lauren kate 05 - apaixonados

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A história de Luce e Daniel comprova a possibilidade do amor eterno. Mas a vida do casal não representa o único tipo de amor possível. Em Apaixonados, Lauren Kate se inspirou nas histórias recebidas pelos fãs ao longo do processo de publicação dos três primeiros volumes da série - Fallen, Tormenta e Paixão. Situado em um momento entre os acontecimentos de Paixão e de Êxtase - último volume da série -, Apaixonados é um passeio por diferentes paixões através do tempo, aproximando os leitores das histórias de Miles, Shelby, Roland e Ariane.

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Avidaétãobreve,aartetãodifícildeseraprendida,atentativatãoárdua,aconquistatãoastuta,oprazeraterrorizantequesempre

escapatãorapidamente–deamorchamoisso,quetãodolorosamentepetrificameussentidoscomsuafantásticaexecução,

tantoquequandopensonelemalseiseestouacordadoouadormecido.

—GEOFFREYCHAUCER,OParlamentodasAves

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AMORONDEMENOSESPERADOODIADOSNAMORADOSDESHELBYE

MILES

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S

UM

DOISVIAJANTES

helbyeMilesriamquandosaíramdoAnunciador.Quandoemergiramdele,seustentáculosnegrosprenderam-senadobradobonéazuldosDodgersdeMilesenorabodecavaloemaranhadodeShelby.Mesmocomo corpodeShelby tão fatigado comose ela tivesse feito

quatrosessõescompletasdeVinyasayoga,pelomenoselaeMilesestavamdevoltaemterrafirme–eaopresente.Emcasa.Finalmente.

O ar estava frio, e o céu cinzento, porém claro. Os ombros deMileselevavam-se em frente a ela, protegendo seu corpo do vento veloz queondulavaacamisetabrancaqueeleestiverausandodesdequedeixaramoquintaldospaisdeLucenoDiadeAçãodeGraças.

Háeras.— Estou falando sério! — dizia Shelby. — Por que é tão di ícil de

acreditar queprotetor labial éminhaprioridade?—Ela correuumdedoporseulábioerecuouexageradamente.—Pareceumalixa!

—Vocêé louca.—Milesbufou,masseusolhosseguiramodedodeShelby,quecuidadosamente traçavaseu lábio inferior. “ Protetor labial foidoquesentiufaltadentrodosAnunciadores?”

—Dos meuspodcasts também, — disse Shelby, esmagando com ospésumapilhade folhasmortas cinzentas.—Edasminhas saudações aosolnapraia...

Eles tinham saltado pelos Anunciadores durante muito tempo:começando na cela na Bastilha, onde tinham conhecido um prisioneirofantasmagórico que não dissera seu nome; direto para uma batalhasangrenta chinesa onde não haviam reconhecido uma só alma; e, maisrecentemente, para Jerusalém, onde por im encontraram Daniel, queestavaprocurandoLuce.SóqueDanielnãoeracompletamenteelemesmo.Alguma versão passada espectral dele mesmo havia se juntado(literalmente)aele.Eelenãotinhaconseguidoselibertar.

Shelby não conseguia parar de pensar emMiles e Daniel cercandoumaooutrocomassetasestelares,nomodocomoosdoiscorposdeDaniel(odopassadoe odopresente) tinhamsedesconjuntadodepoisdeMiles

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terenfiadoasetanopeitodoanjo.CoisaspavorosasaconteciamdentrodosAnunciadores;Shelbyestava

felizpornãotermaisquelidarcomeles.Agora,seelespudessemapenasnão se perder nessa loresta no caminho de volta ao dormitório... Shelbyolhou na direção que esperava ser o oeste e começou a guiarMiles pelaseçãosombriaedesconhecidadafloresta.

—AShorelinedeveficarporaqui.Oretornoparacasaeraagridoce.ElaeMilesentraramnoAnunciadorcomumamissão;tinhampulado

nelenoquintaldospaisdeLuceapósaprópriaterdesaparecido.Haviamido atrás dela para trazê-la para casa (comoMiles dissera, não se devianavegaremumAnunciadorlevianamente)etambémparacerti icarem-sede que ela estava bem. Shelby e Miles não ligavam para o que Lucesigni icava para os anjos e demônios que brigavampor ela. Para os dois,elaeraumaamiga.

Mas, em sua busca, eles sempre a perdiamde vista por pouco. Issoenlouquecia Shelby. Eles iam de um local bizarro para outro e mesmoassimnemsinaldeLuce.

ElaeMiles tinhamsebicadodiversasvezes,discutindoo caminhoaseguir e como chegar lá, e Shelby odiava brigar com Miles. Era comodiscutircomum ilhotinho.Averdadeeraquenenhumdosdoissabiabemoqueestavafazendo.

Mas,emJerusalém,umacoisaboaaconteceu:os três,Sheby,MileseDaniel, tinham se dado bem, para variar. Agora, com a benção deDaniel(masquepoderiaservistacomoumcomando,poroutros),ShelbyeMilesinalmente voltavam para casa. Parte de Shelby se preocupava emabandonarLuce,masoutraparte,aquecon iavaemDaniel,estavaafoitaemvoltarparaondeelapertencia.Suaprópriaeraelugar.

Parecia que eles tinham viajado por muito tempo, mas quem sabiacomo o tempo funcionava dentro dos Anunciadores? Eles voltariam edescobririam que apenas alguns segundos tinham se passado, Shelby seperguntara,umpouconervosa,ouanosteriampassado?

— Assim que voltarmos para Shoreline, — Miles disse, — voucorrendotomarumbanhoquenteedemorado.

— É, boa pedida. — Shelby agarrou um punhado de seu rabo decavaloespessoeloiroecheirou.—VoulavaressefedordeAnunciadordomeucabelo.Seéqueissoépossível.

— Sabe de uma coisa? — Miles se inclinou, abaixando sua voz,mesmonãohavendomaisninguémporperto.EraestranhooAnunciador

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tê-los deixado tão distante das dependências da escola. — Talvezdevêssemosentrarde ininhonorefeitóriohojedenoiteeroubaraquelesfolhados...

—Osamanteigados?Dopote?—osolhosdeShelbysearregalaram.OutraideiagenialdeMiles.Erabomtê-loporperto.—Cara,quesaudadesdeShoreline.Ébomestar...

Eles cruzarama linhadeárvoreseumpradosurgiudiantedeles.Eentão Shelby se deu conta: não via nenhum dos familiares prédios daShorelineporqueelesnãoestavamlá.

ElaeMilesestavam...emoutrolugar.Ela parou e olhou as encostas que os cercavam. Havia neve nos

galhos das árvores e Shelby percebeu de repente que estasdefinitivamentenãoeramsequoiascalifornianas.Eaestradalamacentanafrente deles não era aPaci ic Coast Highway. Ela contorcia-se de mododecrescente sobre a encosta por vários quilômetros em direção a umacidade de aparência antiga e estonteante, protegida por uma muralhamassivadepedra.

Isso a fez se lembrar de uma daquelas tapeçarias antigas comunicórniossaltitandoemfrenteavilasmedievaisquealgumex-namoradodesuamãehaviaarrastado-aparavernomuseuGetty.

—Acheiqueestávamosemcasa!—Shelbygritou,suavoznumtomentreumlatidoeumlamento.Ondeelesestavam?

Ela parou bruscamente na estrada rudimentar e olhou ao redor dadevastação lamacenta diante de si. Não havianinguém ao redor. Eraassustador.

— Também achei. — Miles coçou sua cabeça carrancudamente.—AchoquenãovoltamosexatamenteparaShoreline.

— Exatamente? Olhe para essa piada de estrada. Olhe para aquelacoisa quepareceuma fortaleza ali.—Ela arfou.—Aqueles pontinhos semovendosãocavaleiros?Amenosqueestejamosemalgumtipodeparquetemático,estamospresosnamalditaIdadeMédia!—Elacobriuaboca.—Émelhorqueagentenãocontraiaapraga.DequemeraoAnunciadorquevocêabriuemJerusalém,afinal?

—Nãosei,eusó...—Nuncavamosvoltarparacasa!— Vamos sim, Shel. Eu li sobre isso... acho. Nós voltamos no tempo

quando saltamos no Anunciador de outros anjos, então talvez voltemosparacasadessejeitotambém.

—Ora,oqueestáesperando?Abraoutro!

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—Nãoéassimquefunciona.—Milesabaixouseubonédebeisebol,cobrindo seus olhos. Shelby mal conseguia ver seu rosto. — Acho quetemos que encontrar um dos anjos e meio que pegar outra sombraemprestada...

—Vocêdiz isso como se fosse igual pegar um sacode dormir paraumacampamento.

—Escuta: seencontrarmosumasombraqueseja lançadanoséculoemqueresidimos,nóspodemosvoltarparacasa.

—Comofazemosisso?Milessacudiusuacabeça.— Achei que tinha feito isso quando estávamos com Daniel em

Jerusalém.— Tenho medo. — Shelby cruzou os braços sobre o peito e

estremeceucomovento.—Sófaçaalgo.— Não posso simplesmente... especialmente com você gritando

comigo...—Miles! — O corpo de Shelby congelou. O que era aquele som

estrondosoatrásdeles?Algoestavavindopelaestrada.—Oquê?Uma carroça guiada por cavalos rangeu perto deles. O som dos

cascos dos cavalos icava mais alto. Em um segundo, quem quer queestivesse comandando aquela carroça iria chegar ao topo da colina e vê-los.

—Esconda-se!—gritouShelby.A silhueta de um homem corpulento segurando as rédeas de dois

cavalosmarronscommanchasbrancassurgiunaestradainclinada.ShelbyagarrouMilespelo colarinho.Ele estiveramexendoansiosamente emseubonée,quandoelapuxou-oparatrásdeumtroncolargodeumcarvalho,obonéazul-clarovooudesuacabeça.

Shelbyobservouoboné(que izerapartedoguarda-roupadiáriodeMilesporanos)navegarpeloarcomoumagralhaazuleentãomergulharnumalargapoçadelamamarrom-claranaestrada.

—Meuboné—sussurrouMiles.Eles estavam contraídos muito perto um do outro, com as costas

contra a áspera casca do carvalho. Shelby olhou para Miles e icouestupefataemverseurostoporinteiro.Osolhosdelepareciamampliados.Seu cabelo, bagunçado. Ele estava... bonito, como um cara que ela nuncaantes conhecera. Miles puxou seu cabelo amassado pelo boné,constrangido.

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Shelbylimpouagargantaeseuspensamentos.—Nósopegaremosassimqueacarroçapassar.Só iqueescondido

atéqueocarasaiadocaminho.Ela conseguia sentir o hálito quente de Miles em seu pescoço e a

saliênciadoossodoquadrildeleempurrandoalateraldoseucorpo.ComoMiles podia ser tãomagro?O cara comia comoum cavalo,mas não tinhasubstância alguma. Pelo menos isso era o que a mãe dela diria se oconhecesse,oquenuncairiaacontecerseMilesnãoconseguisseencontrarumAnunciadorparalevá-losdevoltaaopresente.

Milesremexeu-se,forçandoavistaparaenxergarseuboné.—Ficaparado—Shelbydisse.—Essecarapodeseralgumtipode

bárbaro.Milesergueuumdedoeinclinouacabeça.—Escuta.Eleestácantando.Shelbyesmagouumaporçãodenevecomospésenquantolevantava

opescoçoecontornavaaárvoreparaobservaracarroçaseaproximar.Ocondutor era um homem de bochechas vermelhas com o colarinho dacamisasujo,umacalçasurradaeobviamentecosturadaamãoeumcoleteimensodepele,queusavaapertadonacinturacomumcintodecouro.Seupequeno chapéuazulde feltropareciaumabolinha ridículano centrodesuatestaamplaecareca.

Acançãosoavacomoumamelodiaalegreeestridentede taberna,eele a cantava aplenospulmões, oh se cantava.O somdos cascosde seuscavalosquasepareciaumabateriaacompanhandosuavozaltaepesada:

—Na cidade cavalgo pra m'arruma uma moça, de seios fartos essamoça, luxuriosa essa moça. Na cidade cavalgo para conseguir uma moçacompromissada,nahoraacalorada,umanamorada.

— Quanta classe. — Shelby revirou os olhos. Mas ao menos elaconseguiu uma pista pelo sotaque do homem. — Então, parece queestamosnaboaevelhaInglaterra.

—Eachoqueédiadosnamorados—Milesdisse.— Que animador. Vinte e quatro horas me sentindo ainda mais

solteiraepatética...masemestilomedieval.Elamexeuosdedosdamãoespalhafatosamentenaúltimapartepara

dar ênfase, mas Miles estava ocupado demais para notar, observando opainelimpolidodacarroçapassando.

Os cavalos estavam alinhados em freios e arreios azuis e brancosdispares. Suas costelas eram aparentes. O homem conduzia sozinho,sentado em cima de um banco apodrecido de madeira na cabeceira da

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carroça, que era mais ou menos do tamanho de uma caçamba decaminhonete e estava coberta de um tecido branco vigoroso eimpermeável.Shelbynãoconseguiaveroquehomemtransportavaparaacidade,masfosseoquefosse,erapesado.Apesardotempofrio,oscavalossuavam,eas tábuasdemadeiradabasedacarroçaerampressionadaseestremeciamenquantoeleconduziaacargaatéacidadefortificada.

—Devíamossegui-lo—Milesdisse.—Praquê?—AbocadeShelbycontorceu-se.—Querarrumaruma

moçadeseiosfartoseluxuriosa?— Eu gostaria de 'arrumar' algum conhecido, cujo Anunciador

possamosusarpra chegaremcasa.Lembra-sedo seuprotetor labial?—Ele separou os lábios dela com o polegar. O toque dele deixou-amomentaneamentesemfala.—Teremosmelhoreschancesdecruzarcomosanjosnacidade.

As rodas da carroça rangiam nos sulcos da estrada lamacenta,balançando o condutor de um lado para o outro. Logo ele estava perto obastante para que Shelby pudesse ver sua barba áspera, tão grossa enegraquantoseucoletedepeledeurso.Avozdelefalhounaúltimasílabadenamorada, e ele inspiroubem fundo antesde recomeçar.Mas então acançãoparouabruptamente.

—Oqueéisto?—eleresmungou.Quando ele puxou rudemente as rédeas dos cavalos para fazê-los

desacelerar, Shelby conseguiu ver que asmãos dele estavam rachadas evermelhas do frio. Os animais, magros como um palito, relincharam,parandopoucoantesdobonéazulclarodebeiseboldeMiles.

—Não,não,não—Shelbymurmuroubaixinho.OrostodeMilesficoupálido.

O homem rebolou pesadamente para fora do banco, suas botasalcançandoalamagrossa.EleandounadireçãodobonédeMiles,agachou-secomoutroresmungo,eapanhou-onumpiscardeolhos.

ShelbyescutouMilesengoliremseco.Umarápidabatidacontraajáimundacalçadohomemeoboné icou

maisoumenoslimpo.Semumasópalavra,elesevirouesubiunovamentenobancodacarroça,enfiandoobonédebaixodotecidoatrásdesi.

Shelbyolhouparasimesmaeseumoletomverde.Tentouimaginarareaçãodohomemsesaíssedetrásdaárvoreusandoroupasesquisitasdofuturo e tentasse pegar de volta o achado dele. Não era uma ideiatranquilizadora.

No tempo que Shelby levou para se acovardar, o homem havia

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puxado as rédeas; a carroça recomeçou sua trajetória para a cidade, e acançãodelefoiexecutadadesafinadamentepeladécimasegundavez.

OutracoisaqueShelbyhaviaestragado.—Ah,Miles,medesculpa.— Agora mesmo que temos que segui-lo — Miles disse, um tanto

desesperado.—Sério?—Shelbyperguntou.—Ésóumboné.Mas então ela olhou paraMiles. Ela ainda não estava acostumada a

verorostodele.Asbochechasdele,quecostumavamparecercomoasdeum bebê para Shelby, agora pareciammais fortes, angulosas, e suas íriseram pontuadas por uma intensidade nova. Pela expressão desapontadadele, ela conseguia perceber que de initivamente não era “só um boné”para ele. Ela não sabia se ele providenciava boas lembranças ou se eraapenasumtalismãdeboasorte,masfariadetudoparafazersumiraqueleolharemseurosto.

—Estábem—elaexclamou.—Vamoslápegá-lo.Antes que Shelby percebesse o que estava acontecendo, Miles

deslizousuamãonadela.Eraumasensaçãovigorosa,desegurançaeumpoucoimpulsiva–eentãoeleapuxouemdireçãoàestrada.

—Vamos!— Ela resistiu por um instante, mas então seus olhos seixaram acidentalmente nos de Miles, que eram de um azul absurdo, eShelbysentiuumtrancoderegozijo.

Entãocomeçaramacorrerporumaestradamedievalpontuadapelaneve,passandoporcamposdecolheitasmortospeloinverno,comumafinacobertura branca que guarnecia as árvores e sarapintava a estradaimunda.Osdoissedirigiamàcidadeforti icadacomtorresespiraisnegrase uma entrada estreita de um fosso. Demãos dadas, bochechas coradas,lábios rachados e rindo por algum motivo que Shelby não conseguiacolocar em palavras, rindo tanto que ela quase esqueceu o que estavamprestesafazer.Masentão,quandoMilesgritou,“Pule!”algumacoisavoltouaolugarcertoeelapulou.

Poruminstante,quasepareceuqueestavavoando.Umamadeiranodosaformavaabasedacarroça,masquasenãoera

su icientementegrandeparaseequilibrarem.Ospésdelesdeslizaramporela,pousandonamadeiraporsimplesepurasorte...

Apenas por ummomento. Então a carroça passou por um sulco eagitou-se ferozmente. Os pés de Miles escorregaram, Shelby perdeu oequilíbrio e seus dedos escorregaram do tecido de lona. Seu corpo sedebateuenquantoelaeMileseramlançadosparatrás,afundandonalama.

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Splash.Shelbyresmungou.Suascostelaspulsavam.Elalimpoualamagelada

de seus olhos e cuspiu um bocado de sujeira. Olhou para a carroça, quediminuiacomadistância.ObonédeMilesjáera.

—Vocêestábem?—elaperguntouaele.Elelimpouseurostocomabainhadesuacamiseta.—Estou.Evocê?—Quandoelaassentiu,eleforçouumriso.—Imite

a cara da Francesca se ela descobrisse onde estamos. — A ordemproferida porMiles parecia alegre,mas Shelby sabia que por dentro eleestavadestruído.

Aindaassim,eladecidiucontinuarcomabrincadeira.Shelbyadoravaimitar suamajestosaprofessoradeShoreline.Ela saiuda lama, apoiou-senoscotovelos,inflouseupeitoeapertouseunariz.

—Suponhoqueirãonegarqueestãopropositalmentetentandolevaràdesgraçao legadodaShoreline?Meugrande temoré imaginaroqueosengomadinhosdadiretoriairãodizer.EmencioneiquequebreiumaunhaemumAnunciador,tentandolocalizarvocêsdois...?

—Ora,vamos,Frankie.—MilesajudouShelbyaselevantardalamaenquanto engrossava a voz, fazendo uma ótima imitação de Steven, omarido-demônio de Francesca, ligeiramentemais tranquilo que a esposa.— Não sejamos tão duros com os Nephilim. Um semestre esfregandoprivadas deverá realmente ensiná-los uma lição. A inal, o erro delescomeçoucomintençõesnobres.

Intençõesnobres.EncontrarLuce.Shelbyengoliuemseco,sentindoumaangústiadominá-la.Eleseram

umtime,ostrês.Timesnãoseseparam.—Nãodesistimosdela—Milesdissesuavemente.—Vocêescutouo

queDanieldisse.Eleéoúnicoquepodeachá-la.—Achaqueelejáaachou?—Esperoquesim.Eledissequeiria.Mas...—Masoquê?—Shelbyperguntou.Milesfezumapausa.— Luce estava bem brava quando deixou todo mundo no quintal.

EsperoquequandoDanielaencontrarelaoperdoe.Shelby encarouMiles todo sujo de lama, sabendo o quanto ele, em

certo momento, realmente tinha se importado com Luce. Para falar averdade, Shelby nunca tinha se sentidoassim com ninguém. De fato, eralendário o fato de ela escolher absolutamente os piores caras paranamorar. Phil? Fala sério! Se ela não tivesse icado caidinha por ele, os

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Párias não teriam localizado Luce e ela não teria tido que pular noAnunciador,eMileseShelbynãoestariampresosaquiagora.Cobertosdelama.

Masessanãoeraaquestão.OnegócioéqueShelbyestavaespantadaporMilesnãomaisestaramargoemverLucemega-apaixonadaporoutrapessoa.Maselenãoestava.OMileseraassim.

—Elavaiperdoá-lo—Shelbydissepor im.—Sealguémmeamasseobastantepara atravessarmúltiplosmilênios apenasparameencontrar,eusuperaria.

—Ah,ésóissoqueseriapreciso?—Mileslhedeuumacotovelada.Num impulso, ela golpeouabarrigadele comas costasdamão.Era

dessa maneira que ela e sua mãe se provocavam, como se fossemmelhores amigas ou algo assim. Mas Shelby era, geralmente, muito maisreservadacompessoasdeforadoseunúcleofamiliar.Quecoisaestranha.

— Ei. — Miles interrompeu seus pensamentos. — Agora nós doisprecisamosnosfocaremchegaratéacidade,acharumanjoquepossanosajudarevoltarparacasa.

E, no meio do caminho, recuperar o boné , Shelby acrescentou namentalmente, enquanto ela e Miles começavam a correr, seguindo acarroça,emdireçãoàcidade.

A taverna icava cerca de um quilômetro e meio de distância das

muralhasdacidade,oúnicoestabelecimentoemumlargocampo.Eraumapequena estrutura de madeira com uma placa vacilante de madeiradesgastadaegrandesbarrisdecervejaalinhadoscontrasuasparedes.

Shelby e Miles haviam passado correndo por centenas de árvoresdespidasdesuasfolhaspelofrioetrechosdenevelamacentaderretendonaestradaesburacadaeespiraladaatéa cidade.Nãohaviamuitoespaçoparaveralgumacoisa.Defato,eleshaviamatéperdidoacarroçadevistaapós Shelby sentir uma dor repentina na lateral do corpo e ter tido quedesacelerar,masagora,acidentalmente,eleslocalizaram-naestacionadadoladodeforadataverna.

— Achamos o cara — Shelby disse em um sussurro. —Provavelmenteparouparabeber.Idiota.Vamossópegarobonédevoltaevoltarpronossocaminho.

Miles assentiu, mas quando eles chegaram à parte traseira da

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carroça, Shelby avistou o homem de colete de pele na entrada e seucoraçãoafundou.Elanãoconseguiaouviroqueeledizia,maseleseguravao boné deMiles em suasmãos emostrava-o para o dono, tão orgulhosodaquilocomosefosseumapedrapreciosarara.

—Ah—Milesdisse,decepcionado.Entãoendireitouseusombros.—Quer saber, eu arranjo outro. Dá pra comprar um desses em qualquerlugarnaCalifórnia.

—Hmmm,certo.—Shelbygolpeou,frustrada,otecidoimpermeávelde lonadacarroçadohomem.A forçadeseugolpeestremeceuumcantodalona.Porapenasumsegundo,elaconseguiuvislumbrarumamontoadodecaixasdentro.

—Hmm.—Elacolocousuacabeçasobotecido.Debaixo dele era frio e um tanto fétido, com um amontoado de

quinquilharias. Havia gaiolas de madeira cheias de galinhas pintadasadormecidas, sacos pesados de comida de gado, uma sacola de tecidogrosseiro com ferramentas díspares de ferro e dezenas de caixas demadeira.Elatentouabrirumadascaixas,masnada.

—Oqueestáfazendo?—Milesperguntou.Shelbydeuumsorrisotorto.—Tendouma ideia.—Pegandona sacola de ferramentas algoque

pareciaumpequenopédecabra,elaabriuatampadacaixamaispróxima.—Bingo!

—Shelby?— Estamos indo à cidade e nossas roupas passariam a mensagem

errada.—Eladeuumpeteleconobolsodeseumoletomverde,provandoseuponto.—Nãoacha?

Debaixo do tecido ela encontrou algumas vestimentas simples, comaparênciadedesbotadasegastas,provavelmenteroupasvelhasdafamíliado condutor. Ela jogou estas preciosidades para Miles, que se esforçouparapegartodas.

Logo ele segurava um vestido comprido de linho verde-claro commangas bufantes e uma tira dourada bordada correndo pelo centro, umpar de meias amarelo-limão e um gorro (que mais parecia um véu defreira)feitodelinhocinza-claro.

—Masoquevocêvaiusar?—Milesbrincou.Shelbytevequevasculharpormeiadúziadecaixascheiasdetrapos,

pregostortosepedraslisasantesqueencontrassealgoqueprestasseparaMiles.Finalmente,eladeparou-secomummantoazulfeitodelãgrosseirae áspera. Isto o manteria quente neste vento turbulento, era longo o

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bastante para cobrir seu tênis da Nike e, por alguma razão, Shelbypercebeuqueacorcombinavaperfeitamentecomosolhosdele.

Shelby removeu seumoletomverde e atirou-o ao fundoda carroça.Seus braços nus icaram arrepiados quando fez o vestido esvoaçantepassarporsuacalçajeanseregata.

Milesaindapareciarelutante.— Sinto-me estranho roubando coisas que aquele cara

provavelmenteestavalevandoparavendernacidade—elesussurrou.—Éocarma,Miles.Eleroubouseuboné.— Não, eleachou omeu boné.Mas e se ele tiver uma família para

alimentar?Shelbysoltouumsuspiroaudível.—Você não sobreviveria um dia na periferia, garoto— ela deu de

ombros— amenos que eu estivesse lá para tomar conta de você. Olha,ceda um pouco, nós pagamos de volta ao universo com outra coisa. Meuagasalho...—Elaen iouomoletomverdena caixa.—Quemsabe?Talvezmoletonssejamapróximaondadomomentoeman iteatrosanatômicosouseiláaondeelesvãoparasedivertiremaqui.

Miles segurou o gorro cinza-claro por sobre a cabeça de Shelby.Comonão passava pelo rabo de cavalo dela, ele tirou o elástico. O cabeloloiro dela caiu sobre seus ombros. Ela que icou constrangida agora, poisseucabeloestavaumacompletabagunça.Elanuncaousavasolto.MasosolhosdeMilesseiluminaramenquantoelecolocavaogorroemsuacabeça.

—Milady.—Eleestirousuamãogalanteadoramente.—Poderia teroprazerdeacompanhá-lanestabelacidade?

Se Luce tivesse estado lá, quando os três ainda eram apenas bonsamigos e as coisas eram um pouco menos complicadas, Shelby saberiacomoretribuiràpiadinha.Luceteriafeitoaquelasuavozdoceerecatadade donzela em perigo e chamado Miles de seu cavaleiro em armadurabrilhante ou alguma baboseira dessas, Shelby teria acrescentado algosarcásticoeentãotodosteriamdadogargalhadaseatensãoesquisitaqueShelby sentia em seus ombros e o aperto em seu peito teriam sumido.Tudoparecerianormal,completo.

MaseramsóShelbyeMiles.Juntos.Sozinhos.Elesseviraramparaencararasparedesdepedranegraaoredorda

cidade, que cercavam uma fortaleza alta e central. Bandeiras da cor decravo de defunto eram hasteadas de postes de ferro na alta torre depedra.Oarcheiravaacarvãoefenoembolorado.Vinhamúsicadedentro

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das paredes (uma lira, talvez, alguns tambores de pele macia). E Shelbyesperava que, em algum lugar ali, houvesse um anjo cujo Anunciadorpudesselevarosdoisdevoltaaopresente,ondeelespertenciam.

Milesaindaestavacomamãoestirada,olhando-acomosenão izesseideiadequetinhaolhosdeumazultãoprofundo.Shelbyrespiroufundoedeslizouapalmadesuamãonadele.Eleapertou-lhelevementeamãoeosdoiscaminharamemdireçãoàcidade.

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A

DOIS

BAZARBIZARROtranquilidade do campo sumira. Nos arredores dos portões dacidade, pelo contrário, havia uma grande agitação, com tendasimprovisadas postas ao longo da grama verde – que agora, no

inverno,estavamaisparaummarromacinzentado–deambososladosdaestradaquelevavaàsmuralhasaltasenegrasdacidade.Astendaseram,claramente,partedeumaestruturatemporária,umfestivaldeum inaldesemana ou algo do tipo. O caos alegre das pessoas ao redor lembravaShelby das fotos que ela havia visto na internet do Festival de MúsicaBonnaroo.Elaestudouasroupasdaspessoas–aparentemente,ovisualdefreirasestavanamoda.Elanãoachouqueelesdoissedestacavamdemais.

Elessejuntaramamultidãoquepassavapelosportõeseseguiramoluxo de pessoas que parecia se mover apenas em uma direção: para omercadonapraça central.Torreõeserguiam-seperanteosdois, partedeum castelo maior próximo ao limite extremo das muralhas da cidade. Apedra angular da praça era uma Igreja modesta, porém bela, de estilogótico-primitivo (Shelby reconheceuas torres espigadas).Um labirintoderuas e becos estreitos e cinzentos cortava a praça do mercado, que eralotada,caótica,fedorentaevibrante,otipodelugaraondevocêiaeachavatodootipodecoisasepessoas.

“Linho!Doisrolospordezcentavos!”“Castiçais!Únicos!”“Cervejadecevada!Cervejadecevadafresca!”ShelbyeMilestiveramquepularparaforadocaminhoparaevitaro

fradeatarracadoempurrandoumacarroçacomjarrosdebarrocheiosdecervejadecevada.Elesobservaramascostaslargasdele,vestidasdecinza,enquanto ele cortava caminho pelo mercado lotado. Shelby começou asegui-lo,sóparaconseguirumpoucodeespaço,masuminstantedepoisamassafedorentadecidadãostagarelaspreencheuovácuo.

Eraquaseimpossíveldarumpassosemesbarraremalguém.Haviatantaspessoasnapraça–pechinchando,fofocando,tirandoas

mãos de crianças ladras de cima das maças à venda – que ninguém

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prestavaatençãoalgumaemMileseShelby.“Como é que vamos achar alguém conhecido nessa fossa?” Shelby

apertou irmementeasmãosdeMilesquandoalguémpisounos seuspéspela décima vez. Isto era pior que o show do Green Day em Oakland,quandoShelbymachucouduascostelasemummosh.

Miles esticou seu pescoço. “Não sei. Talvez todos se conheçam?” Eleeramaisaltoqueamaioriadoscidadãos,entãonãoeratãoruimparaele.

Ele tinha ar fresco e umavisão clara,mas ela estava tendoumsinaldequeumataquedeclaustrofobiachegava:aquelerubordenunciantequese espalhava em suas bochechas. Ela puxou a gola alta de seu vestidofreneticamente, ouvindo alguns pontos se romperem. “Como as pessoasrespiramnessascoisas?”

“Inspirando pelo nariz, expirando pela boca,” Miles instruiu,demonstrandoseupróprioconselhoporumsegundoantesqueo fedoroforçasseaenrugarseunariz.“Olha,temumpoçoali.Quetalumabebida?”

“Provavelmente pegaremos cólera,” Shelby resmungou, mas ele jáestavasemovendo,puxando-aatrásdesi.

Elespassaramporbaixodeumvaralmeiosoltocomroupasfeitasemcasa úmidas, por cima de um pequeno cortejo de galos pretosdesordenados cacarejando e evitaram dois irmãos ruivos revendendoperas antes de chegaram ao poço. Era um negócio arcaico – um anel depedras ao redor de um buraco, com um tripé de madeira por cima daabertura.Umbaldecobertodemusgopendiadeumapoliaprimitiva.

Após alguns segundo, Shelby conseguiu respirar novamente. “Aspessoasbebemdessacoisa?”

Agora ela conseguia ver que, embora o mercado ocupasse a maiorparte da praça, ele não era a única atração da cidade. Um grupo demanequinsmedievaisenvoltosempanodejutaestavapostodeumladodopoço. Meninos praticavam empunhando suas espadas de madeira,combatendoosancestraisdosbonecosdetestedecolisãocomosefossemcavaleiros em treinamento. Menestréis andarilhos passeavam pelasbeiradasdomercado, cantandocançõesestranhamentebelas.Atémesmoopoçoeraumchamativo.

