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Leia a Ação Civil Pública O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, pelos Promotores de Justiça infra-assinado, com fundamento nos artigos 37, § 4º, 127 e 129, inc. III, da Constituição Federal, 1º, inciso IV, 8º, e 21 da Lei Federal 7347/85, 17 e 22 da Lei Federal 8429/92, e 25, inciso IV, e 26, da Lei Federal 8625/93, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, promover a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, com pedidos liminares, observado o procedimento ordinário, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas, em face de: 1) FAIAD HABIB ZAKIR, Prefeito Municipal da cidade de IEPÊ, com endereço na Rua Rio Grande do Sul, nº. 179, Iepê fone: (18) 3264-1730 e 3264-1217. 2) FRANCISCO EMÍLIO DE OLIVEIRA, vulgo “Chiquinho do CDHU”, engenheiro civil, inscrito no CPF/MF sob o nº 050.787.278-92 e com cédula de identidade registrada sob o n. 8.630.499-SSP/SP, residente no Sítio Bom Jesus, Distrito de Espigão, na cidade de Regente Feijó/SP, fones: (18) 3941-1201, (18) 3916-7172, (18) 9784-2460 e (18) 8131-2023. 3) 4) EDILENI LUIZ FERREIRA, representante legal da empresa“FT Construções e Comércio Tarabai Ltda”, inscrita no CPF/MF sob o nº 158.720.478-94 e com cédula de identidade registrada sob o n. 14.414.668-SSP/SP, residente no Sítio Bom Jesus, Distrito de Espigão, na cidade de Regente Feijó/SP, fone”(18) 3941-1201. 5) RITA DE CÁSSIA VIRGILI MONTEIRO, representante legal da empresa “Virgili e Monteiro Ltda ME”, inscrita no CPF/MF sob o nº 114.223.578-56 e com cédula de identidade registrada sob o n. 7.595.800-SSP/SP, residente na Rua Júlio Mesquita, n. 211, Centro, na cidade de Regente Feijó/SP. 6) LUIS PAULO SAMPAIO KAUFFMAN, representante legal da empresa“Monte Alto Comércio de Materiais para Construção Ltda”, inscrito no CPF/MF sob o nº 097.679.068-86 e com cédula de identidade registrada sob o n. 21.512.227-6-SSP/SP, residente na Rua Fernão Dias, n. 761, Jardim Paulista, nesta cidade de Presidente Prudente/SP, fones: (18) 8131-2011, (18) 3906-2859 e (18) 3916-6243.

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Leia a Ação Civil Pública

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, pelos Promotores de Justiça infra-assinado, com fundamento nos artigos 37, § 4º, 127 e 129, inc. III, da Constituição Federal, 1º, inciso IV, 8º, e 21 da Lei Federal 7347/85, 17 e 22 da Lei Federal 8429/92, e 25, inciso IV, e 26, da Lei Federal 8625/93, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, promover a presente AAÇÇÃÃOO CCIIVVIILL PPÚÚBBLLIICCAA DDEE RREESSPPOONNSSAABBIILLIIDDAADDEE PPOORR AATTOO DDEE IIMMPPRROOBBIIDDAADDEE AADDMMIINNIISSTTRRAATTIIVVAA, com pedidos liminares, observado o procedimento ordinário, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas, em face de:

1) FAIAD HABIB ZAKIR, Prefeito Municipal da cidade de IEPÊ, com endereço na Rua Rio Grande do Sul, nº. 179, Iepê fone: (18) 3264-1730 e 3264-1217.

2) FRANCISCO EMÍLIO DE OLIVEIRA, vulgo “Chiquinho do CDHU”, engenheiro civil, inscrito no CPF/MF sob o nº 050.787.278-92 e com cédula de identidade registrada sob o n. 8.630.499-SSP/SP, residente no Sítio Bom Jesus, Distrito de Espigão, na cidade de Regente Feijó/SP, fones: (18) 3941-1201, (18) 3916-7172, (18) 9784-2460 e (18) 8131-2023.

3) 4) EDILENI LUIZ FERREIRA, representante legal

da empresa“FT Construções e Comércio Tarabai Ltda”, inscrita no CPF/MF sob o nº 158.720.478-94 e com cédula de identidade registrada sob o n. 14.414.668-SSP/SP, residente no Sítio Bom Jesus, Distrito de Espigão, na cidade de Regente Feijó/SP, fone”(18) 3941-1201.

5) RITA DE CÁSSIA VIRGILI MONTEIRO,

representante legal da empresa “Virgili e Monteiro Ltda ME”, inscrita no CPF/MF sob o nº 114.223.578-56 e com cédula de identidade registrada sob o n. 7.595.800-SSP/SP, residente na Rua Júlio Mesquita, n. 211, Centro, na cidade de Regente Feijó/SP.

6) LUIS PAULO SAMPAIO KAUFFMAN,

representante legal da empresa“Monte Alto Comércio de Materiais para Construção Ltda”, inscrito no CPF/MF sob o nº 097.679.068-86 e com cédula de identidade registrada sob o n. 21.512.227-6-SSP/SP, residente na Rua Fernão Dias, n. 761, Jardim Paulista, nesta cidade de Presidente Prudente/SP, fones: (18) 8131-2011, (18) 3906-2859 e (18) 3916-6243.

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7) LUCÍLIA FERNANDES DE SOUZA, representante legal da empresa “Lucília Fernandes de Souza ME”,com nome fantasia “Vidraçaria Avenida” inscrita no CPF/MF sob o nº 164.498.798-82 e com cédula de identidade registrada sob o n. 27.132.290-SSP/SP, residente na Rua Pedro Bortoli, s/n ou na Rua José Cândido, n. 28, ambos no Jardim das Acácias, na cidade de Tarabai/SP.

8) ROSALY SYLVIA RAMALHO SAMPAIO,

representante legal da empresa “Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio – EPP”, inscrita no CPF/MF sob o nº 00.487.032/0001- 63 e com cédula de identidade registrada sob o n. 28.352.451-0 SSP/SP, residente na Rua Gabriel Otavio de Souza, n. 488, Vila Tazitzu, na cidade de Presidente Prudente/SP.

9) MIRIAN ROSA DE ALCANTARA ZAKIR, com

endereço na Rua Rio Grande do Sul, nº. 179, Iepê fone: (18) 3264-1730, e 3264 -1217.

DOS FATOS: Conforme se depreende das notícias veiculadas na

imprensa escrita e falada regional nos dias 16, 17, 18 e 19 de maio do corrente ano, o Ministério Público do Estado de São Paulo, em conjunto com a Polícia Civil bandeirante, desmantelou uma organização criminosa que vinha atuando na região de Presidente Prudente há mais de 12 (doze) anos. Esta quadrilha tinha por principal atividade a construção de casas em conjuntos habitacionais pelo Sistema de Autoconstrução e pelo Mutirão Associativo, com verbas da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano), em parcerias com prefeituras ou com associações de mutirantes.

Antes de adentrar ao mérito da presente demanda,

necessário se faz discorrer, em linhas gerais, sobre as práticas ilegais desta organização e sobre seus principais articuladores.

Em primeiro lugar, é de se dizer que este grupo

criminoso é chefiado pelo requerido Francisco Emílio de Oliveira, vulgo “Chiquinho do CDHU”. A pessoa jurídica centralizadora de toda a atividade ilegal desta organização criminosa é a empresa “FT Construções e Comércio Tarabai Ltda”, que funciona como uma sede de todo o meandro criminoso. Apesar desta empresa, que sempre sai vencedora nas licitações para gerenciamento de obras com verba da CDHU na região, estar em nome da esposa de Francisco, de nome Edileni Luiz Ferreira, todos os indícios colhidos ao longo das investigações pelo Ministério Público e pela Polícia Civil dão conta de que ele é seu real proprietário.

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A organização criminosa em tela engendrou um

esquema capaz de criar com muita rapidez várias empresas de “fachada”, as quais sempre participam de licitações para a construção de conjuntos habitacionais. Tal grupo é o responsável pelo projeto e pelas planilhas de quantidade de materiais que serão empregados nas construções das unidades habitacionais e, posteriormente, na infra-estrutura do conjunto.

As obras são compostas, em parte, por

gerenciamento e treinamento de mutirantes, o que representa cerca de 20,85% do valor global do empreendimento. O restante é composto pela aquisição de materiais de construção.

O grupo criminoso sempre logra vencer a licitação de

gerenciamento da obra, que em sua maioria é realizada por carta convite. Esta espécie de licitação facilita a perpetração da fraude, pois nela somente concorrem aquelas empresas que são convidadas. Após o êxito nesta primeira licitação, o próprio grupo fornece a planilha superdimensionada dos materiais a serem adquiridos, passando este documento a integrar o edital de licitação para fornecimento de materiais de construção. Assim, nos pregões ou concorrências, as empresas do grupo podem lançar preços bem inferiores aos de custo, porquanto sabem que a quantidade de materiais constantes do memorial descritivo é superfaturada.

Como se isso não bastasse, as empresas do grupo

também sabem que a qualidade do material que irão fornecer é inferior à exigida no contrato, pois tal fato será posteriormente ratificado pelo setor de engenharia da prefeitura e pelos engenheiros da empresa “LBR-Tjofran”, responsáveis pela fiscalização e medição das obras, que já estão conluiados com a organização.

Em suma, a organização criminosa, contratada

fraudulentamente pela Prefeitura, por meio da empresa “FT Construções e Comércio Tarabai Ltda”, para gerenciar a obra, manipula o edital de licitação dos materiais de construção e faz com que as propostas de suas filiais de fachada sejam invencíveis. É essa empresa que contratou com nosso município.

Especificamente na cidade de Iepê, segundo os

documentos nº 01, a empresa “FT Construções e Comércio Tarabai Ltda” foi a vencedora da Carta Convite nº. 10/2005, para administração da obra e treinamento de mutirantes, destinadas a produção de 45 (quarenta e cinco) unidades habitacionais, Tipologia – CDHU-TI 24 A pelo regime de auto construção no empreendimento denominado

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Conjunto Habitacional Iepê “F”, pelo valor de R$77.895,45 (setenta e sete mil oitocentos e noventa e cinco reais e quarenta e cinco centavos).

