kiera cass - a escolha (a selecao 3)

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Para Callaway.

O garoto que subiu na casa da árvore do meu coração e medeixou reinar sobre o dele.

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1

Naquele dia estávamos no Grande Salão aturando mais umaaula de etiqueta quando os tijolos começaram a voaratravés da janela. Elise se jogou no chão imediatamente ecomeçou a rastejar em direção à porta lateral,choramingando. Celeste soltou um grito agudo e disparoupara o fundo do salão, escapando por pouco de uma chuvade estilhaços de vidro.

Kriss me puxou pelo braço, e começamos a correr juntasaté a saída.

— Rápido, senhoritas! — Silvia gritou.

Em questão de segundos, os guardas se alinharam nasjanelas e começaram a atirar. Os estalos ecoavam em meusouvidos enquanto fugíamos. Não importava mais se as armasusadas pelos rebeldes eram revólveres ou pedras: qualquerum que demonstrasse o menor grau de agressividade nosarredores do palácio iria morrer. Já não havia tolerânciacom esse tipo de ataque.

— Odeio correr com esses sapatos — Kriss murmurou, com umpedaço do vestido enrolado no braço e os olhos fixos nofim do corredor.

— Uma de nós terá que se acostumar com isso — Celestecomentou, respirando com dificuldade.

Suspirei.

— Se for eu, vou usar tênis todo dia. Não aguento maisisso.

— Conversem menos e corram mais! — Silvia gritou.

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— Como podemos chegar ao andar de baixo por aqui? — Eliseperguntou.

— E Maxon? — Kriss sussurrou.

Silvia não respondeu. Nós a seguimos por um labirinto decorredores em busca de um caminho para o porão, enquantoguardas e mais guardas corriam no sentido oposto aonosso.

Senti muita admiração por eles, imaginando a coragemnecessária para ir de encontro ao perigo para protegeroutras pessoas.

Os guardas que passavam por nós eram quase todos iguais,mas os olhos verdes de um deles estavam fixos em mim.

Aspen não parecia estar com medo, nem sequer preocupado.

Havia um problema, e ele iria resolvê-lo. Era o jeitodele.

Nosso olhar foi breve, mas suficiente. As coisasfuncionavam assim com Aspen. Em frações de segundo, pudedizer a ele, em silêncio: Tenha cuidado e fique atento .E, sem uma palavra, ele respondeu: Pode deixar, apenas secuide.

Apesar de lidar bem com essas coisas que não precisavamser ditas, eu não tinha a mesma facilidade quandoconversávamos de fato. Nossa última conversa não tinhasido das mais felizes. Eu estava prestes a deixar opalácio e tinha pedido a ele um tempo para superar aSeleção. Mas, no fim, acabei ficando e não lhe deiqualquer explicação.

Talvez sua paciência comigo estivesse se esgotando;

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talvez ele já não conseguisse ver apenas o que eu tinhade melhor.

Eu precisava resolver essa situação de algum jeito. Nãopodia imaginar minha vida sem Aspen. Mesmo naquelemomento, em que eu esperava ser escolhida por Maxon, ummundo sem Aspen parecia inconcebível.

— Aqui está! — Silvia exclamou, empurrando uma tábuamisteriosa na parede.

Seguimos escada abaixo, com Elise e Silvia à frente.

— Caramba, Elise, dá para ir mais rápido? — Celestegritou.

Queria muito ter ficado irritada com ela por ter ditoaquilo, mas sabia que todas estávamos pensando a mesmacoisa.

À medida que descíamos pela escuridão, tentava mepreparar para as horas que desperdiçaríamos, escondidascomo ratos. Continuamos a correr. O som da nossa fugaabafava os gritos, até que uma voz masculina ecoou acimade nós.

— Parem! — ordenou.

Kriss e eu viramos ao mesmo tempo e enxergamos o uniformeclaramente.

— Esperem! É um guarda — ela disse para as outras.

Paramos onde estávamos, resfolegando. Finalmente ele nosalcançou, também quase sem fôlego.

— Perdão, senhoritas. Os rebeldes fugiram assim queatiramos. Acho que não estavam a fim de briga hoje.

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Silvia, alisando o vestido com as mãos, falou por nós: —O rei concorda que é seguro? Se não for, você estarápondo a vida destas garotas em risco.

— O chefe da guarda liberou. Tenho certeza de que SuaMajestade…

— Não fale pelo rei. Venham, senhoritas, continuem.

— Você está falando sério? — perguntei. — Vamos descerpara nada.

Silvia me encarou de um jeito que faria até um rebeldetremer de medo, e achei melhor ficar quieta. Silvia e eutínhamos construído uma espécie de amizade quando ela,sem saber, me ajudou a tirar Maxon e Aspen da cabeça comsuas aulas particulares. Porém, depois do meu showzinhono Jornal Oficial, alguns dias antes, nossa amizadeparecia ter ido por água abaixo. Voltando-se para oguarda, ela continuou: — Consiga uma ordem oficial do reie voltaremos.

Continuem andando, senhoritas.

Eu e o guarda trocamos um olhar de frustração e seguimospor caminhos opostos.

Silvia não demonstrou qualquer remorso quando, vinteminutos mais tarde, outro guarda veio avisar queestávamos livres para voltar ao andar de cima.

Estava tão nervosa com aquela situação que nem espereiSilvia e as outras garotas. Subi as escadas até oprimeiro andar e segui direto para o meu quarto, aindalevando os sapatos pendurados nos dedos. Minhas criadasnão estavam, mas havia uma bandejinha de prata com umenvelope sobre a cama.

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Na hora reconheci a caligrafia de May. Abri a carta edevorei suas palavras:

Ames,

Somos tias! Astra é maravilhosa. Q ueria que vocêestivesse aqui para conhecê-la pessoalmente, mas sabemosque você precisa ficar no palácio por enquanto. Você achaque passaremos o Natal juntas? Está chegando! Precisovoltar para ajudar Kenna e James. Ela é tão bonita quenem dá para acreditar! Aqui vai uma foto!

Amamos você!

May

Puxei a foto brilhante de trás da carta. Estavam todoslá, menos Kota e eu. James, o marido de Kenna, estavaradiante, em pé atrás da esposa e da filha, com os olhosinchados.

Kenna estava sentada na cama, com um embrulhinho rosaentre os braços, parecendo ao mesmo tempo emocionada eexausta. Meus pais irradiavam orgulho, e o entusiasmo deMay e Gerad saltava da foto. Claro que Kota não aparecia;ele não ganharia nada estando presente. Mas eu deveriaestar lá.

Só que não estava.

Estava no palácio. E, às vezes, nem sabia por quê. Maxonainda passava muito tempo com Kriss, mesmo depois de tudoque tinha feito para eu ficar. Do lado de fora, osrebeldes atacavam sem descanso; ali dentro, as palavrasfrias do rei destruíam minha confiança. Em meio a tudoisso, Aspen ainda me rodeava — um segredo que eu

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precisava guardar. E

as câmeras iam e vinham, roubando pedaços de nossas vidaspara entreter as pessoas. Eu estava encurralada por todosos lados, perdendo tudo o que sempre fora importante paramim.

Engoli minhas lágrimas de raiva. Estava cansada dechorar.

Em vez disso, comecei a elaborar um plano. A únicamaneira de resolver esses problemas era acabar com aSeleção.

Embora de vez em quando ainda questionasse minha vontadede ser princesa, eu não tinha dúvidas de que queria ficarcom Maxon. Para isso acontecer, não podia simplesmentecruzar os braços e esperar. Enquanto lembrava minhaúltima conversa com o rei, comecei a andar em círculos,esperando as criadas.

Eu mal conseguia respirar, então sabia que tentar comerseria uma perda de tempo. Mas valeria o sacrifício.Precisava fazer algum progresso — e rápido. De acordo como rei, as outras garotas estavam mais próximas de Maxon —fisicamente falando —, e ele tinha dito que eu era muitocomum para ganhar delas naquele quesito.

Como se minha relação com Maxon já não fosse complicada obastante, ainda precisava reconquistar sua confiança. Eeu não sabia se isso significava fazer perguntas ou não.Apesar de ter quase certeza de que a intimidade com asoutras garotas não tinha ido tão longe, não conseguiaparar de pensar no assunto. Nunca tinha tentado sersedutora — praticamente todos os momentos íntimos que

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tivera com Maxon não foram intencionais —, mas euesperava que, se fosse mais direta, poderia deixar claroque estava tão interessada nele quanto as outras.

Respirei fundo, ergui a cabeça e entrei na sala dejantar.

Cheguei um ou dois minutos atrasada de propósito, naesperança de que todos já estivessem sentados. Meuscálculos deram certo. Mas a reação foi ainda melhor doque eu imaginava.

Fiz a reverência cruzando uma perna na frente da outra,para que a fenda do vestido se abrisse e revelasse até aminha coxa. O vestido era vermelho-escuro, tomara quecaia, e deixava as costas totalmente expostas. Tinhacerteza de que as criadas tinham feito alguma mágica paraque ele parasse no lugar. Me endireitei, olhandofixamente para Maxon. Percebi que ele tinha parado demastigar. Alguém derrubou um garfo.

Baixei os olhos e fui para o meu lugar, ao lado de Kriss.

— Francamente, America… — ela sussurrou.

Inclinei a cabeça na direção dela e perguntei, fingindonão ter entendido: — O que foi?

Ela pousou os talheres no prato e nos encaramos.

— Você está vulgar.

— E você está com inveja.

Se não acertei na mosca, cheguei muito perto: ela corouum pouco e voltou a comer. Dei umas poucas beliscadas nacomida, pois o vestido estava tão apertado que não davapara engolir muita coisa. Quando serviram a sobremesa,

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resolvi parar de ignorar Maxon, que, como eu esperava,tinha os olhos fixos em mim. Ele imediatamente ergueu amão e mexeu na orelha; discretamente, fiz o mesmo. Deiuma olhada rápida no rei Clarkson, me segurando para nãorir. Ele estava irritado — o que também fazia parte doplano — e não podia fazer nada a respeito.

Pedi licença para me retirar antes de todo mundo, dando aMaxon a chance de admirar a parte de trás do vestido.Corri para o quarto. Mal fechei a porta e tratei logo deabrir o zíper. Estava desesperada para respirar.

— Como foi? — Mary perguntou, se apressando para meajudar.

— Ele ficou embasbacado. Todo mundo ficou.

Lucy soltou um gritinho e Anne se apressou para ajudarMary.

— Vamos segurar o vestido. Apenas ande — foi sua ordem, eobedeci. — Ele vem esta noite?

— Sim. Não sei bem a que horas, mas com certeza vaiaparecer.

Sentei na beirada da cama, com os braços cruzados nabarriga para que o vestido aberto não caísse.

Anne fez uma cara triste.

— É uma pena que a senhorita tenha de sofrer por maisalgumas horas. Mas estou certa de que valerá a pena.

Sorri, tentando dar a impressão de que não me importavacom a dor. Tinha dito a elas que queria chamar a atençãode Maxon, mas não mencionara minha esperança de que, comum pouco de sorte, o vestido logo estaria jogado no chão.

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— Quer que a gente fique até ele chegar? — Lucyperguntou, entusiasmada.

— Não, só me ajudem a fechar isto aqui de novo. Precisopensar sobre algumas coisas — respondi, levantando paraque elas pudessem me ajudar.

Mary segurou o fecho.

— Prenda a respiração, senhorita.

Obedeci, e mais uma vez fui espremida pelo vestido.

Pensei em um soldado que se preparava para a guerra. Aarmadura era diferente, mas a ideia, a mesma.

Naquela noite, eu ia derrotar um homem.

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2

Abri as portas da sacada e deixei o ar entrar no quarto.

Embora fosse dezembro, uma brisa leve fazia cócegas naminha pele. Não tínhamos mais permissão para ficar dolado de fora sem a presença de guardas, então a sacadateria de servir.

Andei pelo quarto e acendi algumas velas, na tentativa detornar o espaço mais aconchegante. Quando ouvi uma batidana porta, apaguei o fósforo, peguei um livro, voei para acama e ajeitei o vestido. Ora, Maxon, é assim que eu ficoquando estou lendo alguma coisa.

— Entre — convidei, com uma voz que mal dava paraescutar.

Maxon entrou. Levantei a cabeça graciosamente e percebique ele ficou maravilhado ao encontrar o quarto à meia-luz.

Então focou sua atenção em mim, correndo os olhos pelaminha perna à mostra.

— Aí está você — eu disse, fechando o livro e melevantando para cumprimentá-lo.

Ele fechou a porta e avançou, o olhar cravado nas minhascurvas.

— Queria dizer que você está maravilhosa esta noite.

Joguei o cabelo para trás.

— Ah, por causa deste vestido? Estava escondido no fundodo armário.

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— Fico feliz que tenha tirado de lá.

Enlacei meus dedos nos dele.

— Sente-se aqui comigo. Não tenho visto você com muitafrequência ultimamente.

Ele soltou um suspiro e me acompanhou.

— Sinto muito por isso. As coisas ficaram um pouco tensasdepois das baixas que tivemos naquele ataque, e você sabecomo é o meu pai. Enviamos vários guardas para protegeras famílias de vocês, o que diminuiu nossas forças, entãoele está pior do que nunca. E também está me pressionandopara que eu termine a Seleção, mas continuo firme. Queroter tempo para pensar bem sobre as coisas.

Fomos até a cama e nos sentamos na beirada, bem perto umdo outro.

— Claro. Quem deve controlar isso é você — comentei.

Ele concordou com a cabeça.

— Exatamente. Sei que já disse isso mil vezes, mas ficolouco quando as pessoas me pressionam.

— Eu sei — confirmei, fazendo uma cara triste.

Ele fez uma pausa, e não consegui interpretar suaexpressão. Tentava pensar num jeito de avançar semparecer oferecida, mas não sabia exatamente como criar ummomento romântico.

— Sei que é uma coisa boba, mas minhas criadas escolheramum perfume novo hoje. É muito forte? — perguntei,aproximando meu pescoço para que ele pudesse sentir.

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Ele aproximou o rosto, seu nariz tocando minha pele.

— Não, querida. É ótimo — Maxon respondeu, com a cabeçaentre meu ombro e meu pescoço, onde, então, me beijou.

Engoli em seco, tentando me concentrar. Precisava manterum mínimo de controle.

— Que bom que gostou. Estava com saudade.

Senti sua mão se esgueirar pelas minhas costas e baixei orosto. Ali estava ele, os olhos cravados nos meus, nossoslábios separados por poucos milímetros.

— Quanta saudade você sentiu? — ele sussurrou.

Aquele olhar, somado ao sussurro, fazia meu coração baterdepressa.

— Muita — respondi, também sussurrando. — Muita mesmo.

Inclinei o corpo para a frente, morrendo de vontade debeijá-lo. Maxon estava confiante. Ele me puxava para maisperto com uma mão e acariciava meus cabelos com a outra.

Meu corpo queria se desfazer em um beijo, mas o vestidome impedia. De repente, fiquei nervosa de novo, lembrandodo meu plano.

Escorreguei as mãos pelos braços de Maxon e conduzi seusdedos até o fecho do vestido, na esperança de que issobastasse.

Suas mãos se detiveram ali por alguns instantes. Euestava a ponto de simplesmente pedir que Maxon baixasse ozíper quando ele caiu na gargalhada.

Sua risada me fez voltar à realidade imediatamente.

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— O que é tão engraçado? — perguntei, horrorizada,tentando pensar em um jeito discreto de sentir meuhálito.

— De todas as coisas que você já fez, essa foi de longe amais divertida! — Maxon exclamou, rindo tanto que davatapas no joelho.

— Como é?

Ele estalou um beijo na minha testa e disse: — Sempreimaginei como seria quando você tentasse. — E

voltou a gargalhar. — Desculpe, preciso ir — completou.Até seu jeito de levantar dava mostras de que estava sedivertindo muito. — Vejo você amanhã.

E saiu. Simplesmente saiu!

Fiquei lá, sentada, completamente arrasada. Onde euestava com a cabeça quando pensei que aquilo daria certo?Maxon podia não saber tudo sobre mim, mas pelo menosconhecia meu caráter. E aquela… aquela não era eu.

Baixei os olhos para aquele vestido ridículo. Era demais.

Nem Celeste teria ido tão longe. Meu cabelo estavaperfeito demais; minha maquiagem, carregada demais. Eletinha entendido minhas intenções desde o primeiro segundoem que pôs os pés no quarto. Suspirando, apaguei as velasuma por uma e fiquei imaginando como iria encará-lo nodia seguinte.

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Pensei em fingir uma gastrite. Ou uma enxaquecaarrasadora.

Ataque de pânico. Sério, qualquer coisa que me livrassedo café da manhã.

Então pensei em Maxon e no que ele sempre dizia sobreencarar as dificuldades com a cabeça erguida. Talvez nãofosse meu ponto forte, mas se ao menos eu descesse até asala de jantar, se ao menos estivesse presente… quem sabeele me daria algum crédito.

Na esperança de consertar pelo menos parte do que fizera,pedi às criadas que me vestissem com a roupa maisdiscreta que eu tivesse. Só por esse pedido elasentenderam que não deviam perguntar nada sobre a noiteanterior. O decote do vestido era um pouco mais fechadodo que costumávamos usar no clima quente de Angeles, e asmangas chegavam quase até o cotovelo. Era florido ealegre, o oposto do visual da noite anterior.

Mal consegui olhar para Maxon quando entrei na sala dejantar, mas pelo menos mantive a postura ereta.

Quando finalmente dei uma espiada em sua direção, láestava ele me observando, com um sorriso irônico noslábios.

Enquanto comia, Maxon piscou para mim, e voltei a baixara cabeça, fingindo estar muito interessada na minhaquiche.

— Bom ver você com roupas de verdade hoje — Krissdisparou.

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— Bom ver você de bom humor.

— O que deu na sua cabeça? — ela perguntou.

Desanimada, não quis prolongar a conversa.

— Estou sem paciência para isso hoje, Kriss. Só quero quevocê me deixe em paz.

Por um instante, achei que ela fosse reagir, masaparentemente eu não valia o esforço. Ela se ajeitou nacadeira e continuou a comer. Se eu tivesse obtido ummínimo de sucesso na noite anterior, poderia justificarminhas ações. Mas do jeito que as coisas tinham ido,sequer podia fingir orgulho.

Arrisquei outro olhar para Maxon. Apesar de não estarmais me observando, dava para perceber que ainda sesegurava para não rir enquanto cortava a comida. Erademais. Eu não suportaria um dia inteiro daquele jeito.Já estava me preparando para desmaiar, fingir uma dor debarriga ou tentar qualquer outra coisa para sair dali omais rápido possível quando um mordomo entrou na sala.Trazia um envelope em uma bandeja de prata e fez umareverência antes de colocá-la diante do rei Clarkson.

O rei pegou a carta e leu-a no ato.

— Malditos franceses! — resmungou. — Desculpe, Amberly,mas parece que terei de partir dentro de uma hora.

— Mais um problema com o tratado de comércio? — a rainhaperguntou tranquilamente.

— Sim. Pensei que tivéssemos acertado tudo meses atrás.

Precisamos ser firmes desta vez.

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O rei atirou o guardanapo na mesa, levantou e seguiu emdireção à porta.

— Pai! — Maxon chamou, também se levantando. — Não querque eu vá junto?

De fato, eu tinha achado estranho o rei não vociferarnenhuma ordem para que o filho o seguisse quando selevantou. Afinal, era esse o seu método de ensino. Destavez, porém, ele se voltou para Maxon e, com o olhar frioe a voz cortante, disparou:

— Quando você estiver pronto para se comportar como umrei, poderá vivenciar o que um rei faz. — E se retirou,sem dizer mais nada.

Maxon permaneceu de pé por alguns instantes, chocado eenvergonhado pela bronca que levara na frente de todomundo. Sentou novamente e se dirigiu à mãe: — Para sersincero, não estava muito animado com o voo — comentou,para aliviar a tensão com uma piada. A rainha sorriu,como obviamente era sua obrigação, e nós ignoramos oocorrido.

As outras garotas terminaram o café da manhã e pediramlicença para ir ao Salão das Mulheres. Quando restávamosapenas Maxon, Elise e eu, levantei os olhos para ele.

Mexemos na orelha ao mesmo tempo e sorrimos. Elisefinalmente saiu, e nos encontramos no meio da sala dejantar, sem nos importarmos com as criadas e os mordomosque chegavam para limpar a mesa.

— Ele não vai levar você por minha causa — lamentei.

— Talvez — Maxon provocou. — Acredite, não é a primeiravez que ele tenta me colocar no meu lugar, e, na cabeça

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dele, tem milhares de motivos para isso. Não mesurpreenderia se o principal motivo agora fosse despeito.Ele não quer deixar o poder, mas quanto mais perto euchego de escolher uma esposa, maior a probabilidade deque isso aconteça. Apesar de ambos sabermos que ele nuncaabrirá mão do governo.

— Você deveria me mandar para casa de uma vez. Ele nuncavai deixar que me escolha.

Eu ainda não contara a ele que seu pai havia meencurralado e me ameaçado no meio do corredor depois queMaxon o convencera a me deixar ficar. O rei Clarksondeixara bem claro que era para eu ficar de boca fechadasobre aquela conversa, e eu não pretendia contrariá-lo.Ao mesmo tempo, odiava guardar segredos de Maxon.

— Além disso — acrescentei, cruzando os braços —, depoisde ontem à noite, não acho que você me queira por aquimesmo.

Ele mordeu os lábios.

— Desculpe pela minha reação, mas, sério, o que mais eupodia fazer?

— Eu tinha várias ideias — murmurei, ainda envergonhadapor ter tentado seduzi-lo. — Agora me sinto uma idiota —completei, escondendo o rosto entre as mãos.

— Pare com isso — ele disse gentilmente e me abraçou. —Acredite, foi muito tentador, mas você não é assim.

— Mas não deveria ser? Isso não deveria fazer parte doque somos? — lamentei, apoiando a cabeça em seu peito.

— Você não se lembra da noite no abrigo? — Maxonperguntou baixinho.

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— Sim, mas aquilo era basicamente a nossa despedida.

— Teria sido uma despedida fantástica.

Recuei, dando um leve empurrão nele. Ele achou graça,feliz por ter amenizado o desconforto da situação.

— Vamos esquecer esse assunto — propus.

— Ótimo — concordou. — Além do mais, temos um projetopara pôr em prática, você e eu.

— Temos?

— Temos. Como meu pai está fora, este é o momento idealpara começarmos a bolar estratégias.

— Certo — eu disse, empolgada por fazer parte de algo sóentre nós dois.

Maxon respirou fundo, me deixando ansiosa para descobriro que estava tramando.

— Você tem razão. Meu pai não a aprova. Mas ele pode serobrigado a ceder se conseguirmos uma coisa.

— Que coisa?

— Precisamos fazer de você a favorita do povo.

Fiz uma careta.

— Esse é o nosso projeto, Maxon? Nunca vai acontecer.

Vi uma pesquisa em uma das revistas da Celeste depois quetentei salvar Marlee. As pessoas não me suportam.

— As opiniões mudam. Não deixe um momento isoladodesanimá-la.

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Eu ainda achava que era impossível, mas o que poderiadizer? Se aquela era minha única opção, pelo menosdeveria tentar.

— Tudo bem — eu disse. — Mas já vou avisando que não vaifuncionar.

Com um sorriso travesso no rosto, Maxon chegou bem pertoe me deu um beijo longo e demorado.

— Pois eu digo que vai.

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4

Entrei no Salão das Mulheres com o plano de Maxon nacabeça. A rainha ainda não havia chegado e todas asmeninas riam juntas perto da janela.

— America, venha aqui! — chamou Kriss, como se fosseurgente. Até Celeste se virou para mim com um sorriso eum gesto para que me aproximasse.

Desconfiei um pouco do que me esperava, mas me juntei aogrupo mesmo assim.

— Meu Deus! — exclamei.

— Pois é — suspirou Celeste.

Lá estava metade dos guardas do palácio, sem camisa,correndo em volta do jardim. Aspen tinha me contado quetodos os guardas tomavam uma injeção para ficarem fortes,mas aparentemente eles também faziam um monte deexercícios para manter o corpo em forma.

Apesar de sermos todas leais a Maxon, não dava paraignorar tantos garotos lindos.

— O loiro… — Kriss comentou. — Bom, acho que é loiro. Ocabelo está tão curto!

— Eu gosto deste aqui — cochichou Elise quando outrosoldado passou pela janela.

Kriss segurou o riso.

— Não acredito que estamos fazendo isso!

— Ali, ali! Aquele cara de olhos verdes — disse Celeste,

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apontando para Aspen.

Kriss deixou escapar um suspiro.

— Dancei com ele no Halloween. Além de bonito, édivertido.

— Também dancei com ele — gabou-se Celeste. — O

guarda mais lindo do palácio, fácil.

Tive que dar uma risadinha. Imaginei como ela se sentiriase soubesse que Aspen tinha sido um Seis antes de setornar guarda.

Enquanto o observava correr, pensei nas centenas de vezesem que fora envolvida por aqueles braços. A distânciacada vez maior entre nós parecia inevitável, mas mesmoassim me perguntava se havia uma maneira de preservar umaparte do que vivemos. E se eu precisasse dele?

— E você, America? — Kriss perguntou.

Aspen era o único que me atraía e, depois de sofrer tantopor ele, parecia idiota escolher alguém. Achei melhor meesquivar da pergunta.

— Não sei. São todos bonitinhos.

— Bonitinhos? — repetiu Celeste. — Você está debrincadeira! Estão entre os caras mais lindos que já vi.

— São só uns caras sem camisa — repliquei.

— Então aproveite a vista porque daqui a pouco só vaipoder olhar para nós três aqui dentro — Celeste disse emtom grosseiro.

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— Sei lá. Maxon fica tão bem sem camisa quanto qualquerum desses caras.

— O quê? — bravejou Kriss.

Só percebi o que tinha dito um segundo depois de aspalavras escaparem da minha boca. As três olhavamfixamente para mim.

— Quando exatamente você e Maxon ficaram sem camisa? —Celeste quis saber.

— Eu não fiquei!

— Mas ele ficou? — Kriss perguntou. — Foi por isso quevocê usou aquele vestido péssimo ontem à noite?

Celeste estava em choque:

— Sua vadia!

— Como é? — gritei.

— Bom, o que você esperava? — ela emendou, cruzando osbraços. — A não ser que você queira nos contar o queaconteceu e provar que estamos erradas.

O problema é que não havia como explicar o assunto.

Despir Maxon não tinha sido exatamente um momentoromântico, mas eu não podia contar que tinha cuidado deferidas nas costas dele causadas justamente por seu pai.Maxon guardaria esse segredo a vida inteira. Se o traísseagora, seria o fim da nossa relação.

— Celeste estava seminua com ele nos corredores! —acusei, com o dedo apontado para ela.

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O queixo dela caiu.

— Como você sabe?

— Quer dizer que todo mundo já ficou sem roupa com Maxon?— Elise perguntou, horrorizada.

— Não ficamos sem roupa! — gritei.

— Chega — disse Kriss, levantando os braços. — Precisamostirar isso a limpo. Quem fez o que com Maxon?

Todas se calaram por alguns instantes. Ninguém queria sera primeira a falar.

— Eu o beijei — revelou Elise. — Três vezes e só.

— Eu nunca o beijei — confessou Kriss. — Mas foi escolhaminha. Ele me beijaria se eu deixasse.

— Sério? Nenhuma vez? — perguntou Celeste, chocada.

— Nenhuma.

— Bom, eu o beijei várias vezes — Celeste falou, jogandoo cabelo para trás, orgulhosa em vez de envergonhada. — Amelhor foi naquela noite no corredor.

E, com os olhos em mim, completou: — Ficamos cochichandosobre como era emocionante saber que podíamos ser pegosno flagra.

Então todas se viraram para mim. Lembrei das palavras dorei, quando insinuou que talvez outras garotas estivessemdispostas a ser mais atiradas do que eu. Mas eu sabia queessa era apenas mais uma de suas armas, uma tentativa deme fazer sentir insignificante. Decidi ser honesta.

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— O primeiro beijo de Maxon foi comigo, não com Olivia.Eu não queria que ninguém soubesse. E depois houveoutros… momentos mais íntimos. Em um deles, Maxon ficousem camisa.

— Ficou sem camisa? Assim, num passe de mágica, ela saiu?— pressionou Celeste.

— Ele tirou — admiti.

Ainda não satisfeita, Celeste continuou a forçar a barra.

— Ele tirou ou você tirou?

— Acho que os dois.

Depois de alguns instantes tensos, Kriss retomou apalavra: — Muito bem, agora sabemos a posição de cadauma.

— E qual é? — Elise perguntou.

Ninguém respondeu.

— Só queria dizer… — comecei — que todos esses momentosforam muito importantes para mim, e que realmente meimporto com Maxon.

— Você quer dizer que a gente não se importa? — vociferouCeleste.

— Sei que você não se importa.

— Como ousa?!

— Celeste, todo mundo sabe que você quer alguém compoder. Até apostaria que você gosta um pouco dele, masnão é apaixonada. Você quer a coroa.

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Sem negar, ela se voltou para Elise.

— E essa aqui? Nunca vi qualquer traço de emoção em você!

— Sou reservada. Você devia tentar de vez em quando —Elise rebateu no ato. Aquela faísca de raiva me fezgostar dela um pouco mais. — Na minha família, todos oscasamentos são arranjados. Eu sabia que comigo tambémseria assim.

Posso não estar completamente apaixonada, mas respeitoMaxon. O amor pode vir depois.

Kriss falou, em tom amigável:

— Isso parece meio triste, Elise.

— Não é. Há coisas maiores do que o amor.

Todas encaramos Elise, digerindo suas palavras. Eu tinhalutado pela minha família em nome do amor e, também emnome do amor, tinha feito o mesmo por Aspen. E agora,apesar de a simples ideia me assustar, estava certa deque todas as minhas ações em relação a Maxon — mesmo asmais bobas — também eram motivadas por esse sentimento. Ese houvesse algo mais importante?

— Bom, eu admito: amo Maxon — Kriss desabafou. — Amo equero que se case comigo.

De volta à discussão, minha vontade era de derreter pelocarpete. O que eu tinha começado?

— Muito bem, America, desembuche — exigiu Celeste.

Gelei e comecei a respirar com dificuldade. Demorei umpouco para encontrar as palavras certas.

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— Maxon sabe o que eu sinto, e é isso o que importa.

Ela fez uma cara de decepção, mas não me pressionou mais.Sem dúvida estava com medo de que eu fizesse o mesmo comela.

Permanecemos lá, nos entreolhando. A Seleção já duravameses, e agora finalmente podíamos enxergar osverdadeiros objetivos de cada uma na competição. Agoratodas sabíamos qual era a relação das concorrentes comMaxon — pelo menos em parte —, e era possível compará-las.

A rainha chegou momentos depois e nos desejou bom-dia.

Depois de cumprimentá-la com uma reverência, nosafastamos. Para os cantos do salão, para dentro de nósmesmas. Talvez tudo se resumisse a isso mesmo. Havia umpríncipe e quatro garotas, três das quais voltariam paracasa com pouco mais que uma história interessante sobrecomo passaram o outono.

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Eu dava voltas pela biblioteca do primeiro andar,retorcendo as mãos e tentando organizar as palavras queia dizer. Sabia que precisava explicar o que tinhaacabado de acontecer antes que ele ouvisse da boca dasoutras meninas, mas isso não queria dizer que estavaansiosa pela conversa.

— Toc, toc — ele disse enquanto entrava. Logo notou apreocupação em meu rosto. — O que houve?

— Não fique bravo — avisei enquanto ele se aproximava.

Maxon desacelerou o passo. Sua expressão apreensiva agoraera de cautela.

— Tentarei.

— As garotas sabem que vi você sem camisa.

Ao ver a pergunta se formar em sua boca, emendei: — Nãocontei nada sobre as suas costas — jurei. — Até quis,porque agora elas simplesmente acham que passamos a noiteno maior amasso.

Maxon sorriu.

— Mas foi assim no final das contas.

— Sem gracinhas, Maxon! Elas me odeiam agora.

Ele me abraçou sem perder o brilho nos olhos.

— Se serve de consolo, não estou bravo. Não me importo,desde que você guarde meu segredo. Só estou um poucochocado que você tenha contado a elas. Aliás, como esse

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assunto surgiu?

Deitei a cabeça em seu peito.

— Acho que não posso contar.

— Humm… Pensei que estivéssemos trabalhando nossaconfiança — ele disse, correndo o polegar pelas minhascostas.

— E estamos. Peço que confie em mim quando digo que ascoisas só vão piorar se eu contar o resto.

Talvez eu estivesse enganada, mas algo me dizia querevelar a Maxon o episódio dos guardas suados e semcamisa traria algum tipo de problema para todas nós.

— Certo — ele disse enfim. — Então as garotas sabem quevocê me viu parcialmente despido. Algo mais?

— Elas sabem — comecei, depois de um pouco de hesitação —que seu primeiro beijo foi comigo. E eu sei tudo o quevocê fez ou deixou de fazer com elas.

Maxon deu um pulo para trás.

— O quê?

— Depois que deixei escapar a história de você semcamisa, começou uma sessão de acusações e resolvemosfalar a verdade. Sei que você já beijou Celeste váriasvezes e que já teria beijado Kriss há tempos se elativesse deixado. Tudo veio à tona.

Ele levou a mão ao rosto e deu alguns passos enquantoprocessava as informações.

— Então não tenho mais nenhuma privacidade? Nenhuma?

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Porque vocês quatro resolveram comparar os placares?

Sua frustração era evidente.

— Para alguém tão preocupado com a honestidade, vocêdeveria agradecer.

Maxon parou e me encarou.

— Como é?

— Tudo está às claras agora. Todas nós temos uma boaideia da situação de cada uma. Eu, por exemplo, estougrata.

Maxon contorceu o rosto.

— Grata?

— Se você tivesse me contado antes que Celeste e eutínhamos quase a mesma intimidade física com você, eu nãoteria tentado nada na noite passada. Você tem ideia dahumilhação que passei?

O príncipe deu uma risada irônica e voltou a andar.

— Por favor, America. Você já disse e fez tantas coisasestúpidas que para mim seria uma surpresa descobrir quevocê ainda é capaz de sentir vergonha.

Talvez por ter recebido uma educação menos sofisticada,demorei um pouco para sentir todo o impacto daquelaspalavras. Maxon sempre gostara de mim. Ao menos era o quedizia. E sentia isso apesar da opinião dos outros. Seriatambém apesar de sua própria opinião?

— Vou me retirar — eu disse com a voz calma, incapaz deencará-lo nos olhos. — Me desculpe por contar a história

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da camisa.

Segui em direção à porta, me sentindo tão pequena que meperguntava se ele teria notado o movimento.

— Vamos, America. Não quis dar a entender que…

— Não, tudo bem — balbuciei. — Vou prestar mais atençãoàs minhas palavras.

Subi as escadas. Não sabia ao certo se queria ou não queMaxon me seguisse. Ele ficou.

Quando cheguei ao quarto, encontrei Anne, Mary e Lucy,que trocavam os lençóis e espanavam as prateleiras.

— Olá, senhorita — cumprimentou Anne. — Deseja um chá?

— Não. Só quero sentar na sacada um pouquinho. Se alguémme procurar, diga que estou descansando.

Anne franziu a testa, mas concordou.

— Claro.

Passei um tempo tomando ar fresco. Depois dei uma lida notexto que Silvia tinha preparado para nós. Tirei umcochilo e toquei um pouco de violino. Desde que euconseguisse ficar longe das outras meninas e de Maxon,não me importava de fazer absolutamente qualquer coisa.

Com o rei fora, tínhamos permissão para fazer asrefeições no quarto. Foi o que fiz. Quando estava nametade do meu frango ao molho de pimenta e limão, ouvibaterem à porta.

Talvez estivesse paranoica, mas tinha certeza de que eraMaxon. Não tinha condições de vê-lo naquele momento.

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Agarrei Mary e Anne e fui ao banheiro.

— Lucy — sussurrei —, diga a ele que estou no banho.

— Ele? Banho?

— Sim. Não o deixe entrar — foi minha instrução.

Fechei a porta e grudei o ouvido nela.

— O que significa isso? — Anne perguntou.

— Conseguem ouvir alguma coisa? — perguntei.

As duas também encostaram o ouvido na porta, à espera dealgum som inteligível.

Eu só escutava a voz abafada de Lucy, mas quando meaproximei do vão da porta, pude ouvir claramente aseguinte conversa: — Ela está no banho, Alteza — Lucyrespondeu com tranquilidade. Era mesmo Maxon.

— Ah, tinha esperança de que ela ainda estivesse comendo.

Pensei que talvez pudéssemos jantar juntos.

— A senhorita decidiu tomar um banho antes de comer.

A voz de Lucy vacilava um pouco, se sentindo mal com amentira.

Vamos, Lucy. Aguente firme, pensei.

— Entendi. Bom, você poderia pedir para America me chamarquando terminar? Gostaria de falar com ela.

— Humm… Talvez o banho seja demorado, Alteza.

Maxon se calou por um momento.

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— Ah. Tudo bem. Então você pode, por favor, dizer a elaque estive aqui e que ela pode me chamar se quiserconversar? Diga também para não se preocupar com a hora.

Eu virei.

— Sim, senhor.

Houve um longo silêncio. Comecei a achar que ele já tinhasaído.

— Bem… Obrigado — Maxon disse afinal. — Boa noite.

— Boa noite, Alteza.

Fiquei escondida por mais alguns instantes para tercerteza de que ele tinha ido embora. Quando saí, Lucyainda estava ao lado da porta. Percebi a expressão deinterrogação nos olhos das criadas.

— Só quero ficar sozinha esta noite — expliqueivagamente. — Aliás, acho que já estou pronta para dormir.

Por favor, levem a bandeja com o jantar. Vou me prepararpara deitar.

— A senhorita quer que uma de nós fique? — perguntouMary. — Caso deseje chamar o príncipe?

Dava para perceber a esperança nos olhos delas, mas tiveque desapontá-las.

— Não. Só preciso descansar. Vejo Maxon pela manhã.

Era estranha a sensação de me deitar sabendo que existiauma pendência entre mim e Maxon, mas não sabia o quedizer a ele naquele momento. Não fazia sentido. Játínhamos passado por tantos altos e baixos, por tantas

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tentativas de transformar o que havia entre nós em umarelação de verdade. Estava claro, porém, que, se issofosse acontecer, ainda teríamos um longo caminho pelafrente.

Fui acordada bruscamente antes do amanhecer. A luz docorredor invadiu meu quarto e, enquanto eu aindaesfregava os olhos, um guarda entrou.

— Senhorita America, acorde, por favor — disse ele.

— O que houve? — perguntei com um bocejo.

— Uma emergência. A senhorita precisa descer até oprimeiro andar.

Senti meu coração parar na hora. Minha família tinhamorrido; eu sabia. Guardas haviam sido enviados; tínhamosavisado nossos familiares que isso era possível, mashavia rebeldes demais. O mesmo acontecera com Natalie.Ela deixara a Seleção depois que os rebeldes mataram suairmã mais nova. Nossas famílias não estavam seguras.

Joguei os cobertores no chão e vesti o roupão e pantufas.

Atravessei o corredor e a escadaria o mais rápido quepude.

Quase caí duas vezes nos degraus.

Quando cheguei ao primeiro andar, encontrei Maxonconversando seriamente com um guarda. Corri até ele, semnem me lembrar do que tinha acontecido nos diasanteriores.

— Como eles estão? — perguntei, tentando segurar o choro.

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— Foi muito grave?

— O quê? — ele perguntou, com um abraço inesperado.

— Meus pais, meus irmãos! Como eles estão?

Maxon me segurou pelos braços e me olhou bem sério.

— Eles estão bem, America. Desculpe; eu devia terimaginado que essa seria a primeira coisa a vir à suacabeça.

Quase chorei de alívio.

Maxon parecia um pouco confuso, mas continuou: — Osrebeldes estão no palácio.

— O quê? — exclamei. — E por que não vamos nos esconder?

— Não estão aqui para atacar.

— Então, por que estão aqui?

O príncipe soltou um suspiro.

— São apenas dois rebeldes nortistas. Não vieram armadose querem falar especificamente comigo… e com você.

— Por que eu?

— Não sei ao certo. Vou falar com eles agora e pensei emchamar você para participar da conversa também.

Olhei para a minha roupa e passei a mão no cabelo.

— Estou de camisola.

Maxon sorriu.

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— Eu sei, mas vai ser bem informal. Não tem problema.

— Você quer que eu fale com eles?

— A escolha é sua, mas estou curioso para saber por queesses rebeldes pediram para falar com você em especial. Enão sei se vão contar o motivo se você estiver ausente.

Baixei a cabeça e comecei a ponderar a situação. Nãotinha certeza de que queria conversar com os rebeldes.Com ou sem armas, eles eram muito mais letais do que eujamais seria. Mas se Maxon achava que eu podia, talvezdevesse tentar…

— Tudo bem — eu disse, endireitando o corpo. — Tudo bem.

— Você não vai se machucar, America. Prometo.

Ele ainda segurava minha mão e apertou de leve meusdedos.

— Vá na frente — Maxon disse ao guarda. — Mantenha ocoldre aberto por precaução.

— Claro, Alteza — respondeu o guarda, e depois nos guioupelo corredor até o Grande Salão, onde duas pessoasestavam de pé, cercadas por mais guardas.

Em segundos encontrei Aspen na multidão.

— Você poderia dispensar seus cães de guarda? — pediu umdos rebeldes. Ele era alto, magro e loiro. Suas botasestavam cobertas de lama e sua roupa parecia de um Sete:calças grosseiras mais ou menos justas, uma camisaremendada e uma jaqueta de couro surrada. Uma bússolaenferrujada pendia de seu pescoço por uma longa correntee movia-se quando ele mexia o pescoço. Tinha umaaparência bruta sem ser assustador, e isso não era bem o

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que eu esperava.

Muito mais inesperado era ele estar acompanhado por umamoça. Ela também calçava botas. No entanto, como sequisesse parecer preparada e estilosa ao mesmo tempo,vestia uma legging e uma saia feita do mesmo tecido que acalça do rapaz. Suas mãos repousavam confiantes nosquadris, apesar de todos os guardas que a cercavam. Mesmoque eu não tivesse reconhecido seu rosto, teria lembradode sua jaqueta.

Era jeans, acinturada e com flores bordadas.

Para confirmar que eu sabia quem ela era, a moça fez umapequena reverência. Deixei escapar algo entre um riso eum arquejo.

— O que foi? — Maxon perguntou.

— Depois — cochichei.

Ele estava confuso, mas calmo, e apertou novamente minhamão. Então, voltamos nossa atenção aos convidados.

— Viemos conversar em paz — anunciou o homem. — Estamosdesarmados e fomos revistados por seus guardas. Sei quetalvez seja inadequado pedir privacidade, mas gostaríamosde discutir assuntos que ninguém mais deve ouvir.

— E America? — perguntou Maxon.

— Queremos falar com ela também.

— Com que finalidade?

— Mais uma vez — o jovem respondeu, quase com desdém —,precisamos conversar a sós, longe desses caras — e, comum sorriso cínico, estendeu o braço na direção dos

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soldados.

— Se você acha que pode machucá-la…

— Sei que vocês não acreditam em nós, e por um bommotivo. Só que não temos por que machucar vocês.

Queremos apenas conversar.

Maxon refletiu por um instante.

— Você — ordenou a um dos guardas —, traga uma mesa equatro cadeiras para cá. Depois, afastem-se para darespaço aos nossos visitantes.

Os soldados obedeceram, e permanecemos calados por algunspoucos e desconfortáveis minutos. Quando finalmentetrouxeram uma mesa de uma pilha no canto e puseram um parde cadeiras de cada lado, Maxon indicou aos dois rebeldesque se sentassem conosco.

À medida que caminhávamos, os guardas se afastavam e, emsilêncio, formavam um círculo ao redor do salão. Com osolhos fixos nos rebeldes, pareciam prontos para atirarsem pensar duas vezes.

Ainda em pé junto à mesa, o rebelde estendeu a mão.

— Não acha que é hora de fazer as apresentações?

Maxon olhou para ele com cuidado, mas depois cedeu.

— Maxon Schreave, seu soberano.

O jovem conteve o riso.

— É uma honra, senhor.

— E você, quem é?

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— August Illéa, a seu serviço.

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Maxon e eu nos entreolhamos, e depois voltamos a atençãopara os rebeldes.

— Você ouviu bem. Sou um Illéa, e legítimo. E minhacompanheira aqui também será, mais cedo ou mais tarde,quando nos casarmos — disse August, apontando para amoça.

— Georgia Whitaker — ela se apresentou. — E, claro,sabemos tudo sobre você, America.

Ela abriu outro sorriso para mim, que retribuí. Eu nãosabia bem se confiava nela, mas com certeza não a odiava.

— Então meu pai tinha razão — Maxon suspirou.

Arregalei os olhos, confusa. Ele sabia que haviadescendentes diretos de Gregory Illéa por aí? — Ele meavisou que vocês viriam atrás da coroa algum dia —completou.

— Não quero sua coroa — August garantiu.

— Que bom, porque pretendo governar este país — Maxondisse. — Fui criado para isso. Se você acha que podechegar aqui alegando que é tataraneto de Gregory…

— Não quero sua coroa, Maxon! Destruir a monarquia fazmais o estilo dos rebeldes do sul. Nós temos outrasmetas.

August sentou-se à mesa e reclinou a cadeira. Em seguida,como se estivéssemos em sua casa, indicou as cadeiras dolado oposto, nos convidando a sentar.

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Maxon e eu nos entreolhamos mais uma vez, mas sentamos;Georgia logo fez o mesmo. August nos encarou por uminstante, como se estivesse nos avaliando ou decidindopor onde começar.

Maxon, talvez para lembrar a todos quem mandava ali,quebrou o silêncio.

— Vocês querem chá ou café?

Georgia ficou radiante:

— Café?

Maxon não conteve o sorriso diante do entusiasmo dela ese virou para chamar um dos guardas.

— Você poderia pedir a uma das criadas para trazer café?

E bem forte, por favor — ele disse, e depois voltou a seconcentrar em August. — Não consigo imaginar o que desejade mim. Você fez questão de vir enquanto o paláciodormia.

Suponho que queira manter a visita o mais discretapossível.

Diga o que quer. Não posso prometer atendê-lo, masescutarei.

August assentiu e se aproximou mais da mesa.

