langdon, o abuso de Álcool entre os indígenas brasileiros

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Tellus, ano 5, n. 8/9, p. 103-124, abr./out. 2005 Campo Grande - MS O abuso de álcool entre os povos indígenas no Brasil: uma avaliação comparativa Esther Jean Langdon Resumo: Existe uma lacuna na produção científica sobre alcoolismo em populações indígenas, apesar de ser um dos mais graves problemas de saúde que os índios enfrentam hoje no Brasil. Partindo da definição biomédica de alcoolismo, em que o abuso do álcool é entendido como uma doença orgânica e sem possibilidade de cura, argumento sobre a necessidade de se reconhecer que existem diferentes estilos de beber, nem sempre associados a comportamentos negativos para a saúde. O uso de bebidas fermentadas em contextos rituais tem papel construtivo em socie- dades indígenas, possibilitando o reforço dos vínculos sociais. Entretanto, atualmente, o ato de beber se distancia das formas tradicionais, trazendo prejuízos individuais e coletivos. O abuso do álcool reforça o estigma de ser índio no Brasil. Assim, para a implementação de programas de saúde eficazes, será necessário desconstruir preconceitos, considerando os aspectos do contexto sociopolítico e histórico que determinam o compor- tamento alcoólico. Além disso, é fundamental entender o significado atri- buído ao uso de bebidas alcoólicas em cada grupo indígena, e quais as preocupações e as soluções vislumbradas pelo próprio grupo. Palavras-chave: Alcoolismo, saúde indígena, bebidas fermentadas. Abstract: There is a gap in scientific production on alcoholism in indigenous populations, despite the fact that it is one of the gravest health problems that the Indians face today in Brazil. Beginning with the biomedical definition of alcoholism, in which the abuse of alcohol is understood to be an organic illness and without the possibility of a cure, the article argues as to the necessity of recognizing that there are different styles of drinking, not always associated with behaviour negative to health. The use of fermented beverages in the context of rituals has a a constructive role in indigenous societies, reinforcing social links. However, at the moment, the act of drinking has become distant from the traditional forms, bringing collective and indi- vidual harm. The abuse of alcohol reinforces the stigma of being an Indian in Brazil. In this way, for the implementation of effective health programmes, it will be necessary to deconstruct biases, considering the aspects of the social/political/historical context which determine alcoholic behaviour. Beyond this, it is fundamental to understand the significance given to the Universidade Federal de Santa Catarina. O presente trabalho foi realizado com o apoio do CNPq.

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  • Tellus, ano 5, n. 8/9, p. 103-124, abr./out. 2005Campo Grande - MS

    O abuso de lcool entre ospovos indgenas no Brasil:

    uma avaliao comparativa

    Esther Jean Langdon

    Resumo: Existe uma lacuna na produo cientfica sobre alcoolismo empopulaes indgenas, apesar de ser um dos mais graves problemas desade que os ndios enfrentam hoje no Brasil. Partindo da definiobiomdica de alcoolismo, em que o abuso do lcool entendido comouma doena orgnica e sem possibilidade de cura, argumento sobre anecessidade de se reconhecer que existem diferentes estilos de beber, nemsempre associados a comportamentos negativos para a sade. O uso debebidas fermentadas em contextos rituais tem papel construtivo em socie-dades indgenas, possibilitando o reforo dos vnculos sociais. Entretanto,atualmente, o ato de beber se distancia das formas tradicionais, trazendoprejuzos individuais e coletivos. O abuso do lcool refora o estigma deser ndio no Brasil. Assim, para a implementao de programas de sadeeficazes, ser necessrio desconstruir preconceitos, considerando osaspectos do contexto sociopoltico e histrico que determinam o compor-tamento alcolico. Alm disso, fundamental entender o significado atri-budo ao uso de bebidas alcolicas em cada grupo indgena, e quais aspreocupaes e as solues vislumbradas pelo prprio grupo.Palavras-chave: Alcoolismo, sade indgena, bebidas fermentadas.

    Abstract: There is a gap in scientific production on alcoholism in indigenouspopulations, despite the fact that it is one of the gravest health problemsthat the Indians face today in Brazil. Beginning with the biomedicaldefinition of alcoholism, in which the abuse of alcohol is understood to bean organic illness and without the possibility of a cure, the article argues asto the necessity of recognizing that there are different styles of drinking, notalways associated with behaviour negative to health. The use of fermentedbeverages in the context of rituals has a a constructive role in indigenoussocieties, reinforcing social links. However, at the moment, the act of drinkinghas become distant from the traditional forms, bringing collective and indi-vidual harm. The abuse of alcohol reinforces the stigma of being an Indianin Brazil. In this way, for the implementation of effective health programmes,it will be necessary to deconstruct biases, considering the aspects of thesocial/political/historical context which determine alcoholic behaviour.Beyond this, it is fundamental to understand the significance given to the

    Universidade Federal deSanta Catarina. O presente

    trabalho foi realizado com oapoio do CNPq.

  • Esther Jean LANGDON. O abuso de lcool entre os povos Indgenas...

    use of alcoholic beverages in each indigenous group and what the concerns are andthe solutions, as yet, half-seen by the group iself.Key words: Alcoholism, indigenous health, fermented beverages.

    Talvez o esteretipo mais comum que o brasileiro faa do ndio o deum bbado, afirmao vlida particularmente para os brancos que vivemperto de reas indgenas. Esta imagem negativa, juntamente com outrassemelhantes que o brasileiro tem do ndio, tais como indivduo sujo, igno-rante e preguioso, expressa a representao estigmatizada que experi-mentada freqentemente pelos ndios quando interagem com a sociedadeenvolvente. O abuso de lcool entre os povos nativos no um fenmenonovo e nem tampouco limitado ao Brasil. O problema se apresenta no restode Amrica Latina, no Canad, nos Estados Unidos e na Austrlia. H anosque o tema vem sendo enfocado em pesquisas, conferncias e programas desade (Everett, Waddell e Heath, 1976; Mandelbaum, 1965; MacAndrew eEdgerton, 1969). Porm, s nos ltimos anos foi percebido como um proble-ma de alta relevncia para os programas de sade no Brasil. Ainda h umagrande lacuna quanto ao conhecimento sobre a realidade do alcoolismoentre os povos indgenas brasileiros e faltam pesquisas para dimensionaradequadamente a questo. O abuso do lcool est entre os maiores proble-mas que os ndios enfrentam hoje, e associado a outros como a violnciasocial (Simonian, 1998), a permanncia de condies precrias de sade eos altos ndices de suicdio em certos grupos, tais como os Kaiow/Guaranie Tikuna (Erthal, 1998). Outra conseqncia do abuso de lcool a ligaoentre o alcoolismo (ou outras substncias) e a transmisso de DST/AIDS.

