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LAGO DA SOLIDÃO

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LAGO DA SOLIDÃO

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O amor só acontece uma vez; ou nunca acontece.

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José Isidio da Silva

LAGO DA SOLIDÃO Esta é uma obra de ficção; produto da imaginação do autor. Qualquer

semelhança com acontecimentos reais é mera coincidência.

1ª Edição

São Paulo

2014

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Digitação, diagramação e

montagem de capa: José Isidio

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Tempo Presente Ainda é inverno. Preciso deixar o comodismo de lado e começar a escrever, enquanto as lembranças estão bem frescas em minha memória. Felizmente fiz algumas anotações dos diálogos que tivemos, de quase tudo que ela falou. Tenho que cumprir a promessa, e é bom começar logo.

A certeza do futuro, agora, me deixa apenas com uma estranha sensação de paz, e não há nenhum medo... Estranho dizer, “a certeza do futuro”, depois de ter aprendido que futuro não existe. Essa ideia, da inexistência do futuro pode ter mais de um sentido; uma delas é que, quando chega o tempo, ou o momento, que poderíamos considerar futuro, é presente novamente; a outra é quando se espera uma morte prematura, ou quando não se vê nenhuma perspectiva de sucesso naquilo que se faz. E por falar em futuro, me veio um pensamento: se tivéssemos o poder de voltar no tempo, viveríamos muitas vezes... Mas, claro, eu posso voltar; ao escrever essa história estarei voltando, e vivendo os bons – e também ruins – momentos novamente. E eu quero isso... Sim, eu quero.

Então, chega de rodeios e vamos ao que interessa. Tudo aconteceu em minhas primeiras férias...

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Final do Outono de 2012.

Gozar férias era algo totalmente novo. Sempre trabalhei desde menino, e agora tinha 30 dias para ficar sem fazer nada pela primeira vez em toda a minha vida, que somava apenas 22 anos.

Levantar-se tarde da cama em plena segunda feira, era coisa que não fazia há muito tempo.

Não sabia o que fazer naquelas férias. Aproveitaria, talvez, para ler um livro, escrever, ou fazer longos passeios em algum lugar isolado. Normalmente uma pessoa da minha idade buscaria o tumulto, a agitação de algum bar ou casa noturna, festa, companhia de amigos. Eu queria tranquilidade.

Procurava um lugar pra ficar só comigo mesmo. Há certos momentos em que a solidão parece ser benéfica.

Tempos atrás tinha passado perto de um lago, do outro lado da cidade – oposto de onde eu morava –, e me lembrava da existência de um banco de madeira perto da margem; um único só em toda a extensão da margem. O mais curioso, no entanto, era a insistência dessa lembrança. Brinquei comigo mesmo dizendo que ele fora colocado ali para meu uso particular. Resolvi ir até lá na parte da tarde daquela segunda feira. Depois de descer no ponto de ônibus mais próximo, passei por algumas ruas até chegar ao lago. Avistei o banco, rústico, de madeira. O “meu” banco. Ele, porém, j| estava ocupado. Era apenas uma pessoa, uma garota, e estava sentada bem na ponta, deixando todo o resto desocupado, como se disponível para quem quisesse. Pensei em ir para lá e ocupar a outra ponta do banco, afinal, o lugar era público, e não havia outro lugar onde eu pudesse me sentar. Mas minha natureza tímida não me deixou fazer isso... Não, não

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foi timidez. Ela era uma estranha para mim, e eu um estranho para ela. Se tivesse mais pessoas por perto... Mas não havia mais ninguém. Minha aproximação poderia ser mal interpretada, por causa do lugar ser deserto. Se fosse em um parque repleto de pessoas, seria diferente.

O local parecia abandonado por todos. Em lugar de grama bem cuidada e jardim, crescia mato. Visivelmente dava para se perceber que não era um local frequentado. O que aquela garota estava fazendo ali, sozinha? Provavelmente o mesmo que eu, buscando um pouco de solidão. Com certeza quem procurava um lugar daqueles queria ficar só.

O lago era bonito, havia duas árvores próximas do banco, mas todos os arredores eram completa desolação. Fronteiro ao lago havia um casarão abandonado, com grande quantidade de vegetação subindo nas paredes. Ficando na margem, de frente para o lago, esquecendo tudo o mais em envolta e atrás, descortinava-se uma paisagem bastante agradável. Sentado no banco, era possível ter essa visão.

A moça continuava lá, sentada. Fiquei em pé, na beira do lago, esperando a oportunidade de poder ocupar o “meu” banco. Talvez ela estivesse ali já há algum tempo, e logo fosse embora. Ou, o que era bem provável, estivesse esperando alguém. Talvez o namorado. Esse pensamento me fortaleceu a decisão de não ir me sentar onde ela estava.