— Há décadas temos procurado os diários de Gregory. Faztempo que sabemos de sua existência e recentementeconseguimos uma confirmação de uma fonte que não possorevelar.

Depois, olhando para mim, prosseguiu: — Não foi através

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da sua apresentação no Jornal Oficial que ficamossabendo.

Respirei aliviada. Assim que ele mencionou os diárioscomecei a me xingar mentalmente e me preparar para quandoMaxon acrescentaria esse fato à lista de coisas estúpidasque eu já tinha feito.

— Nunca quisemos derrubar a monarquia — August disse aMaxon. — Apesar de ela ter surgido de maneira corrupta,não vemos problema em ter um líder soberano,principalmente se esse líder for você.

Maxon permaneceu imóvel, mas pude sentir seu orgulho.

— Obrigado.

— Gostaríamos, sim, de outras coisas. De algumasliberdades específicas. Queremos poder assumir cargospúblicos e o fim das castas.

August disse tudo aquilo como se fosse fácil. Se tivessevisto o caos que aconteceu quando minha apresentação foicortada no Jornal Oficial, saberia que era bem maiscomplicado.

— Você fala como se eu já fosse o rei — Maxon respondeu,visivelmente frustrado. — Mesmo que fosse possível,simplesmente não tenho como atender sua reivindicação.

— Mas você está aberto à ideia?

Maxon levou as mãos à cabeça e depois as deixou cairsobre a mesa.

— É irrelevante se estou ou não aberto à ideia — afirmou,inclinando-se para a frente. — Eu não sou o rei.

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August soltou um suspiro e olhou para Georgia. Elespareciam se comunicar sem precisar de palavras; fiqueiimpressionada com aquela intimidade tão natural. Aliestavam em uma situação muito tensa — em que haviam semetido sem saber se sairiam —, e o sentimento que haviaentre os dois era evidente.

— Por falar em reis — Maxon acrescentou —, por que nãoexplica a America quem você é? Tenho certeza de que ofaria muito melhor do que eu.

Eu sabia que Maxon estava tentando ganhar tempo parapensar em como controlar a situação, mas nem me importei.

Estava morrendo de vontade de saber.

August abriu um sorriso insosso.

— Essa é uma história interessante — começou, seu tom devoz dando indícios de como seria empolgante. — Como vocêsabe, Gregory teve três filhos: Katherine, Spencer eDamon.

Katherine teve um casamento arranjado com um príncipe,Spencer morreu e Damon herdou o trono. Depois, quando ofilho de Damon, Justin, morreu, seu primo, PorterSchreave, tornou-se príncipe e se casou com a viúva deJustin, que vencera a Seleção meros três anos antes. Edesde então os Schreave se tornaram a família real. Nãodeveriam existir descendentes de Illéa. Mas nósexistimos.

— Nós? — indagou Maxon, como se quisesse saber números.

August apenas concordou com a cabeça. Passos ressoaram nosalão, anunciando a chegada da criada. Maxon levou umdedo aos lábios, pedindo a August que não dissesse nada

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na frente dela, como se ele já não fosse fazer isso. Acriada pôs a bandeja sobre a mesa e serviu café paratodos. Georgia agarrou sua xícara imediatamente, ansiosapara que fosse cheia. Eu não ligava muito para café —amargo demais para o meu gosto —, mas como sabia que memanteria acordada, resolvi tomar.

Antes que eu desse o primeiro gole, Maxon me passou oaçucareiro, como se soubesse que eu ia precisar.

— Você dizia? — retomou Maxon, tomando o café puro.

— Spencer não morreu — August disse sem cerimônias. — Elesabia o que o pai tinha feito para tomar o país. Sabiaque sua irmã havia sido praticamente vendida para secasar com uma pessoa que odiava e sabia que o mesmoaconteceria com ele. Mas ele não poderia suportar. Entãoresolveu fugir.

— Para onde ele foi? — perguntei, na minha primeiraintervenção na conversa.

— Escondeu-se com amigos e parentes. Acabou por criar umacampamento no norte, para pessoas que partilhavam dassuas ideias. A região é fria, úmida e bem mais difícil denavegar, então ninguém se arrisca a ir para lá. Vivemosem paz a maior parte do tempo.

Georgia, um tanto chocada, lhe deu um cutucão.

August caiu em si.

— Parece que acabei de dar as coordenadas para que vocêsnos ataquem. Quero apenas lembrá-lo de que nunca matamosnenhum conselheiro ou funcionário real e evitamos feri-los a todo custo. Nosso objetivo sempre foi acabar com ascastas.

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Para isso, precisávamos de uma prova de que Gregory forao homem que sempre nos contaram que tinha sido. Temosessa prova agora, e America deu pistas suficientes paranos sentirmos seguros em usar isso a nosso favor. Mas nãoqueremos. A não ser que seja extremamente necessário.

Maxon virou sua xícara de café e a pôs de lado.

— Honestamente, não sei o que fazer com essa informação.Você é um descendente direto de Gregory Illéa, mas nãoquer a coroa. Veio em busca de coisas que apenas o reipoderia oferecer, mas pediu uma audiência comigo e comuma das garotas da Elite. O rei nem sequer está nopalácio.

— Nós sabemos — disse August. — Foi tudo planejado.

Maxon bufou.

— Se vocês não querem a coroa e só pedem coisas que nãoestão ao meu alcance, por que estão aqui?

August e Georgia se entreolharam, talvez se preparandopara revelar o objetivo principal daquela conversa.

— Viemos fazer esses pedidos a você porque sabemos quevocê é sensato. Nós o observamos durante sua vidainteira.

Podemos ver isso em seus olhos. Vejo isso agora.

Tentei ver discretamente qual era a reação de Maxon aessas palavras. August prosseguiu: — Você também nãogosta das castas. Não gosta da forma como seu pai manda edesmanda no país. Não quer participar de guerras que sabeque não passam de distrações. Mais do que isso, vocêdeseja viver um período de paz.

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“Imaginamos que, quando você for rei, as coisas podemmudar de verdade. E há muito tempo esperamos por isso.

Estamos preparados para esperar um pouco mais. Osnortistas estão dispostos a nunca mais atacar o palácio ea fazer o possível para deter ou diminuir os ataquessulistas. Nós sabemos de muitas coisas que acontecem forados muros do palácio às quais você não tem acesso. Vamosjurar fidelidade caso você se comprometa a trabalhar paraque cada habitante de Illéa finalmente tenha a chance deviver sua própria vida.”

Maxon parecia não saber o que dizer, então decidi meintrometer:

— E o que os rebeldes do sul querem, afinal? Matar todosnós?

August balançou a cabeça, sem concordar nem negar.

— Em parte sim, mas só para que não haja ninguém paracombatê-los. Uma parcela muito grande da população éoprimida, e essa parcela, cada vez maior, chegou àconclusão de que poderia administrar o país com aspróprias mãos.

America, você é Cinco; conhece gente que odeia amonarquia.

Maxon virou discretamente para mim. Inclinei levemente acabeça para confirmar.

— Claro que conhece. Porque a única opção de quem estápor baixo é culpar quem está no topo. No caso deles, osmotivos para isso são mais que suficientes. Afinal, foialguém da primeira casta que os condenou a uma vida semesperança de melhora. Os comandantes do sul convenceram

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seus seguidores de que o jeito de recuperar o queacreditam ser deles é tomar tudo da monarquia. Mas hápessoas que desertaram do comando rebelde do sul e agoraestão comigo.

Para mim está claro que, caso os sulistas assumam opoder, não teriam intenção nenhuma de distribuir ariqueza.

Quando na história isso aconteceu?

“O plano deles é destruir Illéa, tomar o poder, fazer umpunhado de promessas e manter todos onde já estão agora.

Para a maioria das pessoas, a situação certamente iriapiorar.

Quem for Seis ou Sete não vai ascender, com exceção dealguns rebeldes selecionados em nome do espetáculo. OsDois e Três terão todos os bens confiscados. Muita gentevai se sentir vingada, mas isso não vai solucionar tudo.

“Se não houver estrelas do pop vomitando aquelas cançõesimbecis, não haverá músicos trabalhando no estúdiodurante as gravações nem funcionários de um lado para ooutro com as mídias nem comerciantes para vender osálbuns. Tirar uma pessoa do topo destrói milhares queestão embaixo.”

August fez uma pausa. Parecia consumido por essaspreocupações. Em seguida, prosseguiu: — Será como terGregory de novo, mas pior. Os sulistas podem ser maissanguinários do que vocês jamais seriam. As chances de opaís reagir são quase nulas. Será a velha opressão desempre, apenas com um novo nome… e seu povo sofrerá maisdo que nunca.

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Ele olhou fixamente para Maxon. Eles pareciam seentender, talvez por ambos terem nascido para liderar.

— Tudo o que precisamos é de uma garantia, e faremos omáximo possível para ajudá-lo a mudar as coisas, com paze justiça. Seu povo merece uma chance.

Maxon baixou o olhar. Eu não conseguia imaginar o que sepassava na cabeça dele.

— Que tipo de garantia? — perguntou enfim, um poucohesitante. — Dinheiro?

— Não — August respondeu, quase rindo. — Temos maisrecursos do que você imagina.

— E como isso é possível?

— Doações — explicou o rebelde com simplicidade.

Maxon assentiu, mas para mim aquilo era uma surpresa. Asdoações indicavam que havia pessoas — sabe-se lá quantas— que apoiavam a causa dos rebeldes nortistas. Qual seriaa força deles se esses doadores fossem considerados?Quantos cidadãos de Illéa desejavam exatamente a mesmacoisa que aqueles dois tinham ido ao palácio pedir?

— Se não é dinheiro — Maxon disse afinal —, o que vocêsquerem?

August se virou para mim.

— Escolha ela.

Escondi o rosto entre as mãos. Sabia como Maxon ia reagiràquilo.

Houve um longo silêncio antes de ele perder a paciência.

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— Não vou mais tolerar ninguém dizendo com quem devo ounão me casar! É com a minha vida que vocês estãobrincando!

Levantei os olhos e vi August levantar do outro lado damesa.

— E já faz anos que o palácio brinca com a vida dosoutros. Cresça, Maxon. Você é o príncipe. Se você quer amaldita coroa, então fique com ela. Só que esseprivilégio traz responsabilidades.

Os guardas começaram a vir em nossa direçãocautelosamente, alarmados com o tom de voz de Maxon e apostura agressiva de August. De onde estavam, com certezajá conseguiam ouvir tudo.

Maxon se levantou para responder: — Vocês não vãoescolher minha esposa e ponto final.

August, sem baixar a cabeça, recuou e cruzou os braços.

— Está bem! Temos outra opção se esta aqui não funcionar.

— Quem?

August fez uma cara de tédio.

— Não vou dizer depois da reação que você teve com anossa primeira proposta.

— Vamos, fale!

— Esta aqui ou aquela, pouco importa. Só precisamos dagarantia que você escolherá uma companheira que concordecom o plano.

— Meu nome é America — eu disse, irritada. Em seguida,

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levantei e o encarei direto nos olhos. — Não sou estaaqui.

Não sou um brinquedo da sua revoluçãozinha. Você falamuito de dar a todos de Illéa a chance de viver a vidaque quiserem. E eu? E o meu futuro? Não entra no plano?

Fiquei olhando para eles, à espera de uma resposta. Emvão. Os dois rebeldes permaneceram calados. De esguelha,pude ver os guardas nos cercarem. Baixei a voz eprossegui: — Sou totalmente a favor de acabar com ascastas, mas não sou um fantoche. Se é isso que você quer,há uma moça no andar de cima completamente apaixonada queatenderia a qualquer pedido só para se casar com opríncipe. E as outras duas… entre o dever e o prestígio,também fariam seu jogo.

Vá atrás de uma delas.

Sem pedir licença, dei as costas para ele e saí pisando omais firme possível para uma pessoa de pantufas e roupão.

— America, espere! — Georgia gritou. Eu já tinha cruzadoa porta quando ela me alcançou. — Só um minuto!

— insistiu.

— O que foi?

— Sentimos muito. Pensávamos que vocês dois estivessemapaixonados. Não fazíamos ideia de que ele se oporia àproposta. Tínhamos certeza de que Maxon iria concordar.

— Vocês não entendem. Ele está cansado de ser controladoe maltratado… Vocês não sabem pelo que Maxon passou.

Senti as lágrimas brotarem. Pisquei para não chorar eresolvi prestar atenção nos desenhos da jaqueta de

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Georgia.

— Sei mais do que você pensa — ela disse. — Talvez nãotudo, mas muita coisa. Temos acompanhado a Seleção deperto e vocês dois sempre pareceram se dar tão bem. Elefica tão feliz ao seu lado. Além disso… sabemos que vocêsalvou suas criadas.

Levei um segundo para entender exatamente o que aquilosignificava. Quem estaria nos observando a mando deles?

— E vimos o que fez por Marlee. Vimos você lutar. E

também teve sua apresentação alguns dias atrás. — Georgiariu. — É preciso ter muita coragem para fazer o que vocêfez — continuou. — Uma garota corajosa seria de grandeajuda para nós.

Discordei dela.

— Não tentei bancar a heroína. Na verdade, na maior partedo tempo não me sinto nem um pouco corajosa.

— E daí? Não importa o que você pensa do seu caráter. Sóimporta o que você faz com ele. Você, mais que as outras,faz o que é certo antes de pensar nas consequências parasi mesma. Maxon tem outras ótimas candidatas lá em cima,mas elas não sujariam as mãos para mudar as coisas. Nãocomo você.

— Boa parte do que fiz foi egoísta. Marlee era importantepara mim, e as minhas criadas também.

Georgia chegou mais perto.

— Mas essas ações não tiveram consequências?

— Sim.

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— E você provavelmente sabia disso. Mas agiu mesmo assim,para ajudar quem não podia se defender. Isso é especial,America.

Foi um elogio diferente dos que eu costumava ouvir. Sabialidar com meu pai dizendo que eu era uma ótima cantora,ou com Aspen falando que eu era a coisa mais linda queele já vira… mas isso? Era quase atordoante.

— Para ser sincera, depois de certas coisas que você fez,é inacreditável que o rei a tenha deixado ficar. Todaaquela história no Jornal Oficial… — ela comentou.

Dei risada.

— Ele ficou tão bravo — respondi.

— Fiquei impressionada por você ter saído viva de lá!

— Foi por um fio, para falar a verdade. E quase todos osdias me sinto a ponto de ser enxotada.

— Mas Maxon gosta de você, certo? O jeito como ele teprotege…

Dei de ombros.

— Há dias em que tenho certeza e outros em que não tenhoideia. Hoje não é um bom dia. Ontem também não foi. Nemanteontem, na verdade.

Ela concordou com a cabeça.

— Bom, de qualquer jeito continuamos na torcida por você.

— Por mim e por outra — corrigi.

— Verdade.

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Mais uma vez, ela não deu pistas sobre a outra favorita.

— Qual o motivo daquela reverência na floresta? Só tirarsarro da minha cara? — perguntei.

Georgia abriu um sorriso.

— Sei que às vezes pode não parecer, mas a família real érealmente importante para nós. Sem ela, os rebeldes dosul vão vencer. E se eles assumirem o poder… Bom, vocêouviu o que August disse. — Georgia sacudiu a cabeça. —Em todo caso — continuou —, eu tinha certeza de queestava diante da minha futura rainha, então achei quevocê merecia ao menos uma reverência.

O raciocínio dela era tão simples que me fez rir mais umavez.

— Você não imagina como é bom conversar com uma garotaque não é minha concorrente.

— Está ficando de saco cheio? — perguntou, solidária.

— Quanto menos gente, pior. Quer dizer, eu sabia queseria assim, mas… acho que tenho me preocupado mais comgarantir que as outras não sejam escolhidas, em vez detentar ser a garota que Maxon vai escolher. Não sei sefaz sentido.

Ela concordou com a cabeça.

— Faz. Mas, ei, foi você quem se inscreveu.

Achei graça.

— Na verdade, não. Fui meio que… encorajada a pôr meunome. Não queria ser princesa.

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— Sério?

— Sério.

Georgia sorriu.

— Não desejar a coroa talvez a torne a melhor pessoa parausá-la.

Olhei para ela. Seus olhos muito vivos me convenceram deque ela acreditava naquilo de verdade. Queria terperguntado mais, mas Maxon e August saíam do GrandeSalão. Os dois surpreendentemente calmos. Somente umguarda os seguia, à distância. August olhava para Georgiacomo se tivesse sofrido por ficar longe dela, mesmo queapenas por alguns minutos.

Talvez essa tenha sido a única razão para ela ter ido aopalácio junto com ele naquela noite.

— Está tudo bem, America? — Maxon perguntou.

— Sim. — Minha capacidade de olhar diretamente para eletinha desaparecido mais uma vez.

— É melhor você ir se arrumar — comentou. — Os guardasjuraram segredo, e gostaria que você fizesse o mesmo.

— Claro.

Ele parecia não ter gostado da maneira fria comorespondi, mas o que mais eu poderia fazer naquelemomento?

— Sr. Illéa, foi um prazer. Falaremos novamente em breve— Maxon disse para August, estendendo a mão paracumprimentá-lo.

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— Se precisar de algo, não hesite em pedir. Estamosrealmente ao seu lado, Alteza.

— Obrigado.

— Vamos, Georgia. Os guardas parecem estar se segurandopara não atacar.

A moça riu.

— Nos vemos por aí, America.

Concordei com a cabeça, certa de que nunca mais a veria etriste por isso. Ela passou por Maxon e deu a mão paraAugust. Com um guarda na escolta, os dois cruzaram aimensa porta do palácio, deixando Maxon e eu a sós novestíbulo.

Então ele olhou para mim. Balbuciei algo e apontei paraas escadas, me dirigindo para lá. Sua rápida objeção parame escolher apenas trouxera de volta a mágoa que suaspalavras tinham me causado no dia anterior, nabiblioteca. Pensei que estivéssemos entendidos depois doabrigo. Mas parecia que tudo tinha ficado mais complicadodo que antes, quando eu ainda tentava decidir o quantogostava dele.

Eu não sabia o que isso significava para nós. Nem seainda havia um nós com que valesse a pena me preocupar.

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7

Não importava o quão rápido eu tentasse chegar ao meuquarto: Aspen foi mais rápido. Eu não deveria ficarsurpresa.

Ele conhecia o palácio tão bem que isso não era nada paraele a essa altura.

— Ei — eu disse, sem saber direito por onde começar.

Ele me deu um abraço rápido e depois recuou.

— Essa é a minha garota.

Achei graça.

— É?

— Você pôs essa gente em seu devido lugar, Meri. —Arriscando a vida, Aspen acariciou minha bochecha. — Vocêmerece ser feliz. Todos merecemos.

— Obrigada.

Com um sorriso, segurou meu pulso. Deslocou o braceleteque Maxon tinha trazido da Nova Ásia para tocar o quehavia embaixo: a pulseira que eu fizera com o botão queele me dera. Seus olhos se entristeceram ao contemplaraquela nossa pequena recordação.

— Vamos conversar em breve. Conversar de verdade.

Temos muita coisa para resolver.

Depois de dizer isso, Aspen seguiu pelo corredor.Respirei fundo e levei as mãos à cabeça. Por acaso eletinha entendido que a minha reação no Salão significava

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que eu havia desistido de Maxon para sempre? Será queestava pensando que eu queria dar outra chance à nossarelação?

Mas, justamente, eu não tinha acabado de rejeitar Maxon?

Não tinha pensado no dia anterior que precisava de Aspenna minha vida?

Então por que estava com aquela sensação horrível?

O clima estava pesado no Salão das Mulheres. A rainhaAmberly estava sentada, escrevendo cartas. De tempos emtempos, levantava a cabeça e olhava para nós. Depois daconversa do dia anterior, estávamos evitando fazerqualquer coisa que nos obrigasse a interagir. Celesteestava deitada no sofá com uma pilha de revistas ao lado.Muito esperta, Kriss levara seu diário e agora escrevia,próxima à rainha mais uma vez. Por que eu não tinhapensado nisso? Elise tinha arranjado uma caixa de lápisde cor e trabalhava em algo perto da janela. Eu estava emuma poltrona perto da porta, lendo um livro.

Desse jeito, não precisávamos fazer contato visual.

Eu tentava me concentrar no que lia, mas na maior partedo tempo me perguntava quem os rebeldes queriam que fosseprincesa além de mim. Celeste era muito popular; seriafácil o povo segui-la. Imaginava se os rebeldes tinhamnoção de como ela era manipuladora. Talvez sim; elessabiam coisas sobre mim. Será que havia mais coisas sobreela de que eu não desconfiava?

Kriss era doce e, de acordo com uma pesquisa recente, umadas favoritas do povo. Sua família não tinha muito nome,

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mas ela era mais princesa que qualquer uma de nós.

Tinha uma postura de nobreza. Talvez esse fosse seugrande atrativo: não era perfeita, mas era muito amável.Havia dias em que até eu torcia por ela.

A menos suspeita para mim era Elise. Ela admitira que nãoamava Maxon e que estava no palácio apenas pelo dever. E

eu realmente achava que, quando ela falava em dever,referia-se à sua família ou às suas raízes na Nova Ásia,não aos rebeldes do norte. Além disso, ela era tão calmae resignada.

Não dava qualquer sinal de rebeldia.

Então, pensando sobre isso, tive certeza absoluta de queera ela a outra favorita dos rebeldes. Elise mal tentavacompetir e já tinha confessado sua indiferença em relaçãoa Maxon.

Talvez não precisasse tentar, pois contava com umexército silencioso de apoiadores que lhe entregaria acoroa de qualquer jeito.

— Já chega — a rainha disse de repente. — Venham todasaqui.

Ela afastou a mesinha que usava e levantou, enquanto nosaproximávamos, nervosas.

— Algo está errado aqui. O que é?

Nos entreolhamos. Ninguém queria explicar. Por fim,Kriss, sempre perfeita, resolveu falar: — Majestade, sóagora tomamos consciência de como a competição éacirrada. Temos um pouco mais de noção da posição de cadauma de nós em relação ao príncipe, e é difícil absorver

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tudo isso e ainda conversar neste momento.

A rainha assentiu, como se entendesse a questão.

— Vocês pensam muito em Natalie? — perguntou.

Fazia menos de uma semana que ela havia partido. Eupensava nela quase todos os dias. Também pensava emMarlee o tempo todo. E, às vezes, alguma das outrasgarotas vinha à minha cabeça do nada.

— Sempre — Elise respondeu com tranquilidade. — Ela eratão alegre.

Ela sorriu ao dizer isso. Sempre achei que Natalieirritava Elise. Uma era tão reservada, e a outra,espaçosa demais.

Talvez as duas mantivessem uma amizade do tipo “osopostos se atraem”.

— Às vezes ela ria das coisas mais simples — Krissacrescentou. — Era contagiante.

— Exatamente — a rainha comentou. — Já estive no lugar devocês. Sei como é difícil. Vocês procuram segundasintenções em tudo o que as outras fazem; e tambémprocuram segundas intenções em tudo o que Maxon faz.Cismam com qualquer conversa, na tentativa de interpretarcada suspiro entre uma frase e outra. É exaustivo.

Aquelas palavras tiraram um pouco do peso das costas detodas nós. Alguém nos compreendia.

— No entanto, tenham a certeza disto: por mais tensõesque haja entre vocês, a saída de cada uma vai doer muito.

Ninguém jamais entenderá esta experiência a não ser quem

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passou por ela; pela Elite, principalmente. Vocês podembrigar, mas isso é comum entre irmãs. É para estasmeninas — disse, apontando o dedo para cada uma de nós —que uma de vocês vai ligar quase diariamente durante oprimeiro ano, sempre que estiver morrendo de medo decometer um erro e precisar de apoio. Nas festas, vai pôrseus nomes no topo da lista de convidados, logo abaixo desua família. Porque é isso que vocês são agora. Nunca vãoperder o vínculo que construíram aqui.

Trocamos olhares novamente. Se eu fosse princesa eprecisasse de alguém com uma perspectiva racional emrelação a algum problema, ligaria primeiro para Elise. Sebrigasse com Maxon, Kriss poderia me lembrar de tudo oque ele tem de bom. E Celeste… bom, não tinha tantacerteza, mas se havia alguém que poderia me dizer paraser mais dura em relação a alguma coisa, esse alguémseria ela.

— Então reflitam — aconselhou a rainha. — Adaptem-se aessa nova situação e deixem o resto fluir. Não são vocêsque o escolhem; ele é quem escolhe vocês. Não faz sentidoodiar as outras por isso.

— A senhora sabe quem ele mais deseja? — Celesteperguntou. Pela primeira vez, percebi uma preocupação emsua voz.

— Não — a rainha Amberly confessou. — Às vezes desconfio,mas não tenho a pretensão de compreender todos ossentimentos de Maxon. Sei quem o rei escolheria. E só.

— Quem a senhora escolheria? — perguntei, e logo merepreendi mentalmente por fazer uma pergunta tãodescarada.

A rainha abriu um sorriso gentil.

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— Sinceramente, não pensei no assunto. Ficaria de coraçãopartido se começasse a amar uma de vocês como filha edepois a perdesse. Não suportaria.

Baixei os olhos. Não sabia ao certo se aquelas erampalavras de consolo ou não.

— Posso dizer que ficaria feliz por ter qualquer uma devocês na minha família — Levantei a cabeça, e a rainhademorou o olhar em cada uma de nós. — Agora temostrabalho a fazer.

Permanecemos ali caladas, assimilando sua sabedoria.

Nunca havia procurado saber sobre as concorrentes daúltima Seleção, ido atrás de suas fotos ou algo assim.Conhecia alguns nomes, a maioria deles mencionados pormulheres mais velhas nas festas em que ia cantar. Nuncatinha dado importância a isso. Já tínhamos uma rainha e,mesmo quando eu era criança, a ideia de me tornarprincesa nunca me passara pela cabeça. Naquele momento,porém, comecei a pensar nas mulheres que visitavam arainha ou que tinham aparecido no Halloween. Quantasdelas tinham sido suas concorrentes antes de se tornaremsuas amigas mais íntimas?

Celeste foi a primeira a se retirar e voltar para oconforto do sofá. As palavras da rainha Amberly pareceramnão significar muito para ela. Por algum motivo, aquelafoi a gota d’água para mim. Todos os acontecimentos dosúltimos dias de repente começaram a pesar no meu peito eme senti a ponto de desabar.

— Com licença — balbuciei ao fazer uma reverência, antesde seguir rapidamente para a porta.

Não tinha um plano. Talvez pudesse me trancar no banheiro

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por uns minutos ou me esconder em uma das inúmerassaletas do primeiro andar. Talvez simplesmente fosse atéo quarto e chorasse até desidratar.

Infelizmente, o universo parecia conspirar contra mim.

Logo na saída do Salão das Mulheres dei com Maxon, queandava em círculos como se tentasse resolver um quebra-cabeça. Ele me viu antes que eu pudesse me esconder.

De todas as coisas que eu tinha pensado em fazer, aquelaera a última da lista.

— Estava cogitando chamar você aqui fora.

— O que você deseja? — perguntei, seca.

Maxon permaneceu imóvel, juntando coragem para dizer algoque claramente o incomodava muito.

— Então há uma garota completamente apaixonada por mim?

Cruzei os braços. Depois dos últimos dias, eu deveria terprevisto essa mudança em seus sentimentos.

— Sim.

— Não são duas?

Elevei o olhar para ele, quase irritada por ter queexplicar.

Você já não sabe o que sinto? , pensei, com vontade degritar.

Você não se lembra do abrigo?

Mas, sinceramente, eu também estava precisando de umaconfirmação. O que tinha acontecido para me deixar tão

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insegura?

O rei. Suas insinuações sobre o que as outras já tinhamfeito, seus elogios aos méritos delas: tudo isso me faziasentir diminuída. E ainda havia todos os passos em falsoque eu tinha dado com Maxon ao longo da semana. Se nãofosse a Seleção, jamais teríamos nos aproximado, masparecia que, enquanto ela não terminasse, não haveriacomo ter qualquer certeza.

— Você disse que não confiava em mim — acusei. — Outrodia, fez questão de me humilhar, e ontem dissebasicamente que eu tinha muito do que me envergonhar. E,há algumas horas, a simples sugestão de se casar comigofez você explodir de raiva. Me perdoe por não estar tãosegura quanto à nossa relação no momento.

— Você se esquece de que nunca fiz isso antes, America —ele argumentou com a voz carregada de sentimentos, massem raiva. — Você tem alguém com quem me comparar. Eu nemsei como manter uma relação normal e tenho só uma chance.

Você teve pelo menos duas. Eu vou cometer erros.

— Eu não me importo com os erros — repliquei. — É ainsegurança que me preocupa. Eu não faço ideia do queestá acontecendo na maior parte do tempo.

Ele se calou por um instante, e me dei conta de queestávamos em um momento decisivo. Tínhamos deixado muitascoisas implícitas, mas não daria para continuar assim pormuito tempo. Ainda que acabássemos juntos, esses momentosde insegurança voltariam a nos assombrar.

— Sempre fazemos a mesma coisa — murmurei, cansadadaquele jogo. — Ficamos próximos, mas então acontece algoque nos afasta. E você nunca parece capaz de tomar uma

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decisão. Se você me quer tanto quanto diz, por que issoaqui ainda não acabou?

Apesar de eu tê-lo acusado de não se importar comigo, suafrustração se diluiu em tristeza.

— Porque em metade do tempo eu tinha certeza de que vocêamava outra pessoa e, na outra, duvidava que você fosseme amar um dia — ele respondeu, o que me fez sentirabsolutamente péssima.

— E eu? Não tenho meus próprios motivos para duvidar?

Você trata Kriss como se ela fosse o céu na terra, edepois flagro você com Celeste…

— Já expliquei isso.

— Sim, mas ainda dói.

— Bom, também me dói ver como você se fecha tão rápido.Por que você faz isso?

— Não sei, mas talvez você devesse parar de pensar em mimum pouco.

Imediatamente, um silêncio caiu entre nós.

— O que isso quer dizer?

Dei de ombros.

— Há outras garotas aqui. Se você está tão preocupado coma sua única chance, talvez devesse garantir que não vaidesperdiçá-la comigo.

Fui embora, furiosa com Maxon por me fazer sentir daquelejeito… E furiosa comigo mesma por piorar tanto as coisas.

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8

Assisti a uma verdadeira transformação no palácio. Do diapara a noite, suntuosas árvores de Natal surgiram noscorredores do primeiro andar; guirlandas pendiam dasescadarias; todos os arranjos de flores foramsubstituídos por ramos de azevinho ou visco. O estranhoera que eu ainda podia sentir um pouco de verão seabrisse a janela. Fiquei pensando se o palácioconseguiria fabricar neve. Talvez, se eu pedisse, Maxoncuidaria disso.

Ou talvez não.

Passaram-se dias. Tentava não me irritar ao ver Maxonfazer exatamente o que eu tinha aconselhado. À medida queas coisas esfriavam entre nós, mais eu me arrependia domeu orgulho. E ficava me perguntando se aquilo teriaacontecido de um jeito ou de outro. Será que eu estavadestinada a falar a coisa errada, a fazer a escolhaerrada? Por mais que eu quisesse Maxon, nunca seria capazde me controlar o suficiente para termos uma relação deverdade.

Toda essa história me deixava cansada. Era o mesmoproblema que me rondava desde que Aspen chegara aopalácio. Eu sofria; dividida, confusa.

Passei a dar voltas pelo palácio durante as tardes. Com ojardim interditado, o Salão das Mulheres ficava sufocantedemais.

Foi numa dessas caminhadas que senti a mudança. Era comose um botão invisível tivesse sido acionado em todo mundono palácio. Os soldados estavam mais rígidos, as criadasse moviam mais depressa. Até eu me senti estranha, como

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se já não fosse tão bem-vinda como antes. Antes deentender o que estava sentindo, vi o rei dobrar a esquinacom um pequeno séquito atrás de si.

Tudo fez sentido. Sua ausência tinha deixado o paláciomais acolhedor. Com o seu retorno, estávamos mais uma vezsujeitos aos seus caprichos. Não era à toa que osrebeldes nortistas se entusiasmavam com Maxon.

Fiz uma reverência quando o rei se aproximou. Enquantocaminhava, ele ergueu a mão e os homens que o seguiampararam, abrindo espaço para nossa conversa.

— Senhorita America. Vejo que ainda está aqui — comentou.Seu sorriso amarelo demonstrava exatamente o contrário desuas palavras.

— Sim, Majestade.

— E o que fez na minha ausência?

— Fiquei em silêncio — respondi, com um sorriso.

— Boa garota. — Ele retomou a caminhada, mas então selembrou de algo e voltou. — Fui informado de que, entreas garotas remanescentes, você é a única que ainda recebedinheiro pela participação. Elise abriu mãovoluntariamente de sua pensão assim que os pagamentosforam suspensos para quem era Dois ou Três.

Não fiquei surpresa. Elise era Quatro, mas sua famíliapossuía uma rede de hotéis de luxo. Não precisavam dedinheiro como os comerciantes de Carolina.

— Acho que é hora de pôr um fim a isso — o rei anunciou,afastando minhas divagações.

Meu queixo caiu.

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— A não ser, claro, que você esteja aqui pela pensão enão por amar meu filho — completou; seus olhos medesafiavam a contrariar sua decisão.

— O senhor tem razão — eu disse, com ódio do que eu mesmadizia. — É justo.

Pude notar a frustração do rei por não conseguir arranjaruma briga.

— Cuidarei disso imediatamente.

Ele foi embora e eu fiquei lá, parada, tentando nãosentir pena de mim mesma. De fato, era justo. O que aspessoas iam pensar se soubessem que eu era a única areceber o pagamento? E, afinal, ele ia acabar cedo outarde. Respirei fundo e fui para o quarto. O mínimo quepodia fazer era escrever para casa e avisar que odinheiro não chegaria mais.

Abri a porta e, pela primeira vez, minhas criadas meignoraram completamente. Anne, Mary e Lucy estavam numcanto distante, reunidas em volta de um vestido em quepareciam trabalhar. E discutiam sobre o andamento dacostura.

— Lucy, você disse que terminaria a bainha ontem à noite— Anne falou. — Saiu até mais cedo para isso.

— Eu sei, eu sei. Tive que fazer outra coisa. Possoterminar agora — ela disse, com olhos suplicantes. Lucyjá era um pouco sensível, e eu sabia que o jeito rígidode Anne às vezes a magoava.

— Pois é, você precisou fazer outras coisas várias vezesnos últimos dias — Anne comentou.

Mary estendeu as mãos.

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— Acalmem-se. Deem o vestido para mim, antes queestraguem tudo.

— Sinto muito — Lucy se desculpou. — Termino agora sevocê deixar.

— O que há de errado com você? — Anne questionou. — Temestado tão estranha.

Lucy levantou a cabeça, com olhos arregalados. Qualquerque fosse seu segredo, dava para ver que ela estavaapavorada diante da perspectiva de revelá-lo.

Tossi de leve.

As três imediatamente se viraram para mim e fizeram umareverência.

— Não sei o que está acontecendo — eu disse, meaproximando —, mas duvido que as criadas da rainhadiscutam desse jeito. Além disso, estamos perdendo tempoaqui se há trabalho a ser feito.

Anne, ainda zangada, apontou o dedo para Lucy e começou:

— Mas ela…

Fiz um gesto sutil com a mão, e ela voltou a ficar emsilêncio. Funcionou tão bem que até me surpreendi.

— Sem discussão. Lucy, por que você não vai terminar otrabalho no ateliê? Assim todas teremos tempo de pensarum pouco.

Contente, Lucy pegou o vestido e quase saiu correndo detão agradecida que estava com a chance de escapar. Anne,de cara fechada, apenas a observou partir. Mary pareciapreocupada, mas prontamente voltou ao trabalho sem dizer

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mais uma palavra.

Levei alguns minutos para perceber que o clima no meuquarto estava pesado demais para me concentrar. Pegueipapel e caneta e resolvi voltar para o andar de baixo.Fiquei me perguntando se havia feito a coisa certa aopoupar Lucy.

Talvez tudo acabasse bem se eu as deixasse resolver oproblema entre elas. Talvez minha intromissão abalasse aboa vontade que tinham para me ajudar. Nunca tinha sidomandona daquele jeito com elas.

Parei na porta do Salão das Mulheres. Talvez lá tambémnão fosse o melhor lugar para ficar. Segui pelo corredorprincipal até topar com um cantinho discreto, onde haviaum banco. Pareceu bom. Corri até a biblioteca paraapanhar um livro e voltei para lá. Estava praticamenteescondida atrás de um vaso enorme de plantas. A amplajanela dava para o jardim e, por uns instantes, o paláciojá não parecia tão pequeno. Contemplava os pássaros dolado de fora enquanto tentava pensar na melhor maneira deavisar meus pais que eles não receberiam mais os cheques.

— Maxon, nós não podemos ter um encontro de verdade?

Em algum lugar fora do palácio? — Reconheci no ato a vozde Kriss. Humm. Talvez o Salão das Mulheres não estivessetão cheio.

Pude perceber que Maxon sorria quando respondeu: — Eu bemque gostaria, querida, mas seria complicado mesmo que ascoisas estivessem tranquilas.

— Queria vê-lo em um lugar onde você não fosse o príncipe— ela resmungou, fazendo charme.

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— Mas eu sou o príncipe em todo lugar.

— Você sabe o que quero dizer.

— Sei. Sinto muito, mas não posso conceder isso a você.

Seria ótimo vê-la em outro lugar, onde você não fizesseparte da Elite. Mas esta é a minha vida.

Seu tom de voz ficou mais triste.

— Você se arrependeria? — ele perguntou. — Porque arealidade seria esta, pelo resto de sua vida. Os murossão bonitos, mas são muros. Minha mãe raramente sai dopalácio mais do que uma ou duas vezes por ano. — Atrásdas folhas grossas da planta, pude observar os doispassarem, sem que notassem minha presença. — E se vocêacha o público invasivo agora, saiba que será muito piorquando você for a única garota que terão para acompanhar.Sei que seus sentimentos por mim são profundos. Sintotodos os dias. Mas e todos esses inconvenientes da minhavida? É isso mesmo que você quer?

Os dois pareciam ter parado em algum lugar do corredor,pois a voz de Maxon continuava no mesmo volume. EntãoKriss respondeu:

— Maxon Schreave, do jeito que você fala parece que paramim é um sacrifício estar aqui. Mas eu agradeço todos osdias por ter sido escolhida. Às vezes, tento imaginarcomo seria minha vida se não tivéssemos nos conhecido…Prefiro perder você agora do que nunca ter passado pelaSeleção.

Sua voz começou a ficar embargada. Não estava chorando,mas quase. Não consegui ver.

— Queria que soubesse que amaria você sem roupas bonitas

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ou salas maravilhosas. Quero você sem a coroa, Maxon. Sóquero você.

Maxon ficou sem palavras por um momento. Imaginei que elea estivesse abraçando ou limpando suas lágrimas.

— Não consigo dizer o quanto significa para mim ouvirisso. Estava desesperado por ouvir alguém dizer que seimportava apenas comigo — ele confessou, baixinho.

— Você é muito importante para mim, Maxon.

Outro momento de silêncio entre os dois.

— Maxon?

— Sim?

— Eu… eu acho que não quero esperar mais.

Quando ouvi tudo isso, deixei o papel e a caneta de ladoem silêncio, tirei os sapatos e fui cautelosamente até aponta do corredor, mesmo sabendo que me arrependeriadepois.

Espiei por trás da parede e vi Kriss passar delicadamentea mão pela nuca de Maxon, até parar na altura da gola deseu paletó. Os cabelos dela caíram de lado enquanto elesse beijavam. Para sua primeira vez, ela parecia se sairmuito bem. Melhor que a primeira vez de Maxon, isso comcerteza.

Grudei novamente atrás da parede e ouvi Kriss dar umarisadinha. Maxon deixou escapar um suspiro, meio detriunfo, meio de alívio. Voltei rapidamente para obanquinho e sentei virada para a janela, só para nãolevantar suspeitas.

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— Quando faremos isso de novo? — ela perguntou baixinho.

— Humm. Que tal assim que chegarmos ao seu quarto?

A risada de Kriss foi sumindo à medida que os doisseguiam pelo corredor. Permaneci imóvel por um momento e,em seguida, peguei o papel e a caneta. As palavras vieramcom facilidade.

Mãe e pai,

Há tanto o que fazer que preciso ser breve. Na tentativade provar meu afeto por Maxon e não pelos luxos da Elite,tive que abrir mão da pensão dada às participantes. Seique estou avisando de última hora, mas tenho certeza deque, com tudo o que recebemos até agora, não poderíamosesperar muito mais.

Espero que não fiquem decepcionados com a notícia. Estoucom muita saudade e espero vê-los logo.

Amo todos vocês.

America

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9

O JORNAL OFICIAL estava precisando de conteúdo depois deuma semana que o público com certeza tinha achadomonótona. Depois de breves comentários sobre a visita dorei à França, o comando do programa passou para Gavril,que entrevistava as remanescentes da Elite de um jeitobem informal, com perguntas sobre assuntos que importavambem pouco àquela altura da competição.

O que era justificável, considerando que da última vezque nos perguntaram sobre coisas que realmenteimportavam, sugeri a dissolução das castas e quase fuiexpulsa da disputa.

— Senhorita Celeste, você já viu a suíte da princesa? —Gavril perguntou em um tom jovial.

Sorri comigo mesma, grata por ele não ter feito aquelapergunta para mim. Celeste abriu ainda mais seu sorrisoperfeito e jogou os cabelos para trás despreocupadamenteantes de responder.

— Bem, Gavril, ainda não. Mas com certeza espero mereceresse privilégio. Claro, o rei Clarkson nos ofereceu osmelhores aposentos, e sou incapaz de imaginar algo melhordo que já temos. As… hum… camas são tão…

Celeste gaguejou um pouco ao notar que dois guardastinham entrado correndo no estúdio. Nossos assentosestavam dispostos de tal forma que podíamos vê-los seguirdiretamente até o rei. Kriss e Elise estavam de costaspara o que acontecia.

As duas tentaram olhar para trás discretamente, mas nãoconseguiram ver nada.

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— … luxuosas. E seria mais do que eu poderia sonhar…

— Celeste continuou, ainda sem se concentrar totalmentena resposta.

No entanto, ela nem precisou. O rei se levantou, chegoumais perto e cortou a entrevista.

— Perdoem-me a interrupção, senhoras e senhores, mas éurgente. — Com uma das mãos, ele segurava uma folha depapel; com a outra, ajeitava a gravata. Ereto, começou afalar: — Desde o nascimento de nosso país, forçasrebeldes têm sido a maldição de nossa sociedade. Ao longodos anos, os ataques a este palácio, para não mencionarao cidadão comum, tornaram-se extremamente agressivos.

“Tudo indica que eles atingiram um nível inédito debaixeza. Como é de conhecimento geral, as quatro jovensremanescentes da Seleção representam uma ampla amostra decastas: Dois, Três, Quatro e Cinco. Sentimo-nos honradosde hospedar um grupo tão variado, mas este fato temservido como um estranho incentivo para os rebeldes.”

O rei olhou em nossa direção por cima do ombro antes decontinuar:

— Estamos preparados para ataques ao palácio e, quando osrebeldes atacam o povo, intercedemos da melhor maneirapossível. Certamente eu não preocuparia a todos sepensasse que, como rei, seria capaz de protegê-los, mas…os rebeldes estão atacando de acordo com as castas.

Suas palavras ficaram suspensas no ar. Celeste e eu, demaneira quase amistosa, trocamos olhares confusos.

— Há muito tempo eles desejam acabar com a monarquia.

Os recentes ataques às famílias destas jovens

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demonstraram até onde são capazes de chegar, e enviamossoldados para a proteção de seus entes queridos. Só queagora isso não é o bastante. Se você é Dois, Três, Quatroou Cinco, ou seja, da mesma casta que uma destassenhoritas, pode estar sujeito a um ataque rebelde apenaspor esse motivo.

Cobri a boca com a mão e ouvi Celeste respirar fundo.

— A partir de hoje, os rebeldes pretendem atacar membrosda segunda casta e seguir pelas castas inferiores — o reiacrescentou em tom solene.

Era sinistro. Como não tinham conseguido queabandonássemos a Seleção por nossas famílias, fariam boaparte do país nos odiar. Quanto mais tempopermanecêssemos na competição, mais as pessoas iriam nosodiar, por colocarmos a vida delas em risco.

— São notícias tristes, Majestade — Gavril disse,quebrando o silêncio.

O rei concordou.

— Buscaremos uma solução, claro. Fomos informados, porém,de oito ataques em cinco províncias diferentes. Todoscontra Dois e todos resultando em pelo menos uma morte.

A mão que estava paralisada na minha boca caiu sobre omeu peito. Pessoas tinham morrido naquele dia por nossacausa.

— Neste momento — prosseguiu o rei Clarkson —,encorajamos todos a permanecer em casa e tomar todas asmedidas de segurança possíveis.

— Excelente conselho, Majestade — Gavril comentou, e emseguida voltou-se para nós. — Senhoritas, há algo que

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queiram acrescentar?

Elise simplesmente balançou a cabeça.

Kriss respirou fundo.

— Sei que Dois e Três são os alvos agora, mas suas casassão mais seguras que as da maioria das castas inferiores.Se vocês puderem abrigar uma família Quatro ou Cinco deconfiança, seria uma boa ideia.

Celeste concordou com a cabeça.

— Cuidem-se. Façam o que o rei está pedindo.

Ela olhou para mim, e percebi que precisava dizer algo.

Sempre que me sentia um pouco perdida no Jornal Oficial,costumava olhar para Maxon, na esperança de receber algumconselho silencioso. Pela força do hábito, busquei seusolhos.

Naquele momento, porém, Maxon estava cabisbaixo; eu viaapenas seus cabelos loiros e sua testa franzida.

Era óbvio que estava preocupado com seu povo, mas aquestão ia um pouco além de proteger os cidadãos. Elesabia que poderíamos partir.

E não deveríamos? Quantos Cinco perderiam a vida por euestar ali sentada, iluminada pelos refletores do estúdiodo palácio?

Por outro lado, por que eu ou qualquer uma das garotasdeveríamos suportar esse fardo? Nós não estávamos na ruamatando as pessoas. Me lembrei de tudo que August eGeorgia nos disseram e percebi que só havia uma coisa afazer.

