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5910233 – Física III (teórica) – FFCLRP – USP – Prof. Antônio Roque – Aula 5 1 Lei de Gauss Considere uma distribuição arbitrária de cargas ou um corpo carregado no espaço. Imagine agora uma superfície fechada qualquer envolvendo essa distribuição ou corpo. A superfície é imaginária, ela não existe de fato. A distribuição de cargas (ou o corpo carregado) produz um campo elétrico em todos os pontos do espaço. Em particular, haverá um valor de para cada ponto da superfície fechada imaginária. A ilustração abaixo dá um exemplo. A superfície fechada (lembra uma batata neste caso) engloba uma distribuição de cargas ou um corpo que, por causa do desenho, não é visível de fora.

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Lei de Gauss

Considere uma distribuição arbitrária de cargas ou um corpo

carregado no espaço. Imagine agora uma superfície fechada

qualquer envolvendo essa distribuição ou corpo. A superfície é

imaginária, ela não existe de fato.

A distribuição de cargas (ou o corpo carregado) produz um campo

elétrico 𝐸 em todos os pontos do espaço. Em particular, haverá um

valor de 𝐸 para cada ponto da superfície fechada imaginária. A

ilustração abaixo dá um exemplo. A superfície fechada (lembra uma

batata neste caso) engloba uma distribuição de cargas ou um corpo

que, por causa do desenho, não é visível de fora.

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Mesmo sem saber qual é a distribuição de cargas no interior da

superfície fechada, o conhecimento do campo elétrico sobre a

superfície nos fornece informação sobre a distribuição de cargas.

Isto é possível por causa da lei de Gauss, que será estudada nesta

aula.

A lei de Gauss é uma das contribuições do grande matemático

alemão Carl Friedrich Gauss (1777-1855) à física.

A figura 22.2 do livro-texto mostra exemplos do campo elétrico

sobre uma superfície fechada com a forma de um paralelepípedo

para as seguintes distribuições de cargas no interior da superfície: (a)

uma carga positiva, (b) duas cargas positivas, (c) uma carga negativa

e (d) duas cargas negativas.

Estamos considerando uma situação em que a distribuição de cargas

é estática, ou seja, o campo elétrico produzido por ela é estático; o

seu valor em cada ponto não muda com o tempo.

Porém, observando a figura anterior ou as figuras do livro-texto nos

ocorre a impressão de estarmos olhando para um fluxo de algo. Essa

impressão vem do fato de estarmos olhando para setas entrando ou

saindo da superfície fechada.

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Isso sugere que podemos fazer uma analogia entre as setas do

campo elétrico vetorial ao longo de uma superfície imaginária no

espaço e um fluxo, que será chamado de fluxo elétrico.

Para construirmos essa analogia de forma coerente, temos que

estabelecer regras auto-consistentes para definir o fluxo elétrico.

Essas regras são as seguintes (a ideia é seguir nossa intuição a

respeito do escoamento de fluidos reais, saindo de fontes ou indo

para sorvedouros).

1. Cada carga no interior da superfície imaginária produz um

fluxo elétrico através da superfície. Se a carga for positiva, o

fluxo elétrico está saindo da superfície. Se a carga for negativa,

o fluxo elétrico está entrando na superfície.

2. O fluxo elétrico líquido através de uma superfície fechada é

dado pela soma do fluxo para fora da superfície (tomado como

positivo) com o fluxo para dentro da superfície (tomado como

negativo).

3. O fluxo elétrico líquido através de uma superfície fechada é

diretamente proporcional à carga líquida no interior da

superfície, mas não depende do tamanho da superfície fechada

escolhida.

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A figura 22.3 do livro-texto mostra três casos em que o fluxo líquido

através de uma superfície fechada é zero:

• A superfície está vazia (não há cargas no seu interior);

• A quantidade de cargas positivas dentro da superfície é igual à

quantidade de cargas negativas;

• A superfície está vazia e é imersa em um campo elétrico

uniforme.

Observe que neste último caso existe um campo elétrico no interior

da superfície. Porém, o fluxo líquido é nulo (o que sai é igual ao que

entra). Veja a figura abaixo.

As regras definidas acima nos permitem ter uma compreensão

qualitativa sobre o fluxo elétrico. Para podermos fazer estudos

quantitativos, é necessário desenvolver uma abordagem matemática.

