#4.5 anjos na escuridão - lauren kate

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Oferecendo uma visão adicional ao mundo de Fallen, Anjos na escuridão conta sete histórias inéditas. Acompanhe Ariane num arroubo consumista, Daniel vagando pelas ruas de Los Angeles, Miles flertando com a escuridão, uma cena desagradável em Shoreline e até mesmo o incêndio que leva Luce para o internato.Cada uma dessas aventuras ilumina um pouco mais o que se passou durante os séculos em que Daniel e Luce tentaram vencer a maldição. Mergulhe nos bastidores do romance mais comentado do planeta.

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UM

OQUEACONTECEUCOMTREVOR

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Lucediminuiuavelocidadedamotoatéparardiantedacasaàbeiradolago.

Estavaapaixonada.Pelamoto.EraumaHondaShadow1986dourada,linda.

Suacolegadeclassemaluca,RachelAllison,comseucabelo tingidoderuivoe francês impecável, aindamoravanamesmacasaondecrescera, apoucosquilômetrosanortedaescolaondeelasestudavam,aDoverPrep.Por isso, sempre que os pais de Rachel viajavam, amaioria da turma—bem, pelo menos a turma dos descolados — aparecia por lá para ainevitávelfesta.

EraaprimeiravezqueLuceiria.Quando Luce terminou seu turno na Pisani’s Bike andBody Shop, ela

recebeutrêstorpedosdeCallie:umdandoasinstruçõesdecomochegaràfesta.OutrodizendoquepegaraemprestadososchinelospretosdeLuce.Eum terceiro comuma fotodeCalliebebericandoummai tai emumadaslanchasdeRachel.

Noentanto,foiorecadonacaixademensagensdevoz—não,avozaofundonorecadodeixadoporCallie—queconvenceuLuceairàfesta.

EraTrevorBeckmandizendo:DigaaLucepravircorrendopracá.Eleera,delonge,ocaramaisdescoladodaturma.Eomaisfofotambém.

Trevoreraocapitãodotimedebasquete,oreidobaileeparceirodeLucenaauladebiologia.TambémeraumcasinhodeRachel.

Porém,todavia,noentanto...elequeriaqueLucefossecorrendoparalá.Claro, Luce tinha uma quedinha por Trevor. E quemnão teria? Forte,

alto,semprerisonho,comcabeloseolhoscastanho-escuros...Tudonaquele

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caraerafeitoparaotornaratraente.Maserao tipodequedaqueLuce jamaispensaraem levaradiantede

fato.Elanãocorriaatrásdegarotos.Nuncatinhafeito isso.ApesardeseralgoquedeixavaCallieloucadavida,LucenãotinhaomenorproblemaemadmirarTrevoreseusmúsculosdelonge.Issoerabemmaisfácildoqueiràquelafesta.

Eladesligouamotoesaltouantesquealguémavisseeseperguntasseondediaboselahaviaarranjadoagranaparaterumveículodaqueles.

A verdade é que Lucenão tinha essa grana. Ela havia pegado amotoemprestadaporumanoitena lojademotosondevinha trabalhando,pormeioperíodo,nosúltimosseismeses,paraconseguirbancarsuasdespesas“secundárias”naDover. Seusgastos comalojamentoealimentaçãoeram,constrangedoramente,cobertospelaúnicabolsaqueaescolaoferecia.

Paramanteraquelabolsa,Lucecursaraasdisciplinasmaisseletivasdaescoladurante trêsanosseguidoseobtiveramédiaAemtodas. Issosemfalar nos três anos de sessões de terapia semanais em Shady Pines, umsegredoqueescondiadetodosnaescola.

ElaprovavelmentetambémteriapassadoaquelestrêsanossemcolocaropéemnenhumadasfamosasfestasdeRachel,senãofossepelofilhodoSr.Pisani.Joeeraalgunsanosmaisvelhoqueela,esexydeumjeitomeiosombrio.ElesempretiveraumaatitudeprotetoraparacomLuce,desdeoprimeirodiaemqueelacomeçaraa trabalharna loja.Tambémsabiaqueelababavapelamotoqueelemesmofizerarenascerapartirdeummontede ferro-velho. Pouco antes de Luce ir embora, depois de seu turno, elecolocouachavenapalmadamãodela.

—Oqueéisso?—Ouvifalarquehojeànoitevairolarumafesta.—Elesorriu.—Você

precisachegaraolagodealgumjeito,nãoé?Noinício,Lucebalançouacabeçaemrecusa.Dejeitonenhum.Maspor

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outrolado...Dentrodetrêsdiaselaviajariaparapassaroverãocomospaisemcasa,

em Thunderbolt, na Georgia, onde tudo seria tranquilo, fácil eaconchegante.Echato.

Trêsmesesinteirosdepurachatice.—Divirta-se.—JoedeuumapiscadelaparaLuce.Entãoelamontounamotoesefoi.Asensaçãodepilotarumamoto,do

ventobatendono rosto, da velocidade, da emoçãode tudo aquilo, era aomesmotempofamiliarediferentedequalqueroutracoisanomundo.

Lucetinhaasensaçãodeestarvoando.Quandoatravessoua soleiradaportaenfeitadacom tochasde jardim,

Luce avistou Callie parada na beira do lago, rodeada por um monte derapazes.Elaestavausandoumbiquínivermelho,oschinelosdeLuceeumsaronguebrancocompridoamarradonacintura.

—Atéqueenfim!—disseelacomumgritinhoquandoviuLuce.OscachinhosbemdefinidosdeCallieestavammolhadosebalançaram

quando ela riu. Provavelmente ela havia acabado de voltar de ummergulho,coisaqueLucenãoconseguianempensaremfazernaquelelagoescuroefrio.Callieeraotipodepessoaintrépidaquesemprearrumavaumjeitodesedivertir.ElapuxouLuceesussurrou:

—Adivinhesóquemprotagonizouumabrigahoméricaagorahápouco?Trevorvinhanadireçãodelas,vestidocomsuacamisadebasqueteeum

calçãodebanho,e segurandoumabebida.Atrásdele, apoucosmetros,orostodeRachelestavavermelhoderaiva.

—Chegounahora certa—disse ele, sorrindoparaLuce.Aspalavrassaírammeioenroladas.

— Trevor! — berrou Rachel. Ela parecia louca para segui-lo, mascontinuou parada ali, as mãos na cintura.— Agora chega! Vou dizer aobartenderpranãoservirmaisnadapravocê.

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TrevorparounafrentedeLuce.—Quetaldarumapassadinhanobarcomigo?Callie empurrou as costas de Luce e sumiu em seguida, deixando a

amigasozinhacomTrevorBeckman.Talvezeladevessetertrocadoaquelasuacamisetabrancaengordurada

eoshortdesfiadoantesdeirparaafesta.Lucetirouoelásticoqueprendiaalongatrançaqueusavaparatrabalhar.SentiuosolhosdeTrevoremseuscabelosescuroseondulados,quedesciamatéametadedascostas.

—Umabebidaseriaumaboa.Trevorsorriu,indicandoocaminhoparaobar.Rachel continuava no meio do gramado, rodeada por suas súditas.

QuandoLucepassoucomTrevor,Rachelvirouacabeçaefungou.—Quecheiroéessedepostodegasolina?—Éeaudeclassetrabalhadora—respondeuasúditanúmerodoisde

Rachel.ShawnaCliperatãonojentaquantoRachel,emboranãotãointeligente.— Desculpe — disse Trevor, afastando Luce das outras. — Elas são

umasvacas.Luceficouvermelha.Os insultosdeRachelnãoatinhamatingido,mas

eraconstrangedorqueTrevorpensassequesim.EleencarouLuceporuminstante,entãoaguiouparaqueelapassasseretopelobar.

—Pensandomelhor,opaideRacheltemumarmárioespecialcheiodegoró.

ElesorriuparaLuceefezumgestoparaobosque,emdireçãoaopontoonde a trilha iluminada pelo luar seguia até o lago Winnipesaukee. Astochas iam somente até certo ponto, depois disso era apenas a florestagrandeeescura.

Luce hesitou. A floresta era um dos motivos pelos quais ela evitavaaquele tipode festa. Para todomundo, a escuridãodanoite significavao

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momentodeficarloucodeumjeitobom.ParaLuce,eraquandoassombrasapareciam.Umtiporuimdeloucura.Aquela,entretanto,eraaprimeiravezqueficariaasóscomTrevor,sem

que nenhum dos dois estivesse segurando um bisturi nem respirandoformol.Elanãobotariatudoaperdersendoumagarotahistéricaquenãoconseguianemchegarpertodeumafloresta.

—Agenteprecisaatravessarissoaí?—perguntouLuce,engolindoemseco.

Elecorreuopolegarpelabochechadela.Aquiloafezestremecer.—Sóéescuroaté chegarna clareira, evou segurar suamãoo tempo

todo.Era a melhor oferta que alguém poderia fazer, mas Luce jamais

conseguiriaexplicaraTrevorporquemesmoassimaquilonãoerabomobastante, por que ela sentia-se prestes a entrar emumpesadelo do qualtalveznãoconseguissemaisdespertar.Seassombrasestivessemali,elasaencontrariam.Roçariamnelacomo lâminasnegrasdegelo.MasLucenãopodiadizerissoaTrevor.

A escuridão fechou-se ao redor deles enquanto caminhavam. Lucesentiaapresençadecoisassombriasnasárvoresacimadeles,pressentiaoesvoaçarsuavepelosgalhos,masmantinhaosolhosfixosnochão.

Atéquealgumacoisabeliscouseuombro.Algofrioeafiadoqueafezdarumpulodesusto—diretoparaosbraçosdeTrevor.

