legitimidade dos cônjuges

4
1. LEGITIMIDADE DOS CÔNJUGES I. Se o título executivo contemplar os dois cônjuges, seja como credores, seja como devedores, não há dúvida de que ambas podem instaurar a acção executiva ou contra ambos pode ser instaurada a acção executiva. II. Se a dívida de um dos cônjuges for própria, só pode ser demandado em execução o cônjuge devedor, desde que haja título executivo (judicial ou extrajudicial) contra ele. Por essa dívida irão responder em primeira linha, os seus bens próprios ou, subsidiariamente a sua meação, nos bens comuns do casal, de harmonia com o disposto na lei civil (art. 1696.º, n.º 1, do Código Civil). III. Se a dívida for comum e não houver título extrajudicial, ambos os cônjuges devem ser demandados na acção declarativa contra eles instaurada (art. 28.º-A, n.º 3). Trata-se de um caso de litisconsórcio necessário passivo. A execução deverá ser instaurada contra ambos os cônjuges, sob pena de ilegitimidade, sanável por intervenção do cônjuge não demandado no requerimento de execução. Pode, porém, suceder que embora a dívida seja comum, o credor só disponha de título executivo contra um dos cônjuges. Se se tratar de um título judicial, é controvertido saber se a situação pode ser corrigida, na

Upload: antonio-charro

Post on 29-Dec-2014

39 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Legitimidade dos cônjuges

1. LEGITIMIDADE DOS CÔNJUGES

I. Se o título executivo contemplar os dois cônjuges, seja como credores,

seja como devedores, não há dúvida de que ambas podem instaurar a acção

executiva ou contra ambos pode ser instaurada a acção executiva.

II. Se a dívida de um dos cônjuges for própria, só pode ser demandado em

execução o cônjuge devedor, desde que haja título executivo (judicial ou

extrajudicial) contra ele. Por essa dívida irão responder em primeira linha, os

seus bens próprios ou, subsidiariamente a sua meação, nos bens comuns do

casal, de harmonia com o disposto na lei civil (art. 1696.º, n.º 1, do Código

Civil).

III. Se a dívida for comum e não houver título extrajudicial, ambos os

cônjuges devem ser demandados na acção declarativa contra eles instaurada

(art. 28.º-A, n.º 3). Trata-se de um caso de litisconsórcio necessário passivo. A

execução deverá ser instaurada contra ambos os cônjuges, sob pena de

ilegitimidade, sanável por intervenção do cônjuge não demandado no

requerimento de execução.

Pode, porém, suceder que embora a dívida seja comum, o credor só

disponha de título executivo contra um dos cônjuges. Se se tratar de um título

judicial, é controvertido saber se a situação pode ser corrigida, na medida em

que nem o autor, nem o réu integraram o contraditório, requerendo a

intervenção do cônjuge não demandado na pendência da acção declarativa.

TEIXEIRA DE SOUSA sustenta, em tal caso, que fica precludida a

possibilidade de fazer intervir na acção executiva o outro cônjuge, devendo a

dívida ser tratada como própria do cônjuge demandado(1). Contra este ponto de

vista, LEBRE DE FREITAS / RIBEIRO MENDES sustentam que sempre se

poderá demandar o cônjuge não primitivamente demandado para obter título

executivo contra ele(2).

1(?) A Reforma da Acção Executiva cit., pág. 89.2(?) Código de Processo Civil Anotado, 3.º vol., 1.º ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2003, págs. 365 e segs.

Page 2: Legitimidade dos cônjuges

Na execução movida contra um só dos cônjuges, se forem penhorados

bens comuns do casal, por não se conhecerem bens próprios do executado

suficientes para o pagamento da quantia exequenda, o cônjuge é citado, para

no prazo da oposição, requerer a separação de meações (arts. 825.º, n.º 1,

864.º, n.º 3, a)).

IV. A Reforma da Acção Executiva procurou resolver alguns problemas

levantados pela situação dos cônjuges na acção executiva, passando a prever

a possibilidade de formação de um título executivo contra o cônjuge não

obrigado no título, na própria acção executiva, quando esse título executivo não

fosse uma sentença judicial.

Quando, numa execução movida contra um só cônjuge, se tenha

fundamentadamente alegado que a dívida, constante de título diverso da

sentença, é comum, o cônjuge do executado é citado para, em alternativa e no

mesmo prazo, “declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, baseado no

fundamento alegado, com a cominação de, se nada disser, a dívida ser

considerada comum, para os efeitos de execução e sem prejuízo da oposição

que contra ela deduza” (art. 825.º, n.º 2).

Sendo considerada comum a dívida, a execução prossegue também

contra o cônjuge não executado, podendo ser penhorados bens deste. Nos

termos do art. 1695.º, n.º 1, do Código Civil, pelas dívidas que são da

responsabilidade de ambos os cônjuges (dívidas comuns) “respondem os bens

comuns do casal e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens

próprios de qualquer dos cônjuges”.

Já no caso de o cônjuge citado ter recusado a comunicabilidade, sem ter

requerido a separação de bens, nem apresentado certidão de acção pendente

para partilha, a execução segue sobre os bens comuns (art. 825.º, n.º 4).

Quando o exequente não alegue que a dívida é comunicável, pode o

executado ou o outro cônjuge, requerer, no prazo da oposição, a separação de

bens ou juntar a certidão de processo de inventário pendente, sob pena de a

execução prosseguir sobre os bens penhorados (art. 825.º, n.º 5).

Page 3: Legitimidade dos cônjuges

Em disposição paralela a do n.º 2 do art. 825.º, o n.º 6 deste artigo prevê

que possa ser o próprio cônjuge executado a suscitar a questão da

comunicabilidade da dívida. Nesta situação, o cônjuge não executado, se não

tiver requerido a separação de bens, é notificado para os termos e efeitos do

n.º 2, aplicando-se os nos 3 e 4, se não houver oposição do exequente.

Quando o cônjuge não executado ou o outro cônjuge tiver junto o

requerimento a pedir a separação, ou se for junta a certidão do inventário, a

execução fica suspensa até à partilha. No caso de os bens penhorados não

terem cabido ao cônjuge executado, podem ser penhorados outros que lhe

tenham cabido, permanecendo a anterior penhora até nova apreensão (n.º 7 do

art. 825.º).

V. Deve notar-se que, como veremos adiante, o cônjuge não executado

deve ser citado para a execução quando a penhora tenha recaído sobre bens

imóveis ou estabelecimento comercial que, apesar de serem bens próprios de

executado, este não possa alienar livremente (cfr. art. 1682.º-A do Código

Civil). É o que dispõe o art. 864.º, n.º 3, alínea a), 1.ª parte(3).

3(?) Sobre esta matéria remete-se para Teixeira de Sousa, Reforma da Acção Executiva, págs. 92-96, Maria José Capelo, “Pressupostos processuais gerais”, in Themis ano IV (2003), n.º 7, págs. 79-93; Lebre de Freitas, Acção Executiva cit., 5.ª ed., pág. 233 e segs. e Amâncio Ferreira, Curso cit., 12.º ed., págs. 212-217.