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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO PUBLICIDADE E PROPAGANDA CULTO POP E PLATAFORMAS DIGITAIS COMO ESTRATÉGIAS DE MARKETING DAS IGREJAS PÓS-MODERNAS: Estudo de Caso da Comunidade Cristã Videira Ketilen Michelly Saraiva da Silva Natal - RN 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO PUBLICIDADE E PROPAGANDA

CULTO POP E PLATAFORMAS DIGITAIS COMO ESTRATÉGIAS DE

MARKETING DAS IGREJAS PÓS-MODERNAS:

Estudo de Caso da Comunidade Cristã Videira

Ketilen Michelly Saraiva da Silva

Natal - RN 2019

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Ketilen Michelly Saraiva da Silva

CULTO POP E PLATAFORMAS DIGITAIS COMO ESTRATÉGIAS DE

MARKETING DAS IGREJAS PÓS-MODERNAS:

Estudo de Caso da Comunidade Cristã Videira

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

como pré-requisito para obtenção do título de

Bacharel em Comunicação Social, com

habilitação em Publicidade e Propaganda,

outorgado pela Universidade Federal do Rio

Grande do Norte - UFRN.

Orientador: Prof. Dr. Juciano de Sousa Lacerda

Natal - RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências

Humanas, Letras e Artes – CCHLA

Silva, Ketilen Michelly Saraiva da.

Culto pop e plataformas digitais como estratégias de marketing das

igrejas pós-modernas: estudo de caso da Comunidade Cristã Videira /

Ketilen Michelly Saraiva da Silva. - Natal, 2019.

94f.: il. color.

Monografia (graduação) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes,

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019.

Orientador: Prof. Dr. Juciano de Sousa Lacerda.

1. Marketing Religioso - Monografia. 2. Igreja - Monografia. 3. Pós-

moderno - Monografia. 4. Protestantismo - Monografia. 5. Culto -

Monografia. I. Lacerda, Juciano de Sousa. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 659.1:2

Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710

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Ketilen Michelly Saraiva da Silva

CULTO POP E PLATAFORMAS DIGITAIS COMO ESTRATÉGIAS DE

MARKETING DAS IGREJAS PÓS-MODERNAS:

Estudo de Caso da Comunidade Cristã Videira

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como pré-requisito para obtenção do

título de Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e

Propaganda, outorgado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN,

tendo sido aprovado pela banca examinadora composta pelos professores.

Data de aprovação: 02/12/2019

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________

Professor Dr. Juciano de Sousa Lacerda

____________________________________________________

Professora Dra. Lilian Carla Muneiro

_____________________________________________________

Professor Dr. Talvacy Chaves de Freitas

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SOLI DEO GLORIA

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AGRADECIMENTOS

Ao autor e consumador da minha fé, aquele que me tirou da morte para a vida

através – unicamente – da graça. Imerecida graça do Cristo que me salvou da

condenação para que hoje eu tenha esperança;

Ao Santo Espírito que me guiou até aqui, que me fez perseverar mesmo em meio

aos tempos difíceis de uma universidade e me encorajou a desenvolver este

trabalho;

Ao Deus Criador que sustenta todo o universo e a mim – “quem sou eu para que o

Deus de toda a terra se importe com meu nome?”;

Ao meu pai, Flávio, que sempre se dedicou ao máximo para me proporcionar uma

boa educação, mas não somente, também esteve presente em cada momento com

amor;

À minha mãe – e amiga –, Kézia, que sempre esteve atenta e disposta a ajudar,

cuidando de todos a todo tempo, abriu mão dos seus sonhos para sonhar com os

filhos e hoje podemos nos alegrar todos juntos;

Ao meu irmão, Felipe, por todo o apoio e cuidado demonstrado por toda a minha

vida;

À minha avó, Maurina, que é o maior exemplo de força, amor e dedicação por sua

família;

Aos meus irmãos do coração que me acompanharam desde o início dessa jornada,

Luana Barbosa e Mateus Guerra, e os que já chegaram no final, Daniele Borges e

Carlo Puyol. “Se eu cheguei até aqui, não tem como duvidar que eu só pude

caminhar porque vocês foram casa onde eu me abriguei, circo (e como eu

gargalhei!), pão que me alimentou, amigos, meus amigos!”;

Aos meus amigos amados que também foram casa: Ana Rebecca, João Florêncio,

Caio Nédici, Rasmana Ákila – e toda a moçada –, Juliana Soares, Gabriela

Rodrigues, Mayara Arruda, Tainá da Mata, Will, Arthur, Talita – minha madrinha do

EB –, Rebeca, Heloisa, Guilherme, Daniela, Lívia, Elisabeth, Fernanda, Elioenay

Dantas, Gemyma Medeiros;

A todo o corpo docente que me deu o conhecimento necessário para desenvolver

este trabalho e que são inspiração para tantos: Marcela Chancel, Roberto Del

Carrote, Lilian Muneiro, entre outros, e em especial ao meu orientador Juciano

Lacerda que aceitou o desafio de me dar o direcionamento deste trabalho e estar

sempre disponível.

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RESUMO

É imprescindível o estudo dos novos comportamentos sociais em suas diversas

expressões, incluso a religiosidade. Os formatos de igreja e culto têm se modificado

no decorrer das décadas, mas sempre está presente na cultura brasileira. Com esse

entendimento, este trabalho foi desenvolvido a fim de promover um melhor

conhecimento sobre a transformação de comportamento das igrejas e seus cultos

em relação à utilização do marketing, assim como a influência pós-modernista e o

pensamento consumista nesse processo. Assim, foi traçada uma linha do tempo no

desenvolvimento do protestantismo no Brasil, desde a Reforma Protestante até as

igrejas pós-modernas, sendo analisadas as estratégias de marketing utilizadas em

cada fase. Os elementos do culto também foram observados em comparação entre

o culto reformado e o culto pop, descrevendo e discorrendo sobre seus objetivos e

público. Para uma melhor compreensão do que foi posto teoricamente, foi utilizado

o método do Estudo de Caso para análise da Comunidade Cristã Videira Natal –

Capim Macio. Os dados coletados proporcionaram informações para análise do

fenômeno das igrejas pós-modernas e do culto pop. Percebeu-se que a influência

do pensamento pós-moderno nas igrejas trouxe a utilização de estratégias de

marketing 3.0 e 4.0 como solução para atrair essa nova geração, descartando a

tradição da Reforma Protestante e a suficiência das diretrizes bíblicas para a

organização dos elementos do culto e da própria igreja. Passa a ser oferecido uma

experiência de bem-estar e não mais a transformação individual. Conclui-se que

são instituições voltadas para agradar e atrair o seu público-alvo com características

distantes do ensino das Escrituras, seguindo os princípios do marketing para a base

de tais comunidades.

Palavras-chave: Marketing Religioso. Igreja. Pós-moderno. Protestantismo. Culto.

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ABSTRACT

It is essential to study new social behaviors in their various expressions, including

religiosity. Church and worship formats have changed over the decades, but it is

always present in Brazilian culture. With this understanding, this work was developed

to promote a better understanding of the behavioral transformation of churches and

their cults in relation to the use of marketing, as well as the postmodernist influence

and consumerist thinking in this process. Thus, a timeline was drawn in the

development of Protestantism in Brazil, from the Protestant Reformation to the

postmodern churches, and the marketing strategies used at each stage were

analyzed. The elements of the cult were also observed in comparison between the

Reformed cult and the pop cult, describing and discussing their aims and audience.

For a better understanding of what was put theoretically, we used the Case Study

method for analysis of the Comunidade Cristã Videira Natal – Capim Macio. The

data collected provided information for analysis of the whole phenomenon of

postmodern churches and pop worship. It was noted that the influence of

postmodern thinking in the churches brought the use of marketing strategies 3.0 and

4.0 as a solution to attract this new generation, discarding the Protestant

Reformation tradition and the sufficiency of biblical guidelines for the organization of

worship elements. and the church itself. You are now offered a wellness experience

and no longer individual transformation. We conclude that they are institutions aimed

at pleasing and attracting their target audience with characteristics far removed from

Scripture teaching, following the principles of marketing to the base of such

communities.

Keywords: Religious Marketing. Church. Postmodern. Protestantism. Worship.

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LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

Tabela 1 - Comparativo entre modernismo e pós-modernismo ......................................... 34

Tabela 2 - Comparação entre Marketing 1.0, 2.0 e 3.0 ...................................................... 38

Tabela 3 - Comparativo dos 4 P's e 4 C's do marketing ..................................................... 40

Tabela 4 - Os P's e C's na Reforma Protestante ................................................................ 43

Tabela 5 - Os P's e C's no Unionismo ................................................................................ 44

Tabela 6 - Os P's e C's no Neopentecostalismo ................................................................ 46

Tabela 7 - Os P's e C's no Pragmatismo ............................................................................ 47

Tabela 8 - Ordenanças e Circunstâncias do Culto ............................................................. 51

Tabela 9 - O Verdadeiro Culto Versus O Falso .................................................................. 54

Tabela 10 - Storyboard da campanha de divulgação do evento ........................................ 71

Gráfico 1 - Faixa etária dos entrevistados .......................................................................... 81

Gráfico 2 - Sexo dos entrevistados ..................................................................................... 81

Gráfico 3 - Classe social dos entrevistados ........................................................................ 82

Gráfico 4 - Tempo de membresia na CCVideira ................................................................. 83

Gráfico 5 - Procedimento para se tornar membro .............................................................. 83

Gráfico 6 - Programações frequentadas ............................................................................. 85

Gráfico 7 - Atrações da igreja ............................................................................................. 86

Gráfico 8 - O que é o evangelho ......................................................................................... 88

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figure 1 - Logomarca CCVideira ........................................................................................ 58

Figure 2 - Entrada da CCVideira ........................................................................................ 60

Figure 3 - Ambiente da CCVideira ...................................................................................... 60