—Nãohánadaatemer.Estávendo?TrevorcomeçouavirarLuce,maselapuxouamãodele.—Vamoslogoparaochalé.Quando chegaram à clareira, a lua felizmente ressurgiu. Diante deles,

haviaumafileiraorganizadadechalés.Luceolhouparaa floresta,masnãoconseguiu identificardequal lado

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estavaatrilhaquelevavadevoltaàfesta.Teveaimpressãodeterouvidoaquelasombraesquisitaesvoaçarnasárvoresmaisumavez.

—Vamosverquemchegaprimeiro!—disseela.Lucesaiucorrendoemdireçãoaoprimeirochalé,comTrevorlogoatrás,

atéosdoiscaíremexaustosnafrentedaporta.Estavamrindoesemfôlego.O coração de Luce disparava demedo e cansaço— e também com umaexpectativatensapornãoentenderdireitooqueelesestavamfazendoali,longedetodomundo.

Trevorenfiouamãonobolsoesacouumachave.A porta se abriu com um rangido e eles entraram no chalé limpo e

minimalista.Haviaumalareira,umacozinhapequenaeumacamakingsizeposicionada de ummodo bastante evidente. Uma hora atrás, Luce nuncateria acreditado que estaria sozinha em um chalé com o cara por quembabava há três anos. Ela não costumava fazer coisas assim. Nunca tinhafeitonadadessetipo.

Trevor rumou direto para o bar e começou a servir alguma coisamarromdeumagarrafadevidrocobertadegelo.Quandoelelheestendeuocopinhocomlíquidoatéametade,elanemmesmosabiaquenãoeraparabebertudodeumavez.

—Uau!—Eleriuquandoelaseengasgou.—Demorou,masencontreialguémqueprecisadeumdrinquetantoquantodemim.

Se Luce ainda não estivesse meio tonta por causa da ardência nagarganta,talveztivesseridoecorrigidoagramáticadele,observadoqueoque ele realmente queria dizer era “alguém que precisa de um drinquetantoquantoeu”,emvezdaquiloqueeledissera—oquesignificavaqueelaprecisavadeumdrinquetantoquantoprecisava...dele.

Ele apanhou o copo vazio dela e enlaçou sua cintura, depois a trouxeparatãopertinhoqueseucorpopressionouodelacomforça.Elasentiuopeitomusculoso,ocalordapele.

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—Racheleeu,agentenãocombina,entende?AimeuDeus.Eladeviaestarsesentindomalcomaquilo,nãodevia?Ele

iriabeijá-laeelairiaretribuir,eaquilosignificavaqueoprimeirobeijodeLuceseriacomalguémquejátinhanamorada.Certo,umabruxahorrorosade namorada, mas mesmo assim. Luce sabia que Trevor e Rachel nãocombinavam,masderepentesoubetambémqueTrevorestavamentindo.

Porqueelenãosabiadisso.Estavadizendoaquilosóparaficarcomela.Porque provavelmente sabia que ela era louca por ele. Provavelmente aflagrara olhando para ele várias vezes ao longo daqueles anos. Devia tercertezaabsolutadequeelaestavaafimdele.

Elaestavaafimdele,éverdade,masatéentãoaquilotinhasidosóumaespéciedefantasiadistante.Assim,deperto,elanãotinhaamenorideiadoquefazercomele.

Agora o rosto de Trevor pairava sobre o dela. Seus lábios estavampróximos e os olhos pareciam diferentes da foto do anuário à qual Luceestavatãoacostumada.

Derepente,elapercebeuquenãooconheciabem,nemumpouco.Masqueriaconhecer.Nofim,queriasabercomoeraserbeijada,beijada

de verdade, pressionada contra uma parede enquanto era beijadaintensamente,atéficartonta,atéestartãocheiadepaixãoquenãohaveriamaislugarparasombras,florestasescurasouapreocupaçãoconstantedeumdiaacabarsendointernadaemumsanatório.

—Luce?Tátudobem?—Mebeije—sussurrouela.Não parecia certo, mas já era tarde demais. Os lábios de Trevor se

entreabriram e pousaram nos dela. Ela abriu a boca, mas achou difícilretribuir o beijo. Sua língua parecia amarrada. Ela se debatia nos braçosdele como se estivesse em um sonho, tentando não lutar contra aquelebeijo,tentandosimplesmentesesoltaredeixarascoisasacontecerem.

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OsbraçosdeTrevorenvolveramsuacinturaeapuxaramparaacama.Eles se sentaram na beirada, ainda se beijando. Ela estava de olhosfechados,masentãoosabriu.Trevoraestavaencarando.

—Quefoi?—perguntouLuce,nervosa.—Nada.Équevocêésimplesmentetão...linda.Elanãosabiaoqueresponder,porissoriu.Trevorcomeçouabeijá-lanovamente,oslábiosúmidosnabocadeLuce,

depoisnopescoço.Elaaguardoupelafaísca,pelosfogosdeartifíciodequeCallietantofalava.

Mas tudonoatodebeijar eradiferentedoqueela imaginara.ElanãotinhacertezadoquesentiaemrelaçãoaTrevor,emrelaçãoàlínguadelenadela, às mãos bobas. Já ele, entretanto, parecia saber muito mais sobreaquilotudodoqueLuce.Elatentousedeixarlevar.

OuviuumbarulhoesedesvencilhoudeTrevorparaolharaoredor.—Oquefoiisso?— O que foi o quê? — perguntou Trevor, mordiscando o lóbulo da

orelhadela.Luceolhourapidamenteparaasparedescomrevestimentodemadeira,

mas elas não tinham nenhum quadro ou qualquer tipo de enfeite. Elaanalisoualareira,queestavaescuraesilenciosa.Porumsegundo,pensoutervistoalgumacoisaali—umabrasa,umtremularamareloevermelho—,maslogoemseguidaaquilosumiu.

—Temcertezadequeestamosasós?—perguntouela.—Claro.As mãos de Trevor agarraram a barra da blusa dela, tirando-a pela

cabeça. Antes mesmo que Luce pudesse dizer qualquer coisa, já estavasentadasobreoedredomazulsódesutiã.

— Uau — disse Trevor, protegendo os olhos com as mãos como seestivesseolhandodiretamenteparaosol.

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— O que foi? — Luce estremeceu, sentindo-se pálida e meioenvergonhada.

—Équetudoficoutãoclaroderepente—disseele,piscando.—Vocênãotemessaimpressão?

Luce entendia o que ele estava querendo dizer. Era como se algumacoisa entre eles estivesse iluminandooquarto inteiro. Seria essa a faíscaque ela tanto esperava? Ela sentia-se quente e viva, mas também umpouquinhoenvergonhadadoprópriocorpo.Doquantoeleestavaexposto.

Aquilo a deixou incomodada. Quando Trevor se inclinou novamenteparabeijá-la, suasentranhaspareciamestarardendo,comoseela tivessecomido alguma coisa apimentada. Então todo o chalé se aqueceu e ficouclaro demais. Estava ficando difícil respirar, e de repente Luce ficoucompletamentetonta,suavisãoardiacomoseosanguedacabeçaestivesseinjetandoseusolhos.Elanãoconseguiaenxergarmaisnada.

Trevor agarrou a cintura dela com força, mas Luce começou a sedesvencilhar. Ouviu barulhos novamente e teve certeza de que haviaalguémnochalé,masnãoconseguiuverninguém,sóconseguiaouvirumabalbúrdiacrescente,comosemilserrotesestivessemserrandomillâminasdemetal.Tentousemover,maseracomoseestivessegrudada,presapelosbraçosdeTrevor.Eleapertavatantosuacaixatorácicaqueelapensouqueseusossosfossemsequebrar,eaícomeçouasentircomoseapeledeleaestivessequeimando,sefundindoaelaaté...

Atéqueelesumiu.AlguémestavasacudindoosombrosdeLuce.EraShawnaClip.Eestavaberrando.—Oquefoiquevocêfez,Lucinda?Luce piscou e balançou a cabeça. Estava sentada diante do chalé, na

noite enevoada e escura como breu. Sua garganta ardia; a pele pareciageladaeemcarneviva.

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—CadêoTrevor?—elaouviu-semurmurar.O vento chicoteava seus cabelos. Ela levantou a mão para afastar as

mechassoltasdorostoesufocouumgritoquandoumcachointeirodeseucabelo negro e espesso soltou-se completamente do couro cabeludo. Amechaquecaiunapalmaestavachamuscadaequebradiça.Elagritou.

Luce se pôs de pé, cambaleando. Cruzou os braços e olhou ao redor.Ainda a mesma floresta fria e escura, ainda a sensação de ter aquelassombras negras pairando por perto, ainda a fileira bem organizada dechalés...

Oschalésestavampegandofogo.Ochaléondeelapodia jurar terestadocomTrevoragoramesmo—e

tinhaestadoalirealmente?atéquepontoosdoistinhamido?oquetinhaacontecido?—estavaagoratomadopelaschamas.Oschalésàesquerdaeàdireita estavam começando a pegar fogo graças ao incêndio do chalé nomeio.Oarnoturnocheiravaaenxofre.

Aúltimacoisadequeelaselembravaeradobeijo...—Quediabosvocêfezcommeunamorado?Rachel.ElaestavaentreLuceeoschalésemchamas,eumtomvermelho

vivo coloria seu rosto. O olhar dela fez com que Luce se sentisse umaassassina.

