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KIT PARA DETERMINAÇÃO DE SAL EM ALIMENTOS: UMA ALTERNATIVA

PARA VIABILIZAR AULAS PRÁTICAS CONTEXTUALIZADAS DE QUÍMICA

Autor: Fulton Carlos Teixeira Ribeiro1

Orientadora: Eliana Aparecida Silicz Bueno2

Coorientador: Luís Guilherme Sachs3

Resumo

As abordagens pouco contextualizadas dos tópicos teóricos da disciplina de química

podem estar relacionadas com a falta de interesse dos alunos. Aulas práticas

contextualizadas com assuntos e instrumentos do cotidiano dos alunos podem

auxiliar nesse sentido. O teor de sal em alimentos serve de tema para

contextualização, permitindo a abordagem disciplinar e a do tema transversal saúde.

Neste trabalho foi desenvolvido e aplicado um kit para determinação de sal em

alimentos, com materiais encontrados no cotidiano, que serviu de suporte para o

desenvolvimento de aulas práticas contextualizadas de química. Foi realizada uma

intervenção pedagógica com alunos de 3ª série do ensino médio do Colégio

Estadual Cyríaco Russo de Bandeirantes-PR. A intervenção pedagógica com a

aplicação do kit melhorou a apreensão por parte dos alunos de conceitos teóricos,

além de melhorar as performances das turmas e homogeneizar seus desempenhos.

Palavras-chave: análise quantitativa, cloreto de sódio, nutrição, saúde.

1 Licenciado em química, Professor PDE, Colégio Estadual Cyríaco Russo, Bandeirantes-PR

2 Doutora, Profª Associada do Depto. de Química da Universidade Estadual de Londrina-UEL, Londrina-PR,

3 Doutor, Prof. Associado do Centro de Cienc. Agrár. da Univ. Est. do Norte do Paraná-UENP, Bandeirante-PR,

Summary

KIT FOR DETERMINATION OF SALT IN FOOD: AN ALTERNATIVE THAT ENABLE

CONTEXTUALIZE PRACTICAL LESSONS OF CHEMISTRY. The lack of student

interest in chemistry may be related to a non contextualized approach. Ordinary

instruments in planned lessons can help increase the interest of the students. The

food salt content is a theme for contextualization, allowing to address the disciplinary

content, and relate it to the transverse theme health. It was developed and use a kit

for determination of salt in food, using ordinary materials, which served as support for

the practical lessons in chemistry. It was performed an educational intervention with

students of the 3rd year of high school of Colégio Estadual Cyríaco Russo of

Bandeirantes-PR. The pedagogic intervention with the use of the kit led to an

improved of students understanding in the theorical concepts, besides the better

performance of classes and an uniformisation of their performance.

Keywords: quantitative analysis, sodium chloride, nutrition, health.

1 Introdução

É bem sabido que existe um distanciamento entre o ensino da química e os

interesses dos estudantes no ensino médio. Uma das causas deste distanciamento

está relacionada à maneira como se faz as abordagens dos assuntos da disciplina

que, em geral, é pouco contextualizada e não integrada ao cotidiano do estudante.

As aulas devem promover a reflexão e o levantamento de hipóteses de

modo a despertar nos alunos ideias que impliquem em mudanças de atitudes. A

simples transferência de conhecimento não promove por si mesma a elaboração

dessas ideias de forma significativa, principalmente quando o aluno não enxerga

conexão entre a teoria e o seu cotidiano. “É imprescindível que o processo de

ensino–aprendizagem decorra de atividades que contribua para que os alunos

possam construir o conhecimento” (BRASIL, 2006).

Aulas práticas contextualizadas de química atuam de maneira efetiva como

ferramenta sócio-interacionista, inter-relacionam a teoria com a prática e os

conteúdos com o cotidiano e, desta forma, podem auxiliar no desenvolvimento de

ideias transformadoras.

Discussões atuais e amplamente divulgadas nos meios de comunicação,

como nos canais abertos da TV, trazem os temas dos benefícios à saúde de uma

alimentação saudável e dos riscos da alimentação desequilibrada, como o excesso

de sal, gordura, dentre outros componentes, que levam a população brasileira a um

quadro preocupante de obesos, diabéticos e hipertensos. Nesse sentido, um tema

que pode ser facilmente abordado em aulas práticas contextualizadas de química é

o teor de sal presente nos alimentos.