Ela agora via que havia uma manivela de madeira para erguer obalde.Umgarotocomperneiras justasde camurçahaviamergulhadoumcolherão de água do balde e o segurava para uma garota com olhosenormeseumramodeazevinhoatrásdesuaorelha.Elasecouocolherãocom alguns goles sedentos, espreitando enamoradamente para o garototodo esse tempo, alheia à água pingando por seu queixo em seu lindo

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vestidocreme.Quando terminou, o garoto passou o colherão a Miles com uma

piscadela. Shelby não tinha certeza se gostava do que aquela piscadainsinuava,masestavacomsededemaisparafazercena.

“Está aqui para a Feira de São Valentim, é correto?” a garotaperguntouàShelbynumavoztãoserenaquantoumalagoa.

“Eu,hãn,nós—”“Deveras,” Miles intrometeu, adotando um sotaque falso britânico

horrível.“Quandoascelebraçõesencetam?”Ele soavaridículo. Mas Shelby engoliu sua risada para evitar

denunciá-lo. Ela não sabia o que aconteceria se eles fossem descobertos,masouvirafalaremempalaçãoeeminstrumentosdetorturacomoarodae o potro.Protetor labial, Shelby. Pense positivo. Chocolate quente esaudações ao Sol e reality shows . Foque nisso. Eles iam sair daqui. Elestinhamqueconseguir.

O garoto passou um braço pela cintura da garota, mostrando suaveneração.“Semdemora.Amanhãéoferiado.”

Agarotafezsinalparaomercadocomamão.“Mascomopodever,amaioria dos enamorados já chegou.” Ela tocou o ombro de Shelbyalegremente. “Não se esqueça de colocar seu nome na Urna do Cupidoantesdosolsepôr.”

“Ah, certo. Você também,” Shelby murmurou sem graça, comosempre fazia quando as pessoas no balcão decheck-in do aeroporto lhedesejavam uma boa viagem. Ela mordeu o interior de sua bochechaenquanto a garota e o garoto davam tchau de braços dados, passeandopelarua.

Miles agarrou seu braço. “Não é ótimo? Uma feira de dia dosnamorados!”

Isto vindo de um garoto normal que jogava beisebol e que Shelbytinhavistocomernovecachorros-quentesemumasentada.DesdequandoMilesficavatodoanimadocomumafestabregadediadosnamorados?

Ela estava prestes a dizer algo sarcástico quando viu que Milesparecia... bem, esperançoso. Como se realmente quisesse ir. Com ela? Poralgumarazão,elanãoquisdesapontá-lo.

“Claro. Ótimo.” Shelby deu de ombros relaxadamente. “Parecedivertido.”

“Não.” Miles balançou a cabeça. “Quis dizer... se os anjos caídosestarãoaquiemalgum lugar, será lá.Éondeacharemosalguémparanosajudaravoltarparacasa.”

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“Ah.”Shelbypigarreou.Éclaroqueeraissoqueelequisdizer.“É,boaideia.”

“Qualoproblema?”Milesmergulhouocolherãonopoçoesegurouataça fria de água na altura dos lábios de Shelby. Ele parou, limpou abeiradacomsuamangaeentãolheserviunovamente.

Shelby,sentindo-se icarvermelhasemrazãoalguma,fechouosolhosebebeu,esperandonãopegaralgumtipodedoençadebilitanteemorrer.Apósterterminado,disse,“Nada.”

Miles mergulhou o colherão novamente e bebeu um gole grande,seusolhosverificandoamultidão.

“Olha—” ele disse, colocando o colherão de volta no balde. Eleapontou atrás de Shelby para uma plataforma erguida na margem dasbarracas do mercado onde três garotas estavam amontoadas, dobradasdevido a um ataque de risadinhas. Entre elas havia um alto vaso deestanho com uma borda de pregas. Parecia tão velho quanto sujo e eramuito feio, o tipode “arte” caraqueFrancesca teria emseuescritórionaShoreline.

“DeveseraUrnadoCupido,”Milesdisse.“Ah, sim, obviamente. A Urna do Cupido.” Shelby assentiu

sarcasticamente. “Quediacho isso signi ica?OCupidonãodeveria ter umgostomelhor?”

“É uma tradição desde os dias antigos de Roma,” Miles disse,entrandonavibedeacadêmicocomodecostume.Viajarcomeleeracomocarregarumaenciclopédia.

— Antes do dia de São Valentim ser conhecido assim — elecontinuou,suavozcomumtomdeanimação—chamava-seLupercália…

—Luper...—ela fez sinal comamão, tentandobolarum trocadilhoruim.EentãoviuaexpressãodeMiles.Tãosériaesincera.

Percebendoosolhosdelaemseurosto,eleesticou,instintivamente,amãoparacimaparaen iarseubonédebeisebolsobreosolhos.Suamania.Massuasmãosencontraramapenasar.

Ele recuoudeembaraçoe tentoucolocar suamãonobolsoda calçajeans,mas omanto azul grosseiro cobria sua calça, então tudo que pôdefazerfoicruzarosbraçosnopeito.

—Sentefaltadele,nãoé?—Shelbyperguntou.—Doquê?—Seuboné.—Aqueletroçovelho?—eledeudeombrosrápidodemais.—Nem.

Nãotinhanempensadonisso.—Desviandooolhar,contemploudeforma

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vaziaapraça.Shelbycolocouamãonobraçodele.—OqueestavadizendomesmosobreLuper...hm,sei-lá-o-quê?Osolhosdelevoltaramparaela,duvidosos.—Quermesmosaber?—OpapavestePrada?Agoraelesorrira.—Lupercália era sóuma celebraçãopagãda fertilidade e da vinda

da primavera. Todas as mulheres disponíveis na cidade escreviam seusnomes em tiras de pergaminho e colocavamnumaurna, como aquela ali.Quando os solteiros retirassem um nome da urna, esta seria suanamoradinhapeloanotodo.

— Isto é barbárie! — Shelby gritou. De jeito nenhum uma urnaditariacomquemelairiasair.Elapodiatomarasprópriasdecisões,muitoobrigada.

—Achofofo.—Milesdeudeombro,desviandooolhar.—Acha?— a cabeça de Shelby girou de volta a ele.—Quer dizer,

acho que até podia ser legal. Mas essa tradição da urna vem antes dofestivalteralgumaligaçãocomSãoValentim,certo?

—Certo—Milesdisse.—Eventualmente,a Igrejaseenvolveu.Elesqueriam deixar a celebração pagã sob controle, então ligaram um santopadroeiro à ela. Fizeram isso com um monte de feriados e tradiçõesantigos.Comose,agoraquelhespertencia,nãofossemaisumaameaça.

—Homens...típico.—Emvida, o verdadeiroValentim foi conhecido comoumdefensor

do romance. Pessoas de toda parte que não conseguiam se casarlegalmente(soldados,porexemplo),iamatéeleeelefaziaacerimôniaemsegredo.

Shelbysacudiuacabeça.—Comosabedetudoisso?Oumelhor,porquê?—Luce—Milesdisse,nãoencontrandoosolhosdeShelby.—Ah.—Shelbysentiucomosealguémtivessesocado-aduramente

noestômago.—Vocêaprendeuahistóriasobreodiadosnamoradosparaimpressionar aLuce?—ela chutoua terra.—Achoquealgumasgarotasrealmentegostamdenerds.

— Não, Shelby. Eu quis dizer... — Miles agarrou seus ombros e arodopioupara icar de frente à plataforma coma urna.—É a Luce. Bemaqui.

Luce usava um vestido marrom-claro com uma saia ampla. Seu

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comprido cabelo preto estava preso em três grossas tranças, juntas porestreitas itasbrancas.Suapelepareciamaispálidaqueonormal,comumrubor rosa claro pontilhando suas bochechas. Ela circulava a urna empassos vagarosos e meditativos, afastada das outras garotas. No caos dapraça, Luce parecia ser a única pessoa que estava sozinha. Seus olhostinham aquele olhar suave e fora de foco de quem está perdida nospensamentos.

—Shelby,espera!Shelby jáestavanametadedapraça,quasecorrendonadireçãode

Luce, quandoMiles prendeu irmemente amão em seu pulso. Fazendo-aparar,elasevirou,prontaparabrigarcomele.

Só que a expressão dele... incandescia com algo que Shelby nãoconseguiadecifrar.

— Você sabe que esta Lucinda é a do passado. Esta garota não énossaamiga.Elanãotereconhecerá.

Shelby não tinha pensado nisso, mas ingiu que sim. Ela se virou eolhou mais uma vez, atentamente, para Lucinda. Seu cabelo estava sujo(não oleoso, passado desse ponto, realmentesujo), uma coisa que LucePridenuncapermitiria.Asroupasserviam-lhedemodoestranho,dopontodevistacontemporâneodeShelby,masLucindapareciaconfortávelnelas.Parecia confortável em tudo, na verdade, o que também não era muitocostumeiro para Luce Pride. Shelby achava Luce cronologicamente(embora encantadoramente) mal-ajustada. Era uma das coisas que elaamava nela. Mas... esta garota? Ela parecia confortável mesmo com umatristeza desesperadora saturando todos os seus movimentos. Como seestivesse tão acostumada a se sentir melancólica quanto ao ver o solnascertododia.Elanãotinhaamigosparaanimá-la?Nãoeraparaissoqueelesserviam?

— Miles — Shelby disse, agarrando o punho livre dele e seaproximando. — Sei que concordamos em deixar Daniel achar a nossaLucinda Price, mas esta garotaainda é a Lucinda com que nosimportamos...ouumaversãoanteriordela.Eomínimoquepodemosfazeréanimá-la.Olhacomoelaparecechateada.Olha.

Elemordeuseulábio.—Mas,mas, tudo que aprendemos sobre os Anunciadores diz que

nãosedevemexer...—Oiii!—Shelbydissecantando,puxandoMilesjuntosatéchegaram

do lado de Lucinda. Ela não sabia de onde tinha pegado o sotaque debeldade sulista, amenos que fosse damãe da Luce do presente, quando

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ouviusuafalalentanoDiadeAçãodeGraças,lánaGeórgia.Eelanãofaziaa menor ideia do que as pessoas nesse mundo medieval britânicoachariamdelasoarcomoumadebutantedaGeórgia,maseratardedemaisagora.

Algunspassosatrásdela,Milesbalançousuacabeça,horrorizado.Foiumacidente!Shelbydisse-lhecomosolhos.

Lucinda não tinha nem notado, tão perdida em sua tristeza comoestava. Shelby teve que icar bem na sua frente e acenar uma mão nafrentedeseurosto.

— Oh — Lucinda disse, pestanejando para Shelby, sem sinal dereconhecimento.—Bomdia.

NãodeviaterferidoossentimentosdeShelby,masofez.— J-já não nos conhecemos?— Shelby gaguejou.—Acho quemeu

primo de, hãn,Windsor conhece um tio da família do seu pai... ou talvezsejaocontrário.

—Sintomuito,nãocreio,embora...—VocêéLucinda,certo?Lucindaabriuaboca,eporuminstantehouveumafaíscafamiliarem

seuolhar.—Sim.Shelbypressionouumamãoemseucoração.—SouShelby.EesteéMiles.—Nomestãooriginais.VocêsvêmdoNorte?— Certo. — Shelby deu de ombros. — Muito, muito, lá no Norte.

Então, não estamos familiarizados... com sa antiga Feira de São Valentim.Vaistecolocaronomenaurna?

— Eu? — Lucinda engoliu em seco, tocando a parte oca de suagarganta.—A ideia de que um golpe de sorte escolha o destino domeucoraçãonãomeagrada.

—Falou como uma garota que temumnamorado tudo de bom!—Shelby cutucou Shelby, esquecendo que eram estranhas, que suaspalavras pudessem ser grosseiras e seu sarcasmo algo estranho para asensibilidademedievaldeLucinda.—Querodizer,háumcavaleiroquelheapeteça,senhora?

—Euestiveapaixonada—Lucindadissesombriamente.—Esteve?—Shelbyrepetiu.—Vocêquisdizerqueaindaestá.—Estive.Maselesefoi.—Daniel tedeixou?—Milesestavacomorostovermelho.—Quero

dizer,qualonomedele?

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MasLucindapareceunãoterouvido.—Conhecemo-nosnojardimderosasdocastelodeseusenhor.Devo

admitirqueestavainvadindo,mashaviavistotantassenhorasdignasindoevindo,eoportãoestiveraaberto,easfloreseramtão,mastãoatraentes.

Ela juntou suas mãos no seu coração e suspirou com profundoarrependimento.

— Naquele primeiro dia, eleme confundiu com uma garota de umstatus superior. Ou classe. Usava o meu melhor vestido e meu cabeloestava entrelaçado com lor de espinheiro, como algumas damas usam.Estavabonita,mastemoqueeradesonesta.

—Ah,Lucinda—Shelbydisse.—Tenhocertezaqueaosolhosdele,vocêéumadama.

—Danieléumcavaleiro.Devecasar-secomumadamaapropriada.Aminha família é de plebeus. Meu pai é um homem livre, mas ele plantagrãos, como seu pai também o fazia. — Ela piscou e uma lágrimaescorregou por sua bochecha. — Nunca nem disse meu nome ao meuamado.

— Se ele a amasse (e tenho certeza de que ama), ele saberia seunomeverdadeiro—Milesdisse.

Lucindaestremeceuenquantotomavafôlego.— Então, semana passada, como parte de seu dever de cavaleiro

para seu senhor, ele... ele foi até aportademeupai para conseguir ovosparaacelebraçãodeSãoValentim.Eraoaniversáriodemeunascimento.Estávamoscelebrando.Verorostodomeuamadoquandoeleviuanossacasa miserável... tentei impedi-lo, mas ele se foi sem uma só palavra.Procurei-o em todososnossos esconderijos (o carvalhoocona loresta, aextremidadenortedojardimderosasaoentardecer),masnãoovidesdeentão.

Shelby e Miles partilharam um olhar. Obviamente, Daniel não seimportava a que tipo de família Lucinda pertencia. Fora o aniversário (ofato de que ela chegava perto dos limites de sua maldição) que oamedrontara. Shelby já estava familiar comamaneira comqueDaniel àsvezestentavaseafastardeLucequandosabiaquesuamorteaproximava-se. Quebrava o coração dela para salvar sua vida. Provavelmente estavasofrendoemalgumcanto,tambémcomocoraçãopartido.

Tinha que ser daquele jeito. Esta garota parada diante de Shelbytinhaquemorrertalvezumacentenadevezesantesquedechegaràvidaem que Shelby conheceu Luce – à vida em que Luce conseguiu suaprimeirachancedequebraramaldição.

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Nãoerajusto.Nãoerajustoelaterquemorrerrepetidasvezeseterquepassarporessadoremtantosmomentos.Maisqueninguém,Lucindamereciaserfeliz.

Shelbyqueriafazeralgoporela,mesmoquefossepoucacoisa.ElaolhounovamenteparaMiles.Eleergueuumasobrancelhadeum

jeito que Shelby esperava que signi icasseEstá pensando no que estoupensando?Elaassentiu.

— Isto tudo é apenasumgrandemal-entendido—Shelbydisse.—ConhecemosoDaniel.

—Conhecem?—Lucindapareceusurpresa.—Voulhedizerumacoisa:váparaafeiraamanhã,eestoucertade

queDanielestarálátambém,evocêspodemsimplesmente...Os lábiosdeLucindatiritarameelaenterrouseurostonoombrode

Shelbyenquantocomeçavaaverterlágrimas.—Eunãoaguentariavê-losortearoutronomedaurna.—Lucinda—Milesdisse, tãocalorosamentequeosolhosdagarota

icaramenxutoseelaolhou-odamaneiraíntimaqueLuceàsvezesolhava-o. Isso fez Shelby se sentir estranhamente ciumenta. Ela desviou o olharenquanto Miles perguntava — Acredita que Daniel ame-averdadeiramente?

Lucindaconcordou.—Eemseu coração—Miles continuou—você realmente acredita

queaconexãoquetemcomDanielétãofracaqueaposiçãodesuafamíliapossaquebrá-la?

—Ele,elenãotemescolha.EstáescritonoCódigodosCavaleiros.Eledevecasarcom...

— Luce! Não sabe que o seu amor é mais forte que um códigoestúpido?—Shelbyinterrompeu.

Lucindaergueuumasobrancelha.—Comoé?—elaperguntou.MileslançouumolhardeavisoàShelby.—Querodizer,hãn...oamorverdadeiroémaisprofundoeforteque

meros distinções sociais. Se ama Daniel, então deve lhe dizer como sesente.

— Sinto-me estranha. — Luce estava ruborizada, segurando umamãosobreseupeito.FechouseusolhoseporummomentoShelbyachouqueelafossequeimarbemali.Shelbydeuumpassoparatrás.

Mas não era assim que funcionava, era? A maldição de Luce tinhaalgo a ver com omodo que ela e Daniel interagiam, algo que a presença

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deledespertavanela.—Queroacreditarqueoquedizeméverdade.Derepente,sintoque

nossoamorémuitoforte.— Forte o bastante que se levarmos Daniel até você amanhã no

festival—Shelbydisse,—vocêiriacomele?Lucinda abriu os olhos. Estavam selvagens e arregalados e de um

tomavelãbrilhante.— Iria. Iria a qualquer lugar nomundo para estar novamente com

ele.

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-I

TRÊS

SUAESPADA,SUAPALAVRAsso foi genial! — Shelby gritou quando Lucinda foi embora e ela eMilesficaramsozinhosnopoço.No lado oeste do céu, os raios de sol haviam se tornado pálidos. A

maior parte dos cidadãos voltava para casa, com carroças e sacolaspesadas com os suprimentos para o jantar. Shelby não comia há muitotempo,mas elamal notava os cheiros de frango assado e batatas cozidasnoar.Seucorpofuncionavacomogásdesuaanimação.

—Você e eu estávamos completamente conectados. Eupensava emuma coisa e você a dizia, como se tivéssemos entrado num tipo de ritmolouco.

—Eusei.—Milesmergulhouo colherãonobaldeebebeuumgolelongo e vagaroso de água. Suas sardas apareciam na luz solar. Shelbyaindaestavaseacostumandoacomoele icavadiferentesemseuboné.—Vocêestavacerta, foiótimo fazeraLucesesentirmelhor.MesmoelanãosendoanossaLuce.—Porumsegundo,acabeçadeMilesmovimentou-separa esquerda, como se tivesse escutado alguma coisa. Seu corpoendureceu.

—Oquefoi?—Shelbyperguntou.Mas então seus ombros tombaram, um pouco mais baixo do que

normalmenteficam.—Nada.AcheitervistoumAnunciador,masnãoeranada.ShelbynãoqueriapensaremAnunciadores;estavaanimadademais.— Sabe o que seria incrível?— ela disse, sentando na beirada do

poço.—Podíamos fazer compraspara eles, conseguir algumabobeirinhacomlaçoparaLucee lhedizerqueédoDaniel.Eupodiaescreveralgunspoemasfofos,“rosassãovermelhos”oucoisaassim.Ei,issoprovavelmenteserianovidadepraessesignorantesmedievais.Epodíamos...

—Shelby?—Miles a interrompeu.—Equanto a ir pra casa? Essenãoéonossolugar,lembra-se?JáajudamosLucindaaodar-lheesperançapara iràFeiradeSãoValentim,masnãopodemosrealmente fazermuitomais paramudar omodoque amaldição funciona. Precisamos achar um

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Anunciador.—Bem, você sabe que onde Luce está o resto deles sempre estará

por perto— Shelby disse rapidamente.— Se pudéssemos apenas acharDaniel, seriam dois coelhos com uma cajadada só. Ele iria à Feira; nósconseguiríamosvoltarparaShoreline.

—NãoseiseseriatãofácilconseguirqueoDanielváàFeira.— Então não podemos ir para casa! Não até que cumpramos a

promessa feita a Luce! Não quero ser mais uma das pessoas que adecepciona. — Shelby de repente se sentiu vazia. — Ela merece algomelhor.

Miles exalou vagarosamente. Caminhou ao redor do poço, desobrancelhasenrugadas,umacaradequemestápensando.

—Vocêestácerta—eledisseporfim.—Oquecustamaisumdia?—Sério?—Shelbysoltouumgritinho.—MasondeencontraremosoDaniel?Lucindanão faloualgo sobre

umcastelo?—Milesdisse.—Podíamosachá-loe...—ConhecendooDaniel,elepodeestarsofrendoemqualquercanto.

Emqualquercantomesmo.Shelby ouviu o som dos cascos de cavalos e voltou sua cabeça na

direção do amplo caminho central nomercado. Depois das barracas dosmercantes,queestavam fechandoparaanoite, elavislumbrouumcavalorégio,brancocomoaneve.

Quando ele passou pelo último toldo de ummercante emostrou-seporinteiro,Shelbyarfou.

A iguranaseladecouropretoeforradadepelo(queShelby,Mileseamaiorpartedoshabitantesdacidadeobservaramcomumaestupefaçãodescarada)realmenteeraumcavaleirodearmadurabrilhante.

De ombros largos e com o visor obscurecendo sua identidade, ocavaleirocavalgoupelapraçacomumpoderosoardenobreza.Suasplacasixasde aço começavamnos seuspés, irmespordois estribos vigorosos.Suas pernas estavam envolvidas por grevas polidas, e sua cota demalhaeratãoapertadaqueseprendiaaosmúsculos laterais.Seuelmodemetaltinhaumtopochato,comduasplacascurvasseencontrandoemumfechoangular sobre o nariz. Havia minúsculos buracos para se respirar nafrentedovisoreumaaberturaestreitaparaseusolhos.Eraalarmante:elepodia vê-los, mas eles apenas podiam ver o ofuscante aspecto exteriordele.

Umporta-espadapresoemsualateralesquerdatraziaumaespada,esobresuaarmaduraeleusavaumacompridatúnicabrancacomumacruz

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vermelha sobre seu peito, como uma que Shelby pensara ter visto numfilmedeMontyPython.

—Porquenãoperguntamosaele?—Shelbydisse.—Estáfalandosério?Shelby vacilou. Lógico, ela estava nervosa por abordar umcavaleiro

deverdade.MasdequeoutrojeitoachariamDaniel?—Temumaideiamelhor?—elaapontouparaa iguraagigantando-

se. — Ele é um cavaleiro. Daniel também. A probabilidade é de quefrequentemomesmocírculodecavalaria,certo?

— Certo, certo. Mas Shel? — Miles parou a respiração na metade,algo que ele fazia quando estava nervoso. Ou quando achava que estavaprestesaferirossentimentosdeShelby.—TentenãousaraquelesotaquedequeridinhadaGeórgia, estábem?AcabecinhaapaixonadadaLucindapode ter deixado isso passar, mas precisamos ser mais cuidadosos sequeremos nos enturmar. Lembre-se do que Roland disse sobremudar opassado.

—Voumeenturmar,voumeenturmar.—Shelbypuloudabeiradado poço, endireitou seus ombros como imaginava que uma dama direitafaria,piscouparaMiles(oquefoiumpouquinhoestranho)ecaminhounadireçãodocavaleiro.

Mas ela tinha dado apenas duas curtas passadas quando ele viroupara encará-la, levantou seu visor e estreitou seus olhos escuros numolharpenetrantequeShelbyjátinhaganhadomuitasvezesantes.

Falandonodiabo.MilesnãotinhaacabadodefalarnoRolandSparks?Roland olhou entre Shelby e Miles. Ele claramente reconhecia-os, o

que signi icava que este era o Roland do seu presente, o Roland deles,aquelequetinhamvistonoquintalarruinadoporumabatalhadaLucindaPrice.Oquequeriadizerqueelesestavamencrencados.

—Oquevocêsdoisestãofazendoaqui?Miles icou do lado de Shelby imediatamente, suas mãos

protetoramente ao redor de seus ombros. Foi realmente umagenerosidadedele,comosenãopretendessedeixá-laserpegasozinha.

—EstamosprocurandoDaniel—eledisse.—Podenosajudar?Sabeondeeleestá?

— Ajudarvocês? A achar oDaniel? — Roland curvou suassobrancelhas escuras, desnorteado.— Não querem dizer Luce, a garotamortalperdidaemseupróprioAnunciador?Vocêsdoisnãosabemnoqueestãosemetendo.

—Sabemos, sabemos, este não é o nosso lugar.—Shelbyusou seu

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tom mais repetitivo. — Chegamos aqui por acidente — ela acrescentou,encarandoRolandnoaltodeseuincrívelcavalobranco.Elanãofaziaideiade que cavalos eram tão enormes.—Estamos tentando voltar para casa,mastemosdificuldadeemacharumAnunciador...

— É claro que sim. — Roland bufou de raiva. — Como se eu nãotivesseobrigaçõesobastante,agoratenhoqueserbabádevocêstambém.—Eleergueucasualmenteumamãoenluvada.—Vouconvocarumparavocês.

— Espera. — Miles icou à frente, interrompendo Roland. —Pensamosque,enquantoestamosaqui,nóspodíamostalvez,hm,fazerumacoisa bacana para Lucinda. Sabe, a Lucinda desta era. Nada demais, sófazeravidadelaumpoucomaisfeliz.Danieldeuoforanela...

—Vocêsabecomoeleficaàsvezes...—Shelbyintrometeu-se.—Esperaaí.ViramLucinda?—Rolandperguntou.—Elaestavadevastada—Milesdisse.—Eamanhãédiadosnamorados—Shelbyacrescentou.Ocavalorelinchou,eRolandoparoucomasrédeas.—Elaestavaclivada?Shelbyenrugouonariz.—Elaestavaoquê?—Elaeraumauniãodeseueudopassadoedopresente?—Vocêquerdizercomo...—Shelbyestavapensandonomodocomo

Daniel tinha icado em Jerusalém, perdido e fora de foco, como um ilmeem3Dsemosóculos.

Mas antesquepudesse responder, o sapatodeMiles esmagou seusdedos. Se Roland não tinha gostado deles estarem aqui, ele com certezanão ia gostardo fatodeles teremviajadopelosAnunciadoresparaquasetodocanto.

—Shh—Milessussurroudecantodeboca.—Olha,ébemsimples.Elareconheceuvocês?—Rolandpressionou.Shelbysuspirou.—Não.—Não—Milesdisse.—EntãoelaéaLucedestaeraenãodevemos interferir.—Roland

os olhou com franca suspeita, mas não disse mais nada. Um de seuscompridosdreadlocks negro-dourado soltou-se do elástico e caiu doesconderijoemseuelmo.Eleen iou-odevolta eolhouao redordapraçada cidade, para os cachorros atacando um intestino bovino retorcido epara as crianças chutando uma bola de couro assimétrica nas ruas

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lamacentas.Claramentedesejavanãotê-losencontrado.—Por favor,Roland—Shelbydisse, alcançando, ousadamente, sua

luva demalha.Manopla, ela pensou. Chamam-semanoplas.—Não crê noamor?Vocênãotemcoração?

Shelbysentiuaspalavraspairandonoargélidoedesejouretirá-las.Certamentehaviaidolongedemais.ElanãosabiaahistóriadeRoland.Eletinha icado do lado de Lúcifer quando os anjos caíram, mas nuncapareceratãomalassim.Apenasobscuroeinescrutável.

Eleabriu suabocaparadizeralgo, eShelbyesperououvirmaisumsermãosobreosperigosdeviagensemAnunciadores,ouserameaçadaaserentregueparaFrancescaouStevenquandoRolandtivessevontade.Elarecuouedesviouoolhar.

Entãoouviuotinidosuavedeumvisorsendofechado.Quando olhou para cima, o rosto de Roland estava novamente

escondido.Osolhosescurosnafendadovisorestavamincompreensíveis.Belamaneiradeestragarascoisas,Shelby.—AchareiDanielparavocês.—AvozdeRolandretumbouatrásdo

visor, fazendoShelbypular.—Mecerti icareidequeele cheguea tempona Feira amanhã. Tenho uma última missão a cumprir, e então voltareipara cá para providenciar um Anunciador para vocês dois, pararetornarem a Shoreline, onde deviam estar agora. Não quero discussões.Aceitemminhaofertaoufiquemsemnada.

Shelby apertou suamandíbula para impedi-la de cair aberta. Ele iaajudá-los.

—Sem,semdiscussões—Milesgaguejou.—Issoestáótimo,Roland.Obrigado.

ShelbyentendeuoligeirodeclivenoelmodeRolandcomosendoumaceno,maselenãodissemaisnada.Apenascutucouseucavalobranconadireçãodocaminhoquedavaparaforadacidade.Mercantesdispersaram-seenquantooanimaltrotavaedepoiscaíanumgalope,suacaudabrancacorrendoatráscomoumsoprodefumaçadesaparecendo.

Shelby notou algo estranho: ao invés de cavalgar orgulhosamentepara fora da cidade, Roland tinha sua cabeça abaixada, seus ombros umtanto tombados. Como se algo, inexplicavelmente, tivesse mudado seuhumor.Foraalgoqueelatinhadito?

—Istofoiintenso—Milesdisseparadoaoseulado.Shelbyaproximou-sedele,tantoqueseusbraçossetocavam,eissoa

fezsesentirmelhor.RolandiaacharDaniel.Eleiriaajudá-los.

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Shelbysentiu-sesorrindoumsorrisomuitodiferentedoseunatural.Em algum lugar debaixo de toda aquela armadura talvez houvesse umcoraçãoqueacreditassenopoderdoamorverdadeiro.

Mesmo com todo seu cinismo exterior, Shelby tinha de admitir queelatambémacreditavanoamor.Eelaconseguiaa irmar,pelomodocomoMiles havia consolado Lucinda esta tarde, que ele acreditava também.JuntoselesviramobrilhodocrepúsculodosolnaarmaduradeRolandeescutaramoruídodecascosnocarvãodiminuindoosilêncio.

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U

QUATRO

MÃOENLUVADAmacoisaboanaEraMedieval:asestrelaseraminacreditáveis.

Semasluzesdacidadeatrapalhando,océueraumapaisagembrilhantedegaláxias,dotipoquefaziaShelbysedeitarporumlongo

tempo e encará-lo. Logo antes do anoitecer, o sol inalmente haviaqueimado as nuvens cinzentas de inverno e agora a tela negra acimaestavalavradadeestrelas.

—EsteéoGrandeCarro,nãoé?—Milesperguntou,apontandoparaumarcoclaronocéu.

— Não faço a mínima.— Shelby deu de ombros, embora tenha seinclinado para seguir o dedo dele com os olhos. Ela conseguia cheirar apele dele, familiar e um pouco cítrica. — Não sabia que gostava deastronomia.

— Nem eu. Nunca tive muito interesse. Mas tem alguma coisa nasestrelashojeànoite...oualgoemhojeànoitenogeral.Tudoparecemeionotável.Sabe?

— É — Shelby suspirou, perdida nas maravilhas que ela nuncaprestara muita atenção. Ela sentia-se perto delas de uma maneiraestranha.PertodeMiles,também.—Eusei.

Uma vez concordado que icariam mais uma noite, a brigona daShelby havia procurado cobertas e um pouco de corda (usandohabilidadesaprendidasnos seusdiasnaperiferia) e transformado-asemumatendaquaseelegante.Comotantosdosvisitantesfesteiros,elaeMileshaviammontadoacampamentonumaaltaladeiranosarredoresgramadosdasmuralhas da cidade.Miles tinha atémesmo achado lenha, apesar denenhumdosdoissabercomocomeçarumafogueirasemfósforos.

Atéqueaquieralegal,naverdade.É,haviaunsbarulhosmalucosdecoiotevindoda loresta,masShelbyselembroudequeàsvezesnasnoitesnaShorelinehaviaosmesmosgritosestridentes.ElaeMilessimplesmenteicariam juntos e se esconderiam atrás de umas pessoas medievaisencorpadassealgumacriaturaselvagemsurgissedafloresta.

Um mercado noturno especial de feriado estava montado perto da

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estrada,entãodepoisdemontaratenda,elessesepararamcomplanosdeMiles acharumpoucode comida ede Shelby caçarpresentesdediadosnamorados para dar a Luce e Daniel no dia seguinte. Então iriam seencontrardevoltanabarracaparajantarsobasestrelas.

Nahoraantesdosolsepôr,osvendedoresdacidadehaviammovidoa festa para o lado de fora. O mercado noturno era diferente do diurnodentro das muralhas, que vendia itens cotidianos como pano e grãos.Shelbypercebeuqueonoturnoeraumeventodeocasiãoespecial,apenaspara o feriado de dia dos namorados, quando a cidade transbordava demercanteseoutrosvisitantesdemuitolonge.

Ogramadoestavacobertocomtendasrecém-levantadas,muitasdasquaistambémeramlocaisdeescambo.Shelbynãotinhamuitoaoferecer,mas conseguiu trocar seu elástico rosa-shocking de cabelo por um lençorendadonoformatodecoração,queplanejavadaràLuce,comopresente“deDaniel”.