Elaabriuaboca,masnãosaiunada.ShawnaapontouparaLuce.—Fuiatrásdela.Acheiqueeufosseencontrarosdoissepegando...—

Ela cobriu o rosto com asmãos e fungou—,mas eles entraram, e aí... Ochalésimplesmenteexplodiu!

OrostoeocorpodeRacheltremeramquandoLucesevirounadireçãodochaléecomeçouagemer.Aquelesomhorrendocresceunoiteafora.

Só então Luce se deu conta, com um aperto terrível no peito, de queTrevorcontinuavaládentro.

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Então,otelhadodochalédesabou,cuspindoumanuvemdefumaça.Àquelaaltura,oschalésaoladojátinhamcomeçadoarealmentepegar

fogo,masLucesentiaumaescuridãopairandoporali,enormeeimplacável.As sombras, antes confinadas à floresta, agora rodopiavam diretamenteacima,tãopróximasqueelapoderiatocá-las.Tãopróximasqueelaquaseconseguiaouviroqueestavamsussurrando.

Parecia ser seunome,Luce, repetidomilhares de vezes, circulando aoseu redor e depois desaparecendo indefinidamente em algum passadonegro.

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DOIS

ODIADEFOLGADEARIANE

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—Cargapesada!Saiamdafrente!Arianeestavaempurrandoumimensocarrinhodecomprasvermelhopelocorredor de utilidades domésticas do bazar beneficente do Exército deSalvação. Seus braços magros seguravam a alça do carrinho pesadoenquantoelaoconduziacomdificuldade.Arianejátinhacolocadoalidoisabajurescomestampadebolinhas,umaquantidadedealmofadascafonasequivalente a um sofá, nove lanternas de Halloween cheias de docesvencidos há muito tempo, meia dúzia de vestidos estampados baratos,algumascaixasdesapatocheiasdeadesivosdecarroeumpardepatinsfosforescentes.Portanto,naquelemomentoeradifícilparaAriane,quemaltinhaummetroemeiodealtura,enxergaraondeestavaindo.

— Abra passagem, queridinha, a menos que não precise mais dosdedinhosdosseuspés.Éissoaí,estoufalandocomvocêmesma.Ecomseufilhinho.

—Ariane—disseRoland,comcalma.Ele estava um corredor à frente, examinando uns discos de vinil

empoeiradosquelotavamumacaixadeleite.Seublazerriscadegizestavadesabotoado, mostrando uma camiseta do Pink Floyd por baixo. Seusdreadlocksespessospendiamdelevesobreosolhosnegros.

—Serdiscretaémesmosuaespecialidade,né?— Ei! — Ariane pareceu magoada enquanto tentava manobrar o

carrinhodecomprasnumacurvafechadaparairatéocorredordeRoland.Parou na frente dele e apontou uma unha pintada de esmalte azul

metálicoparaopeitodele.—Eulevomeutrabalhoaquiasério,parceiro.Agentetemmuitooque

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compraremapenasdoisdias.As palavras de Ariane pareceram lembrá-la de alguma coisa,

preenchendo-a com uma alegria repentina. Seus olhos azul-claros seacenderameumsorrisolargoseespalhoupelorosto.ElaagarrouobraçodeRolandcomforçaeosacudiu,fazendoseucoquedesarrumadosesoltareoslongoscabelospretoscaírematéacinturaenquantogritava:

—Doisdias!Doisdias!NossaLucyvaivoltardaquiadoisdias,caramba!Rolanddeuumarisadinha.—Vocêficaumafofaquandoestáempolgada.—EntãoagoraprovavelmentesouaprefeitadeFofópolis!Arianeseencostouemumaestantecheiadeaparelhosdesomantigose

soltouumlevesuspirodesatisfação.—Adoroquandoelavolta.Querodizer,claroquenãodomesmo jeito

que Daniel adora, é óbvio, mas sinto, de verdade, uma fagulha deempolgaçãocomaexpectativadevê-ladenovo.—ElaapoiouacabeçanoombrodeRoland.—Vocêachaqueelavaiestardiferente?

Rolandtinhavoltadoaolharosdiscosdacaixa.Acadatrêsouquatro,eleatiravaumparadentrodocarrinhodeAriane.

—Ela já viveu outra vida inteira, Ari. Claro que deve termudadoumpouquinho.

ArianeatiroudentrodocarrinhoumdiscodoSlyandtheFamilyStonequeestiveraexaminando.

—MaselacontinuasendonossaLucinda,né?...— Esse parece ser o padrão— disse Roland, oferecendo a Ariane o

mesmoolharde“vocêémaluca?”queelarecebiadamaioriadaspessoas(incluindo todomundo naquele bazar beneficente), mas quase nunca deRoland.—Bom,pelomenostemsidoassimnosúltimosmilharesdeanos.Porquevocêestáperguntandoisso?

— Sei lá.— Ariane deu de ombros.— Cruzei com a Srta. Sophia na

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secretariadaSword&Cross.Elaestavaremexendoemtodasaquelascaixascheias de arquivos, resmungando sobre “preparativos”. Como se tudotivessedeestarperfeitooualgoassim.NãoqueroqueLucesedecepcionequandochegar.Talvezelavoltediferente,diferentemesmo,dessavez.Vocêsabecomoeuficoemrelaçãoamudanças.

Elaolhouparaocarrinhodecompras.AsalmofadasespalhafatosasquehaviaatiradoaliparaocasodeLuce,assimcomoaúltimaLucequeelavira,gostar de uma boa guerra de travesseiros, de repente pareceramsimplesmente feiosase infantisparaAriane.Eospatins?Ondeéqueelasiriamandardepatinsnumreformatório?Oqueelaestavapensando?Elahaviaseempolgadoeexagerado.Denovo.

RolandtorceuonarizdeAriane.—Mesmo correndoo riscode soarbanal, eudigo: simplesmente seja

vocêmesma.Lucevaiadorarvocê.Elasempreadora.E,senadamaisdercerto — disse ele, remexendo no butim que Ariane havia atirado nocarrinho–, sempreexiste suaarmasecreta.—Ele levantouumsaquinhoplástico cheio de canudinhos com guarda-chuvinhas de papel. — Vocêdefinitivamenteprecisausaressesaqui.

—Vocêtemrazão.Comosempre.—ArianesorriuedeuumtapinhanacabeçadeRoland.—Euseimesmofazerumahappyhourdearromba.—Ela abraçou a cintura dele enquanto os dois empurravam o carrinhopesadopelocorredor.

Então Roland olhou para a lista de compras que tinha feito em seuBlackBerry.

—Temos amúsicapara a festa.Os enfeites e a decoraçãopara o seuquarto,eafitaadesiva...

—Como você gasta essa quantidade imensa de fita adesiva é umdosmaioresmistériosdouniverso.

—Precisamosdemaisalgumacoisadaquiantesdeirmosparaalojade

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artigosgourmet?Arianetorceuonariz.—Lojadeartigosgourmet?Mas...Lucegostadecomerporcarias.—Estouapenascumprindoordens—disseRoland.—Cammepediu

paracomprarcaviar,meioquilode figosealgumasoutrascoisinhasparaele.

—Caviar?Primeiro,vouvomitar.Segundo,paraqueCamquercaviar?Espereumpouquinhoaí...

Elaparoubemnomeiodocorredor,fazendocomqueoutraclientecomumcarrinhocheiodeenfeitesdeNatalbaratostrombassenatraseiradeles.Arianedeixouamulherpassar,depoisbaixouavoz:

—CamnãovaitentarseduzirLucedenovo,vai?Roland voltou a empurrar o carrinho. Ele era ótimo em ficar calado

quandonecessário,eissosempretiravaArianedosério.—Roland.—Ela enfiouabotapreta embaixoda rodado carrinhode

compras para que ele parasse alimesmo.— Será que preciso lembrar avocêdodesastreque issocausouem1684?Sem falarnacalamidadequeCamprovocouem1515.Eseimuitobemquevocêselembradequandoeletentoudaremcimadelanoanodemilcentoevintee...

—Você tambémsabemuitobemqueeusempreprocuro ficar foradetodaaconfusão.

— Ah, tá — murmurou Ariane. — Só que, de alguma forma, acabaficandosemprebemnomeio.

ElerevirouosolhosetentouafastarAriane.Elanãoarredoupé.—Desculpe,masoCampaqueradoréumpesadelo.Realmenteprefiro

queelerosneeespumepelabocacomoocãodosinfernosqueé.Arianeofegoucomoumcachorrocomraivaporalguns instantes,mas,

quandoaquilonãofezRolandrir,cruzouosbraços.— E por falar em como seu parceiro numero uno é completamente

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horrívelemseuladonegro,quandovocêplanejavoltarparanós,Ro?Rolandnempiscou.—Quandoeuacreditarnacausa.—Certo,MonsieurAnarquia.Entãoissoétipo...nunca?—Não—respondeuele—,issoétipovouesperarpraver.Precisamos

apenasesperarpraver.Elesestavampassandopelaaladejardinagemdobazar,cujosutensílios

incluíamumamangueiraverdeembolada,umapilhadevasinhosdeargilalascados, alguns capachos usados e um soprador de folhas genérico demodeloantigo.Mas foiograndevasodepeôniasbrancasdesedaque feztantoArianequantoRolandpararem.

Ariane suspirou. Não gostava de ficar muito sentimental — já haviaanjosparaisso,comoGabbe–,masesseeraumdosaspectosdarelaçãodeDanieleLucequesempreamoleciaseucoração.