Órgãos internacionais como a Organização Mundial da Saúde OMS e

órgãos de saúde governamentais tais como o Ministério da Saúde, vêm alertando

sobre os problemas advindos do consumo excessivo de sal na alimentação. O sal

consumido de maneira excessiva tem provocando o aumento de doenças

cardiovasculares na população, inclusive nas crianças e adolescentes, que cada vez

mais tem mudado de um hábito alimentar saudável para os alimentos tipo fast-food e

industrializados, que trazem em si grande quantidade de sal ocultado.

Apesar das advertências sobre os malefícios do consumo indiscriminado do

sal, extensamente divulgadas nos meios de comunicação, é comum ver nas cantinas

das escolas os alunos consumindo abusivamente alimentos que trazem elevados

teores de sal. É importante, portanto, lembrar que a democratização da escola

alterou o seu papel de um caráter de apenas emitir conhecimento para um caráter

de observar a realidade social que a cerca, refletir sobre a mesma e modificá-la.

Neste contexto, usando como ferramenta aula prática contextualizada de química, o

presente trabalho teve como objetivos promover a aquisição de conceitos científicos

relacionados à análise química de alimentos e proporcionar oportunidade do

desenvolvimento de ideias que impliquem em mudanças de hábitos fazendo com

que os alunos, por si só, avaliem as consequências do consumo excessivo de sal.

Sendo assim, foi desenvolvido e aplicado um kit para determinação do teor de sal

em alimentos, com a finalidade de despertar a curiosidade do aluno e de oferecer

ferramentas adequadas para a pesquisa e a descoberta da quantidade de sal

ocultado nos alimentos industrializados. Por fim foram aplicadas avaliações para

certificação da apreensão dos conceitos científicos envolvidos e da conscientização

da quantidade de sal presente nos alimentos e seu risco à saúde.

2 Fundamentação teórica

Nas ultimas décadas a pesquisa sobre o ensino de química no nível médio

tem dado enfoque a diversos elementos relacionados com o aluno, alguns mais

específicos, como o papel das atividades praticas, o livro didático e as diferentes

formas de abordagem dos conteúdos; outros que são citados e classificados como

de caráter geral, como os fundamentos da educação cientifica, seus objetivos, seus

condicionantes sócio-culturais, políticos e econômicos, dentre outros.

De acordo com Perrenoud (1999), “falta uma mudança substancial nas

escolas capaz de atingir gradualmente todos os níveis de ensino do sistema

educacional”. Para o autor, não há necessidade de a escolar mudar constantemente,

conforme a visão política de cada governo, mas ter uma meta a ser seguida.

No entendimento de Santos Neto (2002) “fica evidenciado que para mudar a

educação, os professores deverão passar por uma ampla transformação teórica no

campo pedagógico e não apenas da disciplina que ministram”. Assim, o professor

necessita, para ter sucesso em sua pratica, ter domínio que vão além dos conteúdos

inerentes a disciplina e dos conceitos pedagógicos construídos ao longo da historia,

isto é, deve ter um conhecimento da sociedade e de suas políticas. A partir da união

desses saberes, o professor poderá dominar sua pratica e não será sua pratica que

o dominara.

Corroborando com isso, Amaral (1966) afirma que “é de grande importância

unir a teoria e a pratica”. As observações feitas devem ser associadas aos

conhecimentos anteriores e explicada racionalmente. Completando, Moreira &

Masini (1982) recomendam, logo após a realização da experiência, fazer um

questionário sobre o trabalho executado, com perguntas dirigidas, para conduzir o

aluno a raciocinar sobre que observou e tirar suas próprias conclusões.

Nesse sentido, Dominguez (1975) observa que a criação do projeto de

experiências envolve como alternativa a pratica experimental nas aulas de química,

por meio da utilização de materiais de fácil multiplicação, preferencialmente com

materiais de baixo custo. Pois, segundo o autor, quando se trata de experiências em

química, mesmo em nível elementar, há serias dificuldades para selecionar as

experiências e se corre o risco de dar um tratamento inadequado ao trabalho de

abstração de forma tal, que não tenha aproveitamento futuro.