Figure 4 - Culto da CCVideira ............................................................................................. 61

Figure 5 - Momento de louvor ............................................................................................. 62

Figure 6 - Pastor Thiago Coelho ......................................................................................... 63

Figure 7 - Voluntários do Lounge ....................................................................................... 64

Figure 8 - Print da página inicial do site .............................................................................. 65

Figure 9 - Print do link para o Videira Music ....................................................................... 65

Figure 10 - Print das sedes da CCVideira .......................................................................... 66

Figure 11- Informações sobre os horários de culto ............................................................ 66

Figure 12 - Slogan e visão da igreja ................................................................................... 67

Figure 13- Informação sobre contato .................................................................................. 67

Figure 14 - Print das informaões sobre os pilares da igreja e os pastores ......................... 68

Figure 15 - Print das informações sobre ofertas ................................................................. 68

Figure 16 - Print do perfil da CCVideira Capim Macio no Instagram .................................. 69

Figure 17- Print das postagens no Instagram ..................................................................... 70

Figure 18 - Print da foto de divulgação do evento da A13 .................................................. 70

Figure 19 - Print da página do Facebook ........................................................................... 73

Figure 20 - Print das avaliações no Facebook ................................................................... 73

Figure 21 - Print da conta no YouTube ............................................................................... 74

Figure 22- Print dos vídeos postados no YouTube ............................................................ 74

Figure 23 - Print do vídeo do Batendo Perna ..................................................................... 76

Figure 24- Print da matéria do AgoraRN ............................................................................ 77

Figure 25 - Print da matéria do Blog do BG ........................................................................ 78

Figure 26 - Print da matéria do Brechando ......................................................................... 79

Figure 27 - Print das principais respostas 1 ....................................................................... 84

Figure 28 - Print das principais respostas 2 ....................................................................... 84

Figure 29 - Print das principais respostas 3 ....................................................................... 86

Figure 30 - Print das principais respostas 4 ....................................................................... 87

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 12

2 A REFORMA PROTESTANTE ........................................................................... 15

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO ......................................................................................... 15

2.2 BASES TEOLÓGICAS DA REFORMA ..................................................................... 17

2.2.1 Sola Scriptura ................................................................................................... 17

2.2.2 Sola Gratia ........................................................................................................ 18

2.2.3 Sola Fide ........................................................................................................... 19

2.2.4 Solus Christus .................................................................................................. 19

2.2.5 Soli Deo Gloria .................................................................................................. 20

3 O PROTESTANTISMO NO BRASIL .................................................................. 21

3.1 AS TENTATIVAS DE IMPLANTAÇÃO ..................................................................... 21

3.2 PROTESTANTISMO DE MISSÃO ............................................................................ 21

3.3 A FASE DO UNIONISMO ......................................................................................... 23

3.4 A DIVERSIDADE DE TEOLOGIAS ........................................................................... 25

3.5 O PROTESTANTISMO UTÓPICO VERSUS O FUNDAMENTALISMO ................... 27

3.6 O CRESCIMENTO DO NEOPENTECOSTALISMO ................................................. 29

3.7 O PRAGMATISMO ................................................................................................... 30

3.8 A IGREJA EMERGENTE .......................................................................................... 31

3.9 AS IGREJAS PÓS-MODERNAN E O CULTO POP ................................................. 32

4 O MARKETING RELIGIOSO: DA REFORMA À IGREJA PÓS-MODERNA ...... 36

4.1 O QUE É O MARKETING? ....................................................................................... 36

4.1.1 As Fases do Marketing .................................................................................... 36

4.1.2 Estratégias do Marketing ................................................................................. 39

4.2 O MARKETING RELIGIOSO .................................................................................... 41

4.2.1 Utilização do Marketing Religioso: Da Reforma À Igreja Pós-Moderna ...... 42

4.2.2 O Marketing no Culto: O Princípio Regulador do Culto e O Culto Pop ....... 49

5 ESTUDO DE CASO: COMUNIDADE CRISTÃ VIDEIRA.................................... 56

5.1 METODOLOGIA ....................................................................................................... 56

5.2 COMUNIDADE CRISTÃ VIDEIRA – CAPIM MACIO ................................................ 58

5.3 PRESSUPOSTO TEÓRICO ..................................................................................... 59

5.4 COLETA DE DADOS ................................................................................................ 59

5.4.1 Observação Direta ............................................................................................ 59

5.4.2 Arquivo .............................................................................................................. 64

5.4.3 Documentação ................................................................................................. 75

5.4.4 Pesquisa ............................................................................................................ 80

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 90

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 92

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1 INTRODUÇÃO

Um dos princípios das religiões é a expansão da fé, não seria diferente no

cristianismo – ao contrário, é a religião que mais a promove através de ensino,

evangelismo, cultos etc. Na Reforma Protestante é possível perceber esse objetivo,

a qual obteve sucesso pela rápida expansão em todo o território europeu. É nesta

relação entre a igreja que deseja alcançar o público através de uma mensagem que

surge o espaço para o Marketing Religioso.

É imprescindível o estudo dos novos comportamentos sociais em suas

diversas expressões, incluso a religiosidade. Os formatos de igreja e culto têm se

modificado no decorrer das décadas, mas sempre está presente na cultura

brasileira. Porém, o público alcançado e as formas fidelização se transformaram

junto com as novas gerações e meios de comunicação.

Percebe-se que igreja sempre se utilizou das tecnologias da sua época para

compartilhar uma mensagem, desde o advento da escrita até as redes sociais, e,

consequentemente, das ferramentas de marketing. Cabe então o estudo de quais

estão sendo utilizadas e o que estão transmitindo. Estão expandindo um

pensamento ou o consumo de artigos religioso? É necessário avaliar o que tem

motivado esse uso.

No Brasil, há uma vasta discussão sobre esse tema. Polêmicas com a

utilização do marketing para vender artigos, promessas e milagres divinos em troca

de altas ofertas. O produto da igreja passou a ser ofertado em meios de

comunicação de massa nas chamadas igrejas neopentecostais. Porém, não são

mais os únicos a abraçarem o marketing como principal ferramenta para a igreja,

ele tem se expandido entre as comunidades tradicionais e atingido um novo patamar

nessa versão pós-moderna de igreja.

Com a chegada da geração baby boomers e o advento do marketing 2.0, o

consumo de massa surgiu, ou seja, as instituições passaram a modificar as formas

de atingir o seu público para atender a nova demanda. Comunicação voltada para

atender as necessidades dos consumidores e assim atraí-los. Prática essa que foi

expandida já na geração millennials e a chegada da internet. Cada vez mais muitas

igrejas cederam ao desejo de consumo on demand dos mais jovens a fim de torná-

los frequentadores.

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As igrejas pós-modernas, como são conhecidas, têm ganhado cada vez mais

visibilidade por causa das características que as distinguem e quebram paradigmas

diante do tradicionalismo das igrejas históricas. Observa-se o crescimento da

participação dos jovens atraídos pela estrutura peculiar delas, como paredes pretas,

jogos de luzes, fumaça de gelo seco, músicas animadas e pastores descontraídos.

Além disso, outra característica marcante é o incentivo à participação de grupos

menores a fim de proporcionar maior inclusão entre todos.

Diante dessas observações, nota-se a possibilidade da inserção de

estratégias do marketing na estrutura física e litúrgica dessas igrejas. Assim, torna-

as passíveis de uma análise mercadológica para verificar quais são os métodos

utilizados, público alvo, objetivos de marketing e mix marketing.

Para compreender esse fenômeno, precisa-se pensar em como o

protestantismo se deu, como chegou ao Brasil e seu desenvolvimento no decorrer

do tempo. Assim como a evolução da utilização de tais estratégias desde a Reforma

Protestante até os dias atuais.

No entanto, vale ressaltar o momento atual da sociedade e a influência

filosófica deste período. O pós-modernismo passa a reconfigurar todos os setores

sociais, incluso a religião. O pensamento relativista e consumista passa a exercer

influência sobre a igreja – a qual antes buscava pela aplicação da verdade absoluta

das afirmações da Bíblia –, há então uma descaracterização da doutrina difundida

pelos reformadores e uma nova configuração em seus métodos de crescimento. Ela

passa a se preocupar em oferecer o bem-estar em todas as esferas para o seu

público, pois é isso que é buscado, e é o que reflete o chamado Culto Pop.

Assim, este trabalho abordou o contexto histórico da Reforma Protestante

com suas implicações teológicas a fim de compreender o surgimento das igrejas

evangélicas protestantes. Em seguida, traçou as fases da implantação dela no

Brasil e sua evolução em várias ramificações de pensamento.

Utilizou-se a base teórica de autores como Antônio Mendonça, Émile

Leonard, Canuto, Mauro Meister, D.A Carson, citações de Martinho Lutero, João

Calvino e da Confissão de Fé de Westminster, entre outros, para compreender o

pensamento protestante e sua chegada ao Brasil.

E para compreender a utilização do marketing para essa expansão no Brasil,

foi abordado as definições de marketing e suas fases, o marketing religioso e sua

utilização em cada fase da igreja protestante brasileira. Com foco nas Igrejas Pós-

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14

modernas para analisar a influência de tais ferramentas na construção da

comunicação com o público e seu culto em contraste com os princípios da Reforma

Protestante.

Foram, então, utilizadas as definições de Philip Kotler, George Barna, Brian

Schwertley e entre outros autores para analisar essa relação entre o marketing e a

igreja protestante brasileira.

A fim de possibilitar uma análise prática de como o pós-modernismo tem

influenciado na utilização do marketing para alcançar um público inserido nesse

contexto social, reconhecendo a importância do estudo para a compreensão de uma

nova forma de expressão e comportamento das igrejas modernas e sua relação

com o marketing, esta pesquisa, a fim de acrescentar esse conhecimento, utilizou

o método de Estudo de Caso para analisar a estrutura física, a liturgia e práticas da

igreja Comunidade Cristã Videira - a igreja pós-moderna de maior relevância na

cidade do Natal/RN. A qual tem sede na cidade de Fortaleza, onde foi fundada no

ano de 2001. A qual chegou à Natal (2007) onde está situada até hoje e conta com

duas congregações.

