Steiner em 7 de setembro de 1919

em Stuttgart, na Alemanha, com a primeira Escola Waldorf, para atender os filhos de

operários da fábrica de cigarros Waldorf Astória. Na atualidade a sua orientação

filosófica tem inspirado parte do universo educacional.

Diferentemente de outras teorias pedagógicas, a Pedagogia Waldorf se

baseia fundamentalmente numa observação íntima do ser criança e tudo que se faz

necessário, de um modo geral, ao desenvolvimento infantil. Para atingir a formação

do ser humano, seus pressupostos pretendem atuar no desenvolvimento físico,

anímico e espiritual do aluno. Preza pela interação de seus alunos em uma realidade

social e lida com fatos e situações concretas, para dar significado ao que se faz,

imbuído num contexto real em que vive o aluno.

A Pedagogia Waldorf possui um campo de aplicação que se estende do

Ensino Fundamental até o Ensino Médio: no primeiro, com a idade de sete anos, e

no segundo, com idade de dezoito anos. A característica principal do sistema

Waldorf é: “ser um corpo vivo, suscetível de assumir formas e aspectos diferentes de

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acordo com as circunstâncias reais e concretas de um determinado meio social, de

um país, de uma legislação vigente em matéria de Educação” (LANZ, 1998, p. 115).

Uma escola Waldorf completa abrange doze séries, estas divididas em ciclos,

podendo possuir uma 13ª série, como se fosse um período ou ano preparatório para

os alunos prestarem exames oficiais de conclusão de curso médio, nos países onde

exames são necessários. Seu atendimento destina-se às crianças de qualquer

classe social, religião e raça, reforçando e baseando-se no princípio do direito que

todo cidadão possui de ter uma educação de qualidade, ampla e completa, garantida

pela Lei n° 9.394/96, que sinalizou um ensino obrigatório de nove anos de duração,

a iniciar aos seis anos de idade. A concepção Waldorf de educação se propõe a

serviço da criança, baseando-se num sistema educacional moldado para garantir a

qualquer ser humano a possibilidade de aprender e adquirir conhecimentos para seu

pleno desenvolvimento, até os dezoito anos de idade. Segundo Steiner, pensar

numa possibilidade de igualdade para todos, desde o acesso ao patrimônio até os

valores culturais, constitui-se uma maneira de se resguardar e garantir contra os

sentimentos de angústia e de ódio, proveniente das tensões sociais. Para seus

mentores, em nenhum momento a pedagogia aplicada deve fugir dos princípios

baseados da Antroposofia, em que um dos princípios básicos é o íntimo

relacionamento entre professor e alunos.

As escolas Waldorf não carregam consigo características de instituições que

visam chances de carreira profissional. Mas todas as matérias são obrigatórias,

produzindo uma vivacidade em seu contexto amplo. Por querer construir um corpo

vivo e dinâmico os professores comparam os saberes alcançados em diferentes

momentos da trajetória que vem sendo vivenciada, acompanhando coletivamente os

progressos dos estudantes com quem trabalham. Sobre a atuação dos professores,

Lanz diz:

(...) Os professores, como portadores de seus princípios pedagógicos, têm o direito individual e colegiado de inovar sob todos os aspectos – desde que a consciência humana e profissional o exija e os princípios da Antroposofia sejam respeitados. [...] Trata-se de um autêntico sacerdócio, sendo o professor um dos guias espirituais que conduzem o ser humano na condição de aluno à plena realização de suas faculdades (LANZ, op. cit., p. 117).

No aspecto da profissionalização do professor a Pedagogia Waldorf tem a

concepção que o professor é um sacerdote e, portanto, vai por uma via contrária ao

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que os estudiosos da atualidade pensam. Coloca no professor a responsabilidade

do desenvolvimento total do aluno ao prescrever que ele é responsável pela “plena

realização de suas faculdades”.

De conformidade com seus princípios, essa pedagogia visa a formação do ser

humano, buscando desenvolvê-lo em todos os seus aspectos: inteligência,

conhecimento, vontade, ideais sociais, etc. Como parte essencial de seu currículo,

busca despertar suas qualidades, trabalhando para que estabeleça um

relacionamento sadio entre o indivíduo e seu espaço no mundo, em seu meio

ambiente, numa constituição na qual inclui outros homens. Em relação ao

conhecimento oriundo das informações e fazendo paralelo a outras escolas, Lanz

descreve:

Ela transmite, portanto conhecimentos em grande quantidade, transmite-os em maior riqueza e diversidade do que a escola comum, pois, não se limita a um programa mínimo de matéria, mas visa a criar dentro da sala uma imagem do mundo. Os conhecimentos são um meio importante para a formação; não são um fim em si, mas um instrumento poderoso e imprescindível. Ela descarta tudo o que é apenas conhecimento inútil, abstrato, enciclopédico, sem relação à vida (LANZ, ibid., p. 94).

Com base na Antroposofia, do grego "conhecimento do ser humano", ciência

espiritual criada por Rudolf Steiner, tem como centro a figura do ser humano com

características diferentes dos conceitos elaborados atualmente pela civilização.

Procurando compreender a entidade humana de acordo com a Antroposofia,

constata-se que seu corpo é formado por substâncias ou elementos químicos que

também formam o mundo ao nosso redor. Rudolf Lanz cita que esses elementos

são: carbono, oxigênio, cálcio, ferro, etc., que se encontram na constituição da

entidade humana e do mundo. Lanz (ibid., p. 15) diz ainda que “essas substâncias e

suas constituições entram no corpo e dele saem num fluxo contínuo, pela

respiração, pela alimentação e pela secreção”.

Para dar sentido e compreensão à entidade humana, Lanz toma como

instrumento de comparação o mundo inorgânico de um lado e os seres dos reinos

vegetal, animal e humano de outro, apontando que o primeiro não se constitui como

seres com características semelhantes ao segundo, uma vez que se diferencia no

aspecto que está diretamente relacionado à vida. Os seres que possuem uma

existência limitada no tempo apresentam um ciclo no qual nascem e morrem. O que

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não vamos encontrar no mundo inorgânico, pois a pedra, será sempre pedra, nunca

deixará de ser, pois cada ser orgânico traz consigo uma forma única de existir.

Lanz, em sua comparação entre o mundo orgânico e o inorgânico, constata

que os minerais realizam sua existência apenas no espaço, não tendo qualquer

desenvolvimento, já as plantas, os animais e o homem possuem uma evolução no

tempo. Esses seres que fazem parte do mundo orgânico possuem seu corpo mineral

ou físico, e um segundo corpo não físico que permeia o corpo físico.

Esse corpo, Rudolf Steiner o chamou de plasmador ou corpo das forças

plasmadoras, denominado também de corpo etérico. O corpo etérico por, sua vez,

não existe nos corpos inorgânicos, existe sim nos corpos orgânicos, que

contemplam, principalmente, as plantas, os animais e o homem.

Lanz explica o conceito de corpo etérico da seguinte forma:

O corpo etérico pode ser observado, sua existência pode ser evidenciada, suas funções podem ser analisadas e investigadas por experiência própria. Nossos sentidos comuns só nos mostram objetos e forças físicas. Mas a ciência espiritual nos revela que o homem possui além dos sentidos físicos, sentidos superiores que lhe possibilitam observar fenômenos dos planos elevados - ou antes, ele possui esses sentidos em estado latente podendo despertá-lo por meio de um treino adequado (LANZ, ibid., p. 18).

Lanz (ibid., p. 19) diz que: “o corpo etérico mantém e atua contra a morte”. E

faz uma comparação entre um recém-nascido com um ancião, a respeito do que

disseram pensadores do passado, ao afirmarem que a vida é um morrer contínuo.

Apodera-se do estado jovial do recém nascido dizendo que nele:

A vitalidade está em ápice, o corpo é mole, elástico, plasmável, a consciência e o intelecto e todas as atividades psíquicas ainda não estão desenvolvidas. No adulto e mais ainda no ancião, o corpo está ressecado e desvitalizado, as funções biológicas estão reduzidas, e sujeitos a estados patológicos (disfunções, atrofias, esclerose), mas por outro lado as funções mentais e o auto domínio se acham plenamente desenvolvidos, atingindo um ponto culminante na serenidade e na sabedoria contemplativa da velhice (LANZ, ibid., p. 19).

Quando Lanz diz que o corpo etérico existe nas plantas, nos animais e no

homem, ele não quer dizer com isso que se assemelham em todos os sentidos, por

isso procura diferenciar o homem do animal tomando uma característica ou

comparando da seguinte maneira, dizendo que “os animais não tem

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individualidades; eles são dirigidos por almas de grupo. É no homem que aparece a

verdadeira individualização. Cada homem é ser único, singular, diferente de todos

demais seres humanos”. (LANZ, ibid., p. 23).

A Pedagogia Waldorf assume em sua essência um caráter cristão, o qual está

presente no processo de ensino, transcendendo assim aquilo que as pessoas

configuram como confissão. Nessa pedagogia o ensino religioso pode ser ministrado

pelas diversas confissões. Dessa forma, podendo ser o ensino religioso ministrado

por essas confissões e comunidades religiosas. Apresenta também esse caráter

cristão quando ministrado pelos professores conhecedores da filosofia e da proposta

da pedagogia. O ensino religioso, de acordo com o pensamento de Tobias Richter

(2002), assim se configura:

A Pedagogia Waldorf tem um caráter cristão, que permeia todo o ensino e que transcende os limites de uma confissão. Nenhuma criança deveria crescer sem um ensino religioso. “De acordo com a vontade dos pais, o ensino religioso é ministrado pelas várias confissões e comunidades religiosas, e também como “ensino religioso cristão livre” pelos professores da escola” (RICHTER, 2002, p. 7- 8).

Os métodos pedagógicos da pedagogia Waldorf exigem do professor uma

formação para conhecimento que se aplica na prática pedagógica, exige ainda que o

professor possua ou adquira um aperfeiçoamento pedagógico vinculado aos

princípios que sustentam sua prática pedagógica. Sua formação ocorre em

seminários, cursos básicos ou cursos de pós-graduação. Essa formação está em si

relacionada ao processo contínuo de ensinar e de aprender, de forma a garantir o

desenvolvimento do aluno como um ser holístico. Ao referir-se à assimilação, ao

aprender, Richter explica:

A Pedagogia Waldorf procura respeitar a polaridade entre o sono e a vigília, já que o desenvolvimento das capacidades não apenas cognitivas, mas também anímicas pressupõe a polaridade entre aprender e esquecer, entre consciência e a inconsciência, entre vigília e sono (RICHTER, op. cit., p.10).

Em se tratando do aspecto coletivo, as instituições Waldorf se caracterizam e

se diferenciam pela capacidade de trabalhar em união, permitindo dessa forma que

o sujeito participe do seu processo de aprendizagem, capacitando-o para a

liberdade, um dos princípios da pedagogia. De acordo com Richter (ibid., p. 10), “o

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processo de aprendizagem é tão importante quanto seu resultado”. O aluno, além de

adquirir um método intuitivo, constrói sua própria experiência pautada numa visão de

mundo consistente sem ter sido concebida, ou construída, por práticas impostas

pelos professores, caracterizadas por uma postura tradicional de conduzir o

processo de construção do conhecimento.

A leitura, em parte das escolas públicas e privadas, parece apresentar uma

forma mecânica de aprendizagem, baseada numa metodologia convencional, em

que o aluno mecaniza o processo de aprendizagem. Os textos contidos em cartilhas

e livros, embora atualmente sejam bastante interessantes, ainda são pouco

explorados nas práticas de leitura. Dessa forma o aluno aprende a decodificar e é

possível apresentar dificuldades de compreensão daquilo que lê. A sua leitura

mecanizada não permite memorizar ou recordar o que lê.

A leitura apresentada na prática da Pedagogia Waldorf se mostra de forma

abrangente, pois, no exercício da leitura com os alunos, a professora atribui sentido

às atividades, atingindo uma dimensão maior, que vai além do fato de decodificar a

palavra. No vivenciar os fatos, a história, a leitura se apresenta de maneira concreta,

real e a atividade de leitura nessa perspectiva possui sentido, ela é viva.

Na Pedagogia Waldorf a leitura acontece por meio de diferentes vivências,

que se manifestam pela audição de música, recitação de poemas, dramatizações,

teatro e, ainda, por meio da compreensão de textos visuais.

Sokolov, a esse respeito, informa que:

Os professores Waldorf começam o ensino da leitura através do cultivo, na criança, do sentido da linguagem e de suas capacidades em formar imagens mentais. (...) As crianças cantam e recitam um vasto repertório de canções e poemas que muitos acabam decorando. As crianças vivenciam um mundo interior de que elas estão desenvolvendo as mais importantes capacidades necessárias para a leitura compreensiva, para ler e entender. Elas aprendem naturalmente e alegremente (SOKOLOV, 1995, p. 23).

Nesse sentido, se constrói uma relação entre professor e aluno, a qual

garante ao mesmo um encontro com o mundo gerado pela relação entre o ser

humano e universo.

De acordo com Richter (2002, p. 119), “a prática de leitura e da escrita no 4º

ano está ligada, pelo conteúdo, e com frequência também formalmente, aos

conteúdos das primeiras classes”. Esse mesmo autor ressalta ainda que, dessa

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maneira “os alunos deparam com textos que já conhecem, já ouviram, já brincaram,

já exercitaram sua sonoridade”.

Na prática da Pedagogia Waldorf está fortemente presente o treino da leitura,

este começa a ser exercitado alguns meses após o início do segundo ano escolar,

momento em que é apresentado o livro de leitura. Nesse processo de aquisição da

habilidade de ler, os que já possuem certo domínio são para a Pedagogia Waldorf

uma ajuda àqueles que ainda não se apropriaram desse sistema.

Nessa prática de formação de leitores da Pedagogia Waldorf não há uma

preocupação em “formar leitores precoces”, como diz Richter (op. cit., p. 82) “por

razões antropológicas”.

Richter (ibid., p. 77) aponta ainda que haja mais facilidade da criança no seu

relacionamento com a escrita do que com a leitura. E que a transição da escrita para

a leitura só vai ocorrer mais tarde.

Richter completa seu pensamento dizendo que

para desenvolver as capacidades exigidas pela leitura e escrita, deve haver uma integração harmoniosa dos processos evolutivos anímicos (que não podem ser forçados cedo demais, pois teriam efeitos negativos para as crianças) com o ensino (RICHTER, ibid., p. 77).

Quanto ao significado do currículo Waldorf, Heybdebrand (1990, apud

RICHTER, 2002) o descreve da seguinte maneira:

O currículo ideal deve acompanhar a imagem, que se transforma, da natureza humana em formação nas diferentes faixas etárias, porém, como ocorre com todo ideal, ele se confronta com a plena realidade da vida e tem de adaptar-se a ela. Há diversos aspectos que dizem respeito a esta realidade: a individualidade do professor que está diante de uma classe; a própria classe com todas as características individuais de cada aluno; o momento histórico e a localização geográfica, com as suas respectivas autoridades e com as leis que regem o ensino daquela região onde se encontra a escola que pretende concretizar o currículo. Todos esses fatores alteram o currículo ideal e engendram mudanças e entendimentos, e a missão pedagógica, que nos é colocada pela essência do ser humano em desenvolvimento, só poderá ser realizada se o próprio plano de ensino trouxer em si mesmo capacidade de movimento e flexibilidade (RICHTER, ibid., p. 3).

O ensino ministrado por épocas é bastante intensificado, de modo a

contemplar com qualidade os conteúdos referentes às matérias que devem ser

cumpridas e de acordo com a faixa etária, priorizando o rendimento de cada aluno “e

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não uma norma de rendimento absoluto ou qualquer diretriz pedagógica” (RICHTER,

ibid., p. 6).

Richter ressalta que

A pedagogia não deve se ater, apenas, a conteúdos específicos, ela se refere ao ser humano inteiro. Se conseguimos desenvolver e fortalecer, de forma igual, o intelecto, os sentimentos e a vontade, se conseguirmos transmitir e fazer viver a liberdade, a igualdade e a fraternidade, o aluno e ou o professor podem considerar-se “bem sucedidos” (RICHTER, ibid., p. 48).

A organização dos conteúdos curriculares na Pedagogia Waldorf é feita

tomando como base o tempo e ritmos de acordo com as idades compreendidas

entre os setênios, buscando cultivar valores espirituais e morais, bem como os

valores científicos do ensino que estimula e preserva a vontade de aprender, de

investigar, pensando na educação como instrumento que contribui para o

desenvolvimento e para a transformação da sociedade.

Especificamente em relação ao conteúdo do 4º ano, há a manutenção da

divisão, cálculos em matemática e frações, porcentagem e geometria, do cultivo e

educação da fala, a gramática e expressão oral e escrita. Segundo Richter (ibid., p.

91), no 4º ano a atenção é concentrada na natureza “tal como é percebida pelos

sentidos através de recitação de poesias, poemas sobre a natureza”. Em relação ao

conteúdo narrativo, aparecem as lendas dos deuses e heróis germânicos. Histórias

das civilizações antigas, história medieval e história do Brasil.

O estudo da mitologia nórdica é forte nessa turma, sendo apresentadas

grandes imagens da criação do mundo. Ainda segundo o mesmo autor (RICHTER,

ibid., p. 92), “o tema do 4º ano constitui-se segundo as formas verbais”, de modo que

a criança percebe a diferença ao aplicar o pretérito imperfeito e o pretérito perfeito.

Quanto à expressão oral e escrita, o conteúdo que aparece é a redação, esta

como forma de reproduções escritas. Aprendem também a redigir cartas com o

intuito de encaminharem a diversos órgãos ou repartições públicas ou privadas, com

o objetivo de agendar visitas. Realizam trabalhos artesanais, como: tricô, costura,

pintura, etc.

Aparecem os ditados de trechos longos, enfatizando as dificuldades que

apresenta a língua quanto a sua ortografia.

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2.2 PRINCÍPIOS DA PEDAGOGIA WALDORF

A Pedagogia Waldorf de ensino busca integrar o ser humano coerente, ou

seja, corretamente em sua vida social, como um ser que é constituído de corpo,

alma e espírito.

A Antroposofia não se constitui como religião, diferentemente apresentando,

em seu contexto mais amplo, uma visão de homem e universo, visão essa

constituída por métodos que trazem consigo cunho de caráter científico. Apresenta o

homem como parte ou unidade harmônica física anímica, isto é, pertencente à alma

espiritual. Essa forma de enxergar o homem, no âmbito desse complexo integral, é

um dos princípios que fundamenta a prática educativa dessa pedagogia. Cada

indivíduo possui suas características, sua essência individual única. Suas

singularidades estão assim representadas no lado anímico e espiritual, e no corpo

físico.

Podemos entender, então, que o objeto da Pedagogia Waldorf está baseado

nas atividades da Alma: Pensar – Sentir – Querer. Essas atividades da Alma têm

que estar em harmonia para que possa haver o equilíbrio. O pensamento, por sua

vez, não apenas acontece na força interior do indivíduo, na cabeça, no corpo, ou na

alma, o pensamento está de certa forma relacionado conforme a existência das

coisas. De acordo com Steiner (1996, p. 17), “as coisas devem ter sido construídas

conforme pensamentos”, o que significa, ao pensarmos na existência, na

grandiosidade, pormenoridade sobre as coisas existentes no mundo, a atividade

mental desempenhada se deu sobre a ação do pensar, onde aconteceu

primeiramente nas coisas. Steiner complementa seu pensamento dizendo:

As coisas possuem em si uma necessidade interior. Se não procedermos arbitraria e impacientemente, e sim deixarmos trabalhar em nós essa necessidade das coisas, ela de fato agirá sobre nós e enriquecerá nosso pensamento, de modo a permitir-nos no dia seguinte uma decisão mais acertada (STEINER, op. cit., p. 30).

Da trimembração3 formulada por Rudolf Steiner podemos observar que o

pensar tem relação com o intelecto do indivíduo e com a plenitude de sua

3 Schiller já elaborou uma psicologia baseada na trimembração do ser humano. Ele distinguia entre

um impulso espiritual atuando na alma (o princípio individual do eu), que chamou de “impulso da

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consciência, o sentir com a semiconsciência e sentimentos e o querer está, de certa

forma, vinculado ao seu metabolismo e inconsciência.

De acordo com Lievegoed (1994, p. 59-65), nas mudanças que vão ocorrendo

durante o seu processo evolutivo a criança, dos 7 aos 9 anos, passa por uma

primeira metamorfose e, dos 9 aos 12 anos, pela segunda metamorfose.

Na primeira, a metamorfose do pensar é caracterizada pela continuidade de

mudanças que ocorrem na criança no período de transição, em que aparecem

mudanças no rosto, na mandíbula inferior, sendo seu crescimento proporcional ao

das pernas, etc. Por volta dos sete anos há também uma mudança na sua forma

expressiva do rosto. É nessa metamorfose do pensar que “a criança passa da

percepção à imagem conceitual”, como cita Lievegoed (op. cit., p. 60).

Durante a segunda metamorfose ocorre a atividade da alma - o sentir. Nessa

fase aparece a transformação da criança com sua direta relação com o mundo que a

rodeia. É a fase em que a criança já possui nove anos de idade, correspondente à

quarta série escolar. Poderá apresentar medos, seus dragões. Vivencia aqui seus

momentos de solidão, mas é nessa metamorfose do sentir que a criança vai

adquirindo sua criticidade, como afirma Lievegoed:

A criança tornou-se crítica. As pessoas mais veneradas e colocadas no mais alto “pedestal” despencam ao mais baixo nível. A própria criança fica extremamente infeliz com isso. A partir dessa infidelidade é que se põe a empregar expressões cada vez mais crassas (LIEVEGOED, ibid., p. 66).

A criança enfrenta períodos de transição que, de certa forma, são conflitos de

ordem sentimental e emocional que podem surgir e estão dentro da etapa que

corresponde ao momento de aquisição da leitura e da escrita. Portanto, para que

haja uma verdadeira aprendizagem é necessário, segundo a pedagogia Waldorf,

que a criança seja participativa desse processo que ela vivencia. Essa

aprendizagem permanece como que adormecida no sujeito, para reaparecer noutras

fases da atividade da alma, que é o sentir e o querer que, posteriormente,

desembocam no pensar.

O querer apresenta uma ligação com as coisas relacionadas ao futuro.

Servimo-nos do futuro para a realização de nossos quereres, com o objetivo de

forma”, e um “impulso da matéria” (os impulsos e paixões oriundos do corpo). Entre ambos desenvolve-se o homem no “impulso lúdico” na região da alma. (LIEVEGOED, 1994, p. 12)

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projeção para a vida, pois nesse futuro há sempre a compreensão de que o mesmo

é repleto de vida. Na prática da Pedagogia Waldorf o vivenciar é muito importante

porque o experimento é ação que fortalece a construção de saberes, construção de

conhecimentos. Sobre as atividades da alma, Lanz (1998, p. 92) concebe que: “O

pensar tem de permear o querer – é nisso que consiste a educação; mas o caminho

correto passa pelo sentir.”

Steiner não deixa dúvida quanto à importância entre o sentir e o querer,

julgando mais importante o querer, visto que o mesmo se projeta no futuro, com a

expectativa do que está por vir, analisando a trajetória ou o percurso que cria ao

esforço de alcançar seu objetivo. Lanz (op. cit., p. 93) vai além, afirmando que “sem

o querer não pode haver moral, nem ideais, nem integração social, nem progresso

da humanidade”.

O autor se refere ao conhecimento no qual a criança age indiretamente, e

esse está voltado para o passado, pode contribuir para o fornecimento de dados,

porém, como Lanz (ibid., p. 93) enfatiza, “o querer é impulso humano por

excelência”.

Portanto, Steiner ressalta a importância do segundo setênio, período que

corresponde dos 7 aos 14 anos, para que em sua prática o educador procure atuar

sobre o corpo astral, enfatizando as atividades da alma: o querer, projetando o

pensamento e o sentimento do aluno com vistas ao futuro.

A Antropologia elaborada por Rudolf Steiner tem por objetivo o homem como

indivíduo e se baseia no encontro entre homens; como decorrência, a relação

professor e aluno é o cerne de seu pensamento. No que se refere ao resultado da

relação professor e aluno, Lanz nos diz:

Nesse convívio diário e variado, um relacionamento íntimo se estabelece entre ele e a classe. Acompanhando a classe ele constata o desenvolvimento de cada um de seus alunos; o contato íntimo dele (dela) numa figura principal da vida da criança: “meu” professor ou ”minha” professora tornam-se tão importantes quanto os próprios pais. Como o mundo é apresentado à criança por intermédio de um professor, ela recebe uma cosmovisão homogênea marcada por uma personalidade venerada e querida (LANZ, ibid., p. 83).

Assim, para a existência de uma escola Waldorf são necessários três

princípios:

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1. O primeiro princípio está relacionado às metas de educação, no qual há

possibilidade de conceber as metas da forma mais abrangente possível. A

escola, através destas metas, busca algo mais do que as escolas tradicionais,

devendo ser capaz de desempenhar essas funções, caso contrário não poderia

existir.

2. O segundo princípio está diretamente relacionado à liberdade quanto ao método

pedagógico. Esta liberdade é considerada a pedra de toque de sua existência,

pois é por seu método pedagógico que se diferencia do das outras escolas,

sendo este a razão de ser.

3. O terceiro princípio aponta para a liberdade quanto ao currículo. Embora tenha

uma importância menor quanto ao método, este constitui uma das características

marcantes da Pedagogia Waldorf. Essa liberdade quanto ao currículo não quer

dizer que as matérias exigidas nos programas oficiais não sejam cumpridas, mas

que possam ser adicionadas outras em seu programa, em cujo cumprimento

devem ser ensinadas. Cabe à escola determinar a época.

São considerados também, como princípios da Pedagogia Waldorf, o íntimo

relacionamento entre professores e alunos e a manutenção da unidade etária no

âmbito de uma classe.

