laura carreira ~ "entre a distância"
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- 10 poemas de 7 poetas - Laura Carreira - 11.º ano - turma n - n.º 11 - disciplina de português - Escola Secundária Artística António Arroio - 3.º período - Maio 2011TRANSCRIPT
E N T R E A D I S T Â N C I A
S e l e c ç ã o d e 1 0 p o e m a s d e 7 p o e t a s
I l u s t r a ç ã o d e L a u r a C a r r e i r a
L a u r a C a r r e i r a 2 0 1 0 / 2 0 1 1
E s c o l a S e c u n d á r i a A n t ó n i o A r r o i o
P r o f e s s o r a E l i s a b e t e M i g u e l
2
Introdução
Este projecto assenta na premissa da distância incontornável entre as pessoas.
Sabendo que essa até aqui esteve presente, até quando ela durará? Já alguém a
ultrapassou? Como lidar com uma meta inalcançável de conhecer o outro? O
que é nunca ser alcançado? Onde esconder o desagrado de assim ser? E se
fingir? Acreditarão? Não será o do cego o mesmo ver que tanto vos atormenta?
Será imprescindível conhecer-te? Será imprescindível tentar conhecer-te? Será
apenas inevitável? E se nunca te ouvir, se nunca te exigir que digas nada,
poderei saber quem és? Seremos eternamente deixados nesta solidão? Até
quando terei que me ouvir? Seremos actores em monólogo a ansiar pelo
diálogo? O que é essa inata condição? E para quê a condição de questionar?
Porque me incomoda? Porque me perturba a ideia possível e turva que tenho
deles? E Porque têm eles essa ideia turva de mim? O que fazer com a vontade
de nos mostrarmos iguais a nós mesmos? Como pedir à voz pensante que fale?
A todas estas perguntas demandei respostas. Conclusão, intuída à partida, só o
sentimento detém a solução. Nos poemas de Antero de Quental, Florbela
Espanca, Fernando Pessoa, Pedro Homem de Mello, Sophia de Mello Breyner,
Alberto Caeiro e Cesário Verde. Que tão bem expõem esta problemática do
abismo entre as existências, tentando responder, ou, perguntar no vazio, com o
melhor que o sentimento consegue. Assim é a poética da letra escrita tal como a
própria essência da vida.
3
O Maior Bem
Este querer-te bem sem me quereres,
Este sofrer por ti constantemente,
Andar atrás de ti sem tu me veres
Faria piedade a toda a gente.
Mesmo a beijar-me a tua boca mente...
Quantos sangrentos beijos de mulheres
Pousa na minha a tua boca ardente,
E quanto engano nos seus vãos dizeres!...
Mas que me importa a mim que me não queiras,
Se esta pena, esta dor, estas canseiras,
Este mísero pungir, árduo e profundo,
Do teu frio desamor, dos teus desdéns,
É, na vida, o mais alto dos meus bens?
É tudo quanto eu tenho neste mundo?
Florbela Espanca
4
A Noite É Muito Escura
É noite. A noite é muito escura. Numa casa a uma grande distância
Brilha a luz duma janela.
Vejo-a, e sinto-me humano dos pés à cabeça.
É curioso que toda a vida do indivíduo que ali mora, e que não sei quem é,
Atrai-me só por essa luz vista de longe.
Sem dúvida que a vida dele é real e ele tem cara, gestos, família e profissão.
Mas agora só me importa a luz da janela dele.
Apesar de a luz estar ali por ele a ter acendido,
A luz é a realidade imediata para mim.
Eu nunca passo para além da realidade imediata.
Para além da realidade imediata não há nada.
Se eu, de onde estou, só veio aquela luz,
Em relação à distância onde estou há só aquela luz.
O homem e a família dele são reais do lado de lá da janela.
Eu estou do lado de cá, a uma grande distância.
A luz apagou-se.
Que me importa que o homem continue a existir?
Alberto Caeiro
5
Contemplação
Sonho de olhos abertos, caminhando
Não entre as formas já e as aparências,
Mas vendo a face imóvel das essências,
Entre ideias e espíritos pairando...