Ela tambémtrocaraalegrementeuma tornozeleiradecânhamo,quePhil havido lhe dado em algum encontro na Shoreline, por uma porta-adagadecouroque imaginouqueDaniel fossegostar.Eradi ícil comprarparahomens.

O elástico e a tornozeleira valiammenos do que nada para Shelby,maseramexóticosaosmercantes.

—Quesubstânciadealquimiaéestaqueesticaeretémsua forma?— perguntavam-lhe, examinando o elástico como se fosse uma pedrapreciosa. Shelby tinha segurado uma gargalhada, aqueles aparelhos detorturamedievaisnuncalongedeseuspensamentos.

Como sempre depois de umas comprinhas, Shelby estava voraz eassim esperava que Miles houvesse encontrado uma boa gororoba. Elacorria pelo gramado lotado para encontrá-lo quando um pensamentoembaçadoveioàmente:oqueelaestavaesquecendo?

—Oh,queadorávelgorro!—umamulherdecabelosclaroscomumsorrisoamploapareceuperanteela.ElaacariciouovéurendadodatoucaqueShelbyhaviaroubadodacarroçanaquelamanhã.—ÉumdosgorrosdoMestreTailor?

—Hãn,quem?—aculpadeShelbyfezumruborsubiratéaspontasdochapéuroubado.

—Oestábulodeleé logoproladimdelá.—Amulherapontouparaumatendafeitadelonaduraebrancaacercadetrêsmetrosdedistância.—Henry tem três irmãs, todas costureirasmaravilhosas.Namaior partedo ano suas agulhas movem-se apenas para fazer as vestimentas das

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peçasmisteriosasda igreja,masasgarotassemprefazemalgopequenoeespecialparaaFeira.Otrabalhodelastirameufôlego.

As laterais da tenda estavam abertas e lá, sob um toldo, estava ohomemrobustoemcujacarroçaelaeMileshaviamtentadopularcomoemumtremdecarganaquelamanhã.OhomemquehaviapegadoobonédeMiles. Uma pequena multidão havia se reunido e fazia oohs e aahs,admirandoalgoaparentementemuitoprecioso.Shelbytevequeempurrarosoutrosfrequentadoresdafeiraantesquereconhecesseoitematraindotantosolhosfamintos:

Umbonéazul-clarodosDodgers.—Admirematinturaexcelentedestevisordetecidorígido!—Henry

Tailor estava profundamente envolvido em sua venda, como se aqueleboné sempre tivesse feito parte de sua coleção, como se ele mesmo otivessecosturado.—Jáviramtaiscosturas?Deumintervaloimpecável,aopontodeserem...invisíveis!

—Equandouma espada cortar o feltro,Henry, o que acontece?—umhomemzombou.AmultidãocomeçouacochicharquetalvezovisornãofosseoitemdemaiorinvencibilidadenacoleçãodeHenry.

—Tolos—disseHenry.—Estevisornãoéumaarma,éumitemdebeleza.Não épossível que algo seja feito simplesmentepara agradar aosolhoseaocoração?

À medida que os frequentadores da feira vaiavam, o coração deShelbymartelavanopeito,porquesabiaoquetinhaquefazer.

—Comprareiochapéu!—elagritourepentinamente.—Nãoestáàvenda!—Henrydisse.— É claro que está— disse Shelby, afastando seu nervosismo por

contadeseuterrívelsotaqueinglês,afastandoalgumaspessoasalarmadas,afastando tudo exceto a necessidade de ter aquele boné. Era importanteparaMiles,eMilesera importanteparaela.—Aqui—elagritou— iquecommeugorroemtroco!Meu,hm,paicomprou-oparamimestamanhãeelenão,hm,serve.

Henry olhou para cima e Shelby icou em pânico por ummomento;certamente ele saberia que ela havia roubado o gorro. Só que, quandovirouacabeçaparaela,elenãopareceucompreenderqueaquele itemjálhe pertencera. — Sim, este gorro faz suas orelhas se destacarem pordemais.Masistonãoéobastante.

Oquê?Elanãotinhaorelhasgrandes!ShelbyestavaprestesadizeraHenryoquepensavadissoquandoselembroudoqueimportavaali.

— Sejamos razoáveis! Este chapéu é velho, o material estava

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desbotado! — Ela apontou um dedo acusatório. — E que espécie deperversidadesignificaestasletrasadornadasnafrente?

—Aquilosãoletras?—alguémnamultidãoperguntou.—Nãoseiler—disseoutro.EestavaclaroqueHenrytampoucosabia.—Oquedizem?—eleperguntou.—Penseiquefossemmeramente

decorativas.— E então, lembrando-se que havia dito ter feito o chapéu,acrescentou—Odesenhofoi-medadoporumcavalheirodepassagem.

—É amarca do diabo!— Shelby improvisou, sua voz icandomaisalta à medida que ganhava con iança.— Os braços pontiagudos são suamarcaesuaassinatura.

Amultidãoarfoueseaproximou.Ocheirodeles fezcomqueShelbysentissecomosenãopudesserespirar.

Henryafastouobonédesi.—Émesmo?Entãoporqueoquer?—Porqueacha?Desejodestruí-loemnomedetudoqueésagradoe

direitonomundo.Houveummurmúriodeaprovaçãonamultidão.—Queimarei-oelivrareiestemundodesuamarcadiabólica!—Ela

realmenteestavaficandoboanisso.Algumaspessoasnamultidãoderamvivasdébeis.—Protegereiatodosnóscomadestruiçãodestechapéu!Henrycoçousuacabeça.—Masésóumchapéu,némesmo?AoredordeShelby,aspessoasseviraramparaolhá-la.—Bem,sim,mas...aideiaétirá-lodesuasmãos.Tailor olhou para o gorro em sua mão, sua sobrancelha esquerda

levantando.— Esta obra parece familiar — ele murmurou. Então olhou

novamenteparaobonédeMiles.—Umatrocajusta,então?Shelbyentregouatoucarendada.—Umatrocajusta.Ohomemassentiueocâmbiofoifeito.OapreciadobonédoDodgers

de Miles pareceu uma barra de ouro nas mãos de Shelby, e ela nãoconseguia chegar à tenda rápido o bastante. Ela ia icar tão feliz! Eladelimitouogramado,passandopormenestréiscantandocançõestristesesolitárias, por crianças em um eterno jogo de pega-pega, e logo estavavendooscontornosdosombrosdeMilesnaescuridão.

Sóquenãoestavamaisescuro.

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Miles tinha descoberto como fazer uma fogueira! E estava assandoumgarfocheiodesalsichasnachamaaberta.Quandoeleolhouparaeleesorriu,umaminúsculacovinha(queelanuncanotaraantes)apareceuemsua bochecha esquerda. Shelby icou tonta. Podia ser por causa dacorreria.Oupelocalorrepentinodofogo.

—Comfome?—perguntouMiles.Elaassentiu,nervosademaiscomanotíciadeterrecuperadooboné

paraencontrarpalavras.Segurouobonéportrásdascostas,atentaatudo.Sua postura, o presente, as roupasmedievais largas.Mas este eraMiles;elenãoajulgaria.Entãoporquesesentiatãotensaderepente?

—Acheiqueestivesse.Ei,ondeestáoseugorro?Havia um indício de arrependimento em sua voz? Será que seu

cabeloestavaridículo?Agoraelanão tinhamaisoelásticodecabeloparaprendê-lo.

Elacorou.—Euotroquei.—Ah.AlgoparadaraLuceeDaniel?Comojogodeluzemseurosto,Milespareciatantoseumelhoramigo

comoumapessoacompletamentedesconhecida.Alguém,elapercebeu,quegostariamuitodeconhecer.

—É.— Shelby se sentia estranho, pairando em cima dele com suajubaloucadeleão.PorquenãotinhaumcabelocomoodeLuce,tãomacioebrilhantee sexye tudo isso?Umcabeloqueosgarotosgostavam.MilesgostaradocabelodeLuce.EleaindaencaravaShelby.—Oquefoi?

—Nadademais.Sente-se.Temcidraeumpoucodepão.Shelbysentounagramaao ladodeMiles,cuidandoparaescondero

bonénasdobrasdeseuvestido.Elaquerialhedaristonomomentocerto,tipo depois de seu estômago parar de roncar. Ele colocou uma salsichafervendonuma fatia grossa e crocante de pão e deu-lhe um copode lataamassadocomcidra.Elesbateramseuscopos,osolhosconectados.

—Ondeconseguiutodasessascoisas?—Achaqueé aúnicaque consegue fazer escambo?Tivequedizer

adeusadoisbonscadarçosporessesanduíche,senhora,entãocomatudo.EnquantoShelbydavaumamordidaeprovavasuabebida, icoufeliz

porverqueMilesnãoencarava seucabelo.Eleobservavaaexpansãodetendas que dava para a cidade, a fumaça de centenas de fogueirasmisturando-senoar.Elasesentiumaisquenteefelizdoquesesentiraemmuitotempo.

Terminando o sanduíche antes que Shelby desse uma segunda

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mordida,Milesengoliuemseco.— Sabe, essa saga da Luce e do Daniel, o amor impossível deles, a

maldição inquebrável, sorte e destino e tudo isso... quando começamos aaprendersobreissonasaulas,emesmoquandoeuconheciaLuce,pareciatão...

—Umbandodebaboseira?—Shelby interrompeu.—Foioqueeuachei,pelomenos.

— Bem, é — Miles admitiu. — Mas recentemente, passando pelosAnunciadores com você, vendo de verdade tudo que tem no mundo,encontrando Daniel em Jerusalém, observando como Cam era diferentequandoestavanoivo...Talvezoamorverdadeiroexistamesmo.

—É.—Shelbypensousobreissoenquantomastigava.—É.Do nada, ela quismuito perguntar uma coisa paraMiles.Mas tinha

medo.Enãoaqueletipodemedodeterquedormirdoladodeforanumaloresta povoada por animais ou o medo de estar muito, muito longe decasaesemqualquercertezadeacharocaminhodevolta.Esteeraumtipodemedonovoevulnerável,cujaintensidadeafaziatremer.

Massenãoperguntasse,nuncasaberia.Eissoseriapior.—Miles?—Sim?—Jáseapaixonou?Miles arrancou um talo marrom de grama e retorceu-o entre suas

mãos.Elelançou-lheumsorriso,eentãodeuumarisadaenvergonhada.—Não sei. Quero dizer... provavelmente não.— Ele tossiu.— Você

já?—Não—disseela.—Nemumpouco.Nenhum dos dois sabia o que dizer depois. Por um tempo, eles

simplesmente icaramsentadosemumsilêncioenervante.ÀsvezesShelbyesqueciaqueeraumsilênciodenervosoe icavacomvontadededarumaespiada nele e então o via olhando-a, e os olhos dele eram de um azulmágicoetudopareciamuitodiferente,eelaficavanervosadenovo.

—Jádesejouemviveremoutraera?—Miles inalmentemudoudeassunto,epareceuqueumenormebalãodetensãoforaestourado.—Eupodiameacostumarausararmadura,sercavalheiro,essascoisas.

—Vocêseriaumótimocavalheiro!Maseunão,eusaltariaaosolhos.GostodobarulhodaCalifórnia.

—Eu também. Ei, Shel?—os olhos dele aprofundaram-se nela. Elasentiu-sequentemesmocomumarajadadeventode fevereiropassandopor seu vestido de algodão áspero. — Acha que as coisas vão ser

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diferentesquandovoltarmosparaShoreline?— É claro que vão ser diferentes. — Shelby olhou para baixo e

arrancou a grama.— Quero dizer, iremos nos sentar no refeitório, ler oTribune e planejar pegadinhas para aprontar nos não-Nephilim. Nãovamos,sabe,beberdepoçosmedievaisecoisasassim.

—Não foi isso que quis dizer.—Miles se virou para encará-la. Elelevantou o queixo dela com o dedo. — Quis dizer eu e você. Estamosdiferentesaqui.Gostodojeitoqueestamosaqui.—Eleparoueolhouparaelacomseusolhosazuisprofundos.—Vocêgosta?

Shelbysabiaquenãoeraaquiloqueelequiseradizer.Maselaestavaassustada demais para falar sobre o que ele queria. Porque... e se elativesse entendido mal? Ela gostava (e muito) do jeito que Miles e ela“estavam”aqui,fossecomofosse.Elasentiraessaagitaçãoneleodiatodo.Masnãoconseguiaexplicá-la.Istoadeixavasemfala.

Por que ele não podia simplesmente ler sua mente? (Não que elafossemenosconfusa).Masnão,Milesestavaesperandopor sua resposta,queestavaatrasadaeerasimplesetambémmuito,muitocomplicada.

—Claro.—Shelby estava corando. Ela precisava de umadistração.Então pegou o boné de beisebol. Desse jeito ele o encararia ao invés dasbochechasrosadasdela.

— Eu te perguntei sobre seu gorro — Miles disse antes que elapudesselhedaroboné—porqueacheiissoaquinomercadohoje.—Eleseguravaumparde luvasdecourodebúfalocomopunhobranco.Eramlindas.

—Vocêcomprouisso?Pramim?— Consegui em troca, na verdade. Você devia ter visto como o

mercador de luva pirou por causa de um chiclete. — Ele sorriu. — Dequalquer jeito, as suasmãos estavam tão frias o dia inteiro, e achei quecombinariamcomseugorro.

Shelbynãoconseguiaevitar.Elacomeçouagargalhar.Elasedobrouebateunochãoeuivou.Foitãobomsoltartodaaquelaenergiapresaporcausa do nervosismo, soltá-la no ar da véspera do dia dos namorados esimplesmenterir.

— Você as odiou. — Miles pareceu desapontado. — Sei quenormalmentenão fazemoseuestilo,maseramdamesmacorqueaquelegorroe...

—Não,Miles, não é isso.— Shelby sentou-se de volta e icou sériaquandoviuorostodele.Entãocomeçouarirdenovo.—Troqueiogorroparaconseguirissoparavocê.—ElasegurouobonédosDodgers.

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— Não brinca. — Ele o pegou com o ar de uma criança que nãoconseguia acreditar que os presentes debaixo da árvore de Natal eramrealmenteseus.

Silenciosamente, Shelby segurou as luvas em suas mãos. Milesagarrou o boné nas suas. Após um longo instante eles experimentaramseuspresentes.

Com o boné en iado apertadamente sobre seus olhos azuis, Milespareciaquasequecompletamentecomseuantigoeu,ogarotoqueShelbyconheciade centenasdeaulasnaShoreline,ogaroto comquemela tinhaatravessadoAnunciadores,ogarotoque,elapercebeu,eraseuamigomaispróximo.

Easluvas,elaseramperfeitas.Docouromaissuaveedeumdesenhodelicado. Serviam-lhe perfeitamente, quase como se Miles soubesse oformatoexatodesuasmãos.Elaolhouparacimaparaagradecê-lo,masaexpressãodeleafezparar.

—Qualoproblema?Milescoçouatesta.— Num sei. Você se importaria, na verdade, se eu tirasse o boné?

Percebihojequeconsigovervocêmelhorsemele,egosteidisso.—Mever?— Shelby não sabia por que, de todas as vezes, sua voz

escolheuestemomentoparafalhar.—É.Você.—Ele tomousuasmãos.Osbatimentosdelaaceleraram.

Tudonaquelemomentopareceumuitoimportante.Sóhaviaumacoisaerrada.—Miles?—Sim?— Importa-se de eu tirar as luvas? Eu as adorei, e vou usá-las,

prometo,masagora,eu...eunãoconsigosentirassuasmãos.Sempretãogentil,Milesretirouas luvasdecouro,umdedoporvez.

Quandoeleterminou,colocou-asnochãoetomouambasasmãosdelanasdele de novo. Forte e reconfortante e, de algum modo, completamentesurpreendente,oapertodeMilesafezsorrirdedentroparafora.Nogalhodo loureiro atrás deles, um rouxinol gargarejou suavemente. Shelbyengoliuemseco.Milesrespirouvagarosamente.

— Sabe o que eu pensei quando Roland disse que ia nos mandarparacasaamanhã?

Shelbybalançouacabeça.— Pensei:agora vou passar o dia dos namorados neste lugar

incrivelmenteromânticocomumagarotaqueeurealmentegosto.

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Shelbynãosabiaoquedizer.—NãoestáfalandodaLuce,está?—Não.—Eleobservouseusolhos,esperandoporalgo.Shelbysentiu

aquelatonturadenovo.—Estoufalandodevocê.Emseusdezesseteanos,Shelbyhaviasidobeijadapormuitossapose

algumasrãs.Etodavezqueestemomentochegava,ogarotosemprefaziaogestomaisperdedordetodos,dizendo“Possotebeijaragora?”Elasabiaquealgumasgarotas achavam issoeducado,masparaShelbyera apenasuma gigantesca dor de cabeça. Ela sempre acabava respondendo algosarcástico e sempre aniquilava o clima. Então estava aterrorizadade queMilesfosseperguntarsepodiabeijá-la.Etambématerrorizadadequeelenãoperguntassesepodia.

Porsorte,Milesnãoadeixoumuitotempoamedrontada.Ele se abaixou bem lentamente e segurou as bochechas dela nas

palmas de sua mão. Seus olhos eram da cor do céu estrelado acima.Quando ele guiou o queixo delamais para perto do dele, inclinando bemligeiramenteorostodela,Shelbyfechouosolhos.

Seuslábiosseuniramnomaisdocedosbeijos.Simples, alguns beijinhos suaves. Nada complicado demais, eles

estavamapenascomeçando,a inal.QuandoShelbyabriuseusolhoseviuoolhar no rosto dele, aquele sorriso que ela conhecia tão bem quanto seupróprio, soube que tinha ganhado o melhor presente dos dias dosnamorados.Enãotrocariaistopornada.

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LIÇÕESAMOROSAS

ODIADOSNAMORADOSDEROLAND

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R

UM

ALONGAEOFUSCANTEESTRADAolandcavalgavaduramenteparaosportõesdoladonortedacidade.Emboraesta rota fosse levá-loparaacenadopiormomentodesuavida,elenãodesviou.Tinhaumamissão.Sua égua, uma estranha até algumas horas atrás (quando havia

roubado-a dos estábulos de um senhor) adaptava-se intuitivamente àssuas necessidades. Era umaÁrabe branca como a neve,muito bonita emseu equipamento de couro negro de cavaleiro. Antes de Roland tê-laencontrado, ele estivera de olho emum cavalomanchado de arador comgrandiosos lancos (um cavalo-operário conseguia viajar mais que umcavalodeumnobre,ecommenosalimento),maselenãosesentiabememroubardecamponeses.

Esta(chamava-adePretinha,porcontadopingopretoquetinhaemseu nariz) tinha resmungado e coiceado quando montara nela pelaprimeira vez,mas após algumas voltas cuidadosas no caminho lamacentoperto do curral de ovelhas, já eram amigos. Ele sempre teve um domespecialcomanimais,especialmentecavalos.Osanimaisconseguiamouviramusicalidadeemsuavozmaisclaramentequeoshumanos.Rolandpodiasussurrar algumas palavras para uma potra assustada e acalmá-la comoumraiodeluzapósumtornado.

Quando en im Roland passou pela desordem que era o mercado,égua e cavaleiro formavamumaunida parceria, o que não era o caso desuaarmadura.Oconjuntoquetinhaafanadodacâmaradearmamentodoilhodolordenocastelonãolheservia.Eracompridonaspernaseestreitono peito, e fedia a suor acre. Nenhuma dessas características combinavacomRoland,cujocorpoestavaacostumadocomalta-costura.

Enquantopassavajuntoaosportões,cuidandoparaevitaravisãodecampo do lorde, Roland havia simplesmente ignorado os olharesalarmados dos cidadãos e seus murmúrios conjeturando sobre qualbatalha ele iria travar. Esta armadura formal, com seumaldito colete decota demalha, rodeado por um cinto adornado pesando nove quilos, e oelmo de aço sufocante que não parava em seusdreadlocks, era usada

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somenteemlutas;eraevidenteeenfadonhademaisparaviagenscasuais.Ele sabia disso. Sentia isso com absolutamente todas as passadasestremecidasdesuaégua.

Mas esta vestimenta tinha sido a única coisa que Roland conseguiuacharparaofuscarsuaidentidadeoquantoprecisava.Elenãotinhavindoatéaquiparaser incomodadopormortais tentandocapturareaprisionarumdemônioqueconfundiramcomumbárbaro.

Precisava de um disfarce que não atrapalhasse a realização de seuúnicoobjetivo:manteroeupassadomedievaldeDaniellongedeencrenca.

NãoLucinda.Daniel.Roland acreditava que Lucinda Price sabia o que fazia. E mesmo

quandonão fazia ideiadoqueestava fazendo, sempre faziaa coisa certa.Era impressionante. Os anjos que seguiram Luce nos Anunciadores(Gabbe,Cam,atémesmoArriane),nãolhedavamcréditoosu iciente.MasRoland tinha notado uma primeiramudança nela naSword & Cross , umaestranha certeza insensata que ela nunca possuíra em suas vidasanteriores,comosetivesse inalmentevislumbradoaprofundidadedesuaalmaantiga.Lucepodianãosaberoqueestavafazendoquandoentrouporconta própria,mas Roland sabia que eventualmente ela descobriria. Esteeraofinaldatrama,eelaprecisavadesempenharseupapel.

EraporissoqueeraDanielquempreocupavaRoland.Seria bem típico deDaniel achar Luce sem querer e arruinar tudo.

Alguémprecisavasecerti icardequeelenão izessenenhumaburrada,eeraporissoqueRolandhaviaseguido-opelosAnunciadoresnoquintaldeLuce.

Mas acharDaniel provara-semaisdi ícil doqueo esperado.Rolandchegara atrasado em Helston, perdera-o por pouco na Bastilha, e eraprovável que tampouco o achasse aqui. Se fosse esperto, Rolandsimplesmente pularia isso tudo e tentaria interceptar Daniel em uma desuasprimeirasvidas.

Sefosseesperto.MasentãoeleviuosdoisAnacronismosdesacompanhadostramando

coisasnopoço,eemplenaluzdodia,nocentrodacidade,comsuasroupasruinsesotaquespiores.

Elesnãosabiamdenada?RolandgostavabastantedosNephilim.Shelbyeraumtipodepessoa

con iável edecente, enãoeramuito feia aoolhar.EMiles... disseramqueele icou próximo demais de Luce naShoreline, mas qualquer garoto nolugardelenãoteriatentado?Deemumtempoaogaroto ,eraoqueRoland

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pensava.Milestinhaumcoraçãodeouroemuitopoucodemaldade.Roland sabia que os Nephilim estavam aqui por pura boa vontade.

Seu ponto fraco era sua amiga Luce. E estava claro que Shelby e Milestinham esperanças elevadas de um romance na Feira do Dia dosNamorados...paraLuceeDaniel,etalvezatéparaelesmesmos.

Provavelmentenãosabemdissoainda,Rolandpensou,esorriu.Mortais raramente conseguiam reconhecer seus verdadeiros

sentimentosantesqueestesbatessememseusrostos.Istoaconteciacommuitoscasaisquepassavamtemporegozijando-se

no brilho de Daniel e Lucinda. Roland tinha testemunhado isso antes.Daniel e Lucinda eram os emblemas do romance, ideais que todos osmortais e alguns imortais precisavam acreditar, quer fossem ou não elespróprios capazes de estabelecer uma ligação tão verdadeira. Daniel eLucinda eramuma ideia que relatava omodo comoo resto domundo seapaixonava.

Eraumfeitiçopoderosoparasecair.Éclaro,RolandtevequerepreenderosNephilimporestaremnuma

dasvidasmedievaisdeLucinda.Elesdeveriamestaremseulugar,emseupróprio tempo, onde suas ações não causariam nenhuma catástrofehistórica.

Entãoelehaviapegadoumpoucopesadocomeles. Issoosmanterianalinhaatéqueelevoltassepara levá-losparacasaemsegurança.ViajarcomeleseraaúnicamaneiradeassegurarquenãoacabassememalgumlugaraindamaislongedeShoreline.

Masanteselepodiaprestar-lhesumfavor.AcharDanielecerti icar-sequeaquelemalhumoradinho fosseatéaFeiradeSãoValentim.DaraDanieleLuceummomentode felicidadenãoeranadadi ícilparaRolande,alémdisso,dava-lhealgoparafazer.

Enestaera,emparticular,Rolandprecisavadealgoparafazer.Paramantersuamenteafastadadeoutrascoisas.No melancólico frio de fevereiro, Roland cavalgou por uma gleba,

ondecolheitascuidadasporescravosenchiamosbolsosdosclérigoslocais.Passou por uma igreja gótica, com seus arcos pontiagudos e torresespinhosas.A casa de Deus. Não conseguiu evitar que o pensamentopassasseporsuamente.Faziamuito tempodesdequeestiveradentrodeuma. Ele cruzou uma ponte alta sobre o rio inchado e lamacento e virousuaéguanadireçãodafortalezadocavaleiro,quesabiaque icavaameiodiadecavalgadaaonorte.

Nãoeraumajornadaagradável:aestradaeraduraeoclimaterrível.

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Pretinhachapinhavaaltosrespingosdelama,pintandoseus lancosdeummarrom-acinzentado sujo. E o frio fazia as dobradiças da armadura deRolandendurecerematéumestadodequaseimobilidade.

Aindaassim,eraquasecompletamentebomvoltarparaestepassado.Um romântico como Daniel poderia a irmar que o cavalheirismo nuncahaviamorrido,masDanieltinhaumarelaçãocomplicadatantocomoamorquanto com a morte. Roland tinha vivenciado este tipo primário decavalheirismoporanos.EleestavaquaseacabandoaestaalturanaIdadeMédia, e certamente já tinhamorrido no presente de onde Roland tinhavindo.Nãohaviadúvidanenhuma.

Masalgumtempoatrás...Pelomaisbrevedosinstantes,eleselembroudobrilhodeumcabelo

douradovoandonovento.Ergueu o visor de seu elmo e respirou profundamente. Não iria

pensarnela.Nãoeraporissoqueestavaaqui.Ele cutucouPretinha para que prosseguisse e balançou sua cabeça,

tentandoespaireceramente.Roland estava a menos de um quilômetro e meio do grupo de

cavaleirosqueprocurava.Examinouohorizonte:o abrangentedeclivedevales a leste e a tempestade atrás e a seu oeste. A sua frente a estradaenrolava-se em curvas de colinas que formavam uma barreira protetorapara a cidade. Também adiante estava um castelo que pretendia evitar.Dariaumavoltaenormeparanãopassarporele.Edooutroladodaquelecastelo estava uma estrada (se ainda estivesse em condições de serpercorrida)queolevariadiretamenteatéoDanieldestaera.Eatéseueumedieval.

Nas suas lembranças antigas desta era, ele se lembrava de como oestranho cavaleiro totalmente coberto aparecera perante ele, trazendoordensdorei.

O cavaleiro tinha diminuído o passo de seu cavalo até o solado desuas tendas e tinha passado um decreto impondo que os homensabandonassem seus postos por duas noites para celebrar o novo feriadodeSãoValentim,comoeradavontadedeDeus.Apenasalgunssabiamler,entãoamaioriadoshomens recebeuanotíciadeboa-fé.Rolandainda selembravadosgritoseberrosdeseuscompanheiroscavaleiros.

O cavaleiro não tinha dito uma palavra, havia simplesmenteentregadoodecretoegalopadoparalonge...emseucavalopreto-carvão.

Estranho.RolandolhouparaPretinha,acariciandosuacrinabrancaeprata.

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SeesteeraodestinodeRoland,seroanjoatrásdovisorquedavaaDaniel um presente do dia dos namorados, direcionando-o de volta aosbraços da garota que ele amava, então algo teria que acontecer que opermitissetrocarsuaéguabrancaporumcavalopreto.Ealguémteriaquecolocarumdecretorealemsuasmãos.

Coisas mais estranhas aconteciam quase todos os dias, disse elesabia.

Ele en iou seus calcanhares nos lancos de Pretinha e cavalgou,suandoemuminstante,tremendonoseguinte.

Eventualmente Roland cavalgou até o castelo. Ele protegia o feudo

mais ao norte do condado, o último posto avançado a caminho doacampamento dos cavaleiros. Ficou parado com uma perna de cada ladoem cima de sua montaria por um instante, assimilando a construção depedrafamiliar.

O castelo elevava-se perante ele como um colosso. Havia chaminésbrancas como giz acima de cada quarto, fendas estreitas que permitiamumavistadecada fachada.Mísulase cornijasdecoravamosblocoscinza-escuros de pedra, cuja magnitude faziam Roland se sentir minúsculo. Otamanhodocastelooalucinava.Sempretiveraesteefeito,mesmonaquelebreve espaço de tempo quando tinha passado por seus portões quasetodos os dias e escalado suas pedras entalhadas para alcançar umavarandatodasasnoites.

Seus joelhos tremerem contra os lancos de sua égua. Seu coraçãoparecia que tinha inchado dez vezes seu tamanho normal. Batia como secada palpitação pudesse ser a última. A parte de trás de seus ombrosqueimava, e ele queria voar para bem longe, mas suas asas estavampresasnocasacodemetaleelenãopodiaretirá-lo.

Alémdomais,não importavapraondeRolandvoasse,elenãopodiaescapardoterrorqueseespalhavaemsuaalma.

Dentro deste castelo vivia uma garota chamada Rosaline. Ela era oúnicosernouniversoqueRolandjátinhaverdadeiramenteamado.

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P

DOIS

PAREDESDESMORONANDOretinha relinchou suavemente enquanto Roland deslizava de suascostas.Eleaencaminhouatéumamacieirasemfrutosnolimitesuldapropriedadedopai deRosaline e amarrou suas rédeas ao redordo

tronco.Quantas vezes Roland tinha rodeado as árvores deste jardim,

carregando a ampla cesta entrelaçada de sua amada em seu braço,arrastando-seatrásdela, adorandoseusmovimentosvagarososenquantoelaarrancavaofrutovermelhodosgalhos?

O pai dela era um conde ou duque ou barão ou alguma outravariedade de um magnata de terras ganancioso. Roland parou de seimportar com tais títulos mortais após mil anos tendo que observar taishomensbrincandodejogosdeguerra.Aúnicapaixãodestemortalemvidaparecia ser exatamente isso: travar guerras e roubaros ricosdos feudosnobresaoredoreinfernizartodososseusvizinhos.OgrupodecavaleirosaoqualDaniel eRolandserviam incluía-senopoderdele, entãoRolandeseus companheiros tinham passado muitas horas do lado de fora e dedentrodasparedesdestecastelo.

EleprocurounoalforjedePretinhaeachouumamaçaseca,entãoadeuàsuaéguaenquantoavaliavaasituação.

EleselembravadestaFeiradoDiadosNamorados.Sabiaqueaestaaltura seu romance comRosaline já tinha terminado. O amor deles tinhaacabadohámaisde...cincoanosagora.

Ele não deveria ter parado aqui. Deveria saber que isto iriaacontecer,queaslembrançasinundariamsuamenteeodanificariam.

Nem um dia se passava, nestes mil anos, em que Roland não searrependesse da maneira como tinha terminado com Rosaline. Sua vidaeradeterminadaporestearrependimento:paredeseparedeseparedes,cadaumadelascomsuaprópriafachadaimpenetrável.Oarrependimentoformavaumcastelodentrodesiqueeratrilhõesdevezesmaiordoqueocastelo a sua frente agora. Talvez fosse por isso que o tamanho destecastelo inglês mexesse tanto com ele, pois lembrava Roland da fortaleza

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dentrodelemesmo.Eratardedemaisparaseredimircomela.Masmesmoassim...ElecoçouPretinha,pedindoporcoragem,efoiatéocastelo.Haviaum

passadiço de pedra demarcado por arbustos de prímulas não-desabrochadas que acabava em um pesado portão de metal. Rolandevitou-o e foi por um caminho lateral. Andou sob as árvores na orla dalorestaatéquepudesseescapardavisãonasombradamuralhaocidentaldo castelo. Ela pairava sobre ele, quinze metros de altura antes que aprimeirajanelaoferecesseumavistaparafora.

Ouparadentro.Rosalinecostumavaesperá-loali,seucabeloloiropenduradosobrea

beiradada janela.Erao sinaldequeela estava sozinhae esperavapeloslábios de Roland. A janela estava vazia agora, e olhá-la do chão dava aRoland uma sensação enferrujada de saudade, como se estivesse muito,muitodistantedolugarondepertencia.

Nenhum guarda vigiava as ameias aqui, disso ele sabia. Amuralhaeraaltademais.Elesaiudassombraseandouaté icardiretamenteabaixodajanela.

