lagoa dos barros

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Lagoa dos Barros

Julio A. Sinara1

Prefacio Lagoa dos Barros um vasto lenol natural de gua doce, localizado entre os municpios de Osrio e Santo Antonio da Patrulha no estado de Rio Grande do sul. Neste lugar nasceram diversas lendas que at hoje assustam aos moradores e visitantes I. Finalmente de frias Depois de visitar vrios clientes, Jorge retornou ao escritrio visivelmente cansado. Bebeu um caf enquanto baixava a correspondncia acumulada durante o dia. Um e-mail enviado por uma imobiliria de Osrio chamou sua ateno. Nele era oferecida uma linda residncia, na beira de uma lagoa de guas transparentes e calmas. Ligou para o nmero destacado na publicidade, onde foi atendido prontamente por uma clida voz feminina: ----- Maria Luiza fala. Em que posso ajudar? ----- Gostaria de saber se a casa da Lagoa dos Barros se encontra ainda disponvel ----- Est esperando pelo senhor ----- Brincou a corretora. ----- possvel alugar por duas semanas a partir da segunda feira? ----- Com certeza! ----- Posso fazer a reserva pelo telefone? ----- Sim claro Jorge forneceu seus dados e marcou um encontro no litoral, para assinar o contrato, pagar o valor acertado e conhecer a residncia. Ao trmino da janta falou para sua esposa e filhos: ----- Tenho uma boa noticia! ----- Se boa: pode falar ----- Diz sua mulher Patrcia sorrindo. ----- A maioria dos clientes tomar frias a prxima semana, portanto poderemos ficar alguns dias no litoral ----- Huauuu! Que boa noticia pai, voc merece um descanso! ----- Manifestou Jorginho, o filho caula de dez anos. ----- E nos tambm----- Complementou a filha Nicolle de treze anos. ----- Vou estrear o mai novo ----- Comentou Patrcia. ----- Hoje pela manh aluguei uma linda casa na beira de uma lagoa perto de Osrio. Nesse lugar tranqilo e bonito, conseguiremos relaxar e recuperar as foras perdidas ---- Falou sorrindo. ----- No vamos a Torres? ----- Perguntou curiosa Patrcia. ----- Sero frias diferentes, longe dos agudos apitos dos vendedores de sorvetes e das longas filas dos supermercados. Vamos a descansar numa linda casa na beira da Lagoa dos Barros ----- Lagoa dos Barros? Aquela que tem vrias lendas? ----- Perguntou a mulher.

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----- A mesma ----- Respondeu Jorge entusiasmado. ----- Dizem que no centro tem um redemoinho que suga tudo o que encontra---Manifestou um pouco preocupada a esposa. ----- So historias de pescadores, nada disso verdadeiro. Atualmente fazem competies de windsurf, vagens de barco e ningum desaparece. ----- Quando pequena meu pai contava varias lendas desse lugar. ----- A nica historia verdadeira aconteceu em 1940: um sujeito matou sua noiva no dia do casamento e lanou o corpo nessas guas ----- A partir de ento, vrios motoristas dizem ter visto uma noiva caminhando pelo lugar ----- Argumentou novamente Patrcia. ----- Ser que uma profissional como voc, acredita nessas historias inventadas pelos nativos da regio? Ela movimentando a cabea respondeu: ----- A cincia no tem respostas validas para muitas incgnitas do passado, embora nos encontremos em pleno sculo 21. As crianas escutavam atentamente a conversao, especialmente Nicolle. Ela bastante preocupada perguntou: ---- Vamos a passar as frias numa lagoa mal assombrada? ---- Besteiras querida. As pessoas inventam historias para levar turistas ao local, nada disso verdadeiro. ----- Que lstima, pensava que estas frias seriam emocionantes, com remoinhos engolindo gente, bruxas de branco caminhando pela Free Way, mas pelo visto vai ser a mesma coisa! ----- Caou Jorginho rindo. ----- Existe algo de verdade em todo isso? ----- Perguntou novamente Nicolle. ----- Mitos, somente mitos querida. Vamos passar dias muito agradveis. Tomaremos banho, jogaremos frescobol, viajaremos de barco e principalmente descansaremos.