Pelomenosumavezacadavida,DanieldavaaLuceumenormebuquêde flores, que eram sempre, sem exceção, peônias brancas. Devia haveralguma história por trás daquilo: por que peônias, e não tulipas ougladíolas?Porquebrancas,enãocor-de-rosaouvermelhas?Masemboraalgunsdosoutrosanjosespeculassemarespeito,Arianepercebeuqueosdetalhesportrásdaquelatradiçãonãoeramdasuaconta.Elanãoconheciao amor, a não ser pelo que observava emDaniel e Luce,mas gostava doritual. Edomodo comoLuce sempreparecia ficarmais emocionada comessegestodoquecomqualqueroutroqueDanielfizesse.

Ariane e Roland se entreolharam, como se estivessem pensando amesmacoisa.

Masseráqueestavammesmo?PorqueRolandestavacontraindoorosto?—Nãocompreessasfloresparaele,Ari.—Eununcafariaisso—retrucouAriane.—Essasfloressãofalsas.Isso

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arruinaria completamente o propósito do gesto. Precisamos conseguirfloresverdadeiras,belaseimensasfloresverdadeiras,numvasodecristalcomuma fita, e isso somentequando chegar ahora certa.A gentenuncasabesevaiacontecerdepressaounão.Podelevarsemanas,meses,atéeleschegaremaopontoemque...—Elacongelou,olhandoRoland,desconfiada.—Masvocêjásabedetudoisso.Entãoporquemediriaparanãocomprarestasflores?Roland...doquevocêestásabendo?

—Denada.—Orostodelesecontraiumaisumavez.—RolandJebediahSparksTerceiro.—Nada.—Elelevantouasmãosemsúplica.—Conte...—Nãohánadaoquecontar.—Vocêquerqueeutorçasuaasacomforçadenovo?—ameaçouela,

segurandoanucadeRolandetateandocomaoutramãoembuscadesuaomoplata.

—Olhe— disse Roland, desvencilhando-se dela.— Preocupe-se comLucequeeumepreocupocomDaniel.Éassimoprocedimento,semprefoiassime...

—Dane-seoprocedimento—disseArianecomumbeicinho,virandoascostasparaeleparaencararaatendentedocaixa.

Arianepareciamagoadadeverdade, e sehaviaumacoisaqueRolandnão conseguia suportar, era magoá-la. Ele soltou um suspiro longo eprofundo.

— O negócio é o seguinte: eu simplesmente não sei se Daniel estádisposto a executar osmesmos padrões de sempre dessa vez. Talvez elenãoqueiramaisdarpeônias.

— E por que não? — perguntou Ariane, mas quando Roland estavaprestesaresponder,aexpressãodelaficoutriste.Levantouumadasmãosparaqueeleparasse.—Danielestáficandocansado,nãoé?

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Ariane raramente sentia-se uma idiota, mas agora era assim que elaestava se sentindo, ali, no meio do bazar beneficente, com seu carrinhosuperlotadodecoisasbobonasebrincadeiras.Nãoéquetudoaquilofosseumabrincadeiraparaela,mas,paraDaniel,eradiferentedoqueeraparaosoutros.

Arianecomeçaraapensarque todavezqueLuce... sedespediaa cadavida,eracomosesuaamigaestivesseindoparaumacampamentodeverãoenquantoArianeeraobrigadaaficar.Lucevoltaria.Ascoisasseriamchatasatélá,masumdiaelavoltaria.

ParaDaniel,porém...Eleficavadecoraçãopartido.Eseucoraçãoprovavelmentesepartiaum

pouco mais a cada vez. Como ele conseguia suportar aquilo? Talvez,percebeu ela, não conseguisse. E era verdade que nesta vida ele andavadeprimido de um jeito anormal. Teria o castigo de Daniel finalmentechegadoaumpontonoqualnãoapenasseucoraçãoestivessepartido,maseletambém?

Ese tivesse?Omais tristede tudoéquenão teria importância.Todossabiam que Daniel teria de continuar vivendomesmo assim. Teria de seapaixonarporLucemesmoassim.Damesma formaqueosoutros teriamde observar, incitando os dois pombinhos suavemente até seu clímaxinevitável.

Já queDaniel nãopodia fazernada a respeito, porquenãomanter aspartesbonitasecarinhosasdahistóriadeamordosdois?PorquenãodaraspeôniasparaLuce?

— Ele não quer se apaixonar por ela dessa vez — declarou Roland,finalmente.

—Issoéumablasfêmia.—IssoéDaniel—disseramosdoisaomesmotempo.—Bem,eoquenósvamosfazer?—perguntouAriane.

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— Ficar no nosso território. Fornecer os bens materiais de que elesprecisaremquandonecessário.Evocê,forneceroalíviocômico.

Arianeolhoufeioparaele,masRolandbalançouacabeça.—Nãoestoubrincando.—Nãoestábrincandoqueestáfazendopiada?—Nãoestoubrincandoquevocêtemumpapelacumprir.Eleatirouparaelaumasaiade tutu cor-de-rosaqueestavadentrode

umacaixadedescartespertodafiladocaixa.Arianecorreuosdedospelotuleespesso.AindaestavapensandonoquesignificariaparatodoselesseDaniel realmente desistisse de se apaixonar por Luce. Se ele, de algummodo,quebrasseocicloeosdoisnãoficassemjuntos.Aquilo,entretanto,lhe causou uma sensação ruim, como se seu coração estivesse sendoarrastadoatéospés.

Emquestãode segundos,Ariane já estava vestindo a saiade tutuporcimadacalça jeanse fazendoumapiruetanomeiodobazar.Saltitouporduas irmãs com vestidos iguais, compridos e estampados com floresberrantes,bateunumcavaletecomumanúnciodenovasroupasdecama,equasearrancouummostruáriodecastiçaisantesdeRolandagarrá-la.Eleafez rodopiar para que a saia de tutu flutuasse ao redor de sua cinturapequenina.

—Vocêémaluca—disseele.—Evocêadora—respondeuAriane,tonta.—Vocêsabequeadoro.—Elesorriu.—Venha,vamospagarporestas

coisasedaroforadaqui.Temosmuitooquefazerantesdeelachegar.Ariane assentiu. Havia muito o que fazer para que as coisas fossem

comodeveriamser:comLuceeDanielseapaixonando.Comtodosaoredordos dois mantendo a esperança de que um dia, de algum jeito, elaconseguiriasobreviver.

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TRÊS

DANIELEMLOSANGELES

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Quando o sol se pôs na boca do lixo de Los Angeles, uma cidade debarracasseergueu,umaauma,atéoconjuntosetornartãodensoquemalerapossíveldirigirumcarropelarua.Sóummontedebarracasdenáilonesfarrapadas,saídasdiretamentedacaçambadeumcaminhãodaWalmart.Etendasfeitasapenasdeumlençolemcimadeumatábuaapoiadaemumcaixotedeleite.Comfamíliasinteirasenfiadasalidentro.

Os perdidos iam parar ali porque era onde conseguiam dormir semmorrercongelados.Eporquedepoisqueanoiteciaapolíciadeixavaolugarempaz.Daniel foipararaliporqueeramais fácil semisturarnomeiodeoutrassetemilpessoas.

E porque a boca do lixo era o último lugar na face da Terra ondeesperavaencontrarLuce.

Tinhafeitoumapromessadepoisdaúltimavida.Perdê-ladaquelejeito,comouma chama incandescentenomeiodeum lago congelado... ele nãoconseguiasuportar.Nãopodiapermitirqueelaseapaixonasseporelemaisumavez.Elamereciaamaralguémsemterdepagarporissocomavida.Etalvezconseguisse,seDanielficasselonge.

Entãoali,nocentrodacidade,naruamaisperigosadaCidadedosAnjos,Daniel montou sua tenda. Tinha feito o mesmo nos últimos três meses,desde que Luce completara treze anos. Tinha quatro anos inteiros até omomentoemquesupostamenteaencontraria.Eleestavadecididoaessepontoalibertarosdoisdaqueleciclo.

Nãohavianadademaissolitáriooudeprimentenabocadolixodoqueemqualqueroutro larqueDanielhaviacriadoparasiao longodosanos.Poroutrolado,porém,tambémnãohavianadadignodeserromantizado.

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Eletinhaosdiaslivresparavagarpelacidade,eànoitetinhaumabarracaparafechare isolar-sedorestantedomundo.Tinhavizinhosqueficavamnadeles.Tinhaummétodoqueconseguiaadministrar.

Havia muito tempo ele desistira de buscar a felicidade. Enganar osoutros jamais tiveraqualquerapeloparaele,pelomenosnãocomo tinhapara os outros anjos caídos.Não, o impedimento— impedir que Luce seapaixonassepor ele, impedirqueela sequeroconhecesse naquelavida–,esseeraseuúltimoeúnicoobjetivo.

Eleraramentevoavanosúltimostempos,esentiasaudadesdisso.Suasasas queriam liberdade. Seus ombros coçavam praticamente o tempointeiro,eapeledesuascostaspareciaestarsempreprestesaexplodircomtamanhapressão.Libertarsuasasas,contudo,pareciaindiscretodemais—mesmoquefosseànoite,noescuro,sozinho.Haviasemprealguémdeolhonele,eDanielnãoqueriaqueAriane,RolandoumesmoGabbesoubessemondeestavaescondido.Nãoqueriaabsolutamentenenhumacompanhia.

Entretanto, de tempos em tempos, ele precisava prestar contas a ummembro da Balança. Eles eram uma espécie de oficiais da liberdadecondicionaldosanjoscaídos.No início,aBalança tinhamais importância.Haviamaisanjosporaíparaseremcontabilizados,maisanjosparaseremincentivados a retornar à sua verdadeira natureza. Agora que havia tãopoucos com o status “em aberto”, a Balança gostava de vigiar Danielespecificamente.Todososencontrosqueeletiveracomseusmembrosaolongodosanosnãoresultaramemnada,anãoseremumaenormeperdade tempo. Até amaldição ser quebrada, as coisas tendiam a permanecerassim: no limbo. Contudo, Daniel já estava nesse mundo há temposuficienteparasaberque,senãofosseprocurá-los,elesviriamatrásdele.