Joguei pedrinhas no lago, andei para lá e para cá, e acabei me sentando em uma tora de madeira, semienterrada em um montículo de areia, parecendo casa de cupim. Um vento fresco vinha do lago e suavizava o calor do sol. Mesmo assim não podia e nem devia ficar muito tempo ali.

A garota continuava lá, sozinha. Transcorrido mais algum tempo, resolvi ir embora. A

dona de meu banco parecia decidida a permanecer ali a tarde toda.

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Passei o resto do dia em casa, terminando de ler um livro e, à noite, vi dois filmes antes de ir para a cama. Estar de férias tinha esta vantagem: dormir tarde e acordar tarde, levantando-se a hora que bem desejasse; ficar à toa, deixar o tempo rolar, sem nenhum planejamento. Comer o que tivesse dentro de casa, ou lanchar pelas ruas. Ainda assim tinha um mínimo de projeto em mente: ler e escrever. Mas talvez nem escrevesse nada. Gosto muito de assistir filmes, e eles ocupariam grande parte do meu tempo.

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Não me levantei cedo, portanto a parte da manhã passou muito rapidamente.

Depois do meio dia me veio um pensamento: voltar ao lago. Eu devia ir para compensar o fracasso do dia anterior; o fracasso de não ter me sentado em meu banco. Queria curtir minha solidão, sentado naquele velho banco de madeira, e contemplar a água do lago. Dessa vez, tinha certeza, ele estaria desocupado. Tinha que estar. Ninguém iria ali duas vezes. Somente eu. Sentia inexplicavelmente essa necessidade: da solidão em um ambiente com todos os elementos da desolação e o quase misticismo de um lago. Um foco repleto de vida, e parecendo morto, no centro da civilização.

O ponto de ônibus mais próximo do lago ficava a mais ou menos um quilômetro, de modo que tinha de caminhar um pouco até chegar lá. O final de uma rua estreita, quase um beco, era o acesso ao espaço aberto, como uma antiga praça, tendo o lago mais adiante.

Avancei, cruzando a desprezada praça cheia de mato, e avistei o banco. Parei de chofre. Ele estava, novamente, ocupado. Uma só pessoa, e era uma garota. Cheguei mais perto. Pressentindo minha presença, ela se virou para mim. Reconheci. Era a mesma garota do dia anterior. Isso não podia ser! Mas dessa vez não deixaria por menos; me

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sentaria naquele banco, mesmo que ela não gostasse. Falaria com ela. Perguntaria se não ia se incomodar. Cheguei perto e falei:

-- Gostaria de me sentar nessa ponta do banco, se minha presença não atrapalhar sua solidão.

Ela olhou para mim. -- Já atrapalhou! – disse com voz sumida. Curiosamente, apesar do que ela falou com tanta

franqueza, não senti nenhuma hostilidade na voz; no entanto, estava disposto a não me sentar, caso tivesse certeza de que iria incomodar.

-- Posso me retirar, se minha presença lhe incomoda. -- Não. De modo nenhum. -- Talvez não diga por educação – insisti. -- Eu diria, pode acreditar. – Era convincente, mas não

havia na voz qualquer força de expressão, como se estivesse indiferente a tudo. E continuou em seu lugar, não se importando com a minha presença.

Sentei-me. Por quase dez minutos ficamos ambos em total

silêncio. Mas estávamos tão próximos! Sentia o seu perfume agradável trazido pelo vento do lago. Via-a de perfil, contemplativa, como se olhasse para o nada, ou algo muito além. Bonita! Muito bonita! O que estaria pensando? Achei que seria tolice de minha parte não lhe dirigir mais a palavra; como se eu não lhe desse a menor importância, como se não houvesse ninguém ali, ao meu lado; seria inquietante para ambos, não falar nada, embora ela pudesse não desejar ser incomodada pela conversa de um estranho. Eu estava com vontade irresistível de saber o que se passava com aquela moça; por que ela estava ali, sozinha, parecendo triste... No dia anterior e agora novamente, ali, só. Não era nada comum. Criei coragem e lhe falei:

-- Se eu lhe perguntar uma coisa, faço mal em interromper sua solidão? – Que maneira mais estranha de falar, a minha! Mas foi o que eu disse.

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Ela esboçou um leve sorriso, sem olhar para mim, e não respondeu de imediato. Continuou serena, observando o lago.

-- Não veio aqui também em busca disso? – disse, por fim, me olhando, não dizendo se eu estava fazendo mal ou não em lhe falar.

-- Sim – respondi. -- Mas não quer a solidão, não é? O que deseja me

perguntar? Sua voz era mansa, baixa, triste, mas tinha uma

entonação melodiosa, como uma brisa suave. Em seu rosto não havia expressão de alegria, nem de profundo abatimento, mas de um conformismo como se tudo já estivesse irrevogavelmente definido.