II. A chegada

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Durante o fim de semana a famlia separou roupas e todos os pertences que seriam usados durante as prximas duas semanas. Patrcia e Nicolle permaneciam caladas e porque no dizer, um pouco desanimadas com a opo de Jorge, mesmo assim no reclamavam da situao. Por sua vez os homens da casa, brincavam dizendo que levariam algumas caixas de plstico para caar fantasmas. As incgnitas envolvendo a Lagoa dos Barros proporcionavam um tempero especial. A primeira hora da Segunda Feira partiram ao litoral. Durante a viagem Jorge entrou em contato com a corretora para marcar o lugar do encontro. Depois de duas horas de viagem, uma jovem de olhos claros, os esperava num posto de combustvel no Quilometro Um da Estrada do Mar. Sorrindo Maria Luiza os cumprimentou: ----- Bom dia senhor Jorge. Teve uma boa viagem? ----- Bom dia. Sem novidade ----- Que dia lindo. Vamos a conhecer o lugar? ----- Vamos. Seguiram atravs de um estreito caminho de terra que beirava a lagoa. Depois de alguns minutos encontraram um imponente sobrado branco, identificado com o numero 1940, onde se destacava um enorme terrao no segundo andar. Uma ampla sala de estar, com uma formosa lareira de pedras, os recepcionou de forma aconchegante. Quando foram abertas as grandes janelas da sala, um ar morno invadiu o ambiente. No segundo andar duas sutes compartilhavam o terrao que proporcionava uma maravilhosa vista lagoa. O sol e o ar com aroma de flores silvestres, produziam uma agradvel sensao de bem estar. ----- Espero que hajam gostado ----- Manifestou Maria Luiza. ----- muito bonita ----- Respondeu Patrcia. Depois de assinar o contrato e pagar o valor previamente negociado, a corretora falou: ----- Volto em duas semanas. Boas frias ----- Tchau----- Responderam em coro. Durante a manh descarregaram o carro, de tarde visitaram a praia localizada na frente da casa. Era um lugar verdadeiramente cativante. No decurso do tempo que passaram na praia, nenhuma pessoa os importunou, o que garantiu a tranqilidade desejada. Ao cair a noite jantaram numa espaosa mesa de fina madeira, com doze cadeiras talhadas a mo. Nesse momento Jorge perguntou para a famlia: ----- Gostaram do lugar? ----- Muito agradvel ----- Respondeu Patrcia.

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----- Foi um verdadeiro acerto! ----- Confirmou Jorginho. ----- A casa muito bonita ----- Foi a opinio de Nicolle. ----- Fico feliz de escutar essas palavras. Agora vamos desfrutar cada minuto ----- O que chamou minha ateno foi o valor do aluguel ------ Manifestou Patrcia. ----- Porque motivo? ----- Uma casa to completa, num lugar to bonito, deveria ser muito mais cara. ----- As residncias neste setor, no so procuradas. O pessoal de Porto Alegre prefere o mar ----- Respondeu Jorge. ----- Mesmo assim muito barato ----- Insistiu a mulher.

III. A primeira noite

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Os dormitrios eram amplos e claros. No quarto das crianas duas camas de solteiro esperavam por Nicolle e Jorginho. No outro dormitrio, uma enorme cama de casal com suaves lenos brancos se apresentava como uma miragem, ante os olhos do casal. Em poucos minutos os cansados viajantes dormiam profundamente. s duas horas da madrugada Patrcia foi acordada por uma serie de golpes provenientes do teto. Curiosa desceu as escadas, procurando uma lanterna que fazia parte dos pertences trazidos de Porto Alegre. Saiu ao jardim e iluminou as bordas externas da casa e posteriormente os ptios, mas nada encontrou. Voltou ao dormitrio, Jorge continuava dormindo profundamente. Abriu a porta de vidro que permitia o acesso ao terrao, procurando uma resposta. Nesse momento presenciou um espetculo deslumbrante. No centro da lagoa, varias luzes brancas intermitentes, formavam uma sincrnica dana, que se deslocava pelas guas de forma harmoniosa e constante. A lua cheia iluminava o lugar. Patrcia ficou paralisada ----- Que tipo de evento era esse? Seria um festejo realizado pelas pessoas que moravam no lugar?----- Sem encontrar uma resposta satisfatria, continuou observando a magnfica exibio. Pensou acordar a Jorge, mas estava ciente que seu marido precisava descansar. Depois de alguns segundos as luzes apagaram-se uma a uma, at ficar somente os raios da lua iluminando as guas. Foi algo incrvel. Com essa viso ainda circulando pela mente, deitou-se novamente.