Portanto, este trabalho foi desenvolvido a fim de compreender tal relação –

marketing e igreja na sociedade pós-moderna – na prática e seus resultados na

igreja escolhida para análise; como isso tem se relacionado com as bases

teológicas da Reforma Protestante e os pilares da religião cristã; com qual objetivo

é realizado o culto pop e sua influência no público.

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2 A REFORMA PROTESTANTE

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO

O movimento da reforma da igreja não ocorreu de forma aleatória ao contexto

histórico, ao contrário, surgiu como resposta às crises da época – política, social e

na igreja católica – em toda a Europa desde 200 anos antes. Conflitos entre os

monarcas e a autoridade religiosa, o papa, causaram os primeiros sinais da

instabilidade da igreja, que até então possuía um grande poder de influência e

controle do estado. A cisão dentro do catolicismo também passou a se tornar

evidente ao existirem três papas no ano de 1409 após o Concílio de Pisa (MATOS,

2014). Após esse evento, houve outros concílios na tentativa de resolução das

crises internas da igreja e de torná-la mais democrática. Período que ficou

conhecido como conciliarismo. Além disso, movimentos de oposição à igreja

surgiram e houve grande perseguição através de cruzadas contra os chamados

hereges, e oficializou-se a Inquisição em 1233.

Em meio a essa crise religiosa, ocorria convulsões políticas e sociais como

a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), a peste negra (1348), fome, declínio do

feudalismo e o surgimento do capitalismo, desordem que provocava a morte em

grande escala. O pessimismo era dominante na sociedade (MATOS, 2014) desde

o governo ao povo. Em um contexto de desespero e desesperança, a incerteza da

salvação baseada em boas obras inalcançáveis e pecados, havia a insatisfação

contra ao alto clero e a Roma. Não obstante, a revolta foi ignorada e práticas de

abusos contra os fiéis também passaram a ocorrer, como a venda de indulgências,

iniciadas em 1517, para que alcançassem a salvação, com base no ensino da igreja

de que a ela pertencia a guarda dos Tesouros dos Méritos das obras dos seus

santos (CANUTO, 2012, p. 2). Um estopim para o que já estava para acontecer.

Os primeiros movimentos da Reforma já estavam ocorrendo através de

nomes como John Wycliff (1325-1384), John Hus (1372-1415), Girolamo

Savanarola (1452-1498), entre outros que pregavam a volta à bíblia e contra a

doutrina feita por homens, sendo alguns deles perseguidos e mortos. Mas foi em 31

de outubro de 1517 que o monge agostiniano e professor de teologia da

Universidade de Wittemberg, Martinho Lutero (Martinus Luter, 1483- 1546) – após

ter “refletido muito sobre sua condição de pecador e sua incapacidade para ser

salvo através de obras meritórias e haver chegado a conclusão, pelas Escrituras,

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que a salvação é pela graça de Deus somente” (CANUTO, 2012, p. 2) – desafiou a

igreja católica e afixou na porta da Igreja de Wittemberg um documento chamado

publicou suas “95 teses para discussão sobre o poder das indulgências”1 e escrito

em latim anunciou a salvação não através do sacramento da penitência, obras ou

compra de indulgências, mas pela graça de Deus como ação divina. E esse mesmo

documento passou a ser distribuído por toda a Europa, em diversos idiomas, através

da utilização da imprensa escrita de Gutemberg (CANUTO, 2012, p. 2), fato que fez

esse ato de revolta ganhar uma proporção não vista nos movimentos anteriores.

Contudo, o termo “protestante” só passou a ser utilizado no ano de 1529, na

Segunda Dieta Imperial Alemã de Speyer, quando luteranos leram um protesto

contra a declaração de que a fé católica romana era por lei a única fé (CANUTO,

2012, p. 1), anulando a livre escolha de fé declarada na primeira Dieta de Speyer.

Esse protesto é citado por Canuto (2012, p.1) como a consolidação da reforma

protestante.

Qual é a igreja verdadeira e santa? [...] Não há nenhuma pregação ou doutrina segura senão aquela que permanece fiel à Palavra de Deus. Segundo o mandamento divino, nenhuma outra doutrina deve ser pregada. Todo texto das santas e divinas Escrituras deve ser elucidado e explicado por outros textos. Esse Livro Santo é necessário, em todas as coisas, para o cristão; brilha claramente na sua própria luz e é vista iluminando as trevas. Estamos resolutos, pela graça de Deus e com Sua ajuda, a permanecermos exclusivamente na Palavra de Deus, no Santo evangelho contidos nos livros do Antigo e Novo Testamento. Somente essa Palavra deve ser pregada, e nada que seja contrário a ela. É a única verdade. É o juiz certo de toda doutrina e conduta cristã. Não podemos enganar nem lograr.

Outros nomes importantes da reforma foram Ulrico Zuínglio e João Calvino.

O primeiro era um pregador da catedral de Zunrique (1518) e, por influência do

estudo do Novo Testamento, passou a defender o julgamento das doutrinas a partir

da bíblia, sendo a favor do casamento de sacerdotes e consumo de carne na

quaresma (MATOS, 2014), a salvação somente pela graça, a autoridade da

escritura e sacerdócio dos fiéis, seu trabalho rendeu mudanças ainda mais

profundas em sua cidade, com a adoção do culto em detrimento da cerimônia da

missa. Já Calvino foi o autor da Instituição da Religião Cristã ou Institutas (1536)

como sistematização da doutrina cristã reformada, também ficou caracterizado por

priorizar o ensino acessível das Escrituras de forma oral e escrita – com comentários

de alguns livros da bíblia, sendo o escrito mais conhecido o comentários do livro de

1 Disputatio pro declaratione virtutis indulgentiarum

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Romanos – e a reorganização da igreja com uma liturgia baseada somente nas

Escrituras, e seu trabalho ficou reconhecido com a linha teológica calvinista –

sintetizada nos cinco pontos conhecidos como TULIP: depravação total, eleição

incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos.

Houve também o movimento dos reformadores radicais, os quais saíram

dentre os seguidores de Zuínglio, eles exigiam mudanças mais profundas na igreja,

como o “credobatismo” – realizado apenas em adultos com consciência de fé e por

imersão, diferente do “pedobatismo” de aspersão que era o praticado pela igreja

católica. Ficaram conhecidos como Anabatistas (1524) por “rebatizarem” seus

adeptos (MATOS, 2014). Devido aos seus inúmeros protestos, sofreram duras

punições, como decapitação e expulsão da cidade de Zunrique.

Muitos outros reformadores surgiram com o tempo em busca do retorno às

Escrituras e aos padrões da igreja primitiva – descrita na bíblia no livro Atos

inicialmente –, desenvolveram muitas obras para o fortalecimento da doutrina.

Sofreram também muitas perseguições, com mártires, mas expandiram o

pensamento protestante em todo o mundo através do envio de missionários e

distribuição de bíblias na língua materna dos países. Além disso, incentivaram a

alfabetização do povo para que cada pessoa pudesse ler a bíblia e interpretá-la por

si só, construíram universidades e escolas públicas para esse fim. Os impactos da

reforma protestantes atingiram todos os níveis sociais e suas esferas, promoveram

mudanças que perduram até hoje.

2.2 AS BASES TEOLÓGICAS DA REFORMA

A doutrina da reforma protestante foi sistematizada em cinco pilares,

conhecidos como “Os Cinco Solas da Reforma”, sendo eles: Sola Scriptura

(somente a Escritura), Sola Gratia (somente a graça), Sola Fide (somente a fé),

Solus Christus (somente Cristo) e Soli Deo Gloria (glória somente a Deus).

2.2.1 Sola Scriptura

Esse ponto foi o grande marco da reforma protestante, dele saíram os demais

solas. O retorno a suficiência das Escrituras como única regra de fé e prática a todos

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os cristãos, contrariando a doutrina católica de autoridade papal. A bíblia passou a

ser defendida mais uma vez como completa, perfeita, inerrante e inspirada pelo

Espírito Santo, base para todo julgamento doutrinário e ensino religioso cristão. A

autoridade estava na bíblia e não no que era falado nas igrejas, nada poderia ser

acrescentado ou retirado dela. Como afirmado pela Confissão de Fé de Westminster

(1647):

Todo conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens.

2.2.2 Sola Gratia

A partir da resolução de tomar como base doutrinária apenas a Escritura, os

reformadores passam a declarar a salvação apenas através da graça, não por

méritos humanos. O homem seria totalmente incapaz de obter salvação através de

obras, penitências ou compra de indulgências devido ao seu estado de morte em

pecado. Além disso, Lutero afirma que o perdão de pecados é uma obra divina

somente.