Outra observação sugere que as aulas experimentais têm como

conseqüência das dificuldades cotidianas, ausência de local apropriado (laboratório),

material e equipamentos, segurança do ambiente e outros (BIANCONI; CARUSO,

2005).

Coopera com o texto, Cachapuz quando sugere

[..] que a metodologia de ensino tem de contribuir no sentido de mostrar que existem técnicas variadas para se ensinar algo a alguém, mas não pode se fechar nisto. É preciso ter consciência de que as técnicas por si sós, nunca terão sucesso na formação dos cidadãos conscientes e aptos a interagirem em um mundo em constante mudança (Cachapuz, 2002 p. 34).

A metodologia de ensino faz parte da formação pedagógica do professor, é

resultado de um conjunto de saberes que o docente deve possuir para ser capaz de

desenvolver a habilidade de aprender e o incentivo a aprendizagem do aluno. O

aluno deve ser estimulado a raciocinar, a buscar informações (pesquisar) porque

assim ele alcançara o espírito crítico que é necessário a vida escolar e,

posteriormente, a vida profissional.

Na abordagem sobre o sal – NaCl, relatam as Diretrizes Curriculares para o

Ensino de Química no Ensino Médio (BRASIL, 2006), que o sal contem dois

elementos essenciais para o bom funcionamento do organismo: o sódio e o cloro.

Alem de conter esses dois nutrientes indispensáveis, no Brasil o sal foi a maneira

encontrada pelas autoridades da saúde publica para oferecer iodo à população (sal

iodado). O sódio, juntamente com o potássio, ajuda na manutenção da pressão

sanguínea, regulando a passagem de líquidos nas células; atua também, na

transmissão de impulsos nervosos em todo o corpo, permitindo assim, o

funcionamento do sistema nervoso central. Com relação ao cloro, esse elemento faz

parte do acido clorídrico que é fundamental no processo de digestão dos alimentos

no estomago. O cloreto de sódio também esta presente em todas as células do

corpo. A falta de sal na dieta pode causar sérios transtornos ao organismo. Do

mesmo modo, o excesso de sal nos alimentos causa sérios danos ao organismo

como a hipertensão arterial e outros distúrbios. Isto ocorre devido ao mau

funcionamento do organismo no que se refere à pressão osmótica do sangue e

outros fluidos corporais, equilíbrio acido-base (poder tamponante), manutenção e

equilíbrio da água no corpo, transmissão dos impulsos nervosos e contração

muscular (BRASIL, 2006).

Segundo informação do Instituto Adolf Lutz:

[...] a população consome sal em excesso, principalmente nas dietas modernas tipo fast food e industrializada como salgadinhos, conservas, embutidos, defumados, etc. ultrapassando 15 g de sal por dia, quando o recomendado é 5 g por dia. Cada 10 g a mais de sal na dieta representa a retenção extra de um litro de água,

sobrecarregando o sistema circulatório (IAL, 1985, p. 36).

O ambiente escolar é um local apropriado para conscientização e para

provocar a mudança de hábitos dos indivíduos, especialmente na questão da

alimentação. A determinação do teor de sal nos alimentos realizada em aula pratica

no cotidiano da sala de aula, poderá ser uma ferramenta essencial tanto para o

ensino dos conteúdos da disciplina, quanto para incentivar a alimentação saudável e

preventiva das doenças provocadas pelo uso excessivo do NaCl nos alimentos.