Posteriormente, depois de engendrar todo o esquema

fraudulento supra descrito, conseguiu fazer com que uma de suas empresas fantasmas, “Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio – EPP”, obtivesse o maior número de item aprovados para fornecimento de materiais de construção, na Tomada de Preço n.02/2005, pelo valor de R$340.714,06 (trezentos e quarenta mil setecentos e quatorze reais e seis centavos).

Tanto a empresa contratada para o gerenciamento e

fiscalização, como a empresa vencedora para o oferecimento de materiais de construção, na verdade, são de propriedade de um único grupo, comandado pelo requerido Francisco Emílio de Oliveira.

Tal esquema fraudulento perdurou nesse Município,

tendo em vista que no ano seguinte (2006) novas licitações foram realizadas para a construção de unidades habitacionais, e como não poderia deixar de ser, a empresa “FT Construções e Comércio Tarabai Ltda” foi selecionada na Tomada de Preço n. 08/2006, para administração de obras de mutirão e treinamento de mutirões com cessão de equipamentos e ferramentas, destinadas a produção de 143 (cento e quarenta e três) unidades habitacionais, Tipologia – CDHU – TI 24 A, pelo regime de auto construção no empreendimento denominado Conjunto Habitacional Iepê “G” em regime de mutirão, pelo valor de R$ 346.614,84 (trezentos e quarenta e seis mil seiscentos e quatorze reais e oitenta e quatro centavos)

Utilizando o mesmo modo de agir anteriormente

demonstrado, conseguiu fazer com que três de suas empresas fantasmas, quais sejam, “Monte Alto Comércio de Construções Ltda-ME”, “Virgili & Monteiro Ltda ME” e “Vidraçaria Avenida”, vencessem o pregão n. 01/2006 para fornecimento de materiais de construção.

Os valores de contratação das empresas supra

descritas foram de R$ 133.100,00 (cento e trinta e três mil e cem reais) para a “FT Construções e Comércio Tarabai Ltda”, R$ R$ 521.464,71(quinhentos e um mil quatrocentos e sessenta e quatro reais e setenta e um centavos)para a “Monte Alto Comércio de Materiais para Construções Ltda”, R$ 375.922,70 (trezentos e setenta e cinco mil novecentos e vinte e dois reais e setenta centavos) para a “Virgile & Monteiro Ltda-ME” e R$ R$25.899,50 (vinte e cinco mil, oitocentos e noventa e nove reais e cinqüenta centavos) para a “Vidraçaria Avenida”.

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Todas estas empresas mencionadas, na verdade, são de propriedade de um único grupo, comandado pelo requerido Francisco Emílio de Oliveira o que demonstra a anomalia nos certames licitatórios.

Na cidade de Iepê, a empresa “FT Construções e Comércio Tarabai Ltda”, com o conluio do Prefeito Municipal Faiad Habib Zakir, foi a vencedora das licitações para o gerenciamento de obras de construção de casas populares com a verba da CDHU.

A participação do réu Faiad no esquema fraudulento

é patente, como se verá através das interceptações telefônicas apresentadas (documento nº 04), na qual se evidenciou o grau de relacionamento entre ele e o réu Francisco, representante das empresas, bem como as tratativas fraudulentas realizadas durante a execução da obra.

Além das interceptações telefônicas, a empresa

“Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio ME” vencedora do fornecimento de materiais para a construção, da licitação de 2005, que é ligada ao grupo mencionado, efetuou um deposito bancário no valor de R$5.400, 00 (cinco mil e quatrocentos reais) na conta de Mirian Rosa Alcantara Zakir, filha do então Alcaide Municipal, conforme documento de nº 05

Todos esses fatos foram confirmados pelos

depoimentos coletados durante a investigação criminal da organização criminosa realizada na cidade de Presidente Prudente, em especial, a oitiva de Maria Suzana Pinheiro e de outra testemunha, protegida por lei (documentos nº.06).

Segundo Maria Suzana Pinheiro, ela exercia a função

de secretária da Empresa “FT Construções e Comércio Tarabai Ltda”, encarregada do movimento do caixa. Tinha conhecimento que a empresa é composta por um grupo de empresas, comandada pelo requerido Francisco Emílio Oliveira. Várias pessoas emprestam seus nomes para figurarem como representantes das empresas.

Com relação aos lançamentos efetuados, no relatório

do caixa, existia a sigla “QLN” que significa quantidade liberada por natureza, referente aos pagamentos “por fora” não contabilizados.

Segundo o depoimento, diversos prefeitos

freqüentavam o escritório da empresa conhecida como “FT” e tinha lançamentos do “QLN” com os nomes dos Municípios respectivos.

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Afirmou ainda que o Prefeito de Iepê visitava com freqüência a sede da empresa, e que o réu Faiad sempre ligava querendo falar com “Chico”.

A outra testemunha, mantida em sigilo pela proteção

permitida em lei, também relatou como o grupo realizava as fraudes e pagavam propinas aos Prefeitos Municipais da região, descrevendo a participação de todos os envolvidos no esquema criminoso.

Confirma os lançamentos da sigla “QLN” que significa

“propina” “quanto levo nisso”. Com relação ao Município de Iepê, informa que nos anos de 2005 “ Chico” mandou realizar dois depósitos cada um no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) na conta indicada pelo Prefeito Faiad.

Tudo indica que uma destas contas apresentadas

pelo Prefeito para ser depositado a propina, seja a de titularidade de sua própria filha, como faz prova o depósito bancário acima mencionado.

Estes fatos, por si só, demonstram que o réu Faiad

tinha total ciência da manobra ilegal realizada para a construção das casas populares da cidade de Iepê, e o que é pior, foi conivente com tais irregularidades, a ponto de receber vantagem financeira pessoal por isso.

DA COMPROVAÇÃO DOS FATOS Diante de todas essas informações levantadas, não

há dúvidas de que a fraude no certame licitatório ocorreu no Município de Iepê, com o conluio do atual Prefeito Municipal.

É de se dizer, neste ponto, que o fato de a empresa

vencedora das licitações de 2005 e 2006 “FT Construções e Comércio Tarabai Ltda” para o gerenciamento de obra ter ligação com as demais empresas vencedoras da licitação referente ao fornecimento de materiais de construção fere os princípios administrativos da moralidade, da legalidade, da impessoalidade e da eficiência.

Além dos princípios norteadores da Administração

Pública, tais licitações fraudulentas infringe as regras pré estabelecidas pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e urbano do estado de São Paulo), quando firma convênio com os Municípios.

A CDHU, no contrato que firma com as prefeituras

municipais para o repasse da verba da construção das casas populares,

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determina que o gerenciamento das obras seja feito pelo próprio ente administrativo. Todavia, depois de solicitação da Administração, a CDHU autoriza que este gerenciamento seja perpetrado por empresa terceirizada, mas coloca como cláusula a impossibilidade de que a empresa vencedora da licitação de gerenciamento concorra na licitação para fornecimento de materiais de construção. E isto é óbvio, pois, se assim não o fosse, inexistiria a fiscalização da gerenciadora, papel fundamental na sua atuação, uma vez que ela estaria fiscalizando ela mesma (documento nº.02).

No caso dos autos, os documentos juntados pela

Receita Estadual no Inquérito Policial da comarca de Pirapozinho que investiga criminalmente esta quadrilha (documento nº.03) demonstra que as empresas vencedoras da licitação para fornecimento de materiais de construção e a empresa que fiscaliza o empreendimento são todas uma única empresa disfarçada em diversos nomes, denominações e razões sociais, com um caixa único, para fraudar a concorrência em certames licitatórios, simulando a existência de diversidades de concorrentes participantes.

Assim, por esses documentos, verifica-se que a

ligação das empresas que estão atuando no Município de Iepê, além de ser totalmente contrária aos ditames de uma licitação correta, denota indícios de fraude, porque é proibido vinculo entre elas por exigência da conveniada CDHU.

Esta atuação, que conta com o apoio do Prefeito

Municipal, que, no caso dos autos, é o réu Faiad, fere os princípios administrativos da moralidade, da legalidade, da eficiência e da impessoalidade, devendo os envolvidos serem responsabilizados por isto.

Das provas apresentadas: 1. Interceptação telefônica: As interceptações telefônicas confirmam o grau de

relacionamento entre os réus Faiad e Francisco, e as negociações fraudulentas.

No dia 05/01/07 do corrente ano (documento n. 04

anexado aos autos), os dois locutores conversam sobre as irregularidades das obras:

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“*FP- Tem um problema técnico ai sério para acertar...

**Ch – Certo. FP – Mandei (inaudível) pagar você, era o

seguinte cara, ta cotado lá no projeto onze PV e vocês fizeram oito. Ch – Ham sei. FP – Então... Ch – Sei. FP – É, nós não vamos poder empenhar

(inaudível) porque se não o tribunal pega e mete o fumo em nós. Ch - É vamos ver se , eu acho que nós fizemos

mais metros lá viu Faiad. FP –Hã? Ch – Eu acho que saiu mais metro, entendeu? Da

para compensar um pelo outro, as vezes é medir menos PV e mais metragem que é o que aparece depois, eu não lembro mais, mas o Lorival, na época, ele tinha falado que nós fizemos não sei mais quantos metros do que o que tava no projeto entendeu?

FP- O problema é que foi fiscalizado de uma forma diferente, o laudo que foi, não foi condizente com o que foi feito, mas a gente ta tendo uma idéia ai, depois pode discutir com você sobre isso...

CH - O Faiad deixa eu te perguntar um negócio, cara, o, mandaram aquele “cracará” pro ce?