IV. A cidade submersa

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Amanhecia quando Jorginho pulou na cama de Jorge dizendo: ----- Acorda pai! J amanheceu. Vamos conhecer o lugar! Ainda de olhos fechados, Jorge falou: ----- Tudo bem v a tomar um banho enquanto me levanto. ----- J tomei banho ---- E dizendo isto saiu do quarto correndo. Impaciente o mocinho esperava pelo pai na frente de um copo de leite e um sanduche de queijo. Ao v-lo aparecer na cozinha, manifestou sorrindo: ----- O caf da manh est pronto pai! ----- Obrigado campeo ----- Respondeu Jorge. A manh estava fria, um vento constante batia no rosto dos aventureiros quando iniciaram a caminhada pela borda da lagoa, sorteando obstculos, descobrindo lugares, fotografando aves e animais encontrados durante a peregrinao. Vrios quilmetros foram percorridos at achar um velho que, sentado numa pedra, sustentava uma enorme vara de pesca. Jorge, aps cumpriment-lo, perguntou: ----- Que tipo de peixe d neste lugar? O homem acariciando o bigode respondeu: ----- Peixes-rei, traras, cascudos, pintados e tambm jundis. ----- O senhor tem peixes para a venda? ----- Tenho em casa. ----- Vamos a levar um belo presente a Patrcia ----- Falou Jorge para o filho. ----- E dizer que nos pescamos ----- Brincou Jorginho. ----- Vamos l ----- Manifestou o pescador. Durante o trajeto Jorge perguntou: ----- O senhor mora muito tempo neste lugar: ----- Toda minha vida ----- Respondeu ----- Algumas das lendas so verdicas? Nesse momento encontraram uma pequena casinha perto de uma gruta natural. No ptio um bote de madeira encontrava-se tapado por uma lona verde. ----- Chegamos ----- Falou o velho sem responder a pergunta de Jorge. Uma senhora os cumprimentou amavelmente: ----- Bom dia. Vocs alugaram o sobrado branco?

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----- Isso mesmo senhora ----- Por quanto tempo? ----- Duas semanas ----- Qualquer coisa que precisem podem contar conosco ----- Obrigado Nesse momento o velho apareceu com vrios peixes dizendo: ----- Gosta de alguns destes? ----- Podemos lev-los todos?----- Consultou Jorginho. -----Pode ----- Respondeu o homem sorrindo por primeira vez. ----- Tambm temos ovos frescos e verduras, se precisarem ----- Ofereceu a senhora. ----- Muito obrigado. Caso seja necessrio, voltaremos. ----- Gostaria de conhecer os novos habitantes da casa? ----- Perguntou a mulher a Jorginho. ----- Claro que sim. Dizendo isto a senhora tomou a mo da criana e se dirigiram ao galinheiro que se encontrava na parte posterior do sitio, enquanto o homem empacotava os peixes. Nesse momento, quase murmurando, o pescador falou para Jorge: ----- Voc conhece as lendas das deusas das guas? ----- Existem diversas mitologias que mencionam as deusas dos oceanos ----Respondeu Jorge. ----- Nesta lagoa temos uma dessas divindades morando na cidade submersa. ------ Manifestou. ----- Cidade submersa? ----- Construda mais de cinco mil anos atrs ----- Confirmou o desconhecido. Sem acreditar nessas palavras, Jorge falou: ----- Desculpe amigo, mas serei sincero com voc: sou totalmente ctico a esse tipo de historias. ----- Mesmo assim, no leve sua famlia na beira da lagoa durante a noite, menos ainda com lua cheia. ----- Que pode acontecer? ----- Perguntou curioso. ----- Podem ser enfeitiados e levados cidade submersa para sempre ----- Seremos raptados?----- Perguntou sorrindo a ponto de soltar uma gargalhada. .----- No seria a primeira vez ----- Confirmou o pescador. ----- Tudo bem ----- Manifestou Jorge duvidando das palavras do velho. ----- Ningum acredita ----- Respondeu o pescador ainda falando em voz baixa. Para no ser descorts Jorge perguntou: ----- Em que lugar se encontra essa cidade?