Correusuasmãospelaparede,lembrando-sedasranhurasqueseuspés haviam encontrado tantas vezes antes. Naquela época, ele não tinhaousadosoltarsuasasasna frentedeRosaline. Jáerademaispediraumamortalcomoelaqueoamasse,devidoacordesuapele.Opaidelanuncaviu Roland sem seu visor, e não teria permitido que um bárbaro lutasseporele.

Roland podia termudado sua aparência; anjos faziam isso o tempotodo. Quantas vezes Daniel tinha alterado seu re lexo mortal por Luce?Elestinhamparadodecontar.

Mas não era o estilo de Roland seguir tendências. Ele era umclassicista. Sua alma sentia-se confortável (tão confortável quanto podia)nestapeleemparticular.Haviaocasiões,comohoje,emquesuaaparênciaocasionava brigas tolas,mas nunca fora algo que Roland não pudesse seopor. Rosaline dizia que o amava por quem ele era por dentro. E ele aamava por sua franqueza... mas ela não compreendia tudo. Ainda haviaalgumascoisassobresimesmoqueRolandsabiaquenuncapoderiaexpor.

Elenãoseexporiaagora,nãoretirariasuaarmaduraouexibiriasuasasas.Ocostumeoajudariaaescalaramuralhadamaneiraantiga.

Ele reconheceu o caminho na muralha, como se tivesse sidoiluminado pelo mesmo resplendor dourado que suas asas abertas

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espalhavampelomundo.Rolandcomeçouaescalar.Primeiramente foi cuidadoso em sua subida, mas mesmo nesta

armadurademetalrangendo,elelogoficouágilcomaslembrançasalegresdoamor.

Algunspoucosminutosdepoisalcançouotopodamuralhaexteriorepassou suas pernas pelo peitoril estreito do parapeito. Endireitando-se,escapou para o distante torreão e espreitou seu pináculo cônico de corterra-de-siena. De lá, era uma subida perigosa até o círculo de janelasarqueadas rodeando a torre.Mas sabia quehavia umestreito terraçodoladodeforadeumadas janelaseumadelicadaorladepedracercandoatorre.Elepodiaficaremcimadelaeespreitarparadentro.

Logo ele tinha chegado ao peitoril, e se segurava irmemente naconstruçãodepedraao longoda janela. Foiquandonotouaporta abertadavaranda.Umacortinadesedavermelhaondulavanovendo.E lá,atrásdela,haviaumlevemovimentodeummortal.Rolandsegurouarespiração.

Ondas loirasdecabelo, compridoe solto,pendiamdascostasdeumvestidoverdeglorioso.Eraela?Tinhadeser.

Eleansiavaesticar-seepuxá-lade sua janela,para fazer comqueomundo voltasse ao normal. Seus dedos icaram dormentes de segurar oparapeito, e no momento essencial em que a deusa de cabelos loiros sevirou, Roland congelou tão rapidamente, tão completamente, que pensouqueiriacairnochãocomoumsincelo.

Eleseafastouevoltouparaoparapeito,seupeitocontraamuralha,masmesmoassimnãoconseguiatirarseusolhosdagarota.

Nãoeraela.EraCelia,afilhamaisnovadolorde.Deviaterdezesseisanosagora,a

idadedeRosalinequandoRolandtinhaquebradoseucoração.Elapareciasua irmã: pele clara, olhos azuis, lábios de pétalas de rosa, e todo aquelemaravilhoso cabelo da cor de linheiro. Mas o fogo dentro dela, aqueleincêndio poderoso que Roland adorava em Rosaline, era apenas umachamamoribundaemCelia.

Ainda assim, Roland estava ixo no lugar, incapaz de fazer omenordosmovimentos. Se Celia saísse pela janela e entrasse na varanda, comopareciaqueiafazer,Rolandseriapego.

—Irmã?Aquela voz... era como um instrumento a inado, porém mais

encorpado.Rosaline!Por uma fração de segundo, Roland viu uma sombra na entrada, e

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entãooper ilclaroegraciosodaúnicagarotaqueelejáhaviaamado.Seucoraçãoparou.Nãoconseguiarespirar.Queriagritaronomedela,pegá-la...

Mas o suor em suas palmas o traiu e seu apoio vacilou. Por váriossegundos que pareceram durar uma eternidade, Roland sentiu como seestivessepairandonoar...eentãocaiuporseisandaresnochãolamacento.

Umalembrança:Asportasabertasdeumceleirodilapidado.Roland reconheceu-o como sendo a estrutura vacilante na

extremidadenordestedoterrenodocastelo.Osolpassavaporelecercadeseis horas da tarde nas noites de verão, então Roland supôs, pela luzdourada no feno, que eram quase sete horas. Perto da hora do jantar,aquele espaço de tempo tão breve quando Roland conseguia persuadirRosalineaficaralgunsmomentossozinhacomele.

Pelasamplasportasdemadeiraeleviuduassilhuetasagachadasnocanto escuro traseiro. Ali, entre a ração para galinha e a pilha de foicesenferrujadas,Rolandviuseuantigoeu.

Mal reconheceu o garoto que viu. Eles eram amesma pessoa,mas,ainda assim, algo fazia este garoto realmente parecer novo. Esperançoso.Indene. Sua túnica de lã era apertada ao corpo, e seus olhos eram tãobrilhantes quanto os de uma potra recém-nascida.Ela fazia isso com ele,retirava dele milênios gastos trabalhando na Terra, sua completaexistêncianoCéuesuaQuedaopressoraapós.

Ele podia ter experiência em guerras e ter se rebelado contra opoderdivino,masquandosetratavaderomance,ocoraçãodeRolanderaigualodeumacriança.

Ele sentou-se em um banquinho de madeira de três pernas eespreitou, tão ardentemente que icava envergonhado de se lembrar, aestonteantegarotadecabelosloirosperantesi.

Rosalinereclinou-sedoseu ladono feno,alheiaaosespinhosqueseagarravamao seuvestidode cetim. Seu cabelo tinhaumresplendormaisadoráveldoqueeleserecordava,esuapeleeratãosuaveeclaraquantoum creme recém-batido. Seu olhar abaixado fazia com que a única partequeRolandvislumbrassedeseusbonitosolhosazuisfosseasuavecortinade cílios sobre eles. Naquela época, seus lábios cheios adotavam duasposições:obeicinhoquefaziamagoraeopresenterápidodeumsorrisoàs

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vezesconcedidoaRoland.Amboseramdesejáveis.Ambosfaziamcomqueeletivessesensaçõesesquisitas.

Ela semoveuno feno, ingindo tédio,masdemaneiramuito ruim.Acadamovimentodeleelaficavaparalisada,elepercebiaagora.

—Tenhomaisumgracejo.Minhasenhoragostariadeouvir?—disseseueupassado.

Rolandrecordou-sedaafoitainclinaçãodoqueixodeseueupassadoequeimoudevergonha.Agoraeleselembravadoporquetinhaprecisadoconvencê-latãoavidamenteparaqueseencontrassecomelenoceleiro.

Tudoqueelefezfoiatacá-lacompoesiasruins.O garoto no banquinho não esperou (claramente não conseguia

esperar) pelo resmungo re inado deRosaline. E quandoRoland começouseu verso horrendo, ninguém imaginaria que este poeta fracassado játinhasidooAnjodaMúsica.

Picosnevadossãosub-sublimes,ComparadosàdeslumbranteRosaline.Osolhosternosdegatinhossãocrimes,NocolodeRosaline.Comoumpoemaprecisadelimes,EuprecisodeRosaline.Aquelesquelabutamcompaveiaevimes,Transportam-osparaRosaline.Comoacascaanozexprime,EstanozéRosaline.Aquelequedemistériosaproximes,PrimeirodeveencararRosaline.No im, Roland olhou para cima e viu o rosto de Rosaline enrugado

numa carranca. Ele se lembrou disso agora, lutou para aguentar umasegundavez,esentiuomesmopesoemseuestômago,comoumabigornacaindodeumpenhasco.

—Porquemecorrompecomestesversosdeselegantes?—disseela.Destavez,emsuaslembranças,Rolandouviuemsuavoz:Éclaro!Ela

estavaprovocando-o.Ele deveria ter percebido isso quando ela pegou sua mão e o

arrastou até o feno junto a si. Seu coração batia alto demais para queouvisse a insinuação dela, que agora, claramente, pediaCale a boca emebeije.

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Ecomoeletinhabeijado-a!Naquela primeira vez em que seus lábios se uniram, algo in lamou

dentro de Roland, como se sua alma tivesse sido eletrocutada. Seu corpoicou rígido com o esforço de tentar não estragar nada. Seus lábiossoldaram-se aos dela, porém frouxamente. Suas mãos eram duas garrascoladasnosombrosdela.Rosalineretorceu-seemseuaperto,maselenãoconseguiasemovernemquesuavidadependessedisso.

Por im ela soltou umadoce risada e contorceu-se pra fora de seusbraços. Ela reclinou-seno feno, seus lábios rosa franzidos e denovo forade alcance. Olhou-o da maneira como uma criança olha um brinquedodescartável.

—Faltoufineza.Rolandficoudejoelhos,suasmãosplantadasnofenoáspero.—Devotentarnovamente?Estoucertodequepossofazermelhor...— Bem, espero que sim. — Sua risada era recatada e elegante.

Desviou dele tempo o bastante para provocá-lo, e então se encostou nofenoefechouseusolhos.—Podetentarnovamente.

Rolandinalouprofundamente,bebendodadoçuraquevinhadecadaparte dela. Mas justo quando estava prestes a entregar outro beijodesengonçado,Rosalinepressionouamãocontraseupeito.

Devetersentidoseucoraçãoacelerado,poisnãoodeixouprosseguir.—Desta vez— ela instruiu— não ique tão forçado. Tenhamais...

fluidez. Pense no ritmo de um poema. Bem, talvez não dosseus poemas.Talvezodoseupoemafavoritoescritoporoutro.Jogue-senomeubeijo.

—Dessejeito?—Rolandsófaltoucairemcimadela,rolandoparaoladoeficandocaraacaracomofeno.Virou-senadireçãodela,corado.

Ficaramdeitados lado a lado, encarando um ao outro. Ela tomou asmãos dele. Seus quadris tocavam-se por cima das roupas. As pontas deseus pés beijaram-se sem constrangimento. O rosto dela estava acentímetrosdodele.

—Errouaminhaboca.—Seus lábios se separaramemumsorrisoatraente.— Roland, amar signi ica não ter medo de se soltar, con iandoqueeuvádesejartudoquevocêtemaoferecer.Vocêentende?

— Sim, sim, eu entendo! — suspirou Roland, içando-se mais paraperto em sua tentativa seguinte. Seus lábios e suas mãos e seu coraçãoquaseexplodiamdeansiedade.Tentativamente,elealcançousua...

—Roland?Oqueeraagora?—Segure-mefirmemente,senhor,nãovaimequebrar.

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Enquanto ele a beijava, parecia a Roland que nem o chamado dopróprioLúciferpodiaforçá-loadeixaressabeladonzelairembora.

Eleseguiriaoconselhodelamilharesdevezescomoutrasdamasnofuturo,eàsvezessentiaalgo,masnuncapormuitotempoenunca,nuncadessejeito.

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R

TRÊS

CONSELHOCOMAESCURIDÃOolandacordousentindo-seenjoadoeperdido.

A doce lembrança de seu amor por Rosaline escapulia. Eletocouacabeça,quelatejava,epercebeuqueestavadeitadonochão.Lentamente, icoudepé.Algoemsidoía terrivelmente,masnãoera

nadaquenãofosseserecuperarnotempodevido.Eleolhounovamenteparaavaranda.Nuncateriacaídoantigamente.

Provavelmente não deveria ter vestido sua armadura completa. Estavaicandoenferrujado.Quantasvezestinhaescaladoestamesmamuralhanaexpectativa de encontrá-la? Quantas vezes o cabelo loiro e comprido deRosalinetinhachamado-ocomooscachosdeRapunzel?

Geralmente, quando Roland alcançava a varanda, ela estavaesperando,genuinamenteexultanteemvê-lo.Gritavaonomedeleemumsussurro e então se amarrava em seus braços. Ela se sentia tão leve, tãodelicadacontraele,suapelecheirandoaáguaderosasdeseubanho,seucorpoquasezunindocomopoderdeseuamorsecreto...

Roland balançou sua cabeça. Não, a corte deles não tinha sido depuroprazerealegria.Umamemóriaobscuramanchavaoresto.

Eraaúltimalembrançaqueeletinhadela.Aconteceu na terceira estação de seu romance secreto, enquanto o

mundo ao seu redor transformava-se para o outono e o verde do verãoqueimavaemumarebeliãodelaranjasevermelhosreluzentes.

Tinham planejado fugir juntos, escapar do domínio do pai dela etambémdopreconceitodeumasociedadequenãopermitiaquea ilhadeum nobre se casasse com um bárbaro. Roland tinha icado longe de seuamorporumasemana,sobopretextodefazerplanosparasuanovavidajuntos.

Mas tinha sido uma mentira. Ele tinha ido buscar conselho para overdadeiroproblemaqueseapresentavaperanteeles:

Elaaindaoamariasedescobrisse?E:Elepodiaescondersuanaturezadelaeaindadar-lheumavidafeliz?

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Realmente,haviaapenasumapessoacomquemelepodiacontar.

Encontrou Cam na extremidade sul das ilhas que um dia se

chamariam Nova Zelândia. Naquela época, ambas as ilhas estavamcompletamente intocadas pelos homens. Os Maori não chegariam a estaterrapormaismeioséculo,entãoCamtinhaolugartodoparasimesmo.

Enquanto Roland voava, os penhascos o ameaçavam, tão pontudosquanto adagas, diferente de tudo que ele já tinha visto. Os ventosperfuravam traiçoeiramente suas asas, jogando-o entre as nuvens. Eleestava trêmulo e encharcado quando alcançou o canal vasto e primitivoondeCamseescondiadouniverso.

A água espelhava as montanhas verdes da loresta de faias.Mergulhando a ponta de uma asa na água enquanto passava sobre suasuper ície,Rolandachou-adeum friogélido.Estremeceue continuouseucaminho.

Na extremidade mais longe do canal, ele pousou num pedregulhoazul-cinzento na frente de uma cascata insondavelmente alta, cuja alturaestava escondida na neblina. Na sua base estava o anjo caído irmão deRoland,deixandosuasasasserematingidaspelaáguacorrente.

OqueCamestavafazendo?Eháquantotempoeleestavadeitadoali,nessacâmaradeáguatorturantequeeleprópriocriou?

—Cam!Roland gritou seu nome três vezes antes de desistir e caminhar

di icultosamente para puxar seu irmão de onde estava caído. Sentindo otoque de alguém, Cam debateu-se e agarrou-se às pedras do lugar ondeestava deitado. Mas então reconheceu Roland e deixou-se ser arrastado,comumasuspeitapenetranteemseurosto.

Rebocou-o até uma saliência rochosa atrás das cascatas. Foi umtrabalho árduo e deixou-o arfando, encharcado de tão molhado econgeladoatéosossos.A saliência era rasa,mashavia espaçoobastanteparaosdois icaramna rochaúmida.Estavaassustadoramente silenciosoalilogoatrásdosurrosdaágua.

Exausto,Rolandtropeçouparatrásatésuasasasdaremdeencontrocomumarocha,eentãodeslizouesentou.

—Váparacasa,Roland.Os olhos verdes de Cam pareciam estupefatos e desorientados

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enquanto se levantava sobreo cotovelo. Seu corponu tinha contusõesdeumroxodoentiodevidoàs incessantessurrasdascascatas.Masopiordetudoeramsuasasas...

Tinham novos ilamentos dourados disparados nelas. Roland nãoconseguiuevitaradmirarcomocintilavamtãobrilhantementesoboluar.

— Então é verdade. — Roland ouvira rumores de que Cam tinhapassadoparaoladodeLúcifer.

Nenhumdemôniopareciacapazdeorganizaroritualreservadoparasaudarnovosmembrosdacongregação.Elesdeviamseabraçar,enroscaras pontas de suas asas, expressando a aceitação de um pelo outro, oreconhecimentodequeestavamsalvoseentreamigos.

Camficoudepé,andouatéeleecuspiunacaradeRoland.—Vocênãotemforçasuficienteparamearrastardevoltaaoserviço.

QueopróprioLúcifervenhaaquisepensaqueestousendonegligente.Rolandlimpouorostoeforçou-sea icardepé.TentoualcançarCam,

masodemôniorecuou.—Cam,nãovimaquipara...—Euvimaquipara icarsozinho.—Camdeslocou-separaumcanto

turvodasaliência,ondeRolandconseguiaveragoraumapequenapilhadetrajesesacolas,aspoucaspossesdeCam.Rolandpensouterreconhecidoorolodepergaminhoquepodiaserseucontratodecasamento,masCamrapidamenteatirouummantopeludodepeledecarneiroaoredordeseucorpoeenfiouopergaminhoemumbolsodentro.—Ah,aindaestáaqui?

—Precisodeumconselho,Cam.— Sobre o quê? Como ter uma vida boa? — As faíscas em Cam

tinhamvoltado,maspareciaalgopomposonesseespectropálidoesombrioparado perante a Roland.—Comece encontrando uma ilha deserta. Estatemdono,masdevetermaisporaíemalgumlugar.—Elelançousuamãoparaomundo,paraRoland.

— Amo uma mortal — disse Roland muito lentamente. — Queromoldarminhavidaàdela.

— Você nãotem uma vida. É um anjo caído do lado errado. Umdemônio.

—Sabeoquequerodizer.— Aprenda comigo. O amor é impossível. Saia dessa e poupe seu

coraçãodador.Naquelemomento,Rolandpercebeuquetinhasidotoloindoatrásde

Camembuscadeconselho.Emesmoassim,tinhaquetervindo.Ahistóriade amor de Cam não tinha dado certo, mas ele ainda entendia o que

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Rolandestavapassando.—Talvezvocêpudessemedizeroque...nãofazer?— Tudo bem — disse Cam, respirando profundamente e

estremecendo. — Ótimo.Não se rebaixe, vivendo uma mentira. Não mepergunteseelavai teamarsedescobriroquevocêé,mesmootolomaisapaixonado sabe a resposta disso. Ela não vai. Não pode.Não sonhe quepodeguardar tal segredodela, tampouco.E, acimade tudo,pelo amordeLúcifer,não se esqueça de que nenhum templo na terra irá aceitá-lo sedecidircasarcomestapobrecriatura.

—Achoquepossofazeristodarcerto,Cam.— Acredita que você e sua amada se entendem perfeitamente,

então?—Sim.Estamosdevotadosumaooutro.—Equalaopiniãodelasobreaeternidade?Rolandfezumapausa.— Não diga que não sabe. Tudo bem, então, vou lhe dizer. Aqui,

Roland,estáaverdadeinquestionávelsobreanossaimortalidade:mortaisnão compreendem-na. Ela assusta-os. O conhecimento irá devorá-la, oconhecimento de que ela irá envelhecer e morrer e você vai continuarsendoojovemerobustodemônioqueé.

—Eupodiamudarporela,podiaenvelhecer,parecer icarenrugadoemurchoe...

—Roland.—OrostodeCam icouazedo.—Istonãofazpartedoseuestilo.Quemquerqueelaseja,serámaisfácilparaelaagora,quandosemdúvida é jovem e formosa e pode achar outro par. Não desperdice osmelhoresanosdela.

—Mas,dealgumamaneira,oamordeveserpossível.SóporquevocêeLilithnão...

—Nãoestamosfalandosobremim.Ficaram parados em silêncio e escutaram o eco da água caindo ao

redordeles.—Ótimo—disseRolandporfim.—EquantoaDanieleLu...— O que têm eles? — Cam rugiu nas cascatas. Seu rosto icou

vermelho com uma fúria repentina.— Se são estes os seus modelos, vápedir conselho a eles.— Balançou sua cabeça, enojado.— Todos sabemmesmocomoelesvãoacabar.

—Oquequerdizer?Agora Cam virou seus olhos verdes e brilhantes para Roland. E

RolandcorouaoverqueCamsentiapenadele.

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—No im—disseCam—ele iráabandoná-la.Não temescolha.Elenãoépáreoparaestamaldição.Irásobreviveraeleearruiná-lo.

AsasasdeRolanderiçaram-se.—Estáenganado.VocêficoupróximodemaisdeLúcifer...— Isto não podia sermenos verdade— piou Cam,mas quando se

virouRolandnotouamarcaemsuanuca.Atatuagemchegavaatéoaltodagoladeseumanto.Nitidamente.

—Usaamarcadeleagora?—avozdeRolandtremeu.Elenãotinhauma.Nuncanemsonhariaqueumalheseriaoferecida.Lúcifersómarcavacertosdemônios,demônioscomquemqueriaumrelacionamentoespecial.

—Cam,vocênãopode...Cam segurou o rosto de Roland com a mão, irmemente. Estavam

próximos,presosemumapertoíntimo.Rolandnãosabiaseeraminimigosouamigos.

— Quem foi até quem pedir conselho, Roland? Não vamos falar demimedaminhaconduta.Estamosfalandosobrevocêeahistóriadeamorpatéticaquevocêvaiterqueterminar.

—Devehaverumamaneirade...— Encare: você não teria vindo até mim se já não soubesse a

resposta.

De todas as coisasqueCam tinha lheditonaqueledianas cascatas,

suaspalavras inais foramasmaisduras: Sim,Roland já sabiaa respostaqueprocurava.Sóesperavaquealguémprovassequeeleestavaerradoeosalvassedeterquefazeroquedeviaserfeito.

Quandovoltouparacontar-lhe,Rosalinejápareciasaber.Eleescalouaté sua varanda, mas ela não se apressou em beijá-lo. O rosto delaendureceuemsuspeitaassimqueeleentrounoseuquarto.

—Sintoumamudançaemvocê.—Suavozestavageladademedo.—Oquefoi?

O corpo deRoland doeu quando a viu tão triste. Não queriamentirparaela,masnãoconseguiuencontraraspalavras.

—Oh,Rosaline,hátantoalhecontar...Então,comoseRosalinetivessese lembradodospoemaseloquentes

dele,exigiu:—Responda-mecomumasópalavra.Oquenosaguardanofuturo?

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Issoaconteceuhámaisdemil anos.E, aindaassim,Rolandagora secontraia, pensando no que tinha dito. Desejou poder esmagar estalembrança e momento. Mas tinha acontecido. E não se podia mudar opassado.

ApresentaraàRosalinesuapalavra:—Adeus.Queriaterdito:“Eternidade.”Mas Cam tinha dito a verdade: a eternidade não era algo possível

entreumamulhereumanjocaído.Fugiu antes que ela pudesse implorar para que não fosse embora.

Achouque estava sendo valente.Mas a vida o ensinouo contrário. Tinhaficadodevastadoeassustado.

Após isso, Roland só a viu mais uma vez: duas semanas depois,quando tinha lutuado foradocampodevisãoda janeladeladocasteloeobservouseuamorchorarporumahorainteira.

Depois disso, jurou nuncamais in ligir a ninguém a dor do amor. Edesapareceu.

Foioquefezdaliemdiante.Roland tirou algo de sua bochecha e icou estupefato ao descobrir

queeraumalágrima.Apesardeterlimpadomilhõesdegotassalgadasdeoutrasbochechas,nãoconseguiaserelembrardequandoeleprópriotinhachorado.

PensouemLucindaeDaniel, emsuadevoçãoeternaumpelooutro.Elesnãoseacovardavamperanteseuserros...ecomopassardosséculoseles tinham cometido muitos. Retornavam a estes erros, os revisitavam,tentavamconsertá-los,atéquealgo,por im,tinhadadocertonestaúltimavida,quandoelareencarnoucomoLucindaPrice.Foioqueafezfugirparaseupassado,paraacharasoluçãodesuamaldição.ParaqueelaeDanielpudessemficarjuntos.

Eles sempre icariam juntos. Sempre teriam um ao outro, nãoimportandooqueacontecesse.

Rolandnãotinhaninguém.Silenciosamente, icou de pé e fez sua própria promessa de dia dos

namorados. Escalaria a muralha de Rosaline de novo... e se redimiria daúnicamaneirapossível.

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A

QUATRO

PUPILODOAMORpoiou-se na muralha exterior, escapuliu pela segunda vez pelopeitorildepedrae,então,fezaúltimasubidaabruptaparaotorreão,suavarandaeRosalinemaisumavez.Quando Roland chegou novamente até a varanda, o sol estava

abaixadonocéu,lançandosombraslongassobreseuombro.Anunciadoresse deslocavam e enrolavam dentro das sombras, uma maneira desussurrarEstamos aqui, mas deixaram Roland em paz. A temperaturatinhacaídoeagoraoarcarregavainsinuaçõesdefumaçaedegeadaaseformar.

Imaginou entrar no torreão pela varanda, in iltrando-se peloscorredores obscurecidos pelo crepúsculo até achá-la em seu quarto. Eentãoimaginouaexpressãodela:

Imagens dela vacilando para trás em espanto, pura alegria em seurosto,asmãosapertandoseupeitodelicado...

Maseseelaficassebrava?Aindaestivessebrava,cincoanosdepois.Erapossível.Elenãodeveriadescartarisso.Tinham dividido algo raro e lindo, e tinha descoberto que aquela

mulher tinha sentimentos profundos quando se tratava de amor.Haviamexperienciado o amor de maneiras que Roland nunca poderia entender,comoseseuscoraçõestivessemcâmarasextras,amplasin initudesondeoamorficavaenuncaiaembora.

O que ele fazia aqui? O vento traçou seu caminho abaixo de suaarmadura de aço. Não deveria estar aqui. Esta parte de sua vida tinhaacabado. Cam podia ter se enganado quanto ao amor, mas não estavaerradosobreotempotermudadoRoland.

Eledeveriadescernovamente,montarsuaéguaeacharDaniel.Sóque...nãopodia.Oquepodiafazer?Podiasehumilhar.Podia icar de joelhos e curvar perante ela, implorar por perdão.

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Podiaeiria...Atéesteinstanteelenemtinhapercebidoquequeriaoperdãodela.Estava próximo a varanda agora, tremendo. Estaria nervoso ou

animado?Tinhachegadoatéaquieaindanãosabiaoqueiriadizer.Algunsversosdeumpoemaseformaramnocantodecostumedeseucoração...

QuenenhumrostoemminhamentesalineExcetoorostodeRosaline.Não, foi assim que tinha entrado em apuros com ela antes: ela não

precisavadepoesiasruins.Precisavadeumamorcorpóreoerecíproco.Rolandpodialhedarissoagora?A cortina vermelha farfalhou no vento e depois foi dividida com o

toqueousadodosdedosdele. Ele se escondeuatrásdaparededepedra,masesticouopescoçoatéseuolharencontraroquartoondecostumavasesentarcomela.

Rosaline.Estava gloriosa, sentada em uma cadeira de madeira no canto,

cantandobaixinho. Seu rosto estavamais velho,mas os anos tinham sidobondosos: tinha passado da garota do Roland para uma mulher bela ejovem.

Estavaresplandecente.Estavaespetacular.Sim,Roland sabiaquehavia cometidoumerro. Eranovono amor e

tolo,cínicoeinsegurodequeoqueelestinhamfossedurar.RápidodemaisemprestaratençãonasdeclaraçõesamargasdeCam.

Mas, olhe sóLuce eDaniel. Eles tinhammostrado aRolandque seuamor podia sobreviver atémesmo às puniçõesmais duras. E talvez tudoatéaquelemomento(voltaraestaeraporacidente, concordaremajudarShelbyeMiles,passarcavalgandopeloantigocastelodeRosaline) tivesseacontecidoporumarazão.

Estavaganhandoumasegundachancenoamor.Desta vez tinha seguido o coração. Estava pronto para saltar pela

janelaaberta...Sóummomento...Rosaline não cantava para si mesma. Roland pestanejou, olhando

novamente.Elatinhaumaplateia:umacriançapequena,enroladaemumamantadepenas.Acriançamamava.Rosalineerasuamãe.

Rosalineeraamulherdealguém.

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OcorpodeRolandendureceueumpequenosuspiroescapoudeseuslábios.Deveriater icadoaliviadoaovê-latãobem,maisfelizdoquenunca,mastudoquesentiufoiumasolidãopoderosa.

Girou pesadamente para longe da porta da varanda, batendo suascostascontraaparedecurvadadatorre.QuetipodehomemtinhatomadoolugarqueRolandnuncadeveriaterdeixado?

OusouolharnovamenteparadentroeobservouRosalinelevantardacadeira e deitar o bebê no berço de madeira. Roland fechou os olhos eescutou os passos dela desaparecendo como uma música enquanto elacaminhavaparaforadoquartoepelocorredor.

Nãopodiaacabardestejeito,aúltimavisãoquetevedoamor.Tolo.Eraumtoloporvoltar.Umtolopornãodeixarissoempaz.Instintivamente,eleaseguiu,engatinhandopeloparapeitoestreitodo

torreãoatéapróximajanela.Agarrouaparedecomseusdedosesfolados.Estacâmara,ao ladodoquartoondetinhavistoRosaline,costumava

pertencer ao irmão dela, Geoffrey. Mas quando Roland inclinou-se paraespiarpelavidraçacurvada,haviaroupasfemininaspenduradasnajanela.

Ouviuavozgravedeumhomemeentão,emresposta,adeRosaline.UmjovemestavasentadocomascostasparaRolandnabeiradeuma

camacobertadetecidoadamascado.Quandovirouacabeça,seuper ilerabonito,masnãodeumabelezadevastadora.Cabelocastanhoemacio,pelesardentaeumnarizverdadeiramentetendente.

Uma mulher estava deitada esparramada no lado oposto a ele nacama, a cabeça loira aninhada em seu colo, daquele jeito casual quandoduaspessoas são tão confortáveis comosmembrosdooutroquanto comseuspróprios.Elachorava.

EraRosaline.—Masporque,Alexander?Quando levantou seu rosto manchado de lágrimas para olhá-lo, o

coraçãodeRolandficoupresonagarganta.Alexander, omarido, acariciou o cabelo loiro e emaranhado de sua

mulher.—Meuamor.—Elebeijouseunariz,oúltimolugarqueRolandteria

idosetivesseacessoàqueleslábios.—Meucavaloestáselado.Homensmeaguardamnoquartel.Você sabequedevopartir antesdo anoitecerparamejuntaraeles.

Rosalineagarrouamangabrancadacamisolainteriordeleesoluçou.—Meu pai temmil cavaleiros que podem tomar seu lugar. Peço a

você,nãomedeixe,nãonosdeixe,parairlutar.

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—Seupaijáfoigenerosodemais.Porqueoutrohomemtomariameulugar se sou jovem e capaz? É meu dever, Rosaline, preciso ir. Quandonossacruzadaacabar,voltareiparavocê.

Elabalançouacabeça,suasbochechasrosadasdefúria.—Nãotolerareiteperder.Nãopossoviversemvocê.OcoraçãodeRolandvaciloucomestaspalavras.— Não vai — disse Alexander. — Dou-lhe a minha palavra:

retornarei.Ele levantou da cama, ajudando sua mulher a icar de pé. Roland

notoua invejarenovadaqueelaestavagrávida.Abarrigadelaprojetava-se por baixo do vestido ino e trançado. Descansava suas mãos nela,desanimada.

Rolandnuncaseriacapazdedeixá-lanesteestado.Comoestehomempodiairparaguerra?Qualaimportânciadaguerradiantedasobrigaçõesdoamor?

Qualquer pesar que podia ter sentido por Roland há cinco anosempalideciaemcomparaçãoaisto,porqueestehomemnãoeraapenasseuamadoemarido,eratambémopaideseusfilhos.

O coração de Roland afundou. Ele não conseguia aguentar isso.Pensouemtodosaquelesanosentreestedesgostomedievaleopresentede onde veio, os séculos que passou na lua, vagando perdido entre osprecipícios e crateras, abandonando seus deveres, apenas tentandoesquecerquea tinhavisto.Pensounovácuode tempoque tinhapassadodentrodoportalqueconectava julhoatésetembro,abandonandotudodojeitoquetinhaabandonadoRosaline.

Mas agora ele sabia que nunca esqueceria suas lágrimas, nãoimportandoquantotemposuainfinidadedurasse.

Que tolo narcisista tinha sido. Ela não precisava do pedido dedesculpas dele; desculpar-se com ela agora seria um completo egoísmo,apenas Roland procurando alívio para sua consciência culpada. Ereabrindoas feridasdela.Nãohaviamaisnadaqueelepudesse fazerouserparaRosaline.

Ouquasenada.