FP – Mandaram. Ch A verbinha, ah, então ta bom. FP Impressionante como você ta sendo pontual

eu não to nem acreditando....” * FP – Faiad ** Ch – Francisco No dia 03/01/07, exatamente dois dias antes da

conversa acima descrita, Francisco recebeu uma ligação da pessoa (Lula) confirmando o depósito para Faiad, no valor mencionado seis (documento nº.04).

A conversa captada deixa claro o recebimento de propina pelo Alcaide, confirmada pela outra interceptação que menciona o depósito de seis.

Em continuidade, no dia 14/03/07, Francisco e Faiad

novamente conversam, sobre a execução da obra e ainda achincalham a investigação realizada pelo Ministério Público, onde o Francisco orienta Faiad sobre como proceder na resposta ao ofício então expedido pelo Gaerco de Presidente Prudente solicitando remessa de documentos pertinentes ao caso em tela .

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“*FP – Ó os home do Gaeco mandou aí um monte

de pergunta para fazer viu! **Ch – é eu sei! Mandou para Martinópolis

também...eles querem saber agora se tem concorrência né! Naquela época eles verificaram se tinha notas né!

Ch – as notas foram verificadas, não tem calçamento, não tem nada, não acharam nada disso né! Agora eles querem saber outra parte...po tem! Tiraram nota? Mas tem concorrência ou foi feito que nem nos outros lugar faz (inaudível) entendeu? Mais ou menos o que eles pediram não é?

FP – é vai uma...vai se bom rapaz, já pensou na mesma cela: eu , você, o Tonho (inaudível).

Ch – ahahaha. Mudaram tudo de sala um para cela um! Ahahahahah!

FP – ahahahahahahaha! CH – entra ai na cela um...como cela? Não...ali...ta

todo mundo reunido ali, tem uns quarenta não é só essa turminha que você falou ai não ahaha! Mas ta bom Faiad!

CH – Oh Faiad? FP – oi Chico fala? CH – mas o que eles perguntaram memo foi só

isso né? FP – é...dero cópia do contrato lá ...e quer cópias

das licitações só! CH - é isso né! É o que eles vão verificar agora...ta

certo! FP – IEPF e o IEPG Ch – IEPFG entendi, entendi! É os último né? Ele

pediu assim IPF e IPG ou pediu as que tivesse? FP – IPF e IPG... Ch – ah ele foi claro né...entendi! Essas

(inaudível) que foi até tomada de preço tudo né! FP – (inaudível) foi pregão né? Ch – Foi pregão! Tudo é que quando...ele pediu

da FT quer dizer...se ele pediu da FT não é nem o pregão entendeu! Pregão é material!

FP – ah é! Ch Ele ta pedindo, ele ta pedindo da FT não ta? FP – Ta! Ch então FT é a parte da administração técnica só

entendeu? FP – é mais vamo apresentar que houve o ... Ch – isso! FP - um calculo que não apareceu!

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Ch – é lógico, ce tem...a concorrência é pra perfeito isso que é importante. Agora eles tão atrás agora eu descobri, qual o lugar que não tão fazendo e não temo concorrência...”

* FP – Faiad ** Ch – Francisco Logo após, ainda no mesmo dia, outra ligação entre

os locutores: “**Ch – Oh Faiad! Esse pedido do Gaeco é muito

grande ou não? *FP – eles mandaro, mandaro duas, mandaro

duas xérox lá. Eu mandei o Zé Roberto dar uma olhada e passar para o Toninho.

Ch – Não porque qualquer coisa eu queria dá uma olhadinha nisso aí, vê se dá pra passar um fax pra nós!

FP – era bom viu, era bom! Ch – Ce não dá para passar um fax pra nós disso

aí? FP – não porque é confidencial. CH – é confidencial...ah ta então nós vai aí dá uma

olhada, então ta bom ahahahaah! FP – (inaudível) eles tiraram um extrato da

internet pelo que o Zé Roberto viu lá. Ch – ah eles tiraram um extrato pela internet! FP – É! FP – é só umas perguntas lá tal...basicamente o

código do processo. Ch – entendi, entendi! FP – Licitatório né! Ch – é só as cópias do processo licitatório

mesmo. FP – qualquer coisa você dá uma ligada lá pro Zé

Roberto....” * FP – Faiad ** Ch – Francisco Pela conversa, resta evidente e indiscutível que o

Prefeito Municipal e o gerenciador do grupo das empresas Francisco, além de manterem estreito laço de amizade, estavam em conluio sobre quais informações e documentos deveriam ser apresentados ao grupo especializado do Ministério Público.

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O documento do Ministério Público anexado no nº.07, expedido no dia 01 de março do corrente ano, requisita informações sobre os processos licitatórios relacionados ao empreendimentos Iepê “F” e Iepê “G”, e foi enviado em caráter confidencial.

O sigilo das informações também foi quebrado pelo

representante do Município, que além de informar o assunto ao outro requerido, pediu orientação em como proceder diante da resposta ao GAECO.

Tanto é verdade que o réu Faiad somente se

mobilizou para enviar os documentos solicitados pelo Ministério Público, após a prisão cautelar de vários envolvidos no esquema criminoso, por determinação judicial expedida na operação no dia 15 de maio na cidade de Presidente Prudente. Ou seja, dois meses após a requisição Ministerial.

Além dessas interceptações, no dia 16/03/07, Faiad

novamente ligou para Francisco tirando satisfações sobre a entrega de tijolos que uma parte ficaria no mutirão e outra seria entregue a particular, mas o “plano”, não tinha acontecido como o combinado.

“ *FP – Você não imagina a cagada que cê fez na

minha vida mandando aqueles tijolo do jeito que você mandou. **Ch – de que jeito eu mandei? FP – ah, quê que isso rapaz....mandar lá para o

CDHU e depois largar metade da carga na casa do rapaz lá. Deu o maior rolo rapaz, o quê que é isso Chico?

Ch – o cara não fez isso? FP – Fez! Acabou com minha vida. FP – era para consertar uma situação, fudeu a

minha situação...fudeu! Ch - Meu Deus do céu! Eu falei para ele separar

todos os materiais num caminhão só como se fosse caminhão que fosse carregar material e entregar. Puta que pariu...

Ch- ah Faiad, eu nem sei o que te falar. Esse povo meu é foda viu cara, eu expliquei olha eu juro por Deus cara. Eu falei olha ce vai pegar, vai montar um caminhão com um pouquinho de cada coisa, como se fosse uma entrega ta certo!

Ch – pega o caminhãozinho do VM que não é um caminhãozinho nosso comum ta certo! E leva o pedaço e tem que levar até sábado....

FP- não agora tem que mandar alguém vir aí, tirar aquilo de volta e falar que foi engano...

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FP – Ó ce vai fazer o seguinte é....vai pega esses tijolo certo! Tira e leva no campo da Portuguesa!

Ch – vai tira o tijolo e pô no campo da Portuguesa!

FD – é lá no campo, fala que enganou era pro campo não era ali.

Ch – entendi, entendi...tá bom! “ * FP – Faiad ** Ch – Francisco Diante dos aspectos mais contundentes das

interceptações, é insofismável que no município de Iepê o esquema fraudulento estava instalado nas construções das habitações populares e que o Alcaide além de ter total conhecimento dos fatos, participava ativamente das manobras ardilosas.

2. O depósito bancário. Não menos importante para se demonstrar a

incestuosa e nefasta relação que unem os réus Faiad e Francisco, é a prova acostada pelo documento nº05, onde confirma que a empresa “Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio ME”, contratada para o fornecimento de materiais para a construção, por força da licitação de 2005, efetuou um depósito bancário no valor de R$5.400, 00 (cinco mil e quatrocentos reais) na conta de Mirian Rosa A. Zakir, filha do então Alcaide Municipal.

Segundo o ofício encaminhado pelo Delegado

Regional Tributário, tal comprovante de depósito foi apreendido pelo fisco estadual no estabelecimento da empresa “FT Construções e Comércio Tarabai Ltda”, em madado judicial de busca e apreensão.

De acordo com o documento apresentado, foi

realizada uma transferência interbancária de valores, no dia 22/09/2005, com origem do banco Nossa Caixa tendo como correntista a empresa Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio ME, e como destinatário a correntista Mirian Rosa Alcântara Zakir, do Banco do Brasil de Iepê no valor de R$5.400,00 (cinco mil e quatrocentos reais).

A empresa que efetuou o depósito pertence ao grupo

de empresas geradas pela “FT Construções e Comércio Tarabai Ltda”.

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Por essa transação, o réu Faiad com a anuência de sua filha também requerida, titular da conta corrente, recebe propinas sobre as fraudes no gerenciamento e construção da obra do CDHU.

3. Prova produzida no inquérito policial nº.37/06: Com o desmantelamento da organização criminosa e

suas artimanhas, as investigações policiais no inquérito policial referente a tais fatos, trouxe a baila os depoimentos de Maria Suzana Pinheiro e outra testemunha protegida por lei (documentos nº.06).

Tal como acima mencionado, Maria Suzana Pinheiro,

é secretária da Empresa “FT Construções e Comércio Tarabai Ltda”, e informou que é encarregada do movimento do caixa do grupo.

Disse que a empresa é composta por várias

empresas, das quais os envolvidos emprestam seus nomes para figurarem como representantes legais das empresas de “fachada”, que na verdade é comandada pelo requerido Francisco.

A testemunha afirma com exatidão que diversos

prefeitos freqüentavam o escritório da empresa conhecida como “FT”, e que recebiam propinas para as construções do CDHU. Como não poderia deixar de ser, o Prefeito de Iepê visitava com freqüência a sede da empresa, e sempre ligava querendo falar com “Chico”.

A outra pessoa ouvida, que esta sob o programa de

proteção da testemunha, relatou com detalhes como o grupo realizava as fraudes e pagavam propinas aos Prefeitos Municipais da região.

Confirma os lançamentos da sigla “QLN” que significa

“quanto levo nisso”, e no que tange ao Município de Iepê, revela o pagamento nos anos de 2005, de dois depósitos cada um no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) na conta indicada pelo Prefeito Faiad.