Para tal, vamos começar com a definição de fluxo. Esse é um

conceito muito usado quando se estuda fluidos em movimento e,

portanto, vamos introduzi-lo a partir de um exemplo da

fluidodinâmica.

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Fluxo

Considere um fluido em escoamento estacionário da esquerda para a

direita. Como o escoamento é estacionário, cada elemento do fluido

tem a mesma velocidade 𝑣 (o campo vetorial de velocidades é

estacionário).

Considere uma área circular imaginária no interior do fluido e

perpendicular a 𝑣. O volume de fluido que passa pela área num

intervalo de tempo dt é dado por

𝑑𝑉 = 𝐴𝑣d𝑡,

onde A é a área do círculo (veja a figura abaixo).

O fluxo do fluido através da área circular é dada por dV/dt (volume

de fluido que passa pela área por intervalo de tempo). Portanto, o

fluxo vale

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Φ =𝑑𝑉𝑑𝑡

= 𝐴𝑣.

Representamos o fluxo pela letra grega maiúscula Φ.

Se a área A estiver inclinada de um ângulo φ (veja a figura abaixo), a

área que conta para a passagem de fluido é a projeção da área

inclinada sobre o plano vertical, Acosφ, e o fluxo vale

Φ =𝑑𝑉𝑑𝑡

= 𝐴𝑣 cos𝜙.                                                                            (1)

Observe que se a área A for paralela ao campo de velocidades (φ =

π/2) o fluxo é nulo.

A expressão para o fluxo pode ser definida em termos do chamado

vetor área 𝐴.

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Considere uma área A qualquer (veja a figura abaixo).

O vetor área 𝐴 é definido como o vetor que tem:

− Módulo: valor de A;

− Direção: da reta perpendicular à área A;

− Sentido: do vetor unitário 𝑛 normal a A definido de tal forma

que quando a área faz parte de uma superfície fechada o vetor

𝑛 aponta para fora da superfície fechada.

Note que, segundo essa definição, o sentido positivo de uma

superfície fechada é o que aponta para fora dela e o sentido negativo

é o que aponta para dentro (sentido de −𝑛).

Usando a definição de vetor área, o fluxo através de uma área A

pode ser escrito como o produto escalar

Φ = 𝑣 ∙ 𝐴 = 𝑣𝐴 cos𝜙,                                                                      (2)

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onde φ é o ângulo entre os vetores 𝑣 e 𝑛 (veja a figura abaixo).

Fluxo elétrico

Em analogia com o fluxo de um fluido estacionário, define-se o

fluxo elétrico (de um campo elétrico uniforme) através de uma

superfície imaginária de área A como

Φ! = 𝐸 ∙ 𝐴 = 𝐸𝐴 cos𝜙.                                                                      (3)

Veja a figura abaixo.

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Se o campo elétrico não for uniforme, isto é, variar de ponto para

ponto, o fluxo elétrico através de uma superfície imaginária é dado

pela soma dos fluxos elétricos através de cada pequeno elemento de

área da superfície (veja a figura abaixo).

No limite em que os pequenos elementos de área são infinitesimais

(𝑑𝐴 = 𝑑𝐴𝑛), a soma torna-se uma integral de superfície:

Φ! = 𝐸 ∙ 𝑑𝐴!"#.

= 𝐸 ∙ 𝑛𝑑𝐴!"#.

= 𝐸 cos𝜙 𝑑𝐴,                          (4)!"#.

onde ∫sup. indica a integral pela superfície. Em particular, se a

superfície for fechada (como é o caso da figura acima) teremos:

Φ! = 𝐸 ∙ 𝑑𝐴!

= 𝐸!

∙ 𝑛𝑑𝐴 = 𝐸 cos𝜙𝑑𝐴,                        (5)!

onde ! significa integral por toda a superfície fechada S.

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Exemplo 1: fluxo de um campo elétrico uniforme 𝐸 através de um

cubo de lado L.

O desenho abaixo mostra o cubo e o campo elétrico uniforme. Os

vetores unitários normais às seis superfícies que formam o cubo

estão mostrados também (𝑛!, 𝑛!, 𝑛!, 𝑛!, 𝑛! e 𝑛!). No caso do

desenho, o vetor campo elétrico aponta na direção de 𝑛!. Você pode

fazer como exercício para casa os casos em que ele aponta nas

outras cinco direções e também o caso em que o cubo está girado de

um ângulo θ em relação à direção do campo (veja o exemplo 22.2

do livro-texto).