3 Desenvolvimento

3.1 Construção e uso do Kit para determinação de NaCl em alimentos

Foi realizada uma adaptação do método titulométrico para determinação do

NaCl pelo método de Mohr (IAL, 1985; 2004; OHLWEILER, 1981) por meio da

construção de um kit que substitui os instrumentos clássicos necessários à titulação

por materiais que estão presentes no cotidiano do aluno e que são de fácil aquisição

e baixo custo. Em substituição ao béquer e ao matraz (Erlenmayer) foram utilizados

copinhos descartáveis ou frasco reutilizados de medicamentos de aproximadamente

80 cm3. No lugar de pipetas volumétricas e buretas foram utilizados seringa

descartável e conta-gotas. Preparou-se solução de nitrato de prata a 0,58% m/v. Em

substituição a solução padrão preparada de NaCl P.A., foram utilizados soro

fisiológico de uso farmacêutico de concentração 0,9% m/v ou soluções preparada a

partir de envelopes (sache) de sal de cozinha de 1,0g de cloreto de sódio, adquiridos

em lanchonetes e restaurantes da região. No caso do uso do sache de sal, a

solução padrão foi feita dissolvendo 1 sache de 1 g de sal de cozinha em 1000 cm3

de água, obtendo-se assim solução a 0,1%. O indicador foi feito com solução de

cromato de potássio (K2CrO4) a 10%. Para determinar o teor de sal em alimentos,

coletou-se com seringa, 2 mL de solução padrão em um recipiente e em outro

recipiente 2 mL da solução feita com o alimento diluído na proporção 1:10 m/v em

água (alimentos sólidos foram triturados e macerados em água sob agitação por 5

minutos antes de coletar a amostra e coados em gaze de algodão). Às amostras,

adicionou-se 2 gotas de solução do indicador K2CrO4. Para calcular o teor de sal no

alimento, comparou-se o número de gotas usadas na solução padrão e no alimento

em questão (bolacha água e sal, salgadinhos tipo chips, dentre outros).

Como foram utilizados sais de cromo e prata nas análises, os preparos dos

reagentes foram feitas pelo professor. Em todas as etapas das análises o professor

acompanhou os alunos. Ao final das análises, os resíduos gerados foram recolhidos

e encaminhados para dar o tratamento e o destino adequando.

Antes da intervenção pedagógica onde se aplicou o kit construído para

determinação de sal em alimentos, o professor PDE realizou testes preliminares de

determinação de sal, com soluções padrões de cloreto de sódio, empregando o

método clássico de Mohr e o método modificado usando o kit.

3.2 Avaliação da aprendizagem

Escolheram-se, em função dos desempenhos, duas turmas de 3ª série do

ensino médio do Colégio Estadual Cyríaco Russo de Bandeirantes-PR: uma de

menor desempenho (T1), composta de vinte e sete alunos e outra, de maior

desempenho (T2), composta de vinte e quatro alunos. Foram aplicadas provas

subjetivas com 10 questões com os assuntos previamente abordados em aulas

teóricas, sendo que uma das avaliações foi realizada antes das práticas e a outra

após. Para comparar os desempenhos das turmas determinou-se o desvio-padrão

de cada avaliação e as médias foram confrontadas pelo teste t.

Como critério de avaliação levou-se em conta aspectos subjetivos, o

empenho dos alunos na participação das atividades como assiduidade e o

cumprimento das tarefas, e aspectos objetivos que foram avaliação de provas,

exercícios, trabalhos e relatórios das atividades. Antes da aplicação das avaliações o

professor destacou aos alunos a importância de conhecer os processos de avaliação

adotados.

Durante o processo de intervenção pedagógica foi feito um levantamento

com os alunos sobre os seus hábitos alimentares.

3.3 Atividades de leitura e pesquisa dos alunos

Todas as atividades foram propostas e acompanhadas pelo professor

regular da turma (professor PDE), as mesmas são descritas a seguir na ordem em

que foram executadas. As avaliações foram realizadas antes, depois e ao longo do

processo de execução das atividades propostas aos alunos.

ATIVIDADE 1

– Determinar aos alunos, em grupos de 5, que faça uma pesquisa nos

supermercados, lendo os rótulos de produtos alimentícios como: biscoitos, bolachas,

chips e etc.; e verificar o teor de sódio em cada produto.