Assim, o Prefeito Municipal FAIAD HABIB ZAKIR, na

qualidade de agente público, deve responder pelos atos de improbidade por ele praticados, nos termos dos artigos primeiro, 10, inciso VIII e 11, “caput”, da Lei 8429/92.

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Os demais demandados também possuem responsabilidade no âmbito da presente ação. O réu Francisco Emílio de Oliveira é o mentor e o maior beneficiário de todo o esquema fraudulento, tendo praticado tal conduta em várias cidades da região e sido surpreendido na interceptação telefônica entabulando tratativas no mínimo “suspeitas” com Faiad. Os requeridos Edileni Luiz Ferreira, Rita de Cássia Virgili Monteiro, Luis Paulo Sampaio Kauffman, Lucília Fernades de Souza e Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio também devem ser responsabilizados, pois seus nomes constam no contrato social das empresas de “fachada” vencedoras da licitação como sendo os seus representantes legais. Eles, portanto, além de fazerem parte do esquema fraudulento, auferiram vantagens econômicas com tal prática. Da mesma forma verifica-se a participação de Mirian Rosa de Alcântara Zakir, por permitir o uso de sua conta particular para repasse de verbas irregulares.

Aos réus Francisco, Edileni, Rita, Luis Paulo, Lucília,

Rosaly e Mirian, a responsabilidade advém do artigo terceiro da Lei n. 8429/92:

“As disposições desta lei são aplicáveis, no que

couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”.

Desta forma, verifica-se que todos os demandados

têm participação no pleito fraudulento e por isso devem ser responsabilizados e apenados.

DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS Consoante se demonstrou, o requerido FAIAD

HABIB ZAKIR, na qualidade de agente político, conluiado aos demais réus, deixou de cumprir seu relevante dever funcional e praticou ato de improbidade administrativa, pois violou os princípios fundamentais da Administração Pública, o que acarretará, nos termos da lei, a responsabilização civil de todos, com a imposição das sanções legalmente previstas na Lei 8.429/92.

A Constituição Federal elenca, em seu artigo 37, os

princípios que devem reger a administração pública: “A administração pública direta e indireta de qualquer

dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

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obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:” (destaque inexistente no original).

Dentre eles, cumpre destacar o da legalidade e o da

moralidade administrativa. O primeiro é nota característica do Estado de Direito

e representa uma das mais importantes garantias ao pleno exercício dos direitos individuais.

De acordo com o citado princípio, a Administração

Pública deve agir nos estritos limites da lei, ou seja, apenas poderá fazer o que a lei permite.

O princípio da moralidade administrativa, por sua vez,

foi recentemente incluído dentre os demais, como um reflexo da preocupação com a ética na Administração Pública e com o combate à corrupção e a impunidade do setor público1.

Lastreado em tal princípio, exige-se que o agente

público exerça suas funções com ética, dignidade e lealdade, pautado na plena realização do interesse público. Não deve, jamais, utilizar as facilidades que seu cargo lhe proporciona para obter benefícios em proveito próprio ou alheio.

Portanto, não basta que os agentes públicos e

políticos desempenhem suas funções com observância da lei, devendo, também, reger sua conduta pela ética.

O primado da moralidade administrativa impõe,

assim, que os agentes públicos tenham uma atuação honesta, lastreada na lealdade e boa-fé para com os administrados.

Cumpre ressaltar que tais valores devem ser aferidos

de acordo com o senso comum do homem médio, ou seja, de acordo com o senso ético e moral aceitos pela sociedade.

A Constituição, ainda, estabeleceu em seu artigo 37,

§ 4º, que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

1 Di Pietro. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19º ed. Editora Atlas: São Paulo, 2006.

p. 767.

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A Lei 8.429/92 regulou diversas espécies de

improbidade administrativa em seus artigos 9º, 10 e 11, diferenciando-as conforme importem em enriquecimento ilícito, causem prejuízo ao erário ou atentem contra os princípios da Administração Pública.

Essa última hipótese é a mais abrangente e atinge

uma infinidade de atos ímprobos, pois a rigor qualquer violação dos princípios da legalidade, da razoabilidade, da moralidade, do interesse público, da eficiência, da motivação, da publicidade, da impessoalidade, e de qualquer outro imposto à Administração Pública pode constituir ato de improbidade administrativa2.

As condutas perpetradas pelos requeridos

enquadram-se perfeitamente nas disposições do artigo 10, inciso VIII, e do artigo 11, “caput”, da Lei 8429/92. Segundo estes dispositivos:

“Artigo 10. Constitui ato de improbidade

administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo primeiro desta Lei, e notadamente:

VIII- frustrar a licitude processo licitatório...”.

“Artigo 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições...”

O requerido Francisco, como chefe da organização

criminosa e com o aval do Prefeito Municipal FAIAD HABIB ZAKIR, fez com que sua empresa “FT Construções e Comércio Tarabai Ltda”, representada por sua esposa Edileni, ganhasse a licitação de gerenciamento de obra de construção de casas populares com verba da CDHU em Iepê, assim como vinha fazendo em outras cidades da região. Posteriormente, inseriu no edital de licitação de fornecimento de material de construção dados irreais que facilitaram a vitória de suas empresas de “fachada”, representadas pelos requeridos Lucília, Luis Paulo, Rosaly e Rita. Em virtude de saberem que, posteriormente, a qualidade e a quantidade do material que iriam fornecer não seria aquela que constava

2 Idem, p. 783

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no edital, estas empresas ofertaram valores mais baixos e, conseqüentemente, venceram os pregões.

Estas condutas, ademais, feriram os princípios

administrativos da moralidade, legalidade, impessoalidade e eficiência, conforme atestado nos parágrafos acima.

DO DANO MORAL Os fatos descritos nesta exordial não acarretaram

somente danos de natureza patrimonial. Deles decorreu, também, um dano difuso, abstrato, correspondente à grave ofensa à moralidade da Administração Pública e à dignidade do povo iepense, agora ampliada em face da divulgação desses e de outros fatos similares, no contexto do que ficou regionalmente conhecido como o “a máfia das casinhas” (vide documento nº.09).

A plena reparabilidade do dano moral é tese que

vem sendo construída ao longo dos anos, apontando irreversível tendência legislativa, doutrinária e jurisprudencial.

De fato, vários dispositivos do Código Civil

enumeram, de maneira casuística, hipóteses em que o dano não patrimonial é reparável. É o caso do art. 1.543, que impõe pagamento do valor de afeição da coisa que não mais pode ser restituída a seu dono, e também do art. 1.547, parágrafo único, que manda indenizar o prejuízo imaterial de quem foi ofendido por injúria ou calúnia. Outros dispositivos dessa natureza, invocados pela doutrina, são os arts. 1.537, 1.538, 1.548, 1.549 e 1.5503

Leis extraordinárias também previram hipóteses de

ressarcimento de danos morais4. Os mais renomados civilistas brasileiros sempre

aceitaram a tese5, que é tema, inclusive, de inúmeras monografias e

3 V. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “Instituições de Direito Civil”, vol. II, 8a. ed., 1986, § 176, pág. 233; YUSSEF SAID CAHALI, “Dano e Indenização”, RT, 1980, págs. 41/109 (com análise pormenorizada de cada um dos artigos mencionados). 4 Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62), arts. 81, “caput”, 84 e 87; Código Eleitoral (Lei 4.737/65), art. 244; Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67), arts. 49, I e 53; Lei dos Direitos Autorais (Lei n. 5.988/73), , arts. 25 e ss.; Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/91), art. 6o. inc. VI.

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estudos6. O insigne Magistrado e Professor BARBOSA MOREIRA¸ em voto lapidar, chega a qualificar de “profundamente reacionário” o entendimento contrário, bem demonstrando que a indenizabilidade do dano extrapatrimonial era - e ainda é - conclusão que decorre direta e necessariamente do próprio Código Civil, sem que fosse preciso apelar a artifícios ou subterfúgios de qualquer espécie, nem mesmo a regras de eqüidade7. O próprio CLÓVIS, partindo de posição mais tímida, acabou por convencer-se que a plena reparabilidade do dano moral era a regra geral de nosso direito8

A jurisprudência foi paulatinamente aceitando a tese,

que veio a se tornar vencedora, inclusive nos Tribunais Superiores9. Consagrada na atual Constituição da República (art.