NocomeçoeleachouqueaquelagarotanovafossedaBalança.Acaboudescobrindoqueelaeraalgocompletamentediferente.

—Oi.

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Umavozemfrenteàsuabarraca.Danielabriuozípereenfiouacabeçapara fora.Océudocrepúsculoestavarosadoeenevoado.Maisumanoitequentenabocadolixo.

Agarotaestavaalidiantedele.Usavaumacamisetabrancagastaeumshortdesfiado.Seucabeloloiroestavapresoemumcoqueespessonoaltodacabeça.

—SouShelby—disseela.Danielolhouparaela.—Edaí?—Edaíquevocêéoúnicocaradaminha idadenesse lugar.Ou,pelo

menos, o único cara daminha idade que não está ali na esquina usandocrack.—ElaapontouparaumapartedaruaqueseguiaatéumbecoescuroondeDanieljamaisseaventuravaair.—Entãopenseiemmeapresentar.

Danielaolhoucomdesconfiança.SeelafossedaBalança,jádeveriaterdito. Eles caminhavam pela Terra com roupas normais, mas sempre seanunciavamparaosanjoscaídos.Eraumadasregras.

—Daniel—disseele,porfim,massemdeixarsuabarraca.—Comovocêésimpático—murmurouela,baixinho.Parecia irritada, mas não foi embora. Simplesmente continuou ali

paradaolhandoparaele,transferindoopesodeumapernaparaaoutraepuxandoabarradesfiadadeseushort.

— Veja bem, hã, Daniel, talvez isso pareça estranho, mas tenho umacaronaparaumafestahoje lánoValley.Queriasabersevocêtáa fimde,hã...—Eladeudeombros.—Seilá,podeserbacana.

Tudo naquela garota parecia ligeiramentemais interessante do que onormal.Orostoquadrado,atestaalta,osolhoscastanho-esverdeados.Suavoz se elevava acima da balbúrdia da boca do lixo. Ela parecia durona obastante para sobreviver nas ruas, mas por outro lado também sedestacavademais.QuasetantoquantoopróprioDaniel.

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Eleficousurpresoaodescobrirque,quantomaisolhavaparaela,maismotivostinhaparaolhar.Elapareciatãoincrivelmentefamiliar...Eledeveterpercebidoissonaspoucasvezesemqueaviraandandoporali.Massóentãodescobriu comquemShelby separecia.Dequemelaeraa imagemcuspidaeescarrada.

Haz.Antes da Queda, ele tinha sido um dos confidentesmais próximos de

Daniel. Um de seus pouquíssimos amigos verdadeiros. Precoce e comtemperamento forte, Semihazah era também sincero e ferozmente leal.Quando a guerra estourou e muitos anjos deixaram o Céu, Daniel ficoutotalmente ocupado comLuce.De todos os anjos,Haz fora o quemelhorcompreendeuasituaçãodeDaniel.

Eletinhaumafraquezasemelhanteemrelaçãoaoamor.O belíssimo e hedonistaHaz era capaz de enfeitiçar qualquer umque

encontrasse pela frente, principalmente o sexo oposto. Por algum tempodepoisdaQueda,DanielteveaimpressãodequetodavezqueencontravaSemihazaheleestavacomumagarotamortaldiferenteembaixodasasas.

Excetodaúltimavezqueosdois seviram.Tinha sidoháalgunsanos.DanielcontavaotemposegundoosmomentosnavidadeLuce,portantoselembrava de que a visita de Haz fora no verão, antes de ela começar oginásio. Daniel estava passando um tempo em Quintana Roo quandoSemihazahapareceuàsuaporta,sozinho.

Eraumassuntoprofissional.Haztinhaumdistintivoparaprovar.Umacicatriz da Balança. A insígnia dourada da cicatriz de sete pontas. Eleshaviamconseguidovencê-lo.TinhamperseguidoHazdurantealgumtempoe,explicou,eleacabousecansando.EDaniel,nuncasecansava?,quissaber.

Danielficoutristeaoverseuamigotão...reformado.Tudonelepareciamenor.Dotamanhoconvencional.Ofogodentrodeletinhaseapagado.

O encontro foi sem graça e tenso. Eles conversaram como dois

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estranhos.Daniel se lembravadecomo ficara irritadoporHazsequer terperguntadosobreLuce.Nahoradeirembora,Hazsaiuxingando,eDanielsoubequeelenãovoltariamais.Quepediriaparasertiradodaquelecaso.Quepediriaalguémmaisfácil.

Danielhaviaaceitadoofatodequetalvezjamaisvoltasseaveroamigo.E foi justamente por isso que ficou tão desconcertado ao perceber quemeraaquelagarota.

DepéàsuafrentenabocadolixoestavaumadascriasdeSemihazah.Umafilha.

Suamãedeviasermortal.ShelbyeraumaNefilim.Eleficoudepéparaobservá-lamelhor.Elaficoutensa,masnãorecuou

quandoele examinou seu rostodeperto.Tinhauns catorzeanos.Bonita,masdifícil.Comoseupai.Seráqueelaaomenossabiaquem—ouoquê—era?SeurostocorouenquantoDanielaobservava.

—Hã...tátudobem?—perguntouela.—Ondeéessafesta?

Eles passaram uma hora presos no trânsito num furgão lotado deestranhos.Mesmoque soubesseoquedizer,Danielnão teria conseguidoconversar com Shelby. Fale um pouco do pai que abandonou você nãoparecia ser um bom jeito de começar uma conversa. Quando finalmentevenceram as colinas e entraram no vale amplo, a casa diante da qualpararamestavaescura.Nãopareciaterfestanenhumaali.

Daniel ficou desconfiado. Ele andara procurando sinais de que aquelareunião teriamais doque apenasmortais.De que era uma armação.UmsinaldequeShelbyestavaemumdoscírculosdosNefilimdosquaiselejátinha ouvido Roland falar. Daniel jamais prestara muita atenção nissoantes.

Aportadafrenteestavadestrancada,entãoDanielacompanhouShelby,

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queseguiuorestantedaspessoasqueestavamnofurgão,eentrou.Aquiloali não era nenhuma reunião celestial. Não, as pessoas daquela festapareciamsemvida.

Estavamdesmaiadas,seagarrando,paquerando,espalhadaspelosofáeemmontinhospelochão.Aúnicaluznoambientevinhadeumageladeiraquandoalguémaabriaparapegarumacerveja.Oaralieramalventilado,quente,ealgumacoisanumcantocheiravaapodre.

Danielnãosabiaporquetinhavindo,oqueestavafazendoali,eissoofez sentir saudades de Luce. Ele poderia voar dali direto até ela! Osmomentos quepassavam juntos eramos únicos, em toda a existência deDaniel,quefaziamsentido.

Atéeladesapareceremumclarãoetudoomaisescurecer.Ele estava se esquecendo de sua promessa. De que, dessa vez, ficaria

longedela.Dequeadeixariaviver.Naquela sala escura e repulsiva, Daniel avaliou a vida sem Luce e

estremeceu.Sehouvesseumasaída,eleateriaescolhido.Masnãohavia.—Quedrogaissoaqui.—Shelbyestavaaoladodele,gritandoporcima

damúsicaaltaedissonante,masmesmoassimDanielsóconseguialerseuslábios.

Ela fezumgestocomacabeçaemdireçãoàporta.Danielassentiueaseguiu.

Ojardimerapequenoerodeadoporumacerca,comgramaqueimadaetrechosdeterraarenosa.ElessentaramnumpequenobancodecimentoeShelbyabriuumacerveja.

— Desculpe ter arrastado você pra essa festa de merda— disse ela,dandoumgolenacervejaedepoispassandoalataquenteparaDaniel.

—Vocêsaicomessagentecomfrequência?—Primeiraeúltimavez—respondeuela.—Eueminhamãe...agente

semudapracaramba,porissonãosaiocomninguémpormuitotempo.

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—Ótimo—disseDaniel.—Querodizer,achoqueessenãoéotipodegente comquemvocêdeveriapassar seu tempo.Quantos anosvocê tem,catorze?

Shelbyfezummuxoxo.— Hã, valeu pelo conselho que não pedi, papai, mas sei me cuidar.

Tenhoanosdeprática.Daniel pousou a lata de cerveja e olhou para o céu. Um dos motivos

pelos quais gostava de LosAngeles era que você nunca conseguia ver asestrelas.Estanoite,entretanto,elesentiafaltadelas.

—Eseuspais?—perguntouele,porfim.— Minha mãe tem boas intenções, o problema é que ela trabalha o

tempo inteiro.Oupelomenoso tempo inteiroemquenãoestáentreumempregoeoutro.Elatemumtalentoespecialparaserdemitida.Porissoagentenãoparadesemudardecidadeeelanãoparadeprometerqueumdiaascoisasvãoficar“estáveis”paranós.Tiveunsproblemas,sabe,prameacostumar.Éumalongahistória...

Shelbydeixouafrasenoar,comoseachassequejátinhafaladodemais.Omodocomoevitavaencará-lofezcomqueDanielsedessecontadeque,sim,elasabiaumpouquinhosobresualinhagem.

— Mas mamãe acha que encontrou a solução — prosseguiu Shelby,balançandoacabeça.—Escolheuumaescolaextravaganteetudoomais.Quantaesperança.