A discussão entre a “livre graça” versus “livre arbítrio” se fez presente nas

obras de Lutero e Desidério Erasmo, consecutivamente. Esse escreveu o livreto

“Discussão Sobre o Livre-Arbítrio” (1524), o que fez Lutero escrever uma de suas

obras mais conhecidas, “A Escravidão da Vontade” (1525) como resposta. Ao

escrever 19 argumentos baseados nos ensinos do Apóstolo Paulo na carta aos

Romanos, ele expõe o seu e, consequentemente, o pensamento dos reformadores

sobre a salvação. No 18º argumento ele afirma:

Confesso que eu não gostaria de possuir “livre-arbítrio” ainda que o mesmo me fosse concedido! Se a minha salvação fosse deixada ao meu encargo, eu não conseguiria enfrentar vitoriosamente todos os perigos, dificuldades e demônios contra os quais teria de lutar. Porém, mesmo que não houvesse inimigos a combater, eu jamais poderia ter a certeza do sucesso. Eu jamais poderia ter a certeza de haver agradado a Deus ou se haveria ainda mais alguma coisa que precisaria fazer. Posso provar isso mediante a minha própria dolorosa experiência de muitos anos. Porém, a minha salvação está nas mãos de Deus, não nas minhas. Ele será fiel à sua promessa de salvar-me, não com base no que eu faço, mas em conformidade com a sua grande misericórdia. Deus não mente, e não permitirá que o meu adversário, o diabo, me arranque de suas mãos. Por meio do “livre-arbítrio”, ninguém poderá ser salvo. Mas, por meio da “livre graça”, muitos serão salvos. E não somente isso, mas também alegro-me por saber que, como um cristão, agrado a Deus, não por causa daquilo que

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faço, mas por causa de sua graça. Se trabalho muito pouco ou errado demais, Ele, graciosamente, me perdoará e me fará melhorar. Essa é a glória de todo cristão. (LUTERO, 2007, p.39-40)

2.2.3 Sola Fide

Esse é o ponto que Canuto (2012, p.13) relata ser o “grito de guerra da

Reforma Protestante”: que o justo viverá pela fé. Lutero o considerou o pilar da

igreja, a “justificação por meio fé pelos méritos de Cristo” (CANUTO, 2012, p.13) e

pela graça. Esse foi o entendimento de Lutero sobre a justiça de Deus, a qual era

realizada por intermédio do Cristo. Seria nesse ponto que a igreja deveria se basear

para a segurança da salvação, não na crença da obra humana, mas na fé – dada

por Deus – na redenção definitiva através da vida, morte e ressurreição de Jesus.

Afirmação que é mantida entre as igrejas protestantes pela Declaração de

Cambridge, realizada em 1996 pela Aliança de Evangélicos Confessionais, que diz:

Reafirmamos que a justificação é somente pela graça somente por intermédio da fé somente por causa de Cristo. Na justificação a retidão de Cristo nos é imputada como o único meio possível de satisfazer a perfeita justiça de Deus. Negamos que a justificação se baseie em qualquer mérito que em nós possa ser achado, ou com base numa infusão da justiça de Cristo em nós; ou que uma instituição que reivindique ser igreja, mas negue ou condene sola fide possa ser reconhecida como igreja legítima.

2.2.4 Solus Christus

A proclamação da reforma de somente um mediador entre Deus e os

homens, um único acesso, um só caminho – o próprio Cristo – vai de encontro aos

santos da doutrina católica. Esse foi o principal tema abordado nos escritos do

reformador Zuinglio, as suas 67 teses (1523), como cita Zuinglio (apud CANUTO,

2012, p. 13)

A suma do Evangelho é que nosso Senhor Jesus Cristo, o verdadeiro Filho de Deus, tornou conhecida a nós a vontade de seu Pai celestial e nos redimiu da morte eterna por Sua Inocência, e nos reconciliou com Deus (Tese 2) [...] Portanto, Cristo é o único meio de salvação para todos que eram, são e serão salvos (Tese 3) [...] Cristo é o único mediador entre nós e Deus (Tese 19)

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A suficiência do sacrifício de Cristo para a salvação do homem e a garantia

do livre acesso a Deus através dele, algo que independia a intercessão dos santos

ou de autoridades eclesiásticas e que oferecia ao povo a segurança da salvação.

2.2.5 Soli Deo Gloria

A declaração “a glória somente a Deus” resumia todo o propósito da reforma.

A volta às Escrituras, a salvação pela graça, a justificação pela fé com só um

mediador, Cristo, são os resultados da busca por uma teologia voltada para a

glorificação de Deus em todas as coisas, considerando-o soberano sobre todos e

quem possui a sabedoria para ensinar através da bíblia de forma perfeita. Essa

afirmação mudava profundamente a forma de viver e ver a sociedade ao redor. Os

homens não deviam mais agir para obter a salvação por suas forças, mas viver para

a glória daquele que já os salvou.

Nesse ponto houve uma transformação social, pois os reformadores

passaram a buscar formas de glorificar a Deus através da política, trabalho, arte,

educação e serviço social. Canuto (2012, p. 16) cita a criação da “escola pública

universal”, universidades – Havard, Darmouth, Yale, Princenton, entre outras

(CANUTO, 2012, p. 17) –, governos democráticos e incentivo ao trabalho e ao

serviço ao próximo, outros impactos sociais foram a contribuição com o estado laico,

democratização do ensino através da alfabetização, influência no renascentismo e

gerou artistas como Johan Bach, Rembrandt, Vernier, John Bunyan e entre outros

focados em viver o soli deo gloria. “Os reformadores aplicavam esta verdade de “só

a Deus toda glória” em suas vidas práticas. Eles davam grande ênfase à vocação

da pessoa. Enfatizavam que cada pessoa devia glorificar a Deus através de sua

vocação secular” (CANUTO, 2012, p. 16) e esse foi um influenciador para avanço

do mundo moderno.

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3 O PROTESTANTISMO NO BRASIL

3.1 AS TENTATIVAS DE IMPLANTAÇÃO

A implantação do protestantismo no Brasil se deu por um longo processo de

tentativas até a sua consolidação. Os primeiros missionários protestantes

adentraram o país no ano de 1557, enviados pela igreja reformada francesa – e por

João Calvino – e realizaram o primeiro culto em território brasileiro (1557), porém

não conseguiram permanecer no país devido a violenta expulsão por parte de

Portugal. A segunda tentativa foi na invasão holandesa no Nordeste (1624 e 1630-

1654), onde foram implantadas as primeiras 22 igrejas protestantes do Brasil –

incluindo cultos com liturgia em tupi –, contudo, com a recuperação do território

pelos portugueses, elas foram fechadas.

Em meados do Brasil Império (1822-1889), durante o reinado de Dom Pedro

II e após 200 anos desde a expulsão dos holandeses, o protestantismo de missão,

como ficou conhecido, obtém sucesso pela primeira vez em ser estabelecido após

as tentativas frustradas (MENDONÇA, 1984). Segundo Émile Leonard (2002), isso

se deu devido à disposição favorável do imperador e a necessidade que o Brasil

tinha de imigrantes para o seu desenvolvimento. Essa conquista se deu por

concessões para o tratado entre Portugal e Inglaterra, na Abertura dos Portos às

Nações Amigas em 1808, como a entrada de protestantes e realizações de cultos

não católicos, abertura de casas – que não se assemelhassem a igrejas – de

adoração e cemitérios protestantes, porém o “proselitismo”, como era chamado o

trabalho de evangelização, ainda era proibido (CALDAS, 2014, p.359). Até que

imigrantes protestantes foram adentrando o território brasileiro e realizando

trabalhos religiosos entre si e em 1636 chegam os primeiros missionários.

3.2 PROTESTANTISMO DE MISSÃO

Assim, iniciou-se a imigração de missionários protestantes, o primeiro foi o

Obadiah M. Johnson, capelão dos marinheiros norte-americanos que estavam no

Brasil, seguido do Justin Spaulding e Daniel Kidder, missionários metodistas, e anos

depois chegaram ao Brasil James Fletcher, Robert Kalley, Ashbel Simonton,

Alexander Blackford, Francis Scneider, entre outros. E teve como um dos

precursores nativos o padre Conceição, ou Padre Protestante como ficou

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conhecido, o qual iniciou seu trabalho da pregação da teologia da graça e deixou o

catolicismo após perseguições – como a proibição de outra religião que não a oficial

do estado, o catolicismo – abrindo diversas igrejas no interior do estado de São

Paulo (LEONARD, 2002). Já no ano de 1891 os membros das igrejas protestantes

no Brasil somavam quase três mil.

A marca dessa foi a valorização da pregação da bíblia, em função do seu

estudo por todos os membros – incentivando a leitura – e a vivência das doutrinas

da graça – a salvação que não era oriunda das boas obras ou indulgências – as

teses de Lutero, os “solas” da reforma e do calvinismo. As consequências para a

sociedade foi a contribuição para um governo mais liberal (MENDONÇA, 1984), luta

pela separação do estado e da igreja católica com o surgimento do casamento civil

e a preservação da individualidade (LEONARD, 2002).

As estratégias utilizadas pelos missionários e pastores para a difusão do

cristianismo protestante no Brasil foram a distribuição de bíblias e do hinário

“Salmos e Hinos” – “caracterizados pela afirmação do amor de Deus por todos os

pecadores, pelo perdão divino por meio da aceitação da fé, do sacrifício expiatório

de Cristo, a vida regenerada pela ética não mundana e a expectativa da vida eterna

no Céu” (TOLEDO apud MENDONÇA, 2007, p.3) – para as comunidades que iam

evangelizar (MENDONÇA, 1984), a pregação do evangelho focado em uma

salvação pela graça, o relacionamento com autoridades para evitar sanções à

implantação de igrejas, o culto doméstico utilizado pelo dr. Kalley, criação da

primeira imprensa evangélica fundada pelo pr. Simonton e a criação de grandes

colégios. Como relata Mendonça (1984, p.155 e 161) sobre os métodos utilizando

a educação:

A educação não foi uma contribuição da religião de um povo mais evoluído para um mais atrasado, mas uma causa tão importante como a propaganda religiosa [...] mas é fora de dúvida que a educação nos colégios protestantes reproduzia os padrões da ideologia norte-americana do individualismo, do liberalismo e do pragmatismo.

Com isso, o protestantismo expandiu-se desde as grandes metrópoles até as

zonas rurais, onde alcançaram os chamados “crentes caipiras” simpatizantes ao

ensino da liberdade frente ao governo e a individualidade, desde a própria salvação

como forma de valorização do indivíduo. Manteve o intelectualismo e ainda atingiu

a população caracterizada pelo analfabetismo (MENDONÇA, 1984, p.226), mesmo

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que com mais dificuldade diante de uma cultura sacra lúdica. Assim, formaram

comunidades conhecidas por serem pacíficos, ordeiros e contrários à ociosidade.