    Neste artigo pretendo examinar a questo do alcoolismo e sua pre-veno entre os povos indgenas a partir da perspectiva das cincias soci-ais, particularmente da antropologia (Douglas, 1987). Diferentemente dabiomedicina e da psicologia, esta perspectiva no define o alcoolismo comouma doena universal, caracterizada por um processo de dependnciabiolgico que ocorre igualmente e universalmente em todos os seres hu-manos. um fenmeno complexo, resultante de vrios fatores, entre osquais o contexto sociocultural, que tem um papel determinante nas varia-es de comportamento e propicia a ingesto de etanol, a substncia ativanas bebidas alcolicas. As conseqncias desta perspectiva so mltiplas:exige que reexaminemos nosso entendimento de alcoolismo como doena;que reconheamos os diversos estilos de beber entre os diferentes povosindgenas e, tambm, entre os vrios grupos de um mesmo povo; e, que asestratgias para contornar o problema sejam baseadas na participao dacomunidade em todas as fases de pesquisa e aes prticas.

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    Apesar de falar pouco sobre o abuso de outras substncias, comoas drogas ilcitas, o leitor perceber ao longo deste trabalho que a maiorparte das consideraes sobre os fatores contextuais e os programas depreveno discutidos aqui, se aplicam tambm ao abuso de drogas.

    1 Para um entendimento do conceito do alcoolismo

    A definio de alcoolismo objeto de muita discusso e h duasquestes altamente controversas sobre a sua natureza: (1) se o alcoolismo um fenmeno com caractersticas universais ou se possui especifidadessocioculturais e, (2) se verdade o dito que afirma que uma vez alcolatra,sempre alcolatra. As respostas a estas indagaes tm implicaes impor-tantes para o tratamento, porque se alcoolismo um fenmeno hetero-gneo, como argumentam as cincias sociais, necessrio entender asparticularidades do abuso de lcool em cada situao e reconhecer queno h um tratamento universalmente apropriado para todos.

    Segundo a tica da biomedicina, a resposta afirmativa para asduas perguntas. O alcoolismo definido como uma doena que tem amesma causa e que se manifesta igualmente em todas as culturas. Oalcoolismo, como definido pela OMS e pela medicina moderna, implicaem um comportamento crnico que, a partir de determinado momento,no passvel de ser interrompido espontaneamente, havendo, inclusive,o risco de uma crise aguda em casos de abstinncia forada, tal o nvelde impregnao celular que transmuta o prprio metabolismo bsico doorganismo (Milan & Ketcham, 1983; Ey et al., 1974 apud Quiles, 2000, p.65). O enfoque neste caso o indivduo, a causa uma dependnciabiolgica e, uma vez que a dependncia se estabelece, a doena se desen-volve como um processo natural e inevitvel. A dependncia segue umanica direo, sem relaes com o contexto sociocultural. Se no pararde beber o doente morre de causas relacionadas ao alcoolismo, tais comocirrose do fgado, acidentes de trnsito, etc. A dependncia de lcoolpode ser diagnosticada segundo os critrios definidos pela tabela nosol-gica do Diagnostic and Statistical Manual of Mental DisordersDSM, daAssociao Psiquitrica da Amrica1. Tratando-se especificamente daspopulaes indgenas, alguns cientistas argumentam que, por causas deordem gentica, os ndios so mais susceptveis que as outras populaespara o desenvolvimento da dependncia biolgica (Saggers e Gray, 1998).

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    2 Estudos epidemiolgicos comparativos

    Pesquisas realizadas por antroplogos fornecem dados importantespara responder negativamente s duas perguntas e ao possvel fatorgentico. Como apontou o professor Sol Tax, no Primeiro Congresso Mun-dial das Cincias Antropolgicas e Etnolgicas, a pesquisa comparativasobre lcool (e cannabis) apresenta um experimento natural clssico: umanica espcie (homo sapiens), uma nica substncia (em cada caso) e umagrande diversidade de resultados em comportamento (Heath, 1987, p. 103). necessrio examinar a interao com a substncia, a disposio psicol-gica, e o contexto para entender o fenmeno do alcoolismo num grupoparticular. Assim, as pesquisas antropolgicas comparam as variaes nastaxas de alcoolismo entre culturas e grupos diferentes. Em primeiro lugar,os dados comparativos demonstram que as taxas de alcoolismo variamsegundo os grupos, indicando que no h uma nica causa universal eque as diferenas nas taxas devem ser procuradas nas particularidades docontexto scio-cultural-histrico de cada grupo (Gordon, 1978; Menendez,1990). Pesquisas comparativas realizadas nos Estados Unidos e na Aus-trlia tambm demonstram que os ndios, de fato, nem sempre bebem mais,nem tm estilos diversos de beber dos da populao regional (Kunitz eLevy, 1994; Saggers e Gray, 1998). Finalmente, as taxas de alcoolismo va-riam entre diferentes grupos da mesma etnia, grupos caraterizados pordiferenas tais como idade, gnero ou religio.

    Infelizmente, h poucos dados epidemiolgicos no Brasil comparandogrupos diferentes (Albuquerque et al., 1998; Bordignon, 1996), mas estesconfirmam as concluses dos estudos de outras partes do mundo: as taxasvariam entre grupos tnicos e tambm entre grupos diferentes da mesmaetnicidade. Uma pesquisa registrou uma taxa global de alcoolismo de 17,6%entre os Terena, que pelo menos entre 5% a 6% acima da taxa para osbrasileiros no ndios (Albuquerque et al., 1998, p. 121-122). Porm, astaxas variam entre os prprios Terena, dependendo do grupo religioso, darelao conjugal e do sexo. H uma diferena grande entre as taxas parahomem e mulher: para cada 24 homens h s uma mulher alcolatra. Osautores sugerem que a baixa taxa para a mulher Terena pode estar relacio-nada com a organizao familiar e o exerccio dos papis designados acada sexo. O estudo sobre os Bororo tambm registrou ndices diferentespara homens e mulheres (Bordignon, 1996 apud Quiles, 2000). Estas pesqui-sas confirmam a necessidade de investigar as causas particulares do con-sumo e abuso de lcool segundo o grupo estudado, em vez de definir oalcoolismo como um fenmeno universal/biolgico/individual.

