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Moda Documenta: Museu, Memória e Design – 2015 ISSN: 2358-5269 Ano II - Nº 1 - Maio de 2015 ÁLBUM DE FAMÍLIA: MEMÓRIAS DA MODA Family Album: fashion memories Paula Linke (USP) [email protected] Sandra Franchini (UMICESUMAR) [email protected] Ana Paula Furlan (UMICESUMAR) [email protected] Resumo: A moda necessita ser pensada além das fronteiras do consumo, mas também em seus aspectos culturais. Portanto, este texto tem como objetivo fazer um relato de experiência de um trabalho realizado em sala de aula, na disciplina de Laboratório de Criação do curso de moda da Unicesumar. O trabalho Álbum de Família busca relacionar a teoria da memória e da moda integrando o desenvolvimento de coleção com base nas histórias familiares e da leitura dessa história. Palavras-chave: Acervo, Moda, Memória. Abstract: The fashion needs to be thought beyond the borders of consumption, but also in its cultural aspects. Therefore, this paper aims to make an experience report of work done in the classroom, in the discipline of Creation Laboratory of course fashion Unicesumar. The Family Album work seeks to relate the theory of memory and fashion integrating the development of collection based on family history and reading this story. Keywords: Collection, Fashion, Memory. Introdução Pensar a moda além de suas relações de produção e consumo é fundamental para compreender a importância deste fenômeno nas relações sociais e como ela auxilia na construção de identidades. Mas mais do que isso, pensar a moda em relação ao passado, não é apenas observar roupas, mas histórias que são marcadas por determinados momentos onde a roupa assume um papel fundamental. O grande desafio é passar esse olhar diferenciado sobre moda aos estudantes pertencentes aos diversos cursos que se dispõem a estudar a moda em seus mais variados aspectos. Portanto, este texto tem como objetivo fazer um relato de experiência de um trabalho

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Moda Documenta: Museu, Memória e Design – 2015

ISSN: 2358-5269 Ano II - Nº 1 - Maio de 2015

ÁLBUM DE FAMÍLIA: MEMÓRIAS DA MODA

Family Album: fashion memories

Paula Linke (USP) [email protected]

Sandra Franchini (UMICESUMAR) [email protected]

Ana Paula Furlan (UMICESUMAR) [email protected]

Resumo: A moda necessita ser pensada além das fronteiras do consumo, mas também em seus aspectos culturais. Portanto, este texto tem como objetivo fazer um relato de experiência de um trabalho realizado em sala de aula, na disciplina de Laboratório de Criação do curso de moda da Unicesumar. O trabalho Álbum de Família busca relacionar a teoria da memória e da moda integrando o desenvolvimento de coleção com base nas histórias familiares e da leitura dessa história. Palavras-chave: Acervo, Moda, Memória. Abstract: The fashion needs to be thought beyond the borders of consumption, but also in its cultural aspects. Therefore, this paper aims to make an experience report of work done in the classroom, in the discipline of Creation Laboratory of course fashion Unicesumar. The Family Album work seeks to relate the theory of memory and fashion integrating the development of collection based on family history and reading this story. Keywords: Collection, Fashion, Memory.

Introdução

Pensar a moda além de suas relações de produção e consumo é fundamental para

compreender a importância deste fenômeno nas relações sociais e como ela auxilia na construção

de identidades. Mas mais do que isso, pensar a moda em relação ao passado, não é apenas

observar roupas, mas histórias que são marcadas por determinados momentos onde a roupa

assume um papel fundamental.

O grande desafio é passar esse olhar diferenciado sobre moda aos estudantes

pertencentes aos diversos cursos que se dispõem a estudar a moda em seus mais variados

aspectos. Portanto, este texto tem como objetivo fazer um relato de experiência de um trabalho

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ISSN: 2358-5269 Ano II - Nº 1 - Maio de 2015

realizado em sala de aula, na disciplina de Laboratório de Criação do curso de moda da

Unicesumar.