O fluxo elétrico através das áreas cujos vetores normais são 𝑛!, 𝑛!,

𝑛! e 𝑛! é nulo, pois nestes casos a direção de 𝐸 é ortogonal a esses

vetores.

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Só há fluxo não nulo através das duas superfícies pintadas no

desenho. O fluxo pela superfície 1 (vetor normal 𝑛!) é:

Φ! = 𝐸 ∙ 𝐴! = 𝐸𝐴 cos𝜋 = −𝐸𝐿!.

O fluxo pela superfície 2 (vetor normal 𝑛!) é:

Φ! = 𝐸 ∙ 𝐴! = 𝐸𝐴 cos 0 = 𝐸𝐿!.

O fluxo elétrico total pela superfície do cubo é então:

Φ! = Φ! +Φ! = 0.

Exemplo 2: Fluxo elétrico através de uma esfera com uma carga q

em seu centro. A situação é ilustrada pela figura abaixo.

A esfera tem raio r e a carga q está no centro. O campo elétrico

aponta na direção radial (no caso do desenho ele aponta para fora da

esfera, pois q > 0). A figura mostra também um elemento de área dA

sobre a superfície da esfera. O vetor normal ao elemento de área, 𝑛,

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também aponta na direção radial (no caso, ele tem o mesmo sentido

de 𝐸). Portanto,

𝐸 ∙ 𝑑𝐴 = 𝐸𝑑𝐴.

O fluxo total através da esfera é

Φ! = 𝐸𝑑𝐴sup.

= 𝐸 𝑑𝐴sup.

= 𝐸𝐴,

onde A é a área da esfera. Temos que

𝐸 =1

4𝜋𝜀!𝑞𝑟!            e            𝐴 = 4𝜋𝑟!.

Logo,

Φ! =𝑞𝜀!.

Se a carga q for negativa, o fluxo será negativo (𝐸 está entrando na

esfera):

Φ! = −𝑞𝜀!.

Note que o fluxo elétrico não depende do raio da esfera. Ele depende

apenas da carga q.

Exemplo 3: Fluxo elétrico através de uma superfície fechada

qualquer com uma carga q em seu interior.

Para resolver este problema, vamos primeiro obter o fluxo do campo

elétrico gerado por q sobre um elemento de área circular dA.

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O desenho abaixo mostra esse caso.

O centro da superfície circular está a uma distância r da carga q. O

campo elétrico nesse ponto aponta na direção radial. Vamos

continuar supondo, sem perda de generalidade, que a carga q é

positiva, de maneira que o sentido de 𝐸 é se afastando de q. A

superfície dA é tal que seu vetor normal forma um ângulo θ com a

direção do campo.

O fluxo elétrico através da superfície dA vale então:

Φ! = 𝐸 ∙ 𝑑𝐴 = 𝐸 𝑟 𝑑𝐴(𝑟 ∙ 𝑛).

O módulo do campo elétrico E(r) é

𝐸 𝑟 =1

4𝜋𝜀!𝑞𝑟!,

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e 𝑟 ∙ 𝑛 = cos 𝜃, logo:

Φ! =𝑞

4𝜋𝜀!𝑑𝐴 cos 𝜃𝑟!

.                                                                        (6)

Define-se o ângulo sólido dΩ subentendido por um elemento de

área orientado dA, com normal 𝑛, em relação a um ponto O, situado

à distância r de dA como:

𝑑Ω ≡𝑑𝐴 cos 𝜃𝑟!

,                                                                                (7)

onde θ é o ângulo entre 𝑛 e o vetor unitário na direção de r, 𝑟.

Para entender o conceito de ângulo sólido observe a figura abaixo.

O conceito de ângulo sólido procura generalizar o conceito de

ângulo da geometria plana para o caso tridimensional.

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Note que, de acordo com o conceito de ângulo da geometria plana,

dado um segmento de arco S e um ponto O, o ângulo subentendido

pelo segmento de arco em relação a O é o mesmo para qualquer

outro segmento de arco (S1, S2, etc) compreendido entre as linhas

que unem o ponto O às extremidades do segmento (veja abaixo).