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----- No centro da lagoa. Quando baixa o nvel da gua, pode-se observar parte dela. Nesse momento voltou Jorginho com a senhora trazendo numa cesta, vrios ovos frescos. ----- No galinheiro tem pintinhos recm nascidos! ----- Contou o menino. A senhora rindo embrulho os ovos com bastante cuidado numa sacola e entregou para Jorge. ----- Muito obrigado. Quanto devo? Ela sorrindo respondeu: ----- No deve nada! Surpreso Jorge insistiu: ----- Fico agradecido, mas gostaria de pagar pelas coisas que estamos levando. ----- A prxima vez, agora no. ----- Muito obrigado. Tenham um bom dia! ----- Igualmente. Adeus!

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V. Procurando explicaes lgicas Durante o almoo Jorginho contava as aventuras vivenciadas durante a manh. Patrcia permanecia preocupada, at que Jorge lhe perguntou: ----- Acontece alguma coisa com voc? Patrcia tinha em segredo a experincia observada a noite anterior, mas decidiu compartilhar com sua famlia aquele acontecimento. ----- Ontem de noite observei desde a sacada, uma serie de luzes danando no centro da lagoa. ----- Que era exatamente? ----- Perguntou Jorge. ----- No tenho resposta para essa pergunta. ----- Luzes danando? ----- Repetiu Nicolle ----- Exatamente, elas se movimentavam em sincronia atravs de toda a superfcie da lagoa. ----- Esse fenmeno pode ser produzido por alguma reao qumica -----. Manifestou Jorge. ----- Pouco provvel ----- Argumento a mulher. ----- Talvez os peixes ao pular na superfcie, produzam esse efeito. Eles refletem a luz -----. Argumentou Jorge. ----- Ontem de noite havia lua? ----- Perguntou Nicolle. ----- Lua cheia ----- Respondeu o pai. ----- Pode ser isso, os peixes faziam sua festinha celebrando a chegada da lua cheia ----- Complementou Jorginho rindo. ----- Hoje de manh, o pescador tambm contou uma historia de terror. ----- Fala pai. ----- Solicitou Nicolle. ----- Diz que as pessoas so enfeitiadas e levadas a uma cidade submersa no centro da lagoa. ----- Mentira! Nunca conversaram isso! ----- Interrompeu Jorginho rindo. Sem escutar as palavras do filho, Jorge continuou dizendo: ----- Alem disso, diz que a gente tem que ficar longe do lago as noites de lua cheia. Podemos ser raptados por lindas deusas ----- Jorge riu pondo cara de malicia. Patrcia falou para seu marido: ----- As lendas sempre tm algo de verdade. ----- Tudo tem explicao lgica, no existem fantasmas, deusas ou cidades submersas, so historias de gente supersticiosa e ignorante ----- Colocou Jorge. As crianas ficaram apreensivas e Jorge manteve-se ctico a respeito do assunto.