O trabalho consiste na confecção de um álbum de família e a partir deste álbum

desenvolver uma coleção voltada para um público específico. O trabalho proporciona a

aprendizagem o resgate da memória e a percepção da roupa como objeto significante. Assim

sendo, este texto divide-se em duas seções teóricas. Na primeira faz-se um referencial teórico

sobre a memória e o tempo e em seguida são descritas as etapas de desenvolvimento do álbum

de família e as relações entre a teoria e prática.

Moda e Memória

Falar em moda não é exatamente apenas falar em vestuário, tendências e passarelas. A

moda articula-se nas relações sociais, na construção de identidades e se manifesta também na

cultura.

Da mesma maneira que a moda e a indumentária foram vistas como expressando não apenas mensagens, mas constituindo parte das relações sociais, assim também a cultura e as práticas culturais não exprimem simplesmente significados e valores, mas como diz Williams, são antes constitutivas de uma ordem social. Essas práticas e produtos não são derivados, segundo Williams, de uma ordem social que já lá se encontra. Ao contrário, essas práticas e produtos são “elementos importantes na sua constituição” (WILLIAMS apud BARNARD, 2003, p. 63).

Assim sendo, o vestuário é visto não apenas como um produto do seu tempo, mas como

um elemento que auxilia na construção das relações sociais, normas e condutas. Desta forma, o

vestuário está sujeito a códigos específicos referentes ao período e ao grupo social, bem como ao

seu modo de utilização.

Com o termo Moda, entende-se, especificamente, o fenômeno social da mudança cíclica dos costumes e dos hábitos, das escolhas e dos gostos, coletivamente validado e tornado quase obrigatório. Em relação á moda, o termo costume, na acepção de hábito constante e permanente que determina o comportamento, a conduta, o modo de ser de uma comunidade, de um grupo social, remete ao conceito de sistema, de estrutura, ou seja, um conjunto de vários elementos relacionados entre si (CALANCA, 2008, p 11-12).

A moda não se refere única e especificamente à indumentária, mas a uma série de

elementos que fazem parte da vida da sociedade em um determinado período. Ela se expressa

de maneira mais gritante no vestuário, e através dele produz uma série de signos que expressam

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significados distintos. “A moda, como outros processos culturais, produz significados, constrói

posições de sujeitos, identidades individuais e grupais, cria códigos que guerreiam entre si”

(VILLAÇA, 2006, p. 24).

Este processo de construção de signos e símbolos da moda ocorre devido a ação de

apropriação de diversos elementos. “A moda apodera-se indiferentemente dos signos leves

(moda, corpo, objeto), quanto dos pesados (políticos, morais, econômicos científicos)” (VILLAÇA,

2006, p. 25). Desta forma, ao apoderar-se de tais elementos, há uma série de códigos que são

transmitidos através das roupas, códigos usados para se diferenciar, indicar pertença a um grupo,

indicar sexo, idade, classe social, ocupação, dentro outros. Desta forma, “o vestuário constitui uma

indicação de como as pessoas em diferentes épocas, vêm sua posição nas estruturas sociais e

negociam as fronteiras do status” (CRANE, 2006, p. 21).

A autora prossegue afirmando que “as escolhas de vestuário refletem as formas pelas

quais os membros de grupos sociais e agrupamentos de diversos níveis sociais veem a si mesmos

em relação aos valores dominantes” (CRANE, 2006, p. 13). A moda, por meio do vestuário constrói

uma imagem do sujeito e marca o pertencimento ou não pertencimento a certo grupo, marca o

sexo, a idade e as ocasiões sociais.

Os elementos sociais que fazem parte da moda nem sempre são contemplados.

“Frequentemente seu conteúdo estético é considerado trivial e seu conteúdo social é visto como

promotor do narcisismo e da auto contemplação, por um lado, e do consumo impensado de

produtos desnecessários por outro” (CRANE e BUENO, 2011, p.57). Essa visão sobre a moda

deve ser contemplada, mas o fenômeno deve ser compreendido por meio de sus bases culturais

e sociais, não apenas relacionadas a vaidade e consumo.