Que é o mundo ante mim? fumo ondeando,
Visões sem ser, fragmentos de existências...
Uma névoa de enganos e impotências
Sobre vácuo insondável rastejando...
E d'entre a névoa e a sombra universais
Só me chega um murmúrio, feito de ais...
É a queixa, o profundíssimo gemido
Das coisas, que procuram cegamente
Na sua noite e dolorosamente
Outra luz, outro fim só pressentido...
Antero de Quental
6
Terror de Te Amar
Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.
Sophia de Mello Breyner Andresen
7
Solidão
Ó solidão! À noite, quando, estranho,
Vagueio sem destino, pelas ruas,
O mar todo é de pedra... E continuas.
Todo o vento é poeira... E continuas.
A Lua, fria, pesa... E continuas.
Uma hora passa e outra... E continuas.
Nas minhas mãos vazias continuas,
No meu sexo indomável continuas,
Na minha branca insónia continuas,
Paro como quem foge. E continuas.
Chamo por toda a gente. E continuas.
Ninguém me ouve. Ninguém! E continuas.
Invento um verso... E rasgo-o. E continuas.
Eterna, continuas... Mas sei por fim que sou do teu tamanho!
Pedro Homem de Mello
8
Lágrimas
Ela chorava muito e muito, aos cantos,
Frenética, com gestos desabridos;
Nos cabelos, em ânsias desprendidos
Brilhavam como pérolas os prantos.
Ele, o amante, sereno como os santos,
Deitado no sofá, pés aquecidos,
Ao sentir-lhe os soluços consumidos,
Sorria-se cantando alegres cantos.
E dizia-lhe então, de olhos enxutos:
- "Tu pareces nascida da rajada,
"Tens despeitos raivosos, resolutos:
"Chora, chora, mulher arrenegada;
"Lacrimeja por esses aquedutos...
-"Quero um banho tomar de água salgada."
Cesário Verde
9
Cinismos
Eu hei de lhe falar lugubremente
Do meu amor enorme e massacrado,
Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.
Hei de expor-lhe o meu peito descarnado,
Chamar-lhe minha cruz e meu Calvário,
E ser menos que um Judas empalhado.
Hei de abrir-lhe o meu íntimo sacrário
E desvendar a vida, o mundo, o gozo,
Como um velho filósofo lendário.
Hei de mostrar, tão triste e tenebroso,
Os pegos abismais da minha vida,
E hei de olhá-la dum modo tão nervoso,
Que ela há de, enfim, sentir-se constrangida,
Cheia de dor, tremente, alucinada,
E há de chorar, chorar enternecida!
E eu hei de, então, soltar uma risada.
Cesário Verde
10
Quem Me Mandou a Mim Querer Perceber?
Como quem num dia de Verão abre a porta de casa
E espreita para o calor dos campos com a cara toda,
Às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa
Na cara dos meus sentidos,
E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber
Não sei bem como nem o quê...
Mas quem me mandou a mim querer perceber?
Quem me disse que havia que perceber?
Quando o Verão me passa pela cara
A mão leve e quente da sua brisa,
Só tenho que sentir agrado porque é brisa
Ou que sentir desagrado porque é quente,
E de qualquer maneira que eu o sinta,
Assim, porque assim o sinto, é que é meu dever senti-lo...
Alberto Caeiro
11
Não Digas Nada!
Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.
Fernando Pessoa
12
Lágrimas Ocultas
Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida ...