O jovem magro e descoordenado aproximava-se do estábulo onde

Rolandesperava.Carregava seuelmonamão, expondo seu rosto.Roland

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estudou-o.Odiavaerespeitavaestehomem,queclaramentesentia-setantoobrigadoquanto relutanteem lutar.Ahonraeodever signi icariammaisparaeledoqueoamor?Outalvezestaconfusãodehonraedeverfosseoamor — paradoxos empilhados mais altos do que os alcances maislongínquosdasestrelas.

Quemiriaquereriràguerraedeixarumafamíliaamorosa?— Soldado — Roland chamou Alexander quando estava perto o

bastanteparareconheceratormentaemseusolhos.—VocêéAlexander,dafamíliademeusenhorJohn,quedetémapossedestefeudo?

—Equemévocê?—Alexanderpassoudosoladodoestábulo.Seusolhos castanhos claros estreitaram-se quando percebeu a armaduraformaldeRoland.—Dequebatalhaveio,vestidodessamaneira?

—Fuienviadoaquiparatomarseulugarnaoperação.IstoparouAlexander.—Minhaesposaomandou?Opaidela?—Elebalançousuacabeça.

—Afaste-se,soldado.Deixe-mepassar.— De fato não irei. Sua missão foi trocada. Conhece a área da

vizinhançamelhor que amaioria. Temposdi íceis podemvir até nós se abatalhanãonos favorecernonorte.Serecuarmos,vocêseráprecisoaquiparaprotegeracidadedosintrusos.

Alexanderdeixousuacabeçapender.— Mostre seu rosto, soldado. Não con io em um homem que se

escondeatrásdeumamáscara.—Meurostonãolhedizrespeito.—Quemévocê?— Um homem que sabe que seu dever está aqui com sua família.

Nenhum saque de guerra importa perante o amor verdadeiro e a honrafamiliar.Agora,desmontesedesejaviver.

Alexander soltou uma risada suave, e então sua expressão mudouparaalgomaisduro.Desembainhousuaespada.

—Prossigamos,então.Roland devia ter esperado por isso. Ainda assim, isso o escoriou.

Como este homem podia estar tão solícito em partir? Roland nunca adeixaria!

Contudo,éclaro,ele jáa tinhadeixado.Abandonadoseuúnicoamorverdadeirocomoumtoloinsensíveleestúpido.Tinhaestadosozinhodesdeentão. Solidão era uma coisa, mas transformava-se em um isolamentohorrívelemiserávelapósaalmaterprovadodoamor.

Não deveriam permitir que nenhum homem cometesse o mesmo

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erro.Rolandentendiaisso,apesardeseuciúme.CaiasobreeleodeverdeimpedirAlexander.

Engoliuemseco,suspirouinternamenteeretirouaespada.Tinhaummetro de comprimento e era tão a iada quanto a dor apunhalando seucoraçãoporterdeconfrontarestehomem.

—Soldado—dissesemrodeiosRoland.—Eunãobrincoemserviço.O homem avançou, agitando desajeitadamente sua espada. Roland

desvioudelacomumgirobanaldeseupunho.Aslâminasencontraram-sepreguiçosamente.

Alexander deslizou na direção do chão com uma leve direção dalâminadeRolandatéresvalarnofenomolhadonochãodoestábulo.

—Porquecavalgariaparaamortedetãobomgrado?—perguntouRoland.

Alexander resmungoue voltou cambaleandopara aposiçãode luta,erguendosualâminanaalturadopeito.

—Nãosoucovarde.Talvez não, mas era excepcionalmente inábil. Provavelmente tinha

aprendido algumas coisas sobre esgrima quando criança, combatendopalheiros em festivais de verão com seus amigos de juventude. Não eranenhumsoldado.Estariamortodentrodeumahoranavanguarda.

OuRolandpodiamatá-loagora...Naquele instante teve uma visão de sua lâmina se balançando

habilidosamentenopescoçodesprotegidodestehomem.Ochoquedeumaespinhafraturadaeosanguevermelhoeescorregadiopingandodoaçonaterra.

Como era fácil acabar com a breve vida deste homem. Tomar seulugarnaquela torreeamá-lacomoelaprecisavaseramada.Rolandsabiacomofazerissoagora.

MasentãopestanejoueviuRosaline.Obebê.Nãomassacre,lembrouasimesmo.Apenaspersuada.Pulougentilmenteparafrente,balançandosuaespadanadireçãode

Alexander,quesearrastoupara trás,girandoselvagementeparaevitá-lo.DestavezesquivoudalâminadeRolandporpurasorte.

Rolandriuesuarisadateveumgostoamargo.—Ofereço-lheumavantagem,soldado...e lhejuro,sigoumcomando

maisaltoqueodeseususerano.Saibaquenãodesonrareisuasintenções.Deixe-meiràguerranoseulugar.

—Falaemenigmas.—OmedodeAlexanderesticouapeleaoredorde sua boca, deixando-a tão apertada quanto o couro de um tambor.—

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Nãopodemesubstituir.—Sim—disseRolandtempestuosamente.—Seseideumacoisa,é

isso.Em um arroubo de violência, Roland se esqueceu de seu propósito.

Foi até Alexander com a fúria de um apaixonado desprezado. Diante dalâminadeRoland,Alexander icourígido,suaespadaestendida.Elenãoseafastou,enissoganhoupontos.Mascomoutroencontrodesuasespadas,RolanddesarmouAlexander. Segurouapontade sua lâminanagargantaagitadadojovem.

— Um verdadeiro cavaleiro se renderia. Aceitaria minha oferta eserviria ao seu povo aqui, protegendo seu lar e vizinhos quandoprecisassemdeproteção.—Rolandengoliuemseco.—Rende-se,senhor?

Alexander tentava respirar, incapaz de falar. Continuadamentelançavaolharesparaa lâminaabaixo, emseupescoço.Estavaapavorado.Eleassentiu.Iriaserender.

Uma calmaria apoderou-se de Roland, e ele se permitiu fechar osolhos.

Ele e este mortal pálido, Alexander, amavam a mesma coisaresplandecente.Nãopodiamserinimigos.FoiquandoRolandescolheuseulado.NãopoupariaavidadeAlexanderporcausadele,masporRosaline.

—Éumhomemmaiscorajosoqueeu.—Eeraverdade,umavezqueAlexander tinha sido forteobastanteparaamarRosalinequandoRolandtevemedo.—Receba a sorte que lhe ofereço esta noite e retorne à suafamília. — Teve que se esforçar para manter a voz irme. — Beije suaesposaeeduqueseusfilhos.Istoéhonra.

Olharamumparaooutroporum longoe tenso instante,atéRolandsentir queAlexander conseguia ver através da fenda de seu visor. ComoAlexander não sentia a dor entre eles no ar? Como não sentia o quantoRolandtinhachegadopertodematá-loetomarseulugar?

Roland retirou sua espada do pescoço de Alexander. Guardou suaarma, montou em seu cavalo e cavalgou para fora do estábulo e para anoite.

Aestradaestavavaziaeazulaoluar.Rolanddirigiu-seaonorte.AindaprecisavaacharDaniel;pelomenos

umamordeveriaserredimidonestalutacomotempo.Porquinzeminutos,

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RolandseperdeuemseuspensamentossobreRosaline,masa lembrançaeramuito dolorosa para ceder por tempo demais. Seus olhos focaram-senovamentenaestradaquandoviualguémgalopandoemumcavalopretocomocarvãoemsuadireção.

Mesmonaescuridão,haviaalgoestranhoe,aomesmotempo,familiarnaarmaduradestecavaleiro.Poruminstante,Rolandseperguntouseeraoseueudopassado,masquandoocavaleiroergueuumamãoparafazerRolandparar,seusgestoserammaisurgentesdoqueosdeRolandseriam.

Pararam um perante o outro, seus cavalos relinchando e soprandogeadaenquantosecirculavam.

—Viestedaquelapropriedade?—Avozdocavaleiroretumboupelaestradaenquantoapontavanadireçãodocasteloàdistância.

Deve ter pensado que Roland era Alexander. Este cavaleiro tinhasidomandadoparaescoltarAlexanderatéavanguarda?

—S-sim—gaguejouRoland.—Sousubstitutodo...— Roland? — A voz do soldado mudou de um estrondo rouco e

afetado para, Roland percebeu, algo efervescente e fantasticamentecharmoso.

Ocavaleiro tirouseuelmo.Cabelopretocascateoupelaarmadurae,então, à luz do luar, Roland viu o rosto que melhor conhecia desde aauroradostempos.

—Arriane!Os dois saltaram de seus cavalos e pararam nos braços do outro.

Roland não sabia quanto tempo fazia que o seu eu medieval tinha vistoestaArrianeda IdadeMédia,masabatalhaemocionalpelaqualele tinhaacabadodepassarfezparecercomqueséculostinhamsepassadodesdeaúltimavezqueviuumamigo.

Ele fez a anjohirsuta rodopiar.As asasdelas lorescerampara foradas fendas da armadura e Roland invejou sua liberdade. Obviamente asroupas dela tinham sido adaptadas para suas asas, todos eles tinhamroupasassimnestaépoca.

Roland sentiu-se aprisionado na armadura de metal que tinhaemprestado,masnãoquisreclamarcomArriane.ElaaindanãosabiaqueeleeraumAnacronismoeeleplanejavaquecontinuavaassim.Eleestavatãofelizemvê-la.

Aluzdaluabrilhavacomoumre letornapelebrancadesuaamiga.Quandoelavirousuacabeça,Rolandarfou.

Uma queimadura horrorosa cintilava do lado esquerdo de seupescoço. A pele estava marmoreada, nodosa e sangrenta, um tipo de

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ferimentohorrendo.Rolandrecuousemquerer,constrangendoArriane.Ela esticou amão para cobrir o ferimento,mas resmungou quando

seusdedosoesfolaram.Roland tinha visto esta cicatrizmil vezes em seus encontros futuros

comArriane,masaorigemdelapermaneciaummistérioparaele.Apenasuma coisa podia ferir anjos daquela maneira, mas nunca soubera comoperguntaraelasobreisso.

O machucado era recente, como uma erupção de chamas por suasbochechas.Eladeveterconseguido-orecentemente.

—Arriane,oqueaconteceucomvocê?Desviou o olhar, não querendo deixar Roland ter uma visão ainda

maisclaradesuapeledestruída.Elafungou.—Oamoréuminferno.—Mas—Roland fechouosolhos, escutandoa fala se repetindona

cabeça — a forma de um anjo não pode ser arruinada, exceto por... —Arriane desviou o olhar, envergonhada, e Roland puxou-a para si.—Ah,Arriane!—elegritou,prendendoseusbraçosnacinturadela, seusolhosatraídos e repelidos pelo pescoço dela. Ele não podia abraçá-la comoqueria,nãopodiaespremeradordela.—Estousofrendoporvocê.

Elaassentiu.Sabia.Nuncatinhagostadodechorar.Edisse:—AcabeideveroDaniel.— Estava a caminho de encontrá-lo— disse Roland, ofegante com

suasorte.—ApresençadeleéexigidanaFeiradeSãoValentim.—Elechegaráacavalonacidadeestanoite.Podeserquejáestejalá.

Lucindaficaráfeliz,pelomenos.— Sim— disse Roland, lembrando-se melhor agora.— Foi você o

cavaleiro que entregou aquela mensagem aos outros no acampamento.Nãofuieu.Vocêforjouodecretodoreiquediziaaoshomensparatiraremumafolganodiadosnamorados.

Arrianecruzouosbraçossobreopeito.—Comosabedisso?—Clarividência.—Elesesurpreendeuporestarsorrindo.Foi o bastante, tê-la aqui, sua amiga querida. Fez esta jornada para

seudesgostosopassadoserumpoucomenosgélida.Roland pegou o elmo de Arriane e a ajudou a voltar ao cavalo. Ele

montou e abaixou seu visor novamente. Lado a lado, os dois cavaleiroscavalgaramparaacidade.

Àsvezesnoamoroimportantenãoeraganhar,masfazersacri íciosprudenteseteracon iançadeamigoscomoArriane.Rolandpercebeuque

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aamizadeeraumtipoprópriodeamor.

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AMORARDENTE

ODIADOSNAMORADOSDEARRIANE

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A

UM

OSEGREDOrriane olhou para aquela manhã toscana com cheiro de tomilho esuspirou.

Estava esparramada na grama de veludo verde, escorada emseus cotovelos com o queixo nas palmas, saboreando o calor fora deestação e a sensação de dedos suaves correndo por seu cabelo preto elongo.

Era assim que Arriane e Tess passavam suas raras tardes juntas:umagarota fazia trançaseaoutracontavahistórias.Eentãotrocavamdelugar.

—Eraumavezumaanjoextraordinária—começouArriane,virandosuacabeçadeladoparaqueTesspudesseerguerocabelodanuca.

Tesseramelhoremtrançarcabelosdoqueela.Sentava-seaoladodeArriane com uma cesta de lores selvagens da loresta em seu colo.Esticava-sesobreascostasestreitasdaanjoetorciatranças irmesemseucabelo espesso. Prendia as tranças para que izessemum zigue-zaguenoescalpodagarotaatéqueelaparecessecomMedusa,noestiloprediletodeArriane.

Arriane, por outro lado, tinha sorte de conseguir transformar oesfregãoselvagemevermelhodeTessemumaúnicatrançatorta.PuxavaerebocavaelutavacomopentepeloscachosdeTessatéelagritardedor.MasArrianeeramelhorcontandohistórias.Eoqueseriadastrançassemumaboanarração?

Nãoteriagraçanenhuma.ArrianefechouosolhosegemeuenquantoasunhasdeTessgiravam

emseuescalpo.Nadaeratãobomquantootoquedesuaamada.—Arriane?—Sim?—Osolhosdela seabriram, seuolharpercorrendoopasto

onde as vacas leiteiras pastavam nos dois acres da fazenda. Estes eramseusmomentosprediletos:silenciososesimples,sóelasduas.Era inaldetarde; a maioria das leiteiras que trabalhavam na fazenda onde Arrianeeraempregadajátinhavoltadoaseuschalés.

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Tinha escolhido este trabalho porque não icava longe de Lucinda,que,nestavida,tinhacrescidoemumfeudoinglêsaalgunsminutosdevooaonorte.GeralmenteDanielsentia-sesufocadopelapresençadeArrianeedos outros anjos incumbidos de observá-lo. Mas, da leiteria, Arrianeconseguiadá-loalgumespaçoeaindavoaratéeleeLucindarapidamentesefossepreciso.Alémdomais,Arrianegostavadeexperimentaravidadeum mortal de vez em quando. Era bom ter um trabalho na leiteria,satisfazerumchefe.Tessnuncaentendiaaquelavontade,masomestredeTesseraumpoucomaisexigentequeoTrono.

ErararoterummomentoasóscomTess.Suasvisitasàleiteria(paraesta parte do mundo, em geral) nunca chegavam rápido o bastante ouduravamtempoosu iciente.Arrianenãogostavadeimaginaraescuridãoque aguardava Tess assim que elas se despedissem, ou o mestre queodiavaverTessvagandoparalongedeseureino.

Nãopensenele,desaprovouArriane.NãoquandoTessestádoseuladoenãohánecessidadedequestionarseuamor!

Sim.Tessestavadoseulado.Eagramaabaixoeratãomacia,oardafazenda tão perfumada com as lores selvagens, que Arriane podia terflutuadonoâmagoestimulantedeumsonhoreconfortante.

Masahistória.Tessamavasuashistórias.—Ondeeuestava?—perguntouArriane.—Ah,eunãolembro—Tesssoavadistraída.Suasunhasroçaramo

pescoçodeArrianeenquantoelaagarravaumaseçãodocabelo.—Ai.—Arriane esfregou seu pescoço. Tess não se lembrava?Mas

tinha sido Arriane a se perder em seus pensamentos, não Tess.— Temalgoerrado,amor?

—Não— disse rapidamente Tess.— Você estava começando umahistória...Umaextraordinária...hm...

— Sim! — disse Arriane alegremente. — Uma anjoextraordinária.Seunomeera...Arriane.

Tesspuxouseucabelo.— Outra história sobre você? — Ela ria, mas sua risada parecia

distante,comosejátivesseviajadoparabemlonge.—Vocêtambémestánela!Esperesó.—Arrianeroloude ladopara

encararTess.O braço queTess usava para trançar deslizou pelo quadrildeArriane.

Tesstrajavaumvestidodealgodãobrancocomumcorpeteestreitoemangasbrancascurtasepregueadas.Sardasexplodiamdeseusombros,eArriane achava que elas eram parecidas com galáxias de estrelas. Seus

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olhos eram só um pouco mais escuros do que as íris azuis claras eimpressionantesdeArriane.

ElaeraacriaturamaisbonitaqueArrianejáconhecera.—Eoquetinhadetãoextraordinárionessaanjo?—perguntouTess

apósuminstante,compreendendoadeixadeArriane.—Ah,porondeeucomeço?Haviatantascoisasextraordináriasnela!

—Arrianebalançousuacabeça,numare lexãoparalevarseucontonumadireção inspirada. Ela conseguia sentir a trança solta se desfazendo nalateraldesuacabeça.

—Ah,Arriane!—disseTess.—Vocêestragou.—Nãoéminhaculpasemeucabelotemoutrosplanos!Etalvezoseu

também tenha.— Arriane esticou amão para o laço amarrado na longatrançadeTess.

Masagarotaerarápidademais.Elaarrastou-separa trásnagramacomo um caranguejo, rindo enquanto Arriane icava de pé e corria atrásdela.

— Esta anjoextraordinária—ela chamouTess,quese lançavapelagrama alta e o vento estimulante de fevereiro,— tinha umninho de nósnojento em seu cabelo. Era amplamente famosa por ele. CachinhosEmaranhados,algunsachamavam.—Arriane icounapontadospés,suamão erguida, seus dedos meneando para incitar seu cabelo. — Cidadessumiam em sua juba poderosa. Exércitos inteiros eram varridos em seucabelo emaranhado! Homens adultos choravam e icavam perdidos noabismonegrodeseuscachosserpentinos.

Então Arriane tropeçou na bainha comprida de seu vestido semformadeleiteiraecaiuduramentenochão.Dequatro,elaolhouparaTess,queparouentreArrianeeosol,umaauréolade luzrodeandoseucabeloruivo.

Tesscurvou-separaajudarArrianease levantar,suasmãossuavesaoredordospulsosdeArriane.

—Até que um dia—Arriane esfregou suas palmas lamacentas nafrente de seu vestido; Tess deu um tapa nelas e tirou de seu bolsoembutidoumlençodealgodão.—Umdia,estaanjoconheceualguémquemudousuavida...

Tesslevantouumpoucooqueixo.Elaestavaescutando.— Esta pessoa era uma diabinha — disse Arriane. — Ela era

particularmente séria, sempre anulando as pegadinhas de CachinhosEmaranhados, sempre ridicularizando sua ingenuidade, sempre arelembrando que algumas coisas eram mais importantes que um mero

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cabelo.Inesperadamente,Tessvirouparaooutro lado. Sentou-senagrama

de costas para Arriane. Talvez tenha achado a apresentação de suapersonagem deselegante? Mas havia mais! Toda história exigia umareviravolta,umelementodesurpresa.Arrianeesparramou-senaspernasestiradas de Tess e ergueu-se na grama sobre um cotovelo. Com a outramão, esticou-se para descruzar os braços que Tess havia ixadoirmemente sobre seu peito. Masmesmo quando as mãos prenderam-senasdaamada,osolhosdeTessnãosedesviaramda lorselvagemdeumamarelopálidonagrama.

— Abandone esta história tola, Arriane. — Ela falou como seestivesseemtranse.—Nãoestoucomhumorparaissohoje.

—Ah,masespere!Apenasestoumeaquecendo!—Arrianeenrugoua testa. — Em tantos aspectos essa aparente adversária era o completoopostodeCachinhosEmaranhados.Seucabelopareciaumcoquededente-de-leão vermelho.—Arriane acariciou o cabelo de Tess.— Sua pele eraumalonabrancaquequeimavacomomaislevetoquedosol.—ElacorreuodedopelobraçomacioenudeTess.

—Arriane...—Masacriaturaeraumdemôniocomumpentenasmãos,domando

oscachosdestrutivos.Anaturezadestapessoa,aocontráriodaanjo,era...— Já chega! — Tess a repreendeu, olhando para bem longe, na

direçãodeumriachorasodemarcadoporseixosno imdopasto.—Estoucansadadecontosdefadas.

ElalevantoueArrianecorreuparajuntar-seaela.—Nãoéumcontodefadas—insistiuArriane,ignorandoosarrepios

quesubiampelapele.Sentou-sedireitoeinclinouacabeçaparaTess.—Ofatodeestarmosaquijuntas...

—Éapenasumsinaldequeelenãoestavaprestandoatenção.—Nãoestava?—Umventogeladoarrastou-sepeloprado.—Elemedeuumultimato.Sangue drenou-se das bochechas de Arriane e, com ele, as cores

brilhantesdopradose foram.Océuazul icouturvo,agramaperdeusuaverve.AtémesmoocabelodeTesspareceumaispálido.Arrianesabiaqueeste momento estava chegando, sabia desde o começo, mas ainda assimficousemar.

Tess tinha a tatuagemde explosão de estrelas na nuca, aquela comqueLúcifermarcavaseucírculodedemôniosmaisíntimo.

—Elesabe.Eagoramequerdevolta.—HaviagelonavozdeTess,

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geloquepareciarastejarpelaalmadeArriane.— Mas você acabou de chegar aqui! — Arriane teve vontade de

correratésuaamada,desabarsobospésdeTessecairaosprantos,masapenas encarou suasmãos.—Não quero que vá embora. Odeio quandovocêmedeixa.

— Arriane... — Tess deu um passo em sua direção, mas Arrianerecuou,irada.

—Nãoédacontadeledizeroquepodemosounãofazer!Quetipodemonstrovangloria-setãoincessantementesobrelivrearbítrio,masmesmoassimnãodeixavocêserlivreparaseguirseucoração?

—Nãotenhoescolha.—Sim,vocêtem—disseArriane.—Sónãotomaressadecisão.QuandoTessnãorespondeu,opeitodeArrianeelevou-secomaonda

inicialdeumsoluçodo tamanhodeum tsunami. Sentia-se tãohumilhada.Virou-se e correu pelo pasto. Ela disparou pelo leito do riacho e pelodeclivesuavedegramanamargemoestedafazenda.Pisoteouojardimdeervas de sua amante, as lágrimas a incapacitando de ver o tomilho.Conseguia ouvir Tess perseguindo-a, seus passos suaves alcançando-a.Mas Arriane não parou até ter alcançado a porta do celeiro antigo ondeamanhã de manhã ela levantaria pouco antes do amanhecer para tirarleitedasvacas.

Jogou-se contra a parede bruta de madeira do celeiro e deixou ossoluçossaírem,

TessabraçouArrianepor trás, sua trançaruivabalançandosobreoombrodaoutra.EladeitousuacabeçaentreasomoplatasdeArrianeeasduasficaramassim,chorando,porummomentosilencioso.

Quando Arriane se virou, inclinando-se contra a parede do celeiroaquecida pelo sol, Tess tomou sua mão. Seus dedos eram compridos,pálidose inos;osdeArrianeerampequeninos,asunhasroídasatéotalo.Arriane arrastou Tess pela porta enferrujada aberta e para dentro doceleiro, onde estariam livres dos olhares das outras leiteiras que logo sereuniriamparaojantar.

Elas icaramentreofeno,oscavalosealgumasvacasdeitadasjuntasemumcanto.Ocheirodosanimaisestavaportodaaparte:oalmíscardoscavalos,adoçuradaspenasdasgalinhas,osuorsecodapeledasvacas.

—Háumamaneirade icarmosjuntas—disseTessparaArrianeemumavozbaixa.

—Como?Vocêodesafiaria?—Não,Arriane.—Ademônio femininobalançousuacabeça.—Fiz

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meujuramento.EstouligadaaLúcifer.QuandoTess virou a cabeçapara contemplar a porta do celeiro e o

outro lado do prado sem im, Arriane vislumbrou a tatuagem negra deexplosãodeestrelasquedani icavasuapeleadorável.Eraaúnicamanchaque aderia ao corpo de um anjo. Exceto pela cicatriz das asas, todas asoutrasmarcasde tintaou ferimentosoucicatrizesdesapareceriamcomotempo.

AmarcadeLúcifereraaúnicapartedeTessqueArrianea irmavanão amar. Ela esticou suamão para tocar seu próprio pescoço, branco eimaculado.Puro.

— Há outra maneira — disse Tess, chegando mais para perto deArriane,atéseuspéssesobreporem.OamordeTesscheiravaajasmimeelafrequentementediziaqueArrianecheiravaanata.—Umamaneiradeparardeviverassim,comtudoentrenóssempresecreto.

Tess estendeu os braços na direção de Arriane e alcançou seusombros.Arrianepensou,poruminstante,queiriamseabraçarnovamente.Sentiuseucorposeratraído,precisandoseramparado...

Aoinvésdisso,dedosgeladosrastejaramporsuanuca.—Vocêpodiasejuntaramim.Arrianerecuouparalonge.Suapeleficouarrepiada.—Junte-seamimcomominhaalmagêmea,Arriane.Junte-seamime

ocupeseulugarnoInferno.

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A

DOIS

DESEJOSINFERNAISrrianeretrocedeu.

— Não — sussurrou, certa da impossibilidade. — Eu nuncapoderia.OsolhosazuisdeTessimploravamcomumaintensidadeferoz.— Podemos acabar o nosso caso secreto e proclamá-lo para todo o

universo.O modo como sua voz retumbou, ecoando pelo refúgio no celeiro,

deixouArrianeapreensiva.—Não quer isso?— Tess chamou.— Não quer icar junto amim,

quebrarasalgemasarbitráriasqueimpedemquesejamosnósmesmas?Arriane balançou a cabeça. Era injusto. Tess estava fora de si. Ela

tinhaaalmamaissublimementelindaqueArrianejátinhavisto,masdestavezelatinhaidolongedemais.SegostassedeArriane,Tessjásaberiaqualeraarespostadesuaamada.

Masentão...Arriane hesitou, permitindo-se, por um instante, ver a situação do

pontodevistadeTess.ÉclaroqueArrianequeriaamarTessabertamente.Sempreiriaquererisso.Oquemaiselatinhaquefazerparaprovar?

Não!ComoTesspodiapedirissoaela?FicardoladodoInfernoenãodoCéu!Issonãoeraamor.Erainsensatez.

—Talvez as regras estejam certas—disseArriane tentativamente.—Talvezanjosedemôniosnãodevessem...

—Oquê?—Tessacortou.—Diga.—Lúcifer nunca permitiria isso.—disseArriane por im de forma

evasiva, afastando-se de Tess para andar pelo celeiro. Ela passou peloscavalosemseuestábulo.Asvacasemseucurral.Todos tinhamseu lugar.Do outro lado do celeiro ela olhou para Tess e nunca antes se sentiu tãodistantedaalmaquemaisamava.

—Lúciferpodepermitir...—Tesscomeçouadizer.— Você sabe o que ele acha do amor! — repreendeu Arriane. —

Desde...—Massuavozdesvaneceu.Aquelahistóriaantiganãoimportava,

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nãoagora.—Vocênãoentende.—Tessdeuumarisadafalsa,comoseArriane

não conseguisse entender algo tão simples como um problema dearitmética.—Eledissequeseeutelevassecomigo...

—Quemdisse?—acabeçadeArriane levantou-serapidamente.—Lúcifer?

Tess se afastou como se estivesse com medo, e por um instanteArrianepensoutervistoalgonoabrigodoceleiro.Umaestátuadepedra...uma gárgula. Parecia estar observando-as. Mas quando piscou, ela tinhasumido. Encontrou os olhos selvagens de Tess novamente, e se sentiutraída.

—Contouaele?Agora Arrianemarchava em direção a Tess, parando logo antes do

peitodesuaamada.Elelevantava-sesurpresopelaconfrontação,masTessnãorecuou.

—Comoousa—cuspiuArriane,girandonoscalcanhares.AntesqueArrianepudessecorrerparaforadoceleiro,Tessapanhou

seuspulsos.Puxoucomviolência,sentindoosdedosdeTessarrastarem-seporsuapele.

—Deixe-me!—gritouArriane,emboranão fossesua intenção,masTess não a ouvia. Ela foi atrás da garota novamente, puxando tão forte amangadeseuvestidoqueotecidosedesfez.

—Sim,euconteiaele!—urrouTess,gritandodiretamentenacaradeArriane.—Aocontráriodevocê,nãomeimportoquemsaiba!

Arrianeempurrou-a.EmpurroutãofortequeTesscaiudecostasemuma pilha de baldes de leites empilhados. Eles tombaram e desabaramnela com um tumulto, respingando algumas gotas brancas em sua pelepálida.

Tess chutou os baldes para longe e, como um foguete, icou de pé.Então(eArrianenãoesperavaporisso)asasasdela loresceramatrásdosombros.

Elasnuncatinhamexpostossuasasasumaàoutra;eraalgoqueelasconcordado em não fazer há séculos. Era uma lembrançamuito clara dequeoamordelasnãoiriavingar.

AgoraasamplasasasdemoníacasdeTesspreenchiamoceleirocomumaluzcintilante.Elaseramdodouradodaqueleúltimoinstantedopôrdosol, altas encostas que se erguiam elevadamente atrás de seus ombroscomo dois picos gêmeos de montanha. Batiam ligeiramente ao seu lado,completamente estendidas e rígidas, com as pontas viradas levemente

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paraforanadireçãodeArriane.Aposturadeumritualdeluta.Os cavalos relincharam e as vacas começaram a balir como se

conseguissemsentiratensão,aaproximaçãodealgoruim.Arrianenãopretendeufazeroqueaconteceuaseguir,mastambém

nãopôde evitar: suas asas responderamao chamado. Florirampara foradeseusombroscomumapressaquefoitãoinatamenteboaqueelasoltouum grito insensato de prazer. Mas no instante seguinte engasgou dearrependimentoaovê-laslevantando-seaoseulado.

Tess bateu suas grandes asas douradas e seu corpo se elevou.Flutuou no ar por uma fração de segundo antes de atirar-se para baixo,atacandoArriane.Asduasrolaramnochãodoceleiro.

—Porqueestáfazendoisso?—gritouArriane,agarrandoosombrosdeTess,segurandoascostasdelacomdificuldadeenquantolutavam.

Tess tinha pegado um punhado do cabelo comprido de Arriane.Puxou-oparatrásparaolharArrianenosolhos.

—Paralhemostrarqueeulutariaporvocê.Eufariaqualquercoisaporvocê.

— Solte-me!—Arriane não queria lutar com sua amada,mas suasasas sentiam o estranho puxão magnético na direção da eterna inimiga.Arrianegritoudedoreestapeouorostoqueantesapenasqueriamimar.

—Assimquesejuntaramim—fumegouTess,imobilizandoasmãosdeArrianenochão—eleteaceitará.Eleaceitaráonossoamor.

Arriane balançou a cabeça, encolhendo-se embaixo de sua amada.TinhamedodoqueTessfariaaseguir,mastinhaquedizeraverdade.

—Éumtruque.—Caleaboca.—Umtruqueparame levar láembaixo.Maisumaalmaé tudoque

ele precisa.— Arriane icou rígida sob o aperto de sua amada e contrasuasprópriasasasabaixadas,quelançavamfaíscascadavezqueroçavamnasdeTess.—Lúciferéummercador—gritouelasobreoruídodesuadisputa — que ica no mercado até depois do pôr do sol apenas paraconseguirumaúltimavenda.Assimqueeumejuntasseavocê...

Tesscongelou,seurostocoradoumcentímetroacimadodeArriane.Elasoltouseucabeloelivrou-adeseuaprisionamentonochão.SegurouabochechadeArrianecomamão.

—Entãoiráconsiderar?Havia tanto calor no olhar azul de Tess que o coração de Arriane

derreteu.

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—Consigome lembrar da primeira vez que disse adeus a você—sussurrouTess.—Tinhatantomedodenuncamaisvê-la.

Arrianeestremeceu.—Oh,Tessriel.Comoelapodiaresistiraumúltimobeijo?Alutadissolveuàmedida

quesuacabeçase levantavanadireçãodeTess, cujo rosto tinhamudadoporcompleto.Oamorvoltavaa luirporele,preenchendooespaçoentreseuscorposatéquenãohouvesseumvazioentreelas.Entrelaçaramseusdedos no cabelo uma da outra, seusmembros interligados, segurando-seperto. Quando seus lábios se encontraram, o corpo inteiro de Arrianeincendioucomumapaixãofrustrada.Sorveuseuamor,nãoquerendoqueesteabraçofossequebrado,sabendoquequandoacabasse...