5o., incisos V e X), a reparação dos danos morais é hoje aceita sem

5 Cf. CLÓVIS BEVILÁQUA, “Código dos Estados Unidos do Brasil”, ed. Rio, 1979, pág. 695; PONTES DE MIRANDA, “Tratado de Direito Privado”, 2a. ed., Borsoi, 1966, tomo 53, §5.509, págs. 226/229; JOSÉ DE AGUIAR DIAS, “Da Responsabilidade Civil”, Forense, 1994; SILVIO RODRIGUES, “Direito Civil”, ed. Saraiva, 1975, vol. IV, págs. 205/207; WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, “Curso de Direito Civil”, ed. Saraiva, 1973, vol. V, , págs.416/418. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, também partidário da tese (“Instituições”, cit., págs. 232/236; “Responsabilidade Civil”, 8a. ed., Forense, 1997, págs. 53/62), incluiu regra expressa no art. 916 de seu anteprojeto: “O dano moral será ressarcido, independentemente do prejuízo material” (v. “Código Civil ⎯ Anteprojetos”, Edição do Senado Federal, 1989, volume 3, pág.105). O atual Projeto de Código Civil, aprovado na Câmara de Deputados (Projeto n. 118/84), prevê a a reparação de qualquer tipo de dano, “ainda que exclusivamente moral” (art. 186). 6 WILSON MELO DA SILVA, “O Dano Moral e sua Reparação”,3a. ed., Forense, 1983; YUSSEF SAID CAHALI, “Reparação do Dano Moral - Aspectos Atuais do Direito Brasileiro”,in“Dano e Indenização”, RT, 1980; MIGUEL REALE, “O Dano Moral no Direito Brasileiro”,in“Temas de Direito Positivo”, RT, 1992; CARLOS ALBERTO BITTAR, “Reparação Civil por Danos Morais”, 2a. ed. RT, 1994; CLAYTON REIS, “Dano Moral”, Forense, 4a. ed., 1997; AUGUSTO ZANUN, “Dano Moral e sua Reparação”, Forense, 5a. ed., 1997; WLADIMIR WALLER, “A Reparação do Dano Moral no Direito Brasileiro”, E.V. Editora, 4a. ed., 1996; SÉRGIO SEVERO, “Os Danos Extrapatrimoniais”, Saraiva, 1996. 7 “...há que abandonar em definitivo, e sem reservas, a doutrina, profundamente reacionária, da não reparabilidade do dano moral, que aliás nem se compreende como possa ter criado tão fortes raízes no pensamento jurídico brasileiro, quando a simples leitura sem preconceitos do art. 159, 1a. parte, do Código Civil, é suficiente para evidenciar a incompatibilidade entre ela o nosso direito positivo: a norma, com efeito, refere-se a ‘prejuízo’ e a ‘dano’, sem qualificá-los, e portanto sem restringir a sua própria incidência ao terreno patrimonial. É irrelevante a circunstância de só estarem reguladas em termos expressos, na parte do Código atinente à liquidação, algumas hipóteses específicas de dano moral (arts. 1.547 e segs.), porque, para as outras, aí não contempladas, existe a norma subsidiária do art. 1.553, de acordo com a qual, ‘nos casos não previstos neste capítulo, se fixará por arbitramento a indenização’.”(“Direito Aplicado - Acórdãos e Votos”, Forense, 1987, pg. 275; o texto é de voto vencedor, proferido na Ap. Cível n. 1.350/86, e acompanhado à unanimidade pela 5a. Câmara Cível do TJRJ). 8 “Código Civil”, t. V, obs. 5 ao art. 1.537; “Revista de Crítica Judiciária”, n. 1, págs. 764 e ss.; sobre a evolução do pensamento do grande jurista, v. YUSSEF CAHALI, ob. cit. págs. 30/31, e SÉRGIO SEVERO, ob. cit., pág. 77. 9 V. amostragem feita por CAIO MÁRIO, “Responsabilidade Civil”, cit., pgs. 61/62); YUSSEF CAHALI relaciona acórdãos que demonstram a definitiva adesão dos Tribunais à tese, entre 1996 e 1978 (ob. cit., págs. 4 e 38/39); v. tb., arestos reunidos por RUI STOCO, “Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial”, RT, 1994, págs. 399/400 , e SÉRGIO SEVERO, ob. cit., págs. 92/103.

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reservas10, sendo também isenta de dúvidas sua cumulatividade com a indenização por danos patrimoniais11.

O que importa deixar aqui assentado é que os

prejuízos de natureza moral, decorrentes da improbidade administrativa, são experimentados pela própria Administração Pública e, de maneira difusa, por toda a coletividade.

Não se pode esquecer que o adjetivo moral, como

indica sua própria etimologia12, também significa “relativo ao domínio espiritual, em oposição a físico ou material”13. Assim, a expressão dano moral aplica-se aos prejuízos causados a bens de natureza incorpórea, imaterial, não se restringindo, pois, à ofensa aos valores subjetivos individuais.

Não é sem razão, pois, que a moderna doutrina –

nacional e estrangeira – vem utilizando, preferencialmente, expressões como “danos extrapatrimoniais”, “danos não patrimoniais”14. Mesmo os que ainda preferem a nomenclatura tradicional deixam claro que o conceito de “dano moral” é abrangente, não se restringindo a aspectos puramente subjetivos, ligados ao sofrimento e à dor15.

Admite-se hoje, com sobras de razão, a possibilidade

de agravo moral à pessoa jurídica16, uma vez que podem ser atingidos seus “atributos de reputação e conceito perante a sociedade”17 . Nesse

10 V., novamente, SÉRGIO SEVERO, ob. cit., págs. 103/117, onde estão relacionadas somente decisões proferidas sob a vigência da atual Constituição, sempre favoráveis à reparação dos danos morais. 11 Súmula 37 do STJ: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”. Vale trazer à baila a lição de CAIO MÁRIO: “ Não cabe, por outro lado, considerar que são incompatíveis os pedidos de reparação patrimonial e indenização por dano moral.”. O fato gerador pode ser o mesmo, porém o efeito pode ser múltiplo” (“Responsabilidade Civil”, cit., pág. 56). 12 De “moralis”, f. “moral”, relativo aos costumes (cf. ANTONIO GOMES FERREIRA, “Dicionário Latim-Português”, Porto Editora, 1987, pag.739). 13 Dicionário AURÉLIO, Ed. Nova Fronteira; cf. tb. DE PLÁCIDO E SILVA, “Vocabulário Jurídico”, Forense, 1975, vol.III, pág. 1.037. 14 LUIS DÍEZ-PICAZO e ANTONIO GULLÓN, “Sistema de Derecho Civil”, 6a. ed., Madri, 1992, pág. 601; M.J. DE ALMEIDA COSTA, “Direito das Obrigações”, pág. 478; DE CUPIS, “El Daño”, pág. 122; SÉRGIO SEVERO, obra citada. . 15 Apenas a título de exemplo, confiram-se as seguintes definições de dano moral: “a lesão de interesses não patrimoniais” (MARIA HELENA DINIZ, ob. cit., pág., 71); “ lesões sofridas pelo sujeito (...) em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico” (ob. cit., pág. 1). Não é por outro motivo que MIGUEL REALE ressalta a existência do dano moral objetivo (ligado aos conceitos de reputação e imagem), ao lado do dano moral subjetivo (ligado à idéia de sofrimento psíquico). 16 V. artigo de LUIZ ALBERTO THOMPSON FLORES LENZ, “Dano Moral Contra a Pessoa Jurídica”, RT 734, págs. 56/65, com citação de vários acórdãos; AGUIAR DIAS, ob. cit., v. 2, pág. 937; SÉRGIO SEVERO, ob. cit., pág. 21; MARIA HELENA DINIZ, “Curso de Direito Civil Brasileiro”, ed. Saraiva, 1988, vol. 7, pág. 71. 17 Cf. acórdão do TJSP, relator o Des. MARCUS ANDRADE, RT 680/85.

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sentido pronunciou-se, inclusive, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça18 .

O mesmo raciocínio é aplicável ao Estado, enquanto pessoa jurídica de direito público19. De fato, como autêntica personificação dos valores éticos da polis, ele também tem uma imagem e uma reputação a zelar, que nada mais é do que a projeção da honorabilidade e dignidade cívica de todos os cidadãos, considerados em seu conjunto.

Note-se que não terá sido sem justo motivo, pois, que

o constituinte estabeleceu a moralidade como um dos princípios regentes da atividade estatal (CF, art. 37).

Aliás, a idéia de que a Administração Pública pode

ser vítima de danos imateriais nada tem de nova: já era prevista, com efeito, num dos mais antigos textos legislativos do mundo — o Código de Hammurabi — que veio à luz dezoito séculos antes da Era Cristã20.

Ocorre que a Administração Pública é um ente

abstrato, que representa politicamente a sociedade, constituída por todos e cada um dos cidadãos, estes sim os verdadeiros titulares dos valores morais personificados naquela. Mais exato será falar, então, em dano difuso à coletividade, representada pelo Estado.

Vem sendo aceita pela mais moderna doutrina a

reparação de danos morais difusos, causados a número indeterminado de pessoas. LIMONGI FRANÇA deixa clara essa possibilidade no próprio conceito de dano moral, ao defini-lo como “aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa física ou jurídica, bem assim a coletividade, sofre no aspecto não econômico de seus bens jurídicos”21.

18 “Responsabilidade civil - Dano moral - Pessoa jurídica. A honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida pelo protesto indevido de título cambial, cabendo indenização pelo dano extrapatrimonial decorrente” - REsp. 60.033-2-MG, RF 334/315, rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR. 19 “A pessoa jurídica pública ou privada, os sindicatos, as autarquias, podem propor ação de responsabilidade, tanto fundada no direito material como no prejuízo moral” - AGUIAR DIAS, ob. cit., vol. 2, pág. 937; os destaques não são do original. 20 Aquele que afirmasse falsamente o desaparecimento de uma coisa sua, imputando responsabilidade à falha do serviço de vigilância e segurança do “distrito” (= administração distrital), ficava sujeito a ressarcir o poder público em valor correspondente ao dobro daquilo que injustamente reclamou (§ 126). Trata-se, sem dúvida, de reparação de prejuízo extra-patrimonial. V. EMANUEL BOUZON, “Código de Hammurabi”, Ed. Vozes, 1987, pág. 137. 21 “Reparação do dano moral”, obra ainda inédita, citada por MARIA LUIZA DE SABÓIA CAMPOS, “Publicidade: Responsabilidade Civil perante o Consumidor”, ed. Cultural Paulista, 1996, pág. 256; a mesma definição consta de artigo do Prof. LIMONGI FRANÇA publicado na Revista dos Tribunais vol. 631, págs. 29 e ss.

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SÉRGIO SEVERO, autor de excelente monografia sobre o tema, não hesita em considerar passíveis de dano moral os interesses coletivos e difusos22.

O mesmo entendimento foi acolhido por CARLOS

ALBERTO BITTAR, ilustre Magistrado e nosso Professor, recentemente falecido: “Tem-se, portanto, que os danos morais podem ser suportados por todos os entes personalizados, ou mesmo não, diante da evolução ocorrida nesse campo, com o reconhecimento de direitos de categorias, ou de grupos sociais, ou mesmo de coletividades”23

Na doutrina estrangeira, o consagrado Professor

GABRIEL STIGLITZ também se manifestou em favor da tese24. A evolução operada no campo das idéias foi

rapidamente assimilada pelo legislador brasileiro. Em sua redação original, o art. 1o. da Lei n. 7.347/85

já previa a proteção de valores imateriais de interesse coletivo (meio-ambiente, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico).