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VI. No centro da lagoa De tarde Jorge com ajuda do filho, preparou um bote de madeira descoberto no quintal da casa. Quando j se encontrava na gua, Jorginho procurou s mulheres para iniciar uma nova aventura. Curiosas Patrcia e Nicolle observaram a embarcao flutuando nas transparentes guas de lagoa. Desconfiadas perguntaram: ----- Esse bote velho seguro? ----- J o testamos. No entra uma gota de gua Com tom preocupado, Patrcia falou para seu marido: ----- No desejo ir muito longe. ----- Fica tranqila mulher, ser uma pequena voltinha. Com a gua at a cintura Jorge segurava o bote para que as mulheres embarcassem. Posteriormente dando um pulo, entrou e comeou a remar. O sol iluminava as pequenas praias que circundavam o lugar, proporcionando uma vista imponente. Podiam-se observar diversos veculos em direo s praias do litoral gacho, circulando pela Free Way. Depois de aproximadamente quinze minutos de viagem, Patrcia manifestou: ----- Est bom, agora vamos a voltar! Nesse momento se encontravam exatamente onde Jorge queria chegar. ----- Estamos no centro da lagoa ----- Manifestou. ----- Que vista maravilhosa ----- Comentou Nicolle. Parando de remar o homem falou: ----- Esperem um minuto E dizendo isto se lanou nas guas. ----- Est louco?! ----- Gritou Patrcia. Quando apareceu novamente na superfcie, escutou a voz de Jorginho perguntando: ----- Posso tomar banho tambm? Patrcia respondeu de forma seria e autoritria: ----- Nem pensar! Voc fica aqui!

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O homem deu umas braadas afastando-se da embarcao. Sua esposa lhe gritou: ----- Jorge, para com isso! Quero voltar agora para casa! Entendeu?! ----- Tudo bem Patrcia E dizendo isto comeou voltar, mas subitamente, seu corpo foi puxado por uma fora desconhecida. Os braos se agitavam freneticamente enquanto uma nuvem de borbulhas estourava na superfcie. Finalmente desapareceu totalmente e o silencio tomou conta do lugar. Gritos desesperados eram lanados pela famlia. Medo, desesperao e pnico embargaram aos presentes. Uma frase se repetia milhares de vezes: ----- A lenda era verdadeira! Olhavam as guas sem atrever-se a tomar uma providencia. ----- Pai! Pai! ----- Gritava Nicolle. ----- Por amor a Deus, Jorge! ----- Exclamava Patrcia. Jorginho de olhos bem abertos observava apavorado. Alguns segundo se passaram ante que Jorge aparecesse num costado da embarcao, dizendo: ----- Fui raptado pelas fadas madrinhas! H, h, h, h... Um suspiro de alivio foi dado pelos assustados navegantes. Movimentando a cabea Patrcia censurou: ----- No teve a menor graa! ----- S queria demonstrar h vocs que no existe um remoinho sugando pessoas, como tampouco uma cidade submersa. ----- No precisava fazer essa loucura!! ----- Reclamou a mulher. ----- Estava brincando ----- Que susto nos fez passar pai! ----- Exclamou Jorginho

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VII. A segunda noite Essa noite Patrcia decidiu cozinhar os peixes. Os comensais adoraram a janta congratulando a dona de casa. Mais tarde ela e os filhos ficaram olhando TV, enquanto Jorge desde o jardim, sentado numa cadeira de praia, observava a paisagem. Sentia-se atrado pela beleza do lugar. Ficava encantado com os movimentos caprichosos da lua refletidos na gua. Desfrutava intensamente com o canto dos grilos, com o vento movimentando levemente as arvores e com o aroma das flores silvestres. Sua mente executiva e moderna, no lhe permitia aceitar historias sem base cientifica. Nunca acreditou em fantasmas ou personagens similares. Era uma pessoa totalmente ctica. Aproximadamente s 22 horas foi chamado por sua esposa para dormir. Depois de algumas horas de descanso, Patrcia acordou de forma espontnea. Tentou diversas vezes conciliar o sonho sem xito. No silencio da noite escutou vozes provenientes do exterior. Curiosa saiu ao balco e observou uma procisso de padres caminhando pela pequena estrada. Cada participante vestia um hbito marrom obscuro e portava uma vela. Correu at a cama e acordou a seu esposo. Este ainda sonolento perguntou: ----- Que acontece? ----- Vem rpido! O homem ainda limpando os olhos falou: ----- So monges fazendo uma procisso ----- Procisso a esta hora da madrugada? ----- Perguntou em tono irnico Patrcia. ----- Vou perguntar para eles ----- Manifestou rindo. E dizendo isto desceu pelas escadas rapidamente. ----- Espera bobinho! ----- Gritava ela enquanto corria atrs do marido. Abriu a porta, atravessou o jardim, mas nesse momento a lua foi encoberta por uma espessa nuvem. Tentaram visualizar a procisso, mas os monges foram engolidos pela obscuridade. ----- Onde se meteram? ----- Perguntou Patrcia. ----- difcil encontr-los nesta obscuridade -----. Falou o marido. Sem respostas voltaram ao dormitrio. Antes de dormir Patrcia falou:

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----- Me parece que tem uma lenda que menciona monges circulando por este lugar ----- Amanh conversamos ----- Falou Jorge, sem dar credito s palavras da mulher. .

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VII. Falta de mercadoria Durante o caf da manh comentaram os fatos acontecidos durante a noite. Nicolle com aspecto preocupado manifestou: ----- Eu quero voltar a Porto Alegre ----- Que est acontecendo querida? ----- Perguntou Jorge. ----- Tenho uma sensao estranha. Sinto-me insegura neste lugar ----- Medrosa ----- Zombou Jorginho. ----- Qual tua opinio? ----- Pergunto Jorge a sua mulher. ----- Se Nicolle no esta aproveitando, devemos voltar! ----- Eu no quero voltar! ----- Gritou Jorginho. ----- Tudo bem: em vez de duas semanas vamos a ficar somente uma. Esta bem assim? ----- Obrigado pai ----- Falou Nicolle enquanto o beijava no rosto. ----- Preciso comprar algumas coisas ----- Falou Patrcia. ----- A poucos quilmetros daqui h um mercadinho ----- Informou Nicolle. ----- Algum me da carona? Poucos quilmetros na frente encontraram uma loja rstica, protegida pela sombra de uma centenria figueira. Os produtos alimentcios se misturavam aos artigos agrcolas. Jorginho e Nicolle foram os primeiros em descer do carro e entrar no local. ----- Pai compra-me um sorvete! ----- Solicitou o menino ----- A mim tambm! ----- Gritou Nicolle. Uma senhora vestida de branco os recebeu com um sorriso nos lbios. Depois de adquirir os produtos necessrios, Patrcia solicitou a conta. A atendente perguntou: ----- Vocs alugaram o sobrado branco? ----- Exatamente ----- Respondeu Jorge. ----- Quanto tempo vo a ficar? ----- Uma semana ----- Informou Patrcia. Surpresa, a senhora falou: ----- Pensei que ficariam mais tempo. ----- Efetivamente, mas as crianas querem voltar ----- Respondeu a esposa. ----- Que pena, este lugar to bonito nesta poca. ----- verdade: o lugar maravilhoso ----- Comentou Jorge. ----- Voc gostou? ----- Perguntou a atendente. ----- Adorei! ----- Basta que o chefe da famlia goste, para que o resto fique ---- Comentou sorrindo a mulher. ----- No entendi ----- Falou Jorge. Patrcia interrompendo insistiu:

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----- Quanto devo? ----- Nada senhora, vocs so bem-vindos neste lugar. No deve nada! ----- As crianas tomaram sorvetes alem da mercadoria ----- Exclamou Jorge. ----- Pode deixar, a primeira compra grtis. Quando a famlia se encontrava no carro Jorge comentou: ----- a segunda vez que no me permitem pagar. Estou adorando este lugar! ----- A mulher do pescador tambm no quis receber o dinheiro ----Complementou Jorginho. ----- Que curiosas so as pessoas do interior ----- Comentou Patrcia. ----- Se soubesse teria tomado outro sorvete! ----- Falou rindo o garoto. Nicolle ficou calada, parecia preocupada.