Elasteriamacabado.Seus olhos abriram-se e ela espreitou a face pací ica de seu

verdadeiro amor. Arriane nunca conseguiu ver Tess como uma demônio.Nunca.

Elaselembrariadelaassim.Sem perceber, seus lábios tinham se distanciado dos de Tess. Seu

coraçãoestavapesado,enfadonhoetriste.Elasentou-sevagarosamenteeentãoficoudepé.—Eu...eunãopossomejuntaravocê.OsolhosdeTessseestreitaramesuavoz icousurpreendentemente

fria,dojeitoque icavaquandoseuorgulhoeraferido.Elanãoselevantoudochão.

—Você é uma anjo caído,Arriane. Está na hora de perceber isso edescerdoseupedestal.

— Não sou este tipo de anjo caído. —Não sou como você. — Caíporqueacreditonoamor.

— Mentira! Caiu porque Daniel arrastou você e eu e todo mundomaiscomele.

Arrianerecuou.—PelomenosotipodeamordeDanielnãorequerqueumapessoa

traiasuanatureza.—Estácertadisso?A questão pairou no ar. Arriane caminhou até a gamela contra a

paredeopostaedepositouraçãoeumbaldedeáguadopoçonossilosdoscavalos.OuviuTesssuspirar.

— Acredito na causa do Daniel — disse Arriane. — Acredito emLucinda.

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— Está enganada novamente.Designaram-na a eles. Vocêtem quesupervisioná-losouaquelesidiotasdaBalançavirãoatrásdevocê.

— Não quer dizer que não acredito! Não desistirei de Lucinda eDaniel.

— Ao invés disso você desistiria de nós? — Tess chorava agora;estava sentada no meio do celeiro e enxugou as lágrimas em seu lençoenlameado.—Amanhãédiadosnamorados,Arriane.

—Eusei.TínhamosconcordadoemvoaratéaFeiradeSãoValentim,onde Lucinda e Daniel e todos os outros estarão. — a voz de Arrianevacilou.—Seríamosfelizes.

— Felizes? Fingindo que não sou sua namorada e você não é aminha? Fingindo procurar o que já compartilhamos? — Tess fez umacarranca.

Arriane não respondeu. Tess estava certa. Seu predicamento eradoloroso.

Por im,Tess icoudepéeaproximou-sedeArriane.Tomouobaldedasmãosdelaecolocou-onochão.SegurouabochechadeArrianecomamão.

— Deixe que Luce e Daniel tenham o dia dos namorados deles.Vamosteronosso.Celebraroamorverdadeiroaofazerumpactocomigo.Junte-se a mim, Arriane. Podemos ser tão felizes juntas... se icarmosrealmentejuntas.

Arrianeengoliuomedosubindopelagarganta.— Eu te amo, mas não posso virar as costas para as minhas

promessas.ElasaiudoapertodeTess.OsolhosdeArrianecorreram,capturando

cadadetalhedeTess:obalançomorosodeseucabeloruivonabrisa,seuspésdesnudosepálidosnapalhabruta,suamãodeixandoclaraaausênciadamãodeArrianenasua,lágrimassubindoemseusolhosazuisclaros.

Atémesmoolampejodouradoespetaculardesuasasas.Esta seria a última vez que elas se veriam. Este seria seu último

adeus.

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N

TRÊS

OPRIMEIROCORTEÉOMAISPROFUNDO

unca.

Nunca.Nunca.

A alma de Arriane estava pesada enquanto voava. Devia saber queisso aconteceria! Elasoubera. Algo em sua alma tinha sentido há muitotempo que um dia como este se aproximava, quando Lúcifer chamariaTessrieldevolta.

MasnuncatinhaesperadoqueTesspedissequeeladesistissedeseulugarnoCéu...paratrocá-lopelaslabaredasdoInferno!

Seu temperado estava atiçado agora e suas asas se dobravam eestendiamemresposta.

Àsvezes,quandoArrianeficavamuitotempodisfarçadacomomortal,ela se esquecia de como suas asas eram vastas, como eram fortes, comoera profundo o prazer de soltá-las de seus ombros, a energia alada dedeleite. Devia estar sentindo a exaltação que sempre sentia quandopairava pelo céu, mas agora suas asas prateadas eram apenas tristeslembranças do que ela e seu amor eram, e como ela e Tess nuncapoderiamficarjuntas.

Nunca.Consigomelembrardaprimeiravezquedisseadeusavocê ,Tesstinha

dito-lhenoceleiro.Tinhatantomedodenuncamaisvê-la.Arrianetambémselembrava:hámilharesdeanos.ElaeAnnabellee

Gabbe tinhampairado sobre umanuvemescura de chuvanos arredoresde um lugar denominado Canaã, observando uma celebração mortalliderada por um homem chamado Abraão, quando a anjo apareceu donadaepairouperanteelasnocéu.

—Quemévocê?—Gabbefoihostil,dirigindo-seaanjocomocabeloruivoclaroeosolhosdeumazulcristalino.ParaArriane,asasasdaanjodesconhecida eram adoráveis, e seu corpo parecia tão macio como uma

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nuvem cúmulos. Um raio relampejou por sua pele branca e radiante.Arriane lembrou-se de querer esticar as mãos e tocá-la, como se paracertificar-sequeaanjoerareal.

— Sou Tessriel, e fui irmã de vocês no Paraíso. — A anjodesconhecida tinha curvado sua cabeçaemdeferência.—Anjodo trovãoquepassapelaEurásia.

Tessriel olhava para Arriane e algo no prado distante da alma deArrianereconheceuestaanjo.Suairmã.Sim.ElasnãotinhamseconhecidobemnoParaíso; houverauma associaçãode outros anjos entre elas,massempre existira uma conexão. O mistério inexplicável conhecido comoatração.

— Trago notícias de seu irmão Roland— disse Tessriel à Arriane,quetinhaarfadoaosomdonomedele.

—RolandresidenodomíniodeLúcifer—disseGabbeseveramente.—TrazparanósnotíciasdoInferno?

—Trago-lhes notícias...—A voz de Tessriel hesitou e o coração deArrianefoitocadoporela.NãoviaRolanddesdeaQuedaesentiasuafaltadesesperadamente. Esta anjo tinha vindo com uma mensagem. Arrianecorreuàfrente,apertando-secontraGabbe,queamanteveparatráscomapontabrancadesuaasa.

—Váagora,deixe-nos—Gabbecomandou.Eraapalavrafinal.Tessrielbalançousuacabeçatristementeenquantovirava-separair

embora.OlhouparatrásparaArrianeumavez,breveecomgrandepesar.—Adeus.—Adeus!Mas não foi uma despedida. Anos depois, sozinha, quando andava

pelobancodeareiadeumrio,elasedeparounovamentecomaanjoruiva.—Tessriel?Tessriel olhou por cima do rio onde se banhava. Estava nua, suas

asas de umbranco puro deslizandopela super ície da água e seu cabelovermelhocompridoarrastando-semarotamenteporsuascostas.

—Évocê?—SussurrouTessriel.—Acheiquenuncamaisaveria.Quando a anjo emergiu do rio, a visão de seu disfarce mortal foi

demaisparaArriane,quedesviouoolhar,empolgadaeenvergonhada.Elaescutouaondulaçãoenquantoasasasdeixavamaágua,sentiuotoquedeum vento abafado e então, um segundo mais tarde, os lábios docespressionadosnosseus.Braçoseasasmolhadosaengolfaram.

— O que foi isso? — Arriane pestanejou com surpresa quandoTessrielseretirou.Seuslábiosformigavamcomumdesejoinesperado.

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—Umbeijo. Prometi amimmesmaque se a vissenovamente, fariaisso.

—E se eu fosse embora agoramesmoe voltassedepois—Arrianeperguntouemvozalta—mebeijariadessejeitodenovo?

Tessrielassentiu,umsorrisoamploemseurosto.— Adeus — sussurrou Arriane, fechando seus olhos. Quando os

abriu,disse—Olá.ETessrielabeijoudenovo.Edenovo.Em um iorde escuro no norte da Noruega... em um navio partindo

para Índia... em um planalto deserto e poeirento na Pérsia... ou em umatempestade no interior de uma loresta tropical; quando o mundo eradescomplicado e jovem e nenhum anjo caído tinha se virado na direçãoquecadaum,eventualmente,iriatomar,ArrianeeTessrielsemprediziamadeus para dizer olá novamente, sempre indo de encontro ou saindo deumbeijo.

Agora,sentindo-semaisdistantedoquenuncadoslábiosdademônio

queamava,Arrianepassouporumpardegarçasnocéu.Elastinhamumpar, mas ela tinha que icar sozinha. Por causa de antigas alianças quenenhumadasduastrairia.Issoadeixavaloucadefrustração.Elaprecisavaicaremalgumlugarsolitárioeremoto,ondeseucoraçãopudessedoerempaz.

Lágrimasborraramsuavisãoenquantoescalavaospradosdebaixaaltitude do vale abaixo. Ela não queria deixar Tess; não conseguia irembora o mais rápido possível. Logo tinha escapado da leiteria em seupequenovaleverdequetinhaaprendidoaamar.

Amor.Oqueeraissomesmo?Daniel e Lucinda pareciam saber. Houvera momentos quando

Arriane pensou ter dançado na direção da proteção do amor:momentosgentisefugazespresosemumbeijocomTess,quandoambasasalmasseperdiam completamente. Se apenas pudessem ter icado assim parasempre,mentindoparasimesmasemumestadoprolongadodeêxtase.

Talvezamareraenganar-se.Não. O mundo ameaçava-as e na luz ampla e clara do dia Arriane

sabia que o que sentia por Tess era e não era amor. Era tudo, e era

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impossível.Eraporissoqueelasjátinhampassadoporessetipodeadeus,otipo

feio,umaoutravez.Foi há algumas centenas de anos depois da Queda. Arriane

inalmentetinhafeitosuaescolha.TinhavoltadoàsplaníciesdoParaísoe,após algum tempo, feito aspazes comoTrono. Suas asas luziamuma corprata iridescente incrível (amarcadeque tinhasidoaceitanovamente)eArrianeestavaansiosaparamostrá-lasàsuaamada.AchouTessrielsobacascataamazonenseondetinhamconcordadoseencontrar.

—Olheoqueeufiz...—Oquevocêfez?BemcomoasasasdeArrianetinhamumbrilhopratanovoemfolha,

as asas de Tessriel estavam corrompidas... por um dourado glorioso eberrante.

— Nunca me disse que estava considerando... — a voz de Arrianemorreu.

— Também nunca me disse. — Os olhos de Tess encheram-se delágrimas,masassimqueasenxugou,elaficoubrava.

—Masporquê?Porqueficariadoladodele?—Asuaescolhanãoé tãoarbitráriaquantoaminha?Oseumestre

sóéumaautoridadeporquevocêdizqueeleé.—Pelomenoseleébom,aocontráriodoseumestre!—Bom.Mau. São apenas palavras, Arriane. Quem con ia nelas, de

qualquermodo?—Como...comopossoamá-laagora?—sussurrouArriane.—Ésimples—disseTesscomummenear tristedacabeça.—Não

pode.

FoiRolandquemasuniunovamente.AgoraArrianequasedesejava

queelenãotivesse.MasnaépocaelaprecisavadeTessmaisdoqueseriacapazdeadmitir.RolandarranjouummomentoroubadoentreasduasemJerusalém,depoisdoquedeveriaserocasamentodeCamcomLilith.

Ocasamentoquenãoaconteceu.MasArrianeeTessrieltinhamsereunido.Assimqueumaviuaoutra,

abrigadissolveuemoutrobeijoincansável.—Devemosserlivresparasermosnósmesmasindependentemente

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—Tessrielhavialhedito—masnuncaseremostãofortesesólidasdoquequandoestamosjuntas.

—Tenhacuidado—Rolandsemprediziaquandoelafugiapara icarcom Tess. E Arriane tinha tomado. Nunca foram pegas. Nunca os anjossuspeitaramdoromancesecretodeArrianecomumadosdemôniosmaispróximas de Lúcifer. Ela tinha tomado muito cuidado com tudo... excetocomodestinodeseucoração.

Ela simplesmente nunca tinha esperado que Tessriel izesse suaescolha.

Masagoratinhachegadoaisso,ehaviaapenasumaescolha.Esteadeustinhaqueserparasempre.

Arriane não conseguia respirar. Lágrimas corriam agora pelas

bochechasenquantoelaarfavaevoavacegamente,nãosabendoparaondeir.

Veriasuaamadamaisalgumavez?Uma dor aguda pareceu perfurar seu coração, uma agonia

despedaçando as issuras de seus ossos. O que estava acontecendo? Eentãoumapremoniçãoescuraminousuaalma,eArrianegritoudemedo.

Agarrouseucoração,masissonãoeraumameradordeamor.Tinhaalgoerrado.Tess.Nametade de seu voo pelasmontanhas do norte da Itália, Arriane

desceu para reverter a direção no céu. Suas asas estremeceram, seucoraçãoparoueaúnicacoisaqueelasabiaeraquetinhaquevoltarparaaleiteria. Era a intuiçãodeumanamorada, umapercepção tardia tomandocontadeseucérebro...

Atéqueelatevecertezaabsoluta...Algotinhaacontecido...Algoindizível.

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O

QUATRO

DANDOASASAOAMORceleiroestavavazio.

Osoltinhaseposto.A única luz além de uma fenda fria da lua toscana brilhando

pelaportaabertavinhadasasasdeArriane.Elaslançavamumcalorsuaveeopalescentenosanimais,quenãodormiam:oscavalosrelinchavameasgalinhas cacarejavam sem parar em seu redil; as vacas deitavam-se nofenoalmiscarado,suastetasinchadasdeleite.

Elestambémsentiamalgo.Arriane icoucadavezmaisfrenética...ondeTessestava?Andoupara

cimaeparabaixonoceleiro,procurandopistas,achandoapenasevidênciade sua briga. Os baldes de leite tombados. O trecho de feno lamacentoespalhado onde elas tinham lutado. Se fechasse seus olhos, aindaconseguiaverTessdojeitoquequeria,sorrindo,oruborevidenteemsuasbochechas.

A respiração de Arriane formou nuvens na frente de seu rosto.Observou-as sumindo no ar gelado. Queria gritar, impedir todas essascoisasdedesaparecerem.

A premonição foi tão forte que Arriane apertou suas mãos,relembrando-sedeseuspassosnoestábuloantesdeterdisparadoparaocéu,recordandoaspalavraszangadasquetinhampropelidoumacontraaoutra,arrependendo-sedetudoquejátinhaditooufeitoparaTessequenãofosseporcausadeseuamorabsoluto.

Lá.Elacongelouenquantoapontadesuaasaarrastou-seporummonte

defenoúmido.Oqueeraisso?Arriane icoude joelho.Brancobrilhavadesuasasas, iluminandoos

animaisaterrorizados,encurraladosnoscantosdeseuscompartimentos.Haviasanguenofeno...umapiscinabrilhanteevermelha.—Tessriel!Arrianelevantou-senoar,varrendoochãoloucamenteaprocurade

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outro traço do sangue de sua amada. Voou em pânico em círculos,explorandocadacentímetrodoceleiro,arremessando-sedesvairadamenteparaumladoeoutro,nãoachandonada.

Lá, logo além da porta aberta, ela espiou uma fonte pequena desanguein iltrando-senagrama.Moveu-semaisparaperto,pairandosobreela.Queriatocá-lo,mas...

Não.Elaseimpediu.Recuando da piscina de sangue, gotas com bolhas de um vermelho

escuroformavamuma iladealgunscentímetrosdecomprimento,levandoemdireçãoàEstreladoNorte.

Tesssemovia.Masoquetinhaacontecidoaela?Arrianevooupertodochão,procurandopequenossinais.Emvários

lugares ela avistoumanchas de sangue em folhas de grama alta, só paradepoisperderatrilhadenovo.Emummomento,tendocruzadoo leitodeum riacho, a trilha desapareceu por completo, e Arriane choramingou,sentindoquetudoestavaperdido.

Masentão,pertodeumsalgueirochorão,reencontrouocaminhoquesuaamadaestavafazendo.

Sangue jorravapordezoitometros;a trilhaalargava-seeespalhava-separa longe,comoseumferimentorecentetivessesidoin ligido.Estariaum inimigo caçandoTess, ferindo-a enquanto fugia?Arriane apressou-se,desesperadapara icarentreTessequalquermalqueousassemachucá-la.

Apenas um ser poderia ter caçado uma demônio completamentecapacitada. Nos seus piores pesadelos Arriane conseguia ver Lúcifer, ascamadasdecataratasemseusolhos,suasasasgigantescasestendendo-secomumafileiradepelosnegros.

MasLúciferteriavindoaquiparaarrastarTessdevoltaaoInferno?Arrianenunca tinhavisto suaamadacaraa cara comseumestre, apesardestasvisõesaassombrarem.SeencontrasseLúciferferindoTess,Arrianenão sabia o que faria. Mal conseguia voar com a raiva que estavacrescendodentrodesi.

Umamorcomoesteerafatal,atémesmoparaumaanjo.— Tessriel! — ela berrou novamente nos campos verdes in initos.

Masnãoouviunada.A oeste, nuvens de tempestade formavam uma tela suja no céu.

Arriane torceu para que Tess não houvesse viajado nessa direção. Tudonessa chuva (seu cheiro, seu efeito no terreno, seu poder puri icante)distanciariaArrianedatrilha.

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MastalvezTessestivessecontandojustamentecomisso.Entãoelairiaparaocoraçãodatempestade.Arriane endireitou suas asas. Focou-se em ganhar velocidade. A

turbulência a balançou. Seu corpo ricocheteou da esquerda para direita,para cima e para baixo, até ela estar encharcada, tremendo e cuspindoágua.

FoiquandoviuTess,deitadadecostasnabeiradadeumpromontóriopedregosonosopédasDolomitas,nãomuito longedeondeArriane tinhasentido,pelaprimeiravez,quetinhaalgoterrivelmenteerrado.

Tess parecia estarmorrendo; só que anjos nãomorriam. Suas asasdebulhavam-se anormalmente de seus dois lados. Sangue jorrava delas,formandoumapoçaemumapedrachatadebaixodela.Elaestavasozinha.

Elaestavasozinha.Arriane estava a trinta metros acima dela no ar, mas o brilho

prateadoechapadonamãodeTesserainconfundível.MasporqueTessteriaumasetaestelar?Arriane mergulhou tão rapidamente que o vento rugiu em seus

ouvidos. Pousou em uma rocha cinza clara a algunsmetros na frente deTess.Suasasaslançaramumcírculodeluzdiantedela,abarcandoocorpode Tess como uma auréola fria de iluminação. Era fácil ver agora: a setaestelar tinha lacerado a asa esquerda da demônio. Não tinha sidoarrancadaporcompleto,masaasarevestidadecobre,antestãopoderosa,agorapendiaporumfiofiníssimodefibrascelestiais.

Raiva tomou conta de Arriane; ela assassinaria quem quer quetivesse feito isso. Então olhou para o rosto cinzento de Tess, seus olhosquasefechados,vislumbrando-a.

Eentãoentendeu.Não havia mais ninguém para culpar. O mais cruel de todos os

ferimentostinhasidocausadoporelamesma.Háapenasalgumashoras,Arrianepensounapurezadapeledeum

anjo, como nada deixava cicatriz. Mas não era completamente verdade...algumascoisasdeixavamcicatrizespermanentes.

Lúciferconseguiadanificá-lacomatintadesuastatuagens.Umferimentodesetaestelarconseguia...senãomatasseoanjo.Auniãode...—Tessriel,não!A demônio segurou a seta estelar namão direita e aproximou-a do

ferimentodenovo,comosesuaintençãofossedeamputaraasadourada.Mas seus dedos tremiam tanto que a seta cortou outras partes da asa,

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ejetando sangue de seu centro, cheio de músculos. Só então pareceuperceberapresençadeArriane.

—Vocêvoltou.—Suavozestavatãofracaquantooarmontanhoso.—Oh,Tessriel.—AsmãosdeArrianecobriramseucoração.—Elas

nuncasecurarão.—Éesseoobjetivo.Precisavadealgoquemelembrassedevocê.— Não diga isso. — Arriane icou de joelhos, rastejando até onde

Tess estava deitada no chão.— O que você fazia com uma seta estelar?PermutandocomAzazel?Nãosefazisso!

—Fazsim,quandoanecessidadeégrandeobastante.Senãopossotervocê,nãoqueromaisnada.—Tessfezumacarafeiaquandoempurrouasetaestelaremummovimentodedescidaqueretalhousuaasamutilada.Osomfoicomoodecarnesendodesprendida;porém,nãoseparouaasaporinteiro.—Émaisdifícildoqueacha.

—Parecomisso!—GritouArriane,estirandosuamãoparaagarrarasetaestelardeTess.

RapidamenteTessvirouasetacontraela.—Afaste-se—disse fracamente.—Sabeoque iráacontecerseme

tocar.Arrianeestudousuaamadaanjocaído,cobertadesangueque(seela

tocasse)funcionariacomoumvenenocontrasi.Mas mesmo sabendo disso, Arriane não parou. Precisava que Tess

soubessequenãoestavasozinha,queeraamada.A lembrançado risodeTess ecoou em seus ouvidos e aqueceu seu

interior;a imagemdeTess,aquerida,doceebelaTess,apareceuperanteosolhosdeArrianeenquantoelafaziaoimpensável:

Atirou-se em direção à Tessriel, jogando-se em cima da demônio,agarrandoasetaestelar,gritandodea liçãoquandoosanguedeTessrielaqueimou.Estaeraadorforadesériedosanguededemônionapeledeumanjo,comomilespadascegasperfurandosuaalma.

Sanguenosangueeraaindapior.Arriane cerrou os dentes, quase enlouquecendo de dor enquanto

tentavaarrancarasetadamãodeTess.—Solte-me!—AsunhasdeTessarranharamagargantadeArriane

até perfurar a pele e o sangue de Arriane começar a jorrar. Um urroanimalescosaiudoslábiosdela.

Seu sangue literalmente ferveu quando encontrou o de Tessriel,transformando-seemácidoemseucorpoemarcandosuapele.Bolhasseformaramnoladoesquerdodeseucorpo,ondeosanguedasduashaviase

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misturado, com cicatrizes feias trançando-se por sua perna, torso epescoço.

Aindaassim,Arrianenãosoltou.—Vejaoquefezagora.—OslábiosdeTessestavamazuisporterem

perdido tanto sangue.Uma risada sádicapontuava sua angústia.—Atéomeu sangue é uma anátema ao seu, e o seu aomeu. Bem como—nestahora sua voz falhou e seus olhos se desviaram — bem como sempredisseram.

— Fique parada! — Arriane tentou focar em algo além daqueimadura ácida; a única coisa que importava era estancar o luxo desanguedeTess.Segurouasduasasasdébeisnasmãos,nãosabendooquefazer.

—Estápiorandoascoisas!—berrouTess.—Pare!Jáperdeumuitosangue.Tess estava tendo convulsões, mas irmou uma mão na rocha e

ergueu sua cabeça o su iciente para encarar profundamente os olhos deArriane.

—Vocêquebroumeucoração,Arriane.Nãopodecurá-lo.OlábiodeArrianetremeu.—Posso.Evou.Elarasgouasaiadeseuvestidodeleiteira,usandoseusdentespara

cortarotecido inoemtiras.Nãovaifuncionar,pensou,enquantotrançavaeesticavao tecidoemumatipoiamalfeita,dispondo-acuidadosamenteaoredordaasaesquerdaequejorravasanguedeTess.

Rapidamente produziu outra tipoia, trabalhando até seus dedosicarem dormentes de frio e medo. O corpo de Tess continuava a sesacudir, mas seus olhos estavam fechados, e ela não respondeu àsadmoniçõesdeArrianeparaqueacordasse.

As tipoias não funcionariam. Os ferimentos de Tess precisavam deuma intervenção celestial. Isto exigiria a ajuda da Gabbe, e ela icariafuriosa... porém ajudaria de qualquer jeito. As asas de Tess nunca maisseriamasmesmas,mastalvezalgumdiaelapudessevoar.

Somente após Arriane ter enfaixado as asas de Tess o melhor quepôdefoiqueolhouparaseuprópriocorpo.Eraumquadromiserável.

Seu pescoço ardia de dor. O lado esquerdo de seu vestido estavacaindoaospedaços.Suapeleestavamosqueadacomrespingosdesangue,pus prateado e tecido descamado de anjo. Não tinha nada com o queremediarseusferimentos.HaviausadotodoopanonosdeTess.

Ela caiuno colo dademônio e soluçou. Precisavade ajuda,masnão

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podia carregar Tess, não quando estava toda queimada e destruída. Quebemissofaria?

TalvezTessestivessecerta:Quandoumnamoradosofriaportertidoseu coraçãopartido, não importava o quanto o outroquisesse ajudar, elenãopoderiacurá-lo.

Namedidadopossível,percebeuArriane, cadaalma tinhaque icarcontente sozinha antes de precipitar-se no amor, porque nunca se sabequandoooutrodeixaráparatrásaqueleamor.Eraomaiordosparadoxos:Almasprecisamumasdasoutras,mas tambémprecisamnãoprecisardaoutra.

— Tenho que ir — sussurrou para Tess, cuja respiração erasuper icial, trabalhosa.—Mandareiajudaatéaqui.Alguémvirácuidardevocê.

— Eu te amo, e nunca amareimais ninguém. Amelhormaneira dehonrarissoéiremboraagoraelutarpelotipodeamorquepartilhamos,otipodeamorqueeuacredito.Esperoquealgumdiadescubraoqueestáprocurando.—Uma lágrimaescorreupelabochechadeArriane.—Felizdiadosnamorados,minhaúnica,eternamente.

Uma estrela cadente dançou em um arco claro no céu. Ao norte,justamenteadireçãonaqualArrianeprecisariavoarparaacharDanieleLucinda.Seupescoçopulsouquandoselevantoudarocha,mas,apesardeseus ferimentos, suas asas pareciam fortes e puras. Ela as esticouamplamenteevoouparalonge.

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AMORINFINITO

ODIADOSNAMORADOSDEDANIELELUCINDA

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L

UM

AMORANTIGOuceencontrava-seno inaldeumbecoestreitosobumafrestadecéuensolarado.

—Bill?—sussurrouela.Nãohouveresposta.Ela tinha saído grogue e desorientada do Anunciador. Onde estava

agora?Havia claridadeeagitaçãonaoutrapontadobeco.Eraalgum tipodemercadolotado,ondeLucevislumbroubrevementefrutaseavessendorepassadasparaoutrasmãos.

Um vento invernal perspicaz tinha congelado as poças do beco etransformado-asemlamaderretida,masLucesuavaemseuvestidopretodebaile...ondemesmoelatinhacolocadoestevestidoesfarrapado?Obailedo rei em Versalhes. Havia encontrado-o no guarda-roupa de algumaprincesaeficadocomelequandoentrounaapresentaçãodeHenryVIIIemLondres.

Elafungouseuombro:tinhacheirodafumaçadoincêndioquehaviaqueimadooGlobeTheatre.

Acimadesichegavaumasériedepancadasaltasdepersianassendoabertas. Duasmulheres en iaram suas cabeças para fora do batente dasjanelas adjacentes do segundo andar. Assustada, Luce pressionou-secontra uma parede à sombra para escutar, observando enquanto asmulheresfaziamumrebuliçoemexiamnovaralcompartilhado.

— Deixará Laura assistir às festividades?— disse uma delas, umamulhermatronacomumcapuzcinzasimples,enquantoprendiaumacalçaúmidaenormenofio.

—Nãovejomalalgumemassistir—disseaoutra,umamulhermaisjovem. Ela sacudiu uma camisa seca de linho e dobrou-a com umae iciência ligeira. — Contanto que não tome parte naquele espetáculodevasso. Urna do Cupido! Rá! Laura só viveu doze anos; é jovem demaisparaarranjarumcoraçãopartido!

—Ah, Sally— suspirou a outramulher comum sorrido escasso—você é rígida demais. O dia de São Valentim é para todos os corações,

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jovensevelhos.Podiaserbomparavocêeseusenhorseremcontagiadospeloromance,hein?

Um vendedor solitário, um homem baixo vestido com uma túnica ecalça estreita azuis, virou no beco, empurrando um carrinho demadeira.Asmulheresolharam-nocomsuspeitaebaixaramsuasvozes.

—Peras—cantouparaosbatentesabertos,dosquaisascabeçasemãos das mulheres haviam desaparecido. — O fruto rotundo do amor!Umaperaparaoseunamoradofaráserdoceestenovoano.

Luce avançou lentamente junto à parede, na direção da saída dobeco.OndeBillestava?Elanãotinhapercebidooquantodependiadaquelapequena gárgula. Precisava de roupas diferentes. Fazer ideia de onde equandoseencontrava.Einstruçõesdoqueestavafazendoaqui.

Algum tipo de cidade medieval. Um festival de dia dos namorados.Quemadivinhariaqueeraumatradiçãotãoantiga?

—Bill!—sussurrouela.Masaindanadaderesposta.Elachegouatéaesquinaeespreitousuacabeçaaoredor.A visão de um castelo altivo fê-la hesitar. Era massivo e majestoso.

Torres de mar im subiam ao céu azul. Estandartes dourados, cadaadornadocomumleão,ondeavamgentilmentenospostesaltos.Elaquaseesperouescutarumretumbardetrombetas.Eracomocairacidentalmenteemumcontodefadas.

Instintivamente,LucedesejouqueDanielestivesselá.Esteeraotipodebelezaquenãopareciarealatévocêcompartilharcomalguémqueama.

MasnãohaviasinaldeDaniel.Apenasdeumagarota.UmagarotaqueLucereconheceuimediatamente.Umdeseuseuspassados.Luce observou enquanto a garota passeava pela ponte de pedras

redondaselisasquedavanasportasaltasdocastelo.Passouporelas,paraa entrada de um jardim fantástico de rosas, onde arbustos não- loridostinhamsidoesculpidosemcercas-vivasaltaseemformatodemuralha.Seucabelo solto era comprido e bagunçado, arrastando-se até metade dascostas de seu vestido branco de linho. A antiga Luce – Lucinda –contemplouamorosamenteoportãodojardim.

Então Lucinda icou na ponta dos pés, passou umamão branca porcima do portão, e domeio de um arbusto sem galhos curvou o caule deumarosavermelhainauspiciosaatéseunariz.

Era possível cheirar tristemente uma rosa? Luce não podia dizer;tudoquesabiaeraquealgonestagarota–elamesma–era triste.Masporquê?TinhaalgumacoisaavercomDaniel?

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Luce estava prestes a sair completamente do beco sombreadoquandoouviuumavozeviualguémaproximar-sedeseuantigoeu.

—Aíestávocê.Lucinda soltou a rosa, que voltou instantaneamente para o jardim,

perdendo suas pétalas quando cruzou com os espinhos. As pétalasvermelhas em formato de lágrima choveram por seus ombros enquantoelaseviravaparaencararavoz.

Luce observou quando a postura de Lucinda mudou, um sorrisoesticando-se em seu rosto por ter visto Daniel. E ela sentiu este mesmosorriso em seupróprio rosto. Seus corpos podiam ser diferentes, suasvidasdiáriasnãosepareciamemnada,masquandose tratavadoDaniel,suaalmacompartilhadaajustava-secompletamente.

Eleusavaumaarmadura completa, comexceçãode seuelmo, e seucabelo dourado estava oleoso de suor e sujeira. Claramente vinha daestrada; a éguabrancamanchadaao seu ladoparecia exausta. Luce teveque lutar contra todo o desejo em seu corpo para não correr até seusbraços. Ele estava de tirar o fôlego: um cavaleiro em armadura brilhantequeofuscariaqualquersemelhantedecontodefada.

Mas esteDaniel não erao seuDaniel. EsteDaniel pertencia à outragarota.

— Você voltou! — Lucinda disparou em uma corrida, seus cachoscorrendonovento.

Osbraçosdeseueupassadoseesticaram,acentímetrosdeDaniel...Masavisãodeseucavaleirovalentevacilounovento.E então sumiu. O estômago de Luce icou embrulhado quando

observouaéguadeDanielesuaarmadurasumiremnoareLucinda(quenãoconseguiupararatempo)baterdecabeçacomumagárguladepedraemitindofumaça.

—Errou!—cacarejouBill,girando180graus.Lucindagritou,tropeçouemseuvestido,ecaiudequatronalama.A

risadaescabrosadeBillecooupelafachadadocastelo.ElevoouaindamaisaltonocéueentãoespiouLuceolhando-ofeiodooutroladodarua.