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— Lutem — eu disse, sem me dirigir a ninguém emparticular. Então, tomando consciência de onde estava,olhei para uma câmera. — Lutem. O que os rebeldes queremé intimidar. Estão tentando assustá-los e forçá-los afazer o que eles querem. E se vocês obedecerem? Que tipode futuro eles têm a oferecer? Essas pessoas, essestiranos, não vão parar com a violência de uma hora paraoutra. Se vocês derem poder a eles, ficarão mil vezespior. Então lutem. Lutem como puderem.

Senti o sangue e a adrenalina pulsarem dentro de mim,como se eu mesma estivesse pronta para atacar. Nãoaguentava mais. Eles nos mantinham aterrorizados,assassinavam nossas famílias. Se um rebelde sulistaestivesse diante de mim naquele momento, eu não fugiria.

Gavril recomeçou a falar, mas eu estava sentindo tantoódio que ouvia apenas meu coração bater. Quando conseguime acalmar, as câmeras estavam desligadas e osrefletores, apagados.

Maxon se aproximou do pai e cochichou alguma coisa de queo rei discordou, balançando a cabeça.

As garotas se levantaram para sair.

— Vão direto para os seus quartos — Maxon disseeducadamente. — O jantar será levado até vocês, e logoirei falar com cada uma.

Fui até a porta. Quando passei diante do príncipe e deseu pai, o rei me tocou com a ponta do dedo. O pequenogesto era um sinal para que eu parasse.

— Suas palavras não foram muito inteligentes — comentou.

Dei de ombros.

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— A estratégia atual não está funcionando. Se continuarassim, logo não terá mais súditos para comandar.

Ele acenou com a mão, me dispensando. Mais uma vez,estava irritado comigo.

Maxon bateu de leve na porta e entrou. Eu já estava decamisola e lia na cama. Até cheguei a pensar se ele defato viria.

— Está tão tarde — falei baixinho, apesar de não havermais ninguém no quarto.

— Eu sei. Tive que falar com todas as outras e foi muitodesgastante. Elise ficou muito abalada. É quem está sesentindo mais culpada. Não ficaria surpreso se eladesistisse em um ou dois dias.

Embora ele já tivesse admitido sua falta de entusiasmopor Elise mais de uma vez, dava para ver como eradoloroso para ele. Encolhi as pernas contra o peito paraque ele pudesse sentar.

— E Kriss e Celeste?

— Kriss está quase otimista demais. Tem certeza de que aspessoas serão cuidadosas e conseguirão se proteger. Nãosei como isso é possível, já que não há como prever ondeou quando será o próximo ataque rebelde. Eles estãoespalhados pelo país inteiro. Mas ela está esperançosa.Você sabe como ela é.

— Sei.

Maxon respirou fundo e continuou: — Celeste está bem.Está preocupada, claro. Mas, como Kriss notou, quem é

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Dois provavelmente está mais seguro. E

ela é sempre tão determinada — Maxon riu e olhou para ochão. — Aparentemente, o que mais a preocupa é apossibilidade de eu ficar chateado por ela ficar. Como seeu pudesse culpá-la por preferir estar aqui em vez devoltar para casa.

Soltei um suspiro.

— É uma questão interessante. Você quer uma esposa quenão se preocupe com ameaças aos seus súditos?

Maxon me encarou.

— Você está preocupada. Só que é esperta demais para sepreocupar do mesmo jeito que os outros. — Ele balançou acabeça e sorriu. — Não acredito que você disse para aspessoas lutarem.

Dei de ombros.

— Parece que temos sido bastante covardes.

— Você tem toda a razão. Não sei se isso vai assustar osrebeldes ou deixá-los mais determinados, mas sem dúvidavocê mudou o jogo.

— Não sei se chamaria de jogo um grupo de pessoas quetenta matar a população aleatoriamente — falei de cabeçaerguida.

— Não, não! — Maxon reagiu rápido. — Eu nem consigopensar numa palavra para definir essa situação horrível.Eu estava falando sobre a Seleção.

Olhei bem em seus olhos. O príncipe continuou: — Para obem ou para o mal, o público conseguiu captar um pouco do

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seu verdadeiro caráter esta noite. Agora eles enxergam agarota que protege suas criadas, que levanta a voz atépara o rei quando acha que está certa. Aposto que todosverão com outros olhos o dia em que você correu paraajudar Marlee. Antes, você era apenas a garota que gritoucomigo no nosso primeiro encontro. Esta noite, você viroua garota que não tem medo dos rebeldes. As pessoas vãopensar em você de um jeito diferente agora.

— Não era essa a minha intenção — respondi, sacudindo acabeça.

— Eu sei. Eu tinha um plano para mostrar às pessoas quemvocê é. E, no fim, você fez isso por impulso. É a suacara. — Seu rosto revelava certo espanto, como se eledevesse ter esperado algo assim desde o começo. — Em todocaso — retomou —, acho que você disse a coisa certa. Jápassou da hora de fazermos mais do que nos esconder.

Baixei os olhos para o edredom, correndo o dedo pelascosturas. Fiquei feliz por ele ter aprovado, mas o jeitocomo falava — como se aquilo tudo fosse mais uma dasminhas peculiaridades — parecia íntimo demais para aquelemomento.

— Estou cansado de brigar com você, America — Maxondesabafou baixinho. Levantei a cabeça e percebi queestava sendo sincero. — Acho bom discordarmos; naverdade, essa é uma das coisas de que mais gosto na nossarelação. Mas não quero mais discutir. Às vezes tenho umpouco do temperamento do meu pai. Luto contra isso, mas éverdade.

E você… — disse, com um sorriso nos lábios. — Você ficaimpossível quando está nervosa!

Ele balançou a cabeça, provavelmente lembrando das mesmas

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coisas que eu. A joelhada. Toda a história das castas.

O tapa que dei em Celeste quando ela falou de Marlee.

Nunca tinha me achado temperamental, mas, aparentemente,eu era. Ele sorriu, e eu também. Era engraçado relembrartudo que eu tinha feito de uma só vez.

— Eu observo as outras e sou justo. Fico angustiado comalgumas coisas que sinto. Mas quero que saiba: continuoobservando você. Acho que você já percebeu que, a estaaltura, não consigo evitar. — Maxon deu de ombros;parecia um garoto naquele momento.

Queria dizer a coisa certa, dizer que ainda desejava queele me observasse. Mas não me sentia tão segura, entãocoloquei a mão sobre a dele. Permanecemos quietos,olhando para nossas mãos. Ele brincava com as minhaspulseiras, muito concentrado nelas, e depois acariciou ascostas da minha mão com o polegar. Foi bom ter um momentode calma a sós.

— Por que não passamos o dia juntos amanhã?

— Eu iria gostar — respondi, com um sorriso no rosto.

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10

— Então, resumindo a história, mais guardas?

— Sim, pai. Muito mais. — Eu ria ao telefone apesar de asituação estar longe de ser engraçada. Meu pai tinha umjeito de tornar leves mesmo os assuntos mais difíceis.

— Continuaremos aqui. Por enquanto, pelo menos —confirmei. — E apesar de eles estarem começando pelosDois, não deixe ninguém se descuidar. Avise aos Turner eaos Canvass para se protegerem.

— Ora, gatinha. Todo mundo sabe se cuidar. E depois doque você disse no Jornal Oficial, acho que as pessoasserão mais corajosas do que você pensa.

— Tomara.

Baixei os olhos para os pés e senti uma sensaçãoengraçada.

Naquele momento, eu usava um sapato de salto decorado comjoias. Cinco meses antes, usava sapatilhas surradas.

— Você me deixou orgulhoso, America. Às vezes ficosurpreso com as coisas que você diz, mas não sei por quê.

Você sempre foi mais forte do que se dava conta.

Sua voz tinha um tom tão verdadeiro que fiqueiemocionada. Nenhuma opinião me importava mais do que adele.

— Obrigada, pai.

— Estou falando sério. Nem toda princesa diria algo

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assim.

Revirei os olhos quando ouvi aquele comentário.

— Pai, eu não sou uma princesa.

— É só uma questão de tempo — ele rebateu, em tombrincalhão. — Por falar nisso, como vai Maxon?

— Bem — respondi, brincando com as dobras do vestido.

Fez-se um silêncio. — Eu gosto mesmo dele, pai.

— É?

— É.

— Por quê, exatamente?

Pensei por uns instantes.

— Não sei direito. Acho que, em parte, porque ele me fazsentir eu mesma.

— Você já sentiu que não era você mesma? — ele brincou.

— Não, não é isso… Eu sempre fui muito consciente do meunúmero. Mesmo depois de vir para o palácio, continueiobcecada com isso por um tempo. Eu era Cinco ou Três?

Queria ser Um? Mas agora não penso mais nisso. E acho queé por causa dele. Mas Maxon também faz muita besteira,não tenha dúvida. — Meu pai achou graça. — É só que,quando estamos juntos, sinto que sou America. Não umacasta ou parte de um plano. Também não o vejo como alguémdistante. Ele é apenas ele, e eu sou apenas eu.

Meu pai ficou calado por um momento.

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— Isso parece muito bom, gatinha.

Era meio estranho conversar com meu pai sobre garotos,mas ele era a única pessoa em casa que via Maxon maiscomo pessoa do que como celebridade. Ninguém meentenderia como ele.

— É. Mas não é perfeito — acrescentei, enquanto Silviaaparecia na porta. — Sinto que sempre há alguma coisadando errado.

Silvia lançou um olhar afiado para mim e moveu os lábios,dizendo “café da manhã”. Concordei com a cabeça.

— Bem, isso não é tão ruim. Os erros indicam que éverdadeiro.

— Vou me lembrar disso. Pai, preciso desligar agora.

Estou atrasada.

— Tudo bem. Cuide-se, gatinha. E escreva logo para suairmã.

— Vou escrever. Te amo, pai.

— Te amo.

Depois do café da manhã, Maxon e eu continuamos na salade jantar enquanto as garotas se retiravam. A rainhapassou e piscou para mim; minhas bochechas coraram nahora. O rei veio logo atrás, e seu olhar bastou parafazer desaparecer qualquer vestígio de cor em meu rosto.

Quando finalmente ficamos a sós, Maxon se aproximou e medeu a mão, passando seus dedos entre os meus.

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— Ia perguntar o que você quer fazer hoje, mas nossasopções estão bastante limitadas. Nada de tiro ao alvo,nada de caça, nada de montaria, nada lá fora.

— Nem se levássemos um monte de soldados? — perguntei,com um suspiro de frustração.

Maxon abriu um sorriso triste.

— Sinto muito, America. Mas o que acha de um filme?

Podemos assistir algo com um cenário espetacular.

— Não é a mesma coisa — respondi, puxando-lhe pelo braço.— Mas venha. Vamos aproveitar ao máximo.

— Esse é o espírito — ele disse.

Alguma coisa naquela situação me fez sentir bem melhor,como se estivéssemos naquilo juntos. Fazia tempo que ascoisas não eram assim.

Seguíamos pelo corredor em direção à escadaria para asala de projeção quando ouvi o tilintar na janela. Vireia cabeça na direção do som e exclamei, maravilhada: —Está chovendo!

Soltei o braço de Maxon e pressionei a mão contra ovidro. Em todos aqueles meses no palácio, nunca tinhachovido, e eu até me perguntava se de fato issoaconteceria algum dia. Ao ver que chovia, me dei conta doquanto sentia falta daquilo. Sentia falta do ir e vir dasestações, da maneira como as coisas mudavam.

— É tão lindo — sussurrei.

Maxon permaneceu atrás de mim, com o braço em volta daminha cintura.

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— Só você mesmo para achar beleza numa coisa que acabacom o dia das pessoas.

— Queria poder sentir essa chuva.

Ele soltou um suspiro.

— Sei que você quer, mas não…

Olhei para Maxon para saber por que ele tinhainterrompido a frase no meio. O príncipe olhou para oslados, e eu fiz o mesmo. Com exceção de alguns guardas,estávamos sozinhos.

— Venha — ele disse, pegando minha mão. — Tomara que nãonos vejam.

Abri um sorriso, pronta para qualquer aventura que eletivesse em mente. Adorava quando Maxon ficava assim.

Corremos pelas escadas até o quarto andar. Por um minuto,fiquei nervosa com a possibilidade de ele me mostrar algoparecido com a biblioteca secreta. Aquela experiência nãotinha acabado muito bem para mim.

Caminhamos até a metade do corredor. Só encontramos umsoldado fazendo a ronda e mais ninguém. Maxon me empurroupara dentro de uma sala enorme e me levou até uma lareiraampla e desativada. Então enfiou o braço pela boca dalareira e encontrou uma trava secreta. Ao acioná-la,parte da parede se abriu, revelando mais uma escadariasecreta.

— Segure a minha mão — ele disse, estendendo o braço paramim.

Foi o que fiz. Seguimos por um corredor mal iluminado atéencontrarmos uma porta. Maxon destravou a tranca simples

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e abriu a porta. Atrás dela, a chuva caía com força.

— Aqui é o telhado? — perguntei em meio ao barulho daágua.

Ele assentiu. Havia muros ao redor da passagem, deixandoum espaço aberto mais ou menos do tamanho do meu quarto.

Não me importava de ver apenas paredes e o céu. Pelomenos estava do lado de fora.

Completamente deslumbrada, dei um passo à frente paratocar a água. As gotas, gordas e mornas, se acumulavam nomeu braço e corriam pelo meu vestido. Ouvi a gargalhadade Maxon antes de ele me empurrar para debaixo da chuva.

Em segundos, eu já estava ensopada e arfante. Virei paratrás e agarrei o braço dele, que apenas ria, fingindotentar escapar. As mechas de seu cabelo cobriram-lhe osolhos, e nós dois ficamos completamente encharcados.Ainda sorrindo, ele me levou até a beirada do muro.

— Olhe — me disse ao pé do ouvido.

Olhei e, pela primeira vez, me dei conta da vista daquelelugar. Em êxtase, contemplei a cidade estendida diante demim. A teia de ruas, a geometria dos prédios, a matiz decores: mesmo atenuada pelo cinza da chuva, a paisagem eraestonteante.

Naquele momento, me senti ligada a tudo aquilo, como se acidade me pertencesse de algum modo.

— Não quero que os rebeldes tomem este lugar, America —Maxon disse sob a chuva, como se tivesse lido meuspensamentos. — Não sei quantas mortes já ocorreram, masaposto que meu pai esconde as informações de mim. Ele temmedo que eu interrompa a Seleção.

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— Há algum jeito de descobrir a verdade?

Maxon refletiu por um tempo.

— Acho que se conseguisse entrar em contato com August,ele saberia dizer. Poderia enviar uma carta, mas tenhoreceio de escrever demais. E não sei se conseguiriatrazê-lo ao palácio.

Pensei na possibilidade.

— E se nós fôssemos até ele?

Maxon riu.

— E como você acha que conseguiríamos isso?

Dei de ombros, achando graça.

— Vou pensar a respeito — respondi.

Maxon me encarou em silêncio por um momento.

— É bom poder falar em voz alta. Preciso sempre tomarcuidado com o que digo. Tenho a sensação de que ninguémpode me escutar aqui em cima. Só você.

— Então vá em frente e diga qualquer coisa.

Ele abriu um sorriso malicioso.

— Só se você disser.

— Muito bem — respondi, feliz por entrar no jogo.

— Bom, o que você quer saber?

Tirei o cabelo molhado da testa e comecei com umapergunta importante, mas impessoal.

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— Você realmente não sabia dos diários?

— Não. Mas já estou a par. Meu pai me obrigou a lertodos. Se August tivesse vindo duas semanas atrás,acharia que ele estava mentindo sobre tudo. Agora não. Échocante, America. Aquilo que você leu é só o começo.Quero contar tudo a você, mas ainda não posso.

— Tudo bem.

Então Maxon olhou fixamente para mim, com ar determinado.

— Como as garotas descobriram que você tirou minhacamisa?

Baixei a cabeça, um pouco hesitante.

— Estávamos vendo os guardas fazendo exercícios. Eu disseque você ficava tão bem quanto qualquer um deles semcamisa. Escapou.

Maxon gargalhou tanto que até se inclinou para trás.

— Não dá para ficar bravo com isso.

Sorri.

— Você já trouxe outra pessoa aqui? — perguntei na minhavez.

— Olivia. Uma vez e foi só — revelou, parecendo triste.

De fato, parando para pensar, eu me lembrava daquilo. Elacontara a todas as garotas que ele a havia beijado ali.

— Eu beijei Kriss — Maxon confessou, sem me encarar.

— Há pouco tempo. Pela primeira vez. Acho que é justovocê saber.

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Ele baixou os olhos, e assenti com a cabeça. Se eu nãotivesse presenciado e descobrisse naquele momento, teriaficado arrasada. Mas, ainda assim, doeu ouvir da bocadele.

— Odeio ter que me encontrar com você desse jeito —falei, inquieta, com o vestido já pesado com a água.

— Eu sei. Mas as coisas são assim.

— Nem por isso são justas.

Ele riu.

— Quando alguma coisa em nossas vidas foi justa?

Ele tinha razão.

— Eu não devia contar… e, se você deixar escapar quesabe, ele vai se irritar ainda mais, com certeza, mas…seu pai tem me falado algumas coisas. E também cortou opagamento da minha família. As outras já não recebiammais, então acho que pegava mal de qualquer jeito.

— Sinto muito — Maxon se desculpou. Ele voltou o olharpara a cidade. A maneira como sua camisa grudava em seucorpo me distraiu por um instante. — Acho que não dá parareverter isso, America — completou.

— Não precisa. Só queria que você soubesse o que estáacontecendo. Posso lidar com isso.

— Você é durona demais para ele. Ele não entende você.

Maxon buscou minha mão, e eu a ofereci de bom grado.

Tentei pensar em mais alguma coisa que quisesse saber,mas quase tudo tinha a ver com as outras garotas. Não

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queria incomodá-lo com isso. Àquela altura, eu jáconseguia adivinhar quase com certeza a verdade e, seestivesse errada, não queria estragar aquele momento.

Maxon baixou o olhar para o meu pulso.

— Você… — Ele me olhou nos olhos, aparentemente mudando apergunta. — Você quer dançar?

Fiz que sim com a cabeça.

— Mas sou péssima.

— Nós vamos devagar.

Maxon me puxou para perto dele e pôs a mão em volta daminha cintura. Levei uma mão ao seu peito e segurei meuvestido encharcado com a outra. Balançamos, quase sem nosmexer. Descansei o rosto em seu peito, e ele apoiou oqueixo sobre a minha cabeça. E, assim, giramos ao som dachuva.

Quando ele me apertou um pouco mais forte, senti quetodos os erros haviam sido apagados e restara apenas aessência da nossa relação. Éramos amigos que tinhampercebido que não queriam fica longe um do outro. Éramosdiferentes em diversos sentidos, mas, ao mesmo tempo,muito parecidos. Não dava para dizer que nossa relaçãoera obra do destino, mas ela parecia mais forte do quequalquer coisa que eu já tinha vivido antes.

Ergui a cabeça na direção do rosto dele. Pus a mão em suabochecha e o trouxe para perto para beijá-lo. Seuslábios, molhados, encontraram os meus, queimando. Sentisuas mãos se agarrarem às minhas costas, como se elefosse desmoronar se nos afastássemos. Apesar do barulhoda chuva, o mundo todo parecia em silêncio. Eu sentia que

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não havia Maxon suficiente, não havia pele, espaço, temposuficiente.

Depois de tantos meses tentando conciliar o que eu queriacom o que esperava, percebi — naquele momento que Maxoncriara só para nós — que nunca faria sentido. Tudo que eupodia fazer era seguir em frente e ter a esperança deque, sempre que desviássemos do caminho, aindaconseguiríamos voltar um para o outro.

Tínhamos que voltar. Porque… porque…

Apesar de todo o tempo que demorou para aquele momentochegar, quando ele finalmente aconteceu, foi rápido.

Eu amava Maxon. Pela primeira vez, meu sentimento erasólido. Não tentava me distanciar, apegada a Aspen e atodas as dúvidas que vinham junto. Não estava meenvolvendo com Maxon e, ao mesmo tempo, mantendo um pé naporta para o caso de ser rejeitada. Simplesmente deixeias coisas acontecerem.

Eu o amava.

Era incapaz de apontar precisamente o motivo de tantacerteza, mas soube na hora, com a mesma certeza com quesabia meu nome ou a cor do céu ou qualquer coisa escritaem um livro.

Será que ele também sentia isso?

Maxon interrompeu o beijo e me olhou nos olhos.

— Você fica linda quando está desarrumada.

Soltei uma risada nervosa.

— Obrigada. Por isso, pela chuva e por não desistir.

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Ele correu os dedos pela minha bochecha, meu nariz e meuqueixo.

— Você vale a pena. Acho que não tem noção disso. Paramim, você vale a pena.

Meu coração parecia prestes a explodir. Só queria quetudo acabasse naquele dia. Meu mundo girava em torno deum novo eixo, e eu sentia que o único meio de não ficarzonza era acreditar que aquilo realmente poderiaacontecer. Eu tinha certeza agora de que ia acontecer.Tinha que acontecer.

Logo.

Maxon me deu um beijo na ponta do nariz.

— Vamos nos secar e assistir a um filme.

— Parece bom.

Cuidadosamente, resolvi manter meu amor por Maxonguardado só para mim, pelo menos por um tempo, porqueainda tinha um pouco de medo daquele sentimento. Cedo outarde, precisaria demonstrar o que eu sentia — masdepois.

Por enquanto, seria meu segredo.

Tentei torcer o vestido perto da porta, mas não adiantou.

Eu deixaria um pequeno rastro de água até o quarto.

— Voto por uma comédia — anunciei enquanto deixávamos otelhado e descíamos a escada, Maxon à frente.

— Voto por ação.

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— Bem, você acabou de dizer que valho a pena, então achoque vou ganhar essa.

Maxon riu.

— Bem pensado.

Ele continuava rindo quando abriu a porta que dava nasala da lareira, mas ficou paralisado em seguida.

Espiei por cima de seu ombro e vi o rei Clarkson aliparado, irritado como sempre.

— Suponho que a ideia tenha sido sua — o rei disse aMaxon.

— Sim.

— Você tem noção do perigo a que se expôs? — ele indagou.

— Pai, não há rebeldes à espreita no telhado — Maxonrebateu, tentando soar razoável, mas parecendo um poucoridículo com a roupa encharcada.

— Um tiro bem mirado é o bastante, Maxon.

O rei deixou suas palavras no ar para depois emendar: —Você sabe que ficamos com poucos guardas depois quemandamos soldados para as casas das garotas da Elite. E

dezenas dos enviados desapareceram. Estamos vulneráveis.— Então, dirigiu seu olhar a mim. — E por que essa meninaestá sempre metida em tudo o que acontece ultimamente?

Permanecemos em silêncio. Sabíamos que não havia o quedizer.

— Apronte-se — ordenou o rei. — Você tem trabalho a

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fazer.

— Mas eu…

Com apenas um olhar, o pai deu a entender que todos osplanos do filho para o dia estavam cancelados.

— Certo — o príncipe assentiu, cedendo.

O rei Clarkson pegou Maxon pelo braço e o levou embora.Fiquei para trás, sozinha. Maxon virou a cabeça e mepediu desculpas em silêncio. Retribuí com um brevesorriso.

Eu não tinha medo do rei. Nem dos rebeldes. Sabia oquanto Maxon significava para mim, e estava certa de quetudo acabaria bem, de algum jeito.

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11

Naquele dia estávamos no Grande Salão aturando mais umaaula de etiqueta quando os tijolos começaram a voaratravés da janela. Elise se jogou no chão imediatamente ecomeçou a rastejar em direção à porta lateral,choramingando. Celeste soltou um grito agudo e disparoupara o fundo do salão, escapando por pouco de uma chuvade estilhaços de vidro.

Kriss me puxou pelo braço, e começamos a correr juntasaté a saída.

— Rápido, senhoritas! — Silvia gritou.

Em questão de segundos, os guardas se alinharam nasjanelas e começaram a atirar. Os estalos ecoavam em meusouvidos enquanto fugíamos. Não importava mais se as armasusadas pelos rebeldes eram revólveres ou pedras: qualquerum que demonstrasse o menor grau de agressividade nosarredores do palácio iria morrer. Já não havia tolerânciacom esse tipo de ataque.

— Odeio correr com esses sapatos — Kriss murmurou, com umpedaço do vestido enrolado no braço e os olhos fixos nofim do corredor.

— Uma de nós terá que se acostumar com isso — Celestecomentou, respirando com dificuldade.

Suspirei.

— Se for eu, vou usar tênis todo dia. Não aguento maisisso.

— Conversem menos e corram mais! — Silvia gritou.

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— Como podemos chegar ao andar de baixo por aqui? — Eliseperguntou.

— E Maxon? — Kriss sussurrou.

Silvia não respondeu. Nós a seguimos por um labirinto decorredores em busca de um caminho para o porão, enquantoguardas e mais guardas corriam no sentido oposto aonosso.

Senti muita admiração por eles, imaginando a coragemnecessária para ir de encontro ao perigo para protegeroutras pessoas.

Os guardas que passavam por nós eram quase todos iguais,mas os olhos verdes de um deles estavam fixos em mim.

Aspen não parecia estar com medo, nem sequer preocupado.

Havia um problema, e ele iria resolvê-lo. Era o jeitodele.

Nosso olhar foi breve, mas suficiente. As coisasfuncionavam assim com Aspen. Em frações de segundo, pudedizer a ele, em silêncio: Tenha cuidado e fique atento .E, sem uma palavra, ele respondeu: Pode deixar, apenas secuide.

Apesar de lidar bem com essas coisas que não precisavamser ditas, eu não tinha a mesma facilidade quandoconversávamos de fato. Nossa última conversa não tinhasido das mais felizes. Eu estava prestes a deixar opalácio e tinha pedido a ele um tempo para superar aSeleção. Mas, no fim, acabei ficando e não lhe deiqualquer explicação.

Talvez sua paciência comigo estivesse se esgotando;

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talvez ele já não conseguisse ver apenas o que eu tinhade melhor.

Eu precisava resolver essa situação de algum jeito. Nãopodia imaginar minha vida sem Aspen. Mesmo naquelemomento, em que eu esperava ser escolhida por Maxon, ummundo sem Aspen parecia inconcebível.

— Aqui está! — Silvia exclamou, empurrando uma tábuamisteriosa na parede.

Seguimos escada abaixo, com Elise e Silvia à frente.

— Caramba, Elise, dá para ir mais rápido? — Celestegritou.

Queria muito ter ficado irritada com ela por ter ditoaquilo, mas sabia que todas estávamos pensando a mesmacoisa.

À medida que descíamos pela escuridão, tentava mepreparar para as horas que desperdiçaríamos, escondidascomo ratos. Continuamos a correr. O som da nossa fugaabafava os gritos, até que uma voz masculina ecoou acimade nós.

— Parem! — ordenou.

Kriss e eu viramos ao mesmo tempo e enxergamos o uniformeclaramente.

— Esperem! É um guarda — ela disse para as outras.

Paramos onde estávamos, resfolegando. Finalmente ele nosalcançou, também quase sem fôlego.

— Perdão, senhoritas. Os rebeldes fugiram assim queatiramos. Acho que não estavam a fim de briga hoje.

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Silvia, alisando o vestido com as mãos, falou por nós: —O rei concorda que é seguro? Se não for, você estarápondo a vida destas garotas em risco.

— O chefe da guarda liberou. Tenho certeza de que SuaMajestade…

— Não fale pelo rei. Venham, senhoritas, continuem.

— Você está falando sério? — perguntei. — Vamos descerpara nada.

Silvia me encarou de um jeito que faria até um rebeldetremer de medo, e achei melhor ficar quieta. Silvia e eutínhamos construído uma espécie de amizade quando ela,sem saber, me ajudou a tirar Maxon e Aspen da cabeça comsuas aulas particulares. Porém, depois do meu showzinhono Jornal Oficial, alguns dias antes, nossa amizadeparecia ter ido por água abaixo. Voltando-se para oguarda, ela continuou: — Consiga uma ordem oficial do reie voltaremos.

Continuem andando, senhoritas.

Eu e o guarda trocamos um olhar de frustração e seguimospor caminhos opostos.

Silvia não demonstrou qualquer remorso quando, vinteminutos mais tarde, outro guarda veio avisar queestávamos livres para voltar ao andar de cima.

Estava tão nervosa com aquela situação que nem espereiSilvia e as outras garotas. Subi as escadas até oprimeiro andar e segui direto para o meu quarto, aindalevando os sapatos pendurados nos dedos. Minhas criadasnão estavam, mas havia uma bandejinha de prata com umenvelope sobre a cama.

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Na hora reconheci a caligrafia de May. Abri a carta edevorei suas palavras:

Ames,

Somos tias! Astra é maravilhosa. Q ueria que vocêestivesse aqui para conhecê-la pessoalmente, mas sabemosque você precisa ficar no palácio por enquanto. Você achaque passaremos o Natal juntas? Está chegando! Precisovoltar para ajudar Kenna e James. Ela é tão bonita quenem dá para acreditar! Aqui vai uma foto!

Amamos você!

May

Puxei a foto brilhante de trás da carta. Estavam todoslá, menos Kota e eu. James, o marido de Kenna, estavaradiante, em pé atrás da esposa e da filha, com os olhosinchados.

Kenna estava sentada na cama, com um embrulhinho rosaentre os braços, parecendo ao mesmo tempo emocionada eexausta. Meus pais irradiavam orgulho, e o entusiasmo deMay e Gerad saltava da foto. Claro que Kota não aparecia;ele não ganharia nada estando presente. Mas eu deveriaestar lá.

Só que não estava.

Estava no palácio. E, às vezes, nem sabia por quê. Maxonainda passava muito tempo com Kriss, mesmo depois de tudoque tinha feito para eu ficar. Do lado de fora, osrebeldes atacavam sem descanso; ali dentro, as palavrasfrias do rei destruíam minha confiança. Em meio a tudoisso, Aspen ainda me rodeava — um segredo que eu

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precisava guardar. E

as câmeras iam e vinham, roubando pedaços de nossas vidaspara entreter as pessoas. Eu estava encurralada por todosos lados, perdendo tudo o que sempre fora importante paramim.

Engoli minhas lágrimas de raiva. Estava cansada dechorar.

Em vez disso, comecei a elaborar um plano. A únicamaneira de resolver esses problemas era acabar com aSeleção.

Embora de vez em quando ainda questionasse minha vontadede ser princesa, eu não tinha dúvidas de que queria ficarcom Maxon. Para isso acontecer, não podia simplesmentecruzar os braços e esperar. Enquanto lembrava minhaúltima conversa com o rei, comecei a andar em círculos,esperando as criadas.

Eu mal conseguia respirar, então sabia que tentar comerseria uma perda de tempo. Mas valeria o sacrifício.Precisava fazer algum progresso — e rápido. De acordo como rei, as outras garotas estavam mais próximas de Maxon —fisicamente falando —, e ele tinha dito que eu era muitocomum para ganhar delas naquele quesito.

Como se minha relação com Maxon já não fosse complicada obastante, ainda precisava reconquistar sua confiança. Eeu não sabia se isso significava fazer perguntas ou não.Apesar de ter quase certeza de que a intimidade com asoutras garotas não tinha ido tão longe, não conseguiaparar de pensar no assunto. Nunca tinha tentado sersedutora — praticamente todos os momentos íntimos que

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tivera com Maxon não foram intencionais —, mas euesperava que, se fosse mais direta, poderia deixar claroque estava tão interessada nele quanto as outras.

Respirei fundo, ergui a cabeça e entrei na sala dejantar.

Cheguei um ou dois minutos atrasada de propósito, naesperança de que todos já estivessem sentados. Meuscálculos deram certo. Mas a reação foi ainda melhor doque eu imaginava.

Fiz a reverência cruzando uma perna na frente da outra,para que a fenda do vestido se abrisse e revelasse até aminha coxa. O vestido era vermelho-escuro, tomara quecaia, e deixava as costas totalmente expostas. Tinhacerteza de que as criadas tinham feito alguma mágica paraque ele parasse no lugar. Me endireitei, olhandofixamente para Maxon. Percebi que ele tinha parado demastigar. Alguém derrubou um garfo.

Baixei os olhos e fui para o meu lugar, ao lado de Kriss.

— Francamente, America… — ela sussurrou.

Inclinei a cabeça na direção dela e perguntei, fingindonão ter entendido: — O que foi?

Ela pousou os talheres no prato e nos encaramos.

— Você está vulgar.

— E você está com inveja.

Se não acertei na mosca, cheguei muito perto: ela corouum pouco e voltou a comer. Dei umas poucas beliscadas nacomida, pois o vestido estava tão apertado que não davapara engolir muita coisa. Quando serviram a sobremesa,

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resolvi parar de ignorar Maxon, que, como eu esperava,tinha os olhos fixos em mim. Ele imediatamente ergueu amão e mexeu na orelha; discretamente, fiz o mesmo. Deiuma olhada rápida no rei Clarkson, me segurando para nãorir. Ele estava irritado — o que também fazia parte doplano — e não podia fazer nada a respeito.

Pedi licença para me retirar antes de todo mundo, dando aMaxon a chance de admirar a parte de trás do vestido.Corri para o quarto. Mal fechei a porta e tratei logo deabrir o zíper. Estava desesperada para respirar.

— Como foi? — Mary perguntou, se apressando para meajudar.

— Ele ficou embasbacado. Todo mundo ficou.

Lucy soltou um gritinho e Anne se apressou para ajudarMary.

— Vamos segurar o vestido. Apenas ande — foi sua ordem, eobedeci. — Ele vem esta noite?

— Sim. Não sei bem a que horas, mas com certeza vaiaparecer.

Sentei na beirada da cama, com os braços cruzados nabarriga para que o vestido aberto não caísse.

Anne fez uma cara triste.

— É uma pena que a senhorita tenha de sofrer por maisalgumas horas. Mas estou certa de que valerá a pena.

Sorri, tentando dar a impressão de que não me importavacom a dor. Tinha dito a elas que queria chamar a atençãode Maxon, mas não mencionara minha esperança de que, comum pouco de sorte, o vestido logo estaria jogado no chão.

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— Quer que a gente fique até ele chegar? — Lucyperguntou, entusiasmada.

— Não, só me ajudem a fechar isto aqui de novo. Precisopensar sobre algumas coisas — respondi, levantando paraque elas pudessem me ajudar.

Mary segurou o fecho.

— Prenda a respiração, senhorita.

Obedeci, e mais uma vez fui espremida pelo vestido.

Pensei em um soldado que se preparava para a guerra. Aarmadura era diferente, mas a ideia, a mesma.

Naquela noite, eu ia derrotar um homem.

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12

Abri as portas da sacada e deixei o ar entrar no quarto.

Embora fosse dezembro, uma brisa leve fazia cócegas naminha pele. Não tínhamos mais permissão para ficar dolado de fora sem a presença de guardas, então a sacadateria de servir.

Andei pelo quarto e acendi algumas velas, na tentativa detornar o espaço mais aconchegante. Quando ouvi uma batidana porta, apaguei o fósforo, peguei um livro, voei para acama e ajeitei o vestido. Ora, Maxon, é assim que eu ficoquando estou lendo alguma coisa.

— Entre — convidei, com uma voz que mal dava paraescutar.

Maxon entrou. Levantei a cabeça graciosamente e percebique ele ficou maravilhado ao encontrar o quarto à meia-luz.

Então focou sua atenção em mim, correndo os olhos pelaminha perna à mostra.

— Aí está você — eu disse, fechando o livro e melevantando para cumprimentá-lo.

Ele fechou a porta e avançou, o olhar cravado nas minhascurvas.

— Queria dizer que você está maravilhosa esta noite.

Joguei o cabelo para trás.

— Ah, por causa deste vestido? Estava escondido no fundodo armário.

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— Fico feliz que tenha tirado de lá.

Enlacei meus dedos nos dele.

— Sente-se aqui comigo. Não tenho visto você com muitafrequência ultimamente.

Ele soltou um suspiro e me acompanhou.

— Sinto muito por isso. As coisas ficaram um pouco tensasdepois das baixas que tivemos naquele ataque, e você sabecomo é o meu pai. Enviamos vários guardas para protegeras famílias de vocês, o que diminuiu nossas forças, entãoele está pior do que nunca. E também está me pressionandopara que eu termine a Seleção, mas continuo firme. Queroter tempo para pensar bem sobre as coisas.

Fomos até a cama e nos sentamos na beirada, bem perto umdo outro.

— Claro. Quem deve controlar isso é você — comentei.

Ele concordou com a cabeça.

— Exatamente. Sei que já disse isso mil vezes, mas ficolouco quando as pessoas me pressionam.

— Eu sei — confirmei, fazendo uma cara triste.

Ele fez uma pausa, e não consegui interpretar suaexpressão. Tentava pensar num jeito de avançar semparecer oferecida, mas não sabia exatamente como criar ummomento romântico.

— Sei que é uma coisa boba, mas minhas criadas escolheramum perfume novo hoje. É muito forte? — perguntei,aproximando meu pescoço para que ele pudesse sentir.

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Ele aproximou o rosto, seu nariz tocando minha pele.

— Não, querida. É ótimo — Maxon respondeu, com a cabeçaentre meu ombro e meu pescoço, onde, então, me beijou.

Engoli em seco, tentando me concentrar. Precisava manterum mínimo de controle.

— Que bom que gostou. Estava com saudade.

Senti sua mão se esgueirar pelas minhas costas e baixei orosto. Ali estava ele, os olhos cravados nos meus, nossoslábios separados por poucos milímetros.

— Quanta saudade você sentiu? — ele sussurrou.

Aquele olhar, somado ao sussurro, fazia meu coração baterdepressa.

— Muita — respondi, também sussurrando. — Muita mesmo.

Inclinei o corpo para a frente, morrendo de vontade debeijá-lo. Maxon estava confiante. Ele me puxava para maisperto com uma mão e acariciava meus cabelos com a outra.

Meu corpo queria se desfazer em um beijo, mas o vestidome impedia. De repente, fiquei nervosa de novo, lembrandodo meu plano.

Escorreguei as mãos pelos braços de Maxon e conduzi seusdedos até o fecho do vestido, na esperança de que issobastasse.

Suas mãos se detiveram ali por alguns instantes. Euestava a ponto de simplesmente pedir que Maxon baixasse ozíper quando ele caiu na gargalhada.

Sua risada me fez voltar à realidade imediatamente.

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— O que é tão engraçado? — perguntei, horrorizada,tentando pensar em um jeito discreto de sentir meuhálito.

— De todas as coisas que você já fez, essa foi de longe amais divertida! — Maxon exclamou, rindo tanto que davatapas no joelho.

— Como é?

Ele estalou um beijo na minha testa e disse: — Sempreimaginei como seria quando você tentasse. — E

voltou a gargalhar. — Desculpe, preciso ir — completou.Até seu jeito de levantar dava mostras de que estava sedivertindo muito. — Vejo você amanhã.

E saiu. Simplesmente saiu!

Fiquei lá, sentada, completamente arrasada. Onde euestava com a cabeça quando pensei que aquilo daria certo?Maxon podia não saber tudo sobre mim, mas pelo menosconhecia meu caráter. E aquela… aquela não era eu.

Baixei os olhos para aquele vestido ridículo. Era demais.

Nem Celeste teria ido tão longe. Meu cabelo estavaperfeito demais; minha maquiagem, carregada demais. Eletinha entendido minhas intenções desde o primeiro segundoem que pôs os pés no quarto. Suspirando, apaguei as velasuma por uma e fiquei imaginando como iria encará-lo nodia seguinte.

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13

Pensei em fingir uma gastrite. Ou uma enxaquecaarrasadora.

Ataque de pânico. Sério, qualquer coisa que me livrassedo café da manhã.

Então pensei em Maxon e no que ele sempre dizia sobreencarar as dificuldades com a cabeça erguida. Talvez nãofosse meu ponto forte, mas se ao menos eu descesse até asala de jantar, se ao menos estivesse presente… quem sabeele me daria algum crédito.

Na esperança de consertar pelo menos parte do que fizera,pedi às criadas que me vestissem com a roupa maisdiscreta que eu tivesse. Só por esse pedido elasentenderam que não deviam perguntar nada sobre a noiteanterior. O decote do vestido era um pouco mais fechadodo que costumávamos usar no clima quente de Angeles, e asmangas chegavam quase até o cotovelo. Era florido ealegre, o oposto do visual da noite anterior.

Mal consegui olhar para Maxon quando entrei na sala dejantar, mas pelo menos mantive a postura ereta.

Quando finalmente dei uma espiada em sua direção, láestava ele me observando, com um sorriso irônico noslábios.

Enquanto comia, Maxon piscou para mim, e voltei a baixara cabeça, fingindo estar muito interessada na minhaquiche.

— Bom ver você com roupas de verdade hoje — Krissdisparou.

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— Bom ver você de bom humor.

— O que deu na sua cabeça? — ela perguntou.

Desanimada, não quis prolongar a conversa.

— Estou sem paciência para isso hoje, Kriss. Só quero quevocê me deixe em paz.

Por um instante, achei que ela fosse reagir, masaparentemente eu não valia o esforço. Ela se ajeitou nacadeira e continuou a comer. Se eu tivesse obtido ummínimo de sucesso na noite anterior, poderia justificarminhas ações. Mas do jeito que as coisas tinham ido,sequer podia fingir orgulho.

Arrisquei outro olhar para Maxon. Apesar de não estarmais me observando, dava para perceber que ainda sesegurava para não rir enquanto cortava a comida. Erademais. Eu não suportaria um dia inteiro daquele jeito.Já estava me preparando para desmaiar, fingir uma dor debarriga ou tentar qualquer outra coisa para sair dali omais rápido possível quando um mordomo entrou na sala.Trazia um envelope em uma bandeja de prata e fez umareverência antes de colocá-la diante do rei Clarkson.

O rei pegou a carta e leu-a no ato.

— Malditos franceses! — resmungou. — Desculpe, Amberly,mas parece que terei de partir dentro de uma hora.

— Mais um problema com o tratado de comércio? — a rainhaperguntou tranquilamente.

— Sim. Pensei que tivéssemos acertado tudo meses atrás.

Precisamos ser firmes desta vez.

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O rei atirou o guardanapo na mesa, levantou e seguiu emdireção à porta.

— Pai! — Maxon chamou, também se levantando. — Não querque eu vá junto?

De fato, eu tinha achado estranho o rei não vociferarnenhuma ordem para que o filho o seguisse quando selevantou. Afinal, era esse o seu método de ensino. Destavez, porém, ele se voltou para Maxon e, com o olhar frioe a voz cortante, disparou:

— Quando você estiver pronto para se comportar como umrei, poderá vivenciar o que um rei faz. — E se retirou,sem dizer mais nada.

Maxon permaneceu de pé por alguns instantes, chocado eenvergonhado pela bronca que levara na frente de todomundo. Sentou novamente e se dirigiu à mãe: — Para sersincero, não estava muito animado com o voo — comentou,para aliviar a tensão com uma piada. A rainha sorriu,como obviamente era sua obrigação, e nós ignoramos oocorrido.

As outras garotas terminaram o café da manhã e pediramlicença para ir ao Salão das Mulheres. Quando restávamosapenas Maxon, Elise e eu, levantei os olhos para ele.

Mexemos na orelha ao mesmo tempo e sorrimos. Elisefinalmente saiu, e nos encontramos no meio da sala dejantar, sem nos importarmos com as criadas e os mordomosque chegavam para limpar a mesa.

— Ele não vai levar você por minha causa — lamentei.

— Talvez — Maxon provocou. — Acredite, não é a primeiravez que ele tenta me colocar no meu lugar, e, na cabeça

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dele, tem milhares de motivos para isso. Não mesurpreenderia se o principal motivo agora fosse despeito.Ele não quer deixar o poder, mas quanto mais perto euchego de escolher uma esposa, maior a probabilidade deque isso aconteça. Apesar de ambos sabermos que ele nuncaabrirá mão do governo.

— Você deveria me mandar para casa de uma vez. Ele nuncavai deixar que me escolha.

Eu ainda não contara a ele que seu pai havia meencurralado e me ameaçado no meio do corredor depois queMaxon o convencera a me deixar ficar. O rei Clarksondeixara bem claro que era para eu ficar de boca fechadasobre aquela conversa, e eu não pretendia contrariá-lo.Ao mesmo tempo, odiava guardar segredos de Maxon.

— Além disso — acrescentei, cruzando os braços —, depoisde ontem à noite, não acho que você me queira por aquimesmo.

Ele mordeu os lábios.

— Desculpe pela minha reação, mas, sério, o que mais eupodia fazer?

— Eu tinha várias ideias — murmurei, ainda envergonhadapor ter tentado seduzi-lo. — Agora me sinto uma idiota —completei, escondendo o rosto entre as mãos.

— Pare com isso — ele disse gentilmente e me abraçou. —Acredite, foi muito tentador, mas você não é assim.

— Mas não deveria ser? Isso não deveria fazer parte doque somos? — lamentei, apoiando a cabeça em seu peito.

— Você não se lembra da noite no abrigo? — Maxonperguntou baixinho.

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— Sim, mas aquilo era basicamente a nossa despedida.

— Teria sido uma despedida fantástica.

Recuei, dando um leve empurrão nele. Ele achou graça,feliz por ter amenizado o desconforto da situação.

— Vamos esquecer esse assunto — propus.

— Ótimo — concordou. — Além do mais, temos um projetopara pôr em prática, você e eu.

— Temos?

— Temos. Como meu pai está fora, este é o momento idealpara começarmos a bolar estratégias.

— Certo — eu disse, empolgada por fazer parte de algo sóentre nós dois.

Maxon respirou fundo, me deixando ansiosa para descobriro que estava tramando.

— Você tem razão. Meu pai não a aprova. Mas ele pode serobrigado a ceder se conseguirmos uma coisa.

— Que coisa?

— Precisamos fazer de você a favorita do povo.

Fiz uma careta.

— Esse é o nosso projeto, Maxon? Nunca vai acontecer.

Vi uma pesquisa em uma das revistas da Celeste depois quetentei salvar Marlee. As pessoas não me suportam.

— As opiniões mudam. Não deixe um momento isoladodesanimá-la.

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Eu ainda achava que era impossível, mas o que poderiadizer? Se aquela era minha única opção, pelo menosdeveria tentar.

— Tudo bem — eu disse. — Mas já vou avisando que não vaifuncionar.

Com um sorriso travesso no rosto, Maxon chegou bem pertoe me deu um beijo longo e demorado.

— Pois eu digo que vai.