Também houve influências das doutrinas arminianas e puritanas com o

“avivamento dos irmãos Wesley”, com a necessidade de uma vida regrada e cheia

de renúncias para alcançar a salvação, o que favoreceu o desenvolvimento da

cultura conservadora. Porém, o início do protestantismo no Brasil é marcado pelo

equilíbrio dessas vertentes teológicas (MENDONÇA, 1984, p.232) como resultado

dos movimentos que ocorriam em todo o mundo e o surgimento de grandes nomes

difusores de cada doutrina, o que já demarca uma separação de ideais e prioridades

desde a implantação das igrejas protestantes no Brasil por parte dos grupos

missionários.

3.3 A FASE DO UNIONISMO

Em meio às divergências teológicas entre as denominações que estavam se

instalando no país, surge o movimento chamado por Mendonça (2005, p. 8) de

“Projeto de Cooperação e Unionismo” (1916 a 1952). Esse é estimulado em toda a

América Latina através do Congresso da Obra Cristã na América Latina (1916),

realizado no Panamá. O qual foi criado como resposta à investida contrária a

evangelização protestante em países católicos, a fim de manter o envio de

missionários apenas para o “mundo não-cristão” (MENDONÇA, 2005, p. 8), porém

fracassou devido a política do panamericanismo ecumênico, sendo decidido que o

foco de envio seria as áreas não atendidas pelo catolicismo e em preferência zonas

indígenas. Resultado que foi resumido e publicado posteriormente pelo pastor

presbiteriano Erasmo Braga na obra Aspecto Religioso (1916).

Contudo, no ano seguinte, formou-se a “ideia de unidade dos cristãos, [...]

entendida como unidade dos protestantes” (MENDONÇA, 2005, p. 8), para

fortalecer a expansão protestante no Brasil e contra o movimento do

panamericanismo, organizada pela Comissão Brasileira de Cooperação (1917), e

reuniu presbiterianos, presbiterianos independentes, metodistas, congregacionais e

episcopais, com o objetivo de produzir literatura religiosa protestante, uma imprensa

e livraria na cidade do Rio de Janeiro, uma revista, uma universidade protestante e

um orfanato (MENDONÇA, 2005, p.8). Na busca da “unidade dentro da diversidade

do protestantismo [...] foram publicados diversos textos de instrução religiosa,

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principalmente revistas para as escolas dominicais mediante o trabalho exaustivo

do educador Erasmo Braga” (MENDONÇA, 2005, p.8). Tudo isso subsidiado pelas

igrejas norte-americanas.

Como resultado desse movimento entre as diversas denominações, tornou-

se possível encontrar as mesmas revistas de escola bíblica e a mesma versão de

tradução da bíblia na maioria das igrejas em todo o Brasil, o que promoveu a

aproximação entre elas. Assim, “sobrelevando as diferenças teológicas, as igrejas

passaram a desenvolver programas evangelísticos visando ao próprio crescimento

a partir de uma mensagem religiosa unificada em torno da conversão individual e

mudança de vida” (MENDONÇA, 2005, p.9). Utilizou-se como estratégia a

realização de grandes conferências evangelísticas com a presença de famosos

pregadores da época, com valorização mais da oratória a tradição denominacional

de cada um (MENDONÇA, 2005, p.9). Sendo presente o ideal do “Despertamento”

– trazer convertidos para a igreja – e, em contrapartida, a realização de cultos fora

do espaço sagrado – levou a igreja para locais seculares.

Outro movimento importante da época foi o “Evangelho Social” (1870 – 1900)

nos Estados Unidos, ligado ao pastor batista norte-americano Walter

Rauschenbusch, com raízes no protestantismo liberal e traços do marxismo

(MENDONÇA, 2005, p.10). Considerou o pecado não mais como individual, mas

com grande parte social. Assim, houve a criação de diversos centros de serviços

sociais, igrejas locais grandes que ofereciam recreação, bibliotecas, creches,

orfanatos, hospitais, entre outros. Focado na transformação da realidade social pela

igreja, foi rejeitado no Brasil como corrente teológica por ir contra a individualidade

da salvação. O que originou o movimento fundamentalista (1978) como resposta ao

liberalismo teológico, definindo-se “pela defesa da ortodoxia protestante a respeito

da Bíblia como infalível e acima de qualquer reinterpretação que parte da ciência

moderna” (MENDONÇA, 2005, p.11). Portanto, após os anos de unicismo entre as

igrejas, surge uma nova divisão entre o liberalismo e fundamentalismo.

Fato esse que deu forças ao movimento ecumênico, agora pela liderança do

arcebispo luterano da Suécia, Nathan Söderblom, como relata Mendonça (2005):

Sördeblom conseguiu ultrapassar sua formação evangélica avivalista ao encontrar-se com a teologia liberal protestante e, no seu ideal de união dos cristãos, ultrapassou ambas as correntes. De fato, o movimento ecumênico, então institucionalizado, pretendia estar acima das divisões tanto eclesiásticas como teológicas dos cristãos ao firmar-se sobre os

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princípios essenciais do cristianismo que pudessem ser aceitos por todos. (p.12)

Assim, formou-se três vieses de pensamentos teológicos do protestantismo

no Brasil, de forma contraditória e confusa, no período de incentivo à cooperação

mútua entre as igrejas para o fortalecimento de todas. Sendo eles o liberalismo, o

fundamentalismo e o ecumenismo. Fator que abriu as portas para a entrada de

diversas outras teologias novas nos anos seguintes.

Vale ressaltar que todo esse período esteve inserido no contexto conturbado

da Era Vargas e no ápice da Segunda Guerra Mundial, um mundo e um Brasil

polarizado politicamente. Ao final desses conflitos, restou os novos processos

sociais ocasionados por eles, como o nacionalismo que também atingiu as igrejas

protestantes. A busca pela autonomia administrativa oriunda do unionismo não

resultou, no entanto, para a autonomia cultural brasileira. Os materiais produzidos

para o ensino nas escolas dominicais e difundidos para todos os membros, ainda

que feitos no Brasil pelo pastor e educador Erasmo Braga, eram traduzidos e

inspirados nos americanos e em seu estilo de vida, o que era incompatível com a

realidade brasileira (MENDONÇA, 2005, p.12). O que tornou o ensino inútil, pois

ensinava fora da real vivência. Mendonça (2005, p.12) cita que “Autonomia política

(poder), mas não cultural, era o que, de fato, as igrejas ostentavam”.

3.4 A DIVERSIDADE DE TEOLOGIAS

Em meio a “nova consciência política” (MENDONÇA, 2005, p.12) pós Era

Vargas, os jovens e novos intelectuais das universidades para a pedir pelas novas

reformas de base, em conjunto com a volta do nacionalismo e a industrialização do

país, e, consequentemente, com o crescimento das cidades de forma desordenada

pelos fluxos migratórios, criam um novo cenário para a igreja protestante. Enquanto

a liderança eclesiástica dessas ainda estavam na busca em difundir seus ideais

teológicos – liberais, fundamentalistas ou ecumênicos –, os jovens cristãos que

estavam nas universidades começaram a ter acesso a novas formas de

pensamentos, passaram a observar a crise social que os cercavam e iniciaram a

sua luta contra tais problemas. Isso os afastou dos líderes da igreja local e

procuraram um referencial no mesmo contexto acadêmico (MENDONÇA, 2005,

p.13).

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É nesse contexto religioso e social que surge a nova fase do protestantismo

no Brasil de acordo com Mendonça (2005), a “Chegada de um bando de teologias

novas” (1952-1962), a qual logo atinge o Seminário Presbiteriano do Sul e logo

passa para outros. O que antes se baseava no ensino de “manuais clássicos de

teologia metafísica [...] fórmulas frias e distantes” (MENDONÇA, 2005, p.13), agora

passa a receber influência do pensamento do missionário norte-americano Richard

Shaull, o qual já havia pertencido à movimentos estudantis através da Federação

Mundial de Estudantes Cristãos (FUMEC) que “dedicava-se à evangelização de

jovens universitários e ao estudo da bíblia em profundidade” (MENDONÇA, 2005,

p.13) e “cuja fé deveria expressar-se no meio das lutas sociais” (SHAULL apud

MENDONÇA, 2005, p.13). E essa se tornou a liderança intelectual e religiosa dos

jovens universitários cristãos que buscavam a teologia prática no contexto de lutas

sociais. Assim, deu-se a entrada do pensamento teológico europeu pós-guerra no

Brasil (MENDONÇA, 2005, p.13).

Autores como Karl Barth e Dietrich Bonhoeffer surgem no estudo teológico

brasileiro. Barth traz sua obra na defesa da “neo-ortodoxia” ou “teologia da Palavra”

em que “apontava para a ação contínua de Deus na história e com a qual o homem

devia colaborar” (MENDONÇA, 2005, p.13), ou seja, em meio ao pós-guerra e em

sua luta contra o nazismo, Barth apelou para que os cristãos “superassem o

conformismo e avançassem na direção da construção de um mundo justo”

(MENDONÇA, 2005, p.13). Já na obra de Bonhoeffer, vitimado pelo nazismo em

1945, encontrava-se a reflexão em suas cartas escritas na prisão sobre “a

possibilidade de ser cristão num mundo secularizado, superando a religião e mesmo

a igreja” (MENDONÇA, 2005, p.13), o que se tornou a conhecida Teologia Radical

na década seguinte.

Portanto, a atuação de Shaull nessa fase da igreja levantou a questão da

teologia prática para atender a nova demanda social em crise, no Brasil e no mundo.

Esse foi o desafio da igreja, sair “da inércia e do conformismo e tomar parte e

responsabilidade diante de um mundo de mudança” (MENDONÇA, 2005, p.13).