—Aíestávocê!—disse,dandocambalhotaemsuadireção.—Disseparanuncamaisfazerisso!—Minhasacrobacias?—Billsaltounoombrodela.—Masseeunão

praticar,nãoganhomedalhas—disse,comumsotaquerusso.Eladeuumtapanele.—Transformar-seemDaniel,foioquequisdizer.—Não iz issocomvocê, izcomela.Talvezseueudopassadoache

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engraçado.—Elanãoachou.—Não é culpaminha. Além domais, não leiomentes. Você espera

que eu perceba que você fala em nome de todas as Lucindas que jáexistiramcadavezqueabreaboca.Nuncadissenadasobreridicularizarsuas vidas passadas. É só para dar umas boas risadas. E eu que rio, nocaso.

—Écruel.—Seinsisteemdiscutirporbobeira,ótimo,elaétodasua.Creioque

nãoprecisequeeumostrequeoque você fazcomelasnãoéexatamentehumano!

—Foivocêquemeensinoucomoficarem3D.— Exatamente o que quis dizer — disse ele com um cacarejo

assustadorquefezosbraçosdeLucesearrepiarem.Os olhos de Bill caíram emuma gárgula diminutiva de pedra acima

deumadascolunasdosportõesdojardim.Voltouparaoar,deuumavoltaaté a coluna, e passou seubraço ao redordoombroda gárgula, como seenfimtivesseencontradoumcompanheirodeverdade.

—Mortais!Nãosepodevivercomeles,nãosepodeenviá-losparaasprofundezas ardentes do Inferno. Estou certo ou não?— Olhou de voltaparaLuce.—Vocênãoémuitofalante.

Lucenão conseguiamais aguentar.Correupara frente, apressando-seemajudarLucindaase levantardochão.Ovestidodeseueupassadoestavarasgadonosjoelhoseseurostoeraumbrancodoentio.

— Você está bem? — perguntou Luce. Ela esperou que a garotaficasseagradecida,masaoinvésdissoelarecuou.

—Quem... oque é você?—LucindaolhouparaLuce embasbacada.—Equeespéciededemônioéaquelacoisa?—ElaapontounadireçãodeBill.

Lucesuspirou.—Eleéapenas...Nãosepreocupecomele.Bill provavelmente parecia mesmo com um demônio nesta

encarnaçãomedieval.Luceprovavelmentenãotinhaumaaparênciamuitomelhor:umagarotadébilmentalcorrendoporaíemumvestidofuturísticodebailequefediaàfumaça.

—Desculpa—disse Luce, olhandoparaBill por sobre o ombro dagarota.Elepareciaestarsedivertindo.

—Estápensandoemficarem3D?—perguntouBill.Luceestalouosdedos.Ótimo.Elasabiaquetinhaqueseclivarneste

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corpodopassadosequisesseiradianteemsuajornada,mashaviaalgumacoisa no rosto de seu passado, perplexidade e uma insinuação de umatraiçãoinexplicável,quefezcomqueelahesitasse.

—Isso,hm,issosóvailevarumsegundo.Os olhos de seu eu do passado se arregalaram, mas quando ela

estavaprestesaseafastar,Luceagarroueapertouamãodela.Aspedras irmesabaixodeseuspéssemexerameomundoperante

Luce serpenteou como um caleidoscópio. Seu estômago foi de encontro àsua garganta e, enquanto o mundo voltava à sua normalidade, ela icoucom a náusea característica da clivagem. Ela piscou e, naquele instanteinquietante, enxergou a visão desencarnada de ambas as garotas. LáestavaaLucindadaeramedieval:inocente,cativanteeapavorada;eali,aoladodela,estavaLuce:culpada,exaustaeobcecada.

Não havia tempo para se arrepender disso. Assimque terminou depiscar...

Umúnicocorpo,umaalmaemconflito.EosorrisoafetadodoslábiosgrossosdeBill,observandotudo.Luce apertou seu coração através do vestido áspero de linho que

Lucinda estivera usando. Ele doía. Seu corpo todo sofria com a dor nocoração.

ElacanalizavaLucindaagora, sentindooqueela tinhasentidoantesdeLucehabitarseucorpo.Eraumajogadaquejátinhaviradohábito–daRússiaproTaitieproTibete–masmesmofazendoissotantasvezes,Lucenãoachavaqueiriaalgumdiaseacostumarasentirdeformatãopungenteaimpressãodesuasemoçõespassadas.

Agora ela sentia o tipo de dor cruel que não experimentava desdeseus primeiros dias naSword&Cross , quando achava que seu amor porDanielpudessedividi-laemduas.

— Não está com uma cara muito boa.— Bill lutuava perante seurosto,soandomaissatisfeitodoquepreocupado.

—Éomeupassado.Elaestá...—Empânico?Comseucoraçãodoendodeamorporaquele tontoe

inútil cavaleiro?É,oDanieldestaera tedeixavamais tontaqueumglobodebingoquandoos idosossereúnempara jogar.—Elecruzouosbraçossobre o peito de modo pesaroso e fez algo que Luce nunca tinha vistoantes:mudouosolhosparavioleta.—TalvezeuváàFeiradeSãoValentim— disse ele em um tom rouco e afetado, uma imitação grosseira esimpli icadadeDaniel—Outalvezeutenhacoisasmelhoresafazer,comoesmagarperdedorescomminhaespadagigantesca...

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—Nãofaçaisso,Bill.—Lucebalançouacabeça,irritada.—Alémdomais,seDanielnãoaparecernessenegóciododiadosnamorados,eleteráumaboarazão,tenhocerteza.

—É.—OgrasnadoretornouàvozdeBill.—Vocêsempretem.— Ele está tentando me proteger— ela argumentou, mas sua voz

estavafraca.—Ouseproteger...Lucerevirouosolhos.—Estábem,Bill,oqueeudevoaprendernestavida?Quevocêacha

oDanielumcanalha?Captado.Podemosprosseguir?—Nãoexatamente.Billvoouatéochãoesentou-seaoladodela.—Na verdade, nesta vida estamos de férias do seu aprendizado—

disse.—Baseando-me na rispidez com que tem se dirigido amim e nasolheirassobmeusolhos—eleesticoueexpôsumadobrarugosadepelesobressaliente, fazendo um somparecido com um saco de bolas de gudesacudido—achoqueambosprecisamosdeumdiadedescanso.

— Então é o seguinte: é dia dos namorados, ou uma versão maisprimária disso, de qualquer forma.Daniel é um cavaleiro, o que signi icaquepodeescolherqualfestafrequentar.Podeagraciarobanquetein initoe abençoado pela Igreja dos nobres no castelo de seu senhor. — Billinclinou sua cabeça na direção dos torreões brancos elevando-se atrásdeles.—Éclaro,teráumbomassadodeveado,talvezatéumpunhadodesal,masvocêtemquesemisturarcomosclérigosequemachaqueissoéumafestaboa?

Luce olhou de volta para o castelo de conto de fada. Era ali queDanielmorava?Estariadentrodaquelasmuralhasagora?

—Ou—continuouBill—elepodecairnafarranafestadeverdadeno gramado hoje à noite, com um tipo de gente menos que respeitável,ondeacerveja luicomovinhoeovinho luicomocerveja.Haverádança,comidae,omaisimportantedetudo:raparigas.

—Raparigas?Billacenounoarcomamãodiminuta.— Nada com que tenha que se preocupar, querida. Daniel só teve

olhosparaumaraparigaemtodaacriação.Você,querdizer.—Rapariga—disseLuce,descendooolharparasuavestimentade

fiosásperosdealgodão.— Há uma certa rapariga perdida — Bill acotovelou Luce — que

estaránaFeira,vasculhandoamultidão,atravésdosfurosdesuamáscara

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pintada,atrásdeseupedaçodemaucaminho.—Eledeuumtapinhaemsuabochecha.—Nãopareceserbemdivertido,irmãzinha?

—Nãoestouaquiparamedivertir,Bill.—Tenteporumanoite...quemsabe,talvezconsigagostar.Amaioria

daspessoasgosta.Luceengoliuemseco.—Masoquevaiacontecerquandoelemeencontrar?Oqueeudevo

aprenderantesdemeincendiar,antesde...—Opa!—gritouBill.—Acalme-se,esquentadinha.Eutedisse,sóse

preocupe hoje à noite em se divertir. Um pouquinho de romance. Umanoitedefolga—eledeuumapiscadela—paranósdois.

—Equantoàmaldição?Comopossodeixartudodeladoecelebrarodiadosnamorados?

Bill não respondeu de imediato. Ao invés disso, fez uma pausa,ponderoueentãodisse:

—Eseeutedissessequeeste–hoje–éoúnicodiadosnamoradosquevocêsjápassaramjuntos?

AspalavrasatingiramLucedeimediato.—Emtodasasvidas?Nós...nuncaconseguimoscomemorarodiados

namorados?Billbalançouacabeça.—Depoisdehoje?Não.Luce voltou ao seu tempo na Dover, como ela e Callie observavam

algumas das outras garotas receberem corações de chocolate e rosas nodia dos namorados. Elas tinham a tradição de lamentar estaremsolteiríssimas tomandomilk-shakes demorango na lanchonete do bairro.Passavamhorasconjeturandoaschances ín imasdeconseguiremumparnodiadosnamorados.

Elariu.Nãotinhasedadotãomal:LucenuncatinhatidoumdiadosnamoradoscomDaniel.

AgoraBilldizia-lhequeelasóteveodehojeànoite.A jornada de Luce nos Anunciadores, todos seus esforços em

quebrar a maldição e desvendar o que estava por trás de suasreencarnações,descobrirum imparaesteciclo in inito... sim,estascoisaseramimportantes.Éclaroqueeram.

Mas omundo acabaria se ela aproveitasse estaúnica oportunidadecomDaniel?

ElainclinouacabeçaparaBill.—Porqueestáfazendoissopormim?—perguntou.

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Billdeudeombros.—Tenhoumcoração,umfracopor...—Oquê?Diadosnamorados?Porqueseráquenãoacreditonisso?—Atéeuameiumavezesofriumaperda.—Epelomaisbrevedos

instantes,agárgulapareceumelancólicaetriste.Encarou-adiretamenteefungou.

Lucedeurisada.—Estábem—disse—Vouficar.Sóporhoje.—Quebom.—Billemergiueapontouumagarratortapelobeco.—

Agora vá, seja feliz. — Ele estreitou os olhos. — Na verdade, mude devestido.Eentãováserfeliz.

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H

DOIS

UMAALMAEMCONFLITOoras depois, Luce amparou os cotovelos no umbral da armação depedradajanelapequena.

A vila parecia diferente de cima, no segundo andar; umlabirintodeconstruçõesdepedrainterconectadas,tetoscobertosdepalhaeemângulossimilaresaumcomplexodeapartamentosmedievais.

No imdaquela tarde,muitasdaquelas janelas, incluindoaqueLucese encontrava, estavam adornadas com vinhas de hera de um verdeescurooucomramosespessosdeazevinhoque tinhamsidoentrelaçadosemgrinaldas.EramsinaisdaFeiraqueacontecianosarredoresdacidadenaquelanoite.

Odiadosnamorados,pensouLuce.ElasentiaqueLucindaotemia.Após Bill ter desaparecido do lado de fora do castelo, para sua

misteriosa “noite de folga”, tudo tinha acontecido rapidamente: ela vagousozinha pela cidade até que uma garota alguns anosmais velha que elaapareceu do nada para apanhar e levar Luce por um lance úmido deescadasatéestacasapequenadedoiscômodos.

— Afaste-se da janela, irmã — uma voz aguda disse-lhe, do outroladodocômodo.—EstádeixandoqueoventofortedeSãoValentimentre!

A garota era Helen, a irmã mais velha de Lucinda, e a casaenfumaçada e con inante de dois cômodos era onde ela e sua famíliamoravam. As paredes cinzentas do aposento estavam vazias e a únicamobília era um banco de madeira, um suporte de mesa e a pilha decolchõesdepalhaondeafamíliadormia.Ochãoestavapolvilhadodepalhabrutae salpicadode lavanda, emuma tentativamiserávelde removerdoarocheirorepugnantedosebodasvelasusadasparailuminação.

—Emumsegundo—retornouLuce.Ajanelapequeninaeraoúnicolugarondeelanãosesentiaclaustrofóbica.

Àdireitadobecoestavaomercadoquehaviavislumbradoantese,seela se esticasse o bastante, conseguia ver uma fatia do castelo branco depedra.

AquelaamostraminúsculadevisãoassombravaLucinda(Lucesentia

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isso pela alma que partilhavam), porque na noite do dia que Lucindaconheceu Daniel no jardim das rosas, ela tinha voltado para casa e, porcoincidência,ovistoespreitandopensativamentenaarmaçãodatorremaisalta.Desdeentão,elaespiava-osemprequetinhaachance,maselenuncareapareceu.

Outravozsussurrou:—Oqueelatantoencara?Oquepoderiasertãointeressante?— Apenas o bom Senhor sabe— respondeu Helen, suspirando.—

Minhairmãestácarregadadesonhos.Luce virou-se lentamente. Seu corpo nunca tinha parecido tão

estranho. A parte que pertencia a Lucinda medieval estava de inhada eletárgica, esmagada pelo amor que achava ter perdido. A parte quepertencia a Lucinda Price segurava-se irmemente à ideia de que aindapodiahaverumapossibilidade.

Executar até a mais simples das tarefas era uma luta, como, porexemplo, conversar com as três garotas perante si, com expressõesalarmadasdistorcendoseusrostosbonitos.

Amaisalta,nomeio,eraHelen,aúnicairmãdeLucindaea ilhamaisvelha dentre seus cinco irmãos. Ela era recém-casada e, como se pararessaltar isso, seu cabelo loiroespessoestavadivididoemduas trançasepresoemumchignonmatronal.

Ao lado de Helen estava Laura, a vizinha jovem delas e que Lucepercebeu ser a garota que as duas mulheres fofocaram sobre, quandopenduravam roupa. Apesar de Laura só ter doze anos, tinha uma belezaaliciante:loiradeolhosazuisgrandesecomumarisadaaltaeatrevidaquepodiaserouvidadooutroladodacidade.

Lucecontrolouumarisada,tentandoconciliaroresguardodamãedeLaura com o que Lucinda conhecia da experiência da própria garota:juntar suaspalmas comospajensno retiro frescoda lorestado lorde.OqueLucevislumbravadaslembrançasqueLucindatinhadeLauraafazialembrar-sedeArriane.Laura,comoaanjo,erafácildeamar.

EporúltimohaviaEleanor,aamigamaisvelhaepróximadeLucinda.Elas tinhamcrescido juntas usando as roupasumada outra, como irmãs.Bicavam-se como irmãs também. Eleanor tinha um jeito brusco,frequentementecortandoemdoisospensamentossonhadoresdeLucindacomumaobservaçãoa iada.Mas tinhaahabilidadede trazerLucindadevolta à realidade, e amava-aprofundamente.Nãoera, Lucepercebeu, tãodiferentedesuarelaçãonopresentecomShelby.

—Então?—perguntouEleanor.

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— Então o quê? — disse Lucinda, assustada. — Não me encaremtodasdeumavez!

— Só te perguntamos três vezes quemáscara você vai usar hoje ànoite. — Eleanor abanou três máscaras com cores fortes no rosto deLucinda.—Eupeço,acabecomosuspense!

Erammáscarassimplesdecouro,feitasparacobrirapenasosolhoseonarizeamarraratrásdacabeçacomuma ita inadeseda.Todasastrêsestavam cobertas com o mesmo tecido áspero, mas cada uma tinha umdesenho diferente pintado: uma era vermelha com amores-perfeitospequenos e pretos, uma verde comdelicados botões brancos de lores, eumaeramarfimcomrosasdeumcor-de-rosaclaropróximasaosolhos.

— Ela as encara como se não tivesse visto estasmesmasmáscarasemcadaumdeseuscincoanosdebailes!—murmurouEleanoraHelen.

—Ela temo domde ver coisas velhas de umanova perspectiva—disseHelen.

Luce estremeceu, apesar de o cômodo estar mais quente do quetinhaestadonamaiorpartedosmesesdeinverno.Emtrocadosovosqueoscidadãoshaviamoferecidoaolordecomopresente,eletinharetribuídocom um maço pequeno de lenha de cedro para cada família. Assim, alareira estava quente e viva, emprestando um rubor saudável àsbochechasdasgarotas.

Daniel foraocavaleiroencarregadodecoletarosovosedistribuiralenha. Ele tinha marchado pela porta com vigor, para então recuar,abalado, quando viu Lucinda no lado de dentro. Foi a última vez que aLucindada eramedieval tinha visto-o, e apósmesesdemomentos juntosescondidosna loresta, o eupassadodeLuce tinha certezadequenuncaveriaDanielnovamente.

Masporquê?Luceseperguntavaagora.LucesentiuavergonhadeLucindapelasacomodaçõessimplóriasde

sua família, mas isso não parecia correto. Daniel não ligaria por Lucindaser ilha de um camponês. Ele sabia que ela era sempremuitomais queisso.Tinhaquehaveralgomais.AlgumacoisaqueLucindanãoconseguiaver claramente devido à sua tristeza. Mas Luce podia ajudá-la, achandoDaniel, conquistando-o novamente, no mínimo pelo tempo que ela aindatinhadevida.

— Gosto da de mar im em você, Lucinda — estimulou Laura,tentandoserprestativa.

MasLucenãoconseguiaseimportarcommáscaras.— Oh, qualquer uma delas está ótima. Talvez a de mar im para

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combinar commeu vestido.—Ela puxou frouxamente o tecidodrapeadodeseuvestidogastodelã.

Asgarotasderamgargalhada.— Não vai usareste vestido comum de feira, vai? — espantou-se

Laura.—Ora,estamostodasnosarrumandocomnossosmelhorestrajes!—Eladesmoronoudramaticamentenobancodemadeirapertodalareira.—Oh,eununcairiaquerermeapaixonarvestindoatúnicapavorosaqueusoàsterças!

Uma lembrança avançou pela mente de Luce: Lucinda havia sedisfarçadodedamacomumdeseusvestidoschiqueseentradoescondidano jardim de rosas do castelo. Foi onde conheceu Daniel nesta vida. Erapor isso que o romance deles parecia desleal desde o começo. DanielachavaqueLucindafossetudomenosafilhadeumcamponês.

Era por isso que a perspectiva de trajar aquele vestido chiquevermelho de novo e ingir estar feliz no festival era uma possibilidadeestonteanteparaLucinda.

Mas Luce conhecia Danielmelhor que Lucinda. Se tivesse a chancedepassarodiadosnamoradoscomela,eleaproveitaria.

Obviamentenãopodiaexplicarestaconfusãointernaparaàsgarotas.Tudo que podia fazer era virar-se para longe e enxugar suas lágrimassutilmentecomaparteinternadopulso.

—Acaradelaédequeoamor jáaachouea tratouduramente—murmuroubaixinhoHelen.

—Éoqueeudigo:seoamorédurocomvocê,sejadurocomoamor!—disseEleanordeseujeitomandão.—Pisoteieatristezacomsapatosdedança!

—Oh,Eleanor—Luceouviu-sedizendo.—Vocênãoentenderia.—Evocêentende?—riuEleanor.—Você,agarotaquenemmesmo

colocaseunomenaUrnadoCupido?—Oh,Lucinda!—Lauraverteuasmãosemformadeconchasobrea

boca.—Porquenão?DariatudoparaminhamãemedeixarcolocarmeunomenaUrnadoCupido!

—E foipor issoqueeu tiveque jogaronomedelanaurnaporela!—gritouEleanor,segurandoacaudadovestidodeLuceepuxando-apelocômodoemumcírculo.

Após uma perseguição que fez com que o banco e o sebo da velatombassemcontraopeitorildocaixilho,LuceagarrouamãodeEleanor.

—Vocênãofezisso!—Oh,umpoucodediversãofarábemavocê!Queroquedancehoje

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à noite, embriagada e vigorosa como o restante dosmascarados. Vamos,ajude-me a escolher uma viseira. Que cor faz meu nariz parecer menor,rosaouverde?Talvezeuconsigaenganarumhomemefazercomquemeame!

AsbochechasdeLuceardiam.AUrnadoCupido!Comoaquilo tinhaalgoavercomodiadosnamoradoscomDaniel?

Antes que pudesse falar, a roupa de festa de Lucinda surgiu, umvestido de lã vermelha alcançando o chão, adornado com um colarinhoestreitofeitodepeledelontra.Tinhaumcortecavadonopeito,maisbaixodoquequalquercoisaqueLuceusarianaGeórgia;seBillestivessealiparavê-la,provavelmenteurrariaum“Obaoba”emseuouvido.

LucepermaneceuquietaenquantoosdedosdeHelentrançavamumcale de bagas de azevinho em seu cabelo preto solto. Ela pensava emDaniel, omodo como seus olhos tinham se iluminado no jardim de rosasquandotinhaseaproximadodeLucinda...

Umabatidaassustoutodaselas;naentradaapareceuorostodeumamulher.Lucereconheceu-adeimediatocomosendoamãedeLucinda.

Sempensar,correuparaocalorsegurodosbraçosdesuamãe.Eles fecharam-se ao redor de seus ombros, de modo apertado e

afetuoso.Era aprimeira vidaqueLucevisitavaonde sentiauma conexãofortecomsuamãe.Issoadeixoujubilosaecomsaudadedecasadeumasóvez.

Em casa, Thunderbolt, Geórgia, Luce tentava ser madura eautossu icienteomáximopossível.Lucindafaziaomesmo,percebeuLuce.Masemtemposcomoestes,quandoumadornocoraçãodeixavaomundointeiro desanimado, nada era melhor que o conforto do abraço de umamãe.

—Minhas ilhas, tão lindas e crescidas, vocêsme fazem sentirmaisvelhadoquesou!—AmãedelasriuenquantocorriaosdedospelocabelodeLuce.Tinhaolhosavelãbondososeumatestasuaveeexpressiva.

— Ah, mãe— disse Luce com a bochecha contra o ombro de suamãe.PensavaemDoreenPriceetentavanãochorar.

—Mãe,conte-nosnovamentecomoconheceuopapainaFeiradeSãoValentim—disseHelen.

—Estahistória velhadenovonão!—Resmungou suamãe,mas asgarotasconseguiamverahistóriajáseformandoemseusolhos.

—Sim!Sim!—todasasgarotasecoaram.—Ora,eueramaisjovemqueLucindaquandovireimãe—suavoz

graciosa iniciou.—Minhaprópriamãe fez comque euusasse amáscara

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queelatinhausadoanosantes.Deu-meesteconselhoquandoeusaiapelaporta: “Sorria, criança, os homens gostam de donzelas felizes. Busquenoitesfelizesparaterdiasfelizes...”

Enquanto sua mãe aprofundava-se em seu conto de amor, Lucepercebeu seus olhos rastejando-se de volta na direção da armação dajanela, imaginando os torreões do castelo, Daniel olhando por eles.Procurando-a?

Após sua história ter acabado, sua mãe retirou algo do bolsoamarrado em sua cintura e entregou-o para Luce com uma piscadelatravessa.

—Paravocê—sussurrouela.Eraumapequenaembalagemdepanoamarradacombarbante.Luce

foi até a janela e abriu-a cuidadosamente. Seus dedos tremiam enquantosoltavaobarbante.

Dentro estava uma toalhinha em forma de coração rendada e dotamanho de seu punho. Alguém tinha inscrito estas palavras com o queparecia,paraLuce,umacanetaBicazul:

Rosassãovermelhas,Violetassãoazuis,Oaçúcarédoce,Assimcomooquedetifluis.Procurareivocêestanoite—Comamor,DanielLucequaseexplodiuemumagargalhada. IstoeraalgoqueoDaniel

que ela conhecia nunca escreveria. Claramente outra pessoa estava portrásdisso.Bill?

MasparaapartedeLucequeeraLucinda,aspalavraseramrabiscosdocaos.Elanãosabia ler,Lucepercebeu.E,mesmoassim,umavezqueosigni icado do poema foi processado por Luce, ela conseguiu sentir umentendimentosercaptadoporLucinda.Seueupassadoachouqueesteeraopoemamaispuroecativantequejávira.

ElairiaaofestivaleachariaDaniel.MostrariaàLucindacomooamordelespodiaserpoderoso.

Hoje à noite haveria dança. Hoje à noite haveria mágica no ar. E(mesmo que fosse a única vez que isso acontecesse na longa história deDanieleLucinda)hojeànoitehaveriaaquelaalegriaúnicadepassarodiadosnamoradoscomapessoaqueamava.

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-E

TRÊS

DELEITENADESORDEMleanor!—gritouLuce sobreumamultidão condensadadepessoasdançando enquanto sua amiga saltava pela ila impetuosa de jiga.

MasEleanornãoaouviu.Eradi ícildizer seavozdeLuceeraabafadapelosurrosdedeleite

de uma multidão em um show de fantoches em um dos palcos móveismontados na parte oeste da área de dança para a massa barulhenta efaminta que formava uma ila nas mesas compridas de comida do ladolestedogramado,ousetalvezfosseculpaapenasdomardedançarinosnomeio do lugar, que pulavam, giravam e rodavam com uma impulsividadeincautaeromântica.

Parecia que os dançarinos na Feira de São Valentim não apenasdançavam,comotambémgritavam,riametrovejavamversosnamúsicadotrovador e berravam para amigos do outro lado da área de dançalamacenta.Faziamtudoissoaomesmotempo.Eomaisaltopossível.

Eleanor estava fora do alcance de sua voz, girando enquantodesviava de passos de dança até chegar ao gramado cercado por umcarvalho. Luce não teve escolha a não ser voltar para seu parceiroatrapalhadoefazerumareverência.

Era um homem mais velho, comprido e estreito, com bochechasamareladas e lábios inapropriados, cujos ombros encurvados faziamparecerqueelequeriaesconder-seatrásdesuamáscaradelincepequenademais.

E,mesmoassim,Lucindanãoseimportava.Nãoconseguiaselembrardetersedivertidotantodançando.Estavambailandodesdequeosoltinhabeijadoohorizonte; agoraasestrelasbrilhavamcomoarmadurasnocéu.Haviasempretantasestrelasnoscéusdeantigamente.Anoiteestavafria,mas o rosto de Luce estava corado e sua testa úmida de suor. Quando amúsicaaproximou-sedeseu im,elaagradeceuseuparceiroe in iltrou-seentreumafiladedançarinos,afoitaparaafastar-se.

Porque apesarda alegria dedançar sob as estrelas, Lucenão tinhaseesquecidodaverdadeirarazãopelaqualestavaaqui.

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Ela olhou pelo gramado e icou preocupada de que mesmo queDaniel estivesse por aqui, ela podia nunca achá-lo. Quatro trovadoresvestidos comumamanta de retalhos reuniam-se emumpalco bambo nolocalmaisaonortedogramado,dedilhandoalaúdeselirasetocandoumacanção tão doce quanto uma balada dos Beatles. Em um baile de escola,estascançõeslentaseramasquedeixavamasmeninassolteiras,incluindoLuce, um tanto inquietas;mas aqui, osmovimentos eramconstruídosnascançõeseninguémnunca icavasemparceiro.Vocêsimplesmentepuxavao corpo quente mais próximo, por melhor ou pior que fosse, e dançava.Umajigasaltitandoaqui,umadançaemcírculoemgruposdeoitoali.Lucesentia que Lucinda conhecia alguns dos passos inatamente; o resto erafácildeaprender.

SeaomenosDanielestivesseaqui...Luce retirou-se até um canto distante do gramado para descansar.

Elaestudouosvestidosdasmulheres.Paraospadrõesmodernos,elesnãoeram chiques, mas as mulheres os vestiam com tanto orgulho que elespareciam tão elegantes quanto qualquer vestido ino que vira emVersalhes. Muitos eram feitos de lã; alguns tinham realces de linho oualgodãocosturadosnocolarinhoounabarra.Amaiorpartedaspessoasnacidade só possuía um par de sapatos, então havia uma abundância debotasgastasdecouro,masLucerapidamentepercebeuqueeramaisfácildançarcomelasdoquecomossapatosdesaltoaltoqueapertavamseuspés.

Oshomensconseguiamparecerasseadosemseusmelhorescalções.Amaioria usavauma túnica compridade lã por cima, para se esquentar.Capuzes tinhamsido jogadosporcimadeseusombros;o climaestanoiteestava acimade um frio de congelar, chegando quase a sermoderado. Amaiorpartedesuasmáscarasdecouroerapintadaimitandoosrostosdeanimais da loresta, complementando o desenho loral das máscaras dasdamas.Algunshomensusavamluvasquepareciamcaras.MasquasetodasasmãosqueLucetocouestanoiteestavamfriaserachadasevermelhas.

Gatos os encaravam das estradas sujas ao redor do gramado. Cãesprocuravamseusdonosentreoalvoroçodecorpos.Oarcheiravaapinhoesuorevelasdeceradeabelhaeaoalmíscardepãodegengibrerecémassado.

Quando amúsica seguinte estava terminando, Luce avistouEleanor,quepareceufelizdeserarrancadadosbraçosdeumgarotocujamáscaravermelhaestavapintadaigualaorostodeumaraposa.

—OndeestáLaura?

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Eleanorapontounadireçãodeumbosque,ondeaamigajovemdelasinclinava-se para perto de um garoto que não conheciam, sussurrandoalgo.Elelhemostravaumlivro,gesticulando-onoar.Pareciaqueeletinhapassado um bom tempo arrumando o cabelo, e usava umamáscara feitaparalembrarorostodeumcoelho.

As garotas riram juntas enquanto passavam pela multidão em seucaminho.LáestavaHelen, sentadacomseumaridoemumacobertade lãpousada sobre a grama. Eles dividiam um copo de madeira de cidraferventee riamcom facilidadedealgumacoisa,oque fezLucemaisumavezsentirsaudadedeDaniel.

Havia casais por toda parte. Atémesmo os pais de Lucinda tinhamaparecido na Feira. A barba branca e hirsuta de seu pai arranhou abochechadesuamãeenquantoelesresvalavampelogramado.

Lucesuspiroueentãotocouatoalhinharendadanobolso.Rosas são vermelhas, violetas são azuis, se Daniel não escreveu estas

palavras,entãoquemfoi?DaúltimavezquesupostamenterecebeuumbilhetedeDaniel,tinha

sidoumaarmadilhadosPárias...ECamtinhasalvado-a.Calorsubiuporsuanuca.Eraumaarmadilha?Billtinhaditoqueera

apenasumafestadediadosnamorados.Elejátinhaseesforçadotantoemajudá-laemsuabusca,entãonãoadeixariasozinhaassimsehouvesseumperigoreal.Certo?

Luce mandou o pensamento para longe. Bill tinha dito que Danielestariaaqui,eLuceacreditavanele.Masaesperaestavamatando-a.

ElaseguiuEleanornadireçãodeumamesacomprida,ondepratosetigelas de um estilo comum à la festa americana tinham sido dispostos.Havia fatias de pato servidas com repolho, lebres inteiras assadas emespetos, caldeirões de couve- lor miniatura com um espesso molho delaranja, bandejas altas de maças, peras e groselhas secas colhidas dalorestaemvoltaeumamesalongaecompridademadeiracheiadetortasdeformadaseparcialmentequeimadasdecarneefrutas.

Ela observou um homem soltar uma faca plana de uma correiapendurada em sua cintura e cortar umpedaço generosode torta para simesmo.Quandoestavade saídaestanoite, amãedeLuce tinha lhedadoumacolherrasademadeiraeenroscadoemumacordadelãaoredordesua cintura. Essas pessoas estavam preparadas para comer, consertar elutardomodocomoLuceestavapreparadaparaoamor.

EleanorreapareceuaoladodeLuceesegurouumatigelademingau

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sobseunariz.— Com geleia de groselha em cima — disse Eleanor. — O seu

favorito.Quando Lucemergulhou sua colher namistura espessa, um aroma

apetitoso lutuounoareadeixoucomáguanaboca.Estavaquenteefortee delicioso, exatamente o que ela precisava para renová-la para outradança.Antesquepercebesse,tinhacomidotudo.

Eleanorespiouatigelavazia,surpresa.—Dançoutantoquetevefome,foi?Luce assentiu, sentindo-se quente e satisfeita. Então notou dois

clérigoscomtúnicasmarronssentadoslongedamultidãoemumbancodemadeiraabaixodeumolmo.Nenhumdelestomavapartenasfestividades(defato,pareciammaisestaremacompanhandodoquefestejando),masomais jovemmoviaseuspésdeacordocomoritmo,enquantoooutro,quetinhaumrostoenrugado,encaravasombriamenteamultidão.