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14

Entrei no Salão das Mulheres com o plano de Maxon nacabeça. A rainha ainda não havia chegado e todas asmeninas riam juntas perto da janela.

— America, venha aqui! — chamou Kriss, como se fosseurgente. Até Celeste se virou para mim com um sorriso eum gesto para que me aproximasse.

Desconfiei um pouco do que me esperava, mas me juntei aogrupo mesmo assim.

— Meu Deus! — exclamei.

— Pois é — suspirou Celeste.

Lá estava metade dos guardas do palácio, sem camisa,correndo em volta do jardim. Aspen tinha me contado quetodos os guardas tomavam uma injeção para ficarem fortes,mas aparentemente eles também faziam um monte deexercícios para manter o corpo em forma.

Apesar de sermos todas leais a Maxon, não dava paraignorar tantos garotos lindos.

— O loiro… — Kriss comentou. — Bom, acho que é loiro. Ocabelo está tão curto!

— Eu gosto deste aqui — cochichou Elise quando outrosoldado passou pela janela.

Kriss segurou o riso.

— Não acredito que estamos fazendo isso!

— Ali, ali! Aquele cara de olhos verdes — disse Celeste,

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apontando para Aspen.

Kriss deixou escapar um suspiro.

— Dancei com ele no Halloween. Além de bonito, édivertido.

— Também dancei com ele — gabou-se Celeste. — O

guarda mais lindo do palácio, fácil.

Tive que dar uma risadinha. Imaginei como ela se sentiriase soubesse que Aspen tinha sido um Seis antes de setornar guarda.

Enquanto o observava correr, pensei nas centenas de vezesem que fora envolvida por aqueles braços. A distânciacada vez maior entre nós parecia inevitável, mas mesmoassim me perguntava se havia uma maneira de preservar umaparte do que vivemos. E se eu precisasse dele?

— E você, America? — Kriss perguntou.

Aspen era o único que me atraía e, depois de sofrer tantopor ele, parecia idiota escolher alguém. Achei melhor meesquivar da pergunta.

— Não sei. São todos bonitinhos.

— Bonitinhos? — repetiu Celeste. — Você está debrincadeira! Estão entre os caras mais lindos que já vi.

— São só uns caras sem camisa — repliquei.

— Então aproveite a vista porque daqui a pouco só vaipoder olhar para nós três aqui dentro — Celeste disse emtom grosseiro.

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— Sei lá. Maxon fica tão bem sem camisa quanto qualquerum desses caras.

— O quê? — bravejou Kriss.

Só percebi o que tinha dito um segundo depois de aspalavras escaparem da minha boca. As três olhavamfixamente para mim.

— Quando exatamente você e Maxon ficaram sem camisa? —Celeste quis saber.

— Eu não fiquei!

— Mas ele ficou? — Kriss perguntou. — Foi por isso quevocê usou aquele vestido péssimo ontem à noite?

Celeste estava em choque:

— Sua vadia!

— Como é? — gritei.

— Bom, o que você esperava? — ela emendou, cruzando osbraços. — A não ser que você queira nos contar o queaconteceu e provar que estamos erradas.

O problema é que não havia como explicar o assunto.

Despir Maxon não tinha sido exatamente um momentoromântico, mas eu não podia contar que tinha cuidado deferidas nas costas dele causadas justamente por seu pai.Maxon guardaria esse segredo a vida inteira. Se o traísseagora, seria o fim da nossa relação.

— Celeste estava seminua com ele nos corredores! —acusei, com o dedo apontado para ela.

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O queixo dela caiu.

— Como você sabe?

— Quer dizer que todo mundo já ficou sem roupa com Maxon?— Elise perguntou, horrorizada.

— Não ficamos sem roupa! — gritei.

— Chega — disse Kriss, levantando os braços. — Precisamostirar isso a limpo. Quem fez o que com Maxon?

Todas se calaram por alguns instantes. Ninguém queria sera primeira a falar.

— Eu o beijei — revelou Elise. — Três vezes e só.

— Eu nunca o beijei — confessou Kriss. — Mas foi escolhaminha. Ele me beijaria se eu deixasse.

— Sério? Nenhuma vez? — perguntou Celeste, chocada.

— Nenhuma.

— Bom, eu o beijei várias vezes — Celeste falou, jogandoo cabelo para trás, orgulhosa em vez de envergonhada. — Amelhor foi naquela noite no corredor.

E, com os olhos em mim, completou: — Ficamos cochichandosobre como era emocionante saber que podíamos ser pegosno flagra.

Então todas se viraram para mim. Lembrei das palavras dorei, quando insinuou que talvez outras garotas estivessemdispostas a ser mais atiradas do que eu. Mas eu sabia queessa era apenas mais uma de suas armas, uma tentativa deme fazer sentir insignificante. Decidi ser honesta.

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— O primeiro beijo de Maxon foi comigo, não com Olivia.Eu não queria que ninguém soubesse. E depois houveoutros… momentos mais íntimos. Em um deles, Maxon ficousem camisa.

— Ficou sem camisa? Assim, num passe de mágica, ela saiu?— pressionou Celeste.

— Ele tirou — admiti.

Ainda não satisfeita, Celeste continuou a forçar a barra.

— Ele tirou ou você tirou?

— Acho que os dois.

Depois de alguns instantes tensos, Kriss retomou apalavra: — Muito bem, agora sabemos a posição de cadauma.

— E qual é? — Elise perguntou.

Ninguém respondeu.

— Só queria dizer… — comecei — que todos esses momentosforam muito importantes para mim, e que realmente meimporto com Maxon.

— Você quer dizer que a gente não se importa? — vociferouCeleste.

— Sei que você não se importa.

— Como ousa?!

— Celeste, todo mundo sabe que você quer alguém compoder. Até apostaria que você gosta um pouco dele, masnão é apaixonada. Você quer a coroa.

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Sem negar, ela se voltou para Elise.

— E essa aqui? Nunca vi qualquer traço de emoção em você!

— Sou reservada. Você devia tentar de vez em quando —Elise rebateu no ato. Aquela faísca de raiva me fezgostar dela um pouco mais. — Na minha família, todos oscasamentos são arranjados. Eu sabia que comigo tambémseria assim.

Posso não estar completamente apaixonada, mas respeitoMaxon. O amor pode vir depois.

Kriss falou, em tom amigável:

— Isso parece meio triste, Elise.

— Não é. Há coisas maiores do que o amor.

Todas encaramos Elise, digerindo suas palavras. Eu tinhalutado pela minha família em nome do amor e, também emnome do amor, tinha feito o mesmo por Aspen. E agora,apesar de a simples ideia me assustar, estava certa deque todas as minhas ações em relação a Maxon — mesmo asmais bobas — também eram motivadas por esse sentimento. Ese houvesse algo mais importante?

— Bom, eu admito: amo Maxon — Kriss desabafou. — Amo equero que se case comigo.

De volta à discussão, minha vontade era de derreter pelocarpete. O que eu tinha começado?

— Muito bem, America, desembuche — exigiu Celeste.

Gelei e comecei a respirar com dificuldade. Demorei umpouco para encontrar as palavras certas.

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— Maxon sabe o que eu sinto, e é isso o que importa.

Ela fez uma cara de decepção, mas não me pressionou mais.Sem dúvida estava com medo de que eu fizesse o mesmo comela.

Permanecemos lá, nos entreolhando. A Seleção já duravameses, e agora finalmente podíamos enxergar osverdadeiros objetivos de cada uma na competição. Agoratodas sabíamos qual era a relação das concorrentes comMaxon — pelo menos em parte —, e era possível compará-las.

A rainha chegou momentos depois e nos desejou bom-dia.

Depois de cumprimentá-la com uma reverência, nosafastamos. Para os cantos do salão, para dentro de nósmesmas. Talvez tudo se resumisse a isso mesmo. Havia umpríncipe e quatro garotas, três das quais voltariam paracasa com pouco mais que uma história interessante sobrecomo passaram o outono.

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15

Eu dava voltas pela biblioteca do primeiro andar,retorcendo as mãos e tentando organizar as palavras queia dizer. Sabia que precisava explicar o que tinhaacabado de acontecer antes que ele ouvisse da boca dasoutras meninas, mas isso não queria dizer que estavaansiosa pela conversa.

— Toc, toc — ele disse enquanto entrava. Logo notou apreocupação em meu rosto. — O que houve?

— Não fique bravo — avisei enquanto ele se aproximava.

Maxon desacelerou o passo. Sua expressão apreensiva agoraera de cautela.

— Tentarei.

— As garotas sabem que vi você sem camisa.

Ao ver a pergunta se formar em sua boca, emendei: — Nãocontei nada sobre as suas costas — jurei. — Até quis,porque agora elas simplesmente acham que passamos a noiteno maior amasso.

Maxon sorriu.

— Mas foi assim no final das contas.

— Sem gracinhas, Maxon! Elas me odeiam agora.

Ele me abraçou sem perder o brilho nos olhos.

— Se serve de consolo, não estou bravo. Não me importo,desde que você guarde meu segredo. Só estou um poucochocado que você tenha contado a elas. Aliás, como esse

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assunto surgiu?

Deitei a cabeça em seu peito.

— Acho que não posso contar.

— Humm… Pensei que estivéssemos trabalhando nossaconfiança — ele disse, correndo o polegar pelas minhascostas.

— E estamos. Peço que confie em mim quando digo que ascoisas só vão piorar se eu contar o resto.

Talvez eu estivesse enganada, mas algo me dizia querevelar a Maxon o episódio dos guardas suados e semcamisa traria algum tipo de problema para todas nós.

— Certo — ele disse enfim. — Então as garotas sabem quevocê me viu parcialmente despido. Algo mais?

— Elas sabem — comecei, depois de um pouco de hesitação —que seu primeiro beijo foi comigo. E eu sei tudo o quevocê fez ou deixou de fazer com elas.

Maxon deu um pulo para trás.

— O quê?

— Depois que deixei escapar a história de você semcamisa, começou uma sessão de acusações e resolvemosfalar a verdade. Sei que você já beijou Celeste váriasvezes e que já teria beijado Kriss há tempos se elativesse deixado. Tudo veio à tona.

Ele levou a mão ao rosto e deu alguns passos enquantoprocessava as informações.

— Então não tenho mais nenhuma privacidade? Nenhuma?

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Porque vocês quatro resolveram comparar os placares?

Sua frustração era evidente.

— Para alguém tão preocupado com a honestidade, vocêdeveria agradecer.

Maxon parou e me encarou.

— Como é?

— Tudo está às claras agora. Todas nós temos uma boaideia da situação de cada uma. Eu, por exemplo, estougrata.

Maxon contorceu o rosto.

— Grata?

— Se você tivesse me contado antes que Celeste e eutínhamos quase a mesma intimidade física com você, eu nãoteria tentado nada na noite passada. Você tem ideia dahumilhação que passei?

O príncipe deu uma risada irônica e voltou a andar.

— Por favor, America. Você já disse e fez tantas coisasestúpidas que para mim seria uma surpresa descobrir quevocê ainda é capaz de sentir vergonha.

Talvez por ter recebido uma educação menos sofisticada,demorei um pouco para sentir todo o impacto daquelaspalavras. Maxon sempre gostara de mim. Ao menos era o quedizia. E sentia isso apesar da opinião dos outros. Seriatambém apesar de sua própria opinião?

— Vou me retirar — eu disse com a voz calma, incapaz deencará-lo nos olhos. — Me desculpe por contar a história

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da camisa.

Segui em direção à porta, me sentindo tão pequena que meperguntava se ele teria notado o movimento.

— Vamos, America. Não quis dar a entender que…

— Não, tudo bem — balbuciei. — Vou prestar mais atençãoàs minhas palavras.

Subi as escadas. Não sabia ao certo se queria ou não queMaxon me seguisse. Ele ficou.

Quando cheguei ao quarto, encontrei Anne, Mary e Lucy,que trocavam os lençóis e espanavam as prateleiras.

— Olá, senhorita — cumprimentou Anne. — Deseja um chá?

— Não. Só quero sentar na sacada um pouquinho. Se alguémme procurar, diga que estou descansando.

Anne franziu a testa, mas concordou.

— Claro.

Passei um tempo tomando ar fresco. Depois dei uma lida notexto que Silvia tinha preparado para nós. Tirei umcochilo e toquei um pouco de violino. Desde que euconseguisse ficar longe das outras meninas e de Maxon,não me importava de fazer absolutamente qualquer coisa.

Com o rei fora, tínhamos permissão para fazer asrefeições no quarto. Foi o que fiz. Quando estava nametade do meu frango ao molho de pimenta e limão, ouvibaterem à porta.

Talvez estivesse paranoica, mas tinha certeza de que eraMaxon. Não tinha condições de vê-lo naquele momento.

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Agarrei Mary e Anne e fui ao banheiro.

— Lucy — sussurrei —, diga a ele que estou no banho.

— Ele? Banho?

— Sim. Não o deixe entrar — foi minha instrução.

Fechei a porta e grudei o ouvido nela.

— O que significa isso? — Anne perguntou.

— Conseguem ouvir alguma coisa? — perguntei.

As duas também encostaram o ouvido na porta, à espera dealgum som inteligível.

Eu só escutava a voz abafada de Lucy, mas quando meaproximei do vão da porta, pude ouvir claramente aseguinte conversa: — Ela está no banho, Alteza — Lucyrespondeu com tranquilidade. Era mesmo Maxon.

— Ah, tinha esperança de que ela ainda estivesse comendo.

Pensei que talvez pudéssemos jantar juntos.

— A senhorita decidiu tomar um banho antes de comer.

A voz de Lucy vacilava um pouco, se sentindo mal com amentira.

Vamos, Lucy. Aguente firme, pensei.

— Entendi. Bom, você poderia pedir para America me chamarquando terminar? Gostaria de falar com ela.

— Humm… Talvez o banho seja demorado, Alteza.

Maxon se calou por um momento.

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— Ah. Tudo bem. Então você pode, por favor, dizer a elaque estive aqui e que ela pode me chamar se quiserconversar? Diga também para não se preocupar com a hora.

Eu virei.

— Sim, senhor.

Houve um longo silêncio. Comecei a achar que ele já tinhasaído.

— Bem… Obrigado — Maxon disse afinal. — Boa noite.

— Boa noite, Alteza.

Fiquei escondida por mais alguns instantes para tercerteza de que ele tinha ido embora. Quando saí, Lucyainda estava ao lado da porta. Percebi a expressão deinterrogação nos olhos das criadas.

— Só quero ficar sozinha esta noite — expliqueivagamente. — Aliás, acho que já estou pronta para dormir.

Por favor, levem a bandeja com o jantar. Vou me prepararpara deitar.

— A senhorita quer que uma de nós fique? — perguntouMary. — Caso deseje chamar o príncipe?

Dava para perceber a esperança nos olhos delas, mas tiveque desapontá-las.

— Não. Só preciso descansar. Vejo Maxon pela manhã.

Era estranha a sensação de me deitar sabendo que existiauma pendência entre mim e Maxon, mas não sabia o quedizer a ele naquele momento. Não fazia sentido. Játínhamos passado por tantos altos e baixos, por tantas

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tentativas de transformar o que havia entre nós em umarelação de verdade. Estava claro, porém, que, se issofosse acontecer, ainda teríamos um longo caminho pelafrente.

Fui acordada bruscamente antes do amanhecer. A luz docorredor invadiu meu quarto e, enquanto eu aindaesfregava os olhos, um guarda entrou.

— Senhorita America, acorde, por favor — disse ele.

— O que houve? — perguntei com um bocejo.

— Uma emergência. A senhorita precisa descer até oprimeiro andar.

Senti meu coração parar na hora. Minha família tinhamorrido; eu sabia. Guardas haviam sido enviados; tínhamosavisado nossos familiares que isso era possível, mashavia rebeldes demais. O mesmo acontecera com Natalie.Ela deixara a Seleção depois que os rebeldes mataram suairmã mais nova. Nossas famílias não estavam seguras.

Joguei os cobertores no chão e vesti o roupão e pantufas.

Atravessei o corredor e a escadaria o mais rápido quepude.

Quase caí duas vezes nos degraus.

Quando cheguei ao primeiro andar, encontrei Maxonconversando seriamente com um guarda. Corri até ele, semnem me lembrar do que tinha acontecido nos diasanteriores.

— Como eles estão? — perguntei, tentando segurar o choro.

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— Foi muito grave?

— O quê? — ele perguntou, com um abraço inesperado.

— Meus pais, meus irmãos! Como eles estão?

Maxon me segurou pelos braços e me olhou bem sério.

— Eles estão bem, America. Desculpe; eu devia terimaginado que essa seria a primeira coisa a vir à suacabeça.

Quase chorei de alívio.

Maxon parecia um pouco confuso, mas continuou: — Osrebeldes estão no palácio.

— O quê? — exclamei. — E por que não vamos nos esconder?

— Não estão aqui para atacar.

— Então, por que estão aqui?

O príncipe soltou um suspiro.

— São apenas dois rebeldes nortistas. Não vieram armadose querem falar especificamente comigo… e com você.

— Por que eu?

— Não sei ao certo. Vou falar com eles agora e pensei emchamar você para participar da conversa também.

Olhei para a minha roupa e passei a mão no cabelo.

— Estou de camisola.

Maxon sorriu.

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— Eu sei, mas vai ser bem informal. Não tem problema.

— Você quer que eu fale com eles?

— A escolha é sua, mas estou curioso para saber por queesses rebeldes pediram para falar com você em especial. Enão sei se vão contar o motivo se você estiver ausente.

Baixei a cabeça e comecei a ponderar a situação. Nãotinha certeza de que queria conversar com os rebeldes.Com ou sem armas, eles eram muito mais letais do que eujamais seria. Mas se Maxon achava que eu podia, talvezdevesse tentar…

— Tudo bem — eu disse, endireitando o corpo. — Tudo bem.

— Você não vai se machucar, America. Prometo.

Ele ainda segurava minha mão e apertou de leve meusdedos.

— Vá na frente — Maxon disse ao guarda. — Mantenha ocoldre aberto por precaução.

— Claro, Alteza — respondeu o guarda, e depois nos guioupelo corredor até o Grande Salão, onde duas pessoasestavam de pé, cercadas por mais guardas.

Em segundos encontrei Aspen na multidão.

— Você poderia dispensar seus cães de guarda? — pediu umdos rebeldes. Ele era alto, magro e loiro. Suas botasestavam cobertas de lama e sua roupa parecia de um Sete:calças grosseiras mais ou menos justas, uma camisaremendada e uma jaqueta de couro surrada. Uma bússolaenferrujada pendia de seu pescoço por uma longa correntee movia-se quando ele mexia o pescoço. Tinha umaaparência bruta sem ser assustador, e isso não era bem o

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que eu esperava.

Muito mais inesperado era ele estar acompanhado por umamoça. Ela também calçava botas. No entanto, como sequisesse parecer preparada e estilosa ao mesmo tempo,vestia uma legging e uma saia feita do mesmo tecido que acalça do rapaz. Suas mãos repousavam confiantes nosquadris, apesar de todos os guardas que a cercavam. Mesmoque eu não tivesse reconhecido seu rosto, teria lembradode sua jaqueta.

Era jeans, acinturada e com flores bordadas.

Para confirmar que eu sabia quem ela era, a moça fez umapequena reverência. Deixei escapar algo entre um riso eum arquejo.

— O que foi? — Maxon perguntou.

— Depois — cochichei.

Ele estava confuso, mas calmo, e apertou novamente minhamão. Então, voltamos nossa atenção aos convidados.

— Viemos conversar em paz — anunciou o homem. — Estamosdesarmados e fomos revistados por seus guardas. Sei quetalvez seja inadequado pedir privacidade, mas gostaríamosde discutir assuntos que ninguém mais deve ouvir.

— E America? — perguntou Maxon.

— Queremos falar com ela também.

— Com que finalidade?

— Mais uma vez — o jovem respondeu, quase com desdém —,precisamos conversar a sós, longe desses caras — e, comum sorriso cínico, estendeu o braço na direção dos

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soldados.

— Se você acha que pode machucá-la…

— Sei que vocês não acreditam em nós, e por um bommotivo. Só que não temos por que machucar vocês.

Queremos apenas conversar.

Maxon refletiu por um instante.

— Você — ordenou a um dos guardas —, traga uma mesa equatro cadeiras para cá. Depois, afastem-se para darespaço aos nossos visitantes.

Os soldados obedeceram, e permanecemos calados por algunspoucos e desconfortáveis minutos. Quando finalmentetrouxeram uma mesa de uma pilha no canto e puseram um parde cadeiras de cada lado, Maxon indicou aos dois rebeldesque se sentassem conosco.

À medida que caminhávamos, os guardas se afastavam e, emsilêncio, formavam um círculo ao redor do salão. Com osolhos fixos nos rebeldes, pareciam prontos para atirarsem pensar duas vezes.

Ainda em pé junto à mesa, o rebelde estendeu a mão.

— Não acha que é hora de fazer as apresentações?

Maxon olhou para ele com cuidado, mas depois cedeu.

— Maxon Schreave, seu soberano.

O jovem conteve o riso.

— É uma honra, senhor.

— E você, quem é?

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— August Illéa, a seu serviço.

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16

Maxon e eu nos entreolhamos, e depois voltamos a atençãopara os rebeldes.

— Você ouviu bem. Sou um Illéa, e legítimo. E minhacompanheira aqui também será, mais cedo ou mais tarde,quando nos casarmos — disse August, apontando para amoça.

— Georgia Whitaker — ela se apresentou. — E, claro,sabemos tudo sobre você, America.

Ela abriu outro sorriso para mim, que retribuí. Eu nãosabia bem se confiava nela, mas com certeza não a odiava.

— Então meu pai tinha razão — Maxon suspirou.

Arregalei os olhos, confusa. Ele sabia que haviadescendentes diretos de Gregory Illéa por aí? — Ele meavisou que vocês viriam atrás da coroa algum dia —completou.

— Não quero sua coroa — August garantiu.

— Que bom, porque pretendo governar este país — Maxondisse. — Fui criado para isso. Se você acha que podechegar aqui alegando que é tataraneto de Gregory…

— Não quero sua coroa, Maxon! Destruir a monarquia fazmais o estilo dos rebeldes do sul. Nós temos outrasmetas.

August sentou-se à mesa e reclinou a cadeira. Em seguida,como se estivéssemos em sua casa, indicou as cadeiras dolado oposto, nos convidando a sentar.

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Maxon e eu nos entreolhamos mais uma vez, mas sentamos;Georgia logo fez o mesmo. August nos encarou por uminstante, como se estivesse nos avaliando ou decidindopor onde começar.

Maxon, talvez para lembrar a todos quem mandava ali,quebrou o silêncio.

— Vocês querem chá ou café?

Georgia ficou radiante:

— Café?

Maxon não conteve o sorriso diante do entusiasmo dela ese virou para chamar um dos guardas.

— Você poderia pedir a uma das criadas para trazer café?

E bem forte, por favor — ele disse, e depois voltou a seconcentrar em August. — Não consigo imaginar o que desejade mim. Você fez questão de vir enquanto o paláciodormia.

Suponho que queira manter a visita o mais discretapossível.

Diga o que quer. Não posso prometer atendê-lo, masescutarei.

August assentiu e se aproximou mais da mesa.

— Há décadas temos procurado os diários de Gregory. Faztempo que sabemos de sua existência e recentementeconseguimos uma confirmação de uma fonte que não possorevelar.

Depois, olhando para mim, prosseguiu: — Não foi através

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da sua apresentação no Jornal Oficial que ficamossabendo.

Respirei aliviada. Assim que ele mencionou os diárioscomecei a me xingar mentalmente e me preparar para quandoMaxon acrescentaria esse fato à lista de coisas estúpidasque eu já tinha feito.

— Nunca quisemos derrubar a monarquia — August disse aMaxon. — Apesar de ela ter surgido de maneira corrupta,não vemos problema em ter um líder soberano,principalmente se esse líder for você.

Maxon permaneceu imóvel, mas pude sentir seu orgulho.

— Obrigado.

— Gostaríamos, sim, de outras coisas. De algumasliberdades específicas. Queremos poder assumir cargospúblicos e o fim das castas.

August disse tudo aquilo como se fosse fácil. Se tivessevisto o caos que aconteceu quando minha apresentação foicortada no Jornal Oficial, saberia que era bem maiscomplicado.

— Você fala como se eu já fosse o rei — Maxon respondeu,visivelmente frustrado. — Mesmo que fosse possível,simplesmente não tenho como atender sua reivindicação.

— Mas você está aberto à ideia?

Maxon levou as mãos à cabeça e depois as deixou cairsobre a mesa.

— É irrelevante se estou ou não aberto à ideia — afirmou,inclinando-se para a frente. — Eu não sou o rei.

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August soltou um suspiro e olhou para Georgia. Elespareciam se comunicar sem precisar de palavras; fiqueiimpressionada com aquela intimidade tão natural. Aliestavam em uma situação muito tensa — em que haviam semetido sem saber se sairiam —, e o sentimento que haviaentre os dois era evidente.

— Por falar em reis — Maxon acrescentou —, por que nãoexplica a America quem você é? Tenho certeza de que ofaria muito melhor do que eu.

Eu sabia que Maxon estava tentando ganhar tempo parapensar em como controlar a situação, mas nem me importei.

Estava morrendo de vontade de saber.

August abriu um sorriso insosso.

— Essa é uma história interessante — começou, seu tom devoz dando indícios de como seria empolgante. — Como vocêsabe, Gregory teve três filhos: Katherine, Spencer eDamon.

Katherine teve um casamento arranjado com um príncipe,Spencer morreu e Damon herdou o trono. Depois, quando ofilho de Damon, Justin, morreu, seu primo, PorterSchreave, tornou-se príncipe e se casou com a viúva deJustin, que vencera a Seleção meros três anos antes. Edesde então os Schreave se tornaram a família real. Nãodeveriam existir descendentes de Illéa. Mas nósexistimos.

— Nós? — indagou Maxon, como se quisesse saber números.

August apenas concordou com a cabeça. Passos ressoaram nosalão, anunciando a chegada da criada. Maxon levou umdedo aos lábios, pedindo a August que não dissesse nada

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na frente dela, como se ele já não fosse fazer isso. Acriada pôs a bandeja sobre a mesa e serviu café paratodos. Georgia agarrou sua xícara imediatamente, ansiosapara que fosse cheia. Eu não ligava muito para café —amargo demais para o meu gosto —, mas como sabia que memanteria acordada, resolvi tomar.

Antes que eu desse o primeiro gole, Maxon me passou oaçucareiro, como se soubesse que eu ia precisar.

— Você dizia? — retomou Maxon, tomando o café puro.

— Spencer não morreu — August disse sem cerimônias. — Elesabia o que o pai tinha feito para tomar o país. Sabiaque sua irmã havia sido praticamente vendida para secasar com uma pessoa que odiava e sabia que o mesmoaconteceria com ele. Mas ele não poderia suportar. Entãoresolveu fugir.

— Para onde ele foi? — perguntei, na minha primeiraintervenção na conversa.

— Escondeu-se com amigos e parentes. Acabou por criar umacampamento no norte, para pessoas que partilhavam dassuas ideias. A região é fria, úmida e bem mais difícil denavegar, então ninguém se arrisca a ir para lá. Vivemosem paz a maior parte do tempo.

Georgia, um tanto chocada, lhe deu um cutucão.

August caiu em si.

— Parece que acabei de dar as coordenadas para que vocêsnos ataquem. Quero apenas lembrá-lo de que nunca matamosnenhum conselheiro ou funcionário real e evitamos feri-los a todo custo. Nosso objetivo sempre foi acabar com ascastas.

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Para isso, precisávamos de uma prova de que Gregory forao homem que sempre nos contaram que tinha sido. Temosessa prova agora, e America deu pistas suficientes paranos sentirmos seguros em usar isso a nosso favor. Mas nãoqueremos. A não ser que seja extremamente necessário.

Maxon virou sua xícara de café e a pôs de lado.

— Honestamente, não sei o que fazer com essa informação.Você é um descendente direto de Gregory Illéa, mas nãoquer a coroa. Veio em busca de coisas que apenas o reipoderia oferecer, mas pediu uma audiência comigo e comuma das garotas da Elite. O rei nem sequer está nopalácio.

— Nós sabemos — disse August. — Foi tudo planejado.

Maxon bufou.

— Se vocês não querem a coroa e só pedem coisas que nãoestão ao meu alcance, por que estão aqui?

August e Georgia se entreolharam, talvez se preparandopara revelar o objetivo principal daquela conversa.

— Viemos fazer esses pedidos a você porque sabemos quevocê é sensato. Nós o observamos durante sua vidainteira.

Podemos ver isso em seus olhos. Vejo isso agora.

Tentei ver discretamente qual era a reação de Maxon aessas palavras. August prosseguiu: — Você também nãogosta das castas. Não gosta da forma como seu pai manda edesmanda no país. Não quer participar de guerras que sabeque não passam de distrações. Mais do que isso, vocêdeseja viver um período de paz.

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“Imaginamos que, quando você for rei, as coisas podemmudar de verdade. E há muito tempo esperamos por isso.

Estamos preparados para esperar um pouco mais. Osnortistas estão dispostos a nunca mais atacar o palácio ea fazer o possível para deter ou diminuir os ataquessulistas. Nós sabemos de muitas coisas que acontecem forados muros do palácio às quais você não tem acesso. Vamosjurar fidelidade caso você se comprometa a trabalhar paraque cada habitante de Illéa finalmente tenha a chance deviver sua própria vida.”

Maxon parecia não saber o que dizer, então decidi meintrometer:

— E o que os rebeldes do sul querem, afinal? Matar todosnós?

August balançou a cabeça, sem concordar nem negar.

— Em parte sim, mas só para que não haja ninguém paracombatê-los. Uma parcela muito grande da população éoprimida, e essa parcela, cada vez maior, chegou àconclusão de que poderia administrar o país com aspróprias mãos.

America, você é Cinco; conhece gente que odeia amonarquia.

Maxon virou discretamente para mim. Inclinei levemente acabeça para confirmar.

— Claro que conhece. Porque a única opção de quem estápor baixo é culpar quem está no topo. No caso deles, osmotivos para isso são mais que suficientes. Afinal, foialguém da primeira casta que os condenou a uma vida semesperança de melhora. Os comandantes do sul convenceram

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seus seguidores de que o jeito de recuperar o queacreditam ser deles é tomar tudo da monarquia. Mas hápessoas que desertaram do comando rebelde do sul e agoraestão comigo.

Para mim está claro que, caso os sulistas assumam opoder, não teriam intenção nenhuma de distribuir ariqueza.

Quando na história isso aconteceu?

“O plano deles é destruir Illéa, tomar o poder, fazer umpunhado de promessas e manter todos onde já estão agora.

Para a maioria das pessoas, a situação certamente iriapiorar.

Quem for Seis ou Sete não vai ascender, com exceção dealguns rebeldes selecionados em nome do espetáculo. OsDois e Três terão todos os bens confiscados. Muita gentevai se sentir vingada, mas isso não vai solucionar tudo.

“Se não houver estrelas do pop vomitando aquelas cançõesimbecis, não haverá músicos trabalhando no estúdiodurante as gravações nem funcionários de um lado para ooutro com as mídias nem comerciantes para vender osálbuns. Tirar uma pessoa do topo destrói milhares queestão embaixo.”

August fez uma pausa. Parecia consumido por essaspreocupações. Em seguida, prosseguiu: — Será como terGregory de novo, mas pior. Os sulistas podem ser maissanguinários do que vocês jamais seriam. As chances de opaís reagir são quase nulas. Será a velha opressão desempre, apenas com um novo nome… e seu povo sofrerá maisdo que nunca.

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Ele olhou fixamente para Maxon. Eles pareciam seentender, talvez por ambos terem nascido para liderar.

— Tudo o que precisamos é de uma garantia, e faremos omáximo possível para ajudá-lo a mudar as coisas, com paze justiça. Seu povo merece uma chance.

Maxon baixou o olhar. Eu não conseguia imaginar o que sepassava na cabeça dele.

— Que tipo de garantia? — perguntou enfim, um poucohesitante. — Dinheiro?

— Não — August respondeu, quase rindo. — Temos maisrecursos do que você imagina.

— E como isso é possível?

— Doações — explicou o rebelde com simplicidade.

Maxon assentiu, mas para mim aquilo era uma surpresa. Asdoações indicavam que havia pessoas — sabe-se lá quantas— que apoiavam a causa dos rebeldes nortistas. Qual seriaa força deles se esses doadores fossem considerados?Quantos cidadãos de Illéa desejavam exatamente a mesmacoisa que aqueles dois tinham ido ao palácio pedir?

— Se não é dinheiro — Maxon disse afinal —, o que vocêsquerem?

August se virou para mim.

— Escolha ela.

Escondi o rosto entre as mãos. Sabia como Maxon ia reagiràquilo.

Houve um longo silêncio antes de ele perder a paciência.

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— Não vou mais tolerar ninguém dizendo com quem devo ounão me casar! É com a minha vida que vocês estãobrincando!

Levantei os olhos e vi August levantar do outro lado damesa.

— E já faz anos que o palácio brinca com a vida dosoutros. Cresça, Maxon. Você é o príncipe. Se você quer amaldita coroa, então fique com ela. Só que esseprivilégio traz responsabilidades.

Os guardas começaram a vir em nossa direçãocautelosamente, alarmados com o tom de voz de Maxon e apostura agressiva de August. De onde estavam, com certezajá conseguiam ouvir tudo.

Maxon se levantou para responder: — Vocês não vãoescolher minha esposa e ponto final.

August, sem baixar a cabeça, recuou e cruzou os braços.

— Está bem! Temos outra opção se esta aqui não funcionar.

— Quem?

August fez uma cara de tédio.

— Não vou dizer depois da reação que você teve com anossa primeira proposta.

— Vamos, fale!

— Esta aqui ou aquela, pouco importa. Só precisamos dagarantia que você escolherá uma companheira que concordecom o plano.

— Meu nome é America — eu disse, irritada. Em seguida,

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levantei e o encarei direto nos olhos. — Não sou estaaqui.

Não sou um brinquedo da sua revoluçãozinha. Você falamuito de dar a todos de Illéa a chance de viver a vidaque quiserem. E eu? E o meu futuro? Não entra no plano?

Fiquei olhando para eles, à espera de uma resposta. Emvão. Os dois rebeldes permaneceram calados. De esguelha,pude ver os guardas nos cercarem. Baixei a voz eprossegui: — Sou totalmente a favor de acabar com ascastas, mas não sou um fantoche. Se é isso que você quer,há uma moça no andar de cima completamente apaixonada queatenderia a qualquer pedido só para se casar com opríncipe. E as outras duas… entre o dever e o prestígio,também fariam seu jogo.

Vá atrás de uma delas.

Sem pedir licença, dei as costas para ele e saí pisando omais firme possível para uma pessoa de pantufas e roupão.

— America, espere! — Georgia gritou. Eu já tinha cruzadoa porta quando ela me alcançou. — Só um minuto!

— insistiu.

— O que foi?

— Sentimos muito. Pensávamos que vocês dois estivessemapaixonados. Não fazíamos ideia de que ele se oporia àproposta. Tínhamos certeza de que Maxon iria concordar.

— Vocês não entendem. Ele está cansado de ser controladoe maltratado… Vocês não sabem pelo que Maxon passou.

Senti as lágrimas brotarem. Pisquei para não chorar eresolvi prestar atenção nos desenhos da jaqueta de

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Georgia.

— Sei mais do que você pensa — ela disse. — Talvez nãotudo, mas muita coisa. Temos acompanhado a Seleção deperto e vocês dois sempre pareceram se dar tão bem. Elefica tão feliz ao seu lado. Além disso… sabemos que vocêsalvou suas criadas.

Levei um segundo para entender exatamente o que aquilosignificava. Quem estaria nos observando a mando deles?

— E vimos o que fez por Marlee. Vimos você lutar. E

também teve sua apresentação alguns dias atrás. — Georgiariu. — É preciso ter muita coragem para fazer o que vocêfez — continuou. — Uma garota corajosa seria de grandeajuda para nós.

Discordei dela.

— Não tentei bancar a heroína. Na verdade, na maior partedo tempo não me sinto nem um pouco corajosa.

— E daí? Não importa o que você pensa do seu caráter. Sóimporta o que você faz com ele. Você, mais que as outras,faz o que é certo antes de pensar nas consequências parasi mesma. Maxon tem outras ótimas candidatas lá em cima,mas elas não sujariam as mãos para mudar as coisas. Nãocomo você.

— Boa parte do que fiz foi egoísta. Marlee era importantepara mim, e as minhas criadas também.

Georgia chegou mais perto.

— Mas essas ações não tiveram consequências?

— Sim.

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— E você provavelmente sabia disso. Mas agiu mesmo assim,para ajudar quem não podia se defender. Isso é especial,America.

Foi um elogio diferente dos que eu costumava ouvir. Sabialidar com meu pai dizendo que eu era uma ótima cantora,ou com Aspen falando que eu era a coisa mais linda queele já vira… mas isso? Era quase atordoante.

— Para ser sincera, depois de certas coisas que você fez,é inacreditável que o rei a tenha deixado ficar. Todaaquela história no Jornal Oficial… — ela comentou.

Dei risada.

— Ele ficou tão bravo — respondi.

— Fiquei impressionada por você ter saído viva de lá!

— Foi por um fio, para falar a verdade. E quase todos osdias me sinto a ponto de ser enxotada.

— Mas Maxon gosta de você, certo? O jeito como ele teprotege…

Dei de ombros.

— Há dias em que tenho certeza e outros em que não tenhoideia. Hoje não é um bom dia. Ontem também não foi. Nemanteontem, na verdade.

Ela concordou com a cabeça.

— Bom, de qualquer jeito continuamos na torcida por você.

— Por mim e por outra — corrigi.

— Verdade.

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Mais uma vez, ela não deu pistas sobre a outra favorita.

— Qual o motivo daquela reverência na floresta? Só tirarsarro da minha cara? — perguntei.

Georgia abriu um sorriso.

— Sei que às vezes pode não parecer, mas a família real érealmente importante para nós. Sem ela, os rebeldes dosul vão vencer. E se eles assumirem o poder… Bom, vocêouviu o que August disse. — Georgia sacudiu a cabeça. —Em todo caso — continuou —, eu tinha certeza de queestava diante da minha futura rainha, então achei quevocê merecia ao menos uma reverência.

O raciocínio dela era tão simples que me fez rir mais umavez.

— Você não imagina como é bom conversar com uma garotaque não é minha concorrente.

— Está ficando de saco cheio? — perguntou, solidária.

— Quanto menos gente, pior. Quer dizer, eu sabia queseria assim, mas… acho que tenho me preocupado mais comgarantir que as outras não sejam escolhidas, em vez detentar ser a garota que Maxon vai escolher. Não sei sefaz sentido.

Ela concordou com a cabeça.

— Faz. Mas, ei, foi você quem se inscreveu.

Achei graça.

— Na verdade, não. Fui meio que… encorajada a pôr meunome. Não queria ser princesa.

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— Sério?

— Sério.

Georgia sorriu.

— Não desejar a coroa talvez a torne a melhor pessoa parausá-la.

Olhei para ela. Seus olhos muito vivos me convenceram deque ela acreditava naquilo de verdade. Queria terperguntado mais, mas Maxon e August saíam do GrandeSalão. Os dois surpreendentemente calmos. Somente umguarda os seguia, à distância. August olhava para Georgiacomo se tivesse sofrido por ficar longe dela, mesmo queapenas por alguns minutos.

Talvez essa tenha sido a única razão para ela ter ido aopalácio junto com ele naquela noite.

— Está tudo bem, America? — Maxon perguntou.

— Sim. — Minha capacidade de olhar diretamente para eletinha desaparecido mais uma vez.

— É melhor você ir se arrumar — comentou. — Os guardasjuraram segredo, e gostaria que você fizesse o mesmo.

— Claro.

Ele parecia não ter gostado da maneira fria comorespondi, mas o que mais eu poderia fazer naquelemomento?

— Sr. Illéa, foi um prazer. Falaremos novamente em breve— Maxon disse para August, estendendo a mão paracumprimentá-lo.

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— Se precisar de algo, não hesite em pedir. Estamosrealmente ao seu lado, Alteza.

— Obrigado.

— Vamos, Georgia. Os guardas parecem estar se segurandopara não atacar.

A moça riu.

— Nos vemos por aí, America.

Concordei com a cabeça, certa de que nunca mais a veria etriste por isso. Ela passou por Maxon e deu a mão paraAugust. Com um guarda na escolta, os dois cruzaram aimensa porta do palácio, deixando Maxon e eu a sós novestíbulo.

Então ele olhou para mim. Balbuciei algo e apontei paraas escadas, me dirigindo para lá. Sua rápida objeção parame escolher apenas trouxera de volta a mágoa que suaspalavras tinham me causado no dia anterior, nabiblioteca. Pensei que estivéssemos entendidos depois doabrigo. Mas parecia que tudo tinha ficado mais complicadodo que antes, quando eu ainda tentava decidir o quantogostava dele.

Eu não sabia o que isso significava para nós. Nem seainda havia um nós com que valesse a pena me preocupar.

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17

Não importava o quão rápido eu tentasse chegar ao meuquarto: Aspen foi mais rápido. Eu não deveria ficarsurpresa.

Ele conhecia o palácio tão bem que isso não era nada paraele a essa altura.

— Ei — eu disse, sem saber direito por onde começar.

Ele me deu um abraço rápido e depois recuou.

— Essa é a minha garota.

Achei graça.

— É?

— Você pôs essa gente em seu devido lugar, Meri. —Arriscando a vida, Aspen acariciou minha bochecha. — Vocêmerece ser feliz. Todos merecemos.

— Obrigada.

Com um sorriso, segurou meu pulso. Deslocou o braceleteque Maxon tinha trazido da Nova Ásia para tocar o quehavia embaixo: a pulseira que eu fizera com o botão queele me dera. Seus olhos se entristeceram ao contemplaraquela nossa pequena recordação.

— Vamos conversar em breve. Conversar de verdade.

Temos muita coisa para resolver.

Depois de dizer isso, Aspen seguiu pelo corredor.Respirei fundo e levei as mãos à cabeça. Por acaso eletinha entendido que a minha reação no Salão significava

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que eu havia desistido de Maxon para sempre? Será queestava pensando que eu queria dar outra chance à nossarelação?

Mas, justamente, eu não tinha acabado de rejeitar Maxon?

Não tinha pensado no dia anterior que precisava de Aspenna minha vida?

Então por que estava com aquela sensação horrível?

O clima estava pesado no Salão das Mulheres. A rainhaAmberly estava sentada, escrevendo cartas. De tempos emtempos, levantava a cabeça e olhava para nós. Depois daconversa do dia anterior, estávamos evitando fazerqualquer coisa que nos obrigasse a interagir. Celesteestava deitada no sofá com uma pilha de revistas ao lado.Muito esperta, Kriss levara seu diário e agora escrevia,próxima à rainha mais uma vez. Por que eu não tinhapensado nisso? Elise tinha arranjado uma caixa de lápisde cor e trabalhava em algo perto da janela. Eu estava emuma poltrona perto da porta, lendo um livro.

Desse jeito, não precisávamos fazer contato visual.

Eu tentava me concentrar no que lia, mas na maior partedo tempo me perguntava quem os rebeldes queriam que fosseprincesa além de mim. Celeste era muito popular; seriafácil o povo segui-la. Imaginava se os rebeldes tinhamnoção de como ela era manipuladora. Talvez sim; elessabiam coisas sobre mim. Será que havia mais coisas sobreela de que eu não desconfiava?

Kriss era doce e, de acordo com uma pesquisa recente, umadas favoritas do povo. Sua família não tinha muito nome,

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mas ela era mais princesa que qualquer uma de nós.

Tinha uma postura de nobreza. Talvez esse fosse seugrande atrativo: não era perfeita, mas era muito amável.Havia dias em que até eu torcia por ela.

A menos suspeita para mim era Elise. Ela admitira que nãoamava Maxon e que estava no palácio apenas pelo dever. E

eu realmente achava que, quando ela falava em dever,referia-se à sua família ou às suas raízes na Nova Ásia,não aos rebeldes do norte. Além disso, ela era tão calmae resignada.

Não dava qualquer sinal de rebeldia.

Então, pensando sobre isso, tive certeza absoluta de queera ela a outra favorita dos rebeldes. Elise mal tentavacompetir e já tinha confessado sua indiferença em relaçãoa Maxon.

Talvez não precisasse tentar, pois contava com umexército silencioso de apoiadores que lhe entregaria acoroa de qualquer jeito.

— Já chega — a rainha disse de repente. — Venham todasaqui.

Ela afastou a mesinha que usava e levantou, enquanto nosaproximávamos, nervosas.

— Algo está errado aqui. O que é?

Nos entreolhamos. Ninguém queria explicar. Por fim,Kriss, sempre perfeita, resolveu falar: — Majestade, sóagora tomamos consciência de como a competição éacirrada. Temos um pouco mais de noção da posição de cadauma de nós em relação ao príncipe, e é difícil absorver

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tudo isso e ainda conversar neste momento.

A rainha assentiu, como se entendesse a questão.

— Vocês pensam muito em Natalie? — perguntou.

Fazia menos de uma semana que ela havia partido. Eupensava nela quase todos os dias. Também pensava emMarlee o tempo todo. E, às vezes, alguma das outrasgarotas vinha à minha cabeça do nada.

— Sempre — Elise respondeu com tranquilidade. — Ela eratão alegre.

Ela sorriu ao dizer isso. Sempre achei que Natalieirritava Elise. Uma era tão reservada, e a outra,espaçosa demais.

Talvez as duas mantivessem uma amizade do tipo “osopostos se atraem”.

— Às vezes ela ria das coisas mais simples — Krissacrescentou. — Era contagiante.

— Exatamente — a rainha comentou. — Já estive no lugar devocês. Sei como é difícil. Vocês procuram segundasintenções em tudo o que as outras fazem; e tambémprocuram segundas intenções em tudo o que Maxon faz.Cismam com qualquer conversa, na tentativa de interpretarcada suspiro entre uma frase e outra. É exaustivo.

Aquelas palavras tiraram um pouco do peso das costas detodas nós. Alguém nos compreendia.

— No entanto, tenham a certeza disto: por mais tensõesque haja entre vocês, a saída de cada uma vai doer muito.