A moda e o vestuário ao criar imagens e mensagens que são transmitidas pelo corpo

revelam significados sociais que variam de acordo com a cultura e o período histórico em que a

imagem é gerada, seja ela passado ou presente. “As imagens das pessoas com seus modos

peculiares de trajar consistem em um imenso acervo móvel e mutante, absolutamente acessível,

que pode, portanto, servir para os mais diversos exercícios de leitura de imagens ou de práticas

para a imagemização” (OLIVEIRA, 2007, p. 42). O autor prossegue afirmando que:

É justamente no plano da imagem que conhecemos muito da contemporaneidade. Por isso mesmo é preciso entendê-la e reconhecer seus significados que se complexificaram tanto como nossa sociedade, nossa forma de trabalhar, de viver, de nos divertir e é claro que também de nos vestir (OLIVEIRA, 2007, p. 13).

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A imagem torna-se um apontamento, a fotografia, por exemplo, torna-se um documento a

ser estudado e ao mesmo tempo um “monumento” a ser conservado. Um suporte que mantém

muitas das memórias de determinados acontecimento impressos, vivos e prontos para fazer o

observador rememorar momentos e fatos diversos que se inscrevem na imagem.

Segundo Jacques Le Goff (1994), há que se considerar a fotografia simultaneamente

como imagem/documento e como imagem/monumento. No primeiro caso, considera-se a

fotografia como índice, como marca de uma materialidade passada, na qual objetos, pessoas,

lugares nos informam sobre determinados aspectos desse passado - condições de vida, moda,

infra-estrutura urbana ou rural, condições de trabalho etc. No segundo caso, a fotografia é um

símbolo, aquilo que, no passado, a sociedade estabeleceu como a única imagem a ser perenizada

para o futuro.

Do mesmo modo, Ana Maria Mauad (1996) alerta que a compreensão da imagem

fotográfica, pelo leitor/destinatário, dá-se em dois níveis: nível interno à superfície do texto visual,

originado a partir das estruturas espaciais que constituem tal texto, de caráter não-verbal; e nível

externo à superfície do texto visual, originado a partir de aproximações e inferências com outros

textos da mesma época, inclusive de natureza verbal. Neste nível, podem-se descobrir temas

conhecidos e inferir informações implícitas.

Quando olhamos para uma imagem, não percebemos somente sua estrutura visual, também a interpretamos. A imagem que se oferece para leitura é uma forma de texto, cuja estrutura articula-se com elementos básicos como o contraste, a cor, o volume das figuras e o espaço que as envolve (ZANIRATO, 2003, p. 216).

A imagem quando vista com texto possibilita uma leitura ampla, dependendo do

observador e sua bagagem. A fotografia é mais do que um suporte para uma imagem, é também

uma fonte de memória que mantém presente um acontecimento passado e permite reviver

acontecimentos por meio de lembranças, já que a imagem também estimula a memória do

observador. “Para falar sem rodeios, não temos nada melhor que a memória para significar que

algo aconteceu, ocorreu-se, passou antes que declarássemos nos lembrar dela” (RICEUR, 2007,

p. 40).

Em outras palavras, a partir do momento da leitura de uma imagem ou texto há também

um processo de atribuição de sentidos. O mesmo corre com a memória. O indivíduo está sempre

atribuindo significados as suas memórias. Portanto pode-se entender a memória como “um

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processo ativo e contínuo de construção do passado” (SANTOS, 2003, p. 71). A autora prossegue

afirmando que:

O argumento a ser defendido é que a memória do passado não é apenas a memória que pode ser percebida em seu processo de construção, pois ela chega anos muitas vezes, sem ser requisitada, sombreada, com imagens indefinidas, fornecendo a importante indicação de que algo foi esquecido e perdeu-se no processo de rememoração (SANTOS, 2003, p. 190).

A memória, permeada pelo esquecimento alimenta-se do passado, organiza os fatos e

reestrutura as lembranças que vem a tona por meio de estímulos variados, cheiros, sons, imagens.

“Hoje, a função da memória é o conhecimento do passado que se organiza, ordena o tempo,

localiza cronologicamente” (BOSI, 1994, p. 89).