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    3 Contexto e comportamento

    A variao entre grupos se manifesta no s nas diferenas de taxasde alcoolismo, mas tambm no comportamento (MacAndrews e Edgerton,1969). Se o lcool libera as inibies e leva a pessoa a um outro estado denimo e conscincia, o comportamento resultante desta liberao varia deum grupo para outro, porque valores diferentes esto sendo expressos.Assim, estar embriagado no se manifesta igualmente em todos os grupos, necessrio considerar a cultura e seus valores como fatores determinantesdos diferentes estilos de beber e de agir quando se est bbado. Em umapesquisa interdisciplinar conduzida por um antroplogo e um mdico, aolongo de 25 anos, entre os Navajo dos Estados Unidos, foram identificadosdiferentes estilos de beber. Um, eles chamam de tradicional e tem origemna introduo de bebidas destiladas no sculo passado. Este estilo se caracte-riza por beber socialmente, em grupos de homens, em grandes quantidades,durante horas ou dias at cair. Porm, os homens podem passar dias ousemanas sem beber entre estas bebedeiras episdicas. O outro estilo, maisrecente e percebido pelos prprios Navajo como problemtico, a situaoem que a pessoa costuma beber sozinha. Afirmam, tambm, que o compor-tamento manifestado quando um Navajo est bbado no muito diferenteda populao regional (Kunitz e Levy, 1994). Em 1991 os pesquisadoresaplicaram os critrios do DSM III-R (American Psychiatric Association,1987) retrospectivamente aos dados obtidos em 1966, buscando diagnosti-car quais dos seus informantes do primeiro estudo podiam ser consideradosdependentes do lcool. Entrevistaram os que ainda estavam vivos em 1991para registrar suas histrias com lcool no decorrer dos ltimos 25 anos e,no caso dos falecidos, contataram membros da famlia ou outras pessoasque sabiam sobre suas histrias de vida. Era esperado que o diagnstico,segundo os critrios do DSM, identificasse as pessoas com maior probabili-dade, 25 anos depois, de ter resultados negativos (doena, morte, acidentes)em decorrncia da bebida. O estudo sobre os Navajo no verificou estacorrelao. Porm, a distino entre os estilos de beber, se social ou no, foimais til para predizer quem esteve mais exposto ao risco. Assim, 80% doshomens que bebiam socialmente no bebiam em 1991. Contrariando aviso mdica de que o dependente no pode parar de beber espontanea-mente, muitos dos homens Navajo pararam sozinhos ou sem tratamentomdico. Outros continuavam a beber, mas em menor quantidade. Os auto-res identificaram alguns fatores importantes para estas pessoas controla-rem seu consumo, como os valores ligados s responsabilidades familiares, sade, religio e aos laos comunitrios. Para os que bebiam sozinhos

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    havia menor probabilidade de conseguir parar ou moderar seu consumoem 1991, e a causa das mortes ocorridas neste grupo foi mais freqente-mente relacionada ao uso do lcool (Kunitz e Levy, 1994, p. 230).

    Na sua pesquisa sobre os Bororo, Quiles descreve o mesmo fen-meno de beber em episdios intermitentes, apesar de este estilo no sercomum entre os no ndios:

    Todos os observadores consultados, inclusive Bordignon, concordamem afirmar que o hbito de beber lcool entre os Bororo (sic) no segueos mesmos padres que entre a populao geral. Estes ndios bebemde forma intermitente, e inclusive os mais crnicos passam perodos(curtos ou longos) sem beber, coisa que seguramente dispararia umasndrome de abstinncia, com sintomas de sofrimento agudo, nosalcoolistas da populao geral, dada a dependncia fsica que nelesse configura, o que no acontece com os Bororo (Quiles, 2000, p. 65).

    Oliveira (2000) observa que vrios Kaingang pararam de beber semajuda ou apenas filiando-se s igrejas pentecostais. Os Guarani do RioGrande de Sul relataram que aprenderam a beber e como beber nos bai-les do branco (Ferreira, 2001c).

    A pesquisa de Kunitz e Levy importante porque uma das poucasque acompanharam, durante um prazo longo, a vida das pessoas diagnos-ticadas como sendo dependentes segundo a definio mdica. Os autoreslevantam vrios fatores que influenciam o ato de beber e concluem que ocontexto to importante quanto os fatores biolgicos e psicolgicos. necessrio reconhecer a heterogeneidade dos estilos de beber e das possibi-lidades de moderar ou parar de beber. Para refletir sobre esta heterogenei-dade, os autores adotam o conceito carreira para explicar os diferentespadres de consumo atravs do tempo (Kunitz e Levy, 1994, p. 39). Apesquisa confirma os resultados de outras, apontando que o alcoolismono tem uma histria natural como uma doena progressiva que, neces-sariamente, tenha de terminar na abstinncia ou na morte (Vaillant, 1983;Edwards, 1984). Seu uso do conceito de carreira refere-se ao compor-tamento sequencial de um indivduo dentro de um papel social, e con-testa a viso clnica do alcoolismo, cuja definio remete evoluosequencial de processos biolgicos em um organismo individual (Kunitze Levy, 1994, p. 39, grifos do autor). O aspecto social refere-se ao contextoem que a pessoa aprendeu a beber e aquele em que continua bebendo, oque acarreta diferentes carreiras entre as pessoas que abusam do lcool.

    A perspectiva antropolgica insiste no fato de que importante dis-tinguir estas carreiras diversas e seus contextos para identificar as poss-veis causas e orientar o tratamento. O reconhecimento de que o compor-

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    tamento o resultado da interao entre a substncia , a disposio psicolgicae o contexto, com nfase no contexto, corrobora pesquisas feitas sobre ouso controlado de outras substncias, tais como maconha, opiceos, LSD,e outros. Zinberg (1984) argumenta que importante considerar a interaodestes trs fatores que ele chama drug, set e setting e no enfatizardemais os efeitos biolgicos da composio qumica das substncias. Eledemonstrou que o uso controlado de maconha e herona depende larga-mente do contexto no qual o uso foi aprendido e dos contextos subseqen-tes de seu uso. MacRae (1992) adotou a abordagem de Zinberg para enten-der o uso construtivo de ayahuasca (Banisteriopsis sp.) nos cultos do SantoDaime. Langdon (1986; 1992) argumenta que a experincia positiva deayahuasca entre os ndios Siona determinada em maior parte pelo con-texto, e no meramente pelas substncias qumicas encontradas nas dife-rentes misturas que eles bebem. A. Sell, um mdico que realizou pesquisasinterdisciplinares, analisa os efeitos positivos de psicodlicos em geral (Sell,1996), e da experincia de ayahuasca na forma como usada no contextodo Santo Daime (Groisman e Sell, 1996)2.