Como vimos em seus princípios, a palavra liberdade se faz presente.

Pautados na Trimembração do Organismo Social, que se inspirou na revalorização

dos impulsos da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

A Trimembração do Organismo Social está constituída nos setores da

sociedade em que o setor econômico tem por finalidade, segundo Lanz (ibid., p.

188), a satisfação das necessidades do homem por meio da produção, distribuição e

consumo de mercadorias. A organização fraternal, capacidade cooperativa,

possibilita uma vida econômica sadia, sem ser impulsionada com a visão para o

lucro.

O setor cultural, no qual reina maior liberdade, está voltado para atividades

com as quais o homem se realiza como ser anímico-espiritual. Estas atividades são

relacionadas à arte, ciência, esporte, religião, educação, etc.

2.3 OS SETÊNIOS

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A Pedagogia Waldorf, a partir de uma visão antroposófica, engloba todas as

dimensões humanas relacionadas diretamente com o mundo. Explica e fundamenta

todo o desenvolvimento dos seres humanos de acordo com os princípios gerais, que

compreendem etapas de sete anos, que são chamados Setênios.

A palavra setênio está relacionada a sete anos, pois, segundo Rudolf Steiner,

a vida decorre em ciclos de sete em sete anos. A entidade humana se desenvolve

nesses ciclos que são caracterizados de acordo com as idades. Eles podem ser

acompanhados durante as fases da vida numa visão antroposófica do homem. Mas,

em se tratando de Educação, esse processo se restringe aos três primeiros setênios,

no âmbito dos quais o indivíduo chega à idade de 21 anos. Os setênios estão assim

constituídos:

Primeiro setênio: de 0 aos 7 anos de idade, denominado Infância; segundo

setênio: de 7 aos 14 anos de idade, denominado Adolescência; terceiro setênio: de

14 aos 21 anos de idade, denominado Juventude.

Os três primeiros setênios são importantes, pois, é neles que está a fortaleza

da formação do indivíduo. “Há, portanto, quatro nascimentos: o corpo físico ao

nascer; o corpo etérico aos sete anos (escolaridade); o corpo astral aos catorze anos

(puberdade) e o do Eu aos vinte um anos (maturidade)” (LANZ, 1998, p. 39).

Podemos de certa forma, relacionar o número sete como referência dos

setênios à Bíblia Sagrada, quando o livro de Gênesis se reporta à criação,

mostrando que Deus criou o mundo em sete dias.

Podemos ainda constatar que em nosso calendário a semana se constitui por

sete dias, enfim, os setênios criados por Rudolf Steiner levam em conta o

desenvolvimento antropológico do homem, e cada etapa possui suas características,

que são peculiares a cada etapa ou setênio. Para melhor compreensão dos setênios

vamos explicitar as principais características deles.

2.3.1 O Primeiro Setênio

Ao nascermos, somos produto hereditário de nossos ancestrais. Assim, o

primeiro setênio se caracteriza pela substituição das células herdadas por células

produzidas pela própria pessoa, e também por suas particularidades.

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A criança nasce possuindo os quatro membros: o corpo físico, etérico, astral e

o eu, porém o que realmente representa como nascimento é o corpo físico. Durante

o primeiro setênio há uma preponderância do corpo etérico, visto que este modelou

o corpo físico, que todos nós recebemos de nossos pais como um fator hereditário.

Nessa fase o corpo etérico4 está envolvido, fazendo parte do processo de

amadurecimento, que dura sete anos e que, após isso, se torna autônomo.

Até os 7 anos a criança pensa com o corpo. Ela está formando o pensamento.

Nesse período absorve tudo o que vê ao redor. Nesse setênio aparece o querer

humano e a criança pensa que tudo é igual a ela. O meio para aprender, nesse

setênio, é a imitação. O que o adulto faz serve de inspiração para o fazer infantil. Por

meio da capacidade de imitação ela aprende o que vivencia na escola, leva para

casa e vice-versa. O adulto é a referência da criança e, nesse sentido,

Todos os órgãos sensórios da criança estão abertos. A partir de uma atividade interior ela responde com repetição, com a imitação. Aprende a falar imitando, e é assim que as portas para a vida mental lhes são descerradas. É pela imitação que ela aprende as coisas, adequadas ou impróprias, que constituem o comportamento humano. É por uma imitação mais sutil que ela cria o fundamento para moralidade futura (LIEVEGOED, 1994, p. 14).

O primeiro setênio, o qual contempla as crianças com idade até 7 anos, é

caracterizado por atividades intensas relacionadas aos órgãos dos sentidos. Nesse

período, ela necessita do exemplo da pessoa adulta e de uma relação com o

ambiente. E, assim, a criança vai adquirindo um grau de desenvolvimento permeado

e possibilitado pela interferência da pessoa adulta, assim, num grau de

desenvolvimento.

Quanto à maturidade outros sintomas também são considerados relevantes,

de acordo com o pensamento de Richter (2002, p. 21), que são: “o crescimento

adequado dos membros, a capacidade de efetuar movimentos coordenados e um

certo desenvolvimento da memória”.

Essas transformações e influências de um corpo sobre o outro resultarão em

mudanças visíveis apresentadas no corpo físico, onde a criança passa pela fase da

4 Corpo etérico é um corpo não físico que permeia o corpo físico. É o conjunto das forças que dão

vida ao ser e impedem a matéria de seguir suas leis químicas e físicas normais. Rudolf Steiner chamou esse corpo de corpo plasmador ou corpo das forças plasmadoras. O corpo etérico não existe, pois, nos minerais; existe sim, nas plantas, nos animais e no homem. (LANZ, 1998, p. 17).

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troca dos dentes; os músculos se salientam mais; o corpo assume uma graciosidade

devido ao crescimento da criança, constituindo dessa forma uma imagem

harmônica, característica da fase. Nesta fase a criança está sempre rodeada de

amigos e de forma muito específica relacionada ao ato de brincar.

2.3.2 O Segundo Setênio

Com o nascimento do corpo etérico aparecem a memória e o raciocínio, fase

que já se encontra com maturidade para as atividades escolares.

Durante esse segundo setênio vai ocorrer o que Lanz chama de nascimento

do corpo astral. Nesta fase há o desabrochar da personalidade. É a idade escolar

que acontece dos 7 aos 14 anos de idade.

No segundo setênio está presente a atividade da alma, o sentir. Aparece o

psiquismo emocional, onde se estabelecem as relações, num movimento constante.

O pensamento surge quando este age na criança. O foco aqui é o amadurecimento.

À medida que vai amadurecendo, nasce o corpo astral.

Nesse segundo setênio, diferente do primeiro, a criança vai fazer aquilo que

vem do sentimento. Ela só faz se gostar, ao contrário do primeiro setênio, em que

apenas imita. A autoridade é sentida pelo aluno. O que vai valer é a autoridade que

se estabelece pela via da afetividade A criança se aproxima do que gosta ou dá

prazer.

Lanz assim descreve a respeito do segundo setênio.

Durante o segundo setênio, igual processo de amadurecimento ocorre no corpo astral. A personalidade da criança desabrocha como centro de sentimentos e emoções; o Pensar e o Sentir se dirigem sempre permeados de sentimentos para o mundo; a memória se desenvolve e permite a assimilação de uma quantidade fabulosa de conhecimentos (LANZ, 1998, p. 38-39).

Quando a criança atinge a idade de 7 anos, finaliza a atuação do corpo

etérico. Agora no segundo setênio é o corpo astral quem lidera. Durante esse

período vai aparecer no jovem o desenvolvimento de algumas características que

estão relacionadas a fatores ligados ao sentimento, às suas emoções.

Segundo Lanz (op. cit., p. 47), “durante o segundo setênio o educador atuará

principalmente sobre o corpo astral. Através deste ele atinge os corpos etérico e

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físico, preparando o desabrochar do próprio Eu”. É na puberdade que ocorre a

libertação do corpo astral. Podemos dizer que houve uma modelagem nos corpos

etérico e físico, provocando uma aproximação de ambos. Nessa aproximação há

uma corrente ligada à vida sentimental. Então, surge o desabrochar da sexualidade

e o corpo da criança sofre transformações, perdendo em si as características

peculiares da infância. Aqui há o desenvolvimento da musculatura, aparecimento

dos pêlos pubianos, etc. Em suas relações de amizade buscam sempre ser

camaradas e há uma grande admiração por tudo aquilo que é belo, surgindo o

desabrochar da consciência do seu próprio corpo.

É importante que durante esse processo de amadurecimento e conhecimento

de si, o professor trabalhe em sintonia com os sentimentos da criança. Todas as

abstrações, conceitos sem vida e raciocínios intelectuais que não apelam à fantasia

da criança não só deixam de alimentar seu manancial de forças sentimentais, como

também as destroem e ressecam (LANZ, ibid., p. 48).

As imagens que elas vivenciam intensamente podem falar dos sentimentos e

é através delas que se relacionam aos conteúdos ministrados pelos professores.

Com referência à atuação pedagógica do professor, Lanz assim imagina:

O professor deve ser um artista no sentido mais amplo da palavra, e todo o ensino deve ser uma obra de arte. Assim como o artista se dirige aos sentimentos de seu público, o professor alcançará suas metas exclusivamente apelando aos sentimentos e à fantasia de seus alunos. A função do professor é basicamente trazer o mundo para dentro da sala de aula. Esse é o verdadeiro ensino. Cada dia de aula deveria ser, para os alunos, uma série de vivências que lhes despertassem a admiração, o entusiasmo diante das maravilhas do mundo, da História, da matemática etc. Além disso, o sentimento do belo deve ser cultivado por meio de atividades artísticas e artesanais, isto é, por meio do “fazer” (LANZ, ibid., p. 50).

Podemos dizer que o princípio pedagógico da autoridade, que é tão visível e

presente durante o segundo setênio, deixa de possuir qualquer valor no

desenvolvimento durante o terceiro setênio. Lanz vê a responsabilidade que o

professor tem no momento de preparar suas aulas, para que as metodologias e

práticas diferenciadas possam garantir ao aluno que o ensino, por meio de vivências

realizadas nas aulas, seja em qualquer época. Dessa forma, valoriza ainda a

construção da capacidade artística na construção daquilo que é belo e harmônico

nas práticas artísticas e artesanais.

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2.3.3 O Terceiro Setênio

No terceiro Setênio, período que corresponde dos 14 aos 21 anos, o jovem já

tem a capacidade de julgar mais próxima da verdade. É nessa fase que é preciso

ensiná-lo a tomar decisões com clareza. Neste Setênio busca-se a verdade. Ele

descreve o processo e conclui o que aconteceu no processo da experiência. A partir

do momento que reconhece a lei, cria os conceitos na busca da verdade. Assim, o

adulto é imitado no primeiro setênio, no segundo o vê com autoridade e no terceiro,

como competente idealista.

Neste estágio se busca um ideal. É nessa fase do terceiro Setênio que o Eu

se liberta de seus vínculos com o corpo astral. Lanz faz uma comparação entro o

sexo masculino e o feminino, mencionando que o sexo feminino é caracterizado por

um predomínio do corpo astral e o masculino por uma predominância do Eu. Em

relação ao terceiro Setênio, Lanz diz que “o princípio pedagógico do terceiro Setênio

é o reconhecimento das reais qualidades do educador, e em particular de sua

capacidade intelectual e integridade moral” (LANZ, 1998, p. 59).

Nesse sentido, essa pedagogia reflete sobre a conduta, a ética e a

responsabilidade que o educador tem que assumir, fazendo de seu aluno um ser

apto a integrar seu meio social com autonomia, autoconfiança, consciência e

criatividade.

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3 LEITURA, LITERATURA E LETRAMENTO: O PERCURSO TEÓRICO

A construção deste capítulo teve como referenciais teóricos os que tratam das

questões da linguagem no processo de desenvolvimento, tanto cognitivos como nos

aspectos sociais, culturais e teóricos que enfocam a leitura e formação leitora por

meio dos gêneros literários.

3.1 ABORDAGENS SOBRE A LINGUAGEM

Usamos a língua para nos comunicar. Ela possibilita a compreensão do

mundo, dos fatores sociais políticos e econômicos em cada época, em cada

contexto.

A linguagem é um sistema de signos que serve de meio de expressão de

ideias e sentimentos entre os indivíduos, nas mais diferentes linguagens, sejam elas,

visuais, sonoras, gráficas, gestuais, etc., podendo ser percebidas pelos diversos

órgãos dos sentidos.

Segundo Jobim e Souza (1994, p. 95), “Bakhtin, Vygotsky e Benjamin

oferecem uma construção teórica que coloca a linguagem como ponto de partida na

investigação das questões humanas e sociais”.

Isso se dá pela necessidade de interação do ser humano com seu grupo e

com a sociedade. A linguagem é, pois, a forma de comunicação do sujeito com a

sociedade em que vive, abrangendo enorme acervo de objetos e signos culturais.

Assim é considerada um dos principais instrumentos na formação do mundo cultural.

Desse modo, a linguagem sendo produto da atividade humana se dá num

contexto socio-histórico e faz parte da identidade e da consciência do ser humano. O

indivíduo por meio dela constrói sua própria história e evolui na cultura, dando

significação e estabelecendo relações. Ela é um processo que impulsiona a

produção dos enunciados e se efetiva na interação verbal entre os interlocutores.

Desse modo, o discurso é a materialização da linguagem oral ou escrita. A palavra,

para essa autora, comporta duas faces: por proceder de alguém e dirigir-se a outro

alguém. Ao considerá-la como instrumento social, Bakhtin considera que a

linguagem vai além do diálogo que se estabelece entre as pessoas, pois ultrapassa

a fronteira do imediato, mobilizando o meio social, a história individual, o contexto

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histórico e as diversas vozes trazidas de outros textos. Ele concebe que toda

“palavra serve de expressão a um em relação ao outro” (BAKHTIN, 1997, p. 113).

A linguagem é um processo mental de manifestação do pensamento e se

efetiva na interação verbal entre os locutores, por meio da palavra. Bakhtin (2006, p.

36) postula o caráter ideológico da palavra, afirmando que ela “é o fenômeno

ideológico por excelência” e o “modo mais puro e sensível”, podendo preencher

qualquer espécie de função, seja estética, científica, moral ou religiosa.

É ainda Bakhtin que define a importância da palavra nas relações humanas,

ao afirmar que ela

penetra literalmente em todas as relações entre os indivíduos, nas relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político, etc. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios (BAKHTIN, op. cit., p. 42).

Nery (2006, p. 110) destaca que a linguagem é interação entre os sujeitos; é

lugar de negociação de sentidos, de ideologia, de conflito e as condições de

produção do discurso constituem seus sentidos, para além da matéria formal, tais

como as palavras, as linhas, as cores, as formas, os símbolos.

Meurer e Motta-Roth (2002) destacam o caráter mediador entre a linguagem e

o mundo, pois as ações, como: declarar, negociar, persuadir, representar, avaliar,

são mediadas por ela.

Nesse sentido, Jobim e Souza enfatiza que tanto Bakhtin quanto Vygotsky destacam o valor fundamental da palavra como o modo mais puro de interação social. Mas se para Vigotsky o significado da palavra é a chave da compreensão da unidade dialética entre o pensamento e a linguagem e, como consequência, da constituição da consciência e da subjetividade, para Bakhtin, a palavra além de instrumento da consciência, é também, espaço privilegiado da criação ideológica (JOBIM E SOUZA, 1994, p. 126).

Vygotsky postula que pensamento e linguagem são processos

interdependentes, desde o início da vida. A sua aquisição pela criança vai

construindo nela valores que podem ser compreendidos de diversas maneiras,

primeiro o aspecto cognitivo no desenvolvimento dos conhecimentos, depois no

aspecto social e cultural, o qual permite que esta se relacione com os demais.

Através de seu uso a criança vai desenvolvendo as suas estruturas psicológicas.

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Neste sentido, a linguagem, sistematiza a experiência direta das crianças e por isso

adquire uma função central no desenvolvimento cognitivo, reorganizando os

processos que nele estão em andamento.

A linguagem nasce com a função de comunicação. Uma segunda função da

linguagem é caracterizada por Vygotsky como pensamento generalizante, em que a

língua se encaixa no pensamento. É nesta função que a relação pensamento

linguagem é muito mais forte. Assim, o uso da linguagem nos vai permitindo a

realização de classificação. Mas do ponto de vista de Vygotsky o significado de cada

palavra é uma generalização ou um conceito. Vygotsky, apud Jobim e Souza (op.

cit., p. 129), aponta que “o significado de uma palavra representa uma amálgama tão

estreito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer que se trata de um

fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento. Ainda essa mesma autora

diz que Vygotsky “sugere que a análise do desenvolvimento ontogenético da

linguagem é uma oportunidade para o estudo da passagem do pensamento à

palavra”.

Vygotsky, com base na abordagem genética do desenvolvimento da

linguagem, observa que o pensamento na criança evolui sem a linguagem, os

balbucios da criança se constituem numa forma de comunicação, só que essa forma

de comunicação acontece desvinculada do pensamento. Para ele, balbuciar é uma

ação espontânea que acontece sem que a mesma pense no balbucio. Destaca,

dessa forma, que a função social da fala já é visível nas crianças desde os primeiros

meses de vida, ou seja, na fase pré-intelectual da linguagem.

Meurer e Motta-Roth (2002, p. 10) entendem que a linguagem se inscreve

como sistema mediador de todos os discursos. Em função dessa potencialidade de

mediar nossa ação sobre o mundo (declarando e negociando), de levar outros a agir

(persuadindo), de construir mundos possíveis (representando e avaliando), a vida

social contemporânea exige de nós o desenvolvimento de capacidades

comunicativas que possibilitem a interação participativa e crítica no mundo para que

possamos interferir na dinâmica social.

Esses autores apontam que a linguagem é um veículo de expressão de

experiências e ideias, daquilo que nossa mente tem como sendo a “realidade” do

mundo (MEURER e MOTTA-ROTH, op. cit., p. 236). A linguagem, ao expressar

nossas experiências, expõe aspectos do contexto sociocultural onde é produzida,

seja na escola, na família, nos grupos sociais ou, de forma geral, na sociedade.

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Zilberman (2003, p. 45-46), ao tratar a função da literatura infantil, advoga a

linguagem como um dos elementos adequados para a conquista da compreensão

do real:

A linguagem, que é o mediador entre a criança e o mundo, de modo que, propiciando, pela leitura, um alargamento do domínio linguístico, a literatura preencherá uma função de conhecimento: o ler relaciona-se com o desenvolvimento linguístico da criança, com a formação da compreensão do fictício, com a função específica da fantasia infantil, com a credulidade na história e a aquisição do saber.

Assim, no universo escolar será preciso desenvolver práticas nas quais o uso

da linguagem não seja desvinculado do contexto social, para que a aprendizagem

dos alunos aconteça de forma significativa e possam compartilhar conhecimentos

historicamente situados.

3.2 LEITURA E FORMAÇÃO LEITORA DA CRIANÇA

Atualmente a leitura é entendida como um objeto sociocultural, um ato

difundido em práticas culturais. A leitura apresenta possibilidades a quem lê a

ampliação de uma visão ampla de mundo, de sociedade e de conhecimento

construído e por vir. Sendo a leitura uma atividade intrínseca ao ser humano, é neste

ato que os sentidos são produzidos por ele, a partir de sua trajetória sócio-histórica.

Na perspectiva sociointeracionista, na qual se baseia este estudo, a leitura é

concebida como um processo de interação entre o leitor e o texto. O primeiro busca

realizar os objetivos informacionais a que se propõe ao ler determinado texto. É o

leitor quem constrói o significado do texto, entendido como uma construção que

envolve o texto, e os conhecimentos (SOLÉ, 1998, p. 22).

Silva (1995, p. 14) defende que “compreender um texto significa compreender

a relação dinâmica que ele mantém com um determinado contexto bem como

perceber criticamente a objetividade dos fatos desse contexto, como instituída pelo

autor”.

Silva (2005, p. 42-43) aponta cinco funções de leitura: como atividade

essencial a qualquer área do conhecimento e mais essencial ainda à própria vida do

ser humano [...]; relacionada com o sucesso acadêmico do ser que aprende; é um

dos principais instrumentos que permite ao sujeito situar-se com os outros, de

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discussão e de crítica para se poder chegar à práxis; a facilitação da aprendizagem

eficiente da leitura é um dos principais recursos que o professor dispõe para

combater a massificação galopante, executada principalmente pela televisão;

possibilita a aquisição de diferentes pontos de vista e alargamento de experiências,

parece ser o único meio de desenvolver a originalidade e autenticidade dos seres

que aprendem.

Silva (op. cit., p. 95), afirma que: “[...] O ato de ler é uma necessidade

concreta para a aquisição de significados e, consequentemente, de experiências nas

sociedades onde a escrita se faz presente”.

A leitura nos permite estar em contato com a leitura do outro. Nesse sentido é

necessário que o educador tenha aguçada sensibilidade para que possa, na relação

direta com os alunos, perceber suas dificuldades, seus anseios, as interrogativas e

buscar intervir de forma consciente, consistente e satisfatória, conduzindo-os ao

desenvolvimento fluente de leitura. Oliveira (2005, p. 119) amplia a discussão ao

afirmar que

A leitura é para o leitor oportunidade de aquisição de uma cultura geral. Nesse sentido, talvez seja preciso refletir que nem tudo que o adulto julga útil como aquisição de conhecimentos, valores e regras, estão no campo dos interesses da criança, mas que dentre os bens culturais de uma sociedade existem saberes relevantes e irrelevantes, que cada leitor vai discernindo, à medida do desenvolvimento do seu processo.

Oliveira, comentando a leitura no contexto escolar atual, expressa que em

função de ser objeto da cultura, fruto da necessidade humana, a leitura pode tornar-

se, tanto instância com possibilidade libertadora quanto veículo para a doutrinação e

alienação da consciência, quanto pode ser forma de expressão para a mudança da

mentalidade social (OLIVEIRA, op. cit., p. 105).

Assim, Martins (2006, p. 40-41) expõe que há níveis de leitura: o primeiro é a

leitura sensorial que tem como característica o aspecto lúdico, que se manifesta por

meio das imagens, cores, sons, cheiros e gosto, que nos levam à aceitação do que é

agradável e à rejeição do que é desagradável aos sentidos. Por meio dela é

possível ao leitor distinguir suas preferências pelos gêneros da escrita. O nível

seguinte é o da leitura emocional, caracterizada por uma leitura superficial, porém a

que mais prazer dá ao leitor, pois lhe permite dar asas à imaginação. Sua

característica maior é a evasão do leitor ao se entregar ao texto, desligando-se da

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realidade imediata e de algo que o esteja afligindo. Chegamos, então, à leitura

racional que tem como princípio o processo de análise na busca de conhecer a

organização do texto em suas partes constitutivas e como estas se relacionam na

formação de uma unidade. Neste sentido, é importante porque facilita o

conhecimento dos mecanismos de funcionamento da língua, podendo resultar em

prazer intelectual.

Por meio da leitura racional prevalecem os fenômenos intelectuais sobre os

sentimentos e a vontade, fugindo, com isso, da possibilidade de contextualização do

que está escrito, porque enxerga o conteúdo do texto como preexistente, limitando-o

e reduzindo-o somente a um trabalho de quem o produz.

O leitor busca detectar os propósitos determinados do autor ao construir o

texto. Constituem esse nível de leitura os textos informativos, como os de revistas,

jornais, livros, técnicos e didáticos. A postura intelectualizada e dominante da leitura

racional não dá margem a que nossas experiências sensoriais e emocionais

interfiram na interpretação do texto, sob pena de que possa este ter diminuída ou

alterada a sua significação.

Há de se convir que esta postura não alcance a democratização da leitura,

por ter uma característica de domínio de uma elite e dos intelectuais. A leitura, ao

nível racional, tende a ser unívoca em que seus princípios estão calcados na

doutrina do intelectualismo que apregoa a prevalência dos fenômenos intelectuais

sobre os sentimentos e a vontade. Seguindo esses princípios, caracteriza-se por

buscar a univocidade onde o leitor deve ver o texto isolado do contexto, sem

imiscuir-se no seu conteúdo que é preexistente e condicionado por uma ideologia.

Agregam-se à leitura racional dois caracteres: o da reflexão e o da dialética,

porque propicia ao leitor uma visão geral do texto, em que é possível refletir e

dialogar com o contexto no qual a leitura se realiza. A leitura racional deve ser

constantemente atualizada e referenciada, propiciando ao leitor uma investigação

dos procedimentos nos quais se produziu o texto.

Embora os níveis de leitura tenham características próprias na sua realização,

eles guardam entre si uma inter-relação e simultaneidade que permitem uma

interação entre eles. Hierarquicamente, não há prevalência de um sobre outro nível,

porém, muitas vezes, se faz notório que a leitura sensorial preceda à emocional e

esta à racional. Justificam essa tendência as condições do leitor, quando é

apreciado o seu amadurecimento no processo de leitura. Vale dizer que são “a

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história, a experiência e as circunstâncias de vida de cada leitor no ato de ler, bem

como as respostas e questões apresentadas pelo objeto lido, no decorrer do

processo que podem evidenciar certo nível de leitura” (MARTINS, op. cit., p. 77).

De acordo com o pensamento de Orlandi (1993, p. 37) a leitura é o “momento

crítico de constituição do texto, momento privilegiado do processo de interação

verbal, pois nele se desencadeia o processo de significação”.

Orlandi (op. cit., p. 47) amplia a reflexão sobre a leitura mostrando que ela

abrange duas dimensões: a paráfrase e a polissemia. A primeira corresponde ao ato

de ler que compreende a reprodução, o reconhecimento, o clichê, o ideológico. A

segunda rompe com o sentido unívoco, limitado, para dar espaço à pluralidade de

sentidos. Podemos assim, a partir dos níveis de leitura, dizer que os níveis

sensoriais e emocionais estão intimamente ligados à polissemia, porque

pressupõem uma inferência do leitor sobre a leitura.