Esse processo de organização do passado nos remete a cronologia do tempo, não

necessariamente ao significado das coisas, no entanto, as imagens conservadas por meio da

fotografia marcam esses dois processos. A localização temporal e um acontecimento importante

a ser relembrado e eternizado por meio do suporte imagético, a fotografia.

A fotografia registra momentos e nesses momentos vislumbramos acontecimentos

específicos que fazem parte da vida. Nesses acontecimentos enxergamos pessoas, cenários,

paisagens, roupas e outros elementos que compõem a imagem.

Para o estudo da moda, não somente a roupa, mas a ocasião, lugar e a forma como ela é

usada é fundamental. Além disso, para o estudantes de moda, vislumbrar as diferenças nos

detalhes das roupas com o passar dos anos é um conhecimento necessário para interpretar não

somente a que contexto pertence uma determinada roupa, mas compreender as releituras que

vem a partir dos trajes do passado.

Destaca-se também a importância da leitura da fotografia, seus cenários, pessoas, roupas,

ocasiões e outras informações que a compõem. Por meio da fotografia que registra o passado o

aluno deve fazer um estudo cauteloso e desvendar também a importância do traje, sua ocasião

de uso, ou seja, desvendar um pouco dos sentidos e símbolos da moda.

Para aguçar esse olhar, os alunos do segundo ano de moda do Unicesumar realizam na

disciplina de Laboratório de Criação o trabalho “Álbum de Família” que será apresentado a seguir.

Álbum de família: memórias da moda

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O desenvolvimento do trabalho Álbum de família tem como objetivo a criação de uma

coleção com base nas memórias da família de cada aluno. Assim sendo, o aluno deve fazer um

estudo sobre sua família, estudo esse que deve contemplar desde a origem da família até a

atualidade. Textos, figuras e imagens devem auxiliar nesse estudo que será utilizado como base

para o desenvolvimento de uma coleção. O resultado final é um álbum composto por duas partes.

A primeira refere-se à história e memórias da família e a segunda ao design.

A estrutura da montagem do álbum possui um objetivo, fazer com que o aluno conheça

suas origens e aplique os conhecimentos de moda para criar uma coleção, assim o trabalho possui

uma ordem lógica que deve ser seguida. Essa ordem está listada na tabela abaixo.

Tabela 1: Álbum de Família

Ordem de montagem do álbum de família

1) Capa. 2) Árvore genealógica 3) Breve histórico da genealogia da família 4) Folhas do álbum (com fotos – em ordem crescente, das mais antigas, para as mais recentes, e decorações pertinentes, de acordo com a estética da capa do álbum). 5) folha de abertura com o título indicando o desenvolvimento de coleção 6) Fotografia familiar (cópia de uma foto do álbum 13X18 ou 20x25 colorida de referência para o processo criativo, ampliada, e em boa resolução 7) Memorial descritivo do processo criativo 8) Reprodução de todos os painéis (A4, colorida, papel fotográfico).

Tema. Público-alvo. Ocasião de uso. Shapes. Cores. Materiais.

9) 2 croquis: look conceitual, frente e costas 10) 12 croquis: comerciais

Esta estrutura permite uma ampla experimentação de materiais e ideias desde o início de

seu desenvolvimento. Outro fator importante é o direcionamento do olhar do estudante para a

análise de imagens e a compreensão dos símbolos nela presentes, bem como a conservação da

memória familiar por meio da construção de um acervo pessoal, no qual as fotografias de família

são recuperadas por meio da busca e pesquisa da história familiar.

Fonte: Acervo pessoal dos autores.

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O álbum deve ser confeccionado de forma artesanal, desde a capa ás páginas que o

compõem. Ele pode ser desenvolvido em dois tamanhos, no A4 ou no A3, a escolha do tamanho

fica a critério do aluno. Como o trabalho é todo manual, os alunos devem aprender a criar harmonia

visual por meio da decoração e distribuição das informações nas páginas do álbum.