Porém, com a influência do liberalismo, ecumenismo e do Conselho Mundial de

Igrejas – o qual teve a participação de igrejas russas e sofreu acusação de abertura

ao comunismo – para o desenvolvimento do Setor de Responsabilidade Social da

Igreja, o trabalho de Shaull passou a sofrer a resistência do fundamentalismo,

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representado pelo Conselho Internacional de Igrejas Cristãs. Surge, então, o novo

conflito polarizado das igrejas protestantes no Brasil.

Mas essa não foi a única corrente teológica a chegar ao Brasil na época.

Como resposta ao crescimento das cidades e ao fluxo de migração, a população

recém chegada à essas grandes metrópoles enfrentaram o desafio de perder o

contato com a sua igreja e ter que buscar uma nova, o que gerou o descompromisso

com o viés teológico obtido anteriormente, seja protestante ou católico, e buscavam

uma religião mais prática e que atendesse a nova rotina do trabalho nas indústrias.

Assim ocorre a “explosão” pentecostal com os movimentos de “tendas de cura

divina” promovidos pela Cruzada Nacional de Evangelização, a qual percorreu todo

o país (MENDONÇA, 2005, p.13). Evento produzido pela Igreja do Evangelho

Quadrangular que tinha como princípios os quatro pontos: salvação da alma,

batismo com o Espírito Santo, cura divina e segunda vinda de Cristo (MENDONÇA,

2005, p.13). Mesmo com algumas semelhanças as demais igrejas protestantes,

havia a ênfase na cura divina e exorcismo de demônios, o qual se tornou os atrativos

de tais movimentos.

Apesar das diferenças de métodos utilizados para trazer a satisfação aos

fiéis, as problemáticas que impulsionaram as novas teologias, da responsabilidade

social e do pentecostalismo, são os mesmos. Mendonça (2005) afirma que:

Para uma população de um lado insatisfeita com a falta de atrativo em suas igrejas e, de outro, necessitada de apoio para o desamparo social em que vivia, a cura divina, entendida em seu sentido mais amplo, constituía de fato a principal atração simbólica (p.14)

Ou seja, ambos os movimentos tinham como objetivo estratégico de adesão

responder uma demanda de uma transformação física social causada pela crise

pós-guerra e industrialização, um pretendia atender os problemas sociais com

trabalhos assistenciais e lutas contra injustiças, o outro a dar um atrativo com

transformação individual imediata – fato que ficou marcado como a origem dos

neopentecostais. Assim, finda-se este período da igreja novamente com divisões

teológicas opostas entre si, sendo elas “o pentecostalismo de cura divina, o

fundamentalismo e o ecumenismo incipiente” (MENDONÇA, 2005, p.14).

3.5 O PROTESTANTISMO UTÓPICO VERSUS O FUNDAMENTALISMO

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Esse conflito permanece nos anos seguintes e é intensificado devido ao

mundo polarizado da Guerra Fria. Na igreja, o crescimento do setor de

responsabilidade social e a realização de eventos como a Conferência do Nordeste,

realizado pela Confederação Evangélica, buscava agregar a comunidade cristã

protestante no processo revolucionário no Brasil. Mendonça (2005) cita que “para

os mentores da conferência, o Brasil estava dentro de um processo revolucionário

diante do qual as igrejas não poderiam se omitir”. Os documentos oficiais da mesma

relatam: “A conferência do Nordeste foi, antes de tudo, grande esforço nesse

sentido: levar a Igreja a falar a linguagem da época em que vivemos e a encontrar-

se com a sociedade brasileira” (CÉSAR apud MENDONÇA, 2005, p.15). O outro

objetivo foi manter os ideais ou “utopias” (MENDONÇA, 2005, p.15) unionistas, os

quais passaram a buscar aproximação com outras religiões a fim de melhor

compreendê-las e conseguir apoio. Fatos esses, ainda agravada pelo estopim da

tomada de poder pelos militares em 1964, que promovem o acirramento do conflito

entre fundamentalistas e o ecumenismo, acusados de aproximação com a igreja

católica e abertura de espaço para o comunismo (MENDONÇA, 2005, p.17).

Um período marcado de mudanças sociais, a influência da tecnologia e

discussões sobre a esperança em meio ao caos pós-guerra e guerra fria, o

fortalecimento de teologias como a “teologia radical” ou “teologia da morte de Deus”

que acusavam às igrejas de matarem Deus em suas tradições. Afirma Mendonça

(2005) sobre o pensamento teológico da época:

Em resumo, a massa da produção teológica desse período, tanto protestante como católica, procura mostrar que num mundo secularizado e aberto a mudanças, vez que destruído pela guerra, era necessário buscar novas formas de religião ou até mesmo superar a religião (p.16)

Com esse foco, a igreja avançou na participação na “luta pela conquista de

uma sociedade mais justa diante de um cenário aberto a profundas mudanças”

(MENDONÇA, 2005, p.17), não somente no Brasil, mas também em toda a América

Latina com a Junta Latino-Americana Igreja e Sociedade (1961) – que ficou

conhecida como Isal. A qual teve aproximação com a Teologia da Libertação que

surgiu dentro do catolicismo através da “declaração da opção preferencial pelos

pobres, ponto de partida para a Teologia da Libertação” (MENDONÇA, 2005, p.17)

na Segunda Conferência do Episcopado Latino-Americano em 1968.

Esse fator foi o ápice no conflito entre o ecumenismo e fundamentalismo,

provocou o fechamento de seminários presbiterianos e um metodista, alunos

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expulsos e o “expurgo progressivo da ala chamada liberal ou modernista das igrejas

representada por estudantes universitários, seminaristas e jovens pastores”

(MENDONÇA, 2005, p.17), com o surgimento das chamadas “missões de fé” para

atrair os jovens a uma nova possibilidade de renovação do protestantismo, um

retorno aos ideais fundamentalistas – a conversão pessoal e o estudo da bíblia.

Houve também a utilização do espaço da comunicação de massa através do tele

evangelista Jimmy Swagart que anunciava o “Kingdom Now”. Esse levante

fundamentalista, apoiado pelo lado conservador e capitalista da guerra fria, fundou

a Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo com o objetivo “de atrair estudantes

universitários” (MENDONÇA, 2005, p.18), e a Aliança Bíblica Universitária (ABU),

Palavra da Vida, Vencedores por Cristo e Jovens da Verdade. Outro movimento

contrário ao ecumenismo foi o “Movimento Evangelical” – voltado para conversão

pessoal, não social – oriundo do Pacto de Lausanne, firmando no Congresso

Internacional de Evangelização Mundial (1974), que contou com a participação do

evangelista Billy Graham.

3.6 O CRESCIMENTO DO NEOPENTECOSTALISMO

Porém, as igrejas históricas também enfrentaram outro desafio no mesmo

período, o crescimento do neopentecostalismo, o que provocou grandes divisões

entre as igrejas protestantes. Vale ressaltar quais são as igrejas históricas, que

participaram de todo o desenvolvimento do protestantismo no Brasil e suas

características para diferenciá-las das igrejas modernas, pós década de 1970,

denominadas neopentecostais. Sendo elas as históricas tradicionais Presbiteriana,

Batista, Congregacional, a Metodista e as pentecostais clássicas Assembleia de

Deus e Congregação Cristã. Caracterizadas pela crença na inerrância bíblica,

necessidade de conversão pessoal, prezam por uma vida regrada de acordo com a

bíblia, litúrgicas e entre outros ideais herdados do protestantismo. Há uma

proximidade de doutrinas centrais em todas elas, mesmo com muitas distinções em

demais pontos secundários, com destaque para a doutrina pentecostal que adere a

doutrina de “usos e costumes” para restrição de alguns itens culturais. Foram as

precursoras do protestantismo no Brasil e deram a ele suas características, com as

variações que ocorreram devido às divisões e crises já mencionadas.

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Já o neopentecostalismo, oriundo da Cruzada Nacional de Evangelização da

Igreja Quadrangular, já relatada, surge na segunda metade da década de 1970 e

fortaleceu-se através da estratégia de utilização da comunicação de massa, o rádio,

e a ênfase na cura divina e na guerra espiritual, como utilizado anteriormente pela

Quadrangular, porém com a adesão também da Teologia da Prosperidade, a qual

é descrita por Mariano (2004, p. 124) a

Difusora da crença de que o cristão deve ser próspero, saudável, feliz e vitorioso em seus empreendimentos terrenos, e por rejeitar usos e costumes de santidade pentecostais, tradicionais símbolos de conversão e pertencimento ao pentecostalismo.

A primeira igreja a assumir tais doutrinas foi a Igreja Universal do Reino de

Deus (IURD) fundada em 1977 no Rio de Janeiro. Sendo a vertente pentecostal que

mais cresce alcançando grande parcela da população mais pobre até a elite social.

Seus cultos são caracterizados pela

Oferta especializada de serviços mágico-religiosos, de cunho terapêutico e taumatúrgico, centrados em promessas de concessão divina de prosperidade material, cura física e emocional e de resolução de problemas familiares, afetivos, amorosos e de sociabilidade (MARIANO, 2004. P. 124)

Distanciando-se totalmente dos ideais já vistos das igrejas protestantes, pois

não há a valorização da exposição bíblica, ênfase na conversão pessoal e mudança

de vida. Porém, já possui muitas igrejas adeptas a tais pensamentos como a

Internacional da Graça de Deus, Deus é Amor, Mundial do Poder de Deus, Verbo

da Vida, Comunidade Cristã Paz e Vida, Renascer, entre muitas outras. Tornando-

se o maior desafio para o protestantismo entre as divisões recorrentes até

atualmente.

3.7 O PRAGMATISMO

Em contrapartida aos que buscam as experiências sobrenaturais da cura

divina e batalha espiritual, surgem as primeiras igrejas voltadas para um novo

público, a fim de atender às novas demandas dos jovens adultos da geração Baby

Boomers. Surgem então as “mega igrejas” – ou pragmatismo – pautadas em um

culto não ortodoxo, com músicas pop e mensagem voltada aos não cristãos.