Voltando a olhar para a figura da página 14, note que a “abertura” da

superfície cônica subentendida entre a área dA e o ponto O é a

mesma que a subentendida pela área dS com o ponto O. Da figura,

vemos que dS é a projeção de dA sobre a esfera de raio r centrada

em O, isto é,

𝑑𝑆 = 𝑑𝐴 cos 𝜃 = 𝑑𝐴 𝑛 ∙ 𝑟 .

A “abertura” da superfície cônica também é a mesma para o

elemento de área dS’ compreendido entre a superfície cônica (não

mostrado na figura) de qualquer esfera de raio r’ centrada em O.

Note que esses elementos de área esféricos (dS, dS’, etc) têm áreas

diferentes que crescem em proporção a r2.

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Mas nós queremos definir uma medida da “abertura” da superfície

cônica subentendida entre a área dA e o ponto O que não dependa da

distância, como é o caso do ângulo na geometria plana. A maneira

de fazer isso é dividir dS por r2, o que corresponde a tomar a área

dΩ da esfera de raio unitário centrada em O compreendida entre a

superfície cônica (veja a figura novamente).

Essa medida, dΩ, é chamada de ângulo sólido (equação 7). Note que

a divisão por r2 faz com que dΩ seja uma quantidade adimensional.

Por analogia com o radiano usado para medir ângulos planos,

define-se a unidade de ângulo sólido como o esterradiano. Para

saber mais sobre ângulo sólido, procure na internet.

Em termos do conceito de ângulo sólido, podemos reescrever o

fluxo elétrico através de uma superfície circular qualquer gerado por

uma carga puntiforme q (equação 6) como:

Φ! =𝑞

4𝜋𝜀!𝑑Ω.                                                                                      (8)

Podemos agora tratar do problema principal deste exemplo, que é o

cálculo do fluxo elétrico devido a uma carga puntiforme q através de

uma superfície fechada qualquer.

A figura abaixo ilustra a situação.

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A superfície está indicada por S e a carga em seu interior por q. O

fluxo elétrico através do elemento de área dA indicado na figura é

dado por

Φ! =𝑞

4𝜋𝜀!𝑑Ω,

onde dΩ é o ângulo sólido indicado na figura (o elemento de área da

esfera de raio unitário centrada em q compreendido pela superfície

cônica que une as bordas de dA com o ponto onde está q).

Aplicando o princípio da superposição, o fluxo total pela superfície

fechada S é dado pela soma de ΦE acima por todos os elementos de

área dA que cobrem S. Como vimos anteriormente (equação 5), este

fluxo é dado pela integral da equação acima por toda a superfície

fechada S:

Φ! =𝑞

4𝜋𝜀!𝑑Ω

!.

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Note que a integral de dΩ pela superfície fechada S é igual ao

ângulo sólido total compreendido por S, que é igual à área da esfera

de raio unitário no interior de S:

Ω = 𝑑Ω!

= 4𝜋.                                                                              (9)

Portanto, o fluxo elétrico total através de uma superfície fechada

qualquer devido a uma carga q no interior da superfície vale:

Φ! =𝑞𝜀!.                                                                                            (10)

Como qualquer distribuição de cargas pode ser decomposta em

cargas elementares puntiformes e, pelo princípio da superposição, o

campo elétrico gerado por essa distribuição de cargas em qualquer

ponto do espaço é dado pela soma dos campos das cargas

elementares, então o fluxo elétrico através de qualquer superfície é

dado por:

Φ! = 𝐸 ∙ 𝑑𝐴!

=𝑄𝜀!,                                                                (11)

onde Q é a carga líquida total contida no interior da superfície. Note

que se Q = 0, isto é, se não houver carga líquida dentro da superfície

fechada, o fluxo elétrico através da superfície é nulo.

O enunciado acima é conhecido como Lei de Gauss.

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A lei de Gauss é importante porque ela nos permite saber qual a

carga líquida no interior de uma superfície fechada mesmo sem

medir diretamente essa carga. Basta apenas medir o fluxo elétrico

através da superfície.

A situação é análoga à de um reservatório contendo um fluido.

Pense, por exemplo, numa piscina cheia d’água. Podemos saber se a

piscina está sendo cheia ou esvaziada (por uma mangueira ou uma

bomba de sucção, por exemplo) pela observação do fluxo de água

através da superfície fechada composta pelo leito da piscina e sua

superfície exposta.

É comum dizer que a lei de Gauss significa que as cargas elétricas

são as fontes do campo elétrico.