A leitura parafrástica e a leitura polissêmica têm papel predominante no

funcionamento da linguagem e não se distinguem ou se limitam entre si, mas

gradualmente se completam, conforme a interação que se estabelece entre leitor e

texto (ORLANDI, ibid., p. 47).

Na leitura escolar, há predominância da leitura parafrástica, ou seja, de

reprodução dos textos lidos, o que parece ser por motivo de maior comodidade para

o professor e os alunos. O sentido literal não provoca reflexões, quando prevê só

repostas presentes no texto. Então, é possível reconhecer os diferentes níveis de

leitura, decorrentes do posicionamento do leitor frente ao texto: o nível inteligível

ocorre numa relação mecânica e superficial com a situação de enunciação que se

instaura, e se baseia na decodificação. Embora seja reconhecida como necessária e

ponto de partida para outros níveis, não se revela em si mesma como satisfatória.

O segundo nível é o do interpretável, a instância do repetível, porque não se

vai além da reprodução do lido. Há por parte do leitor uma reflexão sobre o texto lido

em que não se busca extrapolá-lo, senão aceitá-lo no que está ideologicamente

posto.

No nível do compreensível o sentido é historicamente determinado e o leitor

mostra a sua posição, sua história de vida e sua ideologia.

Orlandi (1998, p. 116) destaca que no nível do compreensível “é preciso ir ao

contexto da situação, seja imediato ou histórico”. Ao fazê-lo, pode-se apreciar o lugar

em que o leitor se constitui como tal e cumpre sua função social.

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Sempre que quisermos que nosso aluno goste de ler ou se interesse pela

leitura de um livro, deve-se partir do princípio do encantamento. É preciso dar

encantamento ao que se propõe, ao falar sobre a leitura, sobre o conteúdo e quão

interessante este pode ser. É preciso fomentar o interesse, aguçar sua vontade, para

que o aluno sinta interesse em conhecer ou em procurar o livro. Quando vamos

desenvolver qualquer atividade de leitura é preciso proporcionar meios para que ela

seja interessante, atraente.

Cada vez mais o professor deve procurar ser dinâmico em vários sentidos,

para que ele possua várias estratégias de leitura ou de busca de aproximação do

leitor aos textos.

Quando o aluno chegar ao ponto de procurar por si só informação nos

diversos meios de comunicação escrita, seja no livro, revista, jornal, etc., para

satisfazer uma vontade, um desejo, uma busca por informações ou mesmo pelo

simples gostar de ler, terá construído sua prática social de leitura. Diante dessa

prática social já construída o aluno trará consigo o conhecimento sobre uma

variedade de gêneros que estão presentes no seu cotidiano e em diversos meios de

comunicação.

Segundo Kleiman (2004, p. 8) “o bom leitor é aquele que lê muito e gosta de

ler”. Nesse sentido, para se chegar a ser um bom leitor é necessário criar uma

prática de muitas leituras, que levem a um contínuo de construção de saberes e

habilidades de leitura. A leitura é mediadora de conhecimentos, pois quanto mais

lemos mais nos apropriamos de saberes e conhecimentos que outrora não

dominávamos, por isso é uma atividade construtiva. Kleiman aponta que:

A leitura é um processo não linear, dinâmico na interrelação de vários componentes utilizados para o acesso ao sentido, e é uma atividade essencialmente preditiva, de formulação de hipóteses, para qual o leitor precisa utilizar seu conhecimento linguístico, conceitual, e sua experiência (KLEIMAN, op. cit., p. 30).

O conhecimento adquirido por intermédio das práticas sociais e individuais de

leitura, onde a busca, o interesse, o gosto estão associados, nos fará acreditar que

tudo que o aluno aprendeu é uma aprendizagem significativa.

O professor deve proporcionar ao aluno oportunidades de entrada nas

práticas sociais de leitura.

Nesse sentido, Rosing e Becker (2000, p. 26) fazem a seguinte referência:

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Se o professor se limitar a desenvolver o interesse do aluno pela leitura através da participação em atividades diversificadas, ainda não estará formando o leitor. Somente quando se ensina o aluno a perceber esse objeto que é o texto em toda a sua beleza e complexidade, isto é, como ele está estruturado, como ele produz sentido, quantos significados podem ser aí sucessivamente revelados, ou seja, somente quando são mostrados ao aluno modo de se envolver com esse objeto, mobilizando seus saberes, memórias, sentimentos para assim compreendê-lo, há ensino de leitura.

Em relação à leitura, o professor pode optar por determinado método ou por

algumas práticas que envolvam todos no interesse pela leitura, pelo gosto de ler.

Mas o conhecimento adquirido é resultado da própria atividade do aluno; é nesse

sentido que entendemos que o aluno é sujeito de seu próprio conhecimento. Na

construção leitora o aluno vai ampliando mais a sua capacidade de leitura, de

compreensão, de interesse. Por isso é importante que o professor esteja

constantemente atualizado, a fim de adquirir conhecimentos teóricos e práticos, para

que seja capaz de oferecer leituras significativas ao aluno. Ferreira (2001, p.18)

afirma que “a leitura assume, assim, significativa importância nesse contexto político

e educacional, dentro de um projeto em que cada aluno possa não só se fazer leitor,

mas se constituir cidadão”.

Por isso, no processo de formação de leitor, de construção do conhecimento,

necessário se faz que os educadores estejam comprometidos não apenas em

desempenhar sua função no seu dia-a-dia, mas tenham uma participação ativa no

acompanhamento do desenvolvimento do aluno, ajudando-o na construção de sua

autonomia. O professor terá que incentivar o aluno a raciocinar sobre a escrita que

ele lê, deve criar condições e ambiente rico em materiais para as situações de leitura

e escrita. Ferreiro (apud RUSSO e VIAN, 1997, p. 34), ressalta que “o papel do

professor é importantíssimo. Se queremos alunos ativos na construção do

conhecimento, o professor também tem que ser ativo. Fale menos e escute mais e

trabalhe cognitivamente também com o que escuta e vê em seus alunos”.

Para que o aluno possa construir sua autonomia, necessário se faz que a

escola cumpra seu papel no sentido de ofertar um conjunto de instrumentos e de

estratégias que possibilitem ao aluno a realização de seus afazeres escolares de

forma autônoma.

Ferreira (2001, p.174) aponta que “nos debates da Leitura o que está em

discussão maioria dos estudos é a preocupação com o papel da Leitura na formação

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do educando, com o objetivo de torná-lo um leitor crítico e competente, um cidadão

consciente e capaz de exercer plenamente sua cidadania”.

A escola é o espaço de formação de pessoas e onde as relações acontecem.

E são essas relações que vão permitir a troca de conhecimento, ampliação do seu

universo da leitura e da escrita. O ato de ensinar a ler é uma função da qual a escola

não deve se eximir, pois a cada vez que a criança vai aprendendo, ela vai ampliando

seu domínio nos níveis de leitura e escrita.

Nesse sentido, Silva aponta que

Escrever e ler são atos complementares: um não pode existir sem o outro. O ato de ler envolve uma direção da consciência para a expressão referencial escrita, capaz de gerar pensamento e doação de significado. A leitura (ou a resultante do ato de se atribuir um significado ao discurso escrito) passa a ser então, uma via de acesso à participação do homem nas sociedades letradas na medida em que permite a entrada e a participação no mundo da escrita; a experiência dos produtos culturais que fazem parte desse mundo só é possível pela existência de leitores. Daí ser a escola uma instituição formal que objetiva facilitar a aprendizagem não só do falar e ouvir, mas principalmente do escrever e do ler (SILVA, 2005, p. 64).

Como o processo de desenvolvimento e formação do leitor não é natural

torna-se necessário que a escola, enquanto instituição formadora compreenda a sua

função primordial de ensinar a ler e desenvolver relações entre a leitura e o

indivíduo. Propicie também condições para que o leitor construa as competências de

leitor do século XXI. Butlen (2002, p. 285) aponta que este deve

Ser capaz de ler todo tipo de textos e documentos; textos literários, científicos, de divulgação. Trata-se de formar através da leitura, no tratamento da informação: saber procurar, localização, extrair informação desejada, saber reformular a informação utilizada.

Pensando em formar leitores desde os primeiros anos de escola, pode-se

trabalhar desde as séries iniciais com textos, sendo de fundamental importância os

de literatura, os quais possibilitam explorar dimensões do imaginário individual.

Nesse processo de construção de conhecimento e formação do leitor, quando

desde muito cedo as crianças vão desenvolvendo sua capacidade de leitura e

escrita, a figura do professor como mediador é muito importante, uma vez que este

deverá, acima de tudo, também ser um leitor. É necessário que o aluno, para

construir a prática e gosto pela leitura, o veja como leitor, o veja lendo. É por meio

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do exemplo dos adultos que a criança toma consciência das escritas do mundo, pois

a leitura é um fenômeno cultural e não se pode prescindir de seu aprendizado.

Almeida (2001, p. 119) reforça, dizendo que

As leituras do professor são relevantes para a constituição de sua identidade profissional, elementos constitutivos da profissão docente, pois estão vinculados à representação das práticas pedagógicas por eles construídas e podem produzir efeitos significativos em seu desempenho profissional, que refletem diretamente em sua práxis.

Quevedo (2002, p. 71) argumenta que um professor leitor e que, portanto,

domina o processo de leitura de textos, em geral e, particularmente, do literário,

poderá realizar um importante avanço na formação de bons leitores.

A leitura exige habilidades do professor, portanto, ele tem que gostar de ler

para que seus alunos também gostem. É preciso entrar no universo da criança,

construindo com ela fantasias que despertem atenção, e que tenha um preparo

teórico e metodológico, que facilitará na seleção de textos e livros para as séries

iniciais. Oliveira (2005, p. 109) pontua que,

O professor, como autoridade sapiente, vai selecionando e doando os textos a serem lidos por seus alunos, porque no entendimento da escola, a criança ainda não tem maturidade para escolher e, além disso, é preciso escolher para eles livros que tragam uma leitura edificante, porque a escola tem a obrigação de “informá-los” para atuar como bons cidadãos.

Ao estudar a leitura, não se pode deixar de contemplar a dimensão do

letramento. Kleiman (2002, p. 29) assegura que

A aprendizagem da leitura, da perspectiva do letramento, implica saber como funcionam os textos nas diversas práticas socioculturais. Uma prática sociocultural discursiva (que envolve o uso da linguagem) é determinada pelo contexto imediato, ou seja, o contexto

em que se realiza a atividade, a aula, a sala de espera.

Segundo Oliveira (2005, p. 113), “O papel do professor é o de ser mediador

da aprendizagem, e seu papel é fundamental porque sendo o conhecimento cultural

e histórico, é ele que vai viabilizar através da prática pedagógica o acesso dos

alunos a esses saberes”.

É preciso criar, desde muito cedo, espaço e ambiente cultural que dê suporte

para a formação leitora dos alunos oferecendo materiais diversificados de leitura,

incluindo-se livros, revistas, imagens, filmes, entre outros. É necessário que o

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professor leia para a classe; oportunize aos alunos a expressão das ideias, as

narrativas de suas vivências e nas rodas de conversa descrevam e contem o que

ouviram; tenham acesso ao acervo da sala de aula ou da biblioteca.

Em sala de aula o professor assume o papel de mediar não apenas os

momentos de leitura e atividades coletivas realizadas, mas de possibilitar ao aluno

que avance em suas conquistas, para que este possa construir sua autonomia. Silva

ressalta a importância do professor como mediador de leitura ao afirmar:

O professor constitui o principal fator para a promoção da leitura e, consequentemente, para a formação de leitores dentro da organização escolar: sem professores que sejam leitores maduros e assíduos, sem professores que demonstrem uma convivência sadia com os livros e outros tipos de materiais escritos, sem professores capazes de dar aos alunos testemunhos vivos de leitura, fica muito difícil, senão impossível, planejar, organizar e instalar programas que venham a transformar, para melhor, os atuais procedimentos voltados ao ensino da leitura (SILVA, 1998, p. 69).

Cagliari, dentro desse processo de construção de conhecimento, vê a

importância do papel do professor no sentido de compartilhar, ajudar na superação

das etapas de conhecimentos não construídos.

O professor tem uma tarefa a realizar em sala de aula e não pode ser um mero espectador do que faz o aluno ou um simples facilitador do processo de aprendizagem, apenas passando tarefas. Cabe a ele ensinar também e, assim, ajudar cada aluno a dar um passo adiante e progredir na construção de seus conhecimentos. (...) Não é só o professor que é um mediador entre uma atividade e um aluno que aprende, mas os próprios alunos podem ser mediadores uns dos outros, quando trabalham juntos e compartilham conhecimentos (CAGLIARI, 1998, p. 67-68).

Este autor acredita que é na interação que acontecem as trocas de

conhecimentos e de aprendizagens que se constroem nessas vivencias. A leitura é

um caminho que amplia a visão de mundo, e a escola é uma instância para

contribuir com o avanço intelectual do aluno. Portanto, ela não pode poupar os

alunos de novos desafios, de novas descobertas, uma vez que entendemos como

função da escola o ato de ensinar, de buscar novidades, ampliar o repertório de

leitura com a diversidade de gêneros do discurso. E a familiarização com os

diferentes gêneros (histórias, poemas, trovas, parlendas canções, notícias, contos

de fadas, etc.) deve ser proporcionada pelo professor.

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Batista (2005, p. 69) nos diz que: “A capacidade de reconhecer diferentes

gêneros textuais e identificar suas características gerais favorece bastante o trabalho

de compreensão, porque orienta adequadamente as expectativas do leitor diante do

texto”.

Quando Kleiman (2002, p. 38) fala da teoria sociocognitiva, ela aponta que Um programa de ensino que visa ao desenvolvimento do leitor capaz de entender textos de diversos gêneros diversificados, sem a mediação do adulto, professor ou leitor mais experiente, pode utilizar com o leitor menos experiente a demonstração de estratégias cognitivas e metacognitivas de compreensão de língua escrita (...).

Será necessário viabilizar, por meio da leitura dos gêneros do discurso, que o

aluno desenvolva a compreensão e a interpretação do texto lido e seja capaz de

entender o processo da escrita e seu uso no cotidiano, buscando assim a sua

autonomia leitora.

3.3 LITERATURA INFANTIL E LETRAMENTO LITERÁRIO DA CRIANÇA

A leitura de todos os bons livros é uma conversação com as mais honestas pessoas dos séculos passados.

(René Descartes)

Há atualmente consenso de que a literatura infantil é importante instrumento

para o letramento da criança e do adolescente, porém ainda há relutância por parte

da escola em compreender o caráter lúdico da sua leitura, função importante para o

desenvolvimento intelectual da pessoa. Uma das mais importantes funções da

literatura para crianças é a de despertar nela a emoção e o prazer pelo interesse da

narrativa, seja ela oral ou escrita. Ela é um instrumento de formação humana, ética,

estética, para formar e transformar a consciência, seja social ou individual.

Bettelheim (2007, p. 11) afirma que nada é tão enriquecedor para a criança como o

conto, pois por meio dele pode-se aprender mais sobre os problemas interiores dos

seres humanos.

Arroyo (1968, p. 40) argumenta que a Literatura Infantil é, primeiramente,

um meio de divertir as crianças, com o que se encontra afinado com a lógica e a natureza das obras primas da literatura para crianças. Estas se impuseram com aquele objetivo e nem são estranhas a essas razões, modernamente, ao que se parece, a preferência para

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as estórias em quadrinhos, onde o ludismo se desenvolve plenamente antes de qualquer ponto desiderato. Depois de interessar, a literatura passa por um segundo grau: educar e instruir.

Quando nos referimos à literatura infantil, de certa forma associamos o seu

conceito à infância. Podemos dizer que a ideia de infância, assim como a literatura

infantil, surge com um caráter novo, visto não haver uma preocupação até o século

XVIII com o livro que fosse especificamente direcionado ao público infantil.

Não havia livros para os pequenos. O desejo de ler era saciado por leituras de

textos não apropriados para sua idade. Liam escritos com conteúdos voltados para

os adultos. E é com essa mudança de visão, com um novo conceito de infância que

a literatura infantil começa ganhar espaço para o mundo infantil.

A criança passou a ser vista como um sujeito singular já no século XVII e sua

singularidade o fazia diferente dos adultos, emergindo assim o que Ariès (1978)

denomina de sentimento moderno de infância, caracterizado por práticas sociais

diversas, que são: a paparicação e a necessidade de educar a criança mediante a

moralização.

Segundo Ariès (op. cit.) até o século XVI, a infância era conhecida como um

período transitório da vida humana, e este deveria ser superado assim que sua

sobrevivência independesse dos adultos. Dessa forma, a criança era confundida

com o adulto, visto que não havia brinquedos, roupas específicas e nem

acomodações que se caracterizassem como sendo para crianças, se configurando

desta forma um adulto em miniatura.

A criança na Idade Moderna é então concebida como um ser com

características diferentes do adulto. Aparece uma nova concepção de família

unicelular, com o objetivo agora voltado para a preservação dos filhos, a questão do

afeto e da privacidade.

Esse novo modelo de família com base numa nova ideologia, a ideologia

burguesa, incumbirá aos pais e à sociedade ter um olhar especial, um cuidado

voltado para a criança, em que a mesma possa atingir a idade adulta de forma

saudável em todos os seus aspectos. Nesse sentido, Zilberman assim descreve:

A nova valorização da infância gerou maior união familiar, mas igualmente meios de controle do desenvolvimento intelectual da criança e manipulação de suas emoções. Literatura infantil e escola, inventada a primeira e reformada a segunda, são convocadas para cumprir essa missão (ZILBERMAN, 2003, p. 15).

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A Literatura Infantil surge com a ascensão da família burguesa e do novo

status concedido à infância na sociedade e na reorganização da escola.

Podemos dizer que a literatura se originou na Índia, tendo se constituído

como gênero durante o século XVII; nessa época houve muitas mudanças na

estrutura social. A partir das transformações, a literatura infantil apareceu como

objeto de estudo e vem, de certa forma, ganhando espaços cada vez mais, e vista

como linguagem especial para o processo de construção de conhecimento e

desenvolvimento da criança.

O enfoque da literatura infantil, em sua origem, perpassa pelas dimensões

históricas culturais e revela a importância que imputamos à cultura.

O referir à literatura infantil, nos remete muitas vezes a concebê-la como algo

encantador para as crianças, na relação com a ludicidade que ela em si apresenta

sendo absorvida de forma muito prazerosa. E por ser bastante prazerosa, a obra

literária possibilita a formação do leitor e gosto pela mesma.

Ferreira (2006, p.138) faz o seguinte apontamento quanto à literatura para a

criança:

À criança, um ser em formação, cabe uma literatura que fale em uma linguagem mais próxima, uma literatura que, ao mesmo tempo em que diverte e distrai, eduque e ensine conforme os valores que o adulto considera, em seu tempo e lugar, necessários que ela

incorpore.

Pensar a literatura infantil como algo encantador e prazeroso remete à

lembrança da época em que ouvíamos histórias contadas por nossos pais, das

histórias muitas vezes inventadas. Essas histórias se baseavam nos conhecimentos

que possuíam e muitas delas se restringiam apenas àquelas que eram ligadas às

suas experiências, tais como, as histórias de caçadores ou os bichos, e que sempre

possuíam uma lição de moral. As estórias contadas na escola eram, em sua maioria,

reproduzidas pelas professoras, que nunca dispunham de outros recursos

pedagógicos a não ser o livro.

Ao retomarmos a literatura infantil, recorremos ao nosso passado e buscamos

experiência por nós conhecida ou por nós vivenciada que guardamos na lembrança.

Serra (1999, p. 47) afirma que “a formação de leitores tem sido assim, fruto de uma

situação histórica, determinada por condições econômicas, emocionais e culturais”.

Vemos que na interação da criança com a literatura infantil pode estar representada

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a grande valiosidade dos aspectos formativos que ela apresenta e que pode ser

interpretada pela criança de uma maneira fantástica, acompanhada pela ludicidade.

A criança, quando ao interagir com a literatura, apreende novos conceitos,

pois sua convivência com os livros literários contribui para sua formação leitora e na

produção de seu próprio conhecimento.

A literatura infantil proporciona uma compreensão mais ampla da sociedade,

partindo das informações contidas nos livros de literatura lidos. Cademartori (2006,

p. 19-20) apresenta o seguinte pensamento sobre a experiência de leitura da

criança:

Se adquirindo o hábito da leitura a criança passa a escrever melhor e a dispor de repertório mais amplo de informações, a principal função que a literatura cumpre junto a seu leitor é a apresentação de novas possibilidades existenciais, sociais, políticas e educacionais. É nessa dimensão que ela se constitui em meio emancipatório que a escola e a família, como instituições não podem oferecer.

Com a prática de leitura já construída na criança o que se espera é a

ampliação de seus conhecimentos. Conhecimentos esses que são caminhos para

que se abram nossas perspectivas, novos horizontes, pois seu repertório vai sendo

assim ampliado no sentido de aquisição de novos saberes, de novas possibilidades

existenciais, que se estendem para um universo social bem mais amplo que a

família e a escola. Serra (1999, p. 46) entende “a formação do leitor como um

processo dinâmico e dialético, de reconhecimento de signos escritos, pertencentes a

uma determinada estrutura lógica”. A literatura infantil, como ressalta Abramovich,

prescinde do imaginário das crianças, e sua importância se dá a partir do momento

em que elas tomam contato oralmente com as histórias, e não somente quando se

tornam leitores.

Desde muito cedo, então, a literatura torna-se uma ponte entre histórias e imaginação, já que é ouvindo histórias que se pode sentir... e enxergar com os olhos do imaginário... Abrir as portas à compreensão do mundo (ABRAMOVICH, 1995, p. 17).

A autora concebe que as crianças em contato direto com o livro, ao fazerem a

leitura buscam na imaginação construir fatos imaginários e se posicionar com suas

concepções de mundo. Em suas reflexões sobre leitura Freire (apud OLIVEIRA,

2005, p. 115) aponta que

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A leitura da palavra é sempre precedida da leitura de mundo. E aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica das palavras, mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade.

Em relação à literatura infantil é importante ressaltar que a língua materna,

nela expressa, exige e estimula a capacidade de interpretação de diferentes

situações, o que também é uma habilidade essencial para um melhor desempenho.

Existe ainda o aspecto lúdico presente no ler e contar histórias, que pode ir

mobilizando as crianças e estimulando-as a envolver-se em desafios propostos,

desenvolvendo assim a capacidade de analisar, formular hipóteses, questionar,

interpretar, etc.

Dessa maneira, os momentos de contar história devem permitir à criança

participar, criar situações problemas e resolver, seja oralmente ou através de

desenhos.

Conforme propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p. 61) a

Literatura Infantil foi considerada o material mais adequado para um contato

prazeroso da criança com a leitura por concentrar inúmeros atributos, entre os quais

se destacam a qualidade da arte gráfica (ilustração e texto), o contexto imaginário, a

diversidade de informações inerentes ao cotidiano e à afetividade da criança, etc.

Na história, a criança se projeta momentaneamente nos personagens e

penetra no mundo da fantasia, vivenciando um contato mais estreito com seus

sentimentos e elaborando seus conflitos e emoções. Desta maneira, ela cresce e se

desenvolve. A história funciona como uma ponte entre o real e o imaginário.

Como bem o explica Zilberman (2003, p. 45) que

As histórias infantis desempenham, pois, uma primeira forma de comunicação sistemática das relações da realidade, que aparecem à criança numa objetividade corrente. Ou, por outra: as histórias infantis são uma espécie de teoria especulativa além da atividade imediata social e individual da criança.

Abramovich (1995, p. 16) ressalta: "Ah, como é importante para a formação

de qualquer criança ouvir muitas, muitas histórias... escutá-las é o início da

aprendizagem para ser leitor, e ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de

descoberta e de compreensão do mundo”.

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Com relação à pedagogização da literatura, Oliveira (2005, p. 127) faz a

seguinte referência: “A literatura não é um veículo para a instrução moral ou cívica,

mas sua atuação está no impacto discriminado da própria vida, e dessa maneira

educa com ela, com altos e baixos, luzes e sombras”. Ressalta que o discurso

estético oferece maiores possibilidades de não doutrinamento do leitor, porque seu

caminho é o da fruição. Mostra que há uma diferença entre o discurso estético e o

utilitário, porque doutrinação e fruição não caminham juntas, pois doutrinar ou

moralizar é dar um sentido unilateral ao discurso, enquanto a fruição possibilita

maior liberdade de encontro com outros sentidos, ampliando o pensamento. Cândido

(1972, p. 804) argumenta que a literatura é uma força humanizadora que exprime o

homem e atua em sua formação.

Podemos, assim, compreender a importância da Literatura Infantil no

desenvolvimento cognitivo das crianças, porque ler o texto literário é uma forma de

ampliar o universo linguístico e cultural da criança. Oportuniza prazer e

conhecimento. Prado (1999, p. 82) afirma que “a leitura dá poder porque é um meio

de compreender o mundo e essa compreensão é uma condição de cidadania – além

do que, podemos nos tornar, cada vez mais, também cidadãos da cultura escrita". É

Ribeiro quem amplia o pensamento de Prado ao afirmar que,

Só o leitor pode dar vida ao texto, atribuir-lhe sentido, fazê-lo contar, rir, chorar. Fazê-lo falar voz de gente. Esta é a tarefa do professor-leitor: fazer ver ao aluno que ele é peça fundamental do processo. É dele que dependem os textos. Para tal, um paradigma é imprescindível: o próprio professor. Sua atitude com relação ao texto é o ponto de partida mais importante para construir o aluno leitor, consciente, cidadão pleno e ativo. Mirando-se no exemplo do professor-leitor, instigante, vibrante, ele se constituirá neste aluno ideal (RIBEIRO, 2004, p. 3).