A capa deve ser feita de forma manual, o título, as cores e os materiais ficam a critério do

aluno, assim como todo o material usado na composição do álbum. Na imagem abaixo é possível

visualizar o Álbum da aluna Heloísa Gabriela De Souza, a qual desenvolveu seu trabalho por meio

da composição de páginas envelhecidas em formato de cartas. A estrutura do álbum é um

envelope de cartas e cada página uma carta. A composição foi envelhecida utilizando borra de

café e decorada com frases simulando cartas. Cada página tem o formato de um envelope que ao

ser aberto revela seu conteúdo.

Figura 1: Capa e estrutura do Álbum de família

O processo de experimentação permite a composição de um álbum único onde às

memórias familiares se envolvem com o design e permitem uma composição onde sentimentos,

histórias, formas e cores se juntam e revelam os traços do passado.

Após a estruturação da base do álbum, é feita a árvore genealógica da família que pode

ser desenvolvida por meio do diagrama ou de forma artística. A intenção é que ela seja o mais

completa possível e contemple os parentes mais antigos, como bisavós, trisavós de ambas as

famílias, paterna e materna.

Ao pesquisar a história da família para desenvolver a árvore genealógica o aluno busca

nos parentes mais antigos a identificação de todos os que pertencem à família materna e paterna.

O próximo passo é contar a história da família, de onde vieram, trajetória, como se

conheceram etc.. A narrativa deve ser breve, mas completa; o passo seguinte é montar a

composição fotográfica do álbum. Os alunos devem fazer cópias das fotografias da família,

Fonte: Acervo pessoal de Heloísa Gabriela De Souza, aluna do curso de Moda da Unicesumar.

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buscando na casa de avós, tios, e outros familiares o maior número de imagens possível, de forma

a contemplar a maioria dos parentes citados na árvore genealógica.

Na figura abaixo se observa uma árvore genealógica artística e uma das páginas do

acervo fotográfico do álbum de família de Rebeca Lopes Salomão, aluna do curso de Moda da

Unicesmar. A decoração e composição são responsabilidade do aluno, que deve seguir a estrutura

de montagem citada na tabela acima.

Figura 2: Árvore Genealógica e acervo familiar

Observa-se nessa imagem a composição do álbum da aluna, que apresenta elementos

decorativos mais carregados. A esquerda está a árvore genealógica na qual os parentes e suas

relações são representadas. A direita observa-se uma das páginas do acervo fotográfico, a

decoração é composta por materiais diversos, inclusive com o papel colorido que serve de base.

A mistura de elementos e materiais confere ao álbum uma riqueza visual e ao mesmo tempo

integração visual por meio da harmonia e na composição como um todo.

As fotos que compõem o acervo podem ser em preto e branco e coloridas, cada página

deve conter de duas a quatro fotografias que devem ser legendadas. A pessoa, a ocasião e o

período devem ser identificados. Como nem sempre o dono da fotografia recorda o período em

que a imagem foi tirada, os alunos devem fazer um estudo das roupas presentes na imagem e

procurar em livros de história da moda no Brasil, buscando identificar ao menos a década a qual

pertence ou um referencial temporal para a imagem.

Esse processo é extremamente árduo e nele percebe-se que as fotografias marcam

acontecimentos sociais que permanecem na memória. Muitas vezes as datas desse

acontecimento se perdem, mas a memória marca o tempo de forma diferenciada. Os indivíduos

Fonte: Acervo pessoal de Rebeca Lopes Salomão, aluna do curso de Moda da Unicesumar.

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normalmente relatam o tempo relacionando-o a um acontecimento de sua vida, “antes de comprar

a minha casa”, “na época em que tive minha filha”. O tempo faz referência àquilo que é importante

para o indivíduo e nem sempre é marcado cronologicamente, em datas (PORTELLI, 2002). “O

tempo da memória é social, não só porque é o calendário do trabalho e da festa, do evento político

e do fato insólito, mas também porque repercute no modo de lembrar” (CHAUÍ, 1994, p. 31).

Identificar a fotografia, sua temporalidade e o que nela acontece é de extrema importância,

pois por meio da busca da lembranças e depoimentos dos familiares os alunos redescobrem sua

história e criam seu acervo fotográfico.