    Assim, se queremos estabelecer programas de preveno e trata-mento, necessrio preocupar-se com as manifestaes e contextos parti-culares do abuso de lcool de um grupo indgena especfico, e no traba-lhar com a viso de alcoolismo como uma manifestao universal e abs-trata ou como resultado de causas psicolgicas que podem explicar por-que determinada pessoa se torna alcolatra e outra no. As taxas dealcoolismo, o comportamento do bbado, e as principais causas de abusode lcool representam fenmenos coletivos. Os estudos citados conclu-ram que o comportamento ligado ingesto de bebidas alcolicas deter-minado pelo meio social. Portanto, para ser entendido, necessrio explo-rar os valores culturais, o processo histrico, a atualidade scio-polticado grupo e as situaes nas quais aprende-se a beber e continua-se be-bendo (Singer, 1986; Singer et al., 1992; Quiles, 2000; Ferreira, 2001b, c).

    4 Contextos tradicionais

    A fabricao e uso de bebidas fermentadas e de substncias psicotr-picas iniciaram-se com a prpria humanidade e com a criao da vidaritualizada. Talvez por ser mais desconhecido na sociedade europia, ouso de substncias psicotrpicas em outras culturas tem recebido muitomais ateno dos pesquisadores do que o uso de bebidas fermentadas.As pesquisas tambm tm sido marcadas pela interdisciplinaridade,

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    envolvendo a colaborao dos campos de etnobiologia, etnofarmacologia,neurofisiologia, psiquiatria e antropologia, e, tambm, por uma aberturamaior na interpretao dos efeitos da ingesto destas substncias comoresultado da interao entre a substncia, a cultura e o contexto3. Talvezisto se deva aos poderes especiais destas substncias em alterar a conscin-cia, ou pelo exotismo dos sistemas xamnicos e dos rituais associadoscom seu uso. Em geral, o uso tradicional destas substncias caracteriza-do principalmente como o sagrado e a cosmologia. H certos pesquisado-res que afirmam que seu uso to antigo quanto os ritos religiosos etalvez tenha tido um papel fundamental nas primeiras experincias dextase religioso (Wasson, 1972; LaBarre, 1972). Entre os ndios sul-ame-ricanos, particularmente os da Amaznia, substncias psicotrpicas soempregadas para entrar em contato com o mundo invisvel e/ou aumen-tar o poder do indivduo para obter resultados positivos na cura, na caae pesca, na guerra, na agricultura, etc. Em geral a literatura enfatiza ouso positivo e coletivo destas substncias, apesar de o uso para fins defeitiaria tambm fazer parte de seu papel nas tradies xamnicas. Osingredientes empregados para a preparao, o modo de preparar e amaneira de tomar, variam de um grupo tnico para outro. De todas assubstncias conhecidas, o tabaco a mais empregada de forma ritual,mas existem muitas outras que so utilizadas, dependendo da regio edo grupo.

    Como apontado acima, as substncias tendem a ser ingeridas emsituaes controladas e seu uso marcado pela integrao com acosmologia e viso de mundo do grupo. As razes que levam ao uso e osefeitos desejados e esperados so claramente definidos pelos participan-tes do grupo, e estes so estimulados e compartilhados atravs de vriastcnicas rituais (Langdon, 1986; 1992).

    O olhar cientfico para o uso tradicional de bebidas fermentadasno tem sido to intensivo como no caso dos psicotrpicos, talvez porquetais substncias sejam comuns na nossa cultura, de maneira que suapresena em outras no suscite tanto interesse. Alm disso, possumosum saber cientfico e opinies formadas sobre o abuso de lcool e, assim,o valor da comparao de seu uso em outras culturas no parece serfrutfero. Porm, o uso de bebidas fermentadas documentado nas etno-grafias e possvel fazer certas generalizaes sobre seu uso tradicional.

    Em primeiro lugar, importante reconhecer que as bebidas fermen-tadas formam parte integrante da construo de vnculo social, pois souma manifestao importante de sociabilidade inter e intragrupal. Entreos povos amaznicos a rotina da vida cotidiana suspensa pelos ritos e

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    festas coletivas, nos quais as bebidas fermentadas so ligadas ao sagrado,ao divertimento, reciprocidade e, em certos casos, poltica. Muitasfestas so cclicas, marcando pocas especficas do calendrio anual: acolheita de certas frutas, a mudana de estaes, etc. Estas podem levarsemanas de preparao e envolver a participao de outras comunidades,durando dias. A preparao e ingesto de caiuma, chicha, ou outras bebi-das semelhantes foi, no passado, indispensvel para estimular a sociabili-dade e facilitar as negociaes de casamento e outras alianas com outrascomunidades. Existem tambm festas que tm uma natureza mais espon-tnea, marcando momentos particulares, como uma boa caada ou co-lheita, um empreendimento coletivo, ou uma festa familiar. Alm de con-tribuir para a sociabilidade e o divertimento, entre alguns grupos, asbebidas fermentadas so usadas em ritos que contribuem para a expressosimblica da prpria sociedade, de sua manifestao frente ao divino eda conscincia coletiva. Portanto, a anlise comparativa demonstra queo consumo tradicional destas substncias tem um papel construtivo(Douglas, 1987) e constitutivo do grupo.

    Um exemplo do papel construtivo do lcool o uso tradicional dechicha feita de mandioca, milho ou frutas fermentadas, pelos ndios Siona,um grupo Tukano da Colmbia. Tradicionalmente, este grupo organizafestas para tomar chicha durante dois ou trs dias e noites contnuos,como parte de seus processos polticos e sociais. Entre eles, a chicha tradicionalmente consumida para criar consenso comunitrio quandoh divergncias sobre certos assuntos tais como a escolha de uma novaliderana , para criar relaes amigveis entre dois grupos, ou pararealizar trabalhos ou celebraes comunais. As reunies tm o carterde divertimento e alegria, sendo momentos de demonstrao da capaci-dade para a oratria poltica e reafirmao de sentimentos coletivos ealianas entre grupos. Apesar de um dos objetivos ser embriagar-se mes-mo, o quanto ser bebido e a durao da festa so calculados consciente-mente pela quantidade de chicha preparada para o evento. Quando acabaa chicha, a festa termina e as pessoas partem felizes para suas casas.