—Eseupai?—Sumiunomundoantesdeeunascer.Carabacana,né?—Elecostumavaser—disseDaniel,baixinho.—Oquê?Então, Daniel não soube explicar omotivo, segurou amão de Shelby.

Nemsequeraconhecia,massentiuumimpulsodeprotegê-la.ElaerafilhadeHaz,oqueatornava,estranhamente,quaseumasobrinhaparaele.Ela

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pareceusurpresaquandoosdedosdeleapertaramosdela,masnãoafastouamão.

Daniel queria tirá-la dali. Aquilo não era lugar para uma garota comoShelby.Mas,aomesmotempo,elesabiaqueoproblemanãoerasóaquelafesta,nemaquelacidade:eraavidadeShelbyinteira.Elaestavatotalmenteferrada.PorcausadeHaz.

Assim como as vidas de Luce tinham sido destruídas por causa deDaniel.

Eleengoliuemsecoe reprimiuumnovo impulsodeprocurarLuce.Olugar dele não era ali naquele jardim cercado. Naquela noite quente,naquelafestaidiota,semnenhumaperspectivapelorestantedaeternidade.

Agora Shelby apertava sua mão. Quando os olhos de ambos seencontraram, os dela pareciamdiferentes.Maiores.Mais doces. Pareciamque...

Oh-oh.Eleseafastoueselevantoudepressa.Shelbytinhaachadoqueeleestavadandoemcimadela.—Aondevocêvai?—perguntouela.—Eu...eufizalgumacoisaerrada?—Não.—Elesuspirou.—Euéquefiz.Ele queria esclarecer as coisas, mas não sabia como. Seus olhos se

fixaramnaportadetela,ondeumasombraescuraoscilouligeiramentenoventoabafadoequente.

UmAnunciador.Emgeral,Danielosignorava.Nosúltimosanoseleshaviamcomeçadoa

procurá-locadavezmenos.Talvezaqueleali...talvezeletivessealgoavercomShelby.TalvezDanielpudessemostraraela,emvezde tropeçarnaspalavras.

Ele assentiu para o Anunciador e deixou que este deslizasse até suapalma. Um instante depois, ele o transformou em um plano achatado e

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negro.Viu a imagem que estava começando a ficar nítida. Luce. E soube no

mesmoinstantequetinhacometidoumgrandeerro.Asasasqueimavameseucoraçãodoíacomoseestivessesedespedaçandodentrodopeito.Elenão sabia onde nem em qual época ele a estava vendo, mas não tinhaimportância. Era a única coisa que podia fazer em vez de mergulhar alidentroparairatrásdela.Umaúnicalágrimaroloupeloseurosto.

—Masque...?—OtomchocadodeShelbyquebrouaconcentraçãodeDaniel.

Porém,antesqueelepudesseresponderalgumacoisa,umasirenesoounarua.Luzesintermitentesiluminaramasparedesdacasa,depoisasfolhasde grama do jardim. O Anunciador se partiu nasmãos de Daniel. Shelbyficoudepé,aostropeços.EstavaolhandoparaDanielcomosealgotivesseacabadodefazersentidoemsuacabeça,maselanãotinhaaspalavrasparaexpressaroqueentendera.

Então a porta de tela se abriu de repente e um punhado de gente dafestasaiucorrendo.

— A polícia! — sibilou um deles para Shelby antes de todos saíremcorrendopelogramado,emdireçãoàcerca.

Elesajudaramunsaosoutrosapularacerquinhaesumiram.Um instante depois, dois policiais correram para cercar a casa e

pararamnafrentedeDanieleShelby.—Certo,meninos,vocêsvêmcomagente.Danielrevirouosolhos.Nãoeraaprimeiravezqueeraameaçadopela

polícia.Paraele, lidarcomapolíciasempresignificavaalgosituadoentreumprobleminha irritante e uma grandepiada. Shelby, entretanto, não iaaceitaraquilocomtantafacilidade.

—Ah,é?—gritouela.—Combaseemquê?— Em invadir uma residência condenada pela prefeitura. Em usar

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substâncias ilegais. Consumir bebida alcoólica sendo menor de idade.Perturbarapaz.EalguémroubouumcarrinhodesupermercadodaRalphs.Escolhasuaopção,querida.

***

Na delegacia, Daniel acenou para os dois policiais que conhecia e serviuduasxícarasdeáguaquenteemarromdacafeteira,umaparaeleeoutraparaShelby.Agarotapareciatensa,masDanielsabiaqueelesnãotinhammuito comque se preocupar. Ele estavaprestes a desabar na cadeira nocantoondeooficialanotavaseusdados,confiscavaseuspertencespessoaisetiravasuafoto,quandopercebeualguémparadonaportadadelegacia.

SophiaBliss.Elavestiaumterninhopretoelegante,eocabelogrisalhoestavapreso

em um penteado retorcido. O barulho de seus sapatos altos pretos noassoalhodemadeiraressoouquandoelaseaproximoudeDaniel.ElaolhoubrevementeparaShelby,entãosevoltouparaeleesorriu.

— Olá, meu caro — cumprimentou. Virou-se para olhar para ospoliciais.—Souaoficialdacondicionaldesterapaz.Porqueelefoidetido?

O policial estendeu o boletim de ocorrência para ela. A Srta. Sophiaexaminouaspalavrasrapidamenteeestaloualíngua.

—Francamente,Daniel,roubarumcarrinhodesupermercado?Evocêsabia que esta seria sua última violação antes de ir para o reformatórioprescritopelotribunal.Ah,nãomevenhacomessacara—disseela,dandoumsorrisoestranho.—VocêvaiadoraraSword&Cross.Prometo.

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QUATRO

MILESNOESCURO

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Nunca foi intenção de Miles provocar o surgimento de uma segundaLucinda.

Numinstanteelaeraaúnicagarotaemperigo—suaamiga,umalindagarotaqueelecertavezhaviabeijado,masissonãovinhaaocaso—e,umsegundodepois,osolhosdeMilessenublarameseucoraçãoseacelerou,eantesqueelesoubesseoqueestavafazendo,játinhaatiradoumaimagemespelhada de Lucinda na barreira dos Párias. Que ele havia feito surgircomoporencanto,donada,deseusprofundossentimentosporela.

De repente havia duas Lucindas. Ambas tão belas quanto um céuestrelado: jeans negros, camisetas negras, duas cabeças com cabelosnegros.EhaviaumolharsombrionaimagemespelhadadeLucindaquandoela partiu com o Pária. E então—Miles fechou os olhos com força anteaquela lembrança –, com o atirar de uma seta prateada, a imagemespelhadasefoi.

Logo depois disso, sua amiga, a verdadeira Lucinda, tambémdesapareceu.

Mas que idiota ele era! As palavras ridículas que dissera a ela naprimeira vez em que conversaram sobre o pretenso “talento” dele nãoparavamdelhevoltaràcabeça:Éfácildefazercompessoasquevocê,tipo,ama.

SeráqueLuceselembravadaconversadosdoisnaqueledianocaisdeShoreline? Será que o que ele lhe dissera ali fora uma das coisasresponsáveis por fazê-la mergulhar no Anunciador completamentesozinha?

Elanemsequerolhouparatrás.

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Agora o jardim estava pululando de anjos incrédulos. Miles e Shelbytiveramdificuldade para entender o que Luce acabara de fazer,mas já atinhamvistoabrirAnunciadoresantes.Osanjos,porém,pareciamprestesadesmaiardeespanto.

MilesobservavaosupostonamoradodeLucetentandoserecompordoprópriochoque.Suabocaidiotaseabriuesefechouemsilêncio.Danielnãosabia que a namorada podia fazer coisa alguma. Ele não tinha ideia doquantoelaeracapaz.

Milesdeuascostasparatodosecruzouosbraços.Nãolhefarianenhumbem ficar irritado com Daniel Grigori. Luce era louca por ele. Os doisestavamapaixonadosdesdesempre.Milesnãopodiacompetircomisso.

Eledeuumchuteaesmonagramamorta...eseupébateuemalgumacoisaquecintilounaescuridão.

Umasetaestelarsemdono.Ninguémestavaolhando.Osanjosestavamreunidos,discutindosobre

comoencontrarLucinda.Miles sentia-se louco e livre, totalmente diferente do que era,mas de

repente apanhou a seta estelar do chão e a guardouno bolso interno docasacodeveludomarrom.

—Miles,oquevocêtáfazendo?OsussurrodeShelbyfezMilesdarumpulo.—Nada!—Ótimo.—Elaacenouparaeledetrásdobarracão,longedavistados

anjosbriguentos.—EntãovenhapracáemeajudecomesseAnunciador.Issoaquitásendodifícilcomo...argh.

A sombra escura virou uma poça nas mãos dela, completamenteindiferente.

—Shelby!—sussurrouMilesenquantocorriaatéaamiga.—Porquevocêestáfazendoisso?

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—Porquevocêacha,seutonto?Milesriubaixinhocomadeterminaçãoferoznorostodela.Nãoerapor

causa do Anunciador, era por causa de Shelby. Ela era péssima ematravessar,masprefeririamorreraadmitirisso.Eraatébonitinho.

—Você...vocêqueriratrásdela?—perguntouele.—Dã—respondeuShelby.—Vocêtádentro?Outácommedodemais?

— Ela olhou intensamente paraMiles, depois engoliu em seco,mudou otomesegurouamãodele.—Porfavor,nãomeobrigueairsozinha.

Miles apanhou o Anunciador das mãos de Shelby e, com esforço,expandiu-o no escuro. Logo ele se abriu emumportal negro comobreu,bastanteparecidocomaquelenoqualLucehaviaacabadodeentrar.

