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Um dos pioneiros na profissão de lighting
designer de arquitetura, responsável pelo arrojado projeto de
iluminação do Parque do Flamengo, inaugurado em 1965/66,
no Rio de Janeiro, o arquiteto americano Richard Kelly (1910-
1977) é tema de uma importante exposição inaugurada no
dia 8 de fevereiro em Estocolmo. A capital sueca é a primeira
cidade européia a receber a “Richard Kelly Selected Works”,
mostra itinerante, que já passou por Nova York e de Estocol-
mo segue para Berlim (15/03 – 01/04), Paris (26/04 – 10/05),
Barcelona (14/06 – 30/06), Amsterdã (13/09 – 05/10), Londres
(25/10 – 16/11) e Milão (19/11-18/12).
Kelly colaborou em mais de 300 projetos de fundamental
importância para a história da arquitetura moderna norte-
americana, tais como a Torre Seagram, de Mies van der Rohe
e Philip Johnson, a Casa de Vidro e o Lincoln Center, de Philip
Jonhson, The Kimbell Art Museum e o Yale Center of British
Art, ambos de Louis Kahn.
Estes e outros projetos são apresentados na mostra por
meio de detalhados diagramas de cálculo luminotécnico de
luz artificial e natural, feitos à mão, e desenhos técnicos de
luminárias. Originalmente concebida em 1993, pelos cura-
dores Renee Cooley a Mathew Tanteri, a partir de materiais
selecionados no Arquivo Richard Kelly, da Universidade de
Yale, nos EUA, a mostra ganhou, em sua versão européia,
novas fotos e textos explicativos.
Segundo o arquiteto e lighting designer sueco, Jan Ejhed,
presidente da European Lighting Design Association (ELDA+),
que organiza a exposição em parceira com o fabricante de
luminárias Erco, há pouco conhecimento sobre o trabalho de
Richard Kelly na Europa e esta exposição ajudará a divulgar
seu trabalho pelos países por onde passar.
Para Jan, o Kimbell Museum é o projeto que melhor re-
presenta as idéias de lighting design. A combinação de luz
natural e artificial e a oportunidade de interferir no projeto
arquitetônico em favor da luz natural representam a essência
do trabalho do profissional desta área.
Por Orlando Marques*
O JOgO De Luzes De RichaRD KeLLy
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tRaJetóRia
Richard Kelly nasceu em 1910, em Zannesville, Ohio, EUA. Desde
pequeno já se interessava pelo efeito da luz no ambiente. No teto de
seu quarto, na casa de seus pais, Kelly criou o efeito de uma noite de
céu estrelado com o uso de lampadinhas. Nas paredes, pôsteres de
atrizes de Hollywood foram meticulosamente iluminados com fachos
de luz rigorosamente controlados.
Em 1928, Kelly foi para Nova York e se matriculou na Universidade
Columbia, onde estudou Ciências e Literatura. No departamento de te-
atro da universidade, atuou em diversas produções como iluminador e
cenógrafo. Depois de formado, em 1932, Kelly trabalhou com uma pro-
eminente designer de interiores. Em 1935, movido por um tenaz espírito
empreendedor, ele abriu seu escritório de iluminação, onde projetava,
vendia luminárias e prestava consultoria em projetos de iluminação.
Desde o começo de sua carreira, Kelly rejeitou o acréscimo indiscri-
minado de luminárias ao ambiente construído e defendeu o projeto
de iluminação como parte do projeto de arquitetura desde os estudos
iniciais. Para completar, desenhava luminárias especiais de acordo com
o projeto em que trabalhava. Neste período, ele afirmava a importân-
cia do uso de equipamentos de iluminação adequados para o novo
vocabulário que se formava com o edifício moderno.
Por não ter iniciado sua carreira já como arquiteto, Kelly enfrentou
muitas dificuldades e até discriminação para fazer valer suas idéias. Em
1942, ele se viu forçado a fechar seu recém-aberto escritório e decidiu
voltar a estudar, matriculando-se no curso de Arquitetura da Universi-
dade de Yale. Kelly acreditava que, com o diploma de arquiteto, seria
mais fácil legitimar suas idéias de arquitetura de iluminação.
Em Yale, Kelly estudou com o renomado lighting designer de teatro
Stanley McCandless, que o inspirou a formular seus princípios filosóficos
referentes à luz e aos efeitos desta na percepção humana.
Em 1944, ele se formou como arquiteto e, três anos depois, reabriu
seu escritório. Desta vez, com total segurança para falar, tanto quando
se tratava de luz natural quanto artificial, sobre “luz como arquitetura,
em vocabulário arquitetônico”, como apontou Margaret Maile em 2002,
em sua tese de mestrado sobre Kelly para o Bard Graduate Center.
Nessa época, o arquiteto se declarou independente dos fabricantes
de luminárias e dos escritórios de engenharia elétrica. Desta forma, os
clientes evitariam “pagar duas vezes pelo mesmo serviço”, primeiramente
para o engenheiro elétrico, e em seguida para o lighting designer.