Segundo Carson (2010, p.46), são definidos como os que

Em sua maioria trazem valores da geração dos Baby Boomers em sua forma de pensar e na abordagem ao ministério, que inclui um foco seeker-

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sensitive2, cultos altamente elaborados, uma ênfase em alcançar pessoas através de suas necessidades; Templos que mais parecem teatros, sem nenhum vestígio de símbolos religiosos.

É o caso da Hillsong Church fundada em 1983 em Sydney na Austrália e o

modelo de Igreja com Propósito (1995) criado pelo pastor Rick Warren, fundador da

Saddleback Church na Califórnia, EUA, em 1980. Ambas cresceram rapidamente e

hoje possuem diversas sedes em vários países e contam com dezenas de milhares

de membros. Ganharam visibilidade principalmente com a mudança do padrão de

músicas utilizadas durante o culto, com bandas pop ou de rock para atraírem e

conquistarem os jovens. O ambiente da igreja também passou a ser adaptado para

estilos modernos e com sermões mais inclusivos.

Segmentam o público para jovens adultos e não crentes, que não fossem

simpatizantes da ortodoxia das igrejas tradicionais. Foram realizadas pesquisas de

interesse entre o público escolhido para definir os elementos do culto e estilo

musical. Também formaram a “igreja dentro da igreja” (MEISTER, 2006, p.98), onde

há pequenos grupos – conhecidos como células e definidos de acordo com a idade,

gostos pessoais, estado civil, entre outros – e cultos separados focados em atender

o desejo de públicos variados. Foram como alternativas criadas para uma nova

geração, porém, com o passar dos anos, Dan Kimball – precursor de uma nova fase

do protestantismo mundial – afirmou que era necessário que a igreja passasse a

falar uma linguagem totalmente nova para alcançar a geração pós-moderna

(MEISTER, 2006, p.99).

3.8 A IGREJA EMERGENTE

Para isso, já nos anos 2000, chegou ao Brasil uma nova vertente do

protestantismo, as denominadas igrejas emergentes. Elas surgiram como protesto

às igrejas modernas, ou tradicionais. O principal ponto abordado pelo movimento

emergente era próximo a teologia radical, em que afirmava que a ortodoxia das

igrejas “matavam Deus”, com isso passaram a propor igrejas mais liberais e

inclusivas para se adaptar à sociedade pós-moderna, ou seja, nega a possibilidade

de regras fixas (MEISTER, 2006, p. 97) com o conceito pós-moderno da pluralidade

relativista. É o que torna difícil a caracterização das igrejas emergentes em suas

2 Aqueles que buscam experiências emocionais.

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organizações e ritos, pois não há padronização fora do campo filosófico do

movimento.

Sendo uma influência da Emergent Village criada nos Estados Unidos da

América no início da década de 1990 e teve como um dos principais precursores o

Brian McLaren. Mauro Meister (2006, p.98) cita que “para McLaren era necessário

que a igreja descobrisse e desenvolvesse uma ortodoxia diferente da ortodoxia

praticada pela igreja evangélica durante o período do modernismo”, portanto uma

ortodoxia que deixaria de ser inflexível e passaria a ser “generosa”. Seria assim um

cristianismo adaptado a época pós-modernista, que expressa a inclusão e o

pluralismo (MEISTER, 2006, p.98). Descartaram totalmente uma Confissão de Fé

ao alegar que ao adotar uma única forma de culto e crença haveria uma restrição

da manifestação da fé e não um pluralismo.

São caracterizadas pelo protesto contra a ortodoxia e ao modernismo,

buscam as “pessoas que parecem não ser atraídas pelas posições e abordagens

tradicionais” (CARSON, 2010, p. 42) e Carson as descreve como

Em sua maioria, são contemporâneos em sua forma de pensar e na abordagem ao ministério, que inclui ênfase no louvor, tanto com hinos tradicionais como com músicas contemporâneas, participação ativa, relacionamentos autênticos, e esforço para alcançar a comunidade ao seu redor; possuem templos multifuncionais que frequentemente funcionam como centros comunitários, passíveis de serem transformados em local de culto onde tecnologia, arte, e até mesmo velas e símbolos litúrgicos podem ser usados para criar uma sensação de mistério e reverência [...] Pessoas que estão em busca de relacionamentos, comunidade, de serem bem preparadas, e de uma igreja menor onde possam servir e adorar a Deus preferem as igrejas emergentes. Parecem ter mais possibilidade de alcançar pessoas pós-modernas, que olham para a igreja com suspeita. (2010, p. 46-47)

Igrejas voltadas para atender o público pós-moderno e a corresponder seus

desejos, sejam eles da mente, coração ou espírito, valorizando a colaboração e

criatividade entre o grupo, em relacionamentos lineares. Percebe-se assim que o

foco das igrejas emergentes – atrair um novo público para as igrejas, ser inclusiva,

atrativa – está distante do que foi proposto na reforma protestante – estudo bíblico,

transformação pessoal através da conversão. A inclusão em detrimento da firmeza

doutrinária. Exemplos brasileiros de igrejas adeptas ao movimento são Projeto 242,

Igreja no Cinema e Crash Church.

3.9 AS IGREJAS PÓS-MODERNAS E O CULTO POP

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Para compreender a presente época da igreja protestante brasileira, faz-se

necessário uma breve explicação sobre o termo “pós-moderno”. Ele diz respeito à

época depois do mundo moderno, o qual era caracterizado pelas ideias iluministas

do século 17 e 18 – um pensamento otimista sobre a humanidade e com a

valorização da racionalidade. Foi um período em que a crença que uma sociedade

boa poderia ser gerada através do desenvolvimento científico e da razão. Assim,

era pregado que o homem não necessitaria mais da fé em um Deus, pois era

suficiente em si.

Contudo, esse pensamento decaiu e é o que define o período pós-moderno.

Não há mais a confiança na sabedoria humana para solucionar os males da

sociedade, perde-se a fé em uma verdade absoluta. É a era do culto ao irracional e

ao relativo, todos podem construir sua própria verdade para satisfazer seus desejos.

“Uma sociedade em que as pessoas acreditam que o que sentimos é mais

importante do que o que pensamos” (BENTON, 2006).

Contudo, há um impasse na definição do que é de fato o pós-modernismo.

Onésimo Almeida (2006, p. 2, tradução nossa) cita um trecho do anúncio intitulado

After Postmodernism publicado pela Proceedings of the American Philosophical

Association em que é afirmado

O pós-modernismo trouxe muito do que desejamos reter. Ele trouxe brincadeira e humor, não uma pequena contribuição. Ele tornou visível os aspectos a economia, política, de gênero e a hegemonia colonizadora inerente à “objetividade” e “universalidade” ocidentais. O pós-modernismo coloca o reconhecimento da variedade não fundamentada de suposições.

Percebe-se que não há uma definição concreta, mas sim uma descrição de

pontos do pensamento filosófico e suas consequências. Almeida (2006, p.2)

também enfatiza que “cada novo livro publicado sobre o tema procura definir ou

redefinir o termo, mas de facto, quanto mais ele é debatido mais significados adquire

e menos útil se torna”. Afinal, para um movimento que aborda o relativismo, não há

a compreensão de uma definição única e verdadeira. Assim, pode-se somente

verificar suas características inerentes em comparação com o modernismo. É o que

Neville Kirk (apud ALMEIDA, 2006, p. 2, tradução nossa) demonstra.

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Tabela 1 - Comparativo entre modernismo e pós-modernismo

Modernismo Pós-modernismo

Elitismo, autoritarismo enclausurado e

engenharia social (fordismo)

Consumo popular flexível, escolha

aberta, oportunidade

Alta cultura e tradição, profundidade Cultura popular e mercantilização do

lazer e da cultura, “pastiche

irreverente”, “profundidade artificial”

Austeridade e disciplina Brincadeiras e hedonismo

descontraído

Significados fixos, centralização, leis e

verdades absolutas

Relativismo, indeterminação,

contingência, fragmentos de ser,

descentralização

Holismo Individualismo

Planejamento Experiência e pragmatismo

Homogêneo Heterogêneo

Significado Significador

Certezas, estruturas unitárias,

sistemas discursivos, síntese,

realidade externa

Ceticismo

Fonte: Adaptado de Almeida (2006)

A partir disso, o pensamento pós-moderno passa a ser expandido através da

flexibilidade de definições do relativismo, a busca por experiência e o pragmatismo,

a descentralização, o hedonismo, a quebra de tradições e a valorização da escolha.

Surge, então, uma nova demanda para as igrejas. Não há mais como

enfatizar um só modelo de organização e tradição para ser aceita na nova geração.

O que não foi satisfeito totalmente com as igrejas emergentes, apesar do

crescimento do movimento na primeira década do milênio, sendo substituído por um

novo tipo de igreja gerado pelos frutos do movimento de mega igrejas, mas

adaptadas à realidade brasileira. Seguem os conceitos do movimento Igreja com

Propósito – adoração, comunhão, discipulado, ministério e evangelismo –, adotam

o estilo musical próximo ao da Hillsong Church e atraem os jovens da geração Y e

Z. Utilizam a tecnologia e conceitos da psicologia para transformar o ambiente, com

superfícies – parede, teto e piso – escuras, jogos de luzes, fumaça de gelo seco,

chamadas atrativas, um novo perfil de pastor e sermões descontraídos, buscam o

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emocionalismo através das músicas. Possuem um apelo social com diversos

projetos e ao relacionamento intenso entre os frequentadores através de reuniões

semanais nas casas. Utilizam também as redes sociais como principal ferramenta

de comunicação e desenvolvem setores de comunicação para atraírem o público

criativo.