- Para discutir:

a) Faça a leitura dos rótulos e observe a quantidade de sódio por porção que

nela contém;

b) A partir dos rótulos faça a comparação na proporção de sódio e sal

(cloreto de sódio) se existe diferença?

c) Calcule por porção a quantidade de sódio e de cloreto de sódio.

d) Pesquise sobre a recomendação dos órgãos de saúde (tais como

Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde) para o consumo de sal.

e) Pesquise quanto de sal é colocado diariamente na comida preparada na

sua casa.

f) Com base na análise dos rótulos dos alimentos industrializados que você

consome e na quantidade de sal adicionada aos alimentos preparados na sua casa,

faça uma estimativa de quanto sal você consome diariamente. Compare a sua

estimativa com o valor recomendado pelos órgãos de saúde. Você consome muito

sal?

Pós-teste:

- Leia com atenção nos rótulos o conteúdo de sal de cada produto

alimentício. Se até agora, nunca fez isso, terá muitas surpresas.

ATIVIDADE 2

Exposição do kit com os reagentes e os materiais alternativos que serão

utilizados na determinação do teor de sal em alimentos.

Para discutir:

a)- Como preparar as soluções de nitrato de prata e cromato de potássio?

b)- Como utilizar as soluções em adaptação ao método titulométrico de

baixo custo

c)- Como proceder a determinação de sal em alimentos?

Discussão e adaptação do método titulométrico para determinação do

cloreto de sódio em alimentos.

ATIVIDADE 3

Após a aplicação do kit da determinação de sal em alimentos na sala de

aula, juntamente com os alunos, para facilitar o processo de interação aluno-escola

e o cotidiano, para que possa entender o porquê dos conteúdos ensinados.

Para discutir:

a)- Como fazer o cálculo estequiométrico para chegar ao resultado final.

b)- Analise os resultados finais da determinação de sal em diferentes tipos

de alimentos;

c)- Quais os distúrbios causados pelo consumo abusivo de sal?

d)- O sódio é sinônimo de sal? Justifique.

Fique atento:

- O consumo excessivo de sal em alimentos está diretamente relacionado

com a hipertensão arterial e outros distúrbios.

3.4 Resultados e discussão

Nos testes preliminares com o kit e com o método clássico de Mohr,

realizados antes da intervenção pedagógica, verificou-se que as diferenças entre os

métodos testados foram inferiores a 10% e as repetições das análises empregando

o kit não diferiram entre si mais do que 5%, indicando, respectivamente, boas

exatidão (acurácia) e precisão nas medições com o método alternativo. Isto

demonstra que mesmo a escola não dispondo de um laboratório equipado para

análises químicas quantitativas, é possível, com o uso de materiais alternativos,

presentes no cotidiano do aluno, realizar a quantificação de substâncias em

amostras trazidas de seus lares. Desta forma, evidencia-se ao aluno, que por meio

do método científico, ele pode desvendar aquilo que lhe é ocultado aos olhos, como

por exemplo, a quantidade de sal nos alimentos.

A experiência foi detalhada e pode ser acompanhada com a sequência de

imagens (Figuras de 1 a 12) que apresentam os componentes do kit, e o passo a

passo da determinação do teor de NaCl em alimentos, bem como a destinação dos

resíduos gerados nas titulações.

A aplicação do kit em sala de aula para análise do teor de sal em alimentos,

possibilitou a discussão da importância de uma dieta equilibrada, bem como das

consequências da dieta desbalanceada, tanto pelo excesso quanto pela carência

nutricional. Com a explanação contextualizada, o professor observou um maior

interesse dos alunos nas aulas, em relação às suas aulas convencionais. Talvez o

maior interesse dos alunos possa estar relacionado com o fato de que eles puderam

perceber a inter-relação entre os conceitos disciplinares e os do seu cotidiano. Desta

forma, espera-se que os alunos tenham construído uma visão menos fragmentada

do mundo que os cerca, através da junção dos conceitos teóricos e práticos.

Os resultados das análises possibilitaram também o debate sobre a

composição dos alimentos, com destaque dos minerais e foco no cloreto de sódio.

Uma vez que esses dois elementos minerais sempre aparecem associados na dieta

e são essenciais para o funcionamento regular do organismo. No Brasil, o

fornecimento de iodo à população está associado ao sal de cozinha, já que os

órgãos regulamentadores exigem que o sal seja iodado para o consumo humano.