Ainda se referindo à experiência e ao resultado para quem conta a história, a

autora reforça o papel do professor, para que este atinja o objetivo no ato de contar,

pois o texto se apropria de sentido e vida. Vida que é presente na forma como este

se lança ao interpretar ao produzir as vozes de seus personagens. Na relação

professor aluno, no ato de contar ou ouvir história está presente um dos objetivos da

leitura, que é o de levá-lo a novos conhecimentos, transmitir uma ideia por um meio

que é considerado prazeroso para a criança. Na ação, ou ato de contar história, está

também presente o resgate da memória, pois elas gostam de ouvir contar histórias

dos mais antigos, de seus pais, avós.

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Portanto, o professor terá que possuir alguns atributos que são importantes

ao se envolver em contação de história. Esses atributos são percebidos na voz, na

sua expressão, espontaneidade e domínio da sequência apresentada.

É fundamental que a escola proporcione o acesso das crianças ao livro

literário, de modo que esta possa desenvolver o senso estético e a sensibilidade,

proporcionando novos conhecimentos e a reflexão de seus próprios valores e

atitudes diante do mundo.

3.4 LETRAMENTO: AMPLIAÇÃO DO CONHECIMENTO DE MUNDO

No espaço escolar os alunos passam por vários momentos em que vivenciam

e aprendem a lidar com diversos gêneros do discurso, observando, lendo,

analisando e produzindo. Desta forma se amplia seu conhecimento linguístico.

No processo de escolarização sempre buscamos respostas para as perguntas

que surgem no decorrer dos anos iniciais, quando algumas crianças apresentam

dificuldades de aprendizagem nas habilidades de ler e escrever.

As dificuldades de aprendizagem estão basicamente relacionadas ao

processo de aquisição ou construção da escrita e da leitura, os quais são

considerados como aspectos de responsabilidades da escola.

O termo “letramento” veio para explicar que não basta somente alfabetizar,

mas que é preciso ampliar as possibilidades de uso e acesso ao mundo letrado. É

de Soares o seguinte pensamento:

Se o letramento é um contínuo que representa diferentes tipos e níveis de habilidades e conhecimentos, e é um conjunto de práticas sociais que envolvem usos heterogêneos de leitura e escrita com diferentes finalidades, que ponto, nesse contínuo, deve separar adultos letrados de iletrados, em censos populacionais e pesquisas por amostragem, ou crianças bem sucedidas de crianças mal sucedidas na aquisição do letramento, em contextos escolares? (SOARES, 2000, p. 83).

Ao depararmos com situações em que a criança e/ou o adulto não

compreende, muito menos interpreta de forma correta o que está escrito, podemos

entender que esse sujeito apresentará dificuldades nas disciplinas que compõem o

currículo escolar da instituição.

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Como ajudar o aluno a adquirir domínio da construção de habilidades de

leitura e escrita é responsabilidade das escolas, cabe às instituições ampliar as

experiências dos alunos com o objetivo de que esses alunos possam produzir e ler

textos com proficiência. Nesse sentido, um fator importante seria que desde a

educação infantil a escola se preocupasse com o desenvolvimento dos

conhecimentos que estivessem relacionados à aprendizagem e a produção escrita.

Nesse processo de construção é relevante a distinção que Soares faz entre

alfabetização e letramento. Alfabetização correspondendo à aquisição de uma

tecnologia que seria a escrita alfabética e sua utilização no ato de ler e escrever. Já

o letramento está mais direcionado ao uso dessa tecnologia nas situações em que

se faz necessário ler e produzir textos. O autor destaca as condições para o

letramento e a alfabetização afirmando que,

Alfabetizar e letrar como duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo alfabetizado e letrado (SOARES, op. cit., p. 47).

Assim, o papel do professor é essencial como possibilidade de letrar os

alunos, por intermédio dos diferentes gêneros do discurso, utilizando-se de diversas

ferramentas que possam contribuir para a formação do indivíduo letrado.

Freire (2008, p. 59) enfatiza a respeito da leitura:

Um texto para ser lido é um texto para ser estudado. Um texto para ser estudado, é um texto para ser interpretado. Não podemos interpretar um texto se o lemos sem atenção, sem curiosidade; se desistimos da leitura quando encontramos a primeira dificuldade.

Em seus estudos Soares trata do letramento a partir da sua definição que

surge por volta dos anos 80 em estudos de especialistas das Áreas da Educação e

Ciências Linguísticas. Segundo a autora, a palavra letramento surgiu pela primeira

vez no livro de Mary Kato, “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística”,

no ano de 1986.

O termo letramento ganha mais destaque quando Verdiani faz distinção dos

termos: Alfabetização e Letramento, especificamente nos anos de 1988, tornando

cada vez mais frequente seu uso nos discursos proferidos por especialistas. Em

1995, já surge em forma de título de livro cuja organização foi realizada por Ângela

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Kleiman: “Os significados do Letramento: uma nova perspectiva sobre a prática

social da escrita”.

Soares busca uma nova compreensão tomando como referência as origens

do latim e do inglês para um entendimento através da sua junção para formação da

palavra em português.

Sendo alfabetização a ação de alfabetizar, de propagar o ensino da língua,

alfabetizar nada mais é do que ensinar a ler.

Quando temos uma pessoa que não sabe ler ou escrever, ou seja, não

domina o sistema de leitura e escrita, atribuímos o adjetivo analfabeta, visto que esta

faz parte de uma sociedade de cultura letrada representada pelo sistema de escrita,

em que seria necessária a capacidade de interpretar um texto, assimilar uma

mensagem escrita. Entretanto, essas pessoas que fazem uso do sistema escrito,

quando ouvem alguém ler, ou pedem para que alguém produza uma mensagem

escrita, de certa forma compreendem parte das representações do sistema

linguístico construído no seu espaço social e que a torna, de certa forma, letrada.

No entanto, para que o desenvolvimento dos níveis de letramento seja efetivo

será necessário exercício contínuo, que implica em:

Habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou escrever para diferentes objetivos – para informar ou informar-se, para interagir com os outros, para emergir no imaginário, no estético, para ampliar conhecimentos, para seduzir ou induzir, para divertir-se, para orientar-se, para apoio à memória, para catarse...; habilidades de interpretar e produzir diferentes tipos e gêneros de textos; habilidades de orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou de lançar mão desses protocolos, ao escrever; atitudes de inserção efetiva no mundo da escrita, tendo interesse, informações e conhecimentos, escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os objetivos, o interlocutor (SOARES, 2001, p. 92).

Magda Soares faz uma distinção quando se trata da questão do analfabeto e

do letrado. Menciona a criança que ao folhear livros, jornais ou revistas, simula ler e

escrever, contar histórias, mas ainda não sabe ler, é considerada como “analfabeta”,

porém tem um determinado nível de letramento.

Dessa forma, a pessoa letrada passa a assumir uma condição social e

cultural, e já não carrega consigo as características de uma pessoa tida por

analfabeta, pois em determinado contexto irá pensar e agir de forma diferente.

Soares amplia o conceito de letramento fazendo a seguinte observação:

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Letramento é também um contínuo, mas um contínuo não linear, multidimensional, ilimitado, englobando múltiplas práticas com múltiplas funções, com múltiplos adjetivos condicionados e dependentes de muitas situações e múltiplos contextos, em que consequentemente, são múltiplas e muito variadas as habilidades, conhecimentos atitudes de leituras e escrita demandadas, não havendo gradação nem progressão que permita fixar um critério objetivo para que se determine que ponto no contínuo, separa letrados de iletrados (SOARES, 2003, p. 95).

Kleiman (1995) em suas reflexões sobre letramento analisa as questões que

impulsionaram o desenvolvimento social, como o uso da escrita, o que vem sendo

discutido desde o século XVI - a formação de uma unidade política no estado, as

mudanças que representam a grande maioria das pessoas que se agregavam às

forças do trabalho nas indústrias. Mudanças que são marcadas pelos aspectos

sociais, políticos e econômicos. Kleiman (op. cit., p. 19) define letramento como

um conjunto de práticas sociais que usam a escrita enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos para objetivos específicos. As práticas específicas da escola, que forneciam o parâmetro de prática social segundo a qual o letramento era definido, e segundo o qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizada ou não alfabetizada, passam a ser em função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato dominante - que desenvolve alguns tipos de habilidades, mas não outras, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita.

Esse pensamento amplia sobremaneira a necessidade que as práticas sociais

de leitura, encontradas em nosso cotidiano, sejam disseminadas para além do

universo escolar. O desenvolvimento do letramento se configura como necessidade

em todas as instâncias da vida social e profissional, abrangendo situações formais e

informais.

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4 ANÁLISE DOS DISCURSOS E PRÁTICAS DA PROFESSORA

A construção e organização deste capítulo foram feitas a partir dos

instrumentos de pesquisa aplicados aos sujeitos, que foram os seguintes:

questionário aplicado à professora para levantamento do perfil, entrevistas gravadas

com a professora, observações em sala de aula, planejamento da professora,

cadernos de alunos.

Com o desejo de atingir aos objetivos propostos na Introdução e encontrar

respostas aos questionamentos faço um percurso de análise começando pelo

primeiro bloco, o qual contempla a entrevista gravada e inclui os seguintes itens: a

formação leitora da professora, as concepções e práticas da professora a partir dos

pressupostos da Pedagogia Waldorf, pensamento da professora sobre as práticas

de leitura e à literatura infantil. No terceiro bloco analiso as observações da prática

pedagógica da professora em sala de aula.

4.1 A FORMAÇÃO LEITORA DA PROFESSORA

Para explicitação sobre a formação leitora da professora foi utilizada a

entrevista gravada, por meio da qual ela expressou seu percurso.

Foi perguntado à professora como foi a experiência com a leitura na infância?

E sua resposta foi a seguinte:

A minha experiência na realidade, a minha infância não foi rica em leitura. É, fui adquiri-la bem mais tarde. Não foi uma experiência rica em leitura (NÚB).

É possível compreender que inicialmente a professora relaciona os processos

formativos de leitura ao ato de decodificar textos, entretanto, compreendo que outros

tipos de leituras foram vivenciados por ela e a prática de ler e contar histórias foram

ganhando força em outras fases de sua vida.

Nessa situação, entendemos que para se construir o gosto pela leitura não há

regras e nem limites de tempo, mas há de haver desejo, curiosidade pelo

desconhecido, por aquilo que ainda não se viveu ou experienciou. É claro que

estabelecer contatos com variados textos e livros é uma “forma inteligente de

despertar-lhe o gosto, que depois se traduzirá pelas primeiras e definitivas leituras”

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(NISKIER, 1999, p. 18), mas não é a única possibilidade que garante a construção

de bons leitores.

Ainda citando a família como instituição importante no processo de leitura,

podemos conferir o que disse a professora sobre quem contava histórias ou lia livros

quando era criança.

Como a professora não teve boas experiências de leitura na infância apenas

se limitou a responder com a seguinte frase:

Eu não tive essa fase. Não tive (NÚB).

Perguntei a ela: quais eram as suas preferências de leitura? Obtive a seguinte

resposta:

Bem! Como agora estou dando aula para os menores, eu gosto mais das leituras que se referem a eles - da literatura infantil. Então, eu gosto... Gosto muito de Monteiro Lobato, eu gosto muito de Ziraldo, eu gosto muito de Ana Maria Machado, Ricardo Azevedo. Então, eu estou assim nesse momento voltada para a literatura infantil (NÚB).

A não experiência com leituras a partir de livros permitiu à professora, já

adulta, construir sua formação como leitora de obras literárias, destacando alguns de

seus preferidos autores. Essa construção é levada também para à sala de aula.

Na escola, com a proposta pedagógica Waldorf, a professora nesse momento

trabalha com crianças menores. Sua preferência de leitura está voltada mais para a

literatura infantil e, citou Monteiro Lobato, Ziraldo, Ana Maria Machado, Ricardo

Azevedo.

As práticas de leitura atendem à necessidade da criança, que se encontra no

mundo da fantasia, da imaginação, demonstrando assim uma prática com cunho

voltado para o social, ressaltando a importância dessas leituras para a formação do

leitor.

Para obter informações sobre as obras lidas que mais marcaram a professora

perguntei a ela: Qual a obra lida que mais te marcou? Por quê? A professora revelou

suas leituras ao responder:

Infantil? Só que não me lembro do autor agora. Gostei muito daquele livro: Luas e Luas. Eu achei muito rico. O conteúdo dele tem uma profundidade muito grande e é algo que você pode experimentar junto com as crianças. Ele aparentemente é superficial, mas você pode aprofundar junto com as crianças. Outra literatura que, sempre

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que posso estou relendo e eu gosto, e acho muito rica, é O Pequeno Príncipe. Essa me marcou demais (NÚB).

Segundo a professora, este livro aparentemente é superficial, mas oportuniza

aprofundar em vários aspectos ao se trabalhar com os alunos. Cita que O Pequeno

Príncipe é uma obra que marcou muito em sua vida e sempre que tem oportunidade

o lê novamente.

Ao dizer que leitura permite aprofundar em vários aspectos quis dizer que é

possível explorar outros elementos, não apenas a leitura e sua compreensão, mas

poder resgatar valores importantes, como a valorização do ser humano, das suas

qualidades, de suas capacidades, bem como aceitação das diferenças implícitas no

livro. Valores que vão além dos valores econômicos, sendo estes éticos e morais.

A atitude da professora, em buscar aprofundar nos elementos que o livro lhe

proporciona, permite dizer que a eficácia de sua prática pode garantir condições de

um ensino com qualidade, que aponta ao aluno caminhos para sua formação leitora.

Quando foi perguntado à professora se possui hábito de ler jornais e revistas,

ou revistas voltadas para a educação, a professora respondeu que sim. E citou

algumas.

Sim, eu sou assinante da revista Mundo Jovem. Eu sou assinante da Isto é. Ah! Tem uma que não sou assinante, a Nova Escola, que leio bastante também (NÚB).

Os jornais e revistas, os textos impressos, são hoje oportunidades de leituras,

embora nem todos tenham acesso. A ausência de acesso a esses instrumentos de

leitura reforça ainda mais que a leitura e a escrita são um privilégio para poucos. É

preciso contribuir com a inserção da comunidade na descoberta do mundo da leitura.

Para Anne-Marie Chartier (CHARTIER e HEBRARD, 1995, p. 14), “... leitura

vai muito além de falar da própria leitura, todos exercitam a crítica; é pensar nas

leituras dos outros, dos não letrados que deixaram de ser iletrados”.

Ao tratar da questão que se refere à aquisição de livros a professora

respondeu:

Praticamente todo mês eu compro livros. Troco. Eu tenho um rodízio de amigos que nós trocamos livros. Fazemos rodízio de livros. Então, cada um compra três, nós vamos por mês revezando (NÚB).

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A professora de classe afirmou que adquire livros todo mês e que realiza uma

estratégia para maiores leituras que é a troca de livros por meio de rodízio, que

praticam entre as colegas e vão trocando após a leitura dos mesmos.

Esse aspecto da aquisição de livros permite dizer que a professora está

construindo caminhos para conseguir formar bons leitores.

Durante a entrevista, ao perguntar se a professora se considerava boa leitora,

ela respondeu:

Hoje... Sim porque hoje eu me empenho mais na leitura. Eu me dedico mais à leitura. E me preenche muito mais também. Acredito que seja uma questão do amadurecimento. Então, hoje me considero uma boa leitora (NÚB).

A professora NÚB destaca que hoje em sua vivência empenha muito mais na

leitura, fazendo referência implícita ao passado e atribuindo esse fator a um

amadurecimento próprio, permitindo considerar-se uma boa leitora.

Notamos ser bastante significativa sua atuação e motivação para a leitura,

pois revela que, em sua vida e sua prática pedagógica, o livro ocupa um lugar

importante, pois este pode estimular a uma vivência de leitura constante em que os

conhecimentos se ampliam, não se restringem apenas àqueles referentes a

conteúdos repassados nas unidades escolares e sim, permite uma ampla visão, com

criticidade a respeito das problemáticas situações que enfrenta a sociedade nas

esferas sociais, políticas, econômicas e culturais.

Na fala da professora, ao se considerar como boa leitora se revela como

leitora consciente. Diz Perrotti (1999, p. 32) ao distinguir ledores e leitores que,

Ledores seriam sujeitos que se relacionam apenas mecanicamente com a linguagem, não se preocupando em atuar efetivamente sobre as significações e recriá-las. O texto é tabula rasa, exposição sem mistérios das poeiras do mundo. Os leitores, ao contrário, seriam seres em permanente busca de sentidos e saberes, já que reconhecem a linguagem como possibilidade e precariedade, como presença e ausência ao mesmo tempo, ambiguidade irredutível face aos objetos que nomeia.

Os leitores vão à busca de respostas para suas inquietações. Para formação

do leitor, Oliveira (2005, p. 120) postula que:

Para formar o leitor, vários fatores são imprescindíveis: o vínculo interativo/afetivo de convívio com leitores mais experientes, interesse

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do próprio sujeito pelo objeto da leitura, pois ele é quem vai construindo sua história de leitura; organização propícia do ambiente para realização do ato de ler, além da intervenção sistemática e intencional da escola e da família.

Quanto à formação e responsabilidade do professor, enquanto sujeito leitor e

formador de aluno leitor, Rocco (1999) aponta requisitos exigidos ao professor

dizendo:

Que o professor seja, antes de tudo, um leitor. O professor que não lê nunca terá a memória povoada pelas ricas e inesquecíveis imagens fornecidas pelas diferentes formas dos textos de arte, principalmente pelos textos literários. Se assim for, se o professor não se revelar um leitor, ele jamais conseguirá trabalhar com leitura.

Fazendo parte da constituição da formação leitora da professora, procurei

saber de quais eventos culturais fora do contexto escolar a professora participa e

com que frequência faz isso.

Em sua resposta, a professora afirmou que participa de eventos culturais,

como cinema, teatro, festivais de música, de dança.

Bem, eu procuro participar de todos os... De quase todos os eventos do SESC. Eu acho os eventos do SESC, além de serem baratos, são ricos culturalmente. Então lá tem eventos voltados para todas as idades. Tem, é,,, para todos os gostos. Tem cinema, tem teatro, tem música, tem dança. Então é algo assim que enriquece muito o currículo, o nosso currículo. Sempre que eu posso estou lá no SESC. E agora tem o Cine Teatro também, que tem bons eventos e que é barato também, tem custo baixíssimo. E a questão de procurar esses eventos, é exatamente para enriquecer mesmo o conteúdo, tanto como pessoa como professora, associando a prática (NÚB).

A professora NÚB citou o SESC e o Cine Teatro de Cuiabá-MT como espaços

que frequenta, visto que os mesmos apresentam eventos de grande riqueza cultural

com um valor de ingresso acessível. Apontou que a participação nesses eventos

fora do contexto escolar é algo que ajuda muito no enriquecimento do currículo

pessoal, pois pode, por meio deles, associar à sua prática de sala de aula.

Enfatiza que o teatro é uma de suas paixões, pois é uma fonte inspiradora

que ajuda muito no desenvolvimento das crianças por vários fatores.

Em sua resposta percebemos que, quanto à formação leitora da professora,

esta garante que a mesma possa contribuir significativamente, como vem

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contribuindo com o desempenho dos alunos, possibilitando a construção da

autonomia e ampliando, assim, o seu nível de letramento.

4.2 DISCURSOS DAS PROFESSORAS SOBRE OS PRESSUPOSTOS DA

PEDAGOGIA WALDORF

Abordaremos nesta parte as concepções e práticas da professora a partir dos

pressupostos da Pedagogia Waldorf. Em seu discurso a professora pôde expressar

domínio e conhecimento da pedagogia, não apenas no contexto das práticas de sala

de aula, mas também quanto à estrutura organizacional da escola por meio das

formações e eventos que a mesma promove.

Buscando compreender como se deu o ingresso da professora na escola, foi

perguntado se já conhecia a proposta pedagógica da Escola Livre Porto Cuiabá

antes de ingressar na mesma. A professora deu a seguinte resposta:

Não, não conhecia (NÚB).

A professora NUB respondeu que não conhecia o Projeto Político Pedagógico

da Escola Livre Porto Cuiabá antes de ingressar na mesma. Foi perguntado à

professora em que a proposta da Escola Livre Porto Cuiabá é diferente em relação

às outras escolas. Em sua fala foram dadas as seguintes respostas:

Bom, particularmente em tudo. A Pedagogia Waldorf, ela vai de encontro ao interesse das pessoas que têm uma paixão pela educação. As pessoas que são apaixonadas pela educação, geralmente elas se encontram dentro da pedagogia. Porque é uma dedicação não ao conteúdo, mas ao aluno. Cada aluno aqui, ele não é um meio, ele é um ser. E trabalhar com a educação ligada ao ser é muito fácil, muito mais prático, muito mais rico (NÚB).

Vemos na fala da professora que ela percebe uma diferença entre a proposta

da Escola Livre Porto Cuiabá com relação à Pedagogia Waldorf e outras propostas

escolares. A professora mencionou que o pensamento da Pedagogia Waldorf é

diferenciado, e aponta o humanismo presente na prática pedagógica quando se

refere ao indivíduo como pessoa, nesse caso o aluno, que é visto como elemento

fundamental no processo de construção de sua formação, de sua intelectualidade. A

professora reconhece que a Pedagogia Waldorf se dedica ao aluno enquanto ser,

trabalhando a parte intelectual e espiritual e, como propõe Steiner (1988, p. 33),

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“precisam tentar penetrar em todos os aspectos do ser humano” e “vir a ser bons

educadores da vida intelectual da criança”.

Segundo o pensamento desta pedagogia, é na formação do homem por

completo, baseado numa educação que tem por base sólida a natureza desse

homem como ser biológico, anímico e espiritual, que o sujeito vai estabelecendo

valores.

Lanz (1998, p. 63) pondera, dizendo que “toda educação digna deve conduzir

o homem à capacidade de determinar a si próprio, de fixar as metas de sua vida”.

Foi perguntado à professora se ela havia recebido formação de acordo com a

Pedagogia Waldorf para trabalhar na escola e quem havia ministrado essa

formação. Sua resposta foi afirmativa conforme demonstrado em seu discurso:

Sim, ao entrar, fui recebida e instruída pela AMA, que é diretora. Na época tinha a professora EVA e CLO que eram profundas conhecedoras da Pedagogia Waldorf. Elas que me orientaram. Depois fui prá São Paulo, em Botucatu, fiquei duas semanas lá numa Escola Waldorf fazendo um curso. Fiz a Pós-Graduação da Pedagogia Waldorf que foi ministrada aqui em Cuiabá (NÚB).

Ao responder sobre a formação a partir dos pressupostos da Pedagogia

Waldorf, a professora disse ter tido formação para conhecimento desta pedagogia.

Citou ter recebido substancial contribuição da professora AMA, que é conhecedora

do PPP da Escola e da Pedagogia Waldorf.

Há sempre um momento de estudos, no qual AMA repassa e prepara os

professores sobre determinados estudos inovadores que podem contribuir no seu

dia a dia. De acordo com a fala da professora, subentendemos que, ao ingressar na

escola, o educador recebe orientações e participa de momentos de estudos sobre a

Pedagogia Waldorf. E o professor tem que estar embasado, possuir conhecimentos

para que sua ação pedagógica possa vir ao encontro dos princípios da pedagogia na

forma de conduzir o processo de construção de conhecimento aplicando uma

metodologia interdisciplinar.

Lanz (1998, p. 118) faz referência aos professores dizendo que eles

são uma alma viva de uma escola Waldorf. Se deixam de crescer e se desenvolver, a escola para e definha. Nunca devem cair na rotina didática considerando sua matéria como definitivamente assimilada e perfeita para ser transmitida aos alunos.

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O autor toca num ponto extremamente importante ao tratar o professor dessa

maneira, pois um dos aspectos que garante uma aprendizagem significativa é a

dinâmica do professor, podendo este tornar o espaço da escola em um ambiente

rico e atrativo, dinâmico e vivo, pois é um espaço onde muitas pessoas se

encontram, trocam conhecimentos e vivem diferentes culturas. É nesse movimento

que acontece a aquisição de saberes de maneira dinâmica. E o aluno precisa de

algo vivo que atenda seus anseios e suas expectativas.

Mello (1999, p. 76) complementa dizendo que:

Se quiser que os alunos gostem de aprender, o professor não pode continuar isolado em sua disciplina. Além de especialista em determinada área do conhecimento, ele terá de desenvolver habilidades para identificar as relações de sua especialidade com outras disciplinas.

Ainda em relação à importância do conhecimento específico da pedagogia

para se trabalhar dentro dessa proposta, foi lançada a seguinte pergunta à

professora: Você acha necessário que o professor tenha conhecimentos específicos

da Pedagogia Waldorf, além de sua habilitação específica para trabalhar com essa

pedagogia? Obtivemos a seguinte resposta:

É extremamente necessário! Não tem como você trabalhar com a pedagogia sem conhecer a pedagogia. A Pedagogia, ela vem antes de qualquer conteúdo ministrado. Então, quando você vai trabalhar com a Pedagogia Waldorf você precisa primeiro ter lido, ter se envolvido. O professor não tem como dar uma aula de aquarela se nunca fez aquarela, se ele nunca sentiu como fazer uma aquarela. Ele não tem como ministrar uma aula de história se não vivenciou dentro dele essa história. Então, a Pedagogia Waldorf é algo vivido. Então, não tem como ser puramente teórico. É de extrema importância que a pessoa tenha conhecimento para trabalhar com a pedagogia, senão ela acaba caindo naquela questão assim: ou você se envolve ou você realmente não tem perfil. Ela exige um envolvimento (NÚB).