< Torre Seagram (Nova York, 1957) de Mies
van der Rohe e Philip Johnson. Projeto ícone da
arquitetura moderna. Kelly interfere na escolha
dos materiais de revestimento do lobby para criar,
por meio de sistema de iluminação “wall washer”
de luminárias embutidas no teto, a sensação de
que o prédio flutua
Glass House (New Cannan, Connecticut, 1948/49)
de Philip Johnson: com vidro no lugar de paredes
de alvenaria, uma das marcas da arquitetura
moderna, Kelly ilumina o interior com luminárias
embutidas no piso do perímetro externo da casa,
apontadas para o teto, criando o que ele chamou
de Ambient Luminescence ou Luz Ambiente
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*Orlando Marques, arquiteto e lighting designer, é aluno do curso Master in Architectural Lighting Design na KTH-Royal Institute of Techonology de Estocolmo, Suécia, e trabalhou como coordenador de Projetos no escritório Franco & Fortes Lighting Design. [email protected]
KeLLy e a nOite De LuaRintensO nO RiO
A passagem de Kelly pelo Brasil em dezembro de 1964 é um importante
– e curioso – capítulo da biografia de Lota Macedo Soares, entusiasta da
arquitetura e do urbanismo que esteve à frente do planejamento do Parque
do Flamengo, no Rio de Janeiro. No livro “Flores Raras e Banalíssimas”
(Rocco), a escritora Carmen Lúcia de Oliveira conta que, ao chegar a hora
de projetar a iluminação do parque, Lota não se conformou com a pro-
posta de meramente transformá-lo em “um paliteiro, com 1.800 postes,
de acordo com os recursos da indústria de luminária nacional”.
Ela pediu a Reidy que consultasse seu amigo Phillip Johnson, um dos
mais renomados arquitetos norte-americanos. Johnson recomendou Kelly,
um grande especialista em iluminação – conta Carmen, que em seu livro
narra a luta de Lota para fazer prevalecer o projeto de Kelly. “Foi mérito
dessa mulher acolher e prestigiar o grande arquiteto, que dispôs de um
invulgar cenário para concretizar sua visão arrojada e precursora.”
Kelly obteve um efeito de “noite de luar intenso”, cita Carmen em seu
livro, usando 112 postes, de 45m, com projetores dotados de lâmpadas
de vapor de mercúrio de 1000 watts e envolvidos por tambores antio-
fuscantes, que ressaltavam o contorno da vegetação, sem revelar a fonte
luminosa. Carmen afirma que a magia visual de Kelly contribui para a
avaliação enfaticamente positiva que o parque recebe até hoje. Mas ela
ressalva que o resultado, na época, não foi apreciado por todos:
“Caetano Veloso disse que era um frio palmeiral de cimento. Bur-
le Marx taxou-o de Abajurlândia e rompeu com Lota pelos jornais”,
completa Carmen.
Addison Kelly, filha do arquiteto, e que também já realizou projetos
no Brasil, lembra que seu pai tinha um bom relacionamento com o
então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, e que, além da obra
no Rio, trabalhou com Burle Marx e Oscar Niemeyer, e fez também
projetos em Brasília. “Meu pai tinha grande admiração pelo Brasil e,
ao menos até alguns anos atrás, a iluminação do Parque do Flamengo
permanecia essencialmente igual à que ele tinha em mente”.
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As imagens acima e na página anterior exibem a
iluminação do Parque do Flamengo, destacando
as luminárias projetadas por Kelly. Acima, os
desenhos técnicos das luminárias (retirados das
pranchas originais) mostram os anéis e suportes
em liga estrutural de alumínio
pRincípiOs fiLOsóficOs
Numa conferência na Faculdade de Design da Universidade do Es-
tado da Carolina do Norte, nos EUA, Kelly deu uma palestra intitulada
“Iluminação como Parte Integral da Arquitetura”, e introduziu os três
elementos que ele chamou de Focal Glow, Ambient Luminescence e Play
of Brilliants, que podem ser traduzidos como “O Impacto da Energia
da Luz: Luz de Destaque, Luz Ambiente e Jogo de Luzes”. Segundo
Kelly, esses seriam os ingredientes básicos que a iluminação poderia
adicionar ao ambiente construído.
Kelly comparou o Focal Glow ao fogo da fogueira e ao foco de luz
que acompanha um ator no palco. E, ainda, à luz que ilumina o lugar
preferido de leitura de uma pessoa.
“É o raio de sol no fundo do vale, o facho da lanterna nos degraus
da escada. O focal Glow reúne elementos distintos, vende os pro-
dutos de uma vitrine, separa o que é importante do banal, ajuda as
pessoas a ver o detalhe das coisas. Às vezes produz diversos focos
de atenção. Quanto maior o número de focos, mais ele se aproxima
do segundo elemento básico de luz.”
O arquiteto definiu este segundo elemento, a Ambient Luminescence,
como a luz ininterrupta de uma manhã de neve num descampado,
que produz um ambiente sem sombras, diminui a forma e o volume,
e reduz também a importância das pessoas e das coisas.
“É a luz da névoa em mar aberto, é a neblina do crepúsculo sobre
um rio caudaloso, em que margem, água e céu se confundem. É a
luz no domo do teatro antes do espetáculo começar. É uma galeria de
arte com as paredes nuas, é um teto translúcido e um piso branco. E
é também tudo o que conhecemos como luz indireta.”
Play of Brilliants é como a Times Square, de Nova York, à noite,
comparou Kelly.
“É o salão de baile com lustres de cristal. É o sol batendo na
fonte. É uma caixinha de diamantes aberta numa gruta. É a cidade
grande à noite vista de cima. É uma árvore do lado de fora da sua
janela entrelaçada nos raios de sol. Play of Brilliants excita o nervo
óptico e estimula o corpo e o espírito, abre o apetite, desperta a
curiosidade. Distrai e entretém.”
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