Ninguém jamais entenderá esta experiência a não ser quem

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passou por ela; pela Elite, principalmente. Vocês podembrigar, mas isso é comum entre irmãs. É para estasmeninas — disse, apontando o dedo para cada uma de nós —que uma de vocês vai ligar quase diariamente durante oprimeiro ano, sempre que estiver morrendo de medo decometer um erro e precisar de apoio. Nas festas, vai pôrseus nomes no topo da lista de convidados, logo abaixo desua família. Porque é isso que vocês são agora. Nunca vãoperder o vínculo que construíram aqui.

Trocamos olhares novamente. Se eu fosse princesa eprecisasse de alguém com uma perspectiva racional emrelação a algum problema, ligaria primeiro para Elise. Sebrigasse com Maxon, Kriss poderia me lembrar de tudo oque ele tem de bom. E Celeste… bom, não tinha tantacerteza, mas se havia alguém que poderia me dizer paraser mais dura em relação a alguma coisa, esse alguémseria ela.

— Então reflitam — aconselhou a rainha. — Adaptem-se aessa nova situação e deixem o resto fluir. Não são vocêsque o escolhem; ele é quem escolhe vocês. Não faz sentidoodiar as outras por isso.

— A senhora sabe quem ele mais deseja? — Celesteperguntou. Pela primeira vez, percebi uma preocupação emsua voz.

— Não — a rainha Amberly confessou. — Às vezes desconfio,mas não tenho a pretensão de compreender todos ossentimentos de Maxon. Sei quem o rei escolheria. E só.

— Quem a senhora escolheria? — perguntei, e logo merepreendi mentalmente por fazer uma pergunta tãodescarada.

A rainha abriu um sorriso gentil.

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— Sinceramente, não pensei no assunto. Ficaria de coraçãopartido se começasse a amar uma de vocês como filha edepois a perdesse. Não suportaria.

Baixei os olhos. Não sabia ao certo se aquelas erampalavras de consolo ou não.

— Posso dizer que ficaria feliz por ter qualquer uma devocês na minha família — Levantei a cabeça, e a rainhademorou o olhar em cada uma de nós. — Agora temostrabalho a fazer.

Permanecemos ali caladas, assimilando sua sabedoria.

Nunca havia procurado saber sobre as concorrentes daúltima Seleção, ido atrás de suas fotos ou algo assim.Conhecia alguns nomes, a maioria deles mencionados pormulheres mais velhas nas festas em que ia cantar. Nuncatinha dado importância a isso. Já tínhamos uma rainha e,mesmo quando eu era criança, a ideia de me tornarprincesa nunca me passara pela cabeça. Naquele momento,porém, comecei a pensar nas mulheres que visitavam arainha ou que tinham aparecido no Halloween. Quantasdelas tinham sido suas concorrentes antes de se tornaremsuas amigas mais íntimas?

Celeste foi a primeira a se retirar e voltar para oconforto do sofá. As palavras da rainha Amberly pareceramnão significar muito para ela. Por algum motivo, aquelafoi a gota d’água para mim. Todos os acontecimentos dosúltimos dias de repente começaram a pesar no meu peito eme senti a ponto de desabar.

— Com licença — balbuciei ao fazer uma reverência, antesde seguir rapidamente para a porta.

Não tinha um plano. Talvez pudesse me trancar no banheiro

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por uns minutos ou me esconder em uma das inúmerassaletas do primeiro andar. Talvez simplesmente fosse atéo quarto e chorasse até desidratar.

Infelizmente, o universo parecia conspirar contra mim.

Logo na saída do Salão das Mulheres dei com Maxon, queandava em círculos como se tentasse resolver um quebra-cabeça. Ele me viu antes que eu pudesse me esconder.

De todas as coisas que eu tinha pensado em fazer, aquelaera a última da lista.

— Estava cogitando chamar você aqui fora.

— O que você deseja? — perguntei, seca.

Maxon permaneceu imóvel, juntando coragem para dizer algoque claramente o incomodava muito.

— Então há uma garota completamente apaixonada por mim?

Cruzei os braços. Depois dos últimos dias, eu deveria terprevisto essa mudança em seus sentimentos.

— Sim.

— Não são duas?

Elevei o olhar para ele, quase irritada por ter queexplicar.

Você já não sabe o que sinto? , pensei, com vontade degritar.

Você não se lembra do abrigo?

Mas, sinceramente, eu também estava precisando de umaconfirmação. O que tinha acontecido para me deixar tão

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insegura?

O rei. Suas insinuações sobre o que as outras já tinhamfeito, seus elogios aos méritos delas: tudo isso me faziasentir diminuída. E ainda havia todos os passos em falsoque eu tinha dado com Maxon ao longo da semana. Se nãofosse a Seleção, jamais teríamos nos aproximado, masparecia que, enquanto ela não terminasse, não haveriacomo ter qualquer certeza.

— Você disse que não confiava em mim — acusei. — Outrodia, fez questão de me humilhar, e ontem dissebasicamente que eu tinha muito do que me envergonhar. E,há algumas horas, a simples sugestão de se casar comigofez você explodir de raiva. Me perdoe por não estar tãosegura quanto à nossa relação no momento.

— Você se esquece de que nunca fiz isso antes, America —ele argumentou com a voz carregada de sentimentos, massem raiva. — Você tem alguém com quem me comparar. Eu nemsei como manter uma relação normal e tenho só uma chance.

Você teve pelo menos duas. Eu vou cometer erros.

— Eu não me importo com os erros — repliquei. — É ainsegurança que me preocupa. Eu não faço ideia do queestá acontecendo na maior parte do tempo.

Ele se calou por um instante, e me dei conta de queestávamos em um momento decisivo. Tínhamos deixado muitascoisas implícitas, mas não daria para continuar assim pormuito tempo. Ainda que acabássemos juntos, esses momentosde insegurança voltariam a nos assombrar.

— Sempre fazemos a mesma coisa — murmurei, cansadadaquele jogo. — Ficamos próximos, mas então acontece algoque nos afasta. E você nunca parece capaz de tomar uma

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decisão. Se você me quer tanto quanto diz, por que issoaqui ainda não acabou?

Apesar de eu tê-lo acusado de não se importar comigo, suafrustração se diluiu em tristeza.

— Porque em metade do tempo eu tinha certeza de que vocêamava outra pessoa e, na outra, duvidava que você fosseme amar um dia — ele respondeu, o que me fez sentirabsolutamente péssima.

— E eu? Não tenho meus próprios motivos para duvidar?

Você trata Kriss como se ela fosse o céu na terra, edepois flagro você com Celeste…

— Já expliquei isso.

— Sim, mas ainda dói.

— Bom, também me dói ver como você se fecha tão rápido.Por que você faz isso?

— Não sei, mas talvez você devesse parar de pensar em mimum pouco.

Imediatamente, um silêncio caiu entre nós.

— O que isso quer dizer?

Dei de ombros.

— Há outras garotas aqui. Se você está tão preocupado coma sua única chance, talvez devesse garantir que não vaidesperdiçá-la comigo.

Fui embora, furiosa com Maxon por me fazer sentir daquelejeito… E furiosa comigo mesma por piorar tanto as coisas.

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Assisti a uma verdadeira transformação no palácio. Do diapara a noite, suntuosas árvores de Natal surgiram noscorredores do primeiro andar; guirlandas pendiam dasescadarias; todos os arranjos de flores foramsubstituídos por ramos de azevinho ou visco. O estranhoera que eu ainda podia sentir um pouco de verão seabrisse a janela. Fiquei pensando se o palácioconseguiria fabricar neve. Talvez, se eu pedisse, Maxoncuidaria disso.

Ou talvez não.

Passaram-se dias. Tentava não me irritar ao ver Maxonfazer exatamente o que eu tinha aconselhado. À medida queas coisas esfriavam entre nós, mais eu me arrependia domeu orgulho. E ficava me perguntando se aquilo teriaacontecido de um jeito ou de outro. Será que eu estavadestinada a falar a coisa errada, a fazer a escolhaerrada? Por mais que eu quisesse Maxon, nunca seria capazde me controlar o suficiente para termos uma relação deverdade.

Toda essa história me deixava cansada. Era o mesmoproblema que me rondava desde que Aspen chegara aopalácio. Eu sofria; dividida, confusa.

Passei a dar voltas pelo palácio durante as tardes. Com ojardim interditado, o Salão das Mulheres ficava sufocantedemais.

Foi numa dessas caminhadas que senti a mudança. Era comose um botão invisível tivesse sido acionado em todo mundono palácio. Os soldados estavam mais rígidos, as criadasse moviam mais depressa. Até eu me senti estranha, como

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se já não fosse tão bem-vinda como antes. Antes deentender o que estava sentindo, vi o rei dobrar a esquinacom um pequeno séquito atrás de si.

Tudo fez sentido. Sua ausência tinha deixado o paláciomais acolhedor. Com o seu retorno, estávamos mais uma vezsujeitos aos seus caprichos. Não era à toa que osrebeldes nortistas se entusiasmavam com Maxon.

Fiz uma reverência quando o rei se aproximou. Enquantocaminhava, ele ergueu a mão e os homens que o seguiampararam, abrindo espaço para nossa conversa.

— Senhorita America. Vejo que ainda está aqui — comentou.Seu sorriso amarelo demonstrava exatamente o contrário desuas palavras.

— Sim, Majestade.

— E o que fez na minha ausência?

— Fiquei em silêncio — respondi, com um sorriso.

— Boa garota. — Ele retomou a caminhada, mas então selembrou de algo e voltou. — Fui informado de que, entreas garotas remanescentes, você é a única que ainda recebedinheiro pela participação. Elise abriu mãovoluntariamente de sua pensão assim que os pagamentosforam suspensos para quem era Dois ou Três.

Não fiquei surpresa. Elise era Quatro, mas sua famíliapossuía uma rede de hotéis de luxo. Não precisavam dedinheiro como os comerciantes de Carolina.

— Acho que é hora de pôr um fim a isso — o rei anunciou,afastando minhas divagações.

Meu queixo caiu.

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— A não ser, claro, que você esteja aqui pela pensão enão por amar meu filho — completou; seus olhos medesafiavam a contrariar sua decisão.

— O senhor tem razão — eu disse, com ódio do que eu mesmadizia. — É justo.

Pude notar a frustração do rei por não conseguir arranjaruma briga.

— Cuidarei disso imediatamente.

Ele foi embora e eu fiquei lá, parada, tentando nãosentir pena de mim mesma. De fato, era justo. O que aspessoas iam pensar se soubessem que eu era a única areceber o pagamento? E, afinal, ele ia acabar cedo outarde. Respirei fundo e fui para o quarto. O mínimo quepodia fazer era escrever para casa e avisar que odinheiro não chegaria mais.

Abri a porta e, pela primeira vez, minhas criadas meignoraram completamente. Anne, Mary e Lucy estavam numcanto distante, reunidas em volta de um vestido em quepareciam trabalhar. E discutiam sobre o andamento dacostura.

— Lucy, você disse que terminaria a bainha ontem à noite— Anne falou. — Saiu até mais cedo para isso.

— Eu sei, eu sei. Tive que fazer outra coisa. Possoterminar agora — ela disse, com olhos suplicantes. Lucyjá era um pouco sensível, e eu sabia que o jeito rígidode Anne às vezes a magoava.

— Pois é, você precisou fazer outras coisas várias vezesnos últimos dias — Anne comentou.

Mary estendeu as mãos.

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— Acalmem-se. Deem o vestido para mim, antes queestraguem tudo.

— Sinto muito — Lucy se desculpou. — Termino agora sevocê deixar.

— O que há de errado com você? — Anne questionou. — Temestado tão estranha.

Lucy levantou a cabeça, com olhos arregalados. Qualquerque fosse seu segredo, dava para ver que ela estavaapavorada diante da perspectiva de revelá-lo.

Tossi de leve.

As três imediatamente se viraram para mim e fizeram umareverência.

— Não sei o que está acontecendo — eu disse, meaproximando —, mas duvido que as criadas da rainhadiscutam desse jeito. Além disso, estamos perdendo tempoaqui se há trabalho a ser feito.

Anne, ainda zangada, apontou o dedo para Lucy e começou:

— Mas ela…

Fiz um gesto sutil com a mão, e ela voltou a ficar emsilêncio. Funcionou tão bem que até me surpreendi.

— Sem discussão. Lucy, por que você não vai terminar otrabalho no ateliê? Assim todas teremos tempo de pensarum pouco.

Contente, Lucy pegou o vestido e quase saiu correndo detão agradecida que estava com a chance de escapar. Anne,de cara fechada, apenas a observou partir. Mary pareciapreocupada, mas prontamente voltou ao trabalho sem dizer

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mais uma palavra.

Levei alguns minutos para perceber que o clima no meuquarto estava pesado demais para me concentrar. Pegueipapel e caneta e resolvi voltar para o andar de baixo.Fiquei me perguntando se havia feito a coisa certa aopoupar Lucy.

Talvez tudo acabasse bem se eu as deixasse resolver oproblema entre elas. Talvez minha intromissão abalasse aboa vontade que tinham para me ajudar. Nunca tinha sidomandona daquele jeito com elas.

Parei na porta do Salão das Mulheres. Talvez lá tambémnão fosse o melhor lugar para ficar. Segui pelo corredorprincipal até topar com um cantinho discreto, onde haviaum banco. Pareceu bom. Corri até a biblioteca paraapanhar um livro e voltei para lá. Estava praticamenteescondida atrás de um vaso enorme de plantas. A amplajanela dava para o jardim e, por uns instantes, o paláciojá não parecia tão pequeno. Contemplava os pássaros dolado de fora enquanto tentava pensar na melhor maneira deavisar meus pais que eles não receberiam mais os cheques.

— Maxon, nós não podemos ter um encontro de verdade?

Em algum lugar fora do palácio? — Reconheci no ato a vozde Kriss. Humm. Talvez o Salão das Mulheres não estivessetão cheio.

Pude perceber que Maxon sorria quando respondeu: — Eu bemque gostaria, querida, mas seria complicado mesmo que ascoisas estivessem tranquilas.

— Queria vê-lo em um lugar onde você não fosse o príncipe— ela resmungou, fazendo charme.

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— Mas eu sou o príncipe em todo lugar.

— Você sabe o que quero dizer.

— Sei. Sinto muito, mas não posso conceder isso a você.

Seria ótimo vê-la em outro lugar, onde você não fizesseparte da Elite. Mas esta é a minha vida.

Seu tom de voz ficou mais triste.

— Você se arrependeria? — ele perguntou. — Porque arealidade seria esta, pelo resto de sua vida. Os murossão bonitos, mas são muros. Minha mãe raramente sai dopalácio mais do que uma ou duas vezes por ano. — Atrásdas folhas grossas da planta, pude observar os doispassarem, sem que notassem minha presença. — E se vocêacha o público invasivo agora, saiba que será muito piorquando você for a única garota que terão para acompanhar.Sei que seus sentimentos por mim são profundos. Sintotodos os dias. Mas e todos esses inconvenientes da minhavida? É isso mesmo que você quer?

Os dois pareciam ter parado em algum lugar do corredor,pois a voz de Maxon continuava no mesmo volume. EntãoKriss respondeu:

— Maxon Schreave, do jeito que você fala parece que paramim é um sacrifício estar aqui. Mas eu agradeço todos osdias por ter sido escolhida. Às vezes, tento imaginarcomo seria minha vida se não tivéssemos nos conhecido…Prefiro perder você agora do que nunca ter passado pelaSeleção.

Sua voz começou a ficar embargada. Não estava chorando,mas quase. Não consegui ver.

— Queria que soubesse que amaria você sem roupas bonitas

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ou salas maravilhosas. Quero você sem a coroa, Maxon. Sóquero você.

Maxon ficou sem palavras por um momento. Imaginei que elea estivesse abraçando ou limpando suas lágrimas.

— Não consigo dizer o quanto significa para mim ouvirisso. Estava desesperado por ouvir alguém dizer que seimportava apenas comigo — ele confessou, baixinho.

— Você é muito importante para mim, Maxon.

Outro momento de silêncio entre os dois.

— Maxon?

— Sim?

— Eu… eu acho que não quero esperar mais.

Quando ouvi tudo isso, deixei o papel e a caneta de ladoem silêncio, tirei os sapatos e fui cautelosamente até aponta do corredor, mesmo sabendo que me arrependeriadepois.

Espiei por trás da parede e vi Kriss passar delicadamentea mão pela nuca de Maxon, até parar na altura da gola deseu paletó. Os cabelos dela caíram de lado enquanto elesse beijavam. Para sua primeira vez, ela parecia se sairmuito bem. Melhor que a primeira vez de Maxon, isso comcerteza.

Grudei novamente atrás da parede e ouvi Kriss dar umarisadinha. Maxon deixou escapar um suspiro, meio detriunfo, meio de alívio. Voltei rapidamente para obanquinho e sentei virada para a janela, só para nãolevantar suspeitas.

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— Quando faremos isso de novo? — ela perguntou baixinho.

— Humm. Que tal assim que chegarmos ao seu quarto?

A risada de Kriss foi sumindo à medida que os doisseguiam pelo corredor. Permaneci imóvel por um momento e,em seguida, peguei o papel e a caneta. As palavras vieramcom facilidade.

Mãe e pai,

Há tanto o que fazer que preciso ser breve. Na tentativade provar meu afeto por Maxon e não pelos luxos da Elite,tive que abrir mão da pensão dada às participantes. Seique estou avisando de última hora, mas tenho certeza deque, com tudo o que recebemos até agora, não poderíamosesperar muito mais.

Espero que não fiquem decepcionados com a notícia. Estoucom muita saudade e espero vê-los logo.

Amo todos vocês.

America

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19

O JORNAL OFICIAL estava precisando de conteúdo depois deuma semana que o público com certeza tinha achadomonótona. Depois de breves comentários sobre a visita dorei à França, o comando do programa passou para Gavril,que entrevistava as remanescentes da Elite de um jeitobem informal, com perguntas sobre assuntos que importavambem pouco àquela altura da competição.

O que era justificável, considerando que da última vezque nos perguntaram sobre coisas que realmenteimportavam, sugeri a dissolução das castas e quase fuiexpulsa da disputa.

— Senhorita Celeste, você já viu a suíte da princesa? —Gavril perguntou em um tom jovial.

Sorri comigo mesma, grata por ele não ter feito aquelapergunta para mim. Celeste abriu ainda mais seu sorrisoperfeito e jogou os cabelos para trás despreocupadamenteantes de responder.

— Bem, Gavril, ainda não. Mas com certeza espero mereceresse privilégio. Claro, o rei Clarkson nos ofereceu osmelhores aposentos, e sou incapaz de imaginar algo melhordo que já temos. As… hum… camas são tão…

Celeste gaguejou um pouco ao notar que dois guardastinham entrado correndo no estúdio. Nossos assentosestavam dispostos de tal forma que podíamos vê-los seguirdiretamente até o rei. Kriss e Elise estavam de costaspara o que acontecia.

As duas tentaram olhar para trás discretamente, mas nãoconseguiram ver nada.

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— … luxuosas. E seria mais do que eu poderia sonhar…

— Celeste continuou, ainda sem se concentrar totalmentena resposta.

No entanto, ela nem precisou. O rei se levantou, chegoumais perto e cortou a entrevista.

— Perdoem-me a interrupção, senhoras e senhores, mas éurgente. — Com uma das mãos, ele segurava uma folha depapel; com a outra, ajeitava a gravata. Ereto, começou afalar: — Desde o nascimento de nosso país, forçasrebeldes têm sido a maldição de nossa sociedade. Ao longodos anos, os ataques a este palácio, para não mencionarao cidadão comum, tornaram-se extremamente agressivos.

“Tudo indica que eles atingiram um nível inédito debaixeza. Como é de conhecimento geral, as quatro jovensremanescentes da Seleção representam uma ampla amostra decastas: Dois, Três, Quatro e Cinco. Sentimo-nos honradosde hospedar um grupo tão variado, mas este fato temservido como um estranho incentivo para os rebeldes.”

O rei olhou em nossa direção por cima do ombro antes decontinuar:

— Estamos preparados para ataques ao palácio e, quando osrebeldes atacam o povo, intercedemos da melhor maneirapossível. Certamente eu não preocuparia a todos sepensasse que, como rei, seria capaz de protegê-los, mas…os rebeldes estão atacando de acordo com as castas.

Suas palavras ficaram suspensas no ar. Celeste e eu, demaneira quase amistosa, trocamos olhares confusos.

— Há muito tempo eles desejam acabar com a monarquia.

Os recentes ataques às famílias destas jovens

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demonstraram até onde são capazes de chegar, e enviamossoldados para a proteção de seus entes queridos. Só queagora isso não é o bastante. Se você é Dois, Três, Quatroou Cinco, ou seja, da mesma casta que uma destassenhoritas, pode estar sujeito a um ataque rebelde apenaspor esse motivo.

Cobri a boca com a mão e ouvi Celeste respirar fundo.

— A partir de hoje, os rebeldes pretendem atacar membrosda segunda casta e seguir pelas castas inferiores — o reiacrescentou em tom solene.

Era sinistro. Como não tinham conseguido queabandonássemos a Seleção por nossas famílias, fariam boaparte do país nos odiar. Quanto mais tempopermanecêssemos na competição, mais as pessoas iriam nosodiar, por colocarmos a vida delas em risco.

— São notícias tristes, Majestade — Gavril disse,quebrando o silêncio.

O rei concordou.

— Buscaremos uma solução, claro. Fomos informados, porém,de oito ataques em cinco províncias diferentes. Todoscontra Dois e todos resultando em pelo menos uma morte.

A mão que estava paralisada na minha boca caiu sobre omeu peito. Pessoas tinham morrido naquele dia por nossacausa.

— Neste momento — prosseguiu o rei Clarkson —,encorajamos todos a permanecer em casa e tomar todas asmedidas de segurança possíveis.

— Excelente conselho, Majestade — Gavril comentou, e emseguida voltou-se para nós. — Senhoritas, há algo que

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queiram acrescentar?

Elise simplesmente balançou a cabeça.

Kriss respirou fundo.

— Sei que Dois e Três são os alvos agora, mas suas casassão mais seguras que as da maioria das castas inferiores.Se vocês puderem abrigar uma família Quatro ou Cinco deconfiança, seria uma boa ideia.

Celeste concordou com a cabeça.

— Cuidem-se. Façam o que o rei está pedindo.

Ela olhou para mim, e percebi que precisava dizer algo.

Sempre que me sentia um pouco perdida no Jornal Oficial,costumava olhar para Maxon, na esperança de receber algumconselho silencioso. Pela força do hábito, busquei seusolhos.

Naquele momento, porém, Maxon estava cabisbaixo; eu viaapenas seus cabelos loiros e sua testa franzida.

Era óbvio que estava preocupado com seu povo, mas aquestão ia um pouco além de proteger os cidadãos. Elesabia que poderíamos partir.

E não deveríamos? Quantos Cinco perderiam a vida por euestar ali sentada, iluminada pelos refletores do estúdiodo palácio?

Por outro lado, por que eu ou qualquer uma das garotasdeveríamos suportar esse fardo? Nós não estávamos na ruamatando as pessoas. Me lembrei de tudo que August eGeorgia nos disseram e percebi que só havia uma coisa afazer.

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— Lutem — eu disse, sem me dirigir a ninguém emparticular. Então, tomando consciência de onde estava,olhei para uma câmera. — Lutem. O que os rebeldes queremé intimidar. Estão tentando assustá-los e forçá-los afazer o que eles querem. E se vocês obedecerem? Que tipode futuro eles têm a oferecer? Essas pessoas, essestiranos, não vão parar com a violência de uma hora paraoutra. Se vocês derem poder a eles, ficarão mil vezespior. Então lutem. Lutem como puderem.

Senti o sangue e a adrenalina pulsarem dentro de mim,como se eu mesma estivesse pronta para atacar. Nãoaguentava mais. Eles nos mantinham aterrorizados,assassinavam nossas famílias. Se um rebelde sulistaestivesse diante de mim naquele momento, eu não fugiria.

Gavril recomeçou a falar, mas eu estava sentindo tantoódio que ouvia apenas meu coração bater. Quando conseguime acalmar, as câmeras estavam desligadas e osrefletores, apagados.

Maxon se aproximou do pai e cochichou alguma coisa de queo rei discordou, balançando a cabeça.

As garotas se levantaram para sair.

— Vão direto para os seus quartos — Maxon disseeducadamente. — O jantar será levado até vocês, e logoirei falar com cada uma.

Fui até a porta. Quando passei diante do príncipe e deseu pai, o rei me tocou com a ponta do dedo. O pequenogesto era um sinal para que eu parasse.

— Suas palavras não foram muito inteligentes — comentou.

Dei de ombros.

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— A estratégia atual não está funcionando. Se continuarassim, logo não terá mais súditos para comandar.

Ele acenou com a mão, me dispensando. Mais uma vez,estava irritado comigo.

Maxon bateu de leve na porta e entrou. Eu já estava decamisola e lia na cama. Até cheguei a pensar se ele defato viria.

— Está tão tarde — falei baixinho, apesar de não havermais ninguém no quarto.

— Eu sei. Tive que falar com todas as outras e foi muitodesgastante. Elise ficou muito abalada. É quem está sesentindo mais culpada. Não ficaria surpreso se eladesistisse em um ou dois dias.

Embora ele já tivesse admitido sua falta de entusiasmopor Elise mais de uma vez, dava para ver como eradoloroso para ele. Encolhi as pernas contra o peito paraque ele pudesse sentar.

— E Kriss e Celeste?

— Kriss está quase otimista demais. Tem certeza de que aspessoas serão cuidadosas e conseguirão se proteger. Nãosei como isso é possível, já que não há como prever ondeou quando será o próximo ataque rebelde. Eles estãoespalhados pelo país inteiro. Mas ela está esperançosa.Você sabe como ela é.

— Sei.

Maxon respirou fundo e continuou: — Celeste está bem.Está preocupada, claro. Mas, como Kriss notou, quem é

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Dois provavelmente está mais seguro. E

ela é sempre tão determinada — Maxon riu e olhou para ochão. — Aparentemente, o que mais a preocupa é apossibilidade de eu ficar chateado por ela ficar. Como seeu pudesse culpá-la por preferir estar aqui em vez devoltar para casa.

Soltei um suspiro.

— É uma questão interessante. Você quer uma esposa quenão se preocupe com ameaças aos seus súditos?

Maxon me encarou.

— Você está preocupada. Só que é esperta demais para sepreocupar do mesmo jeito que os outros. — Ele balançou acabeça e sorriu. — Não acredito que você disse para aspessoas lutarem.

Dei de ombros.

— Parece que temos sido bastante covardes.

— Você tem toda a razão. Não sei se isso vai assustar osrebeldes ou deixá-los mais determinados, mas sem dúvidavocê mudou o jogo.

— Não sei se chamaria de jogo um grupo de pessoas quetenta matar a população aleatoriamente — falei de cabeçaerguida.

— Não, não! — Maxon reagiu rápido. — Eu nem consigopensar numa palavra para definir essa situação horrível.Eu estava falando sobre a Seleção.

Olhei bem em seus olhos. O príncipe continuou: — Para obem ou para o mal, o público conseguiu captar um pouco do

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seu verdadeiro caráter esta noite. Agora eles enxergam agarota que protege suas criadas, que levanta a voz atépara o rei quando acha que está certa. Aposto que todosverão com outros olhos o dia em que você correu paraajudar Marlee. Antes, você era apenas a garota que gritoucomigo no nosso primeiro encontro. Esta noite, você viroua garota que não tem medo dos rebeldes. As pessoas vãopensar em você de um jeito diferente agora.

— Não era essa a minha intenção — respondi, sacudindo acabeça.

— Eu sei. Eu tinha um plano para mostrar às pessoas quemvocê é. E, no fim, você fez isso por impulso. É a suacara. — Seu rosto revelava certo espanto, como se eledevesse ter esperado algo assim desde o começo. — Em todocaso — retomou —, acho que você disse a coisa certa. Jápassou da hora de fazermos mais do que nos esconder.

Baixei os olhos para o edredom, correndo o dedo pelascosturas. Fiquei feliz por ele ter aprovado, mas o jeitocomo falava — como se aquilo tudo fosse mais uma dasminhas peculiaridades — parecia íntimo demais para aquelemomento.

— Estou cansado de brigar com você, America — Maxondesabafou baixinho. Levantei a cabeça e percebi queestava sendo sincero. — Acho bom discordarmos; naverdade, essa é uma das coisas de que mais gosto na nossarelação. Mas não quero mais discutir. Às vezes tenho umpouco do temperamento do meu pai. Luto contra isso, mas éverdade.

E você… — disse, com um sorriso nos lábios. — Você ficaimpossível quando está nervosa!

Ele balançou a cabeça, provavelmente lembrando das mesmas

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coisas que eu. A joelhada. Toda a história das castas.

O tapa que dei em Celeste quando ela falou de Marlee.

Nunca tinha me achado temperamental, mas, aparentemente,eu era. Ele sorriu, e eu também. Era engraçado relembrartudo que eu tinha feito de uma só vez.

— Eu observo as outras e sou justo. Fico angustiado comalgumas coisas que sinto. Mas quero que saiba: continuoobservando você. Acho que você já percebeu que, a estaaltura, não consigo evitar. — Maxon deu de ombros;parecia um garoto naquele momento.

Queria dizer a coisa certa, dizer que ainda desejava queele me observasse. Mas não me sentia tão segura, entãocoloquei a mão sobre a dele. Permanecemos quietos,olhando para nossas mãos. Ele brincava com as minhaspulseiras, muito concentrado nelas, e depois acariciou ascostas da minha mão com o polegar. Foi bom ter um momentode calma a sós.

— Por que não passamos o dia juntos amanhã?

— Eu iria gostar — respondi, com um sorriso no rosto.

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20

— Então, resumindo a história, mais guardas?

— Sim, pai. Muito mais. — Eu ria ao telefone apesar de asituação estar longe de ser engraçada. Meu pai tinha umjeito de tornar leves mesmo os assuntos mais difíceis.

— Continuaremos aqui. Por enquanto, pelo menos —confirmei. — E apesar de eles estarem começando pelosDois, não deixe ninguém se descuidar. Avise aos Turner eaos Canvass para se protegerem.

— Ora, gatinha. Todo mundo sabe se cuidar. E depois doque você disse no Jornal Oficial, acho que as pessoasserão mais corajosas do que você pensa.

— Tomara.

Baixei os olhos para os pés e senti uma sensaçãoengraçada.

Naquele momento, eu usava um sapato de salto decorado comjoias. Cinco meses antes, usava sapatilhas surradas.

— Você me deixou orgulhoso, America. Às vezes ficosurpreso com as coisas que você diz, mas não sei por quê.

Você sempre foi mais forte do que se dava conta.

Sua voz tinha um tom tão verdadeiro que fiqueiemocionada. Nenhuma opinião me importava mais do que adele.

— Obrigada, pai.

— Estou falando sério. Nem toda princesa diria algo

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assim.

Revirei os olhos quando ouvi aquele comentário.

— Pai, eu não sou uma princesa.

— É só uma questão de tempo — ele rebateu, em tombrincalhão. — Por falar nisso, como vai Maxon?

— Bem — respondi, brincando com as dobras do vestido.

Fez-se um silêncio. — Eu gosto mesmo dele, pai.

— É?

— É.

— Por quê, exatamente?

Pensei por uns instantes.

— Não sei direito. Acho que, em parte, porque ele me fazsentir eu mesma.

— Você já sentiu que não era você mesma? — ele brincou.

— Não, não é isso… Eu sempre fui muito consciente do meunúmero. Mesmo depois de vir para o palácio, continueiobcecada com isso por um tempo. Eu era Cinco ou Três?

Queria ser Um? Mas agora não penso mais nisso. E acho queé por causa dele. Mas Maxon também faz muita besteira,não tenha dúvida. — Meu pai achou graça. — É só que,quando estamos juntos, sinto que sou America. Não umacasta ou parte de um plano. Também não o vejo como alguémdistante. Ele é apenas ele, e eu sou apenas eu.

Meu pai ficou calado por um momento.

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— Isso parece muito bom, gatinha.

Era meio estranho conversar com meu pai sobre garotos,mas ele era a única pessoa em casa que via Maxon maiscomo pessoa do que como celebridade. Ninguém meentenderia como ele.

— É. Mas não é perfeito — acrescentei, enquanto Silviaaparecia na porta. — Sinto que sempre há alguma coisadando errado.

Silvia lançou um olhar afiado para mim e moveu os lábios,dizendo “café da manhã”. Concordei com a cabeça.

— Bem, isso não é tão ruim. Os erros indicam que éverdadeiro.

— Vou me lembrar disso. Pai, preciso desligar agora.

Estou atrasada.

— Tudo bem. Cuide-se, gatinha. E escreva logo para suairmã.

— Vou escrever. Te amo, pai.

— Te amo.

Depois do café da manhã, Maxon e eu continuamos na salade jantar enquanto as garotas se retiravam. A rainhapassou e piscou para mim; minhas bochechas coraram nahora. O rei veio logo atrás, e seu olhar bastou parafazer desaparecer qualquer vestígio de cor em meu rosto.

Quando finalmente ficamos a sós, Maxon se aproximou e medeu a mão, passando seus dedos entre os meus.

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— Ia perguntar o que você quer fazer hoje, mas nossasopções estão bastante limitadas. Nada de tiro ao alvo,nada de caça, nada de montaria, nada lá fora.

— Nem se levássemos um monte de soldados? — perguntei,com um suspiro de frustração.

Maxon abriu um sorriso triste.

— Sinto muito, America. Mas o que acha de um filme?

Podemos assistir algo com um cenário espetacular.

— Não é a mesma coisa — respondi, puxando-lhe pelo braço.— Mas venha. Vamos aproveitar ao máximo.

— Esse é o espírito — ele disse.

Alguma coisa naquela situação me fez sentir bem melhor,como se estivéssemos naquilo juntos. Fazia tempo que ascoisas não eram assim.

Seguíamos pelo corredor em direção à escadaria para asala de projeção quando ouvi o tilintar na janela. Vireia cabeça na direção do som e exclamei, maravilhada: —Está chovendo!

Soltei o braço de Maxon e pressionei a mão contra ovidro. Em todos aqueles meses no palácio, nunca tinhachovido, e eu até me perguntava se de fato issoaconteceria algum dia. Ao ver que chovia, me dei conta doquanto sentia falta daquilo. Sentia falta do ir e vir dasestações, da maneira como as coisas mudavam.

— É tão lindo — sussurrei.

Maxon permaneceu atrás de mim, com o braço em volta daminha cintura.

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— Só você mesmo para achar beleza numa coisa que acabacom o dia das pessoas.

— Queria poder sentir essa chuva.

Ele soltou um suspiro.

— Sei que você quer, mas não…

Olhei para Maxon para saber por que ele tinhainterrompido a frase no meio. O príncipe olhou para oslados, e eu fiz o mesmo. Com exceção de alguns guardas,estávamos sozinhos.

— Venha — ele disse, pegando minha mão. — Tomara que nãonos vejam.

Abri um sorriso, pronta para qualquer aventura que eletivesse em mente. Adorava quando Maxon ficava assim.

Corremos pelas escadas até o quarto andar. Por um minuto,fiquei nervosa com a possibilidade de ele me mostrar algoparecido com a biblioteca secreta. Aquela experiência nãotinha acabado muito bem para mim.

Caminhamos até a metade do corredor. Só encontramos umsoldado fazendo a ronda e mais ninguém. Maxon me empurroupara dentro de uma sala enorme e me levou até uma lareiraampla e desativada. Então enfiou o braço pela boca dalareira e encontrou uma trava secreta. Ao acioná-la,parte da parede se abriu, revelando mais uma escadariasecreta.

— Segure a minha mão — ele disse, estendendo o braço paramim.

Foi o que fiz. Seguimos por um corredor mal iluminado atéencontrarmos uma porta. Maxon destravou a tranca simples

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e abriu a porta. Atrás dela, a chuva caía com força.

— Aqui é o telhado? — perguntei em meio ao barulho daágua.

Ele assentiu. Havia muros ao redor da passagem, deixandoum espaço aberto mais ou menos do tamanho do meu quarto.

Não me importava de ver apenas paredes e o céu. Pelomenos estava do lado de fora.

Completamente deslumbrada, dei um passo à frente paratocar a água. As gotas, gordas e mornas, se acumulavam nomeu braço e corriam pelo meu vestido. Ouvi a gargalhadade Maxon antes de ele me empurrar para debaixo da chuva.

Em segundos, eu já estava ensopada e arfante. Virei paratrás e agarrei o braço dele, que apenas ria, fingindotentar escapar. As mechas de seu cabelo cobriram-lhe osolhos, e nós dois ficamos completamente encharcados.Ainda sorrindo, ele me levou até a beirada do muro.

— Olhe — me disse ao pé do ouvido.

Olhei e, pela primeira vez, me dei conta da vista daquelelugar. Em êxtase, contemplei a cidade estendida diante demim. A teia de ruas, a geometria dos prédios, a matiz decores: mesmo atenuada pelo cinza da chuva, a paisagem eraestonteante.

Naquele momento, me senti ligada a tudo aquilo, como se acidade me pertencesse de algum modo.

— Não quero que os rebeldes tomem este lugar, America —Maxon disse sob a chuva, como se tivesse lido meuspensamentos. — Não sei quantas mortes já ocorreram, masaposto que meu pai esconde as informações de mim. Ele temmedo que eu interrompa a Seleção.

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— Há algum jeito de descobrir a verdade?

Maxon refletiu por um tempo.

— Acho que se conseguisse entrar em contato com August,ele saberia dizer. Poderia enviar uma carta, mas tenhoreceio de escrever demais. E não sei se conseguiriatrazê-lo ao palácio.

Pensei na possibilidade.

— E se nós fôssemos até ele?

Maxon riu.

— E como você acha que conseguiríamos isso?

Dei de ombros, achando graça.

— Vou pensar a respeito — respondi.

Maxon me encarou em silêncio por um momento.

— É bom poder falar em voz alta. Preciso sempre tomarcuidado com o que digo. Tenho a sensação de que ninguémpode me escutar aqui em cima. Só você.

— Então vá em frente e diga qualquer coisa.

Ele abriu um sorriso malicioso.

— Só se você disser.

— Muito bem — respondi, feliz por entrar no jogo.

— Bom, o que você quer saber?

Tirei o cabelo molhado da testa e comecei com umapergunta importante, mas impessoal.

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— Você realmente não sabia dos diários?

— Não. Mas já estou a par. Meu pai me obrigou a lertodos. Se August tivesse vindo duas semanas atrás,acharia que ele estava mentindo sobre tudo. Agora não. Échocante, America. Aquilo que você leu é só o começo.Quero contar tudo a você, mas ainda não posso.

— Tudo bem.

Então Maxon olhou fixamente para mim, com ar determinado.

— Como as garotas descobriram que você tirou minhacamisa?

Baixei a cabeça, um pouco hesitante.

— Estávamos vendo os guardas fazendo exercícios. Eu disseque você ficava tão bem quanto qualquer um deles semcamisa. Escapou.

Maxon gargalhou tanto que até se inclinou para trás.

— Não dá para ficar bravo com isso.

Sorri.

— Você já trouxe outra pessoa aqui? — perguntei na minhavez.

— Olivia. Uma vez e foi só — revelou, parecendo triste.

De fato, parando para pensar, eu me lembrava daquilo. Elacontara a todas as garotas que ele a havia beijado ali.

— Eu beijei Kriss — Maxon confessou, sem me encarar.

— Há pouco tempo. Pela primeira vez. Acho que é justovocê saber.

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Ele baixou os olhos, e assenti com a cabeça. Se eu nãotivesse presenciado e descobrisse naquele momento, teriaficado arrasada. Mas, ainda assim, doeu ouvir da bocadele.

— Odeio ter que me encontrar com você desse jeito —falei, inquieta, com o vestido já pesado com a água.

— Eu sei. Mas as coisas são assim.

— Nem por isso são justas.

Ele riu.

— Quando alguma coisa em nossas vidas foi justa?

Ele tinha razão.

— Eu não devia contar… e, se você deixar escapar quesabe, ele vai se irritar ainda mais, com certeza, mas…seu pai tem me falado algumas coisas. E também cortou opagamento da minha família. As outras já não recebiammais, então acho que pegava mal de qualquer jeito.

— Sinto muito — Maxon se desculpou. Ele voltou o olharpara a cidade. A maneira como sua camisa grudava em seucorpo me distraiu por um instante. — Acho que não dá parareverter isso, America — completou.

— Não precisa. Só queria que você soubesse o que estáacontecendo. Posso lidar com isso.

— Você é durona demais para ele. Ele não entende você.

Maxon buscou minha mão, e eu a ofereci de bom grado.

Tentei pensar em mais alguma coisa que quisesse saber,mas quase tudo tinha a ver com as outras garotas. Não

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queria incomodá-lo com isso. Àquela altura, eu jáconseguia adivinhar quase com certeza a verdade e, seestivesse errada, não queria estragar aquele momento.

Maxon baixou o olhar para o meu pulso.

— Você… — Ele me olhou nos olhos, aparentemente mudando apergunta. — Você quer dançar?

Fiz que sim com a cabeça.

— Mas sou péssima.

— Nós vamos devagar.

Maxon me puxou para perto dele e pôs a mão em volta daminha cintura. Levei uma mão ao seu peito e segurei meuvestido encharcado com a outra. Balançamos, quase sem nosmexer. Descansei o rosto em seu peito, e ele apoiou oqueixo sobre a minha cabeça. E, assim, giramos ao som dachuva.

Quando ele me apertou um pouco mais forte, senti quetodos os erros haviam sido apagados e restara apenas aessência da nossa relação. Éramos amigos que tinhampercebido que não queriam fica longe um do outro. Éramosdiferentes em diversos sentidos, mas, ao mesmo tempo,muito parecidos. Não dava para dizer que nossa relaçãoera obra do destino, mas ela parecia mais forte do quequalquer coisa que eu já tinha vivido antes.

Ergui a cabeça na direção do rosto dele. Pus a mão em suabochecha e o trouxe para perto para beijá-lo. Seuslábios, molhados, encontraram os meus, queimando. Sentisuas mãos se agarrarem às minhas costas, como se elefosse desmoronar se nos afastássemos. Apesar do barulhoda chuva, o mundo todo parecia em silêncio. Eu sentia que

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não havia Maxon suficiente, não havia pele, espaço, temposuficiente.

Depois de tantos meses tentando conciliar o que eu queriacom o que esperava, percebi — naquele momento que Maxoncriara só para nós — que nunca faria sentido. Tudo que eupodia fazer era seguir em frente e ter a esperança deque, sempre que desviássemos do caminho, aindaconseguiríamos voltar um para o outro.

Tínhamos que voltar. Porque… porque…

Apesar de todo o tempo que demorou para aquele momentochegar, quando ele finalmente aconteceu, foi rápido.

Eu amava Maxon. Pela primeira vez, meu sentimento erasólido. Não tentava me distanciar, apegada a Aspen e atodas as dúvidas que vinham junto. Não estava meenvolvendo com Maxon e, ao mesmo tempo, mantendo um pé naporta para o caso de ser rejeitada. Simplesmente deixeias coisas acontecerem.

Eu o amava.

Era incapaz de apontar precisamente o motivo de tantacerteza, mas soube na hora, com a mesma certeza com quesabia meu nome ou a cor do céu ou qualquer coisa escritaem um livro.

Será que ele também sentia isso?

Maxon interrompeu o beijo e me olhou nos olhos.

— Você fica linda quando está desarrumada.

Soltei uma risada nervosa.

— Obrigada. Por isso, pela chuva e por não desistir.

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Ele correu os dedos pela minha bochecha, meu nariz e meuqueixo.

— Você vale a pena. Acho que não tem noção disso. Paramim, você vale a pena.

Meu coração parecia prestes a explodir. Só queria quetudo acabasse naquele dia. Meu mundo girava em torno deum novo eixo, e eu sentia que o único meio de não ficarzonza era acreditar que aquilo realmente poderiaacontecer. Eu tinha certeza agora de que ia acontecer.Tinha que acontecer.

Logo.

Maxon me deu um beijo na ponta do nariz.

— Vamos nos secar e assistir a um filme.

— Parece bom.

Cuidadosamente, resolvi manter meu amor por Maxonguardado só para mim, pelo menos por um tempo, porqueainda tinha um pouco de medo daquele sentimento. Cedo outarde, precisaria demonstrar o que eu sentia — masdepois.

Por enquanto, seria meu segredo.

Tentei torcer o vestido perto da porta, mas não adiantou.

Eu deixaria um pequeno rastro de água até o quarto.

— Voto por uma comédia — anunciei enquanto deixávamos otelhado e descíamos a escada, Maxon à frente.

— Voto por ação.

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— Bem, você acabou de dizer que valho a pena, então achoque vou ganhar essa.

Maxon riu.

— Bem pensado.

Ele continuava rindo quando abriu a porta que dava nasala da lareira, mas ficou paralisado em seguida.

Espiei por cima de seu ombro e vi o rei Clarkson aliparado, irritado como sempre.

— Suponho que a ideia tenha sido sua — o rei disse aMaxon.

— Sim.

— Você tem noção do perigo a que se expôs? — ele indagou.

— Pai, não há rebeldes à espreita no telhado — Maxonrebateu, tentando soar razoável, mas parecendo um poucoridículo com a roupa encharcada.

— Um tiro bem mirado é o bastante, Maxon.

O rei deixou suas palavras no ar para depois emendar: —Você sabe que ficamos com poucos guardas depois quemandamos soldados para as casas das garotas da Elite. E

dezenas dos enviados desapareceram. Estamos vulneráveis.— Então, dirigiu seu olhar a mim. — E por que essa meninaestá sempre metida em tudo o que acontece ultimamente?

Permanecemos em silêncio. Sabíamos que não havia o quedizer.

— Apronte-se — ordenou o rei. — Você tem trabalho a

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fazer.

— Mas eu…

Com apenas um olhar, o pai deu a entender que todos osplanos do filho para o dia estavam cancelados.

— Certo — o príncipe assentiu, cedendo.

O rei Clarkson pegou Maxon pelo braço e o levou embora.Fiquei para trás, sozinha. Maxon virou a cabeça e mepediu desculpas em silêncio. Retribuí com um brevesorriso.

Eu não tinha medo do rei. Nem dos rebeldes. Sabia oquanto Maxon significava para mim, e estava certa de quetudo acabaria bem, de algum jeito.