Em sua resposta a professora acredita ser importante que o professor tenha

conhecimento da pedagogia para melhor compreender a trajetória dos alunos até se

tornarem adultos. Em sua fala NÚB atribuiu importância ao domínio teórico da

pedagogia, para assim compreender como aplicar na prática, ao dizer que o

conhecimento da pedagogia vem antes de qualquer conteúdo a ser ministrado.

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Nesse sentido a professora cita as vivências, os experimentos para poder

trabalhar determinado tema ou conteúdo. Aponta ainda que a prática tem que se

fazer presente na ação do professor, porque não tem como ser apenas teórico, uma

vez que a Pedagogia Waldorf é sustentada na experimentação.

Em se tratando da formação continuada para os professores, foi perguntado

se existe uma prática de formação continuada na escola. Se existe, como e quando

ela acontece? A resposta da professora foi a seguinte:

Sim, nós temos. No começo do ano, em janeiro, e temos em julho também. Na semana de planejamento nós tiramos momentos para que nós trabalhemos propriamente com a Pedagogia Waldorf. E durante o ano nós também temos reuniões pedagógicas, geralmente são durante a semana. Aí temos palestras, estudos, tem tudo sobre a Pedagogia. Então, nós estamos sempre envolvidos. Tem seminário e cursos que nós fazemos fora. Tem para todas as áreas. E os professores se encarregam de procurar o que cada um quer fazer, onde vai fazer. Então, na realidade, tem o ano inteiro, tanto aqui como fora. A questão é você participar (NÚB).

A professora respondeu que existe uma prática de formação continuada que

acontece em vários momentos durante o ano letivo, tendo início no mês de janeiro e,

posteriormente, em julho, antes de retornarem do recesso. A escola também realiza

outros momentos de reuniões pedagógicas, como menciona.

As instituições que buscam capacitar ou investir em formação continuada de

seus profissionais da educação estarão de certa forma investindo em seu potencial

humano, para que estes sejam capacitados para enfrentar os desafios encontrados

na sociedade contemporânea.

Azanha (2006, p. 63) reforça, dizendo que “o exercício da profissão de

ensinar só é possível no quadro institucional da escola, que deve ser o centro das

preocupações teóricas e das atividades práticas em cursos de formação de

professores”.

Observando o caderno dos alunos, foi percebido que estes ao escreverem

apresentavam letras coloridas escritas com lápis de cor, variando as cores para cada

linha escrita. Foi feita a seguinte pergunta com relação a essa atividade nos

cadernos: Como a Pedagogia Waldorf explica o fato da escrita colorida, tanto na

lousa, pelo professor, quanto no caderno, pelo aluno, escrevendo uma linha de cada

cor? A professora respondeu com o seguinte argumento:

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Bem! Existem alguns pontos. Primeiro a questão do aluno, de como ele está. O aluno, quando ele não está bem ele não deixa colorido no caderno. Ou ele está com muita preguiça. Aí você detecta que ele dormiu muito tarde; se os pais brigaram em casa; se ele perdeu o ritmo. Então, você já consegue, através disso, perceber o que está acontecendo. Quando ele está bem, quando ele está numa fase agradável... Ele vai trocar de lápis, trocar de cor. Ele deixa o caderno muito colorido. E outra coisa também é a questão do aluno olhar e enxergar a beleza do trabalho dele. Ele olha para aquele caderno colorido... e ele percebe o quanto está dando resultado o que ele está produzindo. Ele vê a produção do que ele fez na realidade. Então, na realidade, é um estímulo que ele tem (NÚB).

A professora dá sua resposta enfatizando o belo que a escrita colorida

proporciona no caderno do aluno. Segundo a professora NÚB, se o aluno não utiliza

diferentes cores para a realização de sua escrita, alguma coisa de errado pode estar

acontecendo, ou ter acontecido com aquele aluno. Como o caderno do aluno irá se

constituir no seu livro, este por sua vez terá que apresentar um aspecto atraente na

diversidade de cores utilizadas em sua escrita. A escrita colorida e as margens

fazem parte do aspecto estético do caderno. Portanto, os alunos buscam aperfeiçoar

suas produções demonstrando seu desenvolvimento da linguagem estando numa

fase agradável, pois possui tempo e paciência para produzir algo prazeroso e belo.

Steiner (1998, p. 33), ao referir-se ao belo, diz que

O belo não é o divino em sua vestimenta sensorialmente real; não, é o sensorialmente real em vestimenta divina. (...) O belo é ilusão, pois faz surgir diante de nossos sentidos uma realidade que se apresenta como um mundo ideal.

A escola tem como prática valorizar a vivência, a experimentação. Nesse

sentido foi feita a seguinte pergunta: Qual o objetivo do momento denominado

vivência? Obtivemos as seguintes respostas da professora:

As vivências... São trabalhadas em todas as aulas. Em matemática, português, história, geografia, desenho de formas... Tudo tem vivência. O que é a vivência? É o aluno sentir, é ele internalizar para ele poder registrar. Então, depois que ele sentiu que vivenciou o que ele percebeu e como aconteceu, aí ele pode registrar no caderno da maneira dele. Assim, ele está construindo o livro didático dele. De acordo com aquilo que ele entendeu. Então, na vivência, cada um vai ter a sua maneira de entender. E cada um vai ter a sua maneira de registrar. Lógico que o professor está sempre dando um apoio, dando suporte, para que eles não fujam do foco (NÚB).

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No processo de construção e assimilação de conhecimentos, a escola

desenvolve a prática de vivência com todos os alunos para aplicar os conteúdos a

serem ministrados em sala de aula. Essas vivências contribuem para que os alunos

compreendam melhor esse conteúdo, pois vivenciaram primeiramente uma situação

concreta antes de irem para o registro.

Em sua fala a professora deixou claro que a prática da vivência está presente

nas disciplinas nas quais o aluno sente, internaliza a situação para, posteriormente,

ir para o registro, como afirma a professora NÚB. Esse registro acontece de acordo

com o entendimento de cada aluno, cada um vai registrar ou produzir à sua maneira.

Nesse caso, o professor se faz presente como mediador do processo de construção

de conhecimentos, dando apoio e orientando na construção de seu livro.

Lanz (1998, p. 96), para ressaltar a importância da vivência, pergunta:

Quantas crianças têm hoje em dia qualquer vivência relacionada, por exemplo, com a profissão do pai? O que significa para uma criança, sob esse prisma, um pai contador, advogado ou vendedor? Nada. É um indivíduo que sai de casa de manhã e volta cansado à noite. E a mãe, mesmo sendo exclusivamente dona de casa? É uma mulher que aperta botões, usando aparelhos de funcionamento incompreensível. A criança precisa de conteúdos compreensíveis.

Para suprir essa ausência de momentos de vivência que as crianças não

experimentam em suas casas, não tendo relação nenhuma com as profissões que

os pais desenvolvem diariamente, é que Lanz atribui à escola a responsabilidade

para preenchimento dessa lacuna com conteúdos compreensíveis e significativos

para o aluno, destacando que

Os alunos devem ter vivências de atividades primárias (panificação, construção de casas, forjas, jardinagem, etc.) Daí a importância que essas matérias ocupam no currículo Waldorf. Elas alargam o horizonte e enriquecem a formação do aluno, apesar de muitos a considerarem atividades obsoletas, pois “hoje, graças a Deus, tudo está automatizado” (LANZ, op. cit., p. 96).

Num determinado momento da observação do trabalho com a turma do

quarto ano, a professora preparou os alunos para uma nova modalidade de escrita:

a escrita com a caneta tinteiro. A partir desse momento os alunos passaram a

escrever com essa tecnologia da escrita. Anteriormente, só haviam escrito com lápis

de cor ou giz de cera em seus cadernos. Com o objetivo de compreender a

aplicabilidade da metodologia da professora, ao desenvolver as atividades em sala

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de aula, foi feita a seguinte pergunta: Porque somente no final do segundo semestre

do quarto ano os alunos começam a escrever com a caneta tinteiro? Obtive da

professora a seguinte explicação:

A caneta tinteiro, na realidade, não existe uma época certa para se começar no quarto ano. Isso depende da maturidade de cada turma. A minha turma eu senti maturidade neles, agora, no final do segundo semestre. Isso não significa que a turma do quarto ano do ano que vem também vai começar no final. De repente, a turma do quarto anodo ano que vem começa no primeiro semestre. Então, a questão é: Como está o amadurecimento dessas crianças? Eles estão com uma coordenação motora boa? Eles estão com paciência para escrever com a caneta tinteiro?A partir do momento que eu sinto que eles estão preparados, amadurecidos, aí que eu os preparo para utilizar a caneta tinteiro. Então, é uma questão de amadurecimento de cada turma. Geralmente não é por aluno e sim a turma (NÚB).

Em relação à caneta tinteiro a professora disse que para iniciar a fazer uso da

mesma a turma tem que apresentar uma coordenação motora bem desenvolvida e

maturidade para trabalhar com ela, porque exige cuidado e, por isso, é necessário

ter desenvolvido uma escrita com firmeza, com segurança. A professora de classe é

quem tem maior contato com os alunos, portanto, é ela quem define o dia em que

vão começar a fazer uso da caneta tinteiro. Para chegar a essa escrita a professora

desenvolveu atividades em que os alunos puderam vivenciar parte da escrita

primitiva.

Ao escreverem com a caneta tinteiro não significa que estes não vão mais

colorir os cadernos, pelo contrário, terão que construir margens bem coloridas e

expressivas, dando um aspecto apresentável aos cadernos.

Os alunos, em suas práticas, fazem uso constante de desenhos, inclusive

para demonstrar sua compreensão de determinado conteúdo, utilizando giz de cera

na maioria das vezes. Quis saber o porquê do uso apenas do giz de cera no

desenho para demonstrar compreensão sobre a leitura de um livro, de uma fábula,

de um conto, etc. Em sua fala a professora disse:

Bem! Na realidade, o giz de cera deixa a criança mais livre. Quando você deixa uma criança do quarto ano desenhar com lápis, eles vão seguindo linhas. Vão limitando a imaginação com o lápis, com giz não. O giz os deixa mais soltos. Você percebe ao fazer uma nuvem com o lápis, eles deixam a nuvem toda fechadinha... E quando é com o giz de cera fica algo mais natural, mais aberto. Então, é a questão do espaço e do limite (NÚB).

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Quanto à utilização do giz de cera ficou claro, na fala da professora, que ele

permite ao aluno maior liberdade na sua produção, isto porque não segue linhas,

pois, segundo a professora NÚB ao desenhar com lápis vão construindo seus

desenhos com linhas, limitando e construindo dentro de quadrados. Segundo a

professora, isso vai podando muito a imaginação do aluno. Ao trabalhar com o giz

de cera o aluno vai construindo sua produção de maneira mais aberta, mais natural

e sua criatividade é mais presente.

O pensamento da professora está, dessa maneira, em consonância com a

Pedagogia Waldorf.

Por ter percebido que os alunos quase não utilizavam o giz de cera da cor

preta foi perguntado à professora porque quase não utilizam o giz de cera da cor

preta.

Então, a questão da cor preta é exatamente para nós observarmos quando a criança não está bem. E nós deixamos o preto só para uma questão de detalhes de cabelos, de olhos. Se a criança não está bem ela começa a usar só a cor preta. E aí ela não quer sair daquilo. E o colorido faz que ela saia daquele estado que ela está. Então, não é aconselhável usar o preto para todos os desenhos (NÚB).

A professora disse que o giz de cera da cor preta é utilizado apenas para os

detalhes do desenho, como cabelos, olhos, e mencionou que se o aluno fizer uso

constante da cor preta ele pode não estar bem, então é o momento de observar

esse aluno.

Foi percebido, também, que durante as aulas os alunos não portavam um

livro didático como instrumento de estudo, ou de apoio para realização de atividades

a respeito dos conteúdos trabalhados. Foi perguntado para a professora porque a

Escola Livre Porto Cuiabá ou as escolas Waldorf não adotavam o livro didático, pois

entendemos que este é um material que pode ser utilizado em outros momentos,

fora do contexto da sala de aula, podendo contribuir para a complementação do

conteúdo. A professora informou que:

O livro didático é um livro preparado para todos os tipos de alunos, todos os tipos de escola. Ele não trata do individual. Então, você pega um livro didático aqui, Cereja, por exemplo. Esse livro vai ser usado por várias instituições por “n” alunos, onde não existirá uma individualidade. Então, o que nós fazemos aqui? Trazemos um conteúdo exclusivo para aquele aluno, para aquela sala. Por isso, quem constrói o livro didático são eles. E eles, então, constroem para si o livro didático. Não é algo que serve para ele, para todos os

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outros alunos quaisquer de Cuiabá, São Paulo, Campo Grande. É algo que serve para ele, ali, direcionado a ele. Então, o livro didático reprime, fica limitado (NÚB).

Podemos perceber no discurso da professora que o livro didático, para o

aluno, não é algo muito importante, pois ela se prende ao fato de que o livro pode

limitar o conhecimento, e que este não trata das especificidades do aluno ou da

turma, pois apresenta conteúdo pronto, sem considerar a necessidade de pensar e

de raciocinar.

Nesse sentido, percebemos que a professora desconsidera a importância do

livro didático, embora este contenha variedade de gêneros do discurso, que

contribuem para o ensino e aprendizagem. Analisando por outro aspecto, é possível

dizer que seu apontamento pode estar baseado na realidade de escolas públicas,

nas quais o livro é, muitas vezes, o único instrumento de aprendizagem do qual o

aluno faz uso.

Ao dizer que o livro didático reprime e limita, tanto o professor como o aluno,

inferimos que a análise da professora se baseia no ponto de vista em que o

professor apenas se prende a tal material para planejar e desenvolver suas aulas,

sem pesquisar outras fontes para complementação do conteúdo a ser ministrado.

Analisando a fala da professora por esse ângulo também consideramos como um

fator negativo a prática exclusiva do livro didático.

Ao ser perguntada se sentia falta do livro didático, deu a seguinte resposta:

Nem um pouquinho. De jeito nenhum. Na realidade sinto assim, na hora de preparar as aulas, mas dentro da sala de aula não. No decorrer da aula, não... É uma ferramenta na realidade (NÚB).

A Professora NÚB se contradiz, ao negar enfaticamente que não sente

necessidade do livro didático, para, em seguida, afirmar que sente falta na hora do

preparo das aulas, acrescentando que o livro é uma ferramenta.

A construção do caderno pelo aluno substitui o livro didático. Estes não

possuem linhas onde o aluno possa escrever num espaço delimitado para a sua

escrita. Os alunos escrevem nos cadernos sem linhas e, ao avançarem para outro

ano, sua escrita vai se posicionando melhor, com mais uniformidade, de forma

linear.

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Foi perguntado à professora porque os cadernos dos alunos não possuíam

linhas. E sua resposta foi a seguinte:

Os alunos desde muito pequenininhos precisam aprender a ter um limite. Ele começa a aprender devido ao espaço que está usando. Quando tem a linha, impede o aluno de se expressar nesse sentido. E a questão da coordenação motora também. Ele também tem que ter uma coordenação motora boa para conseguir imaginar a linha e escrever em cima daquela linha (NÚB).

Ao escrever num caderno sem linhas os alunos encontram certa dificuldade

no sentido de manter uma escrita uniforme em linha reta. Essa habilidade vai sendo

construída durante sua vida estudantil e ao chegar no 6º ano já tem construído

fortemente essa habilidade. Esse processo de escrita é visto como normal, dentro do

que prega a Pedagogia Waldorf, no sentido de respeitar esse tempo da criança.

A resposta da professora Núb nos coloca a questão do espaço como

importante. O aluno precisa perceber e ele próprio criar regras para sua escrita no

espaço da folha do caderno, obedecendo aos limites destinados às margens. Nesse

sentido, o aluno estará construindo sua autonomia.

Foi perguntado à professora se, pelo fato de o material do aluno não possuir

linhas, não dificultaria seu domínio quanto ao uso do espaço na folha do caderno.

Ela apontou a seguinte resposta:

Bem! Algumas crianças, principalmente as que vêm de fora, chegam com essa dificuldade, mas elas entram muito rápido nesse contexto, conseguem se adaptar muito rápido, até porque nós temos desenho de formas5 que ajudam muito, nessa questão. E nós temos atividades em que elas aprendem a utilizar o espaço. Elas aprendem a dividir o espaço de uma carteira; elas aprendem a dividir o espaço de um lanche. Daqui a pouco estarão aprendendo a dividir o espaço do caderno. É um trabalho que não nasce da noite para o dia (NÚB).

Os alunos demonstram domínio do espaço que os cerca por intermédio de

seus resumos e representações de desenhos de formas utilizando os elementos da

natureza, como paisagens, plantas e animais.

5 Com o desenho elementar, primitivo, o professor se dirige à criança não no sentido de uma cópia de

algo exterior, mas no sentido de vivenciar, através do desenho, um elemento qualitativo do movimento. Esse tipo de desenho que se transforma, no 5º ano, na geometria à mão livre, é chamado na Escola Waldorf de “Desenho de Formas” (RICHTER, 2002, p. 322).

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Ao vivenciar esses elementos da natureza em seus movimentos e suas

representações, usando desenho de forma, o aluno está se relacionando com o

mundo que o cerca de maneira concreta.

Durante o ano escolar a Escola Livre Porto Cuiabá realiza vários eventos

culturais que envolvem as comunidades interna e externa. Em relação aos eventos

da escola a professora pôde falar de dois, ao ser solicitada a falar sobre quais

eventos culturais a escola realiza.

Temos vários, dentre eles eu considero a festa de São João que, para nós, não é chamada festa de São João. Para nós é chamada Festa Joanina. Porque nós estamos vivendo a época de todo aquele amor de João. Época em que se acende uma fogueira para queimar tudo aquilo que foi ruim no semestre. E para começar uma nova era. E você tem a oportunidade de resgatar tudo aquilo de bom que tem em você. Ela traz para nós, além de muita fraternidade, muito amor, muita união. É considerada, dentro da escola, como um renascimento. Você queima tudo aquilo que ficou e renasce. É um fogo que queima aquilo que era ruim, mas traz com ele a luz, para que reviva tudo que há de bom em você. A Festa da Primavera é um momento mágico, principalmente, na vida da comunidade Waldorf. Na nossa Festa da Primavera, nós lutamos com alguns dragões. Que são esses dragões? Nós até temos a apresentação, durante a festa, desse dragão. Então, esse dragão vem a ser tudo aquilo que existe de ruim. Vem a ser a inveja, o ciúme. O homem ruim de hoje em dia. E existe dentro dessa festa um príncipe que derrota, que doma esse dragão. Então, esse dragão representa o mundo e esse príncipe representa as pessoas boas que estão buscando colocar qualidade de vida no mundo. E é dessa maneira que as crianças sentem essa festa da primavera. Então, ficamos todos ansiosos quando o príncipe, em um determinado momento da festa, doma o dragão, ou seja, tudo que é de ruim. O homem conseguiu vencer. Então, é uma festa espiritual e, prá mim, fantástica, todas as duas (NÚB).

A professora citou vários eventos que acontecem na escola, nos fazendo

compreendê-la como organismo vivo, cheia de realizações que contribuem com o

desenvolvimento dos alunos nos aspectos cognitivo, social e cultural. Citou a Festa

da Primavera como um momento importante por ensinar, a todos que participam, a

dominar seus dragões, que são representados por suas angústias, medos e

traumas, os quais devemos expulsar de dentro de nós.

NÚB explicou também a Festa Joanina, cujo sentido está na fraternidade, pois

é considerada como um renascimento; a fogueira queima tudo aquilo que foi ruim no

semestre, trazendo a oportunidade de recomeçar, de reviver tudo que há de bom em

você através da luz da fogueira.

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Por meio de seu discurso é possível afirmar que ela demonstra domínio e

conhecimento dos pressupostos que embasam o ensino aplicado na Escola Livre

Porto Cuiabá, assegurado pelos princípios que fundamentam a Pedagogia Waldorf.

4.3 ANÁLISES DAS PRÁTICAS DE LEITURAS

Na busca por conhecer o fazer pedagógico da professora, foi realizada

entrevista em que esta pôde expressar sua prática pedagógica sobre a leitura,

permitindo uma compreensão do seu pensamento quanto à formação do aluno leitor.

Foi perguntado à professora o que é leitura, com intuito de obter os conceitos

que ela possui. Em sua resposta disse:

Bom, eu sempre procuro passar para meus alunos algumas coisas: primeiro, que através da leitura nós podemos fazer viagens maravilhosas. E nós conseguimos fazer com que nossa imaginação cresça a cada dia mais. Então, a leitura, para mim, vem fazer com que o ser humano cresça, não para fora, mas para dentro. Ela te faz pensante. Então, a leitura é de extrema importância para cada ser humano, para que a pessoa cresça, para que a pessoa possa se transformar. A leitura transforma o leitor, o que é fundamental (NÚB).

A professora NÚB aponta questões importantes para a formação do leitor. O

conceito de leitura da professora se baseou no que frequentemente vive com seus

alunos. Associou a leitura com viagens do pensamento no ato de ler, dizendo que

com a leitura podemos realizar viagens maravilhosas. Podemos entender que viajar

nesse sentido, refere-se ao desprendimento de tudo aquilo que nos rodeia para dar

lugar à imaginação, que a leitura em determinado momento proporciona, pois isso só

é possível quando há um distanciamento do real em detrimento de uma leitura

centrada. A professora ressalta a importância da leitura, no sentido de que esta

transforma o leitor, e ajuda a crescer intelectualmente. Compreende a leitura como

algo que vai além das codificações dos signos. Para ela a leitura se constitui num

movimento de criação interior.

Fiorin (apud REZENDE, 2009, p. 45-46) ao tratar da compreensão do texto e

da prática da leitura diz que,

Se ele [o texto] é uma unidade de manifestação significa que é a manifestação de um conteúdo por um plano de expressão. Isso quer dizer que um texto não é apenas manifestado verbalmente, isto é, por meio de uma língua natural, como o inglês, o francês, o árabe, o português. Na verdade, ele pode manifestar-se visualmente, como

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uma pintura, por meio da linguagem verbal, visual e musical, como o cinema, por meio da linguagem verbal e visual como nos quadrinhos. Assim, um romance é um texto; um trecho de um romance é um texto; uma poesia é um texto, uma escultura é um texto, uma ópera é um texto.

Sant’Anna (1999, p. 13) observa “que ler é um prazer, e que a leitura

desencadeia processos conscientizadores e produtivos na comunidade”. A leitura

torna letrada a pessoa que lê, e Oliveira (2005, p. 119) complementa dizendo que “a

leitura é para o leitor oportunidade de aquisição de uma cultura geral”. Por esses

motivos a professora considera a leitura como fundamental, pois ela ajuda a pensar

mais, “tornando um ser pensante”.

Lajolo (1985, p. 59), referindo-se ao ato de ler, afirma que

Ler não é decifrar, como um jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É, a partir de um texto, ser capaz de atribuir-lhe significação, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista.

A leitura só produz sentido se a partir desta o leitor for capaz de levantar

hipóteses e fizer inferências sobre o que leu, bem como abstrair a ideia central do

texto. Oliveira (2005) argumenta que “a leitura é um trabalho da consciência do

sujeito que lê. Um leitor consciente escolhe aquilo que deseja ler, e ao desejar ler

aquilo que escolheu sua leitura tem muitas chances de tornar-se intensamente

prazerosa”.

Segundo a mesma autora, “a leitura tem como função primordial propiciar

àqueles que se apropriam dela, a compreensão da realidade humana, porque foi

produzida para suprir uma necessidade da existência” (OLIVEIRA, op. cit.).

Se, como pensa Sant’Anna (1999), a leitura “desencadeia processos

conscientizadores” e crescimento intelectual, foi lançada à professora a questão: Em

sua opinião, o quê torna uma pessoa culta? A resposta da professora foi formulada

da seguinte forma:

Para mim não é só a leitura que torna uma pessoa culta. Mas a base da cultura de uma pessoa é educação. A educação é a base da cultura. Porque a pessoa culta, ela vem desde o mais humilde. Conheço pessoas doutoras que são... Conheço pessoas como ROS (faz serviços gerais da escola) que é uma pessoa fantástica. Extremamente educada, extremamente culta. Conversa sobre

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qualquer assunto. Trata bem todo mundo. É um funcionário que sempre é homenageado por ser um homem culto. Cultura, para mim a base dela é a educação (NÚB).

A professora citou a educação como base para tornar uma pessoa culta. Núb

fez referência à pessoa humilde e sua situação social, como é o caso citado por ela,

exemplificando e comparando a situação entre pessoas doutoras, que conhece, com

um funcionário da escola que desempenha a função de serviços gerais. Pode-se

considerar que a professora, em sua fala, concebe a questão de ser culta quando a

pessoa argumenta sobre qualquer assunto possuindo domínio no uso da linguagem.

Ela compreende que ser culta perpassa por relações não apenas quanto à

aquisição de conhecimentos educacionais no âmbito escolar, mas também pelo

acúmulo de valores e bens culturais que podem ser acumulados fora desse

contexto, no seu convívio social, nas experiências passadas, de geração a geração,

por pessoas com níveis e patamares de conhecimentos diferentes, numa relação do

homem com a sua realidade.

Silva (1995, p. 12) elucida que “O ato de ler é, fundamentalmente, um ato de

conhecimento. E conhecer significa perceber mais contundentemente as forças e as

relações existentes no mundo da natureza e no mundo dos homens, explicando-as”.

A leitura, de acordo com o pensamento de Silva, “se constitui numa forma de

encontro entre o homem e a realidade social, cujo resultado é um situar-se constante

frente aos dados dessa realidade, expressos e interpretados através da linguagem”.

Não se pode negar que a escola tem um papel fundamental nesse processo

de aquisição de conhecimentos, pois a leitura amplia os horizontes do leitor,

construindo nele domínio de conhecimentos extraídos pelo ato de ler, ou seja, a

leitura dá possibilidade de ampliação dos níveis de letramento.