Sob a regência da nova Constituição Federal, o

Código de Defesa do Consumidor foi o primeiro diploma a estabelecer, de maneira expressa, a ressarcibilidade de danos morais causados à coletividade25.

22 Ob. cit., págs. 16/18. 23 Ob. cit., pág. 46. 24 “Por ello pensamos que conceptualmente es legítimo sostener que en tales o parecidas circunstancias existe un daño moral colectivo, diferente del que pueden experimentar várias personas por un hecho ilícito (...). Luego de una década de formulaciones doctrinarias los ordenamientos jurídicos de Brasil e Argentina incorporaron regímenes de prevención y resarcimiento, en orden a la dañosidad colectiva, especialmente en lo que referente a menoscabos al medioambiente y al consumidor, y en general a los intereses difusos. En Brasil, las reformas a la Ley 7347 (sobre acción civil pública para la tutela de los intereses difusos), incorporan la noción de daño moral colectivo (art. 1o.), dentro del sistema resarcitorio diseñado” (“Daño Moral Indivicual y Colectivo - Medioambiente, Consumidor y Dañosidad Colectiva” -in “Direito do Consumidor”, v. 19, 1996, págs. 73 e 75; o destaque é do original). Note-se que o Prof. STIGLITZ é co-autor (juntamente com o Dr. Augusto Morello) de monografia significativamente intitulada “Daño Moral Colectivo”, ed. La Ley, Argentina, 1984). 25 Lei 8.078/90, art. 6o.: “São direitos básicos do consumidor: (...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. Comentando esse dispositivo, salientaram NÉLSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY: “Seja de que tipo for, o dano ao consumidor é indenizável e deve ser reparado de forma integral. Seja ele difuso, coletivo ou individual, cabe ação para evitá-lo ou para repará-lo” - ob. cit., pág. 1657.

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Aliás, como bem observa MARIA LUIZA DE SABÓIA

CAMPOS, a proteção jurídica do consumidor, através de ações de natureza coletiva, não poderia mesmo prescindir da consideração dos danos morais provocados a número indeterminado de pessoas26.

Foi também o Código do Consumidor, em seu art.

110, que adaptou a Lei da Ação Pública ao novo texto constitucional, acrescentando-lhe um inciso IV ao art. 1o., ampliando sua tutela a qualquer interesse difuso ou coletivo.

Completando esse ciclo evolucional, o art. 88 da Lei

n. 8.884, de 11 de junho de 1994 reformulou o texto do art. 1o., “caput” da Lei n. 7.347/85, deixando expresso que a ação civil pública também é apta para obter a responsabilização por danos morais27.

Fica assim demonstrado que nosso sistema de

direito positivo contempla, sem nenhuma objeção possível, a reparação de danos morais impostos à coletividade.

Afirmamos que, no caso presente, toda a sociedade

iepense foi ofendida, em sua dignidade e decoro cívicos, pelos agentes públicos e demais envolvidos ora demandados.

Como se não bastasse arcar com os efeitos de uma

dos prejuízos de natureza estritamente patrimonial, decorrentes dos fatos narrados acima, os cidadãos de nossa Iepê tiveram o dissabor de constatar que os demandados, exercendo mal o poder que lhes foi conferido, desrespeitaram seguidamente a Constituição e desviaram recursos públicos de sua correta destinação. Ver seu mandatário rindo ao telefone foi no mínimo desconfortante e só deve ter majorado o natural sentimento de impunidade e impotência do cidadão que ganha seu dinheiro honestamente. 26 “Incluir entre os danos morais aqueles prejuízos sofridos pela coletividade, seja como grupo determinável ou difuso, é crucial à plena e eficaz proteção dos consumidores no que se refere aos danos causados pela publicidade enganosa ou abusiva” (...) “a obra publicitária (...) também pode causar danos morais - extrapatrimoniais ou não-econômicos -, os quais (...) encontram-se tutelados pelo direito brasileiro e, portanto, são passíveis de constituir responsabilidade civil, obrigando seu responsável a reparar o prejuízo sofrido pela vítima, que pode ser o indivíduo em particular ou a coletividade”, ob. cit., págs. 256 e 258; os destaques são do texto original.. 27 Assim ficou a redação desse importante dispositivo: “Art. 1o.: Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I - ao meio ambiente; II- ao consumidor; III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V- por infração da ordem econômica”.

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Atos de improbidade praticados pelos envolvidos, em

manifesto e evidente desacordo com a Constituição e as leis, ferem profundamente o sentimento de cidadania, ao revelar completa desconsideração e descaso à vontade popular, fundamento básico do poder estatal (CF, art. 2o.).

Como bem salienta HELY LOPES MEIRELLES,

“todo cidadão tem direito subjetivo ao governo honesto”28. Bem por isso, o mandato outorgado aos governantes pressupõe que estes se pautem por absoluta retidão de conduta, caracterizada por probidade, zelo e rigor no desempenho de seu munus público. A inobservância desses elementares deveres, por parte do mau administrador, deslustrando as altas responsabilidades que lhe foram confiadas, gera na coletividade sentimentos de abandono e insegurança, de descrédito nas autoridades, de desorganização social; em suma, de instabilidade de todas as instituições. A ninguém ocorreria negar, em casos tais, enorme e autêntico desapontamento da comunidade dos cidadãos, frustrados em suas justas expectativas por um governo pautado pelo estrito respeito à moralidade e à legalidade (CF, art. 37).

É precisamente esse desapontamento e essa

frustração que caracterizam, de modo inequívoco, a ocorrência de dano moral, conceito amplo que abrange todo o tipo de ofensa “ao decoro, à paz interior (...) aos sentimentos afetivos de qualquer espécie”29. Afinal, segundo a lição de JHERING, citada por MELO DA SILVA30, “devemos e podemos esperar que se nos respeite não apenas aquilo que temos, mas, também, aquilo que somos”.

A não punição de condutas ilícitas dos

administradores públicos – fato que, infelizmente, não tem sido raro – somente agrava tal quadro, castigando os cidadãos com mais um entre tantos pesares: o sentimento de total impotência em face dos desmandos dos governantes.

A ofensa aos interesses sociais, praticada por

agentes públicos ou não, implica um agravo à dignidade de todos os cidadãos e, conseqüentemente, da Administração Pública constituída

28 “Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas-data”, 12a. ed., RT, 1989, pág. 93; o destaque é do original. 29 WILSON MELO DA SILVA, ob. cit., pág. 2. 30 Ob. cit., n. 237, pág. 558.

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por mandato daqueles. Isto porque, como bem observa PONTES DE MIRANDA, no caso de danos morais, “a esfera ética da pessoa é que é ofendida”31. Impossível negar, no caso em exame, que a conduta dos demandados, desobedecendo os princípios da legalidade e da moralidade, representou sério gravame a altos valores sociais e gerou prejuízo moral aos governados, atingindo-lhes a dignidade cívica, o sentimento ético, a confiança que depositaram nas autoridades políticas. Viu-se lesado o direito de todos a um “governo honesto”32 , probo e incondicionalmente submisso à Constituição.

É preciso fazer cessar esse autêntico círculo vicioso,

em que a prática reiterada de atos de improbidade, sem adequada punição, gera um sentimento popular de desalento e descrédito nas instituições, o que leva a um afrouxamento dos meios de controle e fiscalização dos governantes, servindo de incentivo a novos atos de improbidade, com menor preocupação, a cada vez, quanto às possíveis conseqüências.

Nesse sentido, é o provecto RUI BARBOSA quem

enfatiza, melhor do que ninguém, as perigosas conseqüências que podem advir da reiterada violação dos direitos da cidadania33.

Quanto a estimativa de tal dano moral, maiores

problemas não se apresentam. Como já vimos, provocada uma lesão - seja de que

natureza for - surge o dever de indenizar (art. 159 do Código Civil). Embora os danos ora tratados sejam de natureza imaterial, sua reparação também haverá de ser feita em dinheiro, “porque este é o denominador comum dos valores, e é nesta espécie que se estima o desequilíbrio sofrido pelo lesado”34. 31 Ob. cit, tomo 53, § 5.509, pág. 218; o destaque não é do texto original. 32 Fazendo uso, novamente, da expressão de HELY LOPES MEIRELLES. 33 Mas se, com a mentira eleitoral, esbulham o povo do voto, que é a soberania do povo; se, com as oligarquias parlamentares, banem o povo do Congresso Nacional, que é a representação do povo; se, com as dilapidações orçamentárias, malbaratam a receita do imposto, que é o suor do povo; se, com as malversações administrativas, devoram a fazenda nacional, que é o patrimônio do povo; se, com o pretorianismo e a caudilhagem, anulam a defesa da pátria, que é o grande lar comum do povo; se, com a postergação oficial das sentenças, destroem a justiça, que é o ultimo asilo dos direitos do povo; se, com a organização da incompetência, do afilhadismo e da venalidade, excluem do serviço do Estado a inteligência, o saber e a virtude, que são os elementos do governo do povo pelo povo e para o povo; se, em suma, escorcham, dessangram e envilecem o povo, subtraindo-lhe tudo o que realmente distingue um povo de uma besta de carga; não nos espantamos de que, como aos mais lerdos muares, ou às rezes mais mansas, esgotada um dia a paciência à cansada alimária, junte os pés, e, num corcovo desses em que nem o gaucho nem o cossaco se agüentam, voem aos ares sela, estribos, chilenas, rebenques e cavaleiros. (“Coletânea Literária”, Companhia Editora Nacional, 3ª ed., págs. 315/316). 34 CAIO MÁRIO, ob. cit., n. 176, pg. 130.

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A tarefa de fixar o “quantum” necessário à

indenização por prejuízos morais não é simples35. Mas tal dificuldade, além de não ser motivo para deixar irreparado o dano36, é perfeitamente vencível, lembrando-se que, nessa matéria, “a estimativa pecuniária não é fundamental”37. O mais importante, certamente, é que nenhuma violação de direito fique impune38 .