—Estoudentro—disseele,segurandoamãodeShelby.E,juntos,elesentraramnaescuridão.

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CINCO

NASALADEFRANCESCA

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Francescaestavachateada,masnãosabiabemporquê.Suainquietaçãoeraóbvia,pelarespiraçãoofegante,pelatensãoentreosjoelhosepeladordecabeça que começava a sentir atrás dos olhos. Ela odiava ficar chateada,odiavanãoestarnocontroleabsoluto.Maseraassimqueestavaagora,enão sabia por quê. Com certeza não era por causa desse novo alunoinexperiente.

Quando Roland Sparks chegou em Shoreline, Francesca não sesurpreendeu. Quase todos os anjos caídos se deslocavam na época datrégua, portanto era apenas uma questão de tempo até que alguns delesviessemprocurarporelaeStevenembuscadeajuda.

Eleestavasentadodiantedamesadelaagora,comsuapomposacamisabranca engomada, depois de ter convencido Steven a permitir que ele“observasse” algumas das aulas que a escola oferecia para os Nefilim.Ridículo. Se Roland desejava espionar Lucinda, havia maneiras menosintrusivas.

—Vocêvaiterdetrocaressaroupa—disseelacomfriezaparaoanjocaído(oudemônio, comoo costumemandava chamá-lo).—OsalunosdeverdadedeShorelinenuncaouviramfalaremumatábuadepassarroupa.Muitomenosem...oqueéisso?—Elaseinclinouparaolharasbotasdele.

Seusorrisoquasepareciaprovocá-la.—Ferragamo.— Ferragamo? Vá comprar um moletom e uns tênis no bazar do

ExércitodeSalvaçãoqueficanofimdarua.Ela olhou para baixo e remexeu seus papéis despropositadamente.

Mesmoquemorasse há tempos comSteven, os demônios sempre davam

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umjeitodetirá-ladosério.—Francesca.—Stevengirouacadeiraparainclinar-senadireçãodela.

—Nãoquerconversarsobreoqueaconteceuhoje?—Eexisteoqueparaseconversar?—perguntouela,fechandoosolhos

para bloquear a imagem dos rostos pálidos de seus melhores alunosquandoelaeStevenosconvidaramaespiarointeriordaqueleAnunciadorescuro.—Foiumerrotentar.

— Nós nos arriscamos. Demos azar. — Steven apoiou uma das suasmãosquentessobreadela.

Ele estava sempre quente, e ela estava sempre fria. Em geral, aquilofaziacomqueelaseaninhassenelesemprequepossível.Hoje,entretanto,o calor dele lhe era opressor e sua expressão de carinho na frente deRolandSparks,umconstrangimento.Francescaseafastou.

—Azar?—Elafezummuxoxo.Sentiu que estava prestes a se lançar num longo discurso sobre

estatísticas,segurançaemsaladeaulaedespreparodaquelesNefilimparajogarpesado.Eaindaquecadapalavraquedissesse fosseabsolutamenteverdadeira,as trêspessoasqueestavamnasala sabiamquesua ladainhanãopassavadeum jeitobobodeencobrir a verdadeirapreocupaçãoquesentiam hoje. O verdadeiro motivo pelo qual ela, Francesca, estava sesentindotãotranstornada.

LucindaPriceestavapronta.EeraissoqueapavoravaFrancesca.

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SEIS

CAMVAIÀCAÇA

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Camserecostounasequoiaetirouumcigarrodeseuestojinhoprateado.Ali,naextremidadedafloresta,eleestavaforadocampodevisãodocaisdeShoreline, ondeosNefilimestavamentretidos emoutrode seusprojetosescolaresinsignificantes.Davaparaobservá-losdali.Elepoderiaprotegê-lasemelasaber.

Um graveto estalou atrás dele e Cam virou-se, os punhos cerrados, ocigarro ainda preso entre os lábios. Interessante. Era uma dasmulheres,sozinha.Elanãohaviapercebidosuapresençadooutro ladodaárvore.Oarcoprateadodelanemsequerestavaretesado.

—Temfogoaí,Pária?Agarotapiscouosolhosbrancos, oque fezCamsentir-senauseadoe

quasecomumpoucodepenadela.Quase.— Os Párias não brincam com fogo — respondeu ela com voz oca,

movendoosdedospálidosemdireçãoaobolso internodeseusobretudomarrom-claro.

—Sim, esse sempre foi o problemadosPárias, não foi?—Camdissesemsealterar.

Nãohaviamotivoparaalarmaragarota.Aquilosóatrairiaasetaestelarmaisdepressa.Estalouosdedos,criandoumapequenachama,elevantou-aparaacenderocigarro.

—Vocêaestáespionando.Agarotalevantouacabeçaloiraemdireçãoaocais,onde,eraverdade,

Lucinda estava sentada num banco, linda, usando um suéter vermelho erosa,ocabelorecém-descoloridodeloiro.

Ela estava conversando com algum amigo Nefilim, do jeito aberto e

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confiante com que costumava conversar com Cam. Seus imensos olhosamendoados, os lábios retesados com aquela velha tristeza. Campoderiaficarolhandoodiainteiroparaela.

Mas, ai dele, então obrigou-se a virar mais uma vez para a criaturainertediantedesi.

—Euaestouprotegendodegentecomovocê—retrucouele, irritado.—Existeumadiferença,meuamor.Nãoquevocêconsigaperceber,claro.

Deumais umaolhadela emLuce. Ela havia se levantadodobanco.OsolhosviajavampelasescadasdocaisquelevavamatépertodoesconderijodeCamnafloresta.Oqueelaestavafazendo?Eleficoutenso.Seráqueelairiaatéali?

A seta estelar sibilou pelo ar quando Cam menos esperava. Ele apressentiunoúltimosegundoedesviouacabeçaparaadireita,arranhandoa bochecha no tronco da árvore e apanhando o cabo da seta com amãoprotegidaporumaluvadecouro.Estavatrêmulo,masnãodariaàPáriaasatisfação de saber o quanto ela havia chegado perto. Enfiou a seta nobolso.

—Eupoderiausaristoaquiparaacabarcomvocê—disseele,numtomcasual —, mas seria um desperdício de uma ótima seta estelar.Principalmente quando é muito mais divertido vencer vocês, Párias, naluta.

Antesqueagarotapudessearmaroarcoparadarmaisumaflechada,Cam se atirou em cima dela e a segurou pelo rabo de cavalo. Deu umajoelhadaemseuestômago,comforça,depoisvirouacabeçadelaparatrásesocouaslateraisdeseurosto.Elagritouealgumossosequebrou,talvezodo nariz, mas Cam continuou esmurrando, mesmo quando o sanguecomeçouaescorrer—donarizdela,dolábio,descendopelospunhosdele.DesdeomomentoemquecomeçouabaternaPária,eleseobrigouanãoouvir seus choramingos femininos. Do contrário, não conseguiria

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continuar. Os Párias eram sem sexo, sem vida, sem importância—mas,apesar de tudo isso, representavam uma ameaça a tudo o que maisimportavaparaCam.

—Vocênão...soco...vai...joelhada...pôrasmãosnela.A Pária engasgou ao tossir um de seus dentes e cuspiu sangue na

camisetadeCam.—Ditoporalguémquenuncanemmesmoteveumachance.Eledeumaisumsoconagarota,diretonoolho.—Eutive.Estámeouvindo,Pária?Possoterperdidoaluta,masantes

eutinhaumachance.BaternosPáriaserafácil,fácilatédemais.Eraumexercíciosemsentido,

como um videogame antigo que você dominava, mas que continuavajogando por puro tédio. Eles se curariam, como todos os caídos, nãoimportavaquantodanoelecausasse.

A Pária gemeu quando Camdeu um soco derradeiro no crânio, que anocauteou.Elacaiudecaranasfolhaspodres.Depoisdisso,nãosemexeumais. Portanto, coube a Cam colocá-la de pé e empurrar o corpoensaguentadoparaolugardeondehaviavindo.

—Digaaseusamigosquevocêsnãosãobem-vindosnestafloresta!—gritouele,observandoenquantoelaabriaumAnunciadorecaíaalidentro.

ElevoltouaserecostarnasequoiaedeuumatragadalongaetranquilaemseucigarrojustamentequandoLucindacomeçouadescerasescadas.

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SETE

OSONHODELUCE[CENADELETADA]

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Luceolhouaoredordacavernasilenciosa,surpresaaoverqueosanjos,demônios,Páriaseostranseternostinhampegadonosono.AúltimacoisadequeelaselembravaeradaorientaçãodeDeeparaqueesperassematéaluaatingiroQayomMalaknolocalexatoantesdeiniciaremacerimôniadastrêsrelíquias.

Quehoraseram?Raiosdesolatravessavamaentradadacaverna.Umaquentemãolheapertouoombro.Elaseviroueseucabeloroçoua

bochechadeDaniel.—Porumgolpedesorte,estamosasós—disseele,rindo.Elasorriuesussurrou:—Vamosdaroforadaqui.Eles saíramandandoaos tropeçospela trilha, rindocomocrianças,de

mãosdadas.Depoisquefizeramacurvaepararamdiantedeumapaisagemmaravilhosadodesertoinfinito,Danielatomouemseusbraçosmaisumavez.

—Nãoconsigomanterasmãoslongedevocê.Luceobeijoucomvoracidade,deixouasmãosacariciaremaextensão

branca das asas dele. Tal como Daniel, elas eram fortes e espantosas eabsolutamente lindas. Elas ondularam de prazer sob suas mãos. Danielestremeceuesuspirouprofundamente.