Com o objetivo de descobrir como a professora trabalha a leitura em sala, foi

perguntado quais objetivos devem ser propostos para as atividades de leitura. A

professora relatou da seguinte maneira:

Em minha opinião existem vários objetivos. A questão da leitura, para mim, é fazer com que a criança se descubra através da leitura. Ela precisa aprender a se descobrir para que possa gostar da leitura. Ao ler um livro tem que descobrir algo. Algo de bom deve marcá-lo. Por isso, quando lemos, perguntamos, questionamos como foi essa leitura. A criança tem que ter um ambiente de leitura. Ela tem que ter aquele momento bom da leitura. Além dessa questão de fazer a criança gostar, dela se conhecer, dela se inteirar... Outro objetivo é

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desenvolver o intelecto, porque não tem como fugir. Nós viajamos muito através da leitura (NÚB).

Ao expor, a professora NÚB deixou claras algumas intenções, ao dizer que a

criança precisa aprender a se descobrir através da leitura, para que esta tome

realmente gosto pelo ato de ler. Ficou evidente que, além de propor atividades de

leitura que permitam os alunos se reconhecer nesse contexto, existe a intenção de

despertar o gosto e inteirar-se com ela. Porém, o que mais se evidenciou como

objetivo traçado pela foi o de desenvolver o intelecto do aluno. Outro aspecto que

levantou interesse e curiosidade foi saber da professora o que seria preciso fazer

para formar um leitor crítico. A entrevistada fez os seguintes apontamentos:

Leitor crítico é aquela criança... Aquele jovem, adulto que lê e que sabe responder por aquilo que leu. Ele sabe falar sobre. Ele sabe questionar sobre. Ele sabe se inteirar sobre aquele assunto. Então, ao ler você tem que ter a liberdade de expressar sobre aquilo que você leu (NÚB).

Para NÚB o leitor crítico é aquele capaz de interagir com o que leu,

produzindo uma relação interativa sobre a realidade, contextualizando-a de forma

compreensiva e crítica.

Convém lembrar que para formar um leitor crítico se faz necessário, também,

uma proposta de leitura que possibilite desenvolver habilidades a partir do acesso à

diversidade de gêneros do discurso possibilitado pela professora em sua prática.

Uma prática de leitura em que criar e recriar possa ser um caminho para formação

do leitor crítico.

Quando pôde falar sobre quais gêneros do discurso podem contribuir para a

formação do aluno leitor, obtivemos da professora a seguinte resposta:

Ah! Eu sou muito poética! (risos) Eu gosto muito de poesia. Eu acho os contos maravilhosos. A poesia e os contos são riquíssimos para mim (NÚB).

Em sua resposta a poesia. Mediante o que foi observado em sua prática

escolar, o trabalho com poema é muito presente na sala de aula. Embora, na

realidade escolar de um modo geral, a poesia fique à margem, ela deveria ser o

lugar em que o aluno encontrasse esse gênero. Drummond (apud AVERBUCK,

1985, p. 66) aponta a atitude da escola quando não privilegia o gênero poema,

dizendo que

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a escola enche o menino de matemática, de geografia, de linguagem, sem, via de regra, fazê-lo através da poesia da matemática, da geografia, da linguagem. A escola não repara em seu ser poético, não o atende em sua capacidade de viver poeticamente o conhecimento e o mundo.

O apontamento do autor não vem criticar a aplicação dos conteúdos das

disciplinas, mas sim propor uma metodologia por meio da poesia. Falar poesia da

matemática parece amenizar a aversão que muitos têm em relação às disciplinas

escolares.

Segundo Serra (1999, p. 48-49), vários fatores podem contribuir para a

formação de leitores. Nesse sentido diz que

não basta apenas alfabetizar para formar leitores... É preciso criar uma estratégia que contemple: oportunidades de contato com textos de qualidade através de muitas bibliotecas escolares e públicas, incentivando, com apoio da mídia – televisão, rádio, jornal – a população brasileira a frequentar bibliotecas, como direito do cidadão, criando espaço para o desenvolvimento de uma cultura de bibliotecas; valorizar socialmente a leitura e a escrita informando a sua importância e ampla dimensão social; (...) Incentivar maciçamente a formação leitora e escritora dos professores, principalmente, os de ensino fundamental, colocando o tema da leitura e da escrita como básico na formação do magistério. É necessário que o professor resgate a sua identidade como uma identidade leitora.

Assim sendo, o acesso à leitura é uma questão de cidadania e a contínua

formação do professor pode contribuir substancialmente para que o aluno se torne

leitor proficiente.

Foi perguntado à professora qual a metodologia usada para explorar a leitura

de texto em sala de aula. Em sua resposta disse:

São várias, a que eu mais gosto é a dramatização, porque através da dramatização praticamente ele coloca tudo que ele viu no livro. Quando você dá a liberdade para a criança dramatizar aquilo que ela leu (...) para mim é algo fantástico, porque a criança se coloca, naquele momento, diante de tudo que ela leu e que ela compreendeu da leitura. Então, a dramatização para mim é o principal. A questão da interpretação. Depois vai para o registro no caderno. Depois da dramatização vai recontar essa história. Na dramatização estão recontando e ao recontar é outra maneira. E ao registrar no caderno como interpretou, outra maneira (NÚB).

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A professora, ao responder, disse que explora o texto em sala de aula de

várias formas. NÚB apontou a dramatização como a primeira estratégia para

explorar o texto, pois através dela o aluno consegue demonstrar a sua

compreensão. Após interpretar à sua maneira, o aluno vai recontar aquele texto,

abrindo a possibilidade de construção de um novo texto. Após o aluno ter recontado,

acontece a parte de registro no caderno. Dessa forma a professora entende que o

aluno passará por três momentos importantes de vivenciar o texto. Primeiro na

dramatização, o segundo na oralidade, ao recontar, e o terceiro na escrita. Em sua

fala, indica uma intenção voltada para o desenvolvimento da oralidade

proporcionada por intermédio do teatro, cuja importância é ressaltada por Richter

(2002, p. 378), ao afirmar que,

A peça de teatro pode ser considerada “o ponto alto” do ensino da língua materna nas escolas Waldorf. O aluno não precisa apenas desenvolver uma compreensão teórica do texto, mas tem que interpretá-lo pela fala, pela mímica e pelos gestos.

Foi perguntado à professora quais as dificuldades que os alunos apresentam

em relação à leitura:

Olha, na experiência que eu tenho com os meus alunos, como já trabalhei com oitavo, sétimo, com sexto, agora estou com quarto ano... A grande dificuldade é quando pega um livro que não está de acordo com a idade deles, dos interesses deles. Então, o aluno tem que ler aquilo que ele gosta. Aquilo que tá de encontro com a idade dele. Se você pegar um aluno do quarto ano, do quinto ano e pedir para ele ler Guimarães Rosa, por exemplo, lógico que não vai gostar. Mas se você pede para ele ler Ziraldo, é outra leitura. Aí ele se empolga. Eles contam, eles recontam. Eles querem mostrar o que leram. Então, para que o aluno goste da leitura, esta tem que ir de encontro com a idade dele (NÚB).

Ao dar sua resposta NÚB citou que a maior dificuldade é quando um livro não

condiz com a idade deles. O livro tem que despertar o interesse do aluno e priorizar

suas preferências de leitura. De acordo com a professora, quando o livro condiz com

a sua faixa etária, exemplificando os de Ziraldo, o aluno sente maior liberdade para

expor o que leu. Observar a faixa etária é importante, porém não é essencial, porque

há crianças que avançam para livros com maior complexidade de forma bastante

tranquila. O problema está quando somente o professor faz as escolhas que julga

“apropriadas” à idade, sem levar em consideração que os alunos podem escolher.

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Foi solicitado à educadora como a escola propõe metodologias para os

alunos que apresentam dificuldades de leitura e escrita. Em suas respostas, a

professora apontou as seguintes intervenções, como podemos ver em sua fala:

...tenho alunos que têm problemas com leitura e escrita. Primeiramente, uma dedicação diferenciada a esses alunos. Aula de reforço e, dependendo do contexto, encaminhamos para a psicóloga da escola. A psicóloga vai ver se precisa de fonoaudiólogo, uma psicopedagoga... Fora disso, nós temos atividades para a criança desenvolver. Para que possa melhorar a leitura e a escrita, eu gosto muito de trabalhar com desenhos de formas, com argila também, porque a argila trás o aluno para a terra, para o concreto... Eu fiz essa experiência e deu um resultado muito bom. Tem criança que não tem coordenação. Essa criança tem que pular muita corda... Andar descalça... Subir muito em árvore. O desenho de formas, então, eu trabalho de várias maneiras, por exemplo: eu risco uma forma no chão e a criança anda em cima dessa forma. Depois a criança faz essa forma no chão com giz. Ela faz na areia... faz na argila... faz na lousinha. Aí ela vai para o caderno de formas. É uma terapia, na realidade (NÚB).

A professora NÚB relatou que as crianças com dificuldades de leitura e

escrita passam por aula de reforço com acompanhamento diferenciado. Caso seja

necessário essa criança é encaminhada para uma psicóloga, a qual analisa o caso

do aluno. Dependendo da necessidade, contará com uma psicopedagoga ou

fonoaudióloga. Enumerou várias atividades concretas que desenvolveu e

desenvolve com os alunos com dificuldades de aprendizagem, tais como: argila,

pular cordas, andar descalço, etc. Citou, ainda, que realiza o desenho de formas

com as crianças com dificuldades.

Richter (2002, p. 323) reforça o que a professora disse quanto ao desenho de

formas como terapia, acrescentando que “o desenho de formas oferece a essas

crianças uma série de ajudas e possibilidades terapêuticas”.

Foi perguntado como ela avalia o nível de leitura e escrita do quarto ano; ela

respondeu:

Eu gosto. Eu acho um nível bom. Eles agora estão no segundo semestre, amadureceram mais. E eu vejo que eles estão ávidos à leitura e à escrita nesse momento. Eu conto a história. Geralmente são contos de fadas, ou fábulas (NÚB).

A professora NÚB disse considerar muito bom o nível de leitura da turma. Em

outro momento, em sua fala, chegou a dizer que os alunos demonstraram gosto e

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interesse pela leitura, pois suas práticas são vistas e analisadas até mesmo fora

contexto da sala de aula.

Ao trabalhar com os contos de fadas é possível dizer que a professora tem

ciência da importância deste gênero, tanto para a criança como para o adulto, pois

este é considerado, no bojo da literatura infantil, como enriquecedor no processo de

desenvolvimento. Embora tenham sido criados fora do contexto das condições

sociais modernas estes possibilitam compreensão e criar soluções para as

dificuldades que possam surgir, independente de qualquer sociedade que se

apresenta.

Bettelheim (2007, p. 28) afirma que “os contos de fadas enriquecem a vida da

criança e lhe dão uma dimensão encantada exatamente porque ela não sabe

absolutamente como as histórias levaram a cabo seu encantamento sobre ela”.

Ainda reforçando o caráter enriquecedor dos contos de fadas, Bettelheim

afirma que

Os contos de fadas têm um valor inigualável, conquanto oferecem novas dimensões à imaginação da criança que ela seria incapaz de descobrir por si só de modo tão verdadeiro. Mais importante ainda: sua forma e estrutura sugerem à criança imagens com as quais ela pode estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua vida (BETTELHEIM, op. cit., p. 14).

Ao trabalhar as fábulas, os contos de fadas, a professora consegue associar

suas aulas com a literatura infantil, tornando-as mais prazerosas para a criança,

podendo despertar mais interesse e participação dos alunos.

Finalizando este bloco, foi perguntado à professora se conhece o termo

letramento. Em sua fala deu a seguinte resposta:

Sim. Inclusive, como eu fiz letras, eu acompanhei muito essa questão do letramento. Tive vários teóricos que trabalhavam o letramento. Tenho várias apostilas, vários materiais, mas o nome, não (NÚB).

A professora NÚB disse conhecer o termo letramento e em sua prática de

sala de aula apresentou diversas práticas de letramento, em que assumiu sempre

uma postura consciente a respeito da necessidade de mediar conhecimento por

meio de vivências em sala de aula. Isso nos permite dizer que em suas aulas há

constantes situações de letramento, em que buscou fascinação, encantamento e,

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acima de tudo, despertou o imaginário dos alunos, instigando-os sempre a se

posicionar a respeito do que foi vivido, vivenciado ou lido em sala de aula.

Em sua análise do poema “O que é letramento”, Soares (2000, p. 44) afirma

que “letramento é muito mais que alfabetização”.

Comparando alfabetização e letramento Soares (op. cit., p. 47) diz ainda que:

Alfabetizar e letrar são duas coisas distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado.

Leitura e escrita no contexto das práticas sociais, de acordo com Soares

(ibid.), é entendido como tudo aquilo que o indivíduo é capaz de realizar em seu

convívio social, em que utiliza materiais que o deixem em contato direto com a

leitura e a escrita. Esse contato pode acontecer tanto dentro como fora do espaço

escolar, compreendido como letramento escolar e letramento social.

Finalizando esse bloco, percebemos que a professora concebe a leitura como

importante aquisição, que possibilita o crescimento do indivíduo em seus aspectos

cultural e intelectual, produzida pelas trocas de conhecimentos, bem como a

socialização de saberes proporcionados por ela.

4.4 AS OBSERVAÇÕES EM SALA DE AULA

A seguir analisaremos as práticas pedagógicas da professora que ministra

aula para a turma do 4º ano, relacionadas à leitura e literatura infantil.

Como já havia me apresentado à escola e estava participando de encontros

com a diretora, com quem tive informações sobre a estrutura organizacional da

escola, a professora já me conhecia por ter me visto pelos corredores, secretaria,

etc. Portanto, me apresentei à professora e aos alunos, explicitando o que pretendia.

4.4.1 As Aulas da Professora NÚB

Aula 01 Data: 02/09/2010 Alunos presentes: 22

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A aula teve início às 14:15h (quatorze horas e quinze minutos), no período

vespertino. Nesse dia os alunos já haviam tido aula no período matutino. A

professora NÚB se dirigiu à sala, reforçando a eles o motivo de minha presença ali.

Em seguida, convidou os alunos para um momento denominado de vivência.

A professora colocou os alunos em círculo, de pé e bem à vontade. Explicou

que estamos na primavera e que há expectativa da primeira chuva, para tudo ficar

verdinho. Solicitou então que todos fechassem os olhos e prestassem bastante

atenção. Quando todos se encontravam com os olhos fechados e em silêncio a

professora começou: “Eu sou a semente”. A professora declamou o texto “O

Jardineiro”, lentamente, encenando e dizendo que tinha sementes de todas as

espécies para deixar o jardim mais bonito, mas isso só irá acontecer quando eu

semente crescer, der flores e frutos, iniciando a primavera.

Todos os alunos ficaram observando a fala da professora e vivenciando, de

modo que todos se sentiram semente.

De olhos fechados e sentados no chão, se levantaram aos poucos, tomando

características da semente que ia crescendo, crescendo, brotando folhas. A cada

fala da professora os alunos criaram gestos e movimentos de uma planta.

A dinâmica fez com que os alunos se sentissem o sol, em sua imaginação.

Fez perceber a diversidade de bichinhos que pousavam nas árvores, nas plantas do

jardim que o jardineiro plantou. Elas se sentiram lagartos, joaninhas, borboletas, etc.,

e até perceberam um menino que passeava pelo jardim. Quando se tornaram uma

frondosa árvore se sentiram úteis, pois puderam oferecer várias coisas às pessoas.

A árvore mais bonita é a dos frutos mais saborosos.

Cada um escolheu ser uma árvore e representou aquela que imaginou ser

durante o momento da vivência. Em seguida, a professora distribuiu uma folha de

papel e, enquanto distribuía, cantou uma música em tom bem suave. Os alunos

acompanharam entoando junto. Voltaram para seus lugares em silêncio, quando a

professora começou a cantar uma música, pois elas já sabiam que era o momento

de retornarem aos seus lugares. Todos voltaram aos seus lugares. A história

contada pela professora inspirou os alunos a desenhá-la. Nesse momento

apresentaram boa interação. Falaram baixo, de modo que não atrapalhasse o

coletivo da sala de aula. Enquanto os alunos desenhavam, a professora foi

providenciando o espaço no varal, onde seriam expostas as produções. Ao contar a

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história da vivência a professora apresentou com entonação de voz, de modo que os

alunos se sentiram num clima harmonioso.

Os alunos demonstraram sua compreensão produzindo textos, seja por meio

de desenho ou escrita. A professora incentivou a produção, pedindo a uma aluna

que levasse seu trabalho para lhe mostrar e disse: “Você é capaz de melhorar sua

produção.” A professora perguntou: “Como você descreveria o que retratou nessa

produção?”

Antes que a aluna pudesse responder, a professora a orientou a melhorar,

dando sugestões. Durante a produção, um aluno, ao terminar, apareceu com um

livro: “Borboleta Branca com Cheiro de Cravo”, de autoria de Paulinho Pedro Azul,

ilustrado por Ana Raquel, e ficou lendo. Ele o pegou numa caixa que fica na sala de

aula e permaneceu com o livro até que terminasse de lê-lo.

A professora observou as produções dos alunos passando de carteira por

carteira e, ao ser solicitada, atendeu, orientando-os.

Figura 16 - Crianças produzindo através de desenhos Fonte: VIANA, C. A. (2010).

O aluno HEN disse: “Professora, eu desenhei uma árvore, só uma árvore bem

no meio do deserto”.

A professora olhou e falou: “Muito bem sua árvore é realmente especial. Pois

uma única árvore no meio do deserto só pode ser especial”. Ele acrescentou: “Ela

produziu uma sombra enorme”.

A prática de cantar da professora NÚB é uma estratégia que utiliza no sentido

de manter o controle e disciplina dos alunos. Dessa forma, a professora consegue

manter a ordem e os alunos entendem o que ela quer, e, portanto, há um aspecto

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positivo, o de estabelecer o equilíbrio sem que esta precise se alterar para que os

alunos produzam silêncio.

Após o intervalo foi retomada a atividade da árvore e cada aluno falou da

árvore escolhida. Foi montada uma exposição da produção dos alunos e todos

falaram de suas árvores. Muitos citaram o Ipê, uma árvore de grande porte, onde

todos podem fazer piquenique e brincar, ainda apreciar suas flores que são muito

bonitas. A aluna GAB disse ter escolhido a macieira. Ela a descreveu como uma

árvore bastante colorida, já PED afirmou que sua árvore era colorida também:

“Desenhei uma árvore no meio de uma savana africana. A árvore solta seus frutos.

É uma acácia medicinal que solta seus frutos”.

A professora ouviu cada aluno, demonstrando gostar daquilo que ouvia. Foi

muito positivo a professora escutar cada aluno expondo sobre sua árvore,

descrevendo à sua maneira. Oportunizar ao aluno expor sua ideia, seu pensamento,

através da fala, por meio da oralidade, constitui importante fator para o domínio da

linguagem. De acordo com Moreira (1999, p. 114), “a fala é extremamente

importante no desenvolvimento da linguagem. (...) um marco fundamental no

desenvolvimento da criança”.

Dentre as árvores citadas pelos alunos os nomes que mais apareceram

foram: macieira, ipê, cacau, mangueira, árvores que dão sombra. Quando todos

falaram sobre sua árvore para o coletivo da sala, a professora pediu que se

organizassem em duplas para falar tudo sobre sua árvore ao colega. Orientou os

alunos, dizendo que estas deveriam falar das qualidades de sua árvore, o que ela

produz, quais suas características e como gostariam que fossem cuidadas.

Enquanto os alunos conversavam, a professora organizou pedaços de papel

e distribuiu para cada um. Em seguida, pediu que registrassem aquilo que

conversaram e como gostariam de serem cuidados como árvore e de que maneira

isso poderia ser representado por meio da escrita.

De acordo com Silva (1984, p. 38-39), “As experiências de leituras, além de

facilitarem o posicionamento do ser humano numa condição especial são ainda, as

grandes fontes de energia que impulsionam a descoberta, a elaboração e difusão do

conhecimento”.

Na prática a professora realizou atividades que desenvolvem a oralidade dos

alunos e atividades de leitura e escrita no momento do registro da conversa em

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duplas. Antes de finalizar a aula passou uma tarefa: uma produção de texto a partir

da história que ouviram sobre a semente, sobre o jardineiro.

Aula 02 Data: 08/09/2010 Alunos presentes: 22

Os alunos chegaram e se posicionaram na entrada da sala de aula e

aguardaram a professora, uns colocaram seus materiais no chão, formando uma fila,

respeitando uma ordem de chegada.

Figura 17 - Os alunos aguardando o momento de entrada Fonte: VIANA, C. A. (2010).

A aula se iniciou às 07:15h (sete horas e quinze minutos). A professora levou

os alunos ao pátio, para o momento denominado ritmo. Todos recitaram o “Verso da

Manhã”.

Na atividade com ritmo cantaram três cantigas de roda e, ao finalizarem,

retornaram à sala de aula. No retorno convidou os alunos para declamarem o poema

de boletim, em que foram apresentados os poemas de três grupos, os de segunda,

terça e quarta feira.

Os alunos foram até a frente e cada um declamou sua parte; ao final

saudaram a todos, dizendo “bom dia”. Quando todos já haviam apresentado, a

professora solicitou que fizessem uma retrospectiva da aula anterior, possibilitando

que expusessem sua opinião. Os alunos falaram do momento que eles se sentiram

semente, quando a professora relatava sobre o jardineiro. A participação dos alunos

durante a exposição aconteceu de forma ordenada e, quando se fazia necessário, a

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professora auxiliava, no sentido de coordenar a organização nos momentos de

relatos.

Dessa forma, a professora nesse momento tinha presente a avaliação, pois a

mesma ia orientando ou chamando atenção quando as crianças em suas falas

cometiam erros de pronúncia ou de concordância. A avaliação, nesse sentido, é

vista por Perrenoud (1999, p. 11) como avaliação a serviço da aprendizagem, em

que esta não está associada à prática avaliativa, em que “os alunos são comparados

e depois classificados”. A participação dos alunos e a interação que aconteceu entre

eles e a professora contribuiu para que seus relatos fossem produzidos com mais

significado e clareza.

A aluna RAI disse: “Quando estamos alegres, transmitimos muito aos outros

essa alegria”. A professora complementou: “Quando sentimos sementes

descuidadas, sentimos muitas vezes indefesas. E precisamos de alguém para cuidar

de nós. Muitos cuidam: os pais os amigos, tios, tias e Deus. Você já se sentiu

semente? E quem já se sentiu jardineiro? Aquele que cuida?”

Após o momento de boletim a professora anunciou outro momento do dia

escolar. Solicitou que os alunos pegassem seu caderno de rascunho com a tarefa de

casa. A tarefa era uma produção de texto a respeito da aula anterior. Apenas dois

alunos não haviam realizado a tarefa. Um aluno disse não ter feito porque estava

passando o seu caderno a limpo, e o caderno era mais importante que a tarefa, não

dando muita importância à produção de texto solicitada pela professora.

A professora pediu que lessem a tarefa sobre a semente e o jardineiro, a qual

estava relacionada ao momento de vivência dia 02/09/10.

O aluno HEN fez o texto e decorou. Quando a professora solicitou que lesse,

proferiu o texto sem olhar no caderno. Ela perguntou: “Os alunos que não fizeram,

não fizeram por que não entenderam?” Ninguém respondeu.

Após a leitura da tarefa a recolheu os cadernos de rascunho para corrigi-los.

Depois de corrigidos, os alunos tiveram que refazer nos cadernos de português.

Essa prática da professora, de fazer a correção e depois o aluno refazer no seu

caderno, se caracteriza como uma avaliação contínua que acontece no processo.

Numa outra atividade, em dupla, solicitou que observassem tudo o que

houvesse lá fora: árvore, flor, fruto, fonte. Ela disse: “Cada um vai observar algo, p.

ex: pedra e sol, e criar um diálogo com o que foi observado”. Cada aluno pôde

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escolher o que observar e criou um diálogo. Ela estipulou cinco minutos para que

todos observassem e criassem o diálogo. Os alunos escreveram nos cadernos sem

linhas, utilizando lápis de cor, lápis de escrever e giz de cera.

Em sala de aula, após retornarem, a professora chamou as duplas e

perguntou o que eles haviam observado e anotou o que cada dupla ia dizendo.

Falaram o que haviam observado, apenas mencionando a grama, tijolo, sol, etc. A

professora disse: “O mais importante é o jardineiro porque, tendo o jardineiro,

nascerá um jardim”. Pediu para a dupla MAR e BEA falar. MAR, enquanto peixe,

que conversassem com amigos para não sujar a água.

Dois alunos preferiram apresentar para outros. HEN e JOA demonstraram

bastante desenvoltura na oralidade, ao apresentarem para todos o que eles

conseguiram realizar em cinco minutos.

Figura 18 - Apresentação do diálogo Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Na sala a professora solicitou que as duplas se sentassem juntas, para

escreverem o diálogo em seu caderno de rascunho. Lembrou que no diálogo se

precisa prestar atenção nos sinais que o mesmo exige. Assim, ela trabalhou a

pontuação do diálogo, construída no texto pelos alunos. Nessa perspectiva, em que

o aluno cria seu próprio diálogo, a professora valorizou o ensino da linguagem

produzida pelos alunos, tornando a aprendizagem significativa para eles.

De acordo com Moreira (1999, p. 153), Ausubel define aprendizagem

significativa como “um processo por meio do qual uma nova informação relaciona-se

com um aspecto especificamente relevante da estrutura de conhecimento do

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individuo”. Este autor diz, ainda, que “a aprendizagem significativa ocorre quando a

nova informação ancora-se em conceitos ou proposições relevantes, preexistentes

na estrutura cognitiva do aprendiz”.