    Podemos tomar outro exemplo, o caso da Festa do Kiki realizadapelos ndios Kaingang do sul do Brasil e conhecida localmente como afarra dos ndios (Crpeau, 1994, 1995; Almeida, 1998). At o incio dosculo vinte, parece que este rito em homenagem aos mortos foi reali-zado em todas as aldeias Kaingang (Baldus, 1979). Hoje em dia s osKaingang de Xapec ainda mantm este rito como afirmao simblicade sua identidade tnica, da sua organizao social e das relaes recpro-cas entre os vivos e os mortos e entre as duas metades que formam sua

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    sociedade. O rito liga o grupo ao ciclo anual da natureza, sua mitologiae s mortes que aconteceram no perodo desde o ltimo Kiki. Ele marcadopor vrios momentos rituais: tombar a rvore do pinho e fazer o cochoonde ser preparada a bebida kiki, feita tradicionalmente de mel parasua fermentao no prprio cocho; realizar trs noites de fogo finalizandocom uma viagem ao cemitrio na qual cada metade do grupo reza sobreos tmulos dos mortos da outra metade. Na volta, o cocho, que estevecoberto durante vrias semanas para a fermentao, aberto, e a comuni-dade festeja at que termine a bebida. Todas estas atividades so organi-zadas por grupos de parentesco, divididos em duas metades, Kam eKairu, cada uma com suas responsabilidades organizadas de maneirarecproca. A metade Kam complementa e realiza atividades para a Kairu.

    Hoje em dia, a cachaa4 acompanha quase todas as atividades dorito e tambm colocada junto ao mel no cocho, fazendo o rito ter aaparncia de uma grande bebedeira. Para o observador, que no entendeo significado simblico do rito, atingir um estado exagerado de embriaguezparece ser a razo central de sua realizao. Porm, o carter construtivopara o grupo social, a reafirmao da identidade tnica e das relaescom os grupos de parentesco, com os mortos e com a natureza, se mantmcomo a funo principal do rito.

    Enfim, a maneira de beber, quando e o quanto beber so definidosem cada cultura indgena conforme factores tnicos especficos. O consu-mo de bebidas fermentadas, tradicionalmente, uma manifestao dasatividades construtivas para o grupo social, expressando sensaes e valoresparticulares ao grupo. Os ndios aprendem a beber segundo seus prpriosvalores e conforme os comportamentos manifestados por seu grupo. Paramuitos destes grupos, porm, as tradies de beber mudaram e o compor-tamento atual, em grande parte, no pode ser explicado pelas tradiesdo passado (Saggers e Gray, 1998). Antes do domnio das sociedades ind-genas pela civilizao de origem europia, o uso das tradicionais bebidasfermentadas era marcado pelo controle e pelos limites socioculturais, oque no mais ocorre na maior parte dos grupos sul-americanos. O estudodos Bororo (Quiles, 2000), um dos poucos no Brasil que explora em pro-fundidade as motivaes e as mudanas de comportamento de beber, con-firma esta observao. Tradicionalmente os Bororo preparavam sua chichapara ficarem alegres e beberem sem violncia. O comportamento dos quebebem cachaa hoje caracterizado por agresso e violncia fsica, e osvalores associados ao comportamento do bbado so influenciados signi-ficativamente pela introduo das bebidas destiladas, pelo processo depacificao e pela insero do ndio na sociedade envolvente5.

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    5 Bebidas destiladas na atualidade indgena

    Quando consideramos a problemtica do alcoolismo nas comuni-dades indgenas importante ter clareza de como estamos conceituandoalcoolismo. Como j visto, em geral, o problema encarado como umadependncia biolgica individual e as taxas de alcoolismo so interpreta-das como um indicador do nmero de indivduos dependentes. Meu argu-mento que, no caso indgena, melhor deslocar o conceito de alcoolismodo campo fsico/individual para o campo coletivo/social, no qual o alco-olismo deve ser pensado como um fenmeno construdo atravs do tempoe da histria de contato dos ndios com a sociedade mais ampla.

    Se, tradicionalmente, o uso do lcool contribuia positivamente paraa coletividade, como vimos no caso dos Kaingang, Siona e Bororo, hoje,o ato de beber frequentemente foge s formas de uso tradicional e trazconseqncias negativas para a comunidade. Os ndios no esto bebendoas mesmas substncias, aprenderam beber em contextos novos e conti-nuam bebendo em contextos diferentes dos tradicionais. Estas mudanastrazem consequncias altamente negativas para os grupos, no interiorde suas comunidades, que se expressam como violncia geral e familiar,desnutrio, danos sade das crianas na forma de Sndrome FetalAlcolica em mes alcolatras, atropelamentos nas estradas, etc.

    O uso atual de bebidas destiladas tambm traz consequncias nega-tivas para as relaes externas ao grupo. Alm dos problemas de ordempblica e judicial, o abuso do lcool acarreta um aspecto negativo para arepresentao tnica dos grupos indgenas, no sentido de que ser alcola-tra uma caracterstica que a sociedade brasileira atribui ao ndio parajustificar sua excluso social. Todos j ouvimos, mais de uma vez, certaspessoas questionando os direitos indgenas ou os programas sociais a favordeles, acusando-os de serem bbados, pobres, sujos e preguiosos e, emvirtude disso, alegando que no merecem ser respeitados. Os prprios n-dios no ignoram estas acusaes, nem como so estereotipados. AldoLitaiff (1996) demonstrou isto claramente na sua pesquisa entre os Guarani-Mby de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. O discurso do cacique VerMirim, objetivando definir o que ser Mby para Litaiff, enfatizou suaconscincia da relao de poder e da estigmatizao implcita na dicotomiandio/branco e que ser ndio no mundo dos brancos ser subalterno.Quanto bebida alcolica, nos discursos dos Mby aparecem preocupa-es em responder s acusaes feitas pelo branco, afirmando que ndiopuro mesmo, Guarani, no bebe (Litaiff, 1996, p. 142-45).