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VIII. Terceira noite Ao final do caf da tarde, Jorge perguntou para sua famlia: ----- A tarde est linda. Vamos a ver o por do sol? ----- No pretendes tomar banho de novo! ----- Falou rindo Patrcia. A borda da lagoa ficava aproximadamente a trezentos metros da entrada da residncia. As crianas caminhavam na frente e logo atrs, de mos dadas, Jorge com Patrcia. Uma suave brisa acariciava seus rostos. Pouco a pouco o sol foi desaparecendo no horizonte. As luzes das cidades vizinhas iluminavam as poucas nuvens que desfilavam no cu. Jorge falou: ----- Seria agradvel morar neste lugar -----Possivelmente para nos, mas as crianas morrem de tdio. ----- Nem pensar pai. Este lugar me assusta ----- Reclamou Nicolle. ----- Quando nos aposentarmos vamos a comprar uma casa por estes lados ----- De aqui h quatrocentos anos ------ Brincou Patrcia. A lua cheia os observava no alto do cu. Uma luz fulgurante desceu rapidamente no centro da lagoa, chamando a ateno de todos. ----- Observaram isso? ----- Perguntou Jorge. ----- Claro que sim, parecia uma estrela cadente ----- Respondeu Jorginho. Uma luminosidade comeou a formar-se no centro da lagoa. s vezes crescia, s vezes ficava quase imperceptvel. Surpreendidos ficaram observando o fenmeno por vrios segundos. Pouco a pouco a luz adquiriu a figura de uma mulher. Embora estivessem bastante distante, eles notaram que se deslocava em sua direo. ----- No possvel! ----- Falou quase sussurrando Patrcia. ----- Que no possvel? ----- Perguntou Jorge. ----- Uma das lendas conta que uma linda mulher aparece nas noites de lua cheia, cavalgando num corcel. ----- Esqueceu o cavalo ----- Brincou Jorge. ----- Pode estar pastando ----- Complementou rindo Jorginho. ----- A figura vem em nossa direo ----- Gritou Nicolle. Patrcia ao ver que efetivamente a imagem se aproximava rapidamente, falou: ----- Voltemos para a casa! Correram pela praia, at encontrar o prtico da residncia. Ofegantes voltaram a observar a lagoa, mas a estranha luz tinha desaparecido. ----- Coisa de loucos! ----- Falou Patrcia, depois de recuperar o flego. ----- Nunca vi nada igual. Adorei! ----- Exclamou o homem. ----- Que legal! ----- Manifestou Jorginho entusiasmado. ----- Par de loucos, no sabem com o que esto brincando----- Falou Nicolle.

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----- Agora vamos a dormir, amanh conversamos. Jorginho esperou que a irm adormecesse, para sair sorrateiramente da casa. Pegou o bote que ainda se encontrava na beira da lagoa, e comeou a remar. Era o momento esperado para iniciar a grande aventura. Armado com uma maquina fotogrfica, estava disposto a elucidar todos os mistrios que envolviam o lugar. Foram acordados por fortes estampidos, semelhantes a fogos de artifcio. Surpresos se reuniram na sala procurando uma explicao. No meio desse barulho ensurdecedor, Patrcia perguntou: ----- Onde est Jorginho?! Nicolle respondeu: ----- Deve estar no quarto. Correram escadas acima, mas o dormitrio se encontrava vazio. Pela janela observaram brilhos de luzes estourando no cu. Angustiados saram ao terrao e observaram um inesperado espetculo proveniente do centro da lagoa. Nesse momento os estampidos pararam e um silncio pesado tomou conta do lugar. ----- So as mesmas luminosidades que vi a primeira noite ----- Comentou Patrcia. ----- Esquece esse negocio e procuremos a Jorginho! ----- Gritou desesperada Nicolle. ----- Deve estar em algum canto da casa ----- Manifestou Jorge tentando tranqiliz-as. Procuraram em toda a residncia, mas o menino no foi encontrado. No jardim, Nicolle perguntou para o pai: ----- Onde ficou o bote? ----- Na beira do lago ----- Meu Deus, Jorginho entrou na lagoa! ----- Gritou Patrcia. Correram at a praia e de forma difusa, observaram a embarcao no centro das luzes. ----- Preciso ir a busc-lo! ----- Gritou Jorge. Nesse momento lembrou-se do bote estacionado na casa do pescador. Sem perder tempo, falou para as mulheres: ----- Vou a procurar um bote! Querem acompanhar-me? ----- Prefiro ficar aqui, caso Jorginho retorne ----- Manifestou Patrcia. ----- Eu vou contigo pai! ----- Diz Nicolle.