Sempre que foi oportuno, a professora procurou ensinar as normas da Língua

Portuguesa, ao chamar a atenção para os sinais que o diálogo exige: “Observem a

margem, construam a margem para dar importância e significação ao texto”. E, para

poder despertar o interesse e participação de todos, fez a seguinte comparação: “O

texto é como um bolo de chocolate. Nele temos a cobertura, o recheio e a parte

debaixo do bolo”.

A professora percorreu a sala, observando e incentivando os alunos a

produzirem o diálogo daquilo que observaram lá fora. Permitiu que as duplas

lessem o que haviam feito e, após, recolhia os cadernos de rascunho.

Logo em seguida, pegou um cesto com livros, pôs sobre a mesa e pediu que

cada aluno escolhesse um. A professora falou: “Escolham o livro que mais lhes

desperta interesse nesse momento. Crianças, peguem o livro e sentem em seus

lugares”.

Figura 19 - A escolha do livro Fonte: VIANA, C. A. (2010).

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Figura 20 - Cesto com livros Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Os alunos escolheram os livros e procuraram seus lugares para fazerem a

leitura silenciosa do livro. O aluno PED foi o único aluno a não escolher o livro, mas,

ao perceber que o mesmo não estava realizando leitura silenciosa, a professora

perguntou: “PED, cadê o livro? Porque ainda não está lendo”? Ordenou, então, ao

aluno: “Escolha imediatamente um livro e comece a leitura”. Sem demora o aluno

escolheu o livro e começou a lê-lo. Dentre os livros postos à escolha, os alunos

optaram pelos seguintes: A Menina Danadinha de Pedro Bandeira/Osnei Rocha; A

Bela Adormecida no Bosque, de Tatiana Belinky; Aprendiz de Feiticeiro, de Walt

Disney; O Flautista Mágico, de Rubem Alves; Fogo no Céu, de Mary França e

Eliardo França; A Galinha Choca, de Mary França e Eliardo França; Boas Maneiras,

sem autoria. Após todos terem realizado a leitura do livro, a professora pediu para

que se sentassem no chão e pudessem socializar sua leitura.

Figura 21 - Momento de socialização da leitura Fonte: VIANA, C. A. (2010).

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131

A professora solicitou que falassem sobre o livro. Eles apresentaram o

assunto, porém deixaram de mencionar o autor do livro. Alguns citaram o título, mas

não exploraram autores e ilustradores, etc.

NÚB ouviu atentamente a todos e não perguntou sobre o título, autor do livro,

ilustrador, mas ateve-se unicamente ao relato do conteúdo do livro pelos alunos.

Uma aluna que não dominava a leitura, não falou sobre o livro que escolheu,

porque a professora não solicitou que o fizesse. O fato dela não dominar

completamente o sistema de leitura e escrita, não a impossibilitaria de falar, mostrar

o livro ou até falar o que havia entendido na leitura realizada em conjunto com a

professora. Pois a mesma realizara a leitura com o auxílio dela.

Nesse caso, Russo e Vian (1997, p. 34) explicitam que “a criança precisa

entender a função social da escrita e a importância da linguagem oral e se sentir

livre para comunicar pela escrita e pela fala: seu texto não existe para ser corrigido,

mas para ser lido e entendido”.

Aula 03 Data: 27/09/2010 Alunos presentes: 20

Dado o sinal, todos os alunos foram para o pátio. No momento de ritmo

realizaram diversas atividades com música de roda, em que cantaram, dançaram,

etc. Uma das músicas que fizeram parte do momento do ritmo nesse dia foi: “Eu vim,

eu vim, eu vim. Eu vim de lá prá cá. Eu sou. Eu sou, eu sou, eu sou de Cuiabá”.

Demonstrando, dessa maneira, o valor das produções regionais como forma de

valorizar a herança cultural do povo cuiabano.

Percebemos que a escola desenvolve com os alunos atividades com as

linguagens verbal, plástica, corporal, musical, como formas de expressar seus

sentimentos, desejos, etc.

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Figura 22 - Momento do ritmo Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Ao retornarem para a sala de aula a professora de classe propôs a todos que

escolhessem um livro de literatura infantil dos cestos.

Figura 23 - A escolha do livro Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Depois que todos haviam escolhido ela explicou: “Primeiramente vocês vão

ler o livro, depois de lido vão escolher 10 palavras que vocês acharam mais

interessantes do livro, que produzem um significado para você. Em segundo, vão

escolher 5 frases que mais lhes chamaram a atenção e explicar porque”. Enquanto

os alunos realizavam a leitura, circulou pela sala de aula, observando a realização

da mesma. Num dado momento, sentou-se junto à aluna que apresenta dificuldade

de leitura e de escrita e foi auxiliando-a na leitura e na escrita das palavras que a

aluna escolhera. Fui informado pela professora que a aluna participa de aulas no

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período vespertino, em que o atendimento é individualizado. Essa aluna é nova na

escola, sendo este o primeiro ano em que frequenta a Escola Livre Porto Cuiabá.

Diante das dificuldades do aluno o papel do professor é:

Colocar-se junto ao aluno, problematizando o mundo real e imaginário, contribuindo para que possa compreendê-lo e reinventá-lo, crescendo e aprendendo junto com o aluno, assumindo o papel de investigador, pesquisador, orientador e coordenador do processo de ensino e aprendizagem, o aluno como um ser que pensa diferente, respeitando a sua individualidade (CUIABÁ/SME, 1999, p. 40).

Nesse sentido, a professora NUB assume o papel de mediadora do

conhecimento da aluna, ajudando a resolver suas dificuldades de leitura e escrita.

Esse atendimento individualizado revela comprometimento em relação ao

desenvolvimento da sua aprendizagem.

Ao término da aula, ela reforçou: “Tragam figuras de animais para que

possam montar painéis sobre os animais. Contou uma história e pediu que

prestassem bastante atenção, pois iriam dramatizá-la, sendo necessário focar nas

falas e no enredo. A professora começou: “A Corsa e a Raposa”. “Quem conhece ou

sabe o que é uma corsa”? Os alunos deram definições contrárias ao que seria uma

corsa. Eles foram falando: “é um pássaro, um animal parecido com cachorro”. A

professora disse: “É um bicho igual a um veadinho, só que tem muitos chifres”.

Explicou o que é a corsa e começou a contar a fábula. Foi explicando

minuciosamente a história com todos seus detalhes. Os alunos ficaram quietinhos,

prestando atenção. A entonação de voz da professora facilitou a compreensão da

mesma. Depois de ter contado a fábula, perguntou se alguém poderia recontar a

fábula que ouvira. JOA narrou a fábula com fluência e domínio, demonstrando

habilidade de raciocínio e organização das ideias, demonstrando capacidade de

análise e síntese.

A professora interrompeu e pediu que outro aluno desse continuidade ao

relato da fábula e, assim, procedeu de modo que vários alunos foram dando

sequência aos fatos. NÚB perguntou se alguma parte da história fora deixada de ser

mencionada por alguém, ficando fora do relato coletivo. JOA imediatamente disse:

“Faltaram sim, várias partes não foram ditas, professora”. E foi relatando o que havia

faltado conforme seu entendimento.

A professora então perguntou: “Se vocês fossem dar um final para a história,

que final dariam? Quem quer dar um final diferente do que foi exposto pela

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professora”? Vários alunos propuseram um final. Nos finais propostos pelos alunos

quase sempre apareceu algo bom para ambos os animais, inclusive propondo que

tanto caçadores como animais pudessem se tornar amigos, como acontece nos

contos de fada. Dessa maneira, houve interação e quase todos puderam falar e

expor sua opinião. Apenas três alunos não se posicionaram.

Na observação foi possível perceber que o gênero fábula, trabalhado pela

professora, despertou muito interesse nos alunos, pois ela procurou prender a

atenção, dando ênfase às falas dos personagens. Foi notável que as aulas de leitura

propostas por ela contribuíram muito, facilitando a produção de seus próprios textos.

Os três alunos que deixaram de falar, a professora os instigou, fazendo-os

refletir e buscar um final para a história que ouviram. De acordo com Bakhtin (2006,

p. 127), “A verdadeira substância da língua é constituída pelo fenômeno social da

interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação

verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.”

Nesse processo interativo percebeu-se, com bastante clareza, que a prática

da professora ajuda a desenvolver a habilidade de uso da língua, ao expressar e

formular idéias, garantindo compreensão daquilo que o outro verbaliza. Jobim e

Souza (1994, p. 109) argumenta a esse respeito, dizendo que “a cada palavra do

outro fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica.

Quanto mais numerosas e substanciais forem nossas réplicas, mais profunda e real

é a nossa compreensão.”

No final da aula, a professora pediu que acumulassem ideias em suas mentes

para trabalharem na próxima aula.

Aula 05 Data: 04/10/2010 Alunos presentes: 21

Nesse dia o professor de música se apresentou aos alunos e os convidou

para o momento coletivo do ritmo. Após esse momento, ao retornarem para a sala

de aula, a professora de classe anunciou: “Vai começar uma nova etapa. Vocês hoje

vão começar a escrever com a caneta tinteiro”. Mostrou um quadro, exposto na

parede da sala de aula, no qual havia um senhor escrevendo com a caneta tinteiro.

Destacou a importância da leitura e da escrita para se tornar um intelectual. E falou

da paciência, da curiosidade, do carinho para desenhar a letra. A caneta tinteiro

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pega o ritmo de quem a utiliza. Ressaltou que: “A caneta tinteiro necessita de

cuidados, pois tem caneta tinteiro que tem de injetar tinta dentro dela com seringa”.

Os alunos ficaram eufóricos com a expectativa de escrita, quando a

professora disse: “Vamos fazer a experiência com a argila, com a pena, com lápis

grafite e, posteriormente, com a caneta tinteiro”. Explicou que a função da folha fina

no caderno de português é justamente para proteger até a tinta secar. Não havendo

necessidade de rabiscar. Alertou a todos dizendo: “Se errar, paciência. Os escribas

também erravam. Então, quando errar, não rabiscar, por favor”. Um aluno

perguntou: “Professora, se eu errar com a caneta tinteiro, o que devo fazer”? A

professora respondeu: “Se errar é para colocar dentro da casinha, mostrando os

parênteses, por exemplo, (A)”. Ela se refere à casinha para significar parênteses.

Noutro momento falou a todos que iam iniciar o processo de escrita com a

argila e escrevendo com gravetos. Os alunos receberam argila, prepararam para a

escrita com gravetos. Ela solicitou que os alunos fossem até o pátio procurar

pedaços de gravetos, para então escreverem e poderem vivenciar esse momento da

escrita. A professora lembrou a escrita cuneiforme.

Figura 24 - Procurando gravetos para escrever Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Alguns alunos usaram sua criatividade para escrever, fazendo primeiramente

a margem, utilizando o pedaço de graveto. Trabalharam com a argila para

representar a escrita cuneiforme, como primeiro momento de preparação para início

da escrita com a caneta tinteiro.

.

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Figura 25 - Vários escritos na argila Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Na argila os alunos escreveram, entre outras coisas: o nome da professora;

Bem vindos; O rato roeu a roupa do rei de Roma; João Gabriel; Paz; Felicidade; Eu

amo minha família; papai eu te amo; mamãe eu te amo - partindo do interesse dos

próprios alunos. A professora, no momento da escrita, orientou-os quanto à

ortografia, para que não escrevessem faltando letras. Percebemos uma

preocupação com a escrita do aluno, no sentido de ser apresentada sem erros

ortográficos, até porque, segundo Russo e Vian (1997, p. 45) esta “ocorre

paralelamente à capacidade de criação e se desenvolve de modo gradativo”.

Em seguida, convidou os alunos para recitarem o poema. Nesse momento

todos ficaram de pé, alguns alunos conversando. O aluno ERI, percebendo que

alguns alunos não estavam num clima para fazer o agradecimento, começou a

cantar bem suave: “Deixa a luz do sol entrar. Deixa luz do sol entrar. Abra bem as

portas do seu coração, e deixa a luz do sol entrar”. Ao ouvir o colega cantando,

entenderam que aquele ato do colega era uma chamada de atenção e foram ficando

quietos, e todos os que estavam conversando se calaram, fazendo o agradecimento.

Aula 06 Data: 5/10/2010 Alunos presentes: 21

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Após ter dado o sinal para o início das atividades, os alunos, juntamente com

a professora de classe, entraram para sala de aula. O aluno LUC pegou um livro,

sentou-se e começou a ler. O aluno LUI contou à professora que sua mãe havia

comprado um livro que se chamava: Comer, Amar e Rezar. A professora perguntou

se ele já havia lido. Se não havia lido era para ler e depois contar a ela do que trata

o livro. O aluno fez sinal de positivo, concordando com o que a professora lhe

propusera. NÚB convidou a todos para o momento do ritmo. Foi apresentado o

“Verso da Manhã”, que fala do amanhecer do dia. Após, foi apresentada a parlenda

“Meu Galo”. Todos cantaram, fazendo gestos que representavam a situação do galo

quando quebrava partes de seu corpo. Foi apresentado o poema “Rápido como um

Gafanhoto”, de Andrey Wood, ilustrado por Don Wood. Este poema está relacionado

ao que estão estudando sobre o tema animais. Na apresentação, o poema foi

dividido da seguinte maneira: em círculo, as meninas declamaram uma estrofe e os

meninos, outra. Quando era a vez do grupo declamar, davam um passo para dentro

do círculo.

Após o ritmo, todos retornaram para a sala de aula. A professora os lembrou

da aula anterior, em que todos tiveram a oportunidade de escrever na argila.

Lembrou, ainda, que na argila alguns demonstraram dificuldade, tanto no manuseio

do graveto como em certas palavras, apresentando erros na ortografia, mas

percebeu que, mesmo assim, gostaram da experiência que vivenciaram.

Em seguida, mostrou e explicou para os alunos que as pessoas escreviam

com pena de aves. E realizou a experiência com os alunos, de escrever com a pena

de pássaro.

Figura 26 - Apresentação da pena de pássaros Fonte: VIANA, C. A. (2010).

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Ela mostrou a pena de uma arara para os alunos e, depois, entregou uma

pena de ave a cada um. Os alunos experimentaram a escrita com a pena de

pássaro, mas estavam mesmo ansiosos para utilizar a caneta tinteiro.

Figura 27 - Cada aluno recebe uma pena de pássaro Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Posteriormente, distribuiu um vidro com tinta, para que os alunos molhassem

a pena e escrevessem no papel, experimentando como os povos antigos escreviam.

Os alunos escreveram seus nomes, com muitas expectativas, embora não

obtivessem muito êxito. A professora perguntou se as crianças encontraram

dificuldades ao escrever com a pena e os alunos acenaram que sim, porque muitos

borraram e sujaram a mesa. Então, ela disse: “Agora imaginem vocês o quanto era

difícil para os escribas, que tinham que escrever livros inteiros com pena”. A

professora perguntou: “Qual experiência vocês mais gostaram”? Os alunos

procuraram responder de acordo com o que cada um vivenciou naquele momento

tão importante e cheio de expectativa: “Eu gostei mais do bambu, porque a pena, ela

pega mais tinta e torna mais difícil” - ERI; “A pena e o bambu são ótimos, só que tem

que ter cuidado, porque o bambu pega menos tinta” - PED; “Do bambu” - KEN;

“Gostei mais do bambu, porque achei mais fácil com ele” - GAB.

Após o relato sobre as experiências vivenciadas, a professora disse: “Agora

vamos experimentar escrever com a caneta tinteiro”. Ordenou que todos pegassem

sua caneta tinteiro e explicou que umas iam soltar tinta e outras não, por isso teriam

que tratar dela com carinho. NÚB vivenciou a ansiedade dos alunos por estar,

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naquele momento, iniciando uma nova etapa, a transição na escrita, saindo da

prática do uso do lápis de cor para a caneta tinteiro. Enquanto a professora distribuía

as folhas para os alunos, entoou bem baixinho a música: “Deixa a luz do sol entrar,

deixa a luz do sol entrar...” Solicitou que antes de escrever com a caneta tinteiro

todos iriam escrever primeiro com o lápis grafite.

Figura 28 - Primeira escrita com a caneta tinteiro Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Todos participaram ativamente dessa atividade, que deu início a uma nova

fase na vida estudantil dos alunos. Então, a professora solicitou que, ao terminar,

pegassem o livro “Luas e Luas”, de James Thurber, com ilustração de Marc Simont,

para que todos fizessem a leitura do mesmo. O aluno GAB, ao terminar a leitura

pegou o livro “O Segredo da Onça Pintada”, de Adeilsom Salles, com ilustrações de

Lourival Bandeira de Melo Neto.

A aluna que apresentava dificuldade de leitura e escrita se aproximou da

professora para pedir auxílio no momento da leitura do livro. Ao término, NÚB pediu

que ela contasse com suas palavras o que havia entendido. A aluna relatou

timidamente o que havia entendido, mas sempre com a intervenção da professora,

na tentativa de conseguir tirar algo mais da aluna.

Nas atividades realizadas em sala de aula, sempre que a aluna necessitou, se

aproximou da professora e esta ajudou na busca da construção dessas habilidades

que lhe faltam.

Às 09:00h (nove horas) foi servido o lanche e após o lanche foram para o

recreio, finalizando a aula.

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Aula 07 Data: 06/10/2010 Alunos presentes: 21

Após ter dado o sinal de entrada, realizou o momento do ritmo no pátio,

iniciando com o poema: “Verso da Manhã”, escrito por Rudolf Steiner, com versão

para o português de Ruth Salles. A seguir, realizou com aos alunos a leitura do

trava-língua: “Pato tem pena e voa”. Após o momento do ritmo, as crianças

declamaram seu poema de boletim na sala de aula. Em seguida, a professora pediu

que os alunos afastassem as mesinhas e se pusessem em círculo, sentados no

chão, para socializar a leitura do livro “Luas e Luas”. Esse livro as crianças haviam

levado para casa, durante a semana, para lerem.

NÚB começou dizendo: “Esse é o momento da socialização da leitura, esse é

o momento de recontar a história do livro que havia lido”. Solicitou que um dos

alunos começasse a falar sobre o livro. Quando a mencionava o nome de outro

aluno, era para este dar continuidade na narração dos fatos do livro. Sempre que

houve possibilidade a professora perguntou sobre as palavras, fazendo uma análise

morfológica.

Observamos que enfatizou, nas falas dos alunos, os substantivos, adjetivos e

os pronomes. Enquanto os alunos falavam, a professora os orientava no sentido de

aplicarem corretamente a concordância verbal. As falas dos alunos foram as

seguintes: “A filha do rei havia adoecido. Deu remédio e o rei perguntou o que ela

queria. Ela disse que só ficaria boa se tivesse a lua” - HEN; “O rei tentou chamar a

lua, mas não conseguiu porque a Lua é alta” - SOF; “A princesa queria a lua e o

homem da corte foi até o costureiro real que fez uma corrente” - GAB; “Ele foi

chamando o bobo da corte quando a lua estava aparecendo. Foi até o quarto da

princesa e viu a princesa olhando a lua pela janela” - ANA; “O homem da corte viu e

perguntou: “Porque você está olhando a lua se você tem uma pendurada em seu

pescoço”? - GAB.

A professora perguntou: “O que aconteceu mais? E o que é o bobo da corte?

Porque será que o rei ficou preocupado com a lua?” Uma aluna respondeu: “Porque

a filha queria a lua para ela melhorar, porque o pai considerava a filha dele um

tesouro. Então queria a lua para que sua filha melhorasse” - ISA.

Após os alunos falarem, ela pediu que fechassem os olhos, para imaginar a

lua e tentar tapá-la com o dedo. Os alunos fecharam os olhos e vivenciaram esse

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momento como se fosse real. Então foi narrando: “Vocês estão na janela do palácio

e estão tentando tapar a lua com parte do dedão. Tira o dedo da frente da lua e põe

novamente, sintam a claridade da lua”. A professora retomou novamente a

socialização e perguntou: “Do que você mais gostou”? GAB disse que gostou mais

da parte em que um personagem dá seus pitis. Novamente ela perguntou: “Como

seria na realidade a parte que você mais gostou? Como imaginaria? A parte que

você gostou? Pensam, mas não falam”. Em seguida, pediu então para que todos

ocupassem seus lugares e entregou uma folha aos alunos, para que recontassem

agora a história de outra maneira, desenhando aquilo que mais gostou, idealizando

como seria na vida real.

Ao terminarem de desenhar pegaram o caderno de rascunho, a pedido da

professora. Ela solicitou que os alunos escolhessem quais os personagens que eles

mais gostaram e escrevessem o porquê. Autorizou que usassem a caneta tinteiro

para escrever. Uma aluna teve dúvidas quanto aos personagens e foi até a mesa da

professora, que a instigou a lembrar dos personagens, enumerando suas

características, até que a aluna disse ter entendido. Todos mostraram o caderno à

professora, que indicou onde cada um poderia melhorar. A professora, em nenhum

momento deu respostas diretas aos alunos quando estes tinham dúvidas. Ela os

instigava a descobrir.

Para vários alunos NÚB fez a seguinte observação: “Depois de ponto se

escreve com letra maiúscula. Nomes dos personagens devem ser escritos com letra

maiúscula”. Passou olhando os cadernos e fazendo observações quanto à escrita e

sugeriu correção dos erros ortográficos sempre que apareceu uma escrita irregular.

Aos alunos que cometeram rasuras a professora sugeriu que escrevessem

novamente a palavra, em outro espaço.

Pudemos observar que nas aulas de leitura da literatura infantil foi trabalhada

a gramática. Acreditamos que a literatura não deve ser usada para a correção

gramatical, pois ela tem outra função, a estética formativa e o desenvolvimento da

sensibilidade.

Aula 08 Data: 07/10/2010 Alunos presentes: 21

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Nesse dia os alunos aguardaram a professora na entrada da sala de aula com

o livro “Luas e Luas” na mão e ensaiando o diálogo que a professora havia sugerido.

Em duplas, escolheram parte do livro, ou seja, o diálogo, para apresentar aos

demais colegas.

Após o momento do ritmo retornaram para sala de aula e realizaram o poema

de boletim. A professora disse: “Temos uma atividade na aula principal que é

relacionada à aula anterior”, referindo-se ao diálogo, e sugeriu dez minutos para que

os alunos fizessem ensaio com seus parceiros. Em seguida enfatizou: “O importante

é dar expressão na fala, no gesto, no corpo, de acordo com o trecho que vai

encenar. Se for tristeza, expressar tristeza, se for alegria, demonstrar alegria, e

assim por diante”.

A professora relatou que a atividade de diálogo é para que percebam que há

um narrador. Antes de começar a apresentar ela disse que, ao apresentar um

personagem, temos que deixar de ser a gente e incorporar o personagem. Solicitou

aos alunos que fechassem os olhos para se concentrarem em seu personagem. Os

alunos HEN e LUC apresentaram de forma muito interessante. HEN viveu o

personagem de forma muito intensa, gesticulou e se movimentou no momento do

diálogo. Todos os alunos apresentaram sem utilizar o livro, a não ser quem fez a

parte do narrador.

Realizaram atividades, como: leitura do livro “Reconto da História”,

desenharam o que mais acharam interessante, escreveram no caderno e, por fim,

fizeram a apresentação do diálogo.

Na relação dialógica, quanto ao papel do outro no entendimento da língua, a

comunicação se dá justamente pela existência desse outro como elemento de troca

de linguagem. Nesse sentido, Jobim e Souza (1994, p. 110) afirma que “A língua,

como fato social, supõe para qualquer enunciado um direcionamento, quer dizer, o

fato de orientar-se sempre para o outro. Sem isso um enunciado não pode existir.”

Essa mesma autora acrescenta que não há diálogo entre elementos abstratos da

linguagem, quer dizer, entre sentenças, mas somente entre pessoas.

De acordo com o que propõem os autores, a prática da professora em

propiciar aos alunos momentos de interação, por intermédio da linguagem, constitui

um fator importante no desenvolvimento do aluno, pois a prática da leitura e da

interpretação possibilita isso.

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Quando retornaram à sala de aula a professora perguntou se havia sido difícil

representar. Os alunos responderam que sim. Ela perguntou a THA e RHA: “Quais

foram os personagens que eles representaram”? As alunas responderam: “A

princesa, o bobo da corte e o narrador”. Logo em seguida, pediu a todos que fossem

elencando o nome dos personagens que aparecem na história e que estavam sendo

representados pelos colegas. Foram dizendo: “Camareiro, joalheiro, princesa, o rei,

o matemático, o feiticeiro, o bobo da corte, a árvore”. O aluno GAB disse: “A árvore

foi também personagem no cenário. O médico, o narrador”. A professora destacou,

mais uma vez, a importância do narrador. Pegou o livro para explicar a importância

dele, pedindo que pegassem o livro e acompanhassem o exemplo, para melhor

compreender. Ela explicou que quando alguém faz o papel de narrador elimina-se,

por exemplo: “Disse a professora... Relatou a...” Continuou, explicando que o

narrador conta o que aconteceu. Explicou as partes onde o narrador fala,

acrescentando: “Quando a gente fala. Quando alguém fala sobre e da gente, ele

está narrando”. A professora pediu que pegassem o caderno de português e fez

uma pergunta: “Qual será a ideia do livro para nós? Porque ele ama a filha”? O

aluno ERI respondeu: “Porque nunca podemos deixar um amigo doente, temos que

ajudar’.

NÚB instigou a respeito do que ERI havia dito: “Que outra palavra podemos

dizer que representa o que o ERI disse”? Os alunos relataram várias histórias que

aconteceram com eles, e que despertaram solidariedade. A professora citou o

projeto Guardiães da Limpeza e disse que, quando eles atuam como Guardiães da

Limpeza (Projeto do 4º ano), estão sendo solidários, não só com o nosso meio

ambiente, mas com todos da escola. De uma forma bem espontânea, instigou os

alunos a falarem sobre o que o livro quis transmitir a cada um. E continuou: “Qual

outra ideia”? “O amor do pai para com a filha” - disse HEN, ao que MAR

acrescentou: “Vontade - com a vontade ele conseguiu fazer o livro e nós

conseguimos fazer muitas coisas. Por isso temos que ter vontade”.