—Quervoarparaalgumlugar?—perguntou.LucesemprequeriaestarnosarescomDaniel.Elasorriu.—Claro.Paraqualquerlugar.Sóqueroestarcomvocê.Eleolhouparaohorizonte.—Oquefoi?

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—Separavocênãofazdiferença,talvezfossemaisbacanaficarmosnochão.Sintoessanecessidadedeabandonaroquenóssomos.Desermossóduaspessoas,umcaraeumagarota,saindojuntos.

Ele olhou para Luce com nervosismo, até ela soltar a asa e segurar amãodele.

—Euentendooquevocêquerdizer.Euadoraria.Danielpareceugratoaoimpulsionarosombrosparaafrente,aomesmo

tempo juntando as enormes asas atrás. Elas se retraíram devagar,suavemente,atésetornaremduaspequeninasextensõesbrancasnanuca.Emseguida,sumiramcompletamenteeDanielvirouapenasDaniel.Quandoelesorriu,Lucesedeucontadecomofaziatempoqueelanãooviasemasasas.

—Vaiserbommanterospésnochão—disseela,olhandoparasuasbotaseparaostênisdeDaniel,ambossujoscomapoeiradodeserto.

Daniel estava olhando por cima do ombro dela, para a planícieressequidaláembaixo.

—Oupelomenosligeiramenteforadochão.—Comoassim?—Elaseviroueficounapontadospésparaverpara

ondeeleestavaolhando.—Vocêjáandoudecamelo?—Nãosei—respondeuelaemtomdedesafio.—Já?Eles apelidaram o camelo de Woody, porque ele se parecia com o

Woody Allen durante a década de 1970, com sua juba vermelha edespenteada — embora tivesse mais de dois metros de altura, duascorcovas e dois dentes tortos na frente. Luce e Daniel o encontrarampastando no sopé do monte Sinai com dois outros camelos menosdivertidos. Quando Daniel pousou amão em seu flanco,Woody não deunenhumcoicenemresfolegouanteaqueletoqueinvisível;inclinou-separaperto e afagou o rosto invisível de Luce, parecendo adoravelmente

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paranoico.—Éesseaqui—disseDaniel.—Nãopodemossimplesmentelevá-loembora!Eseeletiverdono?Daniellevantouumadasmãosparaprotegerosolhosdosolefezuma

cena,olhandoparaovastooceanodeareia.—Vamospegá-loemprestadosóporumdia.—Eleentrelaçouosdedos

eseinclinou,fazendoumaescadinhacomasmãosparaqueLucepudessesubirnocamelo.—Vamos.Subaaí.

Elariuquandopassouumadaspernassobreocamelo,deliciadacomasensaçãodedeslizaratéabasedeseulombo,entreascorcovas.

—Ecomovocêvaisubir,caranormal?—perguntouela.Daniel olhoupara a corcova trinta centímetros acimada sua cabeça e

coçouoqueixo.—Nãotinhapensadonisso.Pediu que Luce o puxasse pelas mãos e içou o próprio corpo, mas

perdeuoapoiodospésecaiudecostasnaareia.—Foisóumimprevistotemporário—grunhiuele.Nasegunda tentativa,contornouocameloe tentoususpenderocorpo

comoumnadadorsaindodaparte fundadapiscina.Escorregouecaiudecaranochão.Woodydeuumacusparada.

—Certo—gritouLuce,tentandonãorir.—Aterceiravezéaquevale!—Asprimeirasduasvezestinhamvalidoparaelatambém,paradiverti-la,eumaquartavezvaleriaparadiverti-laaindamais.

Danielvoltouagrunhir,e,quandosegurouamãoestendidadeLuce,elarealmenteseesforçouparapuxá-lo.SentiuocorpodeDanielseerguendoesurpreendeu-se com sua leveza. Ele aterrissou atrás dela, diretamentesobreacorcova,depernasabertas,eberroudedor.Lucenãoconseguiusecontrolar.

Começou a rir tanto que se viu obrigada a pedir desculpas, o que foi

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difícil de fazernomeiodeumaconvulsãodelirante.Daniel finalmente serendeu às gargalhadas quando o ataque de riso dela quase a fez cair docamelo.

Quando os dois finalmente se acalmaram, Luce virou-se para olharDaniel.Correuumdedopeloslábiosdele.

—Aindatenhoasensaçãodequeestamosvoando.—Achoquesempreestamos.—Danielbeijouodedodela,depoisseus

lábios e, sem se soltar para recuperar o fôlego, deu um chute suave emWoodyparaqueelecomeçasseaandar.

Woodynãoeranenhumpuro-sangue.Eles saracotearampelaplanície,comaesperançalongínquadechegarematéomar.Pareciapoucoprovável,mastambémnãotinhaamenor importância.Luceestavaachandoaquelaextensãointermináveldeareiamarromolugarmaislindodomundo.

ProsseguiramnumsilênciofelizatéalgoocorreraLuce.—Achoquenuncaandeidecamelo.—Não.—Davaparacaptarosorrisinhonavozdele.—Nuncaandou.

Pelomenosnãoquandoeuestavaporperto.Vocêconseguiuextrairissodesuaslembranças?

—Achoquesim.Éestranho,busqueiessamemória,mas...ultimamente,quandominhamentedávoltasaoredordeumalembrançaeencontraalgoque já fiz, sintoumardor.—Eladeudeombros.—Comodesta veznãosentinada,achoqueissosignificaquenuncaviviessaexperiência.

—Estou impressionado—disseDaniel.—Agoraque talmecontararespeitodeumacoisa,paravariar?Conte-medotempoquevocêpassounaDover.

—Dover?—Aquiloapegoudesurpresa.ElaprefeririamuitomaisfalardequalquerumadasvidaspassadasquehaviavisitadonosAnunciadoresdoquedesuaexperiêncianaDover.

Elespassaramporumtroncodeárvoresecoqueparecianãoter folha

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nenhumaháséculos.Passaramporumriosecoeumatrilhadeterraquenão levava a lugar algum. Não havia ninguém por perto para julgá-la:apenasDaniel.

—Foramtrêsanosdechaticeseguidosporumacatástrofequematouumgarotoque eu conhecia—disse elapor fim.—Ficopéssimaquandopensonisso,porqueeu...

—AmortedeTrevornãofoisuaculpa.Elasevirouparaencará-lo.—Comovocêsabe?— Havia outra pessoa por trás disso. Alguém que sabia que você se

sentiriapéssimaporcausadaqueleincêndio...equeriaquevocêsesentisseassim.Alguémquequeriaquevocêacreditassequeoqueacontecedentrodevocêquandocomeçaagostardealguéméfatal.

—Quemfariaumacoisadessas?—perguntouLucenumsussurro.—Alguémquedesejavaque você jamais se apaixonasse.Alguémcom

ciúmesdoquevocêeeutemos.— Uma pessoa morreu por causa desse ciúme, Daniel. Um garoto

inocente que não tinha nada a ver com nossamaldição, nem com nossoamor.

—Eunãosabiaoqueestavaacontecendo.Sesoubesse,teriaimpedido.Desculpe,Luce.Euseiquevocêsofreu.

Luceesfregouatesta.—VocêestádizendoqueapessoaportrásdamortedeTrevormatou-o

paraqueeunãomeapaixonasseporvocê?—Sim.—Sóque...nãodeucerto.—Não—disseDaniel.—Nãodeu.—Porcausadamaldição?Elanosuniudomesmojeito...—Porquenenhumamaldiçãoémaisfortedoquenossoamor.

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Eles subirampor outramontanha, depois outra. O sol acariciava seusombroscomosefossemãos.ElesdesmontaramWoodyparacaminharatéabeira de um penhasco. A queda era íngreme e amedrontadora, mas láembaixoooceanoquebravanapraia,umlampejodeazulfantásticodepoisde tanto marrom. Eles jamais conseguiriam chegar até lá sem voar.Entretanto, Luce olhou para Daniel, e Daniel olhou para Luce, e ambossorriram, sabendo que tinham feito um pacto: um encontro normal, semasas.Equenãoeraumproblemaparanenhumdosdois.

—Venhacá.—DanieltocouumarochaachatadanabeiradopenhascoefezumgestoparaLucesentar-se.Elesobservaramomarporuminstante,viramnohorizontedoisnavioscontêineresparecidoscomgeleiras.

—Hojeparecequeomundoénosso,nãoé?—disseLuce,comtristeza.Danielvirou-aparasi,tocouapontadonarizdelacomoseu.Abriuos

botõesdocasacodela,depoisasmãosescorregaramporbaixodacamisetaelheacariciaramascostas.

Ele a beijou com uma nova forma de entrega. Seu toque era macio,delicadoedesesperado,tudoaomesmotempo.AbocadeLucepressionoua de Daniel quando ele a envolveu nos braços, levantando-a para queficasse em cima dele, enterrando amão livre nos cabelos dela. Braços epernasseentrelaçaram,tensosdeansiedade.Asbocasestavamquenteseenredadas.Lucesentia-setontaeviva,comoseasalmasdosdoistivessemseunido.Eraquasedemaisparasuportar.Elanuncaconseguiriasesaciar.Mastentaria.

—Euamovocê,Daniel—disseLuceentreumarespiraçãoeoutra.— Eu também amo você— respondeu ele.—Mais do que qualquer

coisa.Maisdoque...Buuum.Pareceu um trovão, a prévia de um tornado escuro. Luce acordou no

sustodentrodacaverna,ondeprovavelmentecaíranosonosobreoombro

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deDaniel...

FIM