É certo que a indenização por dano moral não deve

ser fonte de enriquecimento para a vítima, mas tampouco pode ser inexpressiva39.

Por outro lado, as “regras de experiência comum” e a

“observação do que ordinariamente acontece” – critérios de análise admitidos pela lei40 – autorizam a afirmação de que os prejuízos éticos e morais, decorrentes de uma conduta ilícita, podem ser até mesmo maiores do que sua repercussão patrimonial. O grande número de pessoas ofendidas, no presente caso - correspondente a toda a coletividade venceslauense - é fator que exaspera a responsabilidade dos demandados, e haverá de ser considerado, na sentença, para a fixação do “pretium doloris”.

A partir dessas considerações, com vistas ao

cumprimento do art. 258 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo de futuro arbitramento pelo Juízo41, o Autor atribui, aos danos morais suportados pela coletividade, valor correspondente a vinte por cento daqueles de natureza estritamente patrimonial, ou seja, R$ 25.299,80 (vinte e cinco mil, duzentos e noventa e nove reais e oitenta centavos).

35 SILVIO RODRIGUES, ob. cit. , pág. 36 “Mas não é justo, com bem ponderava JOSEF KOHLER, que nada se dê, somente por não se poder dar o exato” (PONTES DE MIRANDA¸ ob. cit., tomo 53, § 5.509, pág. 229; o destaque é do original). 37 ANTONIO CHAVES, citado por CAIO MÁRIO, “Responsabilidade Civil”, 8a. ed., Forense, 1997, pág. 55. 38 Esse é, precisamente, um dos fundamentos que justificam esse tipo de indenização: “ Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: ‘caráter punitivo’ para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o “caráter compensatório’ para a vítima, que receberá uma soma (...) como contrapartida do mal sofrido” (CAIO MÁRIO, ob. cit., pág. 55). 39 RJTJESP 137/187, rel. Des. CAMPOS MELLO. 40 Código de Processo Civil, art. 335. 41 A indenização por dano moral deve ser arbitrada judicialmente, quando não haja critério objetivo fixado pela lei (TJSP - JTJ 142/95, rel. Des. CEZAR PELUSO). Por vezes, o próprio legislador confia a fixação do “quantum” ao prudente arbítrio do juiz; assim, p. ex.: arts. 1.549 e 1.553 do Código Civil; art. 606 do Código de Processo Civil.

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DAS LIMINARES: A) AFASTAMENTO DO REQUERIDO FFAAIIAADD HHAABBIIBB

ZZAAKKIIRR DO CARGO DE PREFEITO MUNICIPAL QUE OCUPA O afastamento imediato do Prefeito de seu cargo é

um imperativo. Com efeito, há prova contundente do esquema realizado. Interceptações telefônicas, depósitos em nome da filha do Prefeito, uma única empresa forjando diversas empresas, com fraude à licitação...

Tudo detalhadamente comprovado. Os fatos praticados, per si, exigem o afastamento

imediato do Prefeito. De fato, não se trata, no presente caso, de mero

descumprimento de um Princípio Constitucional, irregularidade, ou de uma formalidade.

Não é disso que se trata. Em verdade, conforme ficou evidenciado às

escâncaras acima (fatos e respectiva comprovação), o réu, Prefeito Municipal, agindo dolosamente, associou-se a tantos outros com o fim exclusivo de dilapidar o patrimônio público, e o fazer em benefício próprio.

A conduta revela extrema periculosidade e audácia

no trato com o erário. Manter o réu no cargo é tolerar, até o fim de seu mandato, a presença de um perigo ao erário que, como se sabe, após lesado dificilmente é reparado integralmente.

Neste quadro, e considerando somente a conduta

praticada, per si, é um imperativo o afastamento do réu de seu cargo, porque a audácia demonstrada no trato com o erário revela o risco que o erário sofre com sua presença.

Não custa salientar que o réu Francisco, titular da

empresa fraudadora, está PRESO. E preso, diga-se de passagem, exatamente por conta das fraudes perpetradas e descritas nesta ação, que ocorreram também em outros municípios pelo Estado de São Paulo afora.

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Ressalta-se que por conta disso outros Municípios da região estão passando por situações análogas e, recentemente, o Juiz de Direito da Primeira Primeira Vara Cível da Comarca de Presidente Prudente, afastou liminarmente o Prefeito de Alfredo Marcondes, pelos mesmos fatos aqui relacionados (documento nº.08)

Surreal tolerar que o comparsa do Prefeito nas

negociatas escusas seja preso e ele, Prefeito, continue governando o Município. Não parece razoável tal tolerância.

Pior que isso. Não bastando tudo quanto dito acima, o que já

exigiria o imediato afastamento do Prefeito, pela natureza de sua conduta, INFINITAMENTE ESTRANHA AO COMPORTAMENTO QUE SE ESPERA DE UM PREFEITO, também necessário o afastamento para que o réu não PREJUDIQUE A PRODUÇAO DE PROVAS, manietando requisições de documentos e utilizando a máquina, novamente, a seu proveito, desta feita visando criar provas para refutar o teor desta ação.

Não se trata de mera conjectura, mas de um fato. O

prefeito já tencionou prejudicar as investigações, e o fará de novo, caso mantido em seu cargo.

Conforme já afirmado no decorrer da presente ação,

o requerido FAIAD HABIB ZAKIR, foi flagrado em interceptação telefônica ora juntada, que captou conversa entre ele e Francisco, comentando por diversas vezes em detalhes, sobre os documentos solicitados e o que deveria ser apresentado ao Ministério Público.

Ademais, violou ele o dever de sigilo contido na

requisição documental, frustrando, assim, os objetivos almejados pela investigação e ainda acarretando dano a todo trabalho efetuado pelo Ministério Público e pela Polícia Civil do Estado de São Paulo.

De acordo com o artigo 20, parágrafo único, da Lei de

Improbidade, para o afastamento cautelar do agente público do exercício do cargo há a exigência de que tal medida se faça necessária à instrução processual.

É preciso levar em conta que a expressão "instrução

processual" contida no parágrafo único do artigo 20 da Lei de Improbidade não pode ter interpretação acanhada. Há de ser entendida dentro do contexto em que se encontra inserida. Se existem indícios, como no presente, de que o agente público, ficando em seu cargo, poderá perturbar, de algum modo, a coleta de provas do processo, o afastamento liminar se impõe, imediatamente, inexistindo poder

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discricionário da autoridade judiciária. É suficiente que, pela quantidade dos fatos, pela complexidade da demanda, pela notória necessidade de dilação probante, se faça necessário, em tese, o afastamento compulsório e liminar do agente público do exercício de seu cargo, sem prejuízos de seus vencimentos, enquanto persistir a importância da coleta de elementos informativos ao processo.

Em outras palavras, a efetivação da medida cautelar

prevista no artigo 20, parágrafo único, da Lei n. 8.429/92 necessita da presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. Enquanto o primeiro requisito se caracteriza pela viabilidade da acusação exposta na petição inicial, a presença do periculum in mora deve ser constatada pela necessidade de afastamento do requerido FAIAD HABIB ZAKIR para que haja a regular coleta de provas durante a instrução processual.

Analisando hipótese de pedido de afastamento

cautelar de cargo, o Ministro GILSON DIPP42, manifestou-se no seguinte sentido:

“De qualquer sorte, não se pode aplicar o

disposto no artigo 20, da Lei de Improbidade, a partir de sua interpretação isolada, recomendando-se uma leitura sistemática do preceito sem deixar de considerar todo o contexto jurídico pertinente. Para que a proteção jurídica da instrução processual? Para a produção de um julgamento absolutamente justo. Não há outra alternativa. Esta é realmente a única resposta razoável. Entretanto, contenta-se o legislador com isso? Evidentemente, não. A sentença justa é um bem jurídico, mas sem que possa efetivamente ser executada e o seja, de nada valerá. Indispensável, pois, que o juiz se utilize de seu poder geral de cautela, tomando todas as medidas provisórias necessárias para evitar que o demandado, se condenado, possa prejudicar a sua execução. Com efeito, não só na defesa da boa instrução processual seria possível o afastamento do prefeito. Essa providência é possível também para evitar a continuação da prática de atos danosos ao patrimônio público municipal”.

A jurisprudência também vem admitindo o

afastamento do funcionário em geral como medida cautelar, senão vejamos:

“Ajuizamento com fundamento no artigo 12, III, da

Lei de Improbidade (Lei nº 8.429/92). Liminar. Decisão que determinou o afastamento dos requeridos do exercício de seus cargos de vereador. Presença dos requisitos do "fumus boni juris"e 42 STJ, MC 1730 – SP, 5ª Turma, Rel. Min.JORGE SCARTEZZINI, j. em 07.12.99.

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do "periculum in mora". Inocorrência de ofensa ao art.5º, LVI, da CF”43.

“Responsabilidade civil por improbidade

administrativa. Manutenção da liminar concedida que afastou o impetrante do cargo de Prefeito Municipal por mais de 6 meses. Admissibilidade. Art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92, que autoriza o afastamento do agente público, sem delimitação de tempo, persistindo enquanto a medida se fizer necessária à instrução processual”44.

“Ação de improbidade administrativa promovida

pelo Ministério Público. Liminar para o afastamento do cargo do Prefeito de Bauru e decretação da indisponibilidade de seus bens. Admissibilidade. Aplicação dos arts. 16 e 20, § único, da Lei Federal 8.429/92”45.

De outra parte, MARINO PASAGLINI FILHO,

MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA e WALDO FAZZIO JÚNIOR46 ensinam que o afastamento cautelar se justifica sempre que for “indispensável para garantir a efetividade dos princípios constitucionais da Administração Pública, por certo mais privilegiado que o direito individual que restringe”.

Dúvidas inexistem que, se ele continuar no cargo de

Prefeito Municipal de Iepê no decorrer da presente demanda, com certeza fará de tudo para que o trâmite do processo e a colheita das provas sejam maculadas.