A professora valorizou o que a aluna disse e novamente insistiu: “Que

Vontade nos impulsiona para realizar muitas coisas”? O aluno HEN levantou sua

mão, esperou sua vez de falar e disse: “O autor teve criatividade”. Ela continuou

insistindo: “O que mais houve de ideia importante, que o livro Luas e Luas trouxe”?

O aluno PED respondeu: “Perdoar, porque o bobo da corte pediu desculpas, num

gesto de humildade”. A aluna ISA respondeu: “Querer ajudar, amizade”.

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A professora anotava tudo que os alunos iam dizendo. Quando descobriu que

a professora queria que eles falassem a palavra criatividade, o aluno DIE disse: ”Eu

tive um momento de criatividade com o PED, porque nós estamos escrevendo um

livro”.

Assim, quando a professora insistiu para que os alunos participassem da aula

expondo suas ideias e opiniões, valorizou a prática da comunicação na troca entre o

locutor e o interlocutor. Essa maneira da professora instigar os alunos, lançando a

cada momento um novo questionamento, permite que o aluno elabore em sua

imaginação respostas que contemplem os questionamentos da professora.

Essa participação dos alunos, quando a professora explora o livro de diversas

maneiras, dá a certeza de que eles se tornam críticos, pois por meio da leitura, da

escrita, da dramatização, está realizando práticas que conduzem ao letramento do

aluno. De acordo com Soares (2000, p. 44), o conceito de letramento é “o estado ou

condição de quem interage com diferentes portadores de leitura e de escrita, com

diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita, com as diferentes funções que a

leitura e a escrita desempenham na nossa vida”.

Nessa relação dialógica da linguagem, Bakhtin (2006, p. 98) acrescenta que,

para “o falante nativo, a palavra não se apresenta como um item de dicionário, mas

como parte das mais diversas enunciações dos locutores A, B ou C de sua

comunidade e das múltiplas enunciações de sua própria prática linguística”.

Ao retornar do recreio, a professora pediu que pegassem o caderno de

português. Em seguida, distribuiu um texto no gênero peça de teatro, solicitando que

lessem, anotassem e pesquisassem no dicionário as palavras desconhecidas por

eles. Solicitou que escrevessem com lápis grafite, para posteriormente fazer uso da

caneta tinteiro. No texto do teatro algumas palavras desconhecidas pelas crianças

foram circuladas ou pintadas. A prática da professora, de fazer as correções das

atividades dos alunos no caderno de rascunho é, segundo ela, para evitar que

escrevam errado no caderno que se torna livro.

O uso do dicionário ofereceu aos alunos a oportunidade de ampliar o

repertório linguístico.

Aula 09 Data: 20/10/2010 Alunos presentes: 22

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Após terem realizado o momento do ritmo, a professora iniciou a aula

dividindo a turma em 2 grupos, entregando a revisão para os alunos, lembrando a

aula anterior, na qual havia trabalhado frases afirmativas, negativas, interrogativas e

exclamativas.

Lembrou a atividade que fariam nesta aula sobre recortes de jornais e

revistas, para reforçar o estudo das frases. Um grupo ficou responsável por procurar

frases afirmativas e negativas e o outro, interrogativas e exclamativas. Depois

organizaram as frases num cartaz, que foi apresentado para a turma e fixado em

sala de aula.

Figura 29 - Apresentação do trabalho do grupo 1 Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Figura 30 - Apresentação do trabalho do grupo 2 Fonte: VIANA, C. A. (2010).

Os alunos apresentaram, leram e comentaram o trabalho. Ao término da

exposição os alunos deram suas opiniões: “Muito interessante, porque a gente

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descobre como se constrói as frases” - JOA; “O mais legal foi o trabalho em equipe”

- GAB; “As pessoas não se expressam muito na escrita, fazendo frases

exclamativas” - THA; “A gente identifica a frase exclamativa pela referência dela, que

é o ponto de exclamação” - MAR; “Foi ótimo fazer essa atividade, porque a gente

estudou se divertindo” - PED; “E também porque é melhor fazer atividade assim, do

que copiar o quadro cheio” - ANA; “Não gostei das notícias tristes que tem no jornal”

- KEN.

Os alunos leram os anúncios dos jornais e revistas, fazendo comentários

sobre as matérias, pois o jornal e a revista têm grande importância didaticamente,

por ser um meio de comunicação, embora o objetivo da professora não fosse esse.

Pela interação e participação coletiva dos alunos na realização da atividade,

podemos afirmar que esta despertou interesse, pois contribuiu para ampliar seu

conhecimento. Nesse sentido, Ostetto (2004, p. 90) reforça a prática da professora,

ao dizer que “mais do que dar voz e vez às crianças, de forma que possam participar

e falar realmente de suas coisas, cabe ao professor investir nesse processo, via

linguagem, via diálogo”.

Durante a aula circulou um convite, confeccionado por um aluno, o qual

convidava os colegas a irem ao shopping. Ele trouxe o convite de casa, pois

articulou via internet, com os demais da sala, que estaria levando para a escola o

convite, para confirmar quem iria ao shopping. Os alunos, ao lerem o convite

assinavam e passavam adiante, para aqueles cujo nome constava na lista. O

convite apresentava a seguinte estrutura:

Convite do Shopping Estamos todos do 4° ano planejando ir ao shopping 3 Américas. Cada um paga o seu, não levar irmão. Essa ideia não foi só minha, então cada um paga o seu. Dia 22/10 às 18h00min. até às 21h30min. Esperamos você lá.

Ao perceber que um bilhete circulava na sala, a professora pediu para lê-lo,

perguntando quem era o responsável por ele. No entanto, ninguém apareceu como

responsável. Ela orientou que um bilhete ou convite como aquele tem que citar o

nome do responsável, pois, não é a professora e nem a escola que está

organizando: “Portanto, se for o pai, mãe ou responsável de algum de vocês, deve

ser citado o nome no bilhete e com o telefone. Isso pode causar problemas, porque

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muitas vezes os pais acham que é a escola ou a professora os responsáveis pelo

evento”.

A professora aproveitou o momento e explicou para a turma que bilhete é um

gênero para comunicação entre as pessoas, mas é de suma importância que no

bilhete constem os elementos e informações corretas, seguindo uma estrutura, tais

como: data, para quem o bilhete foi escrito, qual o assunto, o nome de quem

escreveu o bilhete. É importante assinar e colocar o número de telefone, para se

alguém quiser esclarecer alguma dúvida, ter como entrar em contato.

Após o recreio a professora pediu que os alunos pegassem um livro de

literatura infantil para leitura silenciosa em sala de aula.

Figura 31 - Escolha do livro para leitura silenciosa Fonte: VIANA, C. A. (2010).

De modo geral, no cotidiano das unidades escolares percebemos que os

livros de literatura infantil não estão num espaço apropriado para eles. A escola é um

lugar onde devem ser desenvolvidas práticas de leituras literárias. É preciso que o

indivíduo se familiarize com a leitura e que tenha acesso a ela. Brito (2003, p. 99),

enaltecendo a importância da leitura, afirma que “o ato de ler é fundamental para o

desenvolvimento intelectual dos sujeitos, contribuindo de forma inequívoca para a

construção de uma sociedade mais equilibrada, em que haja justiça, produtividade e

criatividade”.

O autor enfatiza que é importante que se leia muito porque a leitura é

fundamental, pois cada um vai construindo sua trajetória de leitura e, atrelada a ela,

a competência na linguagem. É preciso incutir nos alunos o gosto e o desejo pela

leitura e, nesse sentido, é necessário que o professor, como responsável pela

formação leitora dos alunos, seja um bom leitor. Após a leitura pelos alunos, a

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professora solicitou que arrumassem os livros nos cestos e depois pediu que quem

quisesse poderia socializar sua leitura com os demais. Nesse momento de

socialização alguns alunos compartilharam suas leituras, citando o nome do livro que

haviam escolhido, e falaram se gostaram ou não do conteúdo.

Os alunos que partilharam suas leituras citaram os seguintes livros: “O Coelho

que não era de Páscoa”, de Ruth Rocha; “Borboleta Branca com Cheiro de Cravo”,

de Paulinho Pedra Azul; “O besouro perdeu a Roupa”, de Sônia Junqueira; “O

Menino Quadradinho”, de Ziraldo; “O Cientista Maluco”, de Vitor Maia; “O Fantástico

Mistério de Feiurinha”, de Pedro Bandeira.

Antes que todos pudessem expor sobre o seu livro a aula terminou e a

professora se despediu de seus alunos.

Aula 10 Data: 29/11/2010 Alunos presentes: 23

Novamente a professora pediu que escolhessem um livro para lerem no pátio.

O aluno PED pegou uma Bíblia que estava dentro de sua mochila, para lê-la

embaixo da árvore. Perguntei a ele se lia sempre a Bíblia, ele me respondeu: “Não...

É, agora que tô tendo interesse em ler. Eu tava afastado da igreja, sabe? Então,

agora tô voltando. Por isso eu tô trazendo ela todo dia para a escola”.

Figura 32 - Aluno lendo a Bíblia no momento de leitura Fonte: VIANA, C. A. (2010).

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Figura 33 - Momentos de leitura no pátio Fonte: VIANA, C. A. (2010).

No pátio, as crianças se acomodaram para realização da leitura nos bancos,

brinquedos dispostos pelo pátio, embaixo das árvores, etc. O aluno HEN estava

lendo um livro grosso. Perguntei a ele se estava gostando do livro que lia. Ele me

respondeu que sim: “Esse livro é o Diário de um Banana (um romance em

quadrinhos). E quando eu terminar esse vou ler Rodrick é o Cara (Diário de um

Banana 2) e depois vou ler o Rodrick (Diário de um Banana 3- A Gota D’Água)”.

Foi percebido o interesse e empenho dos alunos ao participarem das leituras

dos livros que escolheram.

No pátio os alunos leram os seguintes livros: “O Diário de um Banana”, Jeff

Kinney; “O Caramujo que tinha dentro do Mar inteiro”, Hermínia Castro; “A História

do Presépio”, Antônio Tarzia; “Adivinha, Adivinhão”, Sônia Junqueira; “A Bela

Adormecida”, Charles Perrault; “Poesias para Crianças, Cinco Sentidos”, Evelyn

Heine; “A turma da Mônica” (A forma ortográfica em versinhos), Maurício de Souza e

Yara Maura Silva; “Pinóquio”, Carlos Callodi; “A Casinha na Floresta”, Jacob Grimm;

“Esta Casa é Minha”, Ana Maria Machado; “O Coelhinho que não era de Páscoa”,

Ruth Rocha; “O Besouro perdeu a Roupa”, Sônia Junqueira; “Borboleta Branca com

Cheiro de Cravo”, Paulinho Pedra Azul; “Quem tem Medo de Monstro?”, Fanny Joly;

“O Frio que pode ser Quente”, Jandira Masur; “Meninos do Farol”, Raul Drewnick;

“Tapete Mágico”, Ana Maria Machado.

No pátio, apenas um aluno não estava lendo o livro que a professora havia

solicitado, porque estava produzindo o relatório da sua viagem de estudos, que fazia

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parte da aula extraclasse, descrevendo sobre o que viram e o que fizeram nos

espaços culturais visitados.

O trabalho realizado pela professora NÚB, em que desenvolveu atividades

com a leitura, permitiu a interação entre professora e alunos, porque houve

persistência em seus questionamentos, buscando extrair do aluno a compreensão e

interpretação oral da leitura. Ela priorizou o gosto e interesse do aluno, dando

liberdade de escolha do livro para a leitura, bem como o espaço de realização da

mesma, tanto em sala de aula como no pátio. Realizou atividades com a produção

de desenhos e de escrita, na construção de diálogos e sua representação para

demonstrar compreensão, utilizando uma prática metodológica bastante consistente

para a construção de conhecimentos. Mediante o que foi observado é possível

afirmar que sua prática contribui fortemente para a formação do aluno leitor.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa permitiu conhecer a concepção filosófica que sustenta a Escola

Livre Porto Cuiabá em Mato Grosso, por intermédio da prática docente vivenciada

por uma professora, a qual vem desenvolvendo um ensino com vistas à formação

intelectual e integral do homem no contexto social. É nesse processo social,

educativo e cultural que o aluno vai construindo sua própria identidade.

A Escola Livre Porto Cuiabá apresenta sua proposta educacional como um

processo que acontece nas relações entre seus parceiros, que não se limita ao

espaço escolar, mas que se estende para além deste, formando um elo nas relações

que acontecem entre os educadores, alunos e seus familiares.

Embora o objetivo não fosse fazer uma análise comparativa entre as escolas

públicas e privadas, é interessante ressaltar que a organização da escola analisada

se diferencia da prática das escolas públicas ou de outras instituições privadas,

desde o ritual da entrada para início do dia letivo, bem como em toda a proposta

curricular desenvolvida na escola.

Há uma constante vivência coletiva entre alunos, professores e funcionários,

momentos de interação e aprendizagem significativa em todo o processo escolar.

Através das aulas os alunos são beneficiados em seu desempenho e na

concepção de conceitos das diversas áreas de conhecimento. As aulas vivenciadas

pelos alunos lhes permitem compreensão facilitada dos conteúdos trabalhados, de

forma significativa. Isso amplia cada vez mais os conceitos sobre os fenômenos e

tudo que os circunda.

Há uma preocupação com a formação integral dos alunos, construindo

valores que os tornam autônomos, criativos e conscientes de seu papel na

sociedade.

A Escola Livre Porto Cuiabá democratiza à comunidade, tanto interna como

externa, o acesso à cultura por meio de eventos que a mesma realiza, numa visão

espiritual e através dos teatros apresentados pelos próprios alunos. Esses

momentos culturais realizados pela escola apresentam características que permitem

conectar o ser humano à cultura com alegria e entusiasmo, que são: a Festa

Joanina, a Festa da Primavera, da Lanterna, do Advento, a Festa Natalina, etc.

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O envolvimento de seus membros acontece desde a preparação até o

momento da celebração das festividades, em que todos são envolvidos, para

oportunizar aos alunos conhecimentos que são vivenciados de forma concreta e

prática, sendo um organismo vivo no processo de aprender, para que o aluno goste

da escola.

A professora investigada e todos os segmentos vêm a escola como um

espaço de construção de conhecimento, mas, acima de tudo, um espaço em que se

transmite também carinho, amor e dedicação.

Em sua prática pedagógica a professora demonstrou firmeza e postura na

condução de suas aulas, ministrando de forma que gerasse interesse nos alunos.

Numa rotina organizada, desenvolveu suas aulas de modo a produzir

conhecimentos, exigindo questionamentos, indagações, participando junto e

sugerindo.

A prática da professora em relação à leitura foi sendo construída ao longo de

sua trajetória profissional, mais especificamente durante o curso de Letras, em sua

formação inicial, e foi ampliando seu repertório de leituras nos cursos de formação

continuada, que acontecem na escola, relacionados à Pedagogia Waldorf, nos

momentos de troca de experiência e reuniões pedagógicas.

Em seu fazer pedagógico a professora apresenta concepção de que a leitura

pode estar relacionada ao fator desenvolvimento do imaginário, ao comparar a

leitura como viagem maravilhosa, embora esta tenha uma visão romântica sobre a

leitura. Por outro lado, ela acredita na leitura como instrumento de transformação

interior, que desperta sentimentos e valores, tais como: solidariedade, dedicação,

humildade. Mostra ainda uma concepção de que a leitura torna o leitor crítico, sendo

este capaz de se posicionar e de argumentar em diferentes setores da sociedade.

Foi observado que a prática da professora possibilita amplamente a

construção da autonomia e formação de leitores, utilizando diversas estratégias de

leitura, em que os alunos a realizam de diversas maneiras, tais como: leitura

silenciosa, oral, dramatização da leitura realizada, produção de textos escritos e

através de desenhos. Também foi constatada a circulação de diversidade de

gêneros do discurso. Os gêneros mais frequentes, na prática da professora, e

trabalhados com os alunos, foram os tidos como gêneros primários, como relatos e

diálogos, pois permitia que a oralidade acontecesse sempre de forma organizada em

sala de aula.

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Os gêneros literários de modo frequente se fizeram presentes na prática da

professora, tais como: contos, poemas, músicas, teatro, Dentre esses, os mais

aprofundados na prática da professora foram os poemas e o teatro. As

dramatizações vinham sempre posteriormente à leitura de um livro.

Outros gêneros se fizeram presentes, tais como o bilhete trabalhado quando

surgiu um bilhete feito por um aluno, convidando os colegas para irem ao shopping.

A professora explicou a estrutura de um bilhete de um modo geral, sem ter se

aprofundado numa atividade prática. A professora poderia ter explorado mais esse

gênero.

Quanto aos jornais e revistas, a professora poderia ter explorado notícias/

anúncios, fazendo uma análise crítica dos fatos, das notícias, não se limitando

apenas a recortes de palavras e frases para desenvolver uma atividade.

Embora a Pedagogia Waldorf não adote o livro didático como instrumento de

apoio e pesquisa, percebeu-se que os alunos têm fascínio por livros deste tipo, pois

os mesmos apresentam imagens que despertam sua curiosidade. Esse fator pode

ser considerado como um aspecto que mereça uma reflexão mais profunda sobre a

sua importância, uma vez que o livro didático pode servir como fonte de

conhecimento, tanto para quem o usa para ensinar como a quem o usa para

aprender. Não sendo a realidade da Escola Livre Porto Cuiabá, mas a maioria dos

alunos, especificamente os de instituições públicas, contam apenas com o livro

didático como instrumento de leitura e pesquisa.

Durante suas aulas de leitura os alunos tiveram a liberdade de escolher, nos

cestos dos livros, aquele que mais lhe interessava. E em suas leituras demonstraram

gosto e interesse pelo que liam, socializando fatos da leitura com os colegas.

Pudemos perceber que na escola não acontece com os alunos menores uma

interação da sala de aula com a biblioteca. O espaço da biblioteca não é

frequentado por esses alunos, tendo estes acesso apenas aos livros que são

disponibilizados nos cestos ou em estantes em cada sala de aula. O espaço da

biblioteca é bastante frequentado por alunos de outras séries maiores, fazendo uso

constante dos livros de seu interesse, ou sugeridos pelo professor.

A leitura e a literatura infantil presente na prática da professora evidenciam

uma preocupação e interesse em fomentar o gosto pela leitura e pelos livros de

literatura. Em todos os momentos a professora desempenhou o papel de mediadora

dos momentos de leitura e de aprendizagem, de maneira muito interativa,

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compartilhando gostos, interesses, demonstrando muito interesse por poesias,

contos, poemas, etc.

Durante as práticas da leitura em sala de aula, além de interagir com os

alunos a professora também lia, sendo um aspecto positivo o seu exemplo de leitora,

pois essa atitude trazia motivação aos alunos para as suas leituras. O ato de ler

vinha acompanhado de outras ações que despertavam o gosto e contribuíam com a

formação leitora. Ações provocadas pela professora numa interlocução entre os

alunos e ela, e entre os alunos e o texto. Essa interlocução se fez presente através

de questionamentos, através da leitura fruitiva, nas dramatizações, nas produções e

na leitura visual.

Os alunos do quarto ano possuem uma trajetória de leitura que vem sendo

construída desde os primeiros anos de escola, pois a prática de leitura promove a

promoção do aluno a cada turma e o acompanhamento da professora se estende

até o nono ano. Consideramos esse acompanhamento como um fator importante,

por permitir ao professor conhecer seu aluno em todo o seu processo de construção

de conhecimentos, através de suas facilidades e dificuldades, bem como conhecer

toda a trajetória do desenvolvimento do processo da leitura. Foi detectado que na

escola se promove reflexão sobre esse instrumento da cultura que é capaz de

produzir conhecimento.

Nesse sentido, o contexto escolar contribui muito no processo de construção

da leitura, como enfatiza Freire (2008, p. 13) sobre a importância do contexto para a

leitura de mundo, da realidade, do próprio sujeito.

Nas observações da prática pedagógica da professora e na sua entrevista

percebemos que há uma grande preocupação com o desenvolvimento intelectual do

aluno, utilizando metodologias e desenvolvendo práticas de leitura que permitam a

construção de sua autonomia, bem como a aquisição de novas habilidades e

competências da linguagem, permitindo o desenvolvimento dos níveis de letramento

e formação do leitor.

Ha também um esforço em despertar nos alunos interesse pela leitura,

valendo-se de dramatização, teatro, etc., para que isso realmente se efetive. A

literatura infantil presente na prática leitora da professora e dos alunos tem sido

fundamental para que estes desenvolvam, cada vez mais, o letramento literário.

Pode-se concluir que a prática pedagógica desenvolvida pela professora

possibilita aos alunos construírem seu caminho rumo a uma formação leitora

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eficiente, e que estes possam paulatinamente tornar-se a cada dia leitores mais

críticos e conscientes de seu papel na sociedade, por se mostrarem convictos da

importância que tem a leitura na vida das pessoas, e um reconhecimento do papel

que a escola desempenha em suas vidas.

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______. Leitura em crise na escola: As alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA CULTURAS ESCOLARES E LINGUAGENS

GEPLL - GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM LEITURA E LETRAMENTO

Mestrando: Claudionor Alves Viana

Orientadora: Profª Drª Ana Arlinda de Oliveira

ANEXO I

Questionário com perguntas abertas para informações gerais sobre a

professora.

Objetivo: Identificar o perfil da professora que trabalha com a turma do 4º ano

da Escola Livre porto Cuiabá.

1. Informações pessoais:

Nome:___________________________________________________________

Idade:___________________________________________________________

Estado Civil:______________________________________________________

2. Informações relacionadas à formação:

Grau de escolaridade:_______________________________________________

Habilitação:_______________________________________________________

Instituição em que concluiu a licenciatura:_______________________________

_________________________________________________________________

Local e ano:_______________________________________________________

Especialização:____________________________________________________

Local e ano:_______________________________________________________

3. Informações profissionais

Tempo de atuação no magistério:______________________________________

Tempo de atuação na Escola Livre Porto Cuiabá:_________________________

Possui vínculo em outra instituição:_____________________________________

Qual função exerce:_________________________________________________

Regime de trabalho e carga horária:____________________________________

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA CULTURAS ESCOLARES E LINGUAGENS

GEPLL - GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM LEITURA E LETRAMENTO

Mestrando: Claudionor Alves Viana

Orientadora: Profª Drª Ana Arlinda de Oliveira

ANEXO II

Roteiro de perguntas para a entrevista gravada com a professora referente à

formação leitora.

Escola: Escola Livre Porto Cuiabá

Data:___________________________________________________________

1. Como foi a experiência com a leitura na infância?

2. Qual a sua preferência de leitura?

3. Qual a obra lida que mais te marcou? Por quê?

4. Possui hábito de ler jornais e revistas? Quais?

5. Com que frequência você adquire livros?

6. Você se considera uma boa leitora? Justifique.

7. De que eventos culturais você participa fora do contexto escolar? Com que

frequência? Justifique sua importância.

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GEPLL - GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM LEITURA E LETRAMENTO

Mestrando: Claudionor Alves Viana

Orientadora: Profª Drª Ana Arlinda de Oliveira

ANEXO III

Roteiro de perguntas para a entrevista gravada com a professora referente às

concepções e práticas a partir dos pressupostos da Pedagogia Waldorf.

Escola: Escola Livre Porto Cuiabá

Data:___________________________________________________________

1. Você já conhecia a proposta pedagógica da Escola Livre Porto Cuiabá antes de

ingressar na mesma?

2. Em que esta proposta é diferente de outras propostas?

3. Você recebeu formação específica para trabalhar na escola? Quem ministrou?

4. Você acha necessário que o professor tenha conhecimentos específicos da

pedagogia Waldorf, além de sua habilitação específica para trabalhar com essa

pedagogia? Justifique.

5. Existe um prática de formação continuada para professores na escola? Como e

quando acontece?

6. Como a pedagogia Waldorf explica o fato da escrita colorida tanto na lousa,

escrita pelo professor quanto no caderno escrita pela criança, escrevendo uma

linha de cada cor?

7. Qual o objetivo maior do momento denominado vivência?

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8. Por que somente no final do segundo semestre do quarto ano os alunos vão

começar a escrever com a caneta tinteiro?

9. Por que os alunos, ao desenharem para expressar sua compreensão sobre a

leitura do livro, da fábula, do conto etc., só utilizam o giz de cera?

10. Por que quase não utilizam o giz de cera da cor preta?

11. Por que a Escola Livre Porto Cuiabá, ou as escolas Waldorf não adotam o livro

didático?

12. Você sente falta do livro didático?

13. Por que o material escolar do aluno não possui linhas?

14. O fato do material da criança não possuir linhas, isso não pode dificultar a seu

domínio em relação ao espaçamento? Justifique.

15. Que eventos culturais a escola realiza em seu ambiente escolar? Explique dois

deles.

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Mestrando: Claudionor Alves Viana

Orientadora: Profª Drª Ana Arlinda de Oliveira

ANEXO IV

Roteiro de perguntas para a entrevista gravada com a professora referente às

práticas de leituras.

Escola: Escola Livre Porto Cuiabá

Data:___________________________________________________________

1. O que é leitura para você?

2. Em sua opinião o que torna uma pessoa culta?

3. Com que objetivos devem ser propostos as atividades de leitura?

4. Em sua opinião o que seria preciso fazer para formar um leitor crítico?

5. Quais gêneros você pensa mais contribuírem para a formação do leitor?

6. Qual a metodologia utilizada para explorar a leitura do texto em sala de aula?

7. Que dificuldades os alunos apresentam em relação à leitura?

8. O que a escola propõe às crianças que apresentam dificuldades de leitura e

escrita?

9. Como você avalia o nível de leitura e escrita dessa turma de 4° ano?

10. Você conhece o termo letramento?