A memória trabalha com o tempo e o passado, mas essas expressões de tempo e passado

se dão de formas diferentes. “A memória é sim um trabalho sobre o tempo, mas sobre o tempo

vivido, contado pela cultura e pelo indivíduo” (BOSI, 2003, p. 53). O processo de rememorar traz

à tona o passado, que pode ser interpretado com as experiências do presente. “No mais, a

memória não aparece apenas como uma instância voltada para o passado. Devemos imaginá-la

como uma relação dinâmica entre passado e presente. A memória é um elemento muito enraizado

no presente” (BOLLE, 1984, p. 13).

O que mais chama atenção na composição do álbum é a construção do acervo que traz

fatos e acontecimentos desconhecidos para os alunos que passam a acessar a memória da família

por meio dos mais velhos. Portanto, “cabe ressaltar a memória individual, embora o sujeito possua

uma série de lembranças, para evocar seu passado, tem frequentemente necessidade de fazer

apelo às lembranças dos outros” (HALBWACHS, 2004, p. 58). Assim os estudantes, incapazes de

lembrar com clareza de certos fatos buscam refúgio nas lembranças alheias, dos pais, avós, tios

e outros familiares.

A composição do acervo fica a critério do aluno que deve fazer a composição da foto mais

antiga até a foto mais atual, incluindo ele e sua família atual, pais, irmãos, filhos. Nessas fotos há

também um processo de leitura, muitos alunos colocam em uma única página imagens de

casamentos pertencentes a uma mesma década, aniversários, momentos que marcaram a

passagem de suas vidas. Assim como afirma Le Goff (1994) há que se considerar a fotografia

simultaneamente como imagem/documento e como imagem/monumento, como imagem

documento por fazer referência ao passado e como símbolo do momento a ser conservado na

memória.

Cabe ressaltar que muitas das imagens referem-se a ritos de passagem, aniversários de

casamento, noivados, festas de quinze anos, e outros momentos significativos na vida do sujeito

e para cada momento deste a roupa foi escolhida com cautela. Deve-se atentar para o fato de que

a moda cria seus próprios códigos, como afirma Villaça (2006). Convém salientar que:

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A aparência corporal aparece assim, não apenas como um subproduto da vida social, o efeito combinado de diversos determinismos estruturais e culturais, mas sim como uma fonte e aposta fundamental na dinâmica da socialização. Pode ser considerada como uma instância imaginária e mítica, na medida em que revela uma relação entre o indivíduo e o mundo, entre o indivíduo e os outros e entre o indivíduo e a sociedade (CIDREIRA, 2005, p. 111).

Por meio dessa composição, além de ter acesso às memórias da família, o aluno aguça

seu olhar para os diferentes papéis que a roupa e a moda representam na sociedade. Portanto, o

aluno passa a vislumbrar o que de fato significa vestir-se e como isso se alterou com o passar do

tempo por meio de sua própria história e das lembranças da mãe, por exemplo, que conta com

detalhes a importância do momento registrado pela fotografia, como era a roupa e a emoção que

sentiu ao vesti-la.

Se admitirmos que vestir tem a ver com cobrir o corpo de alguém, e o traje com a escolha de uma forma particular de roupa para um uso particular, é possível então deduzir que vestir depende primariamente de condições físicas tais como clima e saúde, e a manufatura de têxteis mostra que o traje reflete fatores sociais como crenças religiosas, mágica, estética, status pessoal, o desejo de ser diferenciado ou de emular seu semelhante (BOUCHER apud VIANA, 2011, p. 01)

Ao desenvolver essa etapa o aluno aguça seu olhar, sua sensibilidade e compreende

também, de forma mais clara que o papel do designer não é apenas desenhar roupas, mas

também criar sonhos, pois muitas vezes o objeto roupa torna-se um objeto de desejo com o qual

um determinado sonho se concretiza, como um vestido de noiva por exemplo.

Após a composição fotográfica inicia-se o desenvolvimento de coleção. Essa é outra etapa

do trabalho e exige uma separação, os alunos devem fazer uma divisão no álbum marcado uma

nova fase do trabalho.