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21

Naquele dia estávamos no Grande Salão aturando mais umaaula de etiqueta quando os tijolos começaram a voaratravés da janela. Elise se jogou no chão imediatamente ecomeçou a rastejar em direção à porta lateral,choramingando. Celeste soltou um grito agudo e disparoupara o fundo do salão, escapando por pouco de uma chuvade estilhaços de vidro.

Kriss me puxou pelo braço, e começamos a correr juntasaté a saída.

— Rápido, senhoritas! — Silvia gritou.

Em questão de segundos, os guardas se alinharam nasjanelas e começaram a atirar. Os estalos ecoavam em meusouvidos enquanto fugíamos. Não importava mais se as armasusadas pelos rebeldes eram revólveres ou pedras: qualquerum que demonstrasse o menor grau de agressividade nosarredores do palácio iria morrer. Já não havia tolerânciacom esse tipo de ataque.

— Odeio correr com esses sapatos — Kriss murmurou, com umpedaço do vestido enrolado no braço e os olhos fixos nofim do corredor.

— Uma de nós terá que se acostumar com isso — Celestecomentou, respirando com dificuldade.

Suspirei.

— Se for eu, vou usar tênis todo dia. Não aguento maisisso.

— Conversem menos e corram mais! — Silvia gritou.

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— Como podemos chegar ao andar de baixo por aqui? — Eliseperguntou.

— E Maxon? — Kriss sussurrou.

Silvia não respondeu. Nós a seguimos por um labirinto decorredores em busca de um caminho para o porão, enquantoguardas e mais guardas corriam no sentido oposto aonosso.

Senti muita admiração por eles, imaginando a coragemnecessária para ir de encontro ao perigo para protegeroutras pessoas.

Os guardas que passavam por nós eram quase todos iguais,mas os olhos verdes de um deles estavam fixos em mim.

Aspen não parecia estar com medo, nem sequer preocupado.

Havia um problema, e ele iria resolvê-lo. Era o jeitodele.

Nosso olhar foi breve, mas suficiente. As coisasfuncionavam assim com Aspen. Em frações de segundo, pudedizer a ele, em silêncio: Tenha cuidado e fique atento .E, sem uma palavra, ele respondeu: Pode deixar, apenas secuide.

Apesar de lidar bem com essas coisas que não precisavamser ditas, eu não tinha a mesma facilidade quandoconversávamos de fato. Nossa última conversa não tinhasido das mais felizes. Eu estava prestes a deixar opalácio e tinha pedido a ele um tempo para superar aSeleção. Mas, no fim, acabei ficando e não lhe deiqualquer explicação.

Talvez sua paciência comigo estivesse se esgotando;

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talvez ele já não conseguisse ver apenas o que eu tinhade melhor.

Eu precisava resolver essa situação de algum jeito. Nãopodia imaginar minha vida sem Aspen. Mesmo naquelemomento, em que eu esperava ser escolhida por Maxon, ummundo sem Aspen parecia inconcebível.

— Aqui está! — Silvia exclamou, empurrando uma tábuamisteriosa na parede.

Seguimos escada abaixo, com Elise e Silvia à frente.

— Caramba, Elise, dá para ir mais rápido? — Celestegritou.

Queria muito ter ficado irritada com ela por ter ditoaquilo, mas sabia que todas estávamos pensando a mesmacoisa.

À medida que descíamos pela escuridão, tentava mepreparar para as horas que desperdiçaríamos, escondidascomo ratos. Continuamos a correr. O som da nossa fugaabafava os gritos, até que uma voz masculina ecoou acimade nós.

— Parem! — ordenou.

Kriss e eu viramos ao mesmo tempo e enxergamos o uniformeclaramente.

— Esperem! É um guarda — ela disse para as outras.

Paramos onde estávamos, resfolegando. Finalmente ele nosalcançou, também quase sem fôlego.

— Perdão, senhoritas. Os rebeldes fugiram assim queatiramos. Acho que não estavam a fim de briga hoje.

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Silvia, alisando o vestido com as mãos, falou por nós: —O rei concorda que é seguro? Se não for, você estarápondo a vida destas garotas em risco.

— O chefe da guarda liberou. Tenho certeza de que SuaMajestade…

— Não fale pelo rei. Venham, senhoritas, continuem.

— Você está falando sério? — perguntei. — Vamos descerpara nada.

Silvia me encarou de um jeito que faria até um rebeldetremer de medo, e achei melhor ficar quieta. Silvia e eutínhamos construído uma espécie de amizade quando ela,sem saber, me ajudou a tirar Maxon e Aspen da cabeça comsuas aulas particulares. Porém, depois do meu showzinhono Jornal Oficial, alguns dias antes, nossa amizadeparecia ter ido por água abaixo. Voltando-se para oguarda, ela continuou: — Consiga uma ordem oficial do reie voltaremos.

Continuem andando, senhoritas.

Eu e o guarda trocamos um olhar de frustração e seguimospor caminhos opostos.

Silvia não demonstrou qualquer remorso quando, vinteminutos mais tarde, outro guarda veio avisar queestávamos livres para voltar ao andar de cima.

Estava tão nervosa com aquela situação que nem espereiSilvia e as outras garotas. Subi as escadas até oprimeiro andar e segui direto para o meu quarto, aindalevando os sapatos pendurados nos dedos. Minhas criadasnão estavam, mas havia uma bandejinha de prata com umenvelope sobre a cama.

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Na hora reconheci a caligrafia de May. Abri a carta edevorei suas palavras:

Ames,

Somos tias! Astra é maravilhosa. Q ueria que vocêestivesse aqui para conhecê-la pessoalmente, mas sabemosque você precisa ficar no palácio por enquanto. Você achaque passaremos o Natal juntas? Está chegando! Precisovoltar para ajudar Kenna e James. Ela é tão bonita quenem dá para acreditar! Aqui vai uma foto!

Amamos você!

May

Puxei a foto brilhante de trás da carta. Estavam todoslá, menos Kota e eu. James, o marido de Kenna, estavaradiante, em pé atrás da esposa e da filha, com os olhosinchados.

Kenna estava sentada na cama, com um embrulhinho rosaentre os braços, parecendo ao mesmo tempo emocionada eexausta. Meus pais irradiavam orgulho, e o entusiasmo deMay e Gerad saltava da foto. Claro que Kota não aparecia;ele não ganharia nada estando presente. Mas eu deveriaestar lá.

Só que não estava.

Estava no palácio. E, às vezes, nem sabia por quê. Maxonainda passava muito tempo com Kriss, mesmo depois de tudoque tinha feito para eu ficar. Do lado de fora, osrebeldes atacavam sem descanso; ali dentro, as palavrasfrias do rei destruíam minha confiança. Em meio a tudoisso, Aspen ainda me rodeava — um segredo que eu

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precisava guardar. E

as câmeras iam e vinham, roubando pedaços de nossas vidaspara entreter as pessoas. Eu estava encurralada por todosos lados, perdendo tudo o que sempre fora importante paramim.

Engoli minhas lágrimas de raiva. Estava cansada dechorar.

Em vez disso, comecei a elaborar um plano. A únicamaneira de resolver esses problemas era acabar com aSeleção.

Embora de vez em quando ainda questionasse minha vontadede ser princesa, eu não tinha dúvidas de que queria ficarcom Maxon. Para isso acontecer, não podia simplesmentecruzar os braços e esperar. Enquanto lembrava minhaúltima conversa com o rei, comecei a andar em círculos,esperando as criadas.

Eu mal conseguia respirar, então sabia que tentar comerseria uma perda de tempo. Mas valeria o sacrifício.Precisava fazer algum progresso — e rápido. De acordo como rei, as outras garotas estavam mais próximas de Maxon —fisicamente falando —, e ele tinha dito que eu era muitocomum para ganhar delas naquele quesito.

Como se minha relação com Maxon já não fosse complicada obastante, ainda precisava reconquistar sua confiança. Eeu não sabia se isso significava fazer perguntas ou não.Apesar de ter quase certeza de que a intimidade com asoutras garotas não tinha ido tão longe, não conseguiaparar de pensar no assunto. Nunca tinha tentado sersedutora — praticamente todos os momentos íntimos que

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tivera com Maxon não foram intencionais —, mas euesperava que, se fosse mais direta, poderia deixar claroque estava tão interessada nele quanto as outras.

Respirei fundo, ergui a cabeça e entrei na sala dejantar.

Cheguei um ou dois minutos atrasada de propósito, naesperança de que todos já estivessem sentados. Meuscálculos deram certo. Mas a reação foi ainda melhor doque eu imaginava.

Fiz a reverência cruzando uma perna na frente da outra,para que a fenda do vestido se abrisse e revelasse até aminha coxa. O vestido era vermelho-escuro, tomara quecaia, e deixava as costas totalmente expostas. Tinhacerteza de que as criadas tinham feito alguma mágica paraque ele parasse no lugar. Me endireitei, olhandofixamente para Maxon. Percebi que ele tinha parado demastigar. Alguém derrubou um garfo.

Baixei os olhos e fui para o meu lugar, ao lado de Kriss.

— Francamente, America… — ela sussurrou.

Inclinei a cabeça na direção dela e perguntei, fingindonão ter entendido: — O que foi?

Ela pousou os talheres no prato e nos encaramos.

— Você está vulgar.

— E você está com inveja.

Se não acertei na mosca, cheguei muito perto: ela corouum pouco e voltou a comer. Dei umas poucas beliscadas nacomida, pois o vestido estava tão apertado que não davapara engolir muita coisa. Quando serviram a sobremesa,

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resolvi parar de ignorar Maxon, que, como eu esperava,tinha os olhos fixos em mim. Ele imediatamente ergueu amão e mexeu na orelha; discretamente, fiz o mesmo. Deiuma olhada rápida no rei Clarkson, me segurando para nãorir. Ele estava irritado — o que também fazia parte doplano — e não podia fazer nada a respeito.

Pedi licença para me retirar antes de todo mundo, dando aMaxon a chance de admirar a parte de trás do vestido.Corri para o quarto. Mal fechei a porta e tratei logo deabrir o zíper. Estava desesperada para respirar.

— Como foi? — Mary perguntou, se apressando para meajudar.

— Ele ficou embasbacado. Todo mundo ficou.

Lucy soltou um gritinho e Anne se apressou para ajudarMary.

— Vamos segurar o vestido. Apenas ande — foi sua ordem, eobedeci. — Ele vem esta noite?

— Sim. Não sei bem a que horas, mas com certeza vaiaparecer.

Sentei na beirada da cama, com os braços cruzados nabarriga para que o vestido aberto não caísse.

Anne fez uma cara triste.

— É uma pena que a senhorita tenha de sofrer por maisalgumas horas. Mas estou certa de que valerá a pena.

Sorri, tentando dar a impressão de que não me importavacom a dor. Tinha dito a elas que queria chamar a atençãode Maxon, mas não mencionara minha esperança de que, comum pouco de sorte, o vestido logo estaria jogado no chão.

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— Quer que a gente fique até ele chegar? — Lucyperguntou, entusiasmada.

— Não, só me ajudem a fechar isto aqui de novo. Precisopensar sobre algumas coisas — respondi, levantando paraque elas pudessem me ajudar.

Mary segurou o fecho.

— Prenda a respiração, senhorita.

Obedeci, e mais uma vez fui espremida pelo vestido.

Pensei em um soldado que se preparava para a guerra. Aarmadura era diferente, mas a ideia, a mesma.

Naquela noite, eu ia derrotar um homem.

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22

Abri as portas da sacada e deixei o ar entrar no quarto.

Embora fosse dezembro, uma brisa leve fazia cócegas naminha pele. Não tínhamos mais permissão para ficar dolado de fora sem a presença de guardas, então a sacadateria de servir.

Andei pelo quarto e acendi algumas velas, na tentativa detornar o espaço mais aconchegante. Quando ouvi uma batidana porta, apaguei o fósforo, peguei um livro, voei para acama e ajeitei o vestido. Ora, Maxon, é assim que eu ficoquando estou lendo alguma coisa.

— Entre — convidei, com uma voz que mal dava paraescutar.

Maxon entrou. Levantei a cabeça graciosamente e percebique ele ficou maravilhado ao encontrar o quarto à meia-luz.

Então focou sua atenção em mim, correndo os olhos pelaminha perna à mostra.

— Aí está você — eu disse, fechando o livro e melevantando para cumprimentá-lo.

Ele fechou a porta e avançou, o olhar cravado nas minhascurvas.

— Queria dizer que você está maravilhosa esta noite.

Joguei o cabelo para trás.

— Ah, por causa deste vestido? Estava escondido no fundodo armário.

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— Fico feliz que tenha tirado de lá.

Enlacei meus dedos nos dele.

— Sente-se aqui comigo. Não tenho visto você com muitafrequência ultimamente.

Ele soltou um suspiro e me acompanhou.

— Sinto muito por isso. As coisas ficaram um pouco tensasdepois das baixas que tivemos naquele ataque, e você sabecomo é o meu pai. Enviamos vários guardas para protegeras famílias de vocês, o que diminuiu nossas forças, entãoele está pior do que nunca. E também está me pressionandopara que eu termine a Seleção, mas continuo firme. Queroter tempo para pensar bem sobre as coisas.

Fomos até a cama e nos sentamos na beirada, bem perto umdo outro.

— Claro. Quem deve controlar isso é você — comentei.

Ele concordou com a cabeça.

— Exatamente. Sei que já disse isso mil vezes, mas ficolouco quando as pessoas me pressionam.

— Eu sei — confirmei, fazendo uma cara triste.

Ele fez uma pausa, e não consegui interpretar suaexpressão. Tentava pensar num jeito de avançar semparecer oferecida, mas não sabia exatamente como criar ummomento romântico.

— Sei que é uma coisa boba, mas minhas criadas escolheramum perfume novo hoje. É muito forte? — perguntei,aproximando meu pescoço para que ele pudesse sentir.

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Ele aproximou o rosto, seu nariz tocando minha pele.

— Não, querida. É ótimo — Maxon respondeu, com a cabeçaentre meu ombro e meu pescoço, onde, então, me beijou.

Engoli em seco, tentando me concentrar. Precisava manterum mínimo de controle.

— Que bom que gostou. Estava com saudade.

Senti sua mão se esgueirar pelas minhas costas e baixei orosto. Ali estava ele, os olhos cravados nos meus, nossoslábios separados por poucos milímetros.

— Quanta saudade você sentiu? — ele sussurrou.

Aquele olhar, somado ao sussurro, fazia meu coração baterdepressa.

— Muita — respondi, também sussurrando. — Muita mesmo.

Inclinei o corpo para a frente, morrendo de vontade debeijá-lo. Maxon estava confiante. Ele me puxava para maisperto com uma mão e acariciava meus cabelos com a outra.

Meu corpo queria se desfazer em um beijo, mas o vestidome impedia. De repente, fiquei nervosa de novo, lembrandodo meu plano.

Escorreguei as mãos pelos braços de Maxon e conduzi seusdedos até o fecho do vestido, na esperança de que issobastasse.

Suas mãos se detiveram ali por alguns instantes. Euestava a ponto de simplesmente pedir que Maxon baixasse ozíper quando ele caiu na gargalhada.

Sua risada me fez voltar à realidade imediatamente.

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— O que é tão engraçado? — perguntei, horrorizada,tentando pensar em um jeito discreto de sentir meuhálito.

— De todas as coisas que você já fez, essa foi de longe amais divertida! — Maxon exclamou, rindo tanto que davatapas no joelho.

— Como é?

Ele estalou um beijo na minha testa e disse: — Sempreimaginei como seria quando você tentasse. — E

voltou a gargalhar. — Desculpe, preciso ir — completou.Até seu jeito de levantar dava mostras de que estava sedivertindo muito. — Vejo você amanhã.

E saiu. Simplesmente saiu!

Fiquei lá, sentada, completamente arrasada. Onde euestava com a cabeça quando pensei que aquilo daria certo?Maxon podia não saber tudo sobre mim, mas pelo menosconhecia meu caráter. E aquela… aquela não era eu.

Baixei os olhos para aquele vestido ridículo. Era demais.

Nem Celeste teria ido tão longe. Meu cabelo estavaperfeito demais; minha maquiagem, carregada demais. Eletinha entendido minhas intenções desde o primeiro segundoem que pôs os pés no quarto. Suspirando, apaguei as velasuma por uma e fiquei imaginando como iria encará-lo nodia seguinte.

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23

Pensei em fingir uma gastrite. Ou uma enxaquecaarrasadora.

Ataque de pânico. Sério, qualquer coisa que me livrassedo café da manhã.

Então pensei em Maxon e no que ele sempre dizia sobreencarar as dificuldades com a cabeça erguida. Talvez nãofosse meu ponto forte, mas se ao menos eu descesse até asala de jantar, se ao menos estivesse presente… quem sabeele me daria algum crédito.

Na esperança de consertar pelo menos parte do que fizera,pedi às criadas que me vestissem com a roupa maisdiscreta que eu tivesse. Só por esse pedido elasentenderam que não deviam perguntar nada sobre a noiteanterior. O decote do vestido era um pouco mais fechadodo que costumávamos usar no clima quente de Angeles, e asmangas chegavam quase até o cotovelo. Era florido ealegre, o oposto do visual da noite anterior.

Mal consegui olhar para Maxon quando entrei na sala dejantar, mas pelo menos mantive a postura ereta.

Quando finalmente dei uma espiada em sua direção, láestava ele me observando, com um sorriso irônico noslábios.

Enquanto comia, Maxon piscou para mim, e voltei a baixara cabeça, fingindo estar muito interessada na minhaquiche.

— Bom ver você com roupas de verdade hoje — Krissdisparou.

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— Bom ver você de bom humor.

— O que deu na sua cabeça? — ela perguntou.

Desanimada, não quis prolongar a conversa.

— Estou sem paciência para isso hoje, Kriss. Só quero quevocê me deixe em paz.

Por um instante, achei que ela fosse reagir, masaparentemente eu não valia o esforço. Ela se ajeitou nacadeira e continuou a comer. Se eu tivesse obtido ummínimo de sucesso na noite anterior, poderia justificarminhas ações. Mas do jeito que as coisas tinham ido,sequer podia fingir orgulho.

Arrisquei outro olhar para Maxon. Apesar de não estarmais me observando, dava para perceber que ainda sesegurava para não rir enquanto cortava a comida. Erademais. Eu não suportaria um dia inteiro daquele jeito.Já estava me preparando para desmaiar, fingir uma dor debarriga ou tentar qualquer outra coisa para sair dali omais rápido possível quando um mordomo entrou na sala.Trazia um envelope em uma bandeja de prata e fez umareverência antes de colocá-la diante do rei Clarkson.

O rei pegou a carta e leu-a no ato.

— Malditos franceses! — resmungou. — Desculpe, Amberly,mas parece que terei de partir dentro de uma hora.

— Mais um problema com o tratado de comércio? — a rainhaperguntou tranquilamente.

— Sim. Pensei que tivéssemos acertado tudo meses atrás.

Precisamos ser firmes desta vez.

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O rei atirou o guardanapo na mesa, levantou e seguiu emdireção à porta.

— Pai! — Maxon chamou, também se levantando. — Não querque eu vá junto?

De fato, eu tinha achado estranho o rei não vociferarnenhuma ordem para que o filho o seguisse quando selevantou. Afinal, era esse o seu método de ensino. Destavez, porém, ele se voltou para Maxon e, com o olhar frioe a voz cortante, disparou:

— Quando você estiver pronto para se comportar como umrei, poderá vivenciar o que um rei faz. — E se retirou,sem dizer mais nada.

Maxon permaneceu de pé por alguns instantes, chocado eenvergonhado pela bronca que levara na frente de todomundo. Sentou novamente e se dirigiu à mãe: — Para sersincero, não estava muito animado com o voo — comentou,para aliviar a tensão com uma piada. A rainha sorriu,como obviamente era sua obrigação, e nós ignoramos oocorrido.

As outras garotas terminaram o café da manhã e pediramlicença para ir ao Salão das Mulheres. Quando restávamosapenas Maxon, Elise e eu, levantei os olhos para ele.

Mexemos na orelha ao mesmo tempo e sorrimos. Elisefinalmente saiu, e nos encontramos no meio da sala dejantar, sem nos importarmos com as criadas e os mordomosque chegavam para limpar a mesa.

— Ele não vai levar você por minha causa — lamentei.

— Talvez — Maxon provocou. — Acredite, não é a primeiravez que ele tenta me colocar no meu lugar, e, na cabeça

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dele, tem milhares de motivos para isso. Não mesurpreenderia se o principal motivo agora fosse despeito.Ele não quer deixar o poder, mas quanto mais perto euchego de escolher uma esposa, maior a probabilidade deque isso aconteça. Apesar de ambos sabermos que ele nuncaabrirá mão do governo.

— Você deveria me mandar para casa de uma vez. Ele nuncavai deixar que me escolha.

Eu ainda não contara a ele que seu pai havia meencurralado e me ameaçado no meio do corredor depois queMaxon o convencera a me deixar ficar. O rei Clarksondeixara bem claro que era para eu ficar de boca fechadasobre aquela conversa, e eu não pretendia contrariá-lo.Ao mesmo tempo, odiava guardar segredos de Maxon.

— Além disso — acrescentei, cruzando os braços —, depoisde ontem à noite, não acho que você me queira por aquimesmo.

Ele mordeu os lábios.

— Desculpe pela minha reação, mas, sério, o que mais eupodia fazer?

— Eu tinha várias ideias — murmurei, ainda envergonhadapor ter tentado seduzi-lo. — Agora me sinto uma idiota —completei, escondendo o rosto entre as mãos.

— Pare com isso — ele disse gentilmente e me abraçou. —Acredite, foi muito tentador, mas você não é assim.

— Mas não deveria ser? Isso não deveria fazer parte doque somos? — lamentei, apoiando a cabeça em seu peito.

— Você não se lembra da noite no abrigo? — Maxonperguntou baixinho.

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— Sim, mas aquilo era basicamente a nossa despedida.

— Teria sido uma despedida fantástica.

Recuei, dando um leve empurrão nele. Ele achou graça,feliz por ter amenizado o desconforto da situação.

— Vamos esquecer esse assunto — propus.

— Ótimo — concordou. — Além do mais, temos um projetopara pôr em prática, você e eu.

— Temos?

— Temos. Como meu pai está fora, este é o momento idealpara começarmos a bolar estratégias.

— Certo — eu disse, empolgada por fazer parte de algo sóentre nós dois.

Maxon respirou fundo, me deixando ansiosa para descobriro que estava tramando.

— Você tem razão. Meu pai não a aprova. Mas ele pode serobrigado a ceder se conseguirmos uma coisa.

— Que coisa?

— Precisamos fazer de você a favorita do povo.

Fiz uma careta.

— Esse é o nosso projeto, Maxon? Nunca vai acontecer.

Vi uma pesquisa em uma das revistas da Celeste depois quetentei salvar Marlee. As pessoas não me suportam.

— As opiniões mudam. Não deixe um momento isoladodesanimá-la.

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Eu ainda achava que era impossível, mas o que poderiadizer? Se aquela era minha única opção, pelo menosdeveria tentar.

— Tudo bem — eu disse. — Mas já vou avisando que não vaifuncionar.

Com um sorriso travesso no rosto, Maxon chegou bem pertoe me deu um beijo longo e demorado.

— Pois eu digo que vai.

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24

Entrei no Salão das Mulheres com o plano de Maxon nacabeça. A rainha ainda não havia chegado e todas asmeninas riam juntas perto da janela.

— America, venha aqui! — chamou Kriss, como se fosseurgente. Até Celeste se virou para mim com um sorriso eum gesto para que me aproximasse.

Desconfiei um pouco do que me esperava, mas me juntei aogrupo mesmo assim.

— Meu Deus! — exclamei.

— Pois é — suspirou Celeste.

Lá estava metade dos guardas do palácio, sem camisa,correndo em volta do jardim. Aspen tinha me contado quetodos os guardas tomavam uma injeção para ficarem fortes,mas aparentemente eles também faziam um monte deexercícios para manter o corpo em forma.

Apesar de sermos todas leais a Maxon, não dava paraignorar tantos garotos lindos.

— O loiro… — Kriss comentou. — Bom, acho que é loiro. Ocabelo está tão curto!

— Eu gosto deste aqui — cochichou Elise quando outrosoldado passou pela janela.

Kriss segurou o riso.

— Não acredito que estamos fazendo isso!

— Ali, ali! Aquele cara de olhos verdes — disse Celeste,

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apontando para Aspen.

Kriss deixou escapar um suspiro.

— Dancei com ele no Halloween. Além de bonito, édivertido.

— Também dancei com ele — gabou-se Celeste. — O

guarda mais lindo do palácio, fácil.

Tive que dar uma risadinha. Imaginei como ela se sentiriase soubesse que Aspen tinha sido um Seis antes de setornar guarda.

Enquanto o observava correr, pensei nas centenas de vezesem que fora envolvida por aqueles braços. A distânciacada vez maior entre nós parecia inevitável, mas mesmoassim me perguntava se havia uma maneira de preservar umaparte do que vivemos. E se eu precisasse dele?

— E você, America? — Kriss perguntou.

Aspen era o único que me atraía e, depois de sofrer tantopor ele, parecia idiota escolher alguém. Achei melhor meesquivar da pergunta.

— Não sei. São todos bonitinhos.

— Bonitinhos? — repetiu Celeste. — Você está debrincadeira! Estão entre os caras mais lindos que já vi.

— São só uns caras sem camisa — repliquei.

— Então aproveite a vista porque daqui a pouco só vaipoder olhar para nós três aqui dentro — Celeste disse emtom grosseiro.

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— Sei lá. Maxon fica tão bem sem camisa quanto qualquerum desses caras.

— O quê? — bravejou Kriss.

Só percebi o que tinha dito um segundo depois de aspalavras escaparem da minha boca. As três olhavamfixamente para mim.

— Quando exatamente você e Maxon ficaram sem camisa? —Celeste quis saber.

— Eu não fiquei!

— Mas ele ficou? — Kriss perguntou. — Foi por isso quevocê usou aquele vestido péssimo ontem à noite?

Celeste estava em choque:

— Sua vadia!

— Como é? — gritei.

— Bom, o que você esperava? — ela emendou, cruzando osbraços. — A não ser que você queira nos contar o queaconteceu e provar que estamos erradas.

O problema é que não havia como explicar o assunto.

Despir Maxon não tinha sido exatamente um momentoromântico, mas eu não podia contar que tinha cuidado deferidas nas costas dele causadas justamente por seu pai.Maxon guardaria esse segredo a vida inteira. Se o traísseagora, seria o fim da nossa relação.

— Celeste estava seminua com ele nos corredores! —acusei, com o dedo apontado para ela.

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O queixo dela caiu.

— Como você sabe?

— Quer dizer que todo mundo já ficou sem roupa com Maxon?— Elise perguntou, horrorizada.

— Não ficamos sem roupa! — gritei.

— Chega — disse Kriss, levantando os braços. — Precisamostirar isso a limpo. Quem fez o que com Maxon?

Todas se calaram por alguns instantes. Ninguém queria sera primeira a falar.

— Eu o beijei — revelou Elise. — Três vezes e só.

— Eu nunca o beijei — confessou Kriss. — Mas foi escolhaminha. Ele me beijaria se eu deixasse.

— Sério? Nenhuma vez? — perguntou Celeste, chocada.

— Nenhuma.

— Bom, eu o beijei várias vezes — Celeste falou, jogandoo cabelo para trás, orgulhosa em vez de envergonhada. — Amelhor foi naquela noite no corredor.

E, com os olhos em mim, completou: — Ficamos cochichandosobre como era emocionante saber que podíamos ser pegosno flagra.

Então todas se viraram para mim. Lembrei das palavras dorei, quando insinuou que talvez outras garotas estivessemdispostas a ser mais atiradas do que eu. Mas eu sabia queessa era apenas mais uma de suas armas, uma tentativa deme fazer sentir insignificante. Decidi ser honesta.

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— O primeiro beijo de Maxon foi comigo, não com Olivia.Eu não queria que ninguém soubesse. E depois houveoutros… momentos mais íntimos. Em um deles, Maxon ficousem camisa.

— Ficou sem camisa? Assim, num passe de mágica, ela saiu?— pressionou Celeste.

— Ele tirou — admiti.

Ainda não satisfeita, Celeste continuou a forçar a barra.

— Ele tirou ou você tirou?

— Acho que os dois.

Depois de alguns instantes tensos, Kriss retomou apalavra: — Muito bem, agora sabemos a posição de cadauma.

— E qual é? — Elise perguntou.

Ninguém respondeu.

— Só queria dizer… — comecei — que todos esses momentosforam muito importantes para mim, e que realmente meimporto com Maxon.

— Você quer dizer que a gente não se importa? — vociferouCeleste.

— Sei que você não se importa.

— Como ousa?!

— Celeste, todo mundo sabe que você quer alguém compoder. Até apostaria que você gosta um pouco dele, masnão é apaixonada. Você quer a coroa.

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Sem negar, ela se voltou para Elise.

— E essa aqui? Nunca vi qualquer traço de emoção em você!

— Sou reservada. Você devia tentar de vez em quando —Elise rebateu no ato. Aquela faísca de raiva me fezgostar dela um pouco mais. — Na minha família, todos oscasamentos são arranjados. Eu sabia que comigo tambémseria assim.

Posso não estar completamente apaixonada, mas respeitoMaxon. O amor pode vir depois.

Kriss falou, em tom amigável:

— Isso parece meio triste, Elise.

— Não é. Há coisas maiores do que o amor.

Todas encaramos Elise, digerindo suas palavras. Eu tinhalutado pela minha família em nome do amor e, também emnome do amor, tinha feito o mesmo por Aspen. E agora,apesar de a simples ideia me assustar, estava certa deque todas as minhas ações em relação a Maxon — mesmo asmais bobas — também eram motivadas por esse sentimento. Ese houvesse algo mais importante?

— Bom, eu admito: amo Maxon — Kriss desabafou. — Amo equero que se case comigo.

De volta à discussão, minha vontade era de derreter pelocarpete. O que eu tinha começado?

— Muito bem, America, desembuche — exigiu Celeste.

Gelei e comecei a respirar com dificuldade. Demorei umpouco para encontrar as palavras certas.

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— Maxon sabe o que eu sinto, e é isso o que importa.

Ela fez uma cara de decepção, mas não me pressionou mais.Sem dúvida estava com medo de que eu fizesse o mesmo comela.

Permanecemos lá, nos entreolhando. A Seleção já duravameses, e agora finalmente podíamos enxergar osverdadeiros objetivos de cada uma na competição. Agoratodas sabíamos qual era a relação das concorrentes comMaxon — pelo menos em parte —, e era possível compará-las.

A rainha chegou momentos depois e nos desejou bom-dia.

Depois de cumprimentá-la com uma reverência, nosafastamos. Para os cantos do salão, para dentro de nósmesmas. Talvez tudo se resumisse a isso mesmo. Havia umpríncipe e quatro garotas, três das quais voltariam paracasa com pouco mais que uma história interessante sobrecomo passaram o outono.

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25

Eu dava voltas pela biblioteca do primeiro andar,retorcendo as mãos e tentando organizar as palavras queia dizer. Sabia que precisava explicar o que tinhaacabado de acontecer antes que ele ouvisse da boca dasoutras meninas, mas isso não queria dizer que estavaansiosa pela conversa.

— Toc, toc — ele disse enquanto entrava. Logo notou apreocupação em meu rosto. — O que houve?

— Não fique bravo — avisei enquanto ele se aproximava.

Maxon desacelerou o passo. Sua expressão apreensiva agoraera de cautela.

— Tentarei.

— As garotas sabem que vi você sem camisa.

Ao ver a pergunta se formar em sua boca, emendei: — Nãocontei nada sobre as suas costas — jurei. — Até quis,porque agora elas simplesmente acham que passamos a noiteno maior amasso.

Maxon sorriu.

— Mas foi assim no final das contas.

— Sem gracinhas, Maxon! Elas me odeiam agora.

Ele me abraçou sem perder o brilho nos olhos.

— Se serve de consolo, não estou bravo. Não me importo,desde que você guarde meu segredo. Só estou um poucochocado que você tenha contado a elas. Aliás, como esse

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assunto surgiu?

Deitei a cabeça em seu peito.

— Acho que não posso contar.

— Humm… Pensei que estivéssemos trabalhando nossaconfiança — ele disse, correndo o polegar pelas minhascostas.

— E estamos. Peço que confie em mim quando digo que ascoisas só vão piorar se eu contar o resto.

Talvez eu estivesse enganada, mas algo me dizia querevelar a Maxon o episódio dos guardas suados e semcamisa traria algum tipo de problema para todas nós.

— Certo — ele disse enfim. — Então as garotas sabem quevocê me viu parcialmente despido. Algo mais?

— Elas sabem — comecei, depois de um pouco de hesitação —que seu primeiro beijo foi comigo. E eu sei tudo o quevocê fez ou deixou de fazer com elas.

Maxon deu um pulo para trás.

— O quê?

— Depois que deixei escapar a história de você semcamisa, começou uma sessão de acusações e resolvemosfalar a verdade. Sei que você já beijou Celeste váriasvezes e que já teria beijado Kriss há tempos se elativesse deixado. Tudo veio à tona.

Ele levou a mão ao rosto e deu alguns passos enquantoprocessava as informações.

— Então não tenho mais nenhuma privacidade? Nenhuma?

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Porque vocês quatro resolveram comparar os placares?

Sua frustração era evidente.

— Para alguém tão preocupado com a honestidade, vocêdeveria agradecer.

Maxon parou e me encarou.

— Como é?

— Tudo está às claras agora. Todas nós temos uma boaideia da situação de cada uma. Eu, por exemplo, estougrata.

Maxon contorceu o rosto.

— Grata?

— Se você tivesse me contado antes que Celeste e eutínhamos quase a mesma intimidade física com você, eu nãoteria tentado nada na noite passada. Você tem ideia dahumilhação que passei?

O príncipe deu uma risada irônica e voltou a andar.

— Por favor, America. Você já disse e fez tantas coisasestúpidas que para mim seria uma surpresa descobrir quevocê ainda é capaz de sentir vergonha.

Talvez por ter recebido uma educação menos sofisticada,demorei um pouco para sentir todo o impacto daquelaspalavras. Maxon sempre gostara de mim. Ao menos era o quedizia. E sentia isso apesar da opinião dos outros. Seriatambém apesar de sua própria opinião?

— Vou me retirar — eu disse com a voz calma, incapaz deencará-lo nos olhos. — Me desculpe por contar a história

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da camisa.

Segui em direção à porta, me sentindo tão pequena que meperguntava se ele teria notado o movimento.

— Vamos, America. Não quis dar a entender que…

— Não, tudo bem — balbuciei. — Vou prestar mais atençãoàs minhas palavras.

Subi as escadas. Não sabia ao certo se queria ou não queMaxon me seguisse. Ele ficou.

Quando cheguei ao quarto, encontrei Anne, Mary e Lucy,que trocavam os lençóis e espanavam as prateleiras.

— Olá, senhorita — cumprimentou Anne. — Deseja um chá?

— Não. Só quero sentar na sacada um pouquinho. Se alguémme procurar, diga que estou descansando.

Anne franziu a testa, mas concordou.

— Claro.

Passei um tempo tomando ar fresco. Depois dei uma lida notexto que Silvia tinha preparado para nós. Tirei umcochilo e toquei um pouco de violino. Desde que euconseguisse ficar longe das outras meninas e de Maxon,não me importava de fazer absolutamente qualquer coisa.

Com o rei fora, tínhamos permissão para fazer asrefeições no quarto. Foi o que fiz. Quando estava nametade do meu frango ao molho de pimenta e limão, ouvibaterem à porta.

Talvez estivesse paranoica, mas tinha certeza de que eraMaxon. Não tinha condições de vê-lo naquele momento.

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Agarrei Mary e Anne e fui ao banheiro.

— Lucy — sussurrei —, diga a ele que estou no banho.

— Ele? Banho?

— Sim. Não o deixe entrar — foi minha instrução.

Fechei a porta e grudei o ouvido nela.

— O que significa isso? — Anne perguntou.

— Conseguem ouvir alguma coisa? — perguntei.

As duas também encostaram o ouvido na porta, à espera dealgum som inteligível.

Eu só escutava a voz abafada de Lucy, mas quando meaproximei do vão da porta, pude ouvir claramente aseguinte conversa: — Ela está no banho, Alteza — Lucyrespondeu com tranquilidade. Era mesmo Maxon.

— Ah, tinha esperança de que ela ainda estivesse comendo.

Pensei que talvez pudéssemos jantar juntos.

— A senhorita decidiu tomar um banho antes de comer.

A voz de Lucy vacilava um pouco, se sentindo mal com amentira.

Vamos, Lucy. Aguente firme, pensei.

— Entendi. Bom, você poderia pedir para America me chamarquando terminar? Gostaria de falar com ela.

— Humm… Talvez o banho seja demorado, Alteza.

Maxon se calou por um momento.

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— Ah. Tudo bem. Então você pode, por favor, dizer a elaque estive aqui e que ela pode me chamar se quiserconversar? Diga também para não se preocupar com a hora.

Eu virei.

— Sim, senhor.

Houve um longo silêncio. Comecei a achar que ele já tinhasaído.

— Bem… Obrigado — Maxon disse afinal. — Boa noite.

— Boa noite, Alteza.

Fiquei escondida por mais alguns instantes para tercerteza de que ele tinha ido embora. Quando saí, Lucyainda estava ao lado da porta. Percebi a expressão deinterrogação nos olhos das criadas.

— Só quero ficar sozinha esta noite — expliqueivagamente. — Aliás, acho que já estou pronta para dormir.

Por favor, levem a bandeja com o jantar. Vou me prepararpara deitar.

— A senhorita quer que uma de nós fique? — perguntouMary. — Caso deseje chamar o príncipe?

Dava para perceber a esperança nos olhos delas, mas tiveque desapontá-las.

— Não. Só preciso descansar. Vejo Maxon pela manhã.

Era estranha a sensação de me deitar sabendo que existiauma pendência entre mim e Maxon, mas não sabia o quedizer a ele naquele momento. Não fazia sentido. Játínhamos passado por tantos altos e baixos, por tantas

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tentativas de transformar o que havia entre nós em umarelação de verdade. Estava claro, porém, que, se issofosse acontecer, ainda teríamos um longo caminho pelafrente.

Fui acordada bruscamente antes do amanhecer. A luz docorredor invadiu meu quarto e, enquanto eu aindaesfregava os olhos, um guarda entrou.

— Senhorita America, acorde, por favor — disse ele.

— O que houve? — perguntei com um bocejo.

— Uma emergência. A senhorita precisa descer até oprimeiro andar.

Senti meu coração parar na hora. Minha família tinhamorrido; eu sabia. Guardas haviam sido enviados; tínhamosavisado nossos familiares que isso era possível, mashavia rebeldes demais. O mesmo acontecera com Natalie.Ela deixara a Seleção depois que os rebeldes mataram suairmã mais nova. Nossas famílias não estavam seguras.

Joguei os cobertores no chão e vesti o roupão e pantufas.

Atravessei o corredor e a escadaria o mais rápido quepude.

Quase caí duas vezes nos degraus.

Quando cheguei ao primeiro andar, encontrei Maxonconversando seriamente com um guarda. Corri até ele, semnem me lembrar do que tinha acontecido nos diasanteriores.

— Como eles estão? — perguntei, tentando segurar o choro.

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— Foi muito grave?

— O quê? — ele perguntou, com um abraço inesperado.

— Meus pais, meus irmãos! Como eles estão?

Maxon me segurou pelos braços e me olhou bem sério.

— Eles estão bem, America. Desculpe; eu devia terimaginado que essa seria a primeira coisa a vir à suacabeça.

Quase chorei de alívio.

Maxon parecia um pouco confuso, mas continuou: — Osrebeldes estão no palácio.

— O quê? — exclamei. — E por que não vamos nos esconder?

— Não estão aqui para atacar.

— Então, por que estão aqui?

O príncipe soltou um suspiro.

— São apenas dois rebeldes nortistas. Não vieram armadose querem falar especificamente comigo… e com você.

— Por que eu?

— Não sei ao certo. Vou falar com eles agora e pensei emchamar você para participar da conversa também.

Olhei para a minha roupa e passei a mão no cabelo.

— Estou de camisola.

Maxon sorriu.

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— Eu sei, mas vai ser bem informal. Não tem problema.

— Você quer que eu fale com eles?

— A escolha é sua, mas estou curioso para saber por queesses rebeldes pediram para falar com você em especial. Enão sei se vão contar o motivo se você estiver ausente.

Baixei a cabeça e comecei a ponderar a situação. Nãotinha certeza de que queria conversar com os rebeldes.Com ou sem armas, eles eram muito mais letais do que eujamais seria. Mas se Maxon achava que eu podia, talvezdevesse tentar…

— Tudo bem — eu disse, endireitando o corpo. — Tudo bem.

— Você não vai se machucar, America. Prometo.

Ele ainda segurava minha mão e apertou de leve meusdedos.

— Vá na frente — Maxon disse ao guarda. — Mantenha ocoldre aberto por precaução.

— Claro, Alteza — respondeu o guarda, e depois nos guioupelo corredor até o Grande Salão, onde duas pessoasestavam de pé, cercadas por mais guardas.

Em segundos encontrei Aspen na multidão.

— Você poderia dispensar seus cães de guarda? — pediu umdos rebeldes. Ele era alto, magro e loiro. Suas botasestavam cobertas de lama e sua roupa parecia de um Sete:calças grosseiras mais ou menos justas, uma camisaremendada e uma jaqueta de couro surrada. Uma bússolaenferrujada pendia de seu pescoço por uma longa correntee movia-se quando ele mexia o pescoço. Tinha umaaparência bruta sem ser assustador, e isso não era bem o

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que eu esperava.

Muito mais inesperado era ele estar acompanhado por umamoça. Ela também calçava botas. No entanto, como sequisesse parecer preparada e estilosa ao mesmo tempo,vestia uma legging e uma saia feita do mesmo tecido que acalça do rapaz. Suas mãos repousavam confiantes nosquadris, apesar de todos os guardas que a cercavam. Mesmoque eu não tivesse reconhecido seu rosto, teria lembradode sua jaqueta.

Era jeans, acinturada e com flores bordadas.

Para confirmar que eu sabia quem ela era, a moça fez umapequena reverência. Deixei escapar algo entre um riso eum arquejo.

— O que foi? — Maxon perguntou.

— Depois — cochichei.

Ele estava confuso, mas calmo, e apertou novamente minhamão. Então, voltamos nossa atenção aos convidados.

— Viemos conversar em paz — anunciou o homem. — Estamosdesarmados e fomos revistados por seus guardas. Sei quetalvez seja inadequado pedir privacidade, mas gostaríamosde discutir assuntos que ninguém mais deve ouvir.

— E America? — perguntou Maxon.

— Queremos falar com ela também.

— Com que finalidade?

— Mais uma vez — o jovem respondeu, quase com desdém —,precisamos conversar a sós, longe desses caras — e, comum sorriso cínico, estendeu o braço na direção dos

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soldados.

— Se você acha que pode machucá-la…

— Sei que vocês não acreditam em nós, e por um bommotivo. Só que não temos por que machucar vocês.

Queremos apenas conversar.

Maxon refletiu por um instante.

— Você — ordenou a um dos guardas —, traga uma mesa equatro cadeiras para cá. Depois, afastem-se para darespaço aos nossos visitantes.

Os soldados obedeceram, e permanecemos calados por algunspoucos e desconfortáveis minutos. Quando finalmentetrouxeram uma mesa de uma pilha no canto e puseram um parde cadeiras de cada lado, Maxon indicou aos dois rebeldesque se sentassem conosco.

À medida que caminhávamos, os guardas se afastavam e, emsilêncio, formavam um círculo ao redor do salão. Com osolhos fixos nos rebeldes, pareciam prontos para atirarsem pensar duas vezes.

Ainda em pé junto à mesa, o rebelde estendeu a mão.

— Não acha que é hora de fazer as apresentações?

Maxon olhou para ele com cuidado, mas depois cedeu.

— Maxon Schreave, seu soberano.

O jovem conteve o riso.

— É uma honra, senhor.

— E você, quem é?

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— August Illéa, a seu serviço.

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Maxon e eu nos entreolhamos, e depois voltamos a atençãopara os rebeldes.

— Você ouviu bem. Sou um Illéa, e legítimo. E minhacompanheira aqui também será, mais cedo ou mais tarde,quando nos casarmos — disse August, apontando para amoça.

— Georgia Whitaker — ela se apresentou. — E, claro,sabemos tudo sobre você, America.

Ela abriu outro sorriso para mim, que retribuí. Eu nãosabia bem se confiava nela, mas com certeza não a odiava.

— Então meu pai tinha razão — Maxon suspirou.

Arregalei os olhos, confusa. Ele sabia que haviadescendentes diretos de Gregory Illéa por aí? — Ele meavisou que vocês viriam atrás da coroa algum dia —completou.

— Não quero sua coroa — August garantiu.

— Que bom, porque pretendo governar este país — Maxondisse. — Fui criado para isso. Se você acha que podechegar aqui alegando que é tataraneto de Gregory…

— Não quero sua coroa, Maxon! Destruir a monarquia fazmais o estilo dos rebeldes do sul. Nós temos outrasmetas.

August sentou-se à mesa e reclinou a cadeira. Em seguida,como se estivéssemos em sua casa, indicou as cadeiras dolado oposto, nos convidando a sentar.

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Maxon e eu nos entreolhamos mais uma vez, mas sentamos;Georgia logo fez o mesmo. August nos encarou por uminstante, como se estivesse nos avaliando ou decidindopor onde começar.

Maxon, talvez para lembrar a todos quem mandava ali,quebrou o silêncio.

— Vocês querem chá ou café?

Georgia ficou radiante:

— Café?

Maxon não conteve o sorriso diante do entusiasmo dela ese virou para chamar um dos guardas.

— Você poderia pedir a uma das criadas para trazer café?

E bem forte, por favor — ele disse, e depois voltou a seconcentrar em August. — Não consigo imaginar o que desejade mim. Você fez questão de vir enquanto o paláciodormia.

Suponho que queira manter a visita o mais discretapossível.

Diga o que quer. Não posso prometer atendê-lo, masescutarei.

August assentiu e se aproximou mais da mesa.

— Há décadas temos procurado os diários de Gregory. Faztempo que sabemos de sua existência e recentementeconseguimos uma confirmação de uma fonte que não possorevelar.

Depois, olhando para mim, prosseguiu: — Não foi através

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da sua apresentação no Jornal Oficial que ficamossabendo.