— O Senhor vê e ouve esta boemia libertina sendo perpetrada tãopertodeSuacasa—desdenhouohomemderostoenrugado.

—Eaindamaispertoqueisso.—Ooutroclérigoriu.—Lembra-se,Mestre Docket, quanto do ouro da igreja foi para o banquete de dia dosnamorados de Vossa Senhoria? Foram vintemoedas de ouro por aqueleveado?Asfestividadesdestaspessoasnãocustammaisqueaenergiaparadançar.Eelesdançamcomoanjos.

Se ao menos Luce pudesse ver seu anjo dançando em sua direçãoagora...

— Anjos que dormirão nas horas de trabalho amanhã, guardeminhaspalavras,MestreHerrick.

—Não conseguever a alegrianesses rostos jovens?—Osolhosdojovem vigário varreram o gramado, encontraram os de Luce num cantodistante,ebrilharam.

Elaseviusorrindodevoltaportrásdesuamáscara,massuaalegriaestanoiteaumentariaamplamentesepudesseestarnosbraçosdeDaniel.Deoutromodo,qualoobjetivodeteressanoiteromânticadefolga?

Parecia que Luce e o vigário de rosto enrugado eram as únicaspessoas quenão estavam apreciando o baile de máscaras. E geralmenteLuceamavaumaboafesta,masagoratudoquequeriafazereraarrancarasmáscarasdosrostosdecadagarotoquesedeslocava.Eseelajátivessedeixado-o passar despercebido na multidão? Como saberia se o Danieldestaeraestariaprocurando-a?

Ela encarou tão escancaradamente um garoto alto e loiro cuja

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máscarafazia-oparecerumaáguiaqueelepulouabarracadofazedordebrinquedoseoshowdefantocheseapareceunasuafrente.

— Devo me apresentar ou você prefere simplesmente icarencarando?—Suavozprovocantenãoparecianemfamiliarnemestranha.

Poruminstante,Luceprendeuarespiração.Imaginouoêxtasequeseriaasmãosdeleaoredordesuacintura...o

jeito como ele sempre inclinava-a para trás antes de beijá-la... Ela queriatocaro localondesuasasas loresciamde seusombros, a cicatriz secretaqueninguémexcetoelaconhecia...

Quando levantou a mão para erguer sua máscara, o garoto sorriuperversamenteparasuaousadia,masseusorrisodesapareceutãorápidoquantoodeLucequandoelaviuseurosto.

Ele era perfeitamente lindo; havia apenas um problema: Não eraDaniel.Entãocadaaspectodestegaroto,seunarizreto,seumaxilarforteeseus olhos de um cinza puro, empalideceram em comparação ao garotoqueelatinhaemmente.Elasoltouumsuspirolongoetriste.

O garoto não conseguiu esconder sua vergonha. Tentou achar aspalavrascertas,entãodevolveuamáscaraaoseurosto,deixandoLucesesentindoterrível.

— Sinto muito — disse ela, rapidamente recuando. — Confundi-ocomoutrapessoa.

Felizmente, ela recuou e encontrou Laura, cujo rosto, diferente deLucinda,estavaanimadocomamagiadanoite.

— Oh, espero que façam logo o sorteio da Urna do Cupido! —sussurrou Laura, remexendo os calcanhares e arrastando bondosamenteLuceparalongedogaroto-águia.

— Conseguiu colocar escondido o seu nome, a inal de contas? —perguntouLuce,achandoumsorriso.

Laurabalançouacabeça.—Mamãememassacraria.—Não vai demorarmuitomais—Eleanor apareceu do lado delas.

Parecianervosa.Elaeracon ianteemtudo,excetogarotos.—Sortearãonopróximo badalar dos sinos da igreja, para dar aos novos namoradinhosumachancededançar.Talvezatédesebeijar,setiveremsorte.

Opróximobadalardossinosdaigreja.ParaLuce,pareciaqueosinodasoitohoras tinha acabadode tocar,mas tinha certezadequeo tempodeve ter passadomais rápido do que ela percebeu. Já eram quase novehoras?SeutempocomDanielestavaacabando–erápido–e icaraquidepérastreandoobsessivamenteavastidãodemáscarasnãoajudava.Olhos

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violetasnãobrilhavamportrásdenenhumvisor.Ela tinha que agir. Algo lhe dizia que teria mais sorte na pista de

dança.—Vamos dançar novamente?—perguntou às garotas, puxando-as

devoltaatéamultidão.

Os foliões transformaram a grama em lama, de tanto pisarem. O

arranjomusical tinha icadomais intricado,umavalsarápida,easdançashaviammudadotambém.

Luce seguiu os passos leves e rápidos, aprendendo os movimentosbraçais mais complicados enquanto dançava. As palmas grudadas na docavalheiro a sua frente, uma reverência simples e diversos pulinhos emumarodaamplaao redorde seuparceiro, encarandoooutro lado; entãotrocavacomagarotaàsuaesquerda.Depois icavacomaspalmas juntasasdopróximojovem,eonegóciotodoserepetia.

Nametadedamúsica,Luceestavasemfôlegoerindoquandoparounafrentedeseunovoparceiro.Seuspés,derepente,pareceramsoldadosnalama.

Eleeraaltoemagroeusavaumamáscaracompintasdeleopardo.Odesenho era exótico para Lucinda, uma vez que não havia leopardos nalorestaao redordacidade.Eracertamenteamáscaramaiselegantequetinha visto na festa. O homem estendeu suas mãos enluvadas, e quandoLuce deslizou cuidadosamente suas mãos nas dele, o aperto foi irme,quasepossessivo.Atrásdosburacosaoredordosolhosdoleopardo,houveumbrilhomacioquandoírisverde-esmeraldaprenderam-senela.

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-B

QUATRO

ALGUMACONSEQUÊNCIAAINDAPENDENTENASESTRELAS

oanoite,senhorita.Comodançasgraciosamente.Pareceumanjo.

Os lábiosdeLucesesepararampararesponder,massuavozficoupresaemsuagarganta.

PorqueCamtinhaqueinvadiressafesta?—Boanoite,senhor—respondeuLucecomumtirintaremsuavoz.

Detantodançarseurostoestavacoradoesuastrançasfrouxas,eumadasmangas de seu vestido tinha deslizado por seu ombro. Sentia o olhar deCamemsuapelenua.Esticouamãoparaconsertarsuamanga,masamãoenluvadadelecruzoucomasuaafimdepará-la.

—Umadesordemtãodocenoseuvestido.—Eletraçouumdedoporsuaclavículaeelaestremeceu.—Inspiraaimaginaçãomasculina.

Amúsicamudoudetom,umaindicativaparatrocaremdeparceiro.Odedo de Cam se levantou de sua pele, mas o coração de Luce aindamartelavaenquantoiamdançarlongeumdooutro.

Vigiou Cam de canto de olho. Ele a observou. Ela sabia, de algummodo,queestenãoeraoCamdopresenteseguindo-anotempo.EsteeraoCamqueviviaerespiravaestearmedieval.

Eleera,facilmente,odançarinomaiselegantedogramado.Haviaalgoetéreoemseuspassosquenãopassavadespercebidocomasdamas.Pelaatenção que recebia, Luce sabia que ele não era daqui. Tinha vindoespecialmenteparaatenderaFeiradodiadosnamorados.Masporquê?

Entãosejuntaramnovamente.Elaaindadançava?Seucorpopareciaduro e rígido. Até mesmo a música aparentava gaguejar em uma batidaeternamente parada, deixando Luce se preocupando com a possibilidadedelaeCamteremque icarenraizadosnestes lugaresencarandoosolhosumdooutroparasempre.

—Estábem,senhor?—Luce icousurpresaaodizerisso.Mashaviaalgoestranhonaexpressãodele.

Era uma escuridão que nem mesmo a máscara dele conseguia

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esconder. Não era a mesma escuridão de suas maldades, nem do modoaterrorizante como ele tinha aparecido no cemitério da Sword & Cross.Não,aalmadesteCamestavaaleijadapelodesgosto.

Oquepoderiatê-lofeitoficarassim?Seusolhosseestreitaram,comosetivessesentidoseuspensamentos,

ealgomudounoseurosto.— Nunca estive melhor. — Cam inclinou a cabeça. — Estou

preocupadoécomvocê,Lucinda.— Comigo? — Luce tentou não demonstrar como ele a afetava.

Desejou um tipo totalmente diferente de máscara, uma invisível, que oimpediriadepensaralgumaoutravezquesabiacomoelasesentia.

Eleergueusuamáscaraatéatesta.—Estápresaaumatarefaimpossível.Acabarádecoraçãopartidoe

sozinha.Amenosque...—Amenosqueoquê?Elebalançouacabeça.—Hátantaescuridãoemvocê,Lucinda.—Amáscaradeleopardofoi

abaixadanovamente.—Mudedeideia,mudedeideia...Avozdeledissipou-seenquantocomeçavaairembora.Pelaprimeira

vezLucequisqueeleficassemais.—Espere!MasCamtinhadesaparecidonapistadedança.Ele caminhavaemrodas lentas comumanovaparceira. Laura.Cam

murmuroualgonoouvidodagarotainocente,eela jogousuacabeçaparatrás e riu. Luce espumou. Queria puxar a simples e alegre Laura paralonge da escuridão de Cam. Queria agarrar Cam e forçá-lo a se explicar.Queria ter uma conversa em que ela desse as condições, não intervalosmomentâneos e melodramáticos entre passos de jiga no meio de umfestivalpúbliconaIdadeMédia.

Láestavaeledenovo,vindoemsuadireçãocomoperfeitocontrolede seus passos, como se in luenciasse o ritmodamúsica. Luce não podiatersesentidomaisforadecontrole.Bemquandoeleestavaprestesa icarperante ela novamente, um homem loiro alto e vestido completa ehabilidosamenteempretooempurrouparaolado.Eleparounasuafrenteenãofezdecontaquequeriadançar.

—Olá.Elainspirouprofundamente.—Olá.Alto,forteemaismisteriosodoqueseriapossível.Elaoreconheceria

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em qualquer lugar. Estendeu suamão para ele, desesperada para sentiralgumaconexão,sentiracorrentedocedotoquedapeledeseuverdadeiroamor...

Daniel.Logo quando a música estava prestes a ditar que mudassem de

parceiros,ela icoumaislenta,quasecomomágica,emetamorfoseou-seemalgocompassadoelindo.

Chamas das velas posicionadas ao redor da Feira tremeluziramcontraocéunegro,eomundointeiropareceusegurararespiração.LuceencarouosolhosdeDaniel,etodososmovimentosecoresaoredordelesdesapareceram.

Elaoencontrou.Os braços dele foram ao seu encontro, rodeando sua cintura

enquanto o corpo dela derretia no dele, zunindo com a excitação de seutoque. Então ela se aconchegou nos braços de Daniel e não havia nadamaismaravilhoso nomundo todo quanto dançar com seu anjo. Seus pésbeijaramochãocomalevezadeseuspassos,eafugaeratãoóbviaeinatano corpo de Daniel. Ela também sentiu a vivacidade em seu própriocoração,algoquesósentiaquandoDanielestavaperto.

Nãohavianadatãomaravilhoso...exceto,talvez,seubeijo.Seus lábios se separaramemantecipação,masDaniel simplesmente

observou-a,sorvendo-acomseusolhos.—Acheiquenuncaapareceria—disseela.Luce relembrou ter escapado pelos Anunciadores em seu quintal,

perseguindosuasvidasantigaseassistindo-asqueimar,asbrigasqueelaeDaniel tinham tido sobre mantê-la segura e viva. Às vezes era fácilesquecercomoeles icavambemjuntos.Queeleeraamávelegentil,comoficarcomeleafaziasentircomoseestivessevoando.

Apenasdeolharparaeleospelinhosemseubraçoseeriçavameseuestômagodavacambalhotascomumaenergianervosa.Eissonãoeranadacomparadoaoqueosbeijosfaziamcomela.

Ele ergueu suamáscara e segurou Luce tão irme contra si que elanãoconseguiusemover.Enãoquis.Elaexaminoucadatraçoadoráveldeseurosto,seusolhosprolongando-seaindamaisnacurvasuavedoslábiosdele. Depois de toda essa expectativa, ela simplesmente não conseguiaacreditar.Erarealmenteele!

—Eu sempre voltarei para você.—Os olhos dele prenderam-a emumtranse.—Nadapodemeimpedir.

Luce icou na ponta dos pés, desesperada para beijá-lo,masDaniel

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pressionouumdedoemseuslábiosesorriu.—Venhacomigo—sussurrou,pegandosuamão.Daniel levou-a para além do gramado, passando pelo círculo de

carvalhosquerodeavaos foliões.Agramaalta fezcócegasnos tornozelosdelaealuziluminouocaminhodelesatéentraremnaescuridãogeladadaloresta.Lá,Danielpegouumlampiãopequenoeaceso,comosefossetudopartedeseuplano.

—Ondeestamos indo?—elaperguntou,apesardenãose importarcomissocontantoqueficassemjuntos.

Daniel apenas balançou a cabeça e sorriu, esticando a mão paraajudá-laapularsobreumgalhocaídoquebloqueavaocaminho.

À medida que andavam, a música foi desaparecendo até icarimpossível de ser discernida, misturando-se com os pios graves dascorujas,o farfalhardosesquilosnosgalhosdasárvoreseamúsicasuavedos rouxinóis. O lampião resvalou no braço de Daniel e a luz vacilou,alcançando a teia de ramos sem folhas que se voltavam na direção dosdois.AntesLuceteria icadonervosacomassombrasna loresta,masissopareciatersidohámilênios.

Enquanto andavam de mãos dadas, os pés de Luce e Danielpercorriam um caminho estreito de seixo. A noite icou mais fria e elaaproximou-se dele para se esquentar, enterrando-se profundamente nosbraçosqueaembalavam.

Quando chegaram a uma bifurcação no caminho, Daniel parou porum momento, quase como se estivesse perdido. Então se virou paraencará-la.

—Eudeveria explicar—disse.—Devo-te umpresente dedia dosnamorados.

Lucedeurisada.—Nãomedevenada.Sóqueroficarcomvocê.—Ah,masrecebiseupresente...—Meupresente?—Elaolhouparacima,surpresa.—Etocou-meprofundamente.—Eleestendeuamãoepegouadela.

— Devo pedir desculpas se alguma vez a iz duvidar do meu afeto. Atéontemeunãoachavaqueseriacapazdeencontrá-laaquihojeànoite.

Um corvo grasnou, plainando no alto e pousando em um galhoinstávelacimadeles.

—Mas então ummensageiro chegou e deu instruções diretas paraque os cavaleiros emmeu comando atendessem a Feira. Temo ter quaseexauridomeucavalonapressadegaloparparaachá-laaquihojeanoite.É

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queestivetãoafoitoemretribui-laporaquelepresentetãoconsiderado.—MasDaniel,eunão...— Obrigado, Lucinda.— Então ele apresentou um estojo de couro

quepareciaportarumaadaga.Luce tentounãoparecer tãodesnorteada,masnuncatinhavistoissonasuavida.

—Oh.—Elariubaixinhoe tocoua toalhinhaemseubolso.—Vocêtemasensaçãodequealguémnosobserva?

Elesorriuedisse:—Otempotodo.— Talvez sejam os nossos anjos da guarda— murmurou Luce de

brincadeira.—Talvez—disseDaniel.—Masfelizmente,agora,achoqueestamos

sozinhos.Ele a guiou pelo caminho à esquerda; deram mais alguns passos,

então viraram à direita e passarampor um carvalho.Na escuridão, Lucepodia sentir uma clareira pequena e circular onde um carvalhomassivodeviatersidocortado.Seutroncodescansavanocentrodaclareira,ealgotinha sido posto em cima dele, mas Luce ainda não conseguia ver o queera.

—Fecheosolhos—eletinhalhedito,equandoelafechou,elasentiuolampiãoafastando-se.Elaouviu-omexendoemfolhasnaclareirae icoumuito perto de dar uma espiada, mas conseguiu se segurar, querendoexperimentarasurpresadamaneiraqueDanieltinhaplanejado.

Apósuminstante,umcheirofamiliarpreencheuonarizdeLuce.Elafechou os olhos e inalou profundamente. Algo suave, loral... eabsolutamenteevidente.

Peônias.Ainda parada com os olhos fechados, Luce conseguiu ver seu

dormitório sombrio na Sword & Cross icando bonito com o vaso depeôniasemsua janelaqueDaniel tinha lhe trazidodohospital.Conseguiaver a beira do precipício no Tibet, para onde tinha atravessado etestemunhado Daniel distribuir lores para seu eu passado em um jogoque acabou cedo demais. Quase conseguia sentir o cheiro do gazebo emHelston,queabundavacomosbotõesbrancosesuavesdaspeônias.

—Agoraabraosolhos.Ela conseguia ouvir o sorriso na voz de Daniel, e quando abriu os

olhoseoviuparadoperanteo troncocobertocomumbuquêmassivodepeôniasemumvasoaltoelargodecobre,elacobriusuabocaearfou.Masnão era só isso. Daniel tinha enroscado peônias nos galhos estreitos.

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Transformadoas in iltraçõesde todosos troncosdeárvoresao redoremvasos. Polvilhado o chão com as pétalas delicadas e imaculadas daspeônias. Trançado uma grinalda para o cabelo dela. Acendido dúzias develas em pequenos lampiões suspensos a sua volta, para que a clareirainteiraincandescessecomumbrilhomágico.QuandoavançouparapousaragrinaldanacabeçadeLuce,ela(eseueumedieval)quasesederreteu.

ALucindamedievalnãoreconheciaavastadisposiçãode lores;nãofazia ideia de como isso era possível em fevereiro, e ainda assim amavacadacentímetrodesuasurpresa.MasLucindaPricesabiaqueaspeôniasde um branco puro eram mais do que apenas um presente de dia dosnamorados.EramosímbolodoamoreternodeDanielGrigori.

A luz das velas tremeluziu no rosto dele. Ele sorria, mas parecianervoso, como se não soubesse se ela tinha ou não gostado de seupresente.

—Oh,Daniel.—Elacorreuparaseusbraços.—Sãolindas.Eleagirouemumcírculoeendireitouagrinaldaemsuacabeça.— São chamadas peônias. Não são lores tradicionais do dia dos

namorados — disse ele, mexendo sua cabeça pensativamente — masmesmoassim,são...umtipodetradição.

Luceamavaterentendidoexatamenteoqueelequisdizer.— Talvez pudéssemos fazer delas a nossa tradição do dia dos

namorados—sugeriu.—Sim,anossaprópriatradiçãodediadosnamorados—meditou.—

Peôniase...bem,temquehaveralgomais.Nãotem?— Peônias e... — Luce torturou seu cérebro. Ela não precisava de

mais nada. Não precisava de nada além de Daniel... e, bem... — Que talpeôniaseumbeijo?

—Éumaideiamuito,muitoboa.Entãoeleabeijou,seuslábiosmergulhandonadireçãodosdelacom

umdesejoinsuperável.O beijo pareceu selvagem e novo e exploratório, como se nunca

houvessemsebeijadoantes.Daniel icouperdidonobeijo, osdedos entrelaçadosno cabelodela,

sua respiração quente no pescoço dela enquanto seus lábios exploravamseus lóbuloseclavículaeodecotebaixodeseuvestido.Nenhumdosdoistinhaarsuficiente,masserecusavamaparardesebeijar.

Uma comichão de calor rastejou-se pelo pescoço de Luce e suapulsaçãocomeçouaacelerar.

Estavaacontecendo?

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Ela ia morrer de amor bem aqui, no meio dessa loresta radiandobranco. Luce não queria deixarDaniel, não queria ser jogada ao céu, emoutroburaconegrocomapenasBilldecompanhia.

Droga de maldição. Por que estava presa a ela? Por que nãoconseguiaselivrardela?

Lágrimas de frustração brotaram em seus olhos. Ela afastou-se doslábios de Daniel, pressionando a testa na dele e respirando arduamente,esperandopelofogoquequeimariasuaalmaetomariaavidadestecorpo.

Sóque,quandoparoudebeijarDaniel,ocalorfoiembora,comoumapanelasendotiradadofogo.Elavoouatéoslábiosdelenovamente.

Ocalorfloresceunelacomoumarosanoverão.Mas algo estava diferente. Esta não era a chama extremamente

consumidora que havia liquidado-a, que a exilara de seus corposanteriores e transformava teatros inteiros em fumaça. Este era o êxtasequenteedeslumbrantedebeijaralguémquevocêverdadeiramenteama,alguémcomquemestivessedestinadoaficarparasempre.Eporora.

Danielobservou-anervosamente,sentindoquealgoimportantetinhaacontecidodentrodela.

—Háalgumproblema?Haviatantoasedizer...Mil perguntas correram à ponta de sua língua, mas então uma voz

grosseiraabalousuaimaginação.Oúnicodiadosnamoradosquevocêsjápassaramjuntos.Como era possível? Tanto amor tinha passado entre eles, e mesmo

assim eles nunca tinham passado ou iriam passar novamente o diaromânticomaisconhecidodoanonosbraçosumdooutro.

Ainda assim, aqui estavam eles, presos em um momento entre opassadoeofuturo,agridoceeprecioso,confusoeestranhoeincrivelmentevivo.Lucenãoqueriaestragarisso.TalvezBill,oclérigojovemebondosoesuaqueridaamigaLauraestivessemtodoscertos,cadaumdeseujeito.

Talvezfossedoceobastanteapenasestarapaixonada.—Nãohánadadeerrado.Sómebeije,emebeijedenovoedenovo.Daniel levantou-a do chão e segurou-a carinhosamente nos braços.

Seus lábios eramcomomel. Ela entrelaçou seusbraços ao redordanucadele. As mãos dele traçaram a parte inferior das costas dela. Luce malconseguiarespirar.Estavadominadapeloamor.

Àdistância,sinosdeigrejabadalaram.AextraçãodaUrnadoCupidoseria feita agora, mãos de garotos selecionando ao acaso suasnamoradinhas, bochechas femininas icando vermelhas por antecipação,

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todostorcendoporumbeijo.Lucefechouosolhosedesejouquetodososcasaisnogramado—quetodososcasaisnomundo—pudessempartilhardeumbeijotãodocequantoeste.

—Felizdiadosnamorados,Lucinda.—Felizdiadosnamorados,Daniel.Quevenhammuitos,muitosmais.Elelhelançouumolharcalorosoeesperançosoeassentiu.—Euprometo.

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EPÍLOGO

OSGUARDIÕESevoltaaogramado,quatrotrovadoresterminaramaúltimacançãoesaíramdopalcoparadar lugarà apresentaçãodaUrnadoCupido.Enquanto os moços e moças solteiros e risonhos se apertavam

animadamentecontraaplataforma,ostrovadoresfugirampelalateral.Umaum,levantaramsuasmáscaras.Shelbyjogouseugravadornochão.Milestocoumaisumavezacorda

desualiraeRolandharmonizouseustrastosdealaúde.Arrianedeslizouooboé para sua caixa estreita de madeira e foi se servir de uma canecagrandedeponche.Maselarecuouenquantojogava-odevoltaeapertouamão na bandagem ensanguentada em torno do novo machucado nopescoço.

— Você tocoumuito bem ali, Miles— disse Roland.— Já deve tertocadoliraantes,nãoé?

— Primeira vez — disse Miles indiferentemente, apesar declaramente ter icado contente com o elogio. Ele espiou Shelby e apertousuamão.—ProvavelmentesóestavabomporcausadoacompanhamentodaShel.

Shelbycomeçouarevirarosolhos,massó foiatéametadeantesdedesistireinclinar-separadar,suavemente,umselinhonoslábiosdeMiles.

—É,provavelmente.— Roland? — perguntou repentinamente Arriane, girando para

examinar o gramado. — O que aconteceu com Daniel e Lucinda? Agorapouco eles estavam bem aqui. Oh— ela bateu em sua testa— nada dácertoparaoamor?

—Nósacabamosdevê-losdançando—disseMiles.—Tenhocertezadequeestãobem.Elesestãojuntos.

— Disse expressamente ao Daniel, ‘Gire Lucinda no centro dogramado, onde podemos vê-los’. É como se ele ainda não soubesse comoissoétrabalhoso!

—Achoqueeletinhaoutrosplanos—disseRolandpesadoramente.—Oamoràsvezestem.

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—Gente,relaxa.—AvozdeShelbyacalmouosoutros,comoseseunovo amor tivesse reforçado sua fé no mundo.— Eu vi o Daniel levá-lapara a loresta, naquela direção. Parem!— gritou ela, puxando a túnicapretadeArriane.—Nãosigameles!Nãoachamque,depoisdetudo,elesmerecemumtempoasós?

—Asós?—perguntouArriane,soltandoumsuspiropesado.—Asós.—Rolandfoiatéo ladodeArriane,passandoumbraçoao

redordela,comcuidadoparaevitarseupescoçoferido.—Sim—disseMiles,seusdedosentrelaçadosnosdeShelby.—Eles

merecemumtempoasós.E naquele momento sob as estrelas um acordo foi feito entre os

quatro. Às vezes o amor precisava de uma ajudinha de anjos da guardapara sairdo chão.Mas,umavez tendodadoosprimeiros indíciosdequeestavaparavoar,tinhamquecon iarqueelecontrolariasuasasasevoariaalémdasalturasmaisaltasjáconcebidas,atéocéu...ealém.

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Acha que acabou? Não! A Lauren liberou um conto SOB APERSPECTIVA DO DANIEL passado pouco tempo depois deste livro.Aproveitem:)

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OPRESENTEDEDANIELaniel acordou em uma cama de peônias secas. A luz das estrelasin iltrava-se pela cobertura de carvalhos acima. Seu corpo estavaduroegelado,enroscadoaoredordotroncobaixodeumaárvoreao

invésdocorpoquentedesuaamada.Quanto tempo teria dormido? As pétalas abaixo de si estavam

amassadasemarrons.Elesentiuocheirodatênuedecomposiçãodelas.Aspontasdeseusdedosainda tinhamamarcapretadascinzasquehaviamsidoosossosdeLucindaantesdocorpodelaqueimaremchamas.Talvezele tivesse dormido aqui por uma semana, sonhando com o nada,desaparecidodessemundo...mas não tinha sido o bastante.O sofrimentode Daniel era tão agudo que parecia extraordinariamente grande, maisvastoqueaexpansãodesuasasas,comosesuaalmacarregasseopesodevinte homens, e cada umdeles tivesse perdido seu precioso amor. A dordesesperadoraapertava-senaausênciadolugarondedeveriaestaroseucoração.

Nos três meses depois de seu primeiro dia dos namorados comLucinda, Daniel tinha trazido-a para este local na loresta da Inglaterramedievalpelomenosvintevezes.Cadavez,duranteacaminhadadelesdogramadodovilarejoatéoretiroagradáveldobosque,Danielfaziacomqueessas peônias do dia dos namorados lorescessem novamente, para quequando Lucinda pisasse na clareira as lores estivessem tão vibrantes eadoráveisefloridasquantoLucinda.

Eleolhou-asagora,morrendoou jámortas,e rasgouumaporçãodepétalasúmidaseamassadas.Nãosentianenhumpoderdentrodesiparareviver esses botões delicados. Daniel alternava-se entre duas almasdiferentes: umaonde Lucinda estava viva e outra onde ela estavamorta.Precisavadoafetodela,dagloriosapresençadela,praseramelhorversãodesimesmo.Precisavaqueelaacrescentassedoçuraelevezaaomundo.

Daniel cambaleou quando tentou icar de pé. Suas asas estavamdurasporcausadatensãoedaperda.Elequeriaesticaresoltá-lasquandosaísseda loresta,masacadapasso icavasurpresoemdescobrirqueseucorpoapenaspareciamaispesado,maisdeprimido.

Elequeria se conectar a lembrançadela, queria vasculhar cada rua

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ondeelajátivessepassadoeprocurarportraçosdesuaamada;eraoquesemprequeriadepoisqueelamorria.Nuncaeraumaboaideia.Dessavez,inexplicavelmente, ele se permitiu. Tropeçando, voltou para as muralhasda vila onde ela morara. Cruzando a estrada poeirenta, entrando nomercadovazioàmeia-noite,virandoabaixonaruaestreitaondea famíliade Lucinda morava... tudo isso doía mais do que estava preparado paraaguentar.

A três portas da casa da família dela, Daniel viu a luz dentro dasoleiraegritoudedor.Elesejogoucontraaparedealtadepedradeumaresidênciavizinha.O luto tomoucontade si e seusolhosqueimaramcomaslágrimasardentes.

Porfim,percebeuporquê.Adorque sentiapor terperdidoLucindaera intensi icadapelador

que a família dela sentia. Eles a amavam por quem ela era de verdade,amavam-nademaneirasimilaraqueDanielaamava.AgorasofriamcomoDaniel, o que despertou um novo sofrimento nele, sabendo que a tinhaseparadodaspessoasboasqueseimportavamcomela.

Silenciosamente, arrastou-se pelo céu noturno e aterrissou notelhadoplanodacasaondeafamíliadeLucindadormia.Deitou-senotijolocomprimido com lama e esparramou suas asas abaixo de si, tentandosentiradordelesradiandopelotelhado.

Era a horamais escura damanhã e a vila estava adormecida. MasDaniel ouvia... ou sentia... uma mulher soluçando logo abaixo de si.Rastreouosom,rastejandopelotelhadoedepoisdeslizandopelalateraldaparedeatéestarjustamentedoladodeforadoquartopequenoondesabiadormirairmãmaisvelhadeLucinda,Helen,eseumarido.

Eram recém-casados, de sono fácil. Em seus sonhos, sem dúvidasobreLucinda,Helenchorava.Arriscandoespiardentrodoquarto,Danieldistinguiu o contorno dos braços do marido ao redor dela, beijando suatestaenrugada,oferecendoconfortomesmosonhando.

Estavamapaixonados.Danielviacomodiversascoisasnoamorentreeste homem e mulher eram diferentes do amor que partilhava comLucinda. O amor que testemunhara hoje era irme e possível e inito,enquantoseuamoredeLucindaeratempestuosoetranscendentee, felizou infelizmente, eterno. Era atordoante que esses dois tipos de conexão,essasduasmaneirasdeexpressardevoçãopudessemteromesmonome:Amor.

E,mesmoassim,Danielreconheciaumacoisanaformadosbraçosdohomem ao redor de sua esposa: ele faria qualquer coisa, qualquer coisa

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mesmo,paradiminuiradordesuaamada.Obeijosonolentodelesse tornoumais intensoeDanielobservou-os

comumafascinaçãodesavergonhada.Desejavapoderfazeralgo.Daniel havia arrastado muitas almas para fora de seus corpos

durante seus milhares de anos na terra. Tinha despachado suas almaspara encontrarempaz e luz na pós-vida insondável, o equivalentemortalaoParaísoaoqualosanjostinhamacesso.

MasDanielnuncahaviaconduzidoumavidanovaparaestemundo.Estava alémde seuspoderes, era umpresenteque apenas oTrono

podiadar.Apenas o Trono podia remover todos os obstáculos dos corpos

mortais e almas para que, em nove meses, eles pudessem trazer umacriançaforteefelizaomundo.

Talvez istoestivessereservadoaestesdoisapaixonados;Danielnãosabia dizer. Mesmo se tivessem um ilho próprio, ele nunca substituiriaLucinda. Sua alma particular traria alegria à outra família em um lugarlongínquo, e Daniel teria que eventualmente esperar para achá-lo. Eletalveztivessequeesperardécadas,masestavaacostumadoaisso.Porora,qualquer presente que Daniel desse a esta família empalideceria emcomparação ao que haviam perdido. Seu cérebro procurou por algo,tentando agarrar alguma coisa que o ajudaria a ajudá-los. Na lorestadistante que delimitava a cidade, sua visão a iada parou em um par decabras pastando à luz do luar. Substituições absolutamente pobres paraLucinda,masmesmoassim...

Para esta família, o leite das cabras era tão raro a ponto de serexcepcional.

Qualquer sustento ou rendimento que estes animais pudessemprovidenciartrariaalgumapazaeles.Elesmereciamissoemuitomais.

Em um instante, Daniel voou até o limiar da loresta, resgatou ascabraseconduziu-aspelocéuatéasoleiradaportadafamíliadeLucinda,ondeasamarroucomumacorda.

Sem bilhete. Eles não conseguiam ler e nem entenderiam suaexplicação.Ogestosimplesteriaquebastar.

EspiandoajaneladairmãdeLucinda,Danielcurvou-se,tendo icadomaishumildeapósarealidadedomundomortal.Entãoestirousuasasasefoi ao céu, onde icaria até que sua amada estivesse assentada em umanovavidaqueotrarianovamenteaterra.

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FIM