    Para examinar a questo do alcoolismo de uma perspectiva social,precisamos deslocar a problemtica do alcoolismo no s do campo indi-

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    vidual, mas tambm do raciocnio de que o alcolatra o culpado, sejapor irresponsabilidade ou por fraqueza mental ou biolgica. Precisamosdesloc-la para o campo poltico/histrico, procurando as solues emconjunto com as comunidades. necessrio construir programas de pre-veno junto s sociedades indgenas, indagando a elas os fatores coleti-vos e especficos ao grupo que contribuem para a incidncia do alcoolismo.Os fatores biolgicos e psicolgicos no so suficientes para explicar adiferena nas taxas de alcoolismo entre grupos indgenas, nem a razodas manifestaes comportamentais exibidas pelos bbados. necessrioindagar sobre os fatores mltiplos que convergem para determinar o fen-meno coletivo de alcoolismo entre os grupos indgenas do Brasil6.

    6 Alcoolismo e a situao do ndio frente sociedade envolvente

    Sem ignorar o fato de que cada grupo tem sua prpria histria, possvel indicar alguns aspectos gerais sobre os resultados do processo decontato no Brasil que devem ser levados em conta no entendimento daatualidade desses povos, permitindo compreender as possveis razes doalcoolismo entre eles. Este processo tem sido violento de vrias maneiras.Podemos citar as guerras contra os ndios e as agresses fsicas que continu-am at o presente em certas regies do pas. No sul, a caa dos ndios pelosbugreiros a favor da expanso dos colonos continuou do sculo passadoat este (Santos, 1974; Tomassino, 1998). Santos (1997), especialista nahistria de Santa Catarina, recentemente publicou um livro, recomendadopara os que no conhecem a histria da colonizao do sul do pas peloseuropeus, amplamente documentado com fotografias que demonstram asinjustias cometidas contra os Xokleng no sculo vinte7. Nesta documenta-o, a tragdia e a transformao da suas vidas se visualizam dramatica-mente. Outro exemplo, ainda mais trgico e recm documentado, o exter-mnio dos Xet do Paran durante as dcadas de 1950 e 1960 (Silva, 1998;2003). Em dez anos, o grupo de 300 pessoas foi reduzido a pouco mais deuma dzia de crianas e adolescentes. Em ambos os casos, a violncia setornou ainda mais marcante com a introduo de novas doenas e o raptosistemtico das crianas que, s vezes, se encontravam numa situao dequase escravido em que poucos chegaram idade adulta.

    O caso dos Xet bastante dramtico por se tratar de um genocdiototal em to pouco tempo e por ter acontecido h menos de 40 anos.Porm, a violncia e as doenas que o grupo sofreu so caractersticas doprocesso de dominao em todo o Brasil. O papel das epidemias comofator importante no contato no deve ser subestimado. Sabemos que, ao

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    primeiro contato com as doenas europias, as sociedades amerndiasperderam entre 50% e 70% de seus membros. Deste modo, as epidemiastrazidas pelos brancos desempenharam um papel central na reduodrstica da populao indgena (Ribeiro, 1982, p. 208). Tambm impor-tante reconhecer que estes fatores biolgicos se combinaram com fatoressociais e polticos para terem resultados to letais:

    As epidemias so normalmente tidas como o principal agente dadepopulao indgena () aqui eram os ndios que morriam: agentespatognicos da varola, do sarampo, da coqueluche, da catapora, dotifo, da difteria, da gripe, da peste bubnica, possivelmente a malria,provocaram no Novo Mundo o que Dobyns chamou de um dos maio-res cataclismos biolgicos do mundo. No entanto, importante en-fatizar que a falta de imunidade, devido ao seu isolamento, da popu-lao aborgene, no basta para explicar a mortandade, mesmo quandoela foi de origem patognica. Outros fatores, tanto ecolgicos quantosociais, tais como a altitude, o clima, a densidade de populao e orelativo isolamento, pesaram decisivamente. Em suma, os microor-ganismos no incidiram num vcuo social e poltico, e sim num mun-do socialmente ordenado (Cunha, 1992, p. 12-13, grifos da autora).

    Carneiro da Cunha est se referindo particularmente poltica dosmissionrios e rgos oficiais de aldeamento, que concentrava a popula-o indgena em grupos de alta densidade, o que favoreceu as epidemias.

    importante considerar um outro aspecto da inter-relao entre osocial e o biolgico que determinou a mortandade das epidemias, isto , osimpactos sociais e psicolgicos destes desastres. A chegada repentina deuma epidemia resulta na incapacitao simultnea de quase todos os mem-bros de uma sociedade, o que gera uma situao de desespero e medo,levando a mudanas brutais e permanentes nas formas de organizaopoltica, social, e familiar. A queda da populao dos Xokleng de Ibirama,de 400 para 106 pessoas em menos de 20 anos (Santos, 1997), represen-tativa da depopulao geral das comunidades indgenas devido s epide-mias. Com a perda da maioria de seus membros, os grupos de parentesco,a base da organizao social, foram se desintegrando. No somente indi-vduos queridos morreram, mas integrantes da rede social sustentada porpapis sociais recprocos desempenhados por seus membros. Deste modo,as mortes em massa deixaram brechas no tecido social, freqentementesem possibilidade de recuperao (Ribeiro, 1956). Os sistemas tradicionaisde liderana e de reciprocidade econmica e social desabaram e os sobre-viventes tiveram que criar outras formas de se associar e se relacionar.

    Em muitos casos, a perda dos membros do grupo implicava tam-bm a perda de certos conhecimentos e atividades rituais centrais para a

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    manuteno do grupo. Isto aconteceu nas situaes em que somente asgeraes mais novas sobreviveram, pois as mais velhas so freqentementeespecialistas nos conhecimentos do grupo. No caso extremo temos osXet, em que os poucos sobreviventes jovens foram dispersos e isoladosuns dos outros, resultando no extermnio total do grupo, tanto socialcomo culturalmente. Os Waimiri-Atraori perderam quase todos os adul-tos mais velhos quando 2/3 de sua populao morreu entre 1973 e 1983.A maior parte dos sobreviventes, confinada, isolada e controlada peloPrograma Waimiri-Atroari (Baines, 1992), tinha menos que 30 anos em1991 (Espndola, 1995). A morte dos mais velhos significa uma perdainestimvel da sabedoria e do conhecimento tradicionais, pois os poucospajs e outros especialistas em rituais pertencentes ao grupo, so indiv-duos encarregados no somente dos ritos de cura, mas tambm da realiza-o dos ritos sagrados que afirmam a identidade cultural.