Após a divisão, os alunos devem escolher uma das fotografias do álbum como fonte de

inspiração para o desenvolvimento da coleção. A fotografia escolhida deve ser ampliada e

colocada no centro da página. A partir dela deve ser elaborado um texto, um memorial descritivo,

explicando do que se trata essa fotografia, as emoções nela presentes, o que ela causa ao

observador, as cores, texturas, materiais, cenário, roupas, pessoas. Deve-se colocar no memorial

ainda como o aluno pretende trabalhar essas informações na sua coleção.

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Os alunos devem fazer um estudo detalhado da composição da imagem, fazer uma leitura

e transpor para o papel todas as informações. Esse estudo exige novamente a volta as raízes

familiares, quando a foto foi tirada, quem está nela, o que ela representa.

Em outras palavras o trabalho Álbum de família é sobre o passado de cada indivíduo e a

rememoração desse passado por meio da composição de um acervo fotográfico do qual uma

coleção é criada.

Na figura abaixo é possível vislumbrar novamente as páginas do álbum de Rebeca Lopes

Salomão. Observa-se a escolha pela foto de inspiração, uma foto de casamento, que representa

um rito de passagem e um dos croquis desenvolvidos por ela, após a elaboração de todos os

painéis com inspiração nesta foto.

Figura 3: Foto de inspiração e croqui

Após esse estudo, que é na verdade o tema da coleção, inicia-se a composição dos

painéis. O primeiro painel a ser desenvolvido é o de tema, todo o estudo realizado em cima da

fotografia escolhida deve ser transposto em imagens por meio de um painel de tema que reflete

as ideias do memorial descritivo. Após o desenvolvimento desse painel, deve-se pensar no

público-alvo e na ocasião de uso da roupa a ser desenvolvida para o público escolhido. A

composição desses dois painéis fica a critério do aluno, assim como o painel de shapes. O painel

de cores é feito com base no tema dos quais são extraída as cores.

O painel de materiais segue o mesmo princípio, a intenção é buscar texturas e tecidos que

estejam ligados ao painel de tema, criando assim uma harmonia visual. Após a conclusão dos

painéis inicia-se a criação da coleção. Primeiramente os alunos devem desenvolver dois croquis

conceituais e a partir deles desenvolver uma coleção comercial composta por doze modelos.

Finalizando a parte prática da disciplina, um dos looks conceituais deve ser confeccionado para

um desfile. Após confeccionado a foto do look deve compor o álbum, como encerramento.

Fonte: Acervo pessoal de Rebeca Lopes Salomão, aluna do curso de Moda da Unicesumar.

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Com a finalização do álbum o aluno possui em suas mãos um acervo familiar rico em

fotografias e ao mesmo tempo um trabalho de design onde a história familiar, a memória e a moda

dialogam para rememorar os caminhos de cada família.

Considerações finais

Mais do que fazer uma discussão sobre a memória e suas teorias, esse texto busca

apresentar algumas aplicações práticas do conhecimento. O trabalho álbum de família relacionado

à memória, a moda, a leitura da imagem e ao design é um exercício que aguça o olhar do aluno

para outras percepções obre a moda. Contemplou-se nesta breve narrativa a relação da memória,

da moda e da fotografia como imagem e como elas podem ser exploradas em sala de aula.

A memória relacionada ao passado e as experiências vividas que permanece nas imagens

fotográficas permite diversas leituras do passado, leituras sobre o olhar cultural, do vestuário, de

gênero, enfim, possibilitam uma infinidade de usos e estudos que permitem compreender o

passado. Um desses usos relacionados a moda, no qual o aluno obriga-se a aguçar seu olhar

sobre os trajes, as ocasiões e a importância deles por meio de sua própria história revelam um

universo do qual o design se apropria.

Ao compreender as ocasiões de uso e as pessoas que as usam e como as usam, os

alunos ampliam seu olhar para o desenvolvimento de coleções, pois fazem essa experimentação

ao longo de toda a montagem do álbum de família, ampliando a sensibilidade e ao mesmo tempo

resgatando por meio da busca de imagens e memórias a história de sua própria origem.

Referências

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