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O carro derrapava na pequena estrada de cho batido mesmo assim a ansiedade de Jorge era to grande, que continuava acelerando o mximo que podia. Alguns minutos mais tarde manifestou contrariado: ----- A casa deveria estar neste lugar ----- Tem certeza pai? ----- Claro que sim, ficava ao lado desta gruta. ----- A casa no pode desaparecer! ----- Comentou Nicolle. ----- Vamos a dar uma olhada novamente. E dizendo isto continuaram procurando a residncia do pescador. Refez varias vezes o mesmo caminho sem alcanar o objetivo. Desesperados retornaram, mas no encontraram a Patrcia. ----- Onde pode estar? ----- Perguntou Jorge filha. ----- Saiamos de aqui, tenho um mau pressentimento! ----- No podemos abandon-os! ----- A gente no pode fazer nada! ----- Gritou de forma histrica a jovem. ----- Espera no carro ----- E dizendo isto entrou na casa procurando pela mulher. Depois de alguns minutos de intensa busca. Falou para Nicolle: ----- Vamos ao posto da Brigada Militar, pedir ajuda! ----- Boa idia! Fica depois do mercadinho. As luzes da lagoa continuavam fazendo uma dana frentica. O bote com Jorginho havia desaparecido. Nicolle reconheceu a figueira centenria, onde fizeram as compras, mas o local comercial havia desaparecido. ----- Olha pai, o comercio desapareceu tambm! ----- verdade ----- Manifestou Jorge, mais preocupado ainda. Vrios minutos se passaram at encontrar um prdio branco. ----- Deve ser o Posto da Brigada! ----- Exclamou Jorge. Desceram do carro correndo. Grande foi a surpresa ao reconhecerem o lugar. ----- nossa casa! ----- Exclamou Jorge. ----- Andamos em circulo! ----- Comentou Nicolle. ----- No pode ser. Vamos novamente! E dizendo isto voltaram ao carro e partiram em alta velocidade. Depois de conduzir por vrios minutos o resultado foi o mesmo. ----- Nos encontramos no mesmo lugar ----- Manifestou incrdulo o homem.

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A criana com os olhos marejados, falou para o pai: ----- Ficamos presos neste lugar. No vale a pena continuar lutando. Nunca poderemos escapar! As luzes da lagoa comearam a avanar na sua direo. De vez em quando giravam rapidamente, noutras pareciam tocar na superfcie elevando-se a vrios metros de altura. Era uma dana impressionante e assustadora. Jorge tomou a mo da filha. Onde est Patrcia e Jorginho? ----- Perguntava-se, mas a resposta ficou pairando no ar. Observou esse enxame luminoso ficar cada vez mais perto, e pior ainda, nada podia fazer para proteger-se. Nicolle se abraou a Jorge, o medo tomou conta da menina. Nesses momentos cruciais um detalhe chamou sua ateno. O numero da residncia era 1940: o mesmo ano que foi assassinada a noiva que foi lanada nas guas da lagoa. O nome dessa mulher era Maria Luiza! igual que a corretora. Que coincidncia curiosa!!! Enquanto era engolido pelas luzes compreendeu as palavras do pescador, avisando do perigo. Ele era um refm da deusa das guas, como tambm as duas mulheres, que conheceu no lugar. Lembrou-se das palavras da atendente do mercadinho quando manifestou: ----- Basta que o chefe da famlia goste, para que o resto fique. Foram vrios os motivos que contriburam para que gostasse da lagoa e deseja-se ficar, desta forma a famlia tambm permaneceria. Lamentavelmente a compreenso destes acontecimentos chegou demasiadamente tarde. A partir de agora, seriam eternos hspedes da deusa das guas na cidade submersa. A luminosidade os envolveu, os medos desapareceram e seus corpos foram enviados a outra dimenso. Uma figura de branco ficou parada na beira da praia. Um jogo de chaves brilhava em uma das mos. Maria Luiza, vestida de noiva observava a lagoa com olhos de tristeza, enquanto detrs dela, o sobrado desaparecia levado pela bruma da noite. Fim

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