    Resumindo, importante reconhecer que o contato dos povos ind-genas com os europeus resultou em vrias conseqncias que deixaramas sociedades indgenas enfraquecidas em nmeros, em organizaosocial e em herana simblica. Lembranas destas catstrofes ainda fa-zem parte da memria dos ndios, que contam verses diferentes das dahistria oficial sobre os resultados do contato. Citando novamente osXokleng de Santa Catarina, uma pesquisa realizada por Urban (1985)demonstrou que os sobreviventes lembraram das epidemias e mortes queos afligiram como uma das caractersticas mais marcantes do contato.Igualmente, as narrativas Siona sobre as epidemias, que devastaram 75%de sua populao entre 1900 e 1925, esto cheias de lamentos da perdada liderana e sabedoria dos pajs, principalmente nos seus ritos quevisavam a garantia de uma vida comunitria saudvel.

    Alguns pesquisadores esto iniciando a documentao de casosespecficos, analisando o resultado do contato, particularmente com asfestividades no-ndias, sobre novos valores ligados ao ato de beber e osnovos padres de comportamento. Quiles (2000) concluiu que, para osBororo, a embriaguez est ligada fora e coragem, sexualidade, alegria e disposio e identidade tnica. Os Guarani dizem que so osbailes , onde bebem e ouvem a msica sertaneja, que lhes fazem pensarem sexo (Ferreira, 2001b). O significado de beber vem, em parte, dosusos tradicionais das bebidas fermentadas do grupo em questo: quandoe quanto foi ingerido e para que fins. Mas, como as pesquisas recentes noBrasil demonstram, necessrio ir alm da tradio cultural e reconhecera violncia que as populaes indgenas tm vivenciado e continuamvivenciando. A situao atual destas etnias resultado da violncia, das

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    mudanas e dos obstculos trazidos pelo contato, o que dificulta queelas pratiquem seu modo de vida e tenham uma vida saudvel. A questoda sade indgena vai alm da sade no seu senso estrito (UNI, 1988)e envolve o acesso pleno aos servios de sade, educao e ao direitode manuteno da vida, implicando na necessidade de garantir que, comtodas as mudanas scio-econmicas, o ndio possa contar com maneirasde sobrevivncia que lhe permitam sair da posio marginal em que seencontra na sociedade brasileira. Como cada etnia, alm de sua especi-ficidade cultural, tem tambm sua especificidade poltica, histrica e eco-nmica, necessrio procurar solues individuais para cada caso.

    H, assim, outros aspectos do contato que fazem parte da histriados ndios frente ao Estado que devem ser explorados. Quais so as conse-quncias da perda de territrio e confinamento que inviabilizam as prti-cas tradicionais de subsistncia? Qual o impacto da poltica de tutelado ndio na construo de sua identidade na sociedade pluri-tnica, umregime no qual ele no adulto nem criana, ou seja, um sujeito a serprotegido pelo Estado, mas sem os direitos plenos da cidadania? Quaismecanismos de controle tm sido exercidos pelos brancos? A introduoda bebida destilada fez parte destes mecanismos de dominao e controle,como aconteceu em outros lugares do mundo (Singer, 1986) e entre osBororo (Quiles, 2000) e os Kaingang (Oliveira, 2000) no Brasil?

    preciso tambm refletir sobre o momento e a insero atuais dondio na sociedade nacional. Por exemplo, os ndios do sul do Brasil estonuma situao diferente em relao aos da regio do Xingu ou da selvaAmaznica, pois vivem nas regies mais ricas e desenvolvidas do pas.Pelo menos nas regies sul e sudeste, os habitantes tm uma renda maior,acesso educao e uma rede de sade pblica melhores. Ao mesmo tempo,esta situao favorvel no inclui os ndios. Paradoxalmente, eles vivemem condies miserveis com diversos problemas de sobrevivncia, sade,educao, etc. A situao dos Kaiow-Guarani uma das mais precrias,resultante dos ltimos 50 anos de reduo de territrio, desmatamento evulnerabilidade frente sociedade envolvente (Almeida, 1988; Brand, 1997).No surpreendente, ento, que o atual quadro epidemiolgico dos ndiosdesta regio se caracterize no tanto por doenas epidmicas, comunsentre os ndios recm contactados, mas por doenas endmicas e carenciaisdevido a sua situao particular numa das regies mais ricas do pas.

    As doenas carenciais desnutrio, parasitas, alcoolismo sotodas indicadoras da falta das necessidades bsicas da vida: garantia desubsistncia, educao, sade e tolerncia com seu modo de vida(UNESCO, 1997). Os indgenas no sul vivem entre uma populao euro-

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    pia que os estigmatiza e faz com que a acusao de alcolatra faaparte da identidade deteriorada atribuda a eles pelos brancos.

    7 Consideraes para os Programas de Preveno e Controle doAbuso de lcool

    Entre os ndios do Brasil, uma multiplicidade de fatores determinamcomo, o qu e quando beber, e aqui ressaltamos que os mais importantestm origem nos contextos em que a pessoa aprende e se acostuma a beber.Procuramos demonstrar que o alcoolismo um fenmeno heterogneo eno uma doena universal nas suas manifestaes e causas. O abuso delcool por certos grupos indgenas est relacionado ao processo de pacifi-cao e situao atual do ndio frente sociedade envolvente. O alcoolis-mo, em conjunto com outros esteretipos negativos, faz parte da identi-dade do ndio segundo o consenso de muitos brancos. Como reverter,ento, as altas taxas de alcoolismo entre os grupos indgenas?1) Sugiro que, em primeiro lugar, examinemos nossos prprios preconceitos

    sobre alcoolismo, para que nosso trabalho sempre reflita o reconhecimentode que o alcoolismo produto do contexto social/poltico/histrico eno uma doena na qual o doente culpvel. Como sugere Quiles (2000,p. 24), melhor usar o termo comportamento alcolico para referir-ses manifestaes do consumo de lcool, pois ele nos permite reconhecerque o fenmeno mais uma questo de estilo de beber do que uma doena.