-- Por que uma garota como você, tão jovem e bonita, vem a um lugar como esse, isolado e sem atrativos?

Ela olhou para mim, séria. -- Isso não é uma cantada, é? Fiquei meio sem graça. -- Não, não é. Não tive essa intenção... Ela percebeu o meu embaraço e sorriu. -- Tudo bem! Não esquenta! Ela pareceu observar algo na outra margem do lago.

Pássaros sentavam sobre as pedras e dirigiam-se à beira d’água. Depois levantavam voo como que assustados por algum movimento. De um lado a outro do lago não havia vivalma, exceto aquelas pequenas aves. Se o lugar era tão deserto, tão pouco ou nada frequentado, por que colocaram aquele banco ali?

-- Eu chamo esse lago de o lago da solidão – disse ela, continuando a olhar para frente, como se adivinhasse meus pensamentos. – Nunca vi mais de uma pessoa sentada neste banco. – E então, virou-se para mim. – Acho que você e eu fomos os primeiros a quebrar esse encanto.

-- E isso é ruim? Ela deu de ombros.

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-- Quer saber por que eu venho aqui, não é? – A voz continuava suave, inalterada, e sempre parecendo triste.

-- Não precisa me dizer se não quiser... Ela ficou em silêncio por alguns minutos. Depois falou,

mas não respondendo minha pergunta. -- Você esteve aqui ontem, e ficou por um bom tempo.

Por que não veio se sentar aqui? Um sentimento profundo, e ainda estranho para mim,

me envolveu, acelerando as batidas do meu coração, quando ela disse isso. Gostei imensamente, mas não deixei transparecer.

-- É que... achei que você poderia estar esperando alguém... e também por sermos desconhecidos. Eu não queria me aproximar e fazer você pensar que eu estava com más intenções.

-- Mas hoje você veio, se aproximou, falou comigo e está aí sentado. E ainda somos desconhecidos. Acha que agora não posso pensar que está com más intenções?

-- Espero que não! Ela olhou para mim demoradamente, como me

examinando. Sustentei o meu olhar dentro dos seus olhos, sem piscar, e ela fez o mesmo. Depois disse:

-- Acho que você não é uma pessoa ruim. -- Obrigado! -- Não me agradeça. Você é o que é. Eu não tenho nada

com isso... quero dizer, não sou responsável por você ser uma boa pessoa!

-- Eu sei. Novamente ficamos calados por um tempo mais ou

menos prolongado, ocupando os dois pontos extremos do banco, olhando para o lago. Mas eu percebia que de vez em quando ela virava levemente a cabeça para o meu lado e me olhava discretamente. E foi ela quem quebrou o silêncio.

-- Você me perguntou por que uma garota como eu vem a um lugar como este! e você, por que vem?

-- Talvez pelo mesmo motivo que você: solidão.

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Ela abanou a cabeça. -- Não. Duvido muito. Tenha certeza que não. -- Bom, eu disse talvez. Mas você diz que tem certeza.

Como pode ter certeza? -- Por que... seria coincidência demais! -- Coincidência? -- A solidão pra mim não é um fim, mas um meio...

Você deveria ter se sentado aqui ontem – disse, mudando de assunto repentinamente.

-- Sim, deveria. -- Mas gostei de sua atitude. Poucos homens agem

assim. Você é legal! Tive vontade de dizer obrigado, mas não disse. -- Acho você também muito legal. -- Por quê? -- Porque disse que eu deveria ter me sentado aqui no

banco, ontem... porque está me dando atenção, conversando comigo...

-- Ah, as pessoas conversam, não é? Não é nada demais... Bom, tem pessoas que não gostam de falar com estranhos... E não podemos dizer que elas estão erradas... por causa da maldade que existe no mundo! É a coisa mais absurda: um ser humano com medo de outro.

-- Você não tem medo? – perguntei. -- Não. Já superei isso. Ela falava de um jeito triste, e eu não quis fazer

especulação sobre o que disse. Mas continuei com o tema. -- Mas ter medo não é covardia, é mais uma defesa... -- Sim, eu sei, mas você não sabe do que estou falando,

porque você não me conhece ainda, não sabe o que se passa comigo.

-- E se nós nos conhecermos... posso ficar sabendo? -- Acho que sim... claro... mas não tão de repente,

assim, de um dia para o outro!

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-- Eu entendo. Então, para nos conhecer, podemos começar nos apresentando – estendi a mão para ela –, eu sou... – e antes de dizer o meu nome ela me interrompeu.

-- Não! Nada de apresentações! Recolhi o braço, meio sem graça. É frustrante quando

você estende a mão para uma pessoa e ela não corresponde. Ainda bem que não tinha ninguém por perto vendo.