Mas, apesar da importância do cloreto de sódio e do iodo, fornecidos pelo sal de

cozinha, é sabido que a população consome muito mais sal que o recomendado

pelos órgãos de saúde pública, e já está acesa a luz de alerta, conforme afirmam os

pesquisadores:

(...) nossos resultados confirmam a suposição de que o consumo de sódio no Brasil excede largamente a recomendação máxima para esse nutriente em todas regiões brasileiras e classes de renda. Apontam, também, a pertinência para o País das recentes recomendações da OMS relativas à adoção de políticas públicas que, simultaneamente, informem a população sobre a importância

de reduzir a quantidade de sal adicionada aos alimentos e regulem o teor de sódio dos alimentos processados (SARNO, et al., 2009)

Em levantamento feito com os nossos alunos participantes deste projeto

constatamos que a situação é preocupante, uma vez que esses consomem mais que

o recomendado pela OMS, que é de até 5g de cloreto de sódio (2g de sódio) por dia

(WHO, 2003).

O excesso de consumo de sódio contribui para a ocorrência de hipertensão arterial. A relação entre aumento da pressão arterial e avanço da idade é maior em populações com alta ingestão de sal. Povos que consomem dieta com reduzido conteúdo deste têm menor prevalência de hipertensão e a pressão arterial não se eleva com a idade. Entre os índios Yanomami, que têm baixa ingestão de sal, não foram observados casos de hipertensão arterial. Em população urbana brasileira, foi identificada maior ingestão de sal nos níveis socioeconômicos mais baixos (SBC. 2006)

Não é fácil mudar o hábito alimentar de uma população, pois envolve

questões culturais. Pensamos ser necessária uma campanha bem estruturada sobre

alimentação saudável, uma vez que a hipertensão (SALGADO FILHO; BRITO,

2006), assim como a diabetes (CUÑAT, 2001) e a obesidade (CARMO, 2001) já são

consideradas epidemias. A Sociedade Brasileira de Cardiologia publicou estudos

onde foram constatados índices alarmente de hipertensos na população. Inquéritos

de base populacional realizados em algumas cidades do Brasil mostram prevalência

de hipertensão arterial (≥140/90 mmHg) entre 22,3% a 43,9% (SBC, 2006). A escola

é o fórum adequado para a discussão de problemas de saúde pública como no caso

do consumo excessivo de sal. Além disso, a sociedade como um todo tem que ser

engajado nas campanhas de âmbito nacional para resolver os problemas de saúde

pública ligadas a hábitos alimentares não saudáveis.

Além das discussões sobre os aspectos de alimentação saudável, foi

também tratado outro tema transversal. A partir dos resíduos gerados nas

experiências puderam ser discutidos os temas ligados ao meio ambiente, dando

ênfase à questão dos metais pesados gerados tanto no lixo doméstico (lixo

tecnológicos como celulares, baterias e pilhas, desktops, monitores CRT, etc.),

quanto nas aulas práticas, que apesar da importância das aulas na formação, esta

não está imune a gerar resíduos tóxicos. Nesta fase os alunos acompanharam o

tratamento das soluções de descarte, que foram: a precipitarão dos sais de prata

como cloretos; a redução do cromo VI a cromo III; e sua precipitação como hidróxido

para posteriores destinação à empresa que recolhe os resíduos químicos. Nesta

etapa, além do aspecto transversal (meio ambiente) foram discutidos diversos

conteúdos de química como oxi-redução, Kps, equilíbrio químico, etc.

Esta prática propiciou a integração de vários tópicos do conteúdo de

Química como: solubilidade, reações químicas, soluções, estequiometria, análise

volumétrica, estudos contextualizados, com temas transversais (saúde e meio

ambiente), abordando a importância dos nutrientes para uma alimentação

equilibrada além de alertar sobre os riscos de deficiência e excesso desses, e

tratamento e destino dos resíduos gerados nas análises.

Os resultados das avaliações das turmas antes da intervenção pedagógica e

após a mesma, feitas através das comparações de médias (teste t), das turmas T1

(menor desempenho) e T2 (maior desempenho), podem ser visto na Tabela 1.