Desta forma, presentes os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, é a presente para requerer a concessão de liminar, inaudita altera parte, para afastar o requerido FAIAD HABIB ZAKIR de seu cargo público de Prefeito Municipal de Iepê, sem prejuízo da remuneração, até o julgamento do processo, nos termos do artigo 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92.

B) SUSPENSÃO IMEDIATA DOS CONTRATOS

RELACIONADOS AO EMPREENDIMENTO “G”.

43 TJSP, AI.107.460.5/7-00, 8ª Câmara de Direito Público, São Sebastião, Rel. Des. PAULO TRAVAIN, j. em 24.3.99 44 TJSP, AI.125.114.5/0, 4ª Câmara de Direito Público, Guarulhos, Rel. Des. CLÍMACO DE GODOY, j. em 11.11.99. 45 TJSP, AI 108.448.5/0, Bauru, Rel. Des. JOVINO DE SYLOS, j. em 20.12.99. 46Improbidade Administrativa - Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público, São Paulo, Editora Atlas, 1996, p. 181.

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Tendo em vista toda a argumentação explanada no decorrer desta ação, é patente a necessidade de que todos os contratos efetivados entre a Prefeitura Municipal de Iepê e as empresas vencedoras das licitações para gerenciamento e entrega de materiais para as obras de construção de casas populares com verba da CDHU referente ao empreendimento Iepê “G” sejam suspensos.

A fraude nos processos licitatórios o tornam nulos,

motivo pelo qual, até decisão final, os contratos subseqüentes não podem continuar vigendo, sob pena de estarmos ratificando toda a ilegalidade já constatada.

C) INDISPONIBILIDADE DE BENS DE TODOS OS

REQUERIDOS Pleiteia-se, também, o decreto de indisponibilidade

de bens de todos os envolvidos, responsáveis solidários pelo ressarcimento do erário público, para evitar seu perecimento ou dissipação, assegurando o integral cumprimento da sentença que, certamente, determinará as reparações pleiteadas.

Em casos dessa natureza, em que se constata a

odiosa prática de atos de improbidade, o periculum in mora é presumido pela própria Constituição Federal, que estatui, de forma peremptória, em seu art. 37, par. 4º, que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

Não se olvide que indisponibilidade, naturalmente,

não é sanção; é medida de cautela, de garantia. Se o constituinte quisesse se referir às penalidades a serem impostas ao autor de atos de improbidade, usaria a expressão “perda de bens”. A dicção constitucional tem o evidente propósito de demonstrar a imprescindibilidade da medida assecuratória da indisponibilidade de bens, quando proposta ação tendente à condenação por ato de improbidade administrativa.

Em obediência ao dispositivo da Lei Maior, o art. 16

da Lei n. 8.429/92 impôs, como única condição à medida constritiva, a existência de “fundados indícios de responsabilidade” (em outras palavras, a existência de fumus boni juris). Nem poderia, é certo, exigir mais, para não atentar contra o mandamento constitucional.

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De fato, se o administrador público, em conluio com os demais requeridos, não se mostra zeloso quanto à gerência e conservação do patrimônio público, também não merecerá confiança para a preservação de seu próprio patrimônio pessoal, que é a única garantia que a sociedade dispõe para ver efetivado o ressarcimento.

A observação do que comumente acontece e das

regras de experiência comum, autorizadas pelo art. 335 do Código de Processo Civil, permite prever que os réus, numa reação humana e compreensível diante da perspectiva de perda total de seu patrimônio, venham a praticar atos prejudiciais à futura satisfação do débito.

É indispensável proteger o patrimônio pessoal dos

réus não só de possível dilapidação, mas até de eventual má administração, uma e outra conducentes ao mesmo e desastroso resultado: a dissipação da garantia da execução de futura sentença condenatória.

Diante do exposto, requer o Ministério Público seja

decretada, liminarmente, com suporte no art. 12 da Lei n. 7.347/85, no art. 7º e parágrafo único e no art. 16 da Lei n. 8.429/92, a indisponibilidade dos bens de todos os envolvidos, até o julgamento definitivo do mérito da causa, com o objetivo de assegurar a integral reversão dos mesmos ao patrimônio da municipalidade de Iepê, nos termos do art. 18 da Lei n. 8.429/92.

Para a execução da medida, requer-se a expedição

de ofícios aos Cartórios de Registros Imobiliários de Rancharia e Iepê, à Ciretran de Presidente Prudente, à Telefonica e às respectivas agências bancárias, comunicando-se e determinando-se a indisponibilidade dos bens.

DOS PEDIDOS Diante de todo o exposto, é a presente para requerer

a autuação da presente inicial, instruída com todos os documentos em anexo e que, ao final, seja a ação civil pública julgada procedente para:

1) Liminarmente, afastar o requerido FAIAD HABIB

ZAKIR, inaudita altera pars, do seu cargo de Prefeito Municipal de Iepê, com prejuízo da remuneração, até final julgamento do processo, nos termos do artigo 20, parágrafo único da Lei n. 8429/92.

2) Liminarmente, suspender os contratos referentes

ao empreendimento “Conjunto Habitacional Iepê “G”.

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3) Liminarmente, decretar-se a indisponibilidade dos bens

de todos os envolvidos, nos termos já pleiteados acima. 4) Condenar, ao final, FAIAD HABIB ZAKIR pela

prática dos atos de improbidade previstos no artigo 10, inciso VIII e no artigo 11, caput, da Lei 8.429/92, às seguintes sanções: perda dos bens ou valores acrescidos ao patrimônio, ressarcimento integral do dano em solidariedade com os demais requeridos, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 anos.

5) Condenar, ao final, Francisco Emílio de Oliveira,

Edileni Luiz Ferreira, Rita de Cássia Virgili Ferreira, Lucília Fernandes de Souza, Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio e Mirian Rosa Alcântara Zakir pela prática dos atos de improbidade previstos nos artigos 10, inciso VIII, e 11, caput, da Lei 8.429/92, às seguintes cominações: perda dos bens ou valores acrescidos ao patrimônio, ressarcimento integral do dano em solidariedade com os demais réus, suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos, pagamento de multa civil de até 2 vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 anos.

6) Condenar, ao final, “FT Construções e Comércio Tarabai Ltda”, “Virgili & Monteiro Ltda ME”, “Monte Alto Comércio de Materiais para Construções Ltda”, “Vidraçaria Avenida” e “ Rosaly Sylvia Ramalho Sampaio - EPP ” pela prática dos atos de improbidade previstos nos artigos 10, inciso VIII, e 11, caput, da Lei 8429/92, às seguintes penas: ressarcimento integral do dano em solidariedade com os demais réus e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 anos.

7) Condenar, ao final, todos os requeridos,

solidariamente, ao pagamento de dano moral no importe de 20% do valor total do dano material calculado.

8) Condenar, ao final, todos os requeridos ao pagamento das custas e demais despesas processuais.

Requer-se sejam mencionados pagamentos acrescidos

de juros e correção monetária, a partir da data da citação dos requeridos. Para fins de cálculo do montante total do dano material

causado por esta manobra ilegal, requer-se a realização de perícia em todas as

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habitações já construídas e em construção, a fim de se atestar a qualidade e quantidade de todo o material ali empregado e compará-lo com aquele constante no edital de licitação anexado ao feito como documento. Após, requer-se perícia contábil e documental para se apurar qual o montante do superfaturamento de cada habitação construída e a ser construída.

Requer-se, também, a notificação prévia dos

demandados, nos termos dos §§ 5º a 11º, do art. 17 da Lei n.º 8.429/92, conforme redação dada pelo artigo 4º da Medida Provisória n.º 2.224-45, de 04.09.01, para oferecerem manifestação por escrito, que poderão ser instruídas com documentos e justificações, no prazo de 15 (quinze) dias e, posteriormente, após o recebimento da inicial, seja procedida à citação deles, observado o artigo 172, § 2º, do CPC, para que apresentem contestação, no prazo legal, sob pena de revelia, prosseguindo-se nos termos do procedimento comum ordinário

Requer-se, ainda, a citação da Prefeitura Municipal de

Alfredo Marcondes, para os fins do artigo 17, § 3º, da Lei 8.429/92. Requer-se, ademais, se digne Vossa Excelência a

determinar a extração de cópias reprográficas das principais peças do presente feito, e o seu posterior envio à Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, visando submeter a conduta dos requeridos ao crivo do Excelentíssimo Procurador Geral de Justiça, para as providências na esfera criminal, haja vista, s.m.j., ter o requerido Odilo, ao agir do modo descrito na exordial, violado norma penal incriminadora r

ezada do Decreto-Lei n.º 201, de 27 de fevereiro de 1.967 Requer-se, por fim, que seja dada ciência da presente

ação à Câmara Municipal de Iepê, na pessoa de seu presidente, para que efetivem as providências que entenderem necessárias, notadamente aquelas prevista no Decreto-Lei n.º 201/6747;

Protesta pela produção de todas as provas permitidas

pela legislação vigente, em especial pela juntada posterior de documentos referentes aos Inquéritos Policiais n. 37/06 como prova emprestada e pela oitiva de testemunhas, que serão arroladas no momento oportuno Tudo indica que uma destas contas foi da titularidade de sua própria filha, como faz prova o depósito bancário acima mencionado, realização de perícias, apresentação de cálculos, juntada de novos documentos e outros elementos probantes que, porventura, forem considerados necessários à cabal demonstração dos fatos expostos.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.821.604 (um milhão,

oitocentos e vinte e um mil, seiscentos e quatro reais), para fins fiscais. 47 Que dispõe sobre a responsabilidade dos prefeitos e vereadores.

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Termos em que, Pede deferimento. Iepê, 30 de maio de 2007. LUCIANA DE FÁTIMA CARBONI RODRIGUES Promotora de Justiça ANDRÉ LUIS FELÍCIO Promotor de Justiça

DANIELE RAMIA NEGRÃO Promotora de Justiça

MÁRIO COIMBRA Promotor de Justiça