Respirei aliviada. Assim que ele mencionou os diárioscomecei a me xingar mentalmente e me preparar para quandoMaxon acrescentaria esse fato à lista de coisas estúpidasque eu já tinha feito.

— Nunca quisemos derrubar a monarquia — August disse aMaxon. — Apesar de ela ter surgido de maneira corrupta,não vemos problema em ter um líder soberano,principalmente se esse líder for você.

Maxon permaneceu imóvel, mas pude sentir seu orgulho.

— Obrigado.

— Gostaríamos, sim, de outras coisas. De algumasliberdades específicas. Queremos poder assumir cargospúblicos e o fim das castas.

August disse tudo aquilo como se fosse fácil. Se tivessevisto o caos que aconteceu quando minha apresentação foicortada no Jornal Oficial, saberia que era bem maiscomplicado.

— Você fala como se eu já fosse o rei — Maxon respondeu,visivelmente frustrado. — Mesmo que fosse possível,simplesmente não tenho como atender sua reivindicação.

— Mas você está aberto à ideia?

Maxon levou as mãos à cabeça e depois as deixou cairsobre a mesa.

— É irrelevante se estou ou não aberto à ideia — afirmou,inclinando-se para a frente. — Eu não sou o rei.

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August soltou um suspiro e olhou para Georgia. Elespareciam se comunicar sem precisar de palavras; fiqueiimpressionada com aquela intimidade tão natural. Aliestavam em uma situação muito tensa — em que haviam semetido sem saber se sairiam —, e o sentimento que haviaentre os dois era evidente.

— Por falar em reis — Maxon acrescentou —, por que nãoexplica a America quem você é? Tenho certeza de que ofaria muito melhor do que eu.

Eu sabia que Maxon estava tentando ganhar tempo parapensar em como controlar a situação, mas nem me importei.

Estava morrendo de vontade de saber.

August abriu um sorriso insosso.

— Essa é uma história interessante — começou, seu tom devoz dando indícios de como seria empolgante. — Como vocêsabe, Gregory teve três filhos: Katherine, Spencer eDamon.

Katherine teve um casamento arranjado com um príncipe,Spencer morreu e Damon herdou o trono. Depois, quando ofilho de Damon, Justin, morreu, seu primo, PorterSchreave, tornou-se príncipe e se casou com a viúva deJustin, que vencera a Seleção meros três anos antes. Edesde então os Schreave se tornaram a família real. Nãodeveriam existir descendentes de Illéa. Mas nósexistimos.

— Nós? — indagou Maxon, como se quisesse saber números.

August apenas concordou com a cabeça. Passos ressoaram nosalão, anunciando a chegada da criada. Maxon levou umdedo aos lábios, pedindo a August que não dissesse nada

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na frente dela, como se ele já não fosse fazer isso. Acriada pôs a bandeja sobre a mesa e serviu café paratodos. Georgia agarrou sua xícara imediatamente, ansiosapara que fosse cheia. Eu não ligava muito para café —amargo demais para o meu gosto —, mas como sabia que memanteria acordada, resolvi tomar.

Antes que eu desse o primeiro gole, Maxon me passou oaçucareiro, como se soubesse que eu ia precisar.

— Você dizia? — retomou Maxon, tomando o café puro.

— Spencer não morreu — August disse sem cerimônias. — Elesabia o que o pai tinha feito para tomar o país. Sabiaque sua irmã havia sido praticamente vendida para secasar com uma pessoa que odiava e sabia que o mesmoaconteceria com ele. Mas ele não poderia suportar. Entãoresolveu fugir.

— Para onde ele foi? — perguntei, na minha primeiraintervenção na conversa.

— Escondeu-se com amigos e parentes. Acabou por criar umacampamento no norte, para pessoas que partilhavam dassuas ideias. A região é fria, úmida e bem mais difícil denavegar, então ninguém se arrisca a ir para lá. Vivemosem paz a maior parte do tempo.

Georgia, um tanto chocada, lhe deu um cutucão.

August caiu em si.

— Parece que acabei de dar as coordenadas para que vocêsnos ataquem. Quero apenas lembrá-lo de que nunca matamosnenhum conselheiro ou funcionário real e evitamos feri-los a todo custo. Nosso objetivo sempre foi acabar com ascastas.

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Para isso, precisávamos de uma prova de que Gregory forao homem que sempre nos contaram que tinha sido. Temosessa prova agora, e America deu pistas suficientes paranos sentirmos seguros em usar isso a nosso favor. Mas nãoqueremos. A não ser que seja extremamente necessário.

Maxon virou sua xícara de café e a pôs de lado.

— Honestamente, não sei o que fazer com essa informação.Você é um descendente direto de Gregory Illéa, mas nãoquer a coroa. Veio em busca de coisas que apenas o reipoderia oferecer, mas pediu uma audiência comigo e comuma das garotas da Elite. O rei nem sequer está nopalácio.

— Nós sabemos — disse August. — Foi tudo planejado.

Maxon bufou.

— Se vocês não querem a coroa e só pedem coisas que nãoestão ao meu alcance, por que estão aqui?

August e Georgia se entreolharam, talvez se preparandopara revelar o objetivo principal daquela conversa.

— Viemos fazer esses pedidos a você porque sabemos quevocê é sensato. Nós o observamos durante sua vidainteira.

Podemos ver isso em seus olhos. Vejo isso agora.

Tentei ver discretamente qual era a reação de Maxon aessas palavras. August prosseguiu: — Você também nãogosta das castas. Não gosta da forma como seu pai manda edesmanda no país. Não quer participar de guerras que sabeque não passam de distrações. Mais do que isso, vocêdeseja viver um período de paz.

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“Imaginamos que, quando você for rei, as coisas podemmudar de verdade. E há muito tempo esperamos por isso.

Estamos preparados para esperar um pouco mais. Osnortistas estão dispostos a nunca mais atacar o palácio ea fazer o possível para deter ou diminuir os ataquessulistas. Nós sabemos de muitas coisas que acontecem forados muros do palácio às quais você não tem acesso. Vamosjurar fidelidade caso você se comprometa a trabalhar paraque cada habitante de Illéa finalmente tenha a chance deviver sua própria vida.”

Maxon parecia não saber o que dizer, então decidi meintrometer:

— E o que os rebeldes do sul querem, afinal? Matar todosnós?

August balançou a cabeça, sem concordar nem negar.

— Em parte sim, mas só para que não haja ninguém paracombatê-los. Uma parcela muito grande da população éoprimida, e essa parcela, cada vez maior, chegou àconclusão de que poderia administrar o país com aspróprias mãos.

America, você é Cinco; conhece gente que odeia amonarquia.

Maxon virou discretamente para mim. Inclinei levemente acabeça para confirmar.

— Claro que conhece. Porque a única opção de quem estápor baixo é culpar quem está no topo. No caso deles, osmotivos para isso são mais que suficientes. Afinal, foialguém da primeira casta que os condenou a uma vida semesperança de melhora. Os comandantes do sul convenceram

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seus seguidores de que o jeito de recuperar o queacreditam ser deles é tomar tudo da monarquia. Mas hápessoas que desertaram do comando rebelde do sul e agoraestão comigo.

Para mim está claro que, caso os sulistas assumam opoder, não teriam intenção nenhuma de distribuir ariqueza.

Quando na história isso aconteceu?

“O plano deles é destruir Illéa, tomar o poder, fazer umpunhado de promessas e manter todos onde já estão agora.

Para a maioria das pessoas, a situação certamente iriapiorar.

Quem for Seis ou Sete não vai ascender, com exceção dealguns rebeldes selecionados em nome do espetáculo. OsDois e Três terão todos os bens confiscados. Muita gentevai se sentir vingada, mas isso não vai solucionar tudo.

“Se não houver estrelas do pop vomitando aquelas cançõesimbecis, não haverá músicos trabalhando no estúdiodurante as gravações nem funcionários de um lado para ooutro com as mídias nem comerciantes para vender osálbuns. Tirar uma pessoa do topo destrói milhares queestão embaixo.”

August fez uma pausa. Parecia consumido por essaspreocupações. Em seguida, prosseguiu: — Será como terGregory de novo, mas pior. Os sulistas podem ser maissanguinários do que vocês jamais seriam. As chances de opaís reagir são quase nulas. Será a velha opressão desempre, apenas com um novo nome… e seu povo sofrerá maisdo que nunca.

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Ele olhou fixamente para Maxon. Eles pareciam seentender, talvez por ambos terem nascido para liderar.

— Tudo o que precisamos é de uma garantia, e faremos omáximo possível para ajudá-lo a mudar as coisas, com paze justiça. Seu povo merece uma chance.

Maxon baixou o olhar. Eu não conseguia imaginar o que sepassava na cabeça dele.

— Que tipo de garantia? — perguntou enfim, um poucohesitante. — Dinheiro?

— Não — August respondeu, quase rindo. — Temos maisrecursos do que você imagina.

— E como isso é possível?

— Doações — explicou o rebelde com simplicidade.

Maxon assentiu, mas para mim aquilo era uma surpresa. Asdoações indicavam que havia pessoas — sabe-se lá quantas— que apoiavam a causa dos rebeldes nortistas. Qual seriaa força deles se esses doadores fossem considerados?Quantos cidadãos de Illéa desejavam exatamente a mesmacoisa que aqueles dois tinham ido ao palácio pedir?

— Se não é dinheiro — Maxon disse afinal —, o que vocêsquerem?

August se virou para mim.

— Escolha ela.

Escondi o rosto entre as mãos. Sabia como Maxon ia reagiràquilo.

Houve um longo silêncio antes de ele perder a paciência.

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— Não vou mais tolerar ninguém dizendo com quem devo ounão me casar! É com a minha vida que vocês estãobrincando!

Levantei os olhos e vi August levantar do outro lado damesa.

— E já faz anos que o palácio brinca com a vida dosoutros. Cresça, Maxon. Você é o príncipe. Se você quer amaldita coroa, então fique com ela. Só que esseprivilégio traz responsabilidades.

Os guardas começaram a vir em nossa direçãocautelosamente, alarmados com o tom de voz de Maxon e apostura agressiva de August. De onde estavam, com certezajá conseguiam ouvir tudo.

Maxon se levantou para responder: — Vocês não vãoescolher minha esposa e ponto final.

August, sem baixar a cabeça, recuou e cruzou os braços.

— Está bem! Temos outra opção se esta aqui não funcionar.

— Quem?

August fez uma cara de tédio.

— Não vou dizer depois da reação que você teve com anossa primeira proposta.

— Vamos, fale!

— Esta aqui ou aquela, pouco importa. Só precisamos dagarantia que você escolherá uma companheira que concordecom o plano.

— Meu nome é America — eu disse, irritada. Em seguida,

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levantei e o encarei direto nos olhos. — Não sou estaaqui.

Não sou um brinquedo da sua revoluçãozinha. Você falamuito de dar a todos de Illéa a chance de viver a vidaque quiserem. E eu? E o meu futuro? Não entra no plano?

Fiquei olhando para eles, à espera de uma resposta. Emvão. Os dois rebeldes permaneceram calados. De esguelha,pude ver os guardas nos cercarem. Baixei a voz eprossegui: — Sou totalmente a favor de acabar com ascastas, mas não sou um fantoche. Se é isso que você quer,há uma moça no andar de cima completamente apaixonada queatenderia a qualquer pedido só para se casar com opríncipe. E as outras duas… entre o dever e o prestígio,também fariam seu jogo.

Vá atrás de uma delas.

Sem pedir licença, dei as costas para ele e saí pisando omais firme possível para uma pessoa de pantufas e roupão.

— America, espere! — Georgia gritou. Eu já tinha cruzadoa porta quando ela me alcançou. — Só um minuto!

— insistiu.

— O que foi?

— Sentimos muito. Pensávamos que vocês dois estivessemapaixonados. Não fazíamos ideia de que ele se oporia àproposta. Tínhamos certeza de que Maxon iria concordar.

— Vocês não entendem. Ele está cansado de ser controladoe maltratado… Vocês não sabem pelo que Maxon passou.

Senti as lágrimas brotarem. Pisquei para não chorar eresolvi prestar atenção nos desenhos da jaqueta de

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Georgia.

— Sei mais do que você pensa — ela disse. — Talvez nãotudo, mas muita coisa. Temos acompanhado a Seleção deperto e vocês dois sempre pareceram se dar tão bem. Elefica tão feliz ao seu lado. Além disso… sabemos que vocêsalvou suas criadas.

Levei um segundo para entender exatamente o que aquilosignificava. Quem estaria nos observando a mando deles?

— E vimos o que fez por Marlee. Vimos você lutar. E

também teve sua apresentação alguns dias atrás. — Georgiariu. — É preciso ter muita coragem para fazer o que vocêfez — continuou. — Uma garota corajosa seria de grandeajuda para nós.

Discordei dela.

— Não tentei bancar a heroína. Na verdade, na maior partedo tempo não me sinto nem um pouco corajosa.

— E daí? Não importa o que você pensa do seu caráter. Sóimporta o que você faz com ele. Você, mais que as outras,faz o que é certo antes de pensar nas consequências parasi mesma. Maxon tem outras ótimas candidatas lá em cima,mas elas não sujariam as mãos para mudar as coisas. Nãocomo você.

— Boa parte do que fiz foi egoísta. Marlee era importantepara mim, e as minhas criadas também.

Georgia chegou mais perto.

— Mas essas ações não tiveram consequências?

— Sim.

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— E você provavelmente sabia disso. Mas agiu mesmo assim,para ajudar quem não podia se defender. Isso é especial,America.

Foi um elogio diferente dos que eu costumava ouvir. Sabialidar com meu pai dizendo que eu era uma ótima cantora,ou com Aspen falando que eu era a coisa mais linda queele já vira… mas isso? Era quase atordoante.

— Para ser sincera, depois de certas coisas que você fez,é inacreditável que o rei a tenha deixado ficar. Todaaquela história no Jornal Oficial… — ela comentou.

Dei risada.

— Ele ficou tão bravo — respondi.

— Fiquei impressionada por você ter saído viva de lá!

— Foi por um fio, para falar a verdade. E quase todos osdias me sinto a ponto de ser enxotada.

— Mas Maxon gosta de você, certo? O jeito como ele teprotege…

Dei de ombros.

— Há dias em que tenho certeza e outros em que não tenhoideia. Hoje não é um bom dia. Ontem também não foi. Nemanteontem, na verdade.

Ela concordou com a cabeça.

— Bom, de qualquer jeito continuamos na torcida por você.

— Por mim e por outra — corrigi.

— Verdade.

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Mais uma vez, ela não deu pistas sobre a outra favorita.

— Qual o motivo daquela reverência na floresta? Só tirarsarro da minha cara? — perguntei.

Georgia abriu um sorriso.

— Sei que às vezes pode não parecer, mas a família real érealmente importante para nós. Sem ela, os rebeldes dosul vão vencer. E se eles assumirem o poder… Bom, vocêouviu o que August disse. — Georgia sacudiu a cabeça. —Em todo caso — continuou —, eu tinha certeza de queestava diante da minha futura rainha, então achei quevocê merecia ao menos uma reverência.

O raciocínio dela era tão simples que me fez rir mais umavez.

— Você não imagina como é bom conversar com uma garotaque não é minha concorrente.

— Está ficando de saco cheio? — perguntou, solidária.

— Quanto menos gente, pior. Quer dizer, eu sabia queseria assim, mas… acho que tenho me preocupado mais comgarantir que as outras não sejam escolhidas, em vez detentar ser a garota que Maxon vai escolher. Não sei sefaz sentido.

Ela concordou com a cabeça.

— Faz. Mas, ei, foi você quem se inscreveu.

Achei graça.

— Na verdade, não. Fui meio que… encorajada a pôr meunome. Não queria ser princesa.

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— Sério?

— Sério.

Georgia sorriu.

— Não desejar a coroa talvez a torne a melhor pessoa parausá-la.

Olhei para ela. Seus olhos muito vivos me convenceram deque ela acreditava naquilo de verdade. Queria terperguntado mais, mas Maxon e August saíam do GrandeSalão. Os dois surpreendentemente calmos. Somente umguarda os seguia, à distância. August olhava para Georgiacomo se tivesse sofrido por ficar longe dela, mesmo queapenas por alguns minutos.

Talvez essa tenha sido a única razão para ela ter ido aopalácio junto com ele naquela noite.

— Está tudo bem, America? — Maxon perguntou.

— Sim. — Minha capacidade de olhar diretamente para eletinha desaparecido mais uma vez.

— É melhor você ir se arrumar — comentou. — Os guardasjuraram segredo, e gostaria que você fizesse o mesmo.

— Claro.

Ele parecia não ter gostado da maneira fria comorespondi, mas o que mais eu poderia fazer naquelemomento?

— Sr. Illéa, foi um prazer. Falaremos novamente em breve— Maxon disse para August, estendendo a mão paracumprimentá-lo.

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— Se precisar de algo, não hesite em pedir. Estamosrealmente ao seu lado, Alteza.

— Obrigado.

— Vamos, Georgia. Os guardas parecem estar se segurandopara não atacar.

A moça riu.

— Nos vemos por aí, America.

Concordei com a cabeça, certa de que nunca mais a veria etriste por isso. Ela passou por Maxon e deu a mão paraAugust. Com um guarda na escolta, os dois cruzaram aimensa porta do palácio, deixando Maxon e eu a sós novestíbulo.

Então ele olhou para mim. Balbuciei algo e apontei paraas escadas, me dirigindo para lá. Sua rápida objeção parame escolher apenas trouxera de volta a mágoa que suaspalavras tinham me causado no dia anterior, nabiblioteca. Pensei que estivéssemos entendidos depois doabrigo. Mas parecia que tudo tinha ficado mais complicadodo que antes, quando eu ainda tentava decidir o quantogostava dele.

Eu não sabia o que isso significava para nós. Nem seainda havia um nós com que valesse a pena me preocupar.

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27

Não importava o quão rápido eu tentasse chegar ao meuquarto: Aspen foi mais rápido. Eu não deveria ficarsurpresa.

Ele conhecia o palácio tão bem que isso não era nada paraele a essa altura.

— Ei — eu disse, sem saber direito por onde começar.

Ele me deu um abraço rápido e depois recuou.

— Essa é a minha garota.

Achei graça.

— É?

— Você pôs essa gente em seu devido lugar, Meri. —Arriscando a vida, Aspen acariciou minha bochecha. — Vocêmerece ser feliz. Todos merecemos.

— Obrigada.

Com um sorriso, segurou meu pulso. Deslocou o braceleteque Maxon tinha trazido da Nova Ásia para tocar o quehavia embaixo: a pulseira que eu fizera com o botão queele me dera. Seus olhos se entristeceram ao contemplaraquela nossa pequena recordação.

— Vamos conversar em breve. Conversar de verdade.

Temos muita coisa para resolver.

Depois de dizer isso, Aspen seguiu pelo corredor.Respirei fundo e levei as mãos à cabeça. Por acaso eletinha entendido que a minha reação no Salão significava

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que eu havia desistido de Maxon para sempre? Será queestava pensando que eu queria dar outra chance à nossarelação?

Mas, justamente, eu não tinha acabado de rejeitar Maxon?

Não tinha pensado no dia anterior que precisava de Aspenna minha vida?

Então por que estava com aquela sensação horrível?

O clima estava pesado no Salão das Mulheres. A rainhaAmberly estava sentada, escrevendo cartas. De tempos emtempos, levantava a cabeça e olhava para nós. Depois daconversa do dia anterior, estávamos evitando fazerqualquer coisa que nos obrigasse a interagir. Celesteestava deitada no sofá com uma pilha de revistas ao lado.Muito esperta, Kriss levara seu diário e agora escrevia,próxima à rainha mais uma vez. Por que eu não tinhapensado nisso? Elise tinha arranjado uma caixa de lápisde cor e trabalhava em algo perto da janela. Eu estava emuma poltrona perto da porta, lendo um livro.

Desse jeito, não precisávamos fazer contato visual.

Eu tentava me concentrar no que lia, mas na maior partedo tempo me perguntava quem os rebeldes queriam que fosseprincesa além de mim. Celeste era muito popular; seriafácil o povo segui-la. Imaginava se os rebeldes tinhamnoção de como ela era manipuladora. Talvez sim; elessabiam coisas sobre mim. Será que havia mais coisas sobreela de que eu não desconfiava?

Kriss era doce e, de acordo com uma pesquisa recente, umadas favoritas do povo. Sua família não tinha muito nome,

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mas ela era mais princesa que qualquer uma de nós.

Tinha uma postura de nobreza. Talvez esse fosse seugrande atrativo: não era perfeita, mas era muito amável.Havia dias em que até eu torcia por ela.

A menos suspeita para mim era Elise. Ela admitira que nãoamava Maxon e que estava no palácio apenas pelo dever. E

eu realmente achava que, quando ela falava em dever,referia-se à sua família ou às suas raízes na Nova Ásia,não aos rebeldes do norte. Além disso, ela era tão calmae resignada.

Não dava qualquer sinal de rebeldia.

Então, pensando sobre isso, tive certeza absoluta de queera ela a outra favorita dos rebeldes. Elise mal tentavacompetir e já tinha confessado sua indiferença em relaçãoa Maxon.

Talvez não precisasse tentar, pois contava com umexército silencioso de apoiadores que lhe entregaria acoroa de qualquer jeito.

— Já chega — a rainha disse de repente. — Venham todasaqui.

Ela afastou a mesinha que usava e levantou, enquanto nosaproximávamos, nervosas.

— Algo está errado aqui. O que é?

Nos entreolhamos. Ninguém queria explicar. Por fim,Kriss, sempre perfeita, resolveu falar: — Majestade, sóagora tomamos consciência de como a competição éacirrada. Temos um pouco mais de noção da posição de cadauma de nós em relação ao príncipe, e é difícil absorver

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tudo isso e ainda conversar neste momento.

A rainha assentiu, como se entendesse a questão.

— Vocês pensam muito em Natalie? — perguntou.

Fazia menos de uma semana que ela havia partido. Eupensava nela quase todos os dias. Também pensava emMarlee o tempo todo. E, às vezes, alguma das outrasgarotas vinha à minha cabeça do nada.

— Sempre — Elise respondeu com tranquilidade. — Ela eratão alegre.

Ela sorriu ao dizer isso. Sempre achei que Natalieirritava Elise. Uma era tão reservada, e a outra,espaçosa demais.

Talvez as duas mantivessem uma amizade do tipo “osopostos se atraem”.

— Às vezes ela ria das coisas mais simples — Krissacrescentou. — Era contagiante.

— Exatamente — a rainha comentou. — Já estive no lugar devocês. Sei como é difícil. Vocês procuram segundasintenções em tudo o que as outras fazem; e tambémprocuram segundas intenções em tudo o que Maxon faz.Cismam com qualquer conversa, na tentativa de interpretarcada suspiro entre uma frase e outra. É exaustivo.

Aquelas palavras tiraram um pouco do peso das costas detodas nós. Alguém nos compreendia.

— No entanto, tenham a certeza disto: por mais tensõesque haja entre vocês, a saída de cada uma vai doer muito.

Ninguém jamais entenderá esta experiência a não ser quem

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passou por ela; pela Elite, principalmente. Vocês podembrigar, mas isso é comum entre irmãs. É para estasmeninas — disse, apontando o dedo para cada uma de nós —que uma de vocês vai ligar quase diariamente durante oprimeiro ano, sempre que estiver morrendo de medo decometer um erro e precisar de apoio. Nas festas, vai pôrseus nomes no topo da lista de convidados, logo abaixo desua família. Porque é isso que vocês são agora. Nunca vãoperder o vínculo que construíram aqui.

Trocamos olhares novamente. Se eu fosse princesa eprecisasse de alguém com uma perspectiva racional emrelação a algum problema, ligaria primeiro para Elise. Sebrigasse com Maxon, Kriss poderia me lembrar de tudo oque ele tem de bom. E Celeste… bom, não tinha tantacerteza, mas se havia alguém que poderia me dizer paraser mais dura em relação a alguma coisa, esse alguémseria ela.

— Então reflitam — aconselhou a rainha. — Adaptem-se aessa nova situação e deixem o resto fluir. Não são vocêsque o escolhem; ele é quem escolhe vocês. Não faz sentidoodiar as outras por isso.

— A senhora sabe quem ele mais deseja? — Celesteperguntou. Pela primeira vez, percebi uma preocupação emsua voz.

— Não — a rainha Amberly confessou. — Às vezes desconfio,mas não tenho a pretensão de compreender todos ossentimentos de Maxon. Sei quem o rei escolheria. E só.

— Quem a senhora escolheria? — perguntei, e logo merepreendi mentalmente por fazer uma pergunta tãodescarada.

A rainha abriu um sorriso gentil.

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— Sinceramente, não pensei no assunto. Ficaria de coraçãopartido se começasse a amar uma de vocês como filha edepois a perdesse. Não suportaria.

Baixei os olhos. Não sabia ao certo se aquelas erampalavras de consolo ou não.

— Posso dizer que ficaria feliz por ter qualquer uma devocês na minha família — Levantei a cabeça, e a rainhademorou o olhar em cada uma de nós. — Agora temostrabalho a fazer.

Permanecemos ali caladas, assimilando sua sabedoria.

Nunca havia procurado saber sobre as concorrentes daúltima Seleção, ido atrás de suas fotos ou algo assim.Conhecia alguns nomes, a maioria deles mencionados pormulheres mais velhas nas festas em que ia cantar. Nuncatinha dado importância a isso. Já tínhamos uma rainha e,mesmo quando eu era criança, a ideia de me tornarprincesa nunca me passara pela cabeça. Naquele momento,porém, comecei a pensar nas mulheres que visitavam arainha ou que tinham aparecido no Halloween. Quantasdelas tinham sido suas concorrentes antes de se tornaremsuas amigas mais íntimas?

Celeste foi a primeira a se retirar e voltar para oconforto do sofá. As palavras da rainha Amberly pareceramnão significar muito para ela. Por algum motivo, aquelafoi a gota d’água para mim. Todos os acontecimentos dosúltimos dias de repente começaram a pesar no meu peito eme senti a ponto de desabar.

— Com licença — balbuciei ao fazer uma reverência, antesde seguir rapidamente para a porta.

Não tinha um plano. Talvez pudesse me trancar no banheiro

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por uns minutos ou me esconder em uma das inúmerassaletas do primeiro andar. Talvez simplesmente fosse atéo quarto e chorasse até desidratar.

Infelizmente, o universo parecia conspirar contra mim.

Logo na saída do Salão das Mulheres dei com Maxon, queandava em círculos como se tentasse resolver um quebra-cabeça. Ele me viu antes que eu pudesse me esconder.

De todas as coisas que eu tinha pensado em fazer, aquelaera a última da lista.

— Estava cogitando chamar você aqui fora.

— O que você deseja? — perguntei, seca.

Maxon permaneceu imóvel, juntando coragem para dizer algoque claramente o incomodava muito.

— Então há uma garota completamente apaixonada por mim?

Cruzei os braços. Depois dos últimos dias, eu deveria terprevisto essa mudança em seus sentimentos.

— Sim.

— Não são duas?

Elevei o olhar para ele, quase irritada por ter queexplicar.

Você já não sabe o que sinto? , pensei, com vontade degritar.

Você não se lembra do abrigo?

Mas, sinceramente, eu também estava precisando de umaconfirmação. O que tinha acontecido para me deixar tão

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insegura?

O rei. Suas insinuações sobre o que as outras já tinhamfeito, seus elogios aos méritos delas: tudo isso me faziasentir diminuída. E ainda havia todos os passos em falsoque eu tinha dado com Maxon ao longo da semana. Se nãofosse a Seleção, jamais teríamos nos aproximado, masparecia que, enquanto ela não terminasse, não haveriacomo ter qualquer certeza.

— Você disse que não confiava em mim — acusei. — Outrodia, fez questão de me humilhar, e ontem dissebasicamente que eu tinha muito do que me envergonhar. E,há algumas horas, a simples sugestão de se casar comigofez você explodir de raiva. Me perdoe por não estar tãosegura quanto à nossa relação no momento.

— Você se esquece de que nunca fiz isso antes, America —ele argumentou com a voz carregada de sentimentos, massem raiva. — Você tem alguém com quem me comparar. Eu nemsei como manter uma relação normal e tenho só uma chance.

Você teve pelo menos duas. Eu vou cometer erros.

— Eu não me importo com os erros — repliquei. — É ainsegurança que me preocupa. Eu não faço ideia do queestá acontecendo na maior parte do tempo.

Ele se calou por um instante, e me dei conta de queestávamos em um momento decisivo. Tínhamos deixado muitascoisas implícitas, mas não daria para continuar assim pormuito tempo. Ainda que acabássemos juntos, esses momentosde insegurança voltariam a nos assombrar.

— Sempre fazemos a mesma coisa — murmurei, cansadadaquele jogo. — Ficamos próximos, mas então acontece algoque nos afasta. E você nunca parece capaz de tomar uma

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decisão. Se você me quer tanto quanto diz, por que issoaqui ainda não acabou?

Apesar de eu tê-lo acusado de não se importar comigo, suafrustração se diluiu em tristeza.

— Porque em metade do tempo eu tinha certeza de que vocêamava outra pessoa e, na outra, duvidava que você fosseme amar um dia — ele respondeu, o que me fez sentirabsolutamente péssima.

— E eu? Não tenho meus próprios motivos para duvidar?

Você trata Kriss como se ela fosse o céu na terra, edepois flagro você com Celeste…

— Já expliquei isso.

— Sim, mas ainda dói.

— Bom, também me dói ver como você se fecha tão rápido.Por que você faz isso?

— Não sei, mas talvez você devesse parar de pensar em mimum pouco.

Imediatamente, um silêncio caiu entre nós.

— O que isso quer dizer?

Dei de ombros.

— Há outras garotas aqui. Se você está tão preocupado coma sua única chance, talvez devesse garantir que não vaidesperdiçá-la comigo.

Fui embora, furiosa com Maxon por me fazer sentir daquelejeito… E furiosa comigo mesma por piorar tanto as coisas.

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28

Assisti a uma verdadeira transformação no palácio. Do diapara a noite, suntuosas árvores de Natal surgiram noscorredores do primeiro andar; guirlandas pendiam dasescadarias; todos os arranjos de flores foramsubstituídos por ramos de azevinho ou visco. O estranhoera que eu ainda podia sentir um pouco de verão seabrisse a janela. Fiquei pensando se o palácioconseguiria fabricar neve. Talvez, se eu pedisse, Maxoncuidaria disso.

Ou talvez não.

Passaram-se dias. Tentava não me irritar ao ver Maxonfazer exatamente o que eu tinha aconselhado. À medida queas coisas esfriavam entre nós, mais eu me arrependia domeu orgulho. E ficava me perguntando se aquilo teriaacontecido de um jeito ou de outro. Será que eu estavadestinada a falar a coisa errada, a fazer a escolhaerrada? Por mais que eu quisesse Maxon, nunca seria capazde me controlar o suficiente para termos uma relação deverdade.

Toda essa história me deixava cansada. Era o mesmoproblema que me rondava desde que Aspen chegara aopalácio. Eu sofria; dividida, confusa.

Passei a dar voltas pelo palácio durante as tardes. Com ojardim interditado, o Salão das Mulheres ficava sufocantedemais.

Foi numa dessas caminhadas que senti a mudança. Era comose um botão invisível tivesse sido acionado em todo mundono palácio. Os soldados estavam mais rígidos, as criadasse moviam mais depressa. Até eu me senti estranha, como

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se já não fosse tão bem-vinda como antes. Antes deentender o que estava sentindo, vi o rei dobrar a esquinacom um pequeno séquito atrás de si.

Tudo fez sentido. Sua ausência tinha deixado o paláciomais acolhedor. Com o seu retorno, estávamos mais uma vezsujeitos aos seus caprichos. Não era à toa que osrebeldes nortistas se entusiasmavam com Maxon.

Fiz uma reverência quando o rei se aproximou. Enquantocaminhava, ele ergueu a mão e os homens que o seguiampararam, abrindo espaço para nossa conversa.

— Senhorita America. Vejo que ainda está aqui — comentou.Seu sorriso amarelo demonstrava exatamente o contrário desuas palavras.

— Sim, Majestade.

— E o que fez na minha ausência?

— Fiquei em silêncio — respondi, com um sorriso.

— Boa garota. — Ele retomou a caminhada, mas então selembrou de algo e voltou. — Fui informado de que, entreas garotas remanescentes, você é a única que ainda recebedinheiro pela participação. Elise abriu mãovoluntariamente de sua pensão assim que os pagamentosforam suspensos para quem era Dois ou Três.

Não fiquei surpresa. Elise era Quatro, mas sua famíliapossuía uma rede de hotéis de luxo. Não precisavam dedinheiro como os comerciantes de Carolina.

— Acho que é hora de pôr um fim a isso — o rei anunciou,afastando minhas divagações.

Meu queixo caiu.

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— A não ser, claro, que você esteja aqui pela pensão enão por amar meu filho — completou; seus olhos medesafiavam a contrariar sua decisão.

— O senhor tem razão — eu disse, com ódio do que eu mesmadizia. — É justo.

Pude notar a frustração do rei por não conseguir arranjaruma briga.

— Cuidarei disso imediatamente.

Ele foi embora e eu fiquei lá, parada, tentando nãosentir pena de mim mesma. De fato, era justo. O que aspessoas iam pensar se soubessem que eu era a única areceber o pagamento? E, afinal, ele ia acabar cedo outarde. Respirei fundo e fui para o quarto. O mínimo quepodia fazer era escrever para casa e avisar que odinheiro não chegaria mais.

Abri a porta e, pela primeira vez, minhas criadas meignoraram completamente. Anne, Mary e Lucy estavam numcanto distante, reunidas em volta de um vestido em quepareciam trabalhar. E discutiam sobre o andamento dacostura.

— Lucy, você disse que terminaria a bainha ontem à noite— Anne falou. — Saiu até mais cedo para isso.

— Eu sei, eu sei. Tive que fazer outra coisa. Possoterminar agora — ela disse, com olhos suplicantes. Lucyjá era um pouco sensível, e eu sabia que o jeito rígidode Anne às vezes a magoava.

— Pois é, você precisou fazer outras coisas várias vezesnos últimos dias — Anne comentou.

Mary estendeu as mãos.

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— Acalmem-se. Deem o vestido para mim, antes queestraguem tudo.

— Sinto muito — Lucy se desculpou. — Termino agora sevocê deixar.

— O que há de errado com você? — Anne questionou. — Temestado tão estranha.

Lucy levantou a cabeça, com olhos arregalados. Qualquerque fosse seu segredo, dava para ver que ela estavaapavorada diante da perspectiva de revelá-lo.

Tossi de leve.

As três imediatamente se viraram para mim e fizeram umareverência.

— Não sei o que está acontecendo — eu disse, meaproximando —, mas duvido que as criadas da rainhadiscutam desse jeito. Além disso, estamos perdendo tempoaqui se há trabalho a ser feito.

Anne, ainda zangada, apontou o dedo para Lucy e começou:

— Mas ela…

Fiz um gesto sutil com a mão, e ela voltou a ficar emsilêncio. Funcionou tão bem que até me surpreendi.

— Sem discussão. Lucy, por que você não vai terminar otrabalho no ateliê? Assim todas teremos tempo de pensarum pouco.

Contente, Lucy pegou o vestido e quase saiu correndo detão agradecida que estava com a chance de escapar. Anne,de cara fechada, apenas a observou partir. Mary pareciapreocupada, mas prontamente voltou ao trabalho sem dizer

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mais uma palavra.

Levei alguns minutos para perceber que o clima no meuquarto estava pesado demais para me concentrar. Pegueipapel e caneta e resolvi voltar para o andar de baixo.Fiquei me perguntando se havia feito a coisa certa aopoupar Lucy.

Talvez tudo acabasse bem se eu as deixasse resolver oproblema entre elas. Talvez minha intromissão abalasse aboa vontade que tinham para me ajudar. Nunca tinha sidomandona daquele jeito com elas.

Parei na porta do Salão das Mulheres. Talvez lá tambémnão fosse o melhor lugar para ficar. Segui pelo corredorprincipal até topar com um cantinho discreto, onde haviaum banco. Pareceu bom. Corri até a biblioteca paraapanhar um livro e voltei para lá. Estava praticamenteescondida atrás de um vaso enorme de plantas. A amplajanela dava para o jardim e, por uns instantes, o paláciojá não parecia tão pequeno. Contemplava os pássaros dolado de fora enquanto tentava pensar na melhor maneira deavisar meus pais que eles não receberiam mais os cheques.

— Maxon, nós não podemos ter um encontro de verdade?

Em algum lugar fora do palácio? — Reconheci no ato a vozde Kriss. Humm. Talvez o Salão das Mulheres não estivessetão cheio.

Pude perceber que Maxon sorria quando respondeu: — Eu bemque gostaria, querida, mas seria complicado mesmo que ascoisas estivessem tranquilas.

— Queria vê-lo em um lugar onde você não fosse o príncipe— ela resmungou, fazendo charme.

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— Mas eu sou o príncipe em todo lugar.

— Você sabe o que quero dizer.

— Sei. Sinto muito, mas não posso conceder isso a você.

Seria ótimo vê-la em outro lugar, onde você não fizesseparte da Elite. Mas esta é a minha vida.

Seu tom de voz ficou mais triste.

— Você se arrependeria? — ele perguntou. — Porque arealidade seria esta, pelo resto de sua vida. Os murossão bonitos, mas são muros. Minha mãe raramente sai dopalácio mais do que uma ou duas vezes por ano. — Atrásdas folhas grossas da planta, pude observar os doispassarem, sem que notassem minha presença. — E se vocêacha o público invasivo agora, saiba que será muito piorquando você for a única garota que terão para acompanhar.Sei que seus sentimentos por mim são profundos. Sintotodos os dias. Mas e todos esses inconvenientes da minhavida? É isso mesmo que você quer?

Os dois pareciam ter parado em algum lugar do corredor,pois a voz de Maxon continuava no mesmo volume. EntãoKriss respondeu:

— Maxon Schreave, do jeito que você fala parece que paramim é um sacrifício estar aqui. Mas eu agradeço todos osdias por ter sido escolhida. Às vezes, tento imaginarcomo seria minha vida se não tivéssemos nos conhecido…Prefiro perder você agora do que nunca ter passado pelaSeleção.

Sua voz começou a ficar embargada. Não estava chorando,mas quase. Não consegui ver.

— Queria que soubesse que amaria você sem roupas bonitas

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ou salas maravilhosas. Quero você sem a coroa, Maxon. Sóquero você.

Maxon ficou sem palavras por um momento. Imaginei que elea estivesse abraçando ou limpando suas lágrimas.

— Não consigo dizer o quanto significa para mim ouvirisso. Estava desesperado por ouvir alguém dizer que seimportava apenas comigo — ele confessou, baixinho.

— Você é muito importante para mim, Maxon.

Outro momento de silêncio entre os dois.

— Maxon?

— Sim?

— Eu… eu acho que não quero esperar mais.

Quando ouvi tudo isso, deixei o papel e a caneta de ladoem silêncio, tirei os sapatos e fui cautelosamente até aponta do corredor, mesmo sabendo que me arrependeriadepois.

Espiei por trás da parede e vi Kriss passar delicadamentea mão pela nuca de Maxon, até parar na altura da gola deseu paletó. Os cabelos dela caíram de lado enquanto elesse beijavam. Para sua primeira vez, ela parecia se sairmuito bem. Melhor que a primeira vez de Maxon, isso comcerteza.

Grudei novamente atrás da parede e ouvi Kriss dar umarisadinha. Maxon deixou escapar um suspiro, meio detriunfo, meio de alívio. Voltei rapidamente para obanquinho e sentei virada para a janela, só para nãolevantar suspeitas.

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— Quando faremos isso de novo? — ela perguntou baixinho.

— Humm. Que tal assim que chegarmos ao seu quarto?

A risada de Kriss foi sumindo à medida que os doisseguiam pelo corredor. Permaneci imóvel por um momento e,em seguida, peguei o papel e a caneta. As palavras vieramcom facilidade.

Mãe e pai,

Há tanto o que fazer que preciso ser breve. Na tentativade provar meu afeto por Maxon e não pelos luxos da Elite,tive que abrir mão da pensão dada às participantes. Seique estou avisando de última hora, mas tenho certeza deque, com tudo o que recebemos até agora, não poderíamosesperar muito mais.

Espero que não fiquem decepcionados com a notícia. Estoucom muita saudade e espero vê-los logo.

Amo todos vocês.

America

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29

O JORNAL OFICIAL estava precisando de conteúdo depois deuma semana que o público com certeza tinha achadomonótona. Depois de breves comentários sobre a visita dorei à França, o comando do programa passou para Gavril,que entrevistava as remanescentes da Elite de um jeitobem informal, com perguntas sobre assuntos que importavambem pouco àquela altura da competição.

O que era justificável, considerando que da última vezque nos perguntaram sobre coisas que realmenteimportavam, sugeri a dissolução das castas e quase fuiexpulsa da disputa.

— Senhorita Celeste, você já viu a suíte da princesa? —Gavril perguntou em um tom jovial.

Sorri comigo mesma, grata por ele não ter feito aquelapergunta para mim. Celeste abriu ainda mais seu sorrisoperfeito e jogou os cabelos para trás despreocupadamenteantes de responder.

— Bem, Gavril, ainda não. Mas com certeza espero mereceresse privilégio. Claro, o rei Clarkson nos ofereceu osmelhores aposentos, e sou incapaz de imaginar algo melhordo que já temos. As… hum… camas são tão…

Celeste gaguejou um pouco ao notar que dois guardastinham entrado correndo no estúdio. Nossos assentosestavam dispostos de tal forma que podíamos vê-los seguirdiretamente até o rei. Kriss e Elise estavam de costaspara o que acontecia.

As duas tentaram olhar para trás discretamente, mas nãoconseguiram ver nada.

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— … luxuosas. E seria mais do que eu poderia sonhar…

— Celeste continuou, ainda sem se concentrar totalmentena resposta.

No entanto, ela nem precisou. O rei se levantou, chegoumais perto e cortou a entrevista.

— Perdoem-me a interrupção, senhoras e senhores, mas éurgente. — Com uma das mãos, ele segurava uma folha depapel; com a outra, ajeitava a gravata. Ereto, começou afalar: — Desde o nascimento de nosso país, forçasrebeldes têm sido a maldição de nossa sociedade. Ao longodos anos, os ataques a este palácio, para não mencionarao cidadão comum, tornaram-se extremamente agressivos.

“Tudo indica que eles atingiram um nível inédito debaixeza. Como é de conhecimento geral, as quatro jovensremanescentes da Seleção representam uma ampla amostra decastas: Dois, Três, Quatro e Cinco. Sentimo-nos honradosde hospedar um grupo tão variado, mas este fato temservido como um estranho incentivo para os rebeldes.”

O rei olhou em nossa direção por cima do ombro antes decontinuar:

— Estamos preparados para ataques ao palácio e, quando osrebeldes atacam o povo, intercedemos da melhor maneirapossível. Certamente eu não preocuparia a todos sepensasse que, como rei, seria capaz de protegê-los, mas…os rebeldes estão atacando de acordo com as castas.

Suas palavras ficaram suspensas no ar. Celeste e eu, demaneira quase amistosa, trocamos olhares confusos.

— Há muito tempo eles desejam acabar com a monarquia.

Os recentes ataques às famílias destas jovens

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demonstraram até onde são capazes de chegar, e enviamossoldados para a proteção de seus entes queridos. Só queagora isso não é o bastante. Se você é Dois, Três, Quatroou Cinco, ou seja, da mesma casta que uma destassenhoritas, pode estar sujeito a um ataque rebelde apenaspor esse motivo.

Cobri a boca com a mão e ouvi Celeste respirar fundo.

— A partir de hoje, os rebeldes pretendem atacar membrosda segunda casta e seguir pelas castas inferiores — o reiacrescentou em tom solene.

Era sinistro. Como não tinham conseguido queabandonássemos a Seleção por nossas famílias, fariam boaparte do país nos odiar. Quanto mais tempopermanecêssemos na competição, mais as pessoas iriam nosodiar, por colocarmos a vida delas em risco.

— São notícias tristes, Majestade — Gavril disse,quebrando o silêncio.

O rei concordou.

— Buscaremos uma solução, claro. Fomos informados, porém,de oito ataques em cinco províncias diferentes. Todoscontra Dois e todos resultando em pelo menos uma morte.

A mão que estava paralisada na minha boca caiu sobre omeu peito. Pessoas tinham morrido naquele dia por nossacausa.

— Neste momento — prosseguiu o rei Clarkson —,encorajamos todos a permanecer em casa e tomar todas asmedidas de segurança possíveis.

— Excelente conselho, Majestade — Gavril comentou, e emseguida voltou-se para nós. — Senhoritas, há algo que

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queiram acrescentar?

Elise simplesmente balançou a cabeça.

Kriss respirou fundo.

— Sei que Dois e Três são os alvos agora, mas suas casassão mais seguras que as da maioria das castas inferiores.Se vocês puderem abrigar uma família Quatro ou Cinco deconfiança, seria uma boa ideia.

Celeste concordou com a cabeça.

— Cuidem-se. Façam o que o rei está pedindo.

Ela olhou para mim, e percebi que precisava dizer algo.

Sempre que me sentia um pouco perdida no Jornal Oficial,costumava olhar para Maxon, na esperança de receber algumconselho silencioso. Pela força do hábito, busquei seusolhos.

Naquele momento, porém, Maxon estava cabisbaixo; eu viaapenas seus cabelos loiros e sua testa franzida.

Era óbvio que estava preocupado com seu povo, mas aquestão ia um pouco além de proteger os cidadãos. Elesabia que poderíamos partir.

E não deveríamos? Quantos Cinco perderiam a vida por euestar ali sentada, iluminada pelos refletores do estúdiodo palácio?

Por outro lado, por que eu ou qualquer uma das garotasdeveríamos suportar esse fardo? Nós não estávamos na ruamatando as pessoas. Me lembrei de tudo que August eGeorgia nos disseram e percebi que só havia uma coisa afazer.

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— Lutem — eu disse, sem me dirigir a ninguém emparticular. Então, tomando consciência de onde estava,olhei para uma câmera. — Lutem. O que os rebeldes queremé intimidar. Estão tentando assustá-los e forçá-los afazer o que eles querem. E se vocês obedecerem? Que tipode futuro eles têm a oferecer? Essas pessoas, essestiranos, não vão parar com a violência de uma hora paraoutra. Se vocês derem poder a eles, ficarão mil vezespior. Então lutem. Lutem como puderem.