    O uso do termo de alcoolismo tem implicaes negativas para otratamento, como demonstram Kunitz e Levy (1994, p. 40, traduoda autora): o processo de definir ou rotular a condio como doenatem implicaes profundas para a pessoa que a vivencia e para o resulta-do dela. Ao comparar as diferenas dos valores e das reaes comuni-trias ao consumo de lcool, entre os ndios Hopi e Navajo, com altastaxas das mortes destes dois grupos atribudas cirrose do fgado, osautores verificaram que as taxas dos Hopi estavam mais altas que asdos Navajo devido s atitudes negativas e repressivas que a sociedadeHopi exercita sobre os membros que bebem demais. Examinando a carrei-ra de outra doena, a de epilepsia, Levy demonstrou que a maneiracom que os Navajo rotulam a doena em crianas cria vrios problemassociais e mdicos. Em contraste, os Pueblo tratam as crianas com epilep-sia do modo mais normal possvel, evitando tais problemas, o que fazcom que ela se torne mais independente na adolescncia (Kunitz e Levy,1994, p. 41). Quiles (2000) percebeu que o conceito de alcoolismo no

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    foi produtivo nos programas de tratamento, porque para os Bororo eleimplica preconceito, culpa e identidade estigmatizada. Deste modo, elesse sentiam julgados pelas conotaes negativas e patolgicas do termo.Como Kunitz e Levy afirmam nas suas observaes sobre os progra-mas de tratamento entre os Navajo, o conceito de alcoolismo como do-ena j esgotou seu valor no tratamento do abuso de lcool.

    2) Em segundo lugar, qualquer programa deve identificar os diferentesestilos de beber entre os grupos da comunidade e os diversos contextosem que se aprende a beber. Seria necessrio indagar quais so os valo-res associados aos diferentes estilos e tambm s possveis funes,negativas e positivas, que os comportamentos tm para os grupos.Pesquisas de redes sociais e estudos longitudinais observando certasfamlias podem ajudar a revelar estas diferenas entre grupos e estilosde beber. No se deve esquecer que a comunicao e a colaborao daprpria comunidade para obter estas informaes imprescindvel.Os ndios tm percepes importantes sobre o fenmeno (Souza et al.2001; Benite et al. 2001) e muitos inclusive, como os Guarani (Ferreira,2001a), praticam tratamentos indgenas positivos que devem ser incor-porados e/ou estimulados pelas programas de sade.

    3) Enfim, o mais importante a necessidade de se trabalhar junto comas sociedades envolvidas, indagando a seus membros o significadodas bebidas alcolicas na tradio cultural e no momento atual, e bus-cando entender quais so suas preocupaes e as possveis respostasaos problemas. Os programas devem ser orientados para a educaoe preveno em grupos especficos identificados como tendo problemasde abuso de lcool, tais como as mulheres e os adolescentes.

    importante tambm identificar as lacunas quanto informaoque os membros das comunidades tm sobre as consequncias do alcoo-lismo. Apesar do fato dos Navajo estarem extremamente preocupadoscom o abuso de lcool, eles no estavam conscientes de todas asconsequncias que esse abuso poderia acarretar s suas famlias e aogrupo. A educao orientada comunidade sobre as consequncias ne-gativas do abuso de lcool teve resultados positivos (Kunitz e Levy, 1994).

    Segundo o estudo de Kunitz e Levy, que acompanhou as taxas dealcoolismo entre os Hopi e Navajo durante 25 anos, os programas depreveno que incluem a comunidade comprovaram ser mais eficazesdo que os programas de tratamento nos anos 60, que se concentraramno tratamento do indivduo atravs da internao espordica at quepassasse a crise de abstinncia. Estes programas culparam as vtimas eignoraram os efeitos do abuso na psicologia do alcolatra e da sua famlia.

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    No final da dcada de 70 o enfoque mudou para preveno e educaoentre os grupos que foram identificados como problemticos devido aosseus estilos de beber, incluindo mulheres e adolescentes. Kunitz e Levyobservaram que o comportamento alcolatra dos Navajo tinha melhora-do em 1991, possivelmente em funo destes novos programas. Os autorescitam como positivo o aumento da participao da comunidade, o est-mulo que os novos programas deram para a preservao de terapiasindgenas tradicionais e as mudanas na conceitualizao sobre alcoolis-mo de doena para um fenmeno de comportamento. Eles observaramque os programas de preveno tm funes latentes que devem ter contri-budo tambm para melhorar as relaes inerculturais do grupo, taiscomo novos empregos, um novo senso de poder (empowerment), a preser-vao do conhecimento religioso e um sentido de identidade cultural. Aequipe com profissionais da FUNASA e da UFRGS que vem trabalhandocom os Guarani do Rio Grande de Sul, observou que a discusso em siparece ter estimulado efeitos positivos justamente por causa da inclusodas lideranas e pajs no entendimento do problema (Ferreira, 2001c).

    A preveno do abuso de lcool uma questo de educao e sadecomunitria, deve, portanto, estar orientada para as necessidades de cadacomunidade e baseada na sua participao em todas as fases do processo.Estes programas esto ligados s opes e alternativas de vida que ogrupo tem na sua situao de contato atual com a sociedade envolvente.Assim, as possveis solues para a preveno do problema devem serorientadas para a construo de uma sobrevivncia saudvel e uma identi-dade positiva, e no somente s atividades diretamente orientadas ques-to do alcoolismo como doena. Se o alcoolismo o resultado de vriosfatores ligados indiretamente a este comportamento, as solues para asua preveno tero necessariamente que procurar lidar com estes fatores.

    Notas1 Esta tabela tem vrias edies, o mais novo sendo o DSM-IV (American PsychiatryAssociation, 1994).2 Apesar de no ter realizado uma pesquisa sistemtica, j observei certos ndiosque fabricaram cocana para vender, deixarem o hbito de us-la por questes desade e responsabilidades familiares. Veja Velho (1998) para o uso social demaconha, LSD, e cocana entre grupos de classe mdia.3 Estou me referindo s pesquisas em culturas no-ocidentais. As que tratam do usodestas substncias ou outras substncias ilcitas na nossa sociedade tendem aencar-las como problema, enfatizando a dependncia e a universalidade dos efei-tos fsicos como o centro do problema.4 Cachaa, feita de cana, a bebida destilada mais barata e mais comum no Brasil.

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    5 Garnelo (comunicao pessoal) afirma que a cachaa est presente em quase todasas aldeias na regio do Alto Rio Negro, inclusive as mais isoladas. Ela tomadapura ou adicionada caiuma, tendo como resultado um aumento marcado deviolncia e brigas nas festas e outros eventos sociais.6 Veja Benite, et alli (2001) para uma anlise nativa da introduo das bebidas destila-das e as causas sociais, econmicas e histricas do abuso destas entre os ndios hoje.7 A violncia foi denunciada numa reunio do Congresso Internacional deAmericanistas no incio do sculo vinte, mas os antroplogos julgaram o assuntoirrelevante aos seus fins cientficos (Penny 2003).

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    Recebido em 07 de julho de 2005.Aprovado para publicao em 10 de agosto de 2005.