E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago ...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim ...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
Florbela Espanca
13
Justificação da ilustração
A ilustração escolhida para o poema de Florbela Espanca foi um trabalho gráfico realizado por mim, há uns meses. Considerei que seria o ideal por, de imediato, me ter recordado dela enquanto lia o poema. Na imagem vemos várias raparigas, que poderiam ser muitas mais, mas em nenhuma delas conseguimos ver o olhar ou o sorriso. Dando uma estranha ideia de anonimato e de ausência de humanidade no rosto. A boca e os olhos, as janelas da alma, estão tapadas, negando qualquer humanidade às figuras. Se em tempos puderam rir ou cantar, talvez chorar ou gritar também, não o sabemos. A isso nos remete a ideia da primeira quadra deste poema. “Se me punho a cismar em outras eras Em que ri e cantei, em que era querida, Parece-me que foi noutras esferas, Parece-me que foi numa outra vida:” O que nos escondem as suas bocas e olhos são ausências em branco severamente marcadas no rosto, “Esbate as linhas graves e severas”. Na imagem, a boca, que não observamos, desprezada, é, entre tantas, apenas mais uma, invisível, sem voz. No poema “E cai num abandono de esquecida!”. Todas elas pensam, ou não veríamos o topo das suas cabeças, olhando para o branco, tal como a rapariga do poema olha para o vago, essa infinitude incerta que pode ser representada branco. Também o seu rosto fica contaminado por essa brancura serena, presente nas estátuas perfeitas da antiguidade grega a que estas figuras podem remeter. “E fico, pensativa, olhando o vago… Toma a brandura plácida de um lago O meu rosto monja de marfim…” Por não conseguirmos ver os seus olhos, não vislumbramos a sua humanidade, impossibilitando qualquer tipo de ingerência psicológica, ou, de qualquer modo, obter prova física do seu choro. Como seria possível se as figuras estão de olhos vendados pelo branco castrador, que lhes oculta o sentimento? A imagem trata assim as figuras como o reflexo da rapariga do poema vista pelo prisma dos “outros”. Tal como o eu lírico afirma “ninguém vê [as lágrimas] brotar dentro d’alma”, nós, enquanto espectadores das figuras, também estamos impossibilitados. O branco não nos deixa. “E as lágrimas que choro, branca e calma, Ninguém as vê brotar dentro da alma! Ninguém as vê cair dentro de mim!”
14
Conclusão Com a leitura destes poemas, talvez pudéssemos responder, talvez não.
Se nos satisfazia o encontro com as respostas, tal como na vida, terá só que nos
satisfazer a sua procura incessante, talvez eterna. Confesso que poderia ter
escrito esta conclusão antes de iniciar o trabalho. Pois as perguntas não são
feitas para terem resposta mas para nos deixarem pensar enquanto é tempo.
Cada um dos autores encarando o abismo de forma diferente. Uns rindo, outros
chorando e lamentando-se, outros, porventura, não querendo saber. São assim
as nossas disposições, os nossos estados do ser, como as estações do ano.
Será que esse abismo entre as existências é tão grande?
Talvez. Talvez seja curta a distância incontornável entre as pessoas, ou não
sentíssemos as palavras dos poetas.
Encontrei em Cesário Verde dois poemas - “Cinismos” e “Lágrimas”.- que
desconhecia. Fiz questão de aqui os inserir, pois considerei-os indissociáveis do
tema que me havia proposto desenvolver.
Gostei bastante de fazer este trabalho, permitiu-me avançar no conhecimento
da Literatura Portuguesa, aprofundei autores já conhecidos e encontrei textos
de poetas, até agora desconhecidos. Fiz uma descoberta interessante. O vasto
número de obras que incidem, implícita ou explicitamente, sobre este exacto
tema que me propus trabalhar.
E depois de tudo isto, a única pergunta que me veria colocar neste final, é só
uma:
Valeu a pena? “ Tudo vale a pena. Se a alma não é pequena.” Já dizia o poeta…
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Webgrafia: Poemas retirados na página de Internet: www.citador.pt
Ilustração de Laura Carreira (ilustração retirada do blog arsenaldosinvalidos.blogspot.com)
16
Índice:
Página 2. Introdução
Página 3. O Maior Bem
Página 4. A Noite É Muito Escura
Página 5. Contemplação
Página 6. Terror de Te Amar
Página 7. Solidão
Página 8. Lágrimas
Página 9. Cinismos
Página 10. Quem Me Mandou a Mim Querer Perceber?
Página 11. Lágrimas Ocultas
Página 12. Não Digas Nada!
Página 13. Justificação da Ilustração
Página 14. Conclusão
Página 15. Webgrafia