-- O que há de mais em a gente se apresentar? Eu digo o meu nome e você diz o seu... já que estamos aqui, conversando!...

Ela pareceu arrependida, sentindo minha frustração. -- Olhe, não me leve a mal! Não pense que sou mal

educada ou grosseira. Estou contente com a sua presença aqui, mas será que não posso lhe conhecer sem saber o seu nome? E será que não pode me conhecer sem saber o meu nome, de onde sou e o que faço? Você veio aqui em busca de solidão. O solitário não tem nome, nem idade, nem genealogia. Só tem a própria vida... enquanto tem... e o presente! Se deseja conversar comigo, eu aceito; se não, fiquemos calados cada um no seu canto, curtindo sua própria solidão. Se estamos tão próximos que se torna impossível que o meu mundo invada o seu, e o seu o meu, e não deseja que isso aconteça, podemos nos afastar cada um para outro lugar mais distante.

-- Não, a menos que você queira. E se for esse o caso, eu me retiro, porque você chegou aqui primeiro.

-- Esse lugar não é meu, e seria mais correto eu me retirar, deixando-o aqui, já que desfrutei dele mais do que você, se se pode dizer assim.

-- O meu desejo é que você fique... e gostaria também de ficar, se não se importa.

-- Assim que chegou disse que não me importava, significando que me era indiferente, mas agora me importo...

A essas palavras me levantei instantaneamente, fazendo menção de me retirar, porque falou muito séria, e

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eu não entendi de imediato, mas ela me deteve colocando a mão no meu braço.

-- Espere! Quis dizer que me importo se não ficar! Por favor!

Voltei a me sentar, encabulado com minha exacerbada sensibilidade. Parecendo indiferente ao meu estado de espírito, ela me fez uma pergunta que considerei muito difícil, dada a possibilidade de diferentes respostas.

-- Sabe qual é a pior solidão? -- Talvez a minha ideia a esse respeito não seja a sua.

Gostaria de ouvir você me dizer. Novamente ela olhou para mim demoradamente antes

de falar. -- Se a sua ideia for diferente da minha, o que tem de

mais? Duas pessoas só podem concordar em tudo uma com a outra, se uma for burra ou tiver medo da outra.

Pensei um pouco e falei: -- Vou discordar dessa sua teoria. Duas pessoas,

amigas, ambas inteligentes, podem concordar sempre uma com a outra, sem parecer que uma é burra, ou que tem medo, simplesmente por defenderem os mesmos ideais.

Vi que ela estava pronta para o debate, quando levantou o dedinho indicador e falou:

-- Bom argumento, mas muito frágil. Isso só é possível se a ideia defendida for muito simples; sendo complexa, o que quase sempre é, a concordância ocorre apenas em alguns aspectos. Tanto pode ser em religião, em política, ciência, ou qualquer outro tipo de ideologia. É impossível duas pessoas concordarem plenamente em tudo.

O que eu podia dizer? Estava maravilhado com o seu raciocínio, e não podia discordar só para não correr o risco de ser considerado menos inteligente. Seria exatamente o contrário se nesse ponto eu dissesse que ela estava errada.

-- Vai achar que sou burro, ou estou com medo de você, se disser que concordo com o que acabou de dizer? –perguntei, brincando.

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-- Não! Claro que não! -- Mas talvez você seja mais inteligente do que eu. -- É possível. -- Você é dessas que acha que as mulheres são mais

inteligentes do que os homens? -- Se eu pensasse assim seria burra. -- O que acha, então? -- Não se iluda pensando que vou dizer que os homens

são mais inteligentes! Não disse nada. Fiquei sorrindo, esperando que ela

dissesse o que pensava. -- Os homens – continuou ela – não são mais

inteligentes do que as mulheres, nem as mulheres mais do que os homens. Existem homens mais inteligentes do que muitas mulheres; e da mesma forma existem mulheres mais inteligentes do que muitos homens. Mas, agora, isso não importa muito, não é? Isso importa pra você? – Novamente a tristeza na voz e no semblante era bastante evidente.

-- O que quer dizer? -- Que nenhuma teoria, certa ou errada, desfaz a

realidade da solidão. -- Ah!... pois então me responda sua própria pergunta. -- Qual? -- A que você me fez: qual a pior solidão. -- Ah! Acho que não devo responder. -- Por quê? Porque é sua própria experiência? A garota olhou para mim, apertando um pouco os

olhos. --Não sei. Não sei se é minha própria experiência...

ainda não sei. Só sei o que é. -- Então me diga – insisti. -- Não sabe? -- Acho que não. -- Talvez saiba, mas ainda não percebeu. Ou talvez não

seja mesmo um solitário... apenas pensa que é. -- E isso é possível?