A partir dos resultados das avaliações das turmas 1 e 2 observou-se um

aumento de seus desempenhos após a elaboração e aplicação do kit em aulas

práticas, p(t)<0,01, mas, o que se verificou de mais interessante foi a

homogeneização do desempenho das turmas após a prática, como pode ser

observado nas média: 4,54 (T1) e 5,86 (T2) p(t)<0,01 antes, e 6,55 (T1) e 7,08 (T2)

após a prática. Apesar da média da T1 ser menor que da T2, essa não diferiu

estatisticamente daquela após a intervenção, p(t)=0,19. Além disso, após a

intervenção, os desvios-padrão reduziram para ambas as turma, T1 de 2,02 para

1,51 e T2 de 1,52 para 1,32. Isto mostra que a intervenção possibilitou, para os

assuntos abordados, a homogeneização dos desempenhos dos alunos em relação à

sua própria turma.

4 Tabelas e Figuras

4.1 Tabelas

Tabela 1 – Desempenho nas avaliações e análise estatística dos resultados

Turmas Antes da intervenção

médias*

Após a intervenção

médias* p(t)**

T 1 4,542,02 6,551,51 <0,01

T 2 5,861,52 7,081,32 <0,01

p(t)** <0,01 0,19 ns

*s = desvio padrão amostral **p(t) = probabilidade no teste t para as médias, significativo quando < 0,05. ns = não significativo

4.2 Figuras (passo a passo da análise)

Fonte: Teixeira; Fulton 2012.

Figura 1 – Kit para determinação do teor de NaCl em alimentos

Fonte: Teixeira; Fulton 2012.

Figura 2 – Reagentes usados na reação

Fonte: Teixeira; Fulton 2012.

Figura 3 – Frascos para titulação e frasco conta gotas para reagente titulante

Fonte: Teixeira; Fulton 2012.

Figura 4 – Amostras de alimentos e parte do kit de análise

Fonte: Teixeira; Fulton 2012.

Figura 5 – Pesagem do alimento para ser analisado

Fonte: Teixeira; Fulton 2012.

Figura 6 – Trituração a seco do alimento

Fonte: Teixeira; Fulton 2012.

Figura 7 – Maceração do alimento

Fonte: Teixeira; Fulton 2012.

Figura 8 – Filtração do alimento triturado e macerado

Fonte: Teixeira; Fulton 2012.

Figura 9 – Aspecto da solução do alimento filtrada para a análise

Fonte: Teixeira; Fulton 2012.

Figura 10 – Início da análise por titulação: volumetria com conta-gotas

Fonte: Teixeira; Fulton 2012.

Figura 11 – Ponto final da titulação observado pela mudança de coloração

Fonte: Teixeira; Fulton 2012.

Figura 12 – Recolhimento e destinação dos resíduos gerados na análise química

5 Conclusão

Mesmo não dispondo de laboratórios equipados é possível realizar aulas

práticas de quantificação de substâncias com o uso de materiais alternativos, de

baixo custos e presentes no cotidiano dos alunos. Como foi confirmado, nas

determinações de sal em alimentos feitas com o método alternativo, que

apresentaram exatidão (acurácia) e precisão próximas àquelas do método

tradicional.

Verificou-se que a intervenção pedagógica, com aulas práticas de química

contextualizada, melhorou a apreensão por parte dos alunos de conceitos de

conteúdos da disciplina de química e também do tema transversal saúde no que se

refere à nutrição humana, necessidades, carências e excesso de nutrientes.

O desenvolvimento e a aplicação de uma metodologia prática, onde o aluno

realiza suas próprias experiências, mostrou-se bastante oportuna, possibilitando

uma maior autonomia dos alunos para realizarem inferências posteriores, na

realização de ensaios práticos.

Foi possível observar que houve melhor articulação entre a disciplina

envolvida e o cotidiano dos alunos. O tratamento e a destinação dos resíduos

gerados nas análises possibilitou a abordagem do tema transversal Meio Ambiente.

A elaboração e aplicação do kit nas aulas melhoraram as performances das

turmas além de homogeneizar seus desempenhos que eram diferentes antes da

intervenção.

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