Senti o sangue e a adrenalina pulsarem dentro de mim,como se eu mesma estivesse pronta para atacar. Nãoaguentava mais. Eles nos mantinham aterrorizados,assassinavam nossas famílias. Se um rebelde sulistaestivesse diante de mim naquele momento, eu não fugiria.

Gavril recomeçou a falar, mas eu estava sentindo tantoódio que ouvia apenas meu coração bater. Quando conseguime acalmar, as câmeras estavam desligadas e osrefletores, apagados.

Maxon se aproximou do pai e cochichou alguma coisa de queo rei discordou, balançando a cabeça.

As garotas se levantaram para sair.

— Vão direto para os seus quartos — Maxon disseeducadamente. — O jantar será levado até vocês, e logoirei falar com cada uma.

Fui até a porta. Quando passei diante do príncipe e deseu pai, o rei me tocou com a ponta do dedo. O pequenogesto era um sinal para que eu parasse.

— Suas palavras não foram muito inteligentes — comentou.

Dei de ombros.

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— A estratégia atual não está funcionando. Se continuarassim, logo não terá mais súditos para comandar.

Ele acenou com a mão, me dispensando. Mais uma vez,estava irritado comigo.

Maxon bateu de leve na porta e entrou. Eu já estava decamisola e lia na cama. Até cheguei a pensar se ele defato viria.

— Está tão tarde — falei baixinho, apesar de não havermais ninguém no quarto.

— Eu sei. Tive que falar com todas as outras e foi muitodesgastante. Elise ficou muito abalada. É quem está sesentindo mais culpada. Não ficaria surpreso se eladesistisse em um ou dois dias.

Embora ele já tivesse admitido sua falta de entusiasmopor Elise mais de uma vez, dava para ver como eradoloroso para ele. Encolhi as pernas contra o peito paraque ele pudesse sentar.

— E Kriss e Celeste?

— Kriss está quase otimista demais. Tem certeza de que aspessoas serão cuidadosas e conseguirão se proteger. Nãosei como isso é possível, já que não há como prever ondeou quando será o próximo ataque rebelde. Eles estãoespalhados pelo país inteiro. Mas ela está esperançosa.Você sabe como ela é.

— Sei.

Maxon respirou fundo e continuou: — Celeste está bem.Está preocupada, claro. Mas, como Kriss notou, quem é

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Dois provavelmente está mais seguro. E

ela é sempre tão determinada — Maxon riu e olhou para ochão. — Aparentemente, o que mais a preocupa é apossibilidade de eu ficar chateado por ela ficar. Como seeu pudesse culpá-la por preferir estar aqui em vez devoltar para casa.

Soltei um suspiro.

— É uma questão interessante. Você quer uma esposa quenão se preocupe com ameaças aos seus súditos?

Maxon me encarou.

— Você está preocupada. Só que é esperta demais para sepreocupar do mesmo jeito que os outros. — Ele balançou acabeça e sorriu. — Não acredito que você disse para aspessoas lutarem.

Dei de ombros.

— Parece que temos sido bastante covardes.

— Você tem toda a razão. Não sei se isso vai assustar osrebeldes ou deixá-los mais determinados, mas sem dúvidavocê mudou o jogo.

— Não sei se chamaria de jogo um grupo de pessoas quetenta matar a população aleatoriamente — falei de cabeçaerguida.

— Não, não! — Maxon reagiu rápido. — Eu nem consigopensar numa palavra para definir essa situação horrível.Eu estava falando sobre a Seleção.

Olhei bem em seus olhos. O príncipe continuou: — Para obem ou para o mal, o público conseguiu captar um pouco do

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seu verdadeiro caráter esta noite. Agora eles enxergam agarota que protege suas criadas, que levanta a voz atépara o rei quando acha que está certa. Aposto que todosverão com outros olhos o dia em que você correu paraajudar Marlee. Antes, você era apenas a garota que gritoucomigo no nosso primeiro encontro. Esta noite, você viroua garota que não tem medo dos rebeldes. As pessoas vãopensar em você de um jeito diferente agora.

— Não era essa a minha intenção — respondi, sacudindo acabeça.

— Eu sei. Eu tinha um plano para mostrar às pessoas quemvocê é. E, no fim, você fez isso por impulso. É a suacara. — Seu rosto revelava certo espanto, como se eledevesse ter esperado algo assim desde o começo. — Em todocaso — retomou —, acho que você disse a coisa certa. Jápassou da hora de fazermos mais do que nos esconder.

Baixei os olhos para o edredom, correndo o dedo pelascosturas. Fiquei feliz por ele ter aprovado, mas o jeitocomo falava — como se aquilo tudo fosse mais uma dasminhas peculiaridades — parecia íntimo demais para aquelemomento.

— Estou cansado de brigar com você, America — Maxondesabafou baixinho. Levantei a cabeça e percebi queestava sendo sincero. — Acho bom discordarmos; naverdade, essa é uma das coisas de que mais gosto na nossarelação. Mas não quero mais discutir. Às vezes tenho umpouco do temperamento do meu pai. Luto contra isso, mas éverdade.

E você… — disse, com um sorriso nos lábios. — Você ficaimpossível quando está nervosa!

Ele balançou a cabeça, provavelmente lembrando das mesmas

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coisas que eu. A joelhada. Toda a história das castas.

O tapa que dei em Celeste quando ela falou de Marlee.

Nunca tinha me achado temperamental, mas, aparentemente,eu era. Ele sorriu, e eu também. Era engraçado relembrartudo que eu tinha feito de uma só vez.

— Eu observo as outras e sou justo. Fico angustiado comalgumas coisas que sinto. Mas quero que saiba: continuoobservando você. Acho que você já percebeu que, a estaaltura, não consigo evitar. — Maxon deu de ombros;parecia um garoto naquele momento.

Queria dizer a coisa certa, dizer que ainda desejava queele me observasse. Mas não me sentia tão segura, entãocoloquei a mão sobre a dele. Permanecemos quietos,olhando para nossas mãos. Ele brincava com as minhaspulseiras, muito concentrado nelas, e depois acariciou ascostas da minha mão com o polegar. Foi bom ter um momentode calma a sós.

— Por que não passamos o dia juntos amanhã?

— Eu iria gostar — respondi, com um sorriso no rosto.

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30

— Então, resumindo a história, mais guardas?

— Sim, pai. Muito mais. — Eu ria ao telefone apesar de asituação estar longe de ser engraçada. Meu pai tinha umjeito de tornar leves mesmo os assuntos mais difíceis.

— Continuaremos aqui. Por enquanto, pelo menos —confirmei. — E apesar de eles estarem começando pelosDois, não deixe ninguém se descuidar. Avise aos Turner eaos Canvass para se protegerem.

— Ora, gatinha. Todo mundo sabe se cuidar. E depois doque você disse no Jornal Oficial, acho que as pessoasserão mais corajosas do que você pensa.

— Tomara.

Baixei os olhos para os pés e senti uma sensaçãoengraçada.

Naquele momento, eu usava um sapato de salto decorado comjoias. Cinco meses antes, usava sapatilhas surradas.

— Você me deixou orgulhoso, America. Às vezes ficosurpreso com as coisas que você diz, mas não sei por quê.

Você sempre foi mais forte do que se dava conta.

Sua voz tinha um tom tão verdadeiro que fiqueiemocionada. Nenhuma opinião me importava mais do que adele.

— Obrigada, pai.

— Estou falando sério. Nem toda princesa diria algo

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assim.

Revirei os olhos quando ouvi aquele comentário.

— Pai, eu não sou uma princesa.

— É só uma questão de tempo — ele rebateu, em tombrincalhão. — Por falar nisso, como vai Maxon?

— Bem — respondi, brincando com as dobras do vestido.

Fez-se um silêncio. — Eu gosto mesmo dele, pai.

— É?

— É.

— Por quê, exatamente?

Pensei por uns instantes.

— Não sei direito. Acho que, em parte, porque ele me fazsentir eu mesma.

— Você já sentiu que não era você mesma? — ele brincou.

— Não, não é isso… Eu sempre fui muito consciente do meunúmero. Mesmo depois de vir para o palácio, continueiobcecada com isso por um tempo. Eu era Cinco ou Três?

Queria ser Um? Mas agora não penso mais nisso. E acho queé por causa dele. Mas Maxon também faz muita besteira,não tenha dúvida. — Meu pai achou graça. — É só que,quando estamos juntos, sinto que sou America. Não umacasta ou parte de um plano. Também não o vejo como alguémdistante. Ele é apenas ele, e eu sou apenas eu.

Meu pai ficou calado por um momento.

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— Isso parece muito bom, gatinha.

Era meio estranho conversar com meu pai sobre garotos,mas ele era a única pessoa em casa que via Maxon maiscomo pessoa do que como celebridade. Ninguém meentenderia como ele.

— É. Mas não é perfeito — acrescentei, enquanto Silviaaparecia na porta. — Sinto que sempre há alguma coisadando errado.

Silvia lançou um olhar afiado para mim e moveu os lábios,dizendo “café da manhã”. Concordei com a cabeça.

— Bem, isso não é tão ruim. Os erros indicam que éverdadeiro.

— Vou me lembrar disso. Pai, preciso desligar agora.

Estou atrasada.

— Tudo bem. Cuide-se, gatinha. E escreva logo para suairmã.

— Vou escrever. Te amo, pai.

— Te amo.

Depois do café da manhã, Maxon e eu continuamos na salade jantar enquanto as garotas se retiravam. A rainhapassou e piscou para mim; minhas bochechas coraram nahora. O rei veio logo atrás, e seu olhar bastou parafazer desaparecer qualquer vestígio de cor em meu rosto.

Quando finalmente ficamos a sós, Maxon se aproximou e medeu a mão, passando seus dedos entre os meus.

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— Ia perguntar o que você quer fazer hoje, mas nossasopções estão bastante limitadas. Nada de tiro ao alvo,nada de caça, nada de montaria, nada lá fora.

— Nem se levássemos um monte de soldados? — perguntei,com um suspiro de frustração.

Maxon abriu um sorriso triste.

— Sinto muito, America. Mas o que acha de um filme?

Podemos assistir algo com um cenário espetacular.

— Não é a mesma coisa — respondi, puxando-lhe pelo braço.— Mas venha. Vamos aproveitar ao máximo.

— Esse é o espírito — ele disse.

Alguma coisa naquela situação me fez sentir bem melhor,como se estivéssemos naquilo juntos. Fazia tempo que ascoisas não eram assim.

Seguíamos pelo corredor em direção à escadaria para asala de projeção quando ouvi o tilintar na janela. Vireia cabeça na direção do som e exclamei, maravilhada: —Está chovendo!

Soltei o braço de Maxon e pressionei a mão contra ovidro. Em todos aqueles meses no palácio, nunca tinhachovido, e eu até me perguntava se de fato issoaconteceria algum dia. Ao ver que chovia, me dei conta doquanto sentia falta daquilo. Sentia falta do ir e vir dasestações, da maneira como as coisas mudavam.

— É tão lindo — sussurrei.

Maxon permaneceu atrás de mim, com o braço em volta daminha cintura.

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— Só você mesmo para achar beleza numa coisa que acabacom o dia das pessoas.

— Queria poder sentir essa chuva.

Ele soltou um suspiro.

— Sei que você quer, mas não…

Olhei para Maxon para saber por que ele tinhainterrompido a frase no meio. O príncipe olhou para oslados, e eu fiz o mesmo. Com exceção de alguns guardas,estávamos sozinhos.

— Venha — ele disse, pegando minha mão. — Tomara que nãonos vejam.

Abri um sorriso, pronta para qualquer aventura que eletivesse em mente. Adorava quando Maxon ficava assim.

Corremos pelas escadas até o quarto andar. Por um minuto,fiquei nervosa com a possibilidade de ele me mostrar algoparecido com a biblioteca secreta. Aquela experiência nãotinha acabado muito bem para mim.

Caminhamos até a metade do corredor. Só encontramos umsoldado fazendo a ronda e mais ninguém. Maxon me empurroupara dentro de uma sala enorme e me levou até uma lareiraampla e desativada. Então enfiou o braço pela boca dalareira e encontrou uma trava secreta. Ao acioná-la,parte da parede se abriu, revelando mais uma escadariasecreta.

— Segure a minha mão — ele disse, estendendo o braço paramim.

Foi o que fiz. Seguimos por um corredor mal iluminado atéencontrarmos uma porta. Maxon destravou a tranca simples

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e abriu a porta. Atrás dela, a chuva caía com força.

— Aqui é o telhado? — perguntei em meio ao barulho daágua.

Ele assentiu. Havia muros ao redor da passagem, deixandoum espaço aberto mais ou menos do tamanho do meu quarto.

Não me importava de ver apenas paredes e o céu. Pelomenos estava do lado de fora.

Completamente deslumbrada, dei um passo à frente paratocar a água. As gotas, gordas e mornas, se acumulavam nomeu braço e corriam pelo meu vestido. Ouvi a gargalhadade Maxon antes de ele me empurrar para debaixo da chuva.

Em segundos, eu já estava ensopada e arfante. Virei paratrás e agarrei o braço dele, que apenas ria, fingindotentar escapar. As mechas de seu cabelo cobriram-lhe osolhos, e nós dois ficamos completamente encharcados.Ainda sorrindo, ele me levou até a beirada do muro.

— Olhe — me disse ao pé do ouvido.

Olhei e, pela primeira vez, me dei conta da vista daquelelugar. Em êxtase, contemplei a cidade estendida diante demim. A teia de ruas, a geometria dos prédios, a matiz decores: mesmo atenuada pelo cinza da chuva, a paisagem eraestonteante.

Naquele momento, me senti ligada a tudo aquilo, como se acidade me pertencesse de algum modo.

— Não quero que os rebeldes tomem este lugar, America —Maxon disse sob a chuva, como se tivesse lido meuspensamentos. — Não sei quantas mortes já ocorreram, masaposto que meu pai esconde as informações de mim. Ele temmedo que eu interrompa a Seleção.

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— Há algum jeito de descobrir a verdade?

Maxon refletiu por um tempo.

— Acho que se conseguisse entrar em contato com August,ele saberia dizer. Poderia enviar uma carta, mas tenhoreceio de escrever demais. E não sei se conseguiriatrazê-lo ao palácio.

Pensei na possibilidade.

— E se nós fôssemos até ele?

Maxon riu.

— E como você acha que conseguiríamos isso?

Dei de ombros, achando graça.

— Vou pensar a respeito — respondi.

Maxon me encarou em silêncio por um momento.

— É bom poder falar em voz alta. Preciso sempre tomarcuidado com o que digo. Tenho a sensação de que ninguémpode me escutar aqui em cima. Só você.

— Então vá em frente e diga qualquer coisa.

Ele abriu um sorriso malicioso.

— Só se você disser.

— Muito bem — respondi, feliz por entrar no jogo.

— Bom, o que você quer saber?

Tirei o cabelo molhado da testa e comecei com umapergunta importante, mas impessoal.

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— Você realmente não sabia dos diários?

— Não. Mas já estou a par. Meu pai me obrigou a lertodos. Se August tivesse vindo duas semanas atrás,acharia que ele estava mentindo sobre tudo. Agora não. Échocante, America. Aquilo que você leu é só o começo.Quero contar tudo a você, mas ainda não posso.

— Tudo bem.

Então Maxon olhou fixamente para mim, com ar determinado.

— Como as garotas descobriram que você tirou minhacamisa?

Baixei a cabeça, um pouco hesitante.

— Estávamos vendo os guardas fazendo exercícios. Eu disseque você ficava tão bem quanto qualquer um deles semcamisa. Escapou.

Maxon gargalhou tanto que até se inclinou para trás.

— Não dá para ficar bravo com isso.

Sorri.

— Você já trouxe outra pessoa aqui? — perguntei na minhavez.

— Olivia. Uma vez e foi só — revelou, parecendo triste.

De fato, parando para pensar, eu me lembrava daquilo. Elacontara a todas as garotas que ele a havia beijado ali.

— Eu beijei Kriss — Maxon confessou, sem me encarar.

— Há pouco tempo. Pela primeira vez. Acho que é justovocê saber.

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Ele baixou os olhos, e assenti com a cabeça. Se eu nãotivesse presenciado e descobrisse naquele momento, teriaficado arrasada. Mas, ainda assim, doeu ouvir da bocadele.

— Odeio ter que me encontrar com você desse jeito —falei, inquieta, com o vestido já pesado com a água.

— Eu sei. Mas as coisas são assim.

— Nem por isso são justas.

Ele riu.

— Quando alguma coisa em nossas vidas foi justa?

Ele tinha razão.

— Eu não devia contar… e, se você deixar escapar quesabe, ele vai se irritar ainda mais, com certeza, mas…seu pai tem me falado algumas coisas. E também cortou opagamento da minha família. As outras já não recebiammais, então acho que pegava mal de qualquer jeito.

— Sinto muito — Maxon se desculpou. Ele voltou o olharpara a cidade. A maneira como sua camisa grudava em seucorpo me distraiu por um instante. — Acho que não dá parareverter isso, America — completou.

— Não precisa. Só queria que você soubesse o que estáacontecendo. Posso lidar com isso.

— Você é durona demais para ele. Ele não entende você.

Maxon buscou minha mão, e eu a ofereci de bom grado.

Tentei pensar em mais alguma coisa que quisesse saber,mas quase tudo tinha a ver com as outras garotas. Não

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queria incomodá-lo com isso. Àquela altura, eu jáconseguia adivinhar quase com certeza a verdade e, seestivesse errada, não queria estragar aquele momento.

Maxon baixou o olhar para o meu pulso.

— Você… — Ele me olhou nos olhos, aparentemente mudando apergunta. — Você quer dançar?

Fiz que sim com a cabeça.

— Mas sou péssima.

— Nós vamos devagar.

Maxon me puxou para perto dele e pôs a mão em volta daminha cintura. Levei uma mão ao seu peito e segurei meuvestido encharcado com a outra. Balançamos, quase sem nosmexer. Descansei o rosto em seu peito, e ele apoiou oqueixo sobre a minha cabeça. E, assim, giramos ao som dachuva.

Quando ele me apertou um pouco mais forte, senti quetodos os erros haviam sido apagados e restara apenas aessência da nossa relação. Éramos amigos que tinhampercebido que não queriam fica longe um do outro. Éramosdiferentes em diversos sentidos, mas, ao mesmo tempo,muito parecidos. Não dava para dizer que nossa relaçãoera obra do destino, mas ela parecia mais forte do quequalquer coisa que eu já tinha vivido antes.

Ergui a cabeça na direção do rosto dele. Pus a mão em suabochecha e o trouxe para perto para beijá-lo. Seuslábios, molhados, encontraram os meus, queimando. Sentisuas mãos se agarrarem às minhas costas, como se elefosse desmoronar se nos afastássemos. Apesar do barulhoda chuva, o mundo todo parecia em silêncio. Eu sentia que

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não havia Maxon suficiente, não havia pele, espaço, temposuficiente.

Depois de tantos meses tentando conciliar o que eu queriacom o que esperava, percebi — naquele momento que Maxoncriara só para nós — que nunca faria sentido. Tudo que eupodia fazer era seguir em frente e ter a esperança deque, sempre que desviássemos do caminho, aindaconseguiríamos voltar um para o outro.

Tínhamos que voltar. Porque… porque…

Apesar de todo o tempo que demorou para aquele momentochegar, quando ele finalmente aconteceu, foi rápido.

Eu amava Maxon. Pela primeira vez, meu sentimento erasólido. Não tentava me distanciar, apegada a Aspen e atodas as dúvidas que vinham junto. Não estava meenvolvendo com Maxon e, ao mesmo tempo, mantendo um pé naporta para o caso de ser rejeitada. Simplesmente deixeias coisas acontecerem.

Eu o amava.

Era incapaz de apontar precisamente o motivo de tantacerteza, mas soube na hora, com a mesma certeza com quesabia meu nome ou a cor do céu ou qualquer coisa escritaem um livro.

Será que ele também sentia isso?

Maxon interrompeu o beijo e me olhou nos olhos.

— Você fica linda quando está desarrumada.

Soltei uma risada nervosa.

— Obrigada. Por isso, pela chuva e por não desistir.

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Ele correu os dedos pela minha bochecha, meu nariz e meuqueixo.

— Você vale a pena. Acho que não tem noção disso. Paramim, você vale a pena.

Meu coração parecia prestes a explodir. Só queria quetudo acabasse naquele dia. Meu mundo girava em torno deum novo eixo, e eu sentia que o único meio de não ficarzonza era acreditar que aquilo realmente poderiaacontecer. Eu tinha certeza agora de que ia acontecer.Tinha que acontecer.

Logo.

Maxon me deu um beijo na ponta do nariz.

— Vamos nos secar e assistir a um filme.

— Parece bom.

Cuidadosamente, resolvi manter meu amor por Maxonguardado só para mim, pelo menos por um tempo, porqueainda tinha um pouco de medo daquele sentimento. Cedo outarde, precisaria demonstrar o que eu sentia — masdepois.

Por enquanto, seria meu segredo.

Tentei torcer o vestido perto da porta, mas não adiantou.

Eu deixaria um pequeno rastro de água até o quarto.

— Voto por uma comédia — anunciei enquanto deixávamos otelhado e descíamos a escada, Maxon à frente.

— Voto por ação.

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— Bem, você acabou de dizer que valho a pena, então achoque vou ganhar essa.

Maxon riu.

— Bem pensado.

Ele continuava rindo quando abriu a porta que dava nasala da lareira, mas ficou paralisado em seguida.

Espiei por cima de seu ombro e vi o rei Clarkson aliparado, irritado como sempre.

— Suponho que a ideia tenha sido sua — o rei disse aMaxon.

— Sim.

— Você tem noção do perigo a que se expôs? — ele indagou.

— Pai, não há rebeldes à espreita no telhado — Maxonrebateu, tentando soar razoável, mas parecendo um poucoridículo com a roupa encharcada.

— Um tiro bem mirado é o bastante, Maxon.

O rei deixou suas palavras no ar para depois emendar: —Você sabe que ficamos com poucos guardas depois quemandamos soldados para as casas das garotas da Elite. E

dezenas dos enviados desapareceram. Estamos vulneráveis.— Então, dirigiu seu olhar a mim. — E por que essa meninaestá sempre metida em tudo o que acontece ultimamente?

Permanecemos em silêncio. Sabíamos que não havia o quedizer.

— Apronte-se — ordenou o rei. — Você tem trabalho a

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fazer.

— Mas eu…

Com apenas um olhar, o pai deu a entender que todos osplanos do filho para o dia estavam cancelados.

— Certo — o príncipe assentiu, cedendo.

O rei Clarkson pegou Maxon pelo braço e o levou embora.Fiquei para trás, sozinha. Maxon virou a cabeça e mepediu desculpas em silêncio. Retribuí com um brevesorriso.

Eu não tinha medo do rei. Nem dos rebeldes. Sabia oquanto Maxon significava para mim, e estava certa de quetudo acabaria bem, de algum jeito.

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31

Naquele dia estávamos no Grande Salão aturando mais umaaula de etiqueta quando os tijolos começaram a voaratravés da janela. Elise se jogou no chão imediatamente ecomeçou a rastejar em direção à porta lateral,choramingando. Celeste soltou um grito agudo e disparoupara o fundo do salão, escapando por pouco de uma chuvade estilhaços de vidro.

Kriss me puxou pelo braço, e começamos a correr juntasaté a saída.

— Rápido, senhoritas! — Silvia gritou.

Em questão de segundos, os guardas se alinharam nasjanelas e começaram a atirar. Os estalos ecoavam em meusouvidos enquanto fugíamos. Não importava mais se as armasusadas pelos rebeldes eram revólveres ou pedras: qualquerum que demonstrasse o menor grau de agressividade nosarredores do palácio iria morrer. Já não havia tolerânciacom esse tipo de ataque.

— Odeio correr com esses sapatos — Kriss murmurou, com umpedaço do vestido enrolado no braço e os olhos fixos nofim do corredor.

— Uma de nós terá que se acostumar com isso — Celestecomentou, respirando com dificuldade.

Suspirei.

— Se for eu, vou usar tênis todo dia. Não aguento maisisso.

— Conversem menos e corram mais! — Silvia gritou.

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— Como podemos chegar ao andar de baixo por aqui? — Eliseperguntou.

— E Maxon? — Kriss sussurrou.

Silvia não respondeu. Nós a seguimos por um labirinto decorredores em busca de um caminho para o porão, enquantoguardas e mais guardas corriam no sentido oposto aonosso.

Senti muita admiração por eles, imaginando a coragemnecessária para ir de encontro ao perigo para protegeroutras pessoas.

Os guardas que passavam por nós eram quase todos iguais,mas os olhos verdes de um deles estavam fixos em mim.

Aspen não parecia estar com medo, nem sequer preocupado.

Havia um problema, e ele iria resolvê-lo. Era o jeitodele.

Nosso olhar foi breve, mas suficiente. As coisasfuncionavam assim com Aspen. Em frações de segundo, pudedizer a ele, em silêncio: Tenha cuidado e fique atento .E, sem uma palavra, ele respondeu: Pode deixar, apenas secuide.

Apesar de lidar bem com essas coisas que não precisavamser ditas, eu não tinha a mesma facilidade quandoconversávamos de fato. Nossa última conversa não tinhasido das mais felizes. Eu estava prestes a deixar opalácio e tinha pedido a ele um tempo para superar aSeleção. Mas, no fim, acabei ficando e não lhe deiqualquer explicação.

Talvez sua paciência comigo estivesse se esgotando;

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talvez ele já não conseguisse ver apenas o que eu tinhade melhor.

Eu precisava resolver essa situação de algum jeito. Nãopodia imaginar minha vida sem Aspen. Mesmo naquelemomento, em que eu esperava ser escolhida por Maxon, ummundo sem Aspen parecia inconcebível.

— Aqui está! — Silvia exclamou, empurrando uma tábuamisteriosa na parede.

Seguimos escada abaixo, com Elise e Silvia à frente.

— Caramba, Elise, dá para ir mais rápido? — Celestegritou.

Queria muito ter ficado irritada com ela por ter ditoaquilo, mas sabia que todas estávamos pensando a mesmacoisa.

À medida que descíamos pela escuridão, tentava mepreparar para as horas que desperdiçaríamos, escondidascomo ratos. Continuamos a correr. O som da nossa fugaabafava os gritos, até que uma voz masculina ecoou acimade nós.

— Parem! — ordenou.

Kriss e eu viramos ao mesmo tempo e enxergamos o uniformeclaramente.

— Esperem! É um guarda — ela disse para as outras.

Paramos onde estávamos, resfolegando. Finalmente ele nosalcançou, também quase sem fôlego.

— Perdão, senhoritas. Os rebeldes fugiram assim queatiramos. Acho que não estavam a fim de briga hoje.

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Silvia, alisando o vestido com as mãos, falou por nós: —O rei concorda que é seguro? Se não for, você estarápondo a vida destas garotas em risco.

— O chefe da guarda liberou. Tenho certeza de que SuaMajestade…

— Não fale pelo rei. Venham, senhoritas, continuem.

— Você está falando sério? — perguntei. — Vamos descerpara nada.

Silvia me encarou de um jeito que faria até um rebeldetremer de medo, e achei melhor ficar quieta. Silvia e eutínhamos construído uma espécie de amizade quando ela,sem saber, me ajudou a tirar Maxon e Aspen da cabeça comsuas aulas particulares. Porém, depois do meu showzinhono Jornal Oficial, alguns dias antes, nossa amizadeparecia ter ido por água abaixo. Voltando-se para oguarda, ela continuou: — Consiga uma ordem oficial do reie voltaremos.

Continuem andando, senhoritas.

Eu e o guarda trocamos um olhar de frustração e seguimospor caminhos opostos.

Silvia não demonstrou qualquer remorso quando, vinteminutos mais tarde, outro guarda veio avisar queestávamos livres para voltar ao andar de cima.

Estava tão nervosa com aquela situação que nem espereiSilvia e as outras garotas. Subi as escadas até oprimeiro andar e segui direto para o meu quarto, aindalevando os sapatos pendurados nos dedos. Minhas criadasnão estavam, mas havia uma bandejinha de prata com umenvelope sobre a cama.

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Na hora reconheci a caligrafia de May. Abri a carta edevorei suas palavras:

Ames,

Somos tias! Astra é maravilhosa. Q ueria que vocêestivesse aqui para conhecê-la pessoalmente, mas sabemosque você precisa ficar no palácio por enquanto. Você achaque passaremos o Natal juntas? Está chegando! Precisovoltar para ajudar Kenna e James. Ela é tão bonita quenem dá para acreditar! Aqui vai uma foto!

Amamos você!

May

Puxei a foto brilhante de trás da carta. Estavam todoslá, menos Kota e eu. James, o marido de Kenna, estavaradiante, em pé atrás da esposa e da filha, com os olhosinchados.

Kenna estava sentada na cama, com um embrulhinho rosaentre os braços, parecendo ao mesmo tempo emocionada eexausta. Meus pais irradiavam orgulho, e o entusiasmo deMay e Gerad saltava da foto. Claro que Kota não aparecia;ele não ganharia nada estando presente. Mas eu deveriaestar lá.

Só que não estava.

Estava no palácio. E, às vezes, nem sabia por quê. Maxonainda passava muito tempo com Kriss, mesmo depois de tudoque tinha feito para eu ficar. Do lado de fora, osrebeldes atacavam sem descanso; ali dentro, as palavrasfrias do rei destruíam minha confiança. Em meio a tudoisso, Aspen ainda me rodeava — um segredo que eu

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precisava guardar. E

as câmeras iam e vinham, roubando pedaços de nossas vidaspara entreter as pessoas. Eu estava encurralada por todosos lados, perdendo tudo o que sempre fora importante paramim.

Engoli minhas lágrimas de raiva. Estava cansada dechorar.

Em vez disso, comecei a elaborar um plano. A únicamaneira de resolver esses problemas era acabar com aSeleção.

Embora de vez em quando ainda questionasse minha vontadede ser princesa, eu não tinha dúvidas de que queria ficarcom Maxon. Para isso acontecer, não podia simplesmentecruzar os braços e esperar. Enquanto lembrava minhaúltima conversa com o rei, comecei a andar em círculos,esperando as criadas.

Eu mal conseguia respirar, então sabia que tentar comerseria uma perda de tempo. Mas valeria o sacrifício.Precisava fazer algum progresso — e rápido. De acordo como rei, as outras garotas estavam mais próximas de Maxon —fisicamente falando —, e ele tinha dito que eu era muitocomum para ganhar delas naquele quesito.

Como se minha relação com Maxon já não fosse complicada obastante, ainda precisava reconquistar sua confiança. Eeu não sabia se isso significava fazer perguntas ou não.Apesar de ter quase certeza de que a intimidade com asoutras garotas não tinha ido tão longe, não conseguiaparar de pensar no assunto. Nunca tinha tentado sersedutora — praticamente todos os momentos íntimos que

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tivera com Maxon não foram intencionais —, mas euesperava que, se fosse mais direta, poderia deixar claroque estava tão interessada nele quanto as outras.

Respirei fundo, ergui a cabeça e entrei na sala dejantar.

Cheguei um ou dois minutos atrasada de propósito, naesperança de que todos já estivessem sentados. Meuscálculos deram certo. Mas a reação foi ainda melhor doque eu imaginava.

Fiz a reverência cruzando uma perna na frente da outra,para que a fenda do vestido se abrisse e revelasse até aminha coxa. O vestido era vermelho-escuro, tomara quecaia, e deixava as costas totalmente expostas. Tinhacerteza de que as criadas tinham feito alguma mágica paraque ele parasse no lugar. Me endireitei, olhandofixamente para Maxon. Percebi que ele tinha parado demastigar. Alguém derrubou um garfo.

Baixei os olhos e fui para o meu lugar, ao lado de Kriss.

— Francamente, America… — ela sussurrou.

Inclinei a cabeça na direção dela e perguntei, fingindonão ter entendido: — O que foi?

Ela pousou os talheres no prato e nos encaramos.

— Você está vulgar.

— E você está com inveja.

Se não acertei na mosca, cheguei muito perto: ela corouum pouco e voltou a comer. Dei umas poucas beliscadas nacomida, pois o vestido estava tão apertado que não davapara engolir muita coisa. Quando serviram a sobremesa,

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resolvi parar de ignorar Maxon, que, como eu esperava,tinha os olhos fixos em mim. Ele imediatamente ergueu amão e mexeu na orelha; discretamente, fiz o mesmo. Deiuma olhada rápida no rei Clarkson, me segurando para nãorir. Ele estava irritado — o que também fazia parte doplano — e não podia fazer nada a respeito.

Pedi licença para me retirar antes de todo mundo, dando aMaxon a chance de admirar a parte de trás do vestido.Corri para o quarto. Mal fechei a porta e tratei logo deabrir o zíper. Estava desesperada para respirar.

— Como foi? — Mary perguntou, se apressando para meajudar.

— Ele ficou embasbacado. Todo mundo ficou.

Lucy soltou um gritinho e Anne se apressou para ajudarMary.

— Vamos segurar o vestido. Apenas ande — foi sua ordem, eobedeci. — Ele vem esta noite?

— Sim. Não sei bem a que horas, mas com certeza vaiaparecer.

Sentei na beirada da cama, com os braços cruzados nabarriga para que o vestido aberto não caísse.

Anne fez uma cara triste.

— É uma pena que a senhorita tenha de sofrer por maisalgumas horas. Mas estou certa de que valerá a pena.

Sorri, tentando dar a impressão de que não me importavacom a dor. Tinha dito a elas que queria chamar a atençãode Maxon, mas não mencionara minha esperança de que, comum pouco de sorte, o vestido logo estaria jogado no chão.

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— Quer que a gente fique até ele chegar? — Lucyperguntou, entusiasmada.

— Não, só me ajudem a fechar isto aqui de novo. Precisopensar sobre algumas coisas — respondi, levantando paraque elas pudessem me ajudar.

Mary segurou o fecho.

— Prenda a respiração, senhorita.

Obedeci, e mais uma vez fui espremida pelo vestido.

Pensei em um soldado que se preparava para a guerra. Aarmadura era diferente, mas a ideia, a mesma.

Naquela noite, eu ia derrotar um homem.

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32

Abri as portas da sacada e deixei o ar entrar no quarto.

Embora fosse dezembro, uma brisa leve fazia cócegas naminha pele. Não tínhamos mais permissão para ficar dolado de fora sem a presença de guardas, então a sacadateria de servir.

Andei pelo quarto e acendi algumas velas, na tentativa detornar o espaço mais aconchegante. Quando ouvi uma batidana porta, apaguei o fósforo, peguei um livro, voei para acama e ajeitei o vestido. Ora, Maxon, é assim que eu ficoquando estou lendo alguma coisa.

— Entre — convidei, com uma voz que mal dava paraescutar.

Maxon entrou. Levantei a cabeça graciosamente e percebique ele ficou maravilhado ao encontrar o quarto à meia-luz.

Então focou sua atenção em mim, correndo os olhos pelaminha perna à mostra.

— Aí está você — eu disse, fechando o livro e melevantando para cumprimentá-lo.

Ele fechou a porta e avançou, o olhar cravado nas minhascurvas.

— Queria dizer que você está maravilhosa esta noite.

Joguei o cabelo para trás.

— Ah, por causa deste vestido? Estava escondido no fundodo armário.

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— Fico feliz que tenha tirado de lá.

Enlacei meus dedos nos dele.

— Sente-se aqui comigo. Não tenho visto você com muitafrequência ultimamente.

Ele soltou um suspiro e me acompanhou.

— Sinto muito por isso. As coisas ficaram um pouco tensasdepois das baixas que tivemos naquele ataque, e você sabecomo é o meu pai. Enviamos vários guardas para protegeras famílias de vocês, o que diminuiu nossas forças, entãoele está pior do que nunca. E também está me pressionandopara que eu termine a Seleção, mas continuo firme. Queroter tempo para pensar bem sobre as coisas.

Fomos até a cama e nos sentamos na beirada, bem perto umdo outro.

— Claro. Quem deve controlar isso é você — comentei.

Ele concordou com a cabeça.

— Exatamente. Sei que já disse isso mil vezes, mas ficolouco quando as pessoas me pressionam.

— Eu sei — confirmei, fazendo uma cara triste.

Ele fez uma pausa, e não consegui interpretar suaexpressão. Tentava pensar num jeito de avançar semparecer oferecida, mas não sabia exatamente como criar ummomento romântico.

— Sei que é uma coisa boba, mas minhas criadas escolheramum perfume novo hoje. É muito forte? — perguntei,aproximando meu pescoço para que ele pudesse sentir.

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Ele aproximou o rosto, seu nariz tocando minha pele.

— Não, querida. É ótimo — Maxon respondeu, com a cabeçaentre meu ombro e meu pescoço, onde, então, me beijou.

Engoli em seco, tentando me concentrar. Precisava manterum mínimo de controle.

— Que bom que gostou. Estava com saudade.

Senti sua mão se esgueirar pelas minhas costas e baixei orosto. Ali estava ele, os olhos cravados nos meus, nossoslábios separados por poucos milímetros.

— Quanta saudade você sentiu? — ele sussurrou.

Aquele olhar, somado ao sussurro, fazia meu coração baterdepressa.

— Muita — respondi, também sussurrando. — Muita mesmo.

Inclinei o corpo para a frente, morrendo de vontade debeijá-lo. Maxon estava confiante. Ele me puxava para maisperto com uma mão e acariciava meus cabelos com a outra.

Meu corpo queria se desfazer em um beijo, mas o vestidome impedia. De repente, fiquei nervosa de novo, lembrandodo meu plano.

Escorreguei as mãos pelos braços de Maxon e conduzi seusdedos até o fecho do vestido, na esperança de que issobastasse.

Suas mãos se detiveram ali por alguns instantes. Euestava a ponto de simplesmente pedir que Maxon baixasse ozíper quando ele caiu na gargalhada.

Sua risada me fez voltar à realidade imediatamente.

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— O que é tão engraçado? — perguntei, horrorizada,tentando pensar em um jeito discreto de sentir meuhálito.

— De todas as coisas que você já fez, essa foi de longe amais divertida! — Maxon exclamou, rindo tanto que davatapas no joelho.

— Como é?

Ele estalou um beijo na minha testa e disse: — Sempreimaginei como seria quando você tentasse. — E

voltou a gargalhar. — Desculpe, preciso ir — completou.Até seu jeito de levantar dava mostras de que estava sedivertindo muito. — Vejo você amanhã.

E saiu. Simplesmente saiu!

Fiquei lá, sentada, completamente arrasada. Onde euestava com a cabeça quando pensei que aquilo daria certo?Maxon podia não saber tudo sobre mim, mas pelo menosconhecia meu caráter. E aquela… aquela não era eu.

Baixei os olhos para aquele vestido ridículo. Era demais.

Nem Celeste teria ido tão longe. Meu cabelo estavaperfeito demais; minha maquiagem, carregada demais. Eletinha entendido minhas intenções desde o primeiro segundoem que pôs os pés no quarto. Suspirando, apaguei as velasuma por uma e fiquei imaginando como iria encará-lo nodia seguinte.

Pensei em fingir uma gastrite. Ou uma enxaquecaarrasadora.

Ataque de pânico. Sério, qualquer coisa que me livrassedo café da manhã.

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Então pensei em Maxon e no que ele sempre dizia sobreencarar as dificuldades com a cabeça erguida. Talvez nãofosse meu ponto forte, mas se ao menos eu descesse até asala de jantar, se ao menos estivesse presente… quem sabeele me daria algum crédito.

Na esperança de consertar pelo menos parte do que fizera,pedi às criadas que me vestissem com a roupa maisdiscreta que eu tivesse. Só por esse pedido elasentenderam que não deviam perguntar nada sobre a noiteanterior. O decote do vestido era um pouco mais fechadodo que costumávamos usar no clima quente de Angeles, e asmangas chegavam quase até o cotovelo. Era florido ealegre, o oposto do visual da noite anterior.

Mal consegui olhar para Maxon quando entrei na sala dejantar, mas pelo menos mantive a postura ereta.

Quando finalmente dei uma espiada em sua direção, láestava ele me observando, com um sorriso irônico noslábios.

Enquanto comia, Maxon piscou para mim, e voltei a baixara cabeça, fingindo estar muito interessada na minhaquiche.

— Bom ver você com roupas de verdade hoje — Krissdisparou.

— Bom ver você de bom humor.

— O que deu na sua cabeça? — ela perguntou.

Desanimada, não quis prolongar a conversa.

— Estou sem paciência para isso hoje, Kriss. Só quero quevocê me deixe em paz.

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Por um instante, achei que ela fosse reagir, masaparentemente eu não valia o esforço. Ela se ajeitou nacadeira e continuou a comer. Se eu tivesse obtido ummínimo de sucesso na noite anterior, poderia justificarminhas ações. Mas do jeito que as coisas tinham ido,sequer podia fingir orgulho.

Arrisquei outro olhar para Maxon. Apesar de não estarmais me observando, dava para perceber que ainda sesegurava para não rir enquanto cortava a comida. Erademais. Eu não suportaria um dia inteiro daquele jeito.Já estava me preparando para desmaiar, fingir uma dor debarriga ou tentar qualquer outra coisa para sair dali omais rápido possível quando um mordomo entrou na sala.Trazia um envelope em uma bandeja de prata e fez umareverência antes de colocá-la diante do rei Clarkson.

O rei pegou a carta e leu-a no ato.

— Malditos franceses! — resmungou. — Desculpe, Amberly,mas parece que terei de partir dentro de uma hora.

— Mais um problema com o tratado de comércio? — a rainhaperguntou tranquilamente.

— Sim. Pensei que tivéssemos acertado tudo meses atrás.

Precisamos ser firmes desta vez.

O rei atirou o guardanapo na mesa, levantou e seguiu emdireção à porta.

— Pai! — Maxon chamou, também se levantando. — Não querque eu vá junto?

De fato, eu tinha achado estranho o rei não vociferarnenhuma ordem para que o filho o seguisse quando selevantou. Afinal, era esse o seu método de ensino. Desta

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vez, porém, ele se voltou para Maxon e, com o olhar frioe a voz cortante, disparou: — Quando você estiver prontopara se comportar como um rei, poderá vivenciar o que umrei faz. — E se retirou, sem dizer mais nada.

Maxon permaneceu de pé por alguns instantes, chocado eenvergonhado pela bronca que levara na frente de todomundo. Sentou novamente e se dirigiu à mãe: — Para sersincero, não estava muito animado com o voo — comentou,para aliviar a tensão com uma piada. A rainha sorriu,como obviamente era sua obrigação, e nós ignoramos oocorrido.

As outras garotas terminaram o café da manhã e pediramlicença para ir ao Salão das Mulheres. Quando restávamosapenas Maxon, Elise e eu, levantei os olhos para ele.

Mexemos na orelha ao mesmo tempo e sorrimos. Elisefinalmente saiu, e nos encontramos no meio da sala dejantar, sem nos importarmos com as criadas e os mordomosque chegavam para limpar a mesa.

— Ele não vai levar você por minha causa — lamentei.

— Talvez — Maxon provocou. — Acredite, não é a primeiravez que ele tenta me colocar no meu lugar, e, na cabeçadele, tem milhares de motivos para isso. Não mesurpreenderia se o principal motivo agora fosse despeito.Ele não quer deixar o poder, mas quanto mais perto euchego de escolher uma esposa, maior a probabilidade deque isso aconteça. Apesar de ambos sabermos que ele nuncaabrirá mão do governo.

— Você deveria me mandar para casa de uma vez. Ele nuncavai deixar que me escolha.

Eu ainda não contara a ele que seu pai havia me

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encurralado e me ameaçado no meio do corredor depois queMaxon o convencera a me deixar ficar. O rei Clarksondeixara bem claro que era para eu ficar de boca fechadasobre aquela conversa, e eu não pretendia contrariá-lo.Ao mesmo tempo, odiava guardar segredos de Maxon.

— Além disso — acrescentei, cruzando os braços —, depoisde ontem à noite, não acho que você me queira por aquimesmo.

Ele mordeu os lábios.

— Desculpe pela minha reação, mas, sério, o que mais eupodia fazer?

— Eu tinha várias ideias — murmurei, ainda envergonhadapor ter tentado seduzi-lo. — Agora me sinto uma idiota —completei, escondendo o rosto entre as mãos.

— Pare com isso — ele disse gentilmente e me abraçou. —Acredite, foi muito tentador, mas você não é assim.

— Mas não deveria ser? Isso não deveria fazer parte doque somos? — lamentei, apoiando a cabeça em seu peito.

— Você não se lembra da noite no abrigo? — Maxonperguntou baixinho.

— Sim, mas aquilo era basicamente a nossa despedida.

— Teria sido uma despedida fantástica.

Recuei, dando um leve empurrão nele. Ele achou graça,feliz por ter amenizado o desconforto da situação.

— Vamos esquecer esse assunto — propus.

— Ótimo — concordou. — Além do mais, temos um projeto

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para pôr em prática, você e eu.

— Temos?

— Temos. Como meu pai está fora, este é o momento idealpara começarmos a bolar estratégias.

— Certo — eu disse, empolgada por fazer parte de algo sóentre nós dois.

Maxon respirou fundo, me deixando ansiosa para descobriro que estava tramando.

— Você tem razão. Meu pai não a aprova. Mas ele pode serobrigado a ceder se conseguirmos uma coisa.

— Que coisa?

— Precisamos fazer de você a favorita do povo.

Fiz uma careta.

— Esse é o nosso projeto, Maxon? Nunca vai acontecer.

Vi uma pesquisa em uma das revistas da Celeste depois quetentei salvar Marlee. As pessoas não me suportam.

— As opiniões mudam. Não deixe um momento isoladodesanimá-la.

Eu ainda achava que era impossível, mas o que poderiadizer? Se aquela era minha única opção, pelo menosdeveria tentar.

— Tudo bem — eu disse. — Mas já vou avisando que não vaifuncionar.

Com um sorriso travesso no rosto, Maxon chegou bem pertoe me deu um beijo longo e demorado.

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— Pois eu digo que vai.

Sei que as coisas nem sempre acontecerão como desejamos eque precisaremos nos esforçar para nunca esquecer osmotivos de nossa escolha. Não será perfeito, não o tempotodo.

Isto não é um "felizes para sempre".

É muito mais que isso.

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Epílogo