Essas são as características da igreja pós-moderna, onde abrem mão da

ortodoxia e da afirmação de verdades absolutas em seus modelos, focam na

inclusão e criatividade. A comunidade é definida pelo seu ambiente e público, não

mais pela verdade absoluta afirmada no sola scriptura. Moldada para o consumo do

seu público, a primeira igreja brasileira a adotar esse novo modelo foi a Igreja Batista

da Lagoinha (MG), expandindo-se posteriormente para igrejas como a United,

Nazareno e Bola de Neve, e recentemente a filial da Hillsong Church em São Paulo.

No Nordeste brasileiro, essa vertente vem se fortalecendo com igrejas como a

Comunidade Cristã Videira, fundada na cidade de fortaleza em 2001, a qual será

analisada neste trabalho.

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4 O MARKETING RELIGIOSO: DA REFORMA À IGREJA PÓS-MODERNA

Ao compreender o desenvolvimento do protestantismo no Brasil em suas

fases, percebe-se a utilização de estratégias de marketing em sua expansão. A

partir disso, faz-se necessário a explanação do marketing e seus elementos, a sua

abordagem no âmbito religioso e como ele pode se fazer presente dentro da

celebração do culto.

4.1 O QUE É O MARKETING?

O marketing pode ser definido de diversas formas, sempre em constante

atualização. Philip Kotler (2000, p.30) em sua definição mais conhecida afirma que

é um processo social “por meio do qual pessoas e grupos de pessoas obtêm aquilo

de que necessitam e que desejam com a criação, oferta e livre negociação de

produtos e serviços de valor com outros”. Também é definido por Alexandre Las

Casas (2006, p. 10) como uma área de conhecimento que

Engloba todas as atividades concernentes às relações de troca, orientadas para a satisfação dos desejos e necessidades dos consumidores visando alcançar determinados objetivos de empresas ou indivíduos e considerando sempre o ambiente de atuação e o impacto que essas relações causam no bem-estar da sociedade.

O objetivo do marketing é “conhecer e compreender tão bem ao consumidor

que o produto se ajusta perfeitamente a suas necessidades” (DRUCKER, 1995), ou

seja, proporcionar o conhecimento para que empresas consigam saciar os desejos

dos consumidores ao oferecer aquilo que procuram.

Para o contexto religioso, esse objetivo também passa a ser aplicado em

algumas fases do protestantismo. As igrejas oferecem produtos, serviços ou

experiências para atender às necessidades do seu público “consumidor”, seja com

bens materiais ou bem-estar espiritual.

4.1.1 As Fases do Marketing

O marketing é caracterizado por quatro fases, segundo Kotler, sendo eles:

Marketing 1.0; 2.0; 3.0 e 4.0. Eles foram desenvolvidos através das demandas

sociais das épocas, acompanharam as novas tecnologias e desejos das gerações.

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O marketing 1.0 é caracterizado por ser focado no produto, ou seja, a

comunicação tinha a intenção de gerar o desenho do público para o que estava

sendo produzido em massa. Esteve presente no início da Revolução Industrial, em

meados de 1800, e foi um dos responsáveis pelo sucesso do sistema de Fordismo

– onde havia a padronização de produtos visando a diminuição de preços para

atingir a massa (DAHAN, 2018).

Já o marketing 2.0 surgiu na Era da Informação (1970) com o advento da

internet , ou seja, os consumidores passaram a ter acesso a informações que lhes

ajudava a comparar produtos, marcas e preços, e assim passaram a buscar não

mais o que era oferecido somente, mas ao que satisfazia seus desejos. O que fez

o marketing mudar o foco do produto para o consumidor, surge então o conceito do

“o cliente é rei” ou “o cliente é quem manda” (DAHAN, 2018). Iniciou-se os estudos

para a segmentação do público.

No marketing 3.0 o foco está nos valores, desejos e no espírito humano do

consumidor com “um senso de comunidade e sustentabilidade” (BITENCOURT,

2018). O objetivo passa a ser oferecer soluções para os anseios do público, não

apenas com um produto, mas também como uma experiência com a empresa, a

qual possui missão, visão e valores bem definidos para contribuir com a sociedade

(BITERCOURT, 2018). Tal modelo estratégico passa a ser utilizado dentro de

celebrações religiosas com a finalidade de oferecer uma experiência transcendental

como produto da marca, o que se assemelha ao realizado entre empresa e cliente

para a fidelização. Há também colaboração entre marca e cliente – um

relacionamento – para uma construção de um produto/serviço que atenda

totalmente a necessidade dessa nova geração – millenials. Assim relata Stephan

(2017)

Ao invés das pessoas serem tratadas como meros consumidores, elas são tratadas como seres humanos plenos, com mente, coração e espírito. Com a crescente preocupação com a justiça social, ambiental e financeira, as pessoas buscam empresas que abordem essas preocupações em sua missão, visão e valores. Elas procuram nos produtos e serviços, então, tanto a satisfação funcional e emocional, quanto a espiritual. O Marketing 3.0, visa oferecer soluções para os problemas da sociedade, levando o conceito de marketing a um plano de aspirações, valores e espírito humano, fazendo com que as empresas que o praticam toquem os consumidores em um nível muito superior, obtendo, assim, melhores resultados.

Observa-se, então, a semelhança entre o conceito desta fase com a

estratégia utilizada a partir do surgimento das mega igrejas do pragmatismo,

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seguindo pelas emergentes e pós-modernas. Há uma experiência oferecida como

produto em conjunto com o esforço para promover uma melhora social. Gera a

satisfação espiritual e emocional. Seus frequentadores podem colaborar para um

processo de transformação ao mesmo tempo que constroem e moldam a igreja, ou

marca.

Tabela 2 - Comparação entre Marketing 1.0, 2.0 e 3.0

MKT 1.0

Foco no produto

MKT 2.0

Foco no consumidor

MKT 3.0

Foco nos valores

Objetivo

Vender produtos

Satisfazer e reter os

consumidores

Fazer do mundo um

lugar melhor

Forças propulsoras

Revolução Industrial

Tecnologia da

Informação

Nova onda de

tecnologia

Como as empresas

veem o mercado

Compradores de

massa, com necessidades físicas

Consumidor

inteligente, dotado de coração e mente

Ser humano pleno,

com coração, mente e espírito

Conceito de

marketing

Desenvolvimento de

produto

Diferenciação

Valores

Diretrizes de

marketing da

empresa

Especificação do

produto

Posicionamento do

produto e da empresa

Missão, visão e

valores da empresa

Proposição de valor

Funcional

Funcional e emocional

Funcional, emocional

e espiritual

Interação com

consumidores

Transação do tipo um-

para-um

Relacionamento um-

para-um

Colaboração um-

para-muitos

Fonte: Kotler (2012, p.6)

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O marketing 4.0 vem como um complemento para a fase anterior, é uma

adaptação das empresas a economia digital em que elas devem mudar suas

estruturas para que convergir a comunicação offline e online, de modo que uma

empresa física se torne também digital, e não apenas com presença digital. Uma

das principais características é a horizontalidade das relações invés de hierarquias

e a utilização de personas (CASAROTTO, 2018). A honestidade entre marca e

consumidor passa a ser primordial, deve haver um relacionamento próximo a uma

amizade, pois é o público que irá construir a reputação da marca. É a era em que a

empresa perde o controle pela construção da sua imagem e permite que seus

clientes a construam através de suas recomendações e interações digitais.

4.1.2 Estratégias do Marketing

As estratégias de marketing são definidas como a lógica pela qual a empresa

deseja alcançar seus objetivos de mercado (KOTLER, 1998). Fernandes e Berton

(2005) dividem essas metas em: “mercado-alvo, posicionamento central,

posicionamento do preço, proposta total do valor, estratégia de distribuição e

estratégia de comunicação” (BARBANTE; ABRÃO; GONZALEZ; PELISSARI,

2012). Essas estratégias devem ser observadas no macroambiente – contexto

demográfico, econômico, tecnológico, político e social – e microambiente – a

empresa, os clientes, os fornecedores e os concorrentes.

Para isso, o marketing é subdividido em dois blocos, o marketing estratégico

e o operacional. Lewis e Little (2001, p. 174) afirmaram que

O marketing estratégico é relativo às funções que precedem a produção e a venda do produto. Inclui o estudo do mercado, a escolha o mercado-alvo, a concepção do produto, a fixação do preço, a escolha dos canais de distribuição e a elaboração de uma estratégia de comunicação e produção. [...] A função do marketing estratégico é seguir a evolução do mercado de referência, identificar os diferentes produtos-mercado e os segmentos atuais ou potenciais, na base da análise de necessidades e satisfazer, e orientar a empresa para as oportunidades existentes ou criar oportunidades atrativas, ou seja, bem adaptadas aos seus recursos e ao seu saber-fazer, que oferecem um potencial de crescimento e rentabilidade.

E em relação ao marketing operacional, relataram que ele

Designa as operações de marketing posteriores à produção, tais como: a criação e o desenvolvimento de campanhas de publicidade e promoção, a ação dos vendedores e de marketing direto, a distribuição dos produtos e merchandising e os serviços pós-venda. (LEWIS; LITTLE, 2001, p. 174)

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E ambos devem considerar o que Kotler (1998) sugere como o chamado 4

P’s – ou Mix de Marketing – das estratégias de marketing: Produto, Preço, Praça e

Promoção para a formulação da comunicação. Assim como os relativos 4 C’s dos

consumidores: Cliente, Custo, Conveniência e Comunicação.

Tabela 3 - Comparativo dos 4 P's e 4 C's do marketing

4 P’s 4 C’s

Produto Solução para o cliente

Preço Custo para o cliente

Praça (pontos de venda) Conveniência (Custo-benefício)

Promoção (publicidade; promoção

de vendas – brindes, bônus,

concursos, eventos;

merchandising)

Comunicação entre empresa e

cliente

Fonte: Adaptado de Dahan (2018)

A partir disso, percebe-se que as estratégias do marketing abordam desde o

estudo do mercado até as ações de marketing operacional e buscam o equilíbrio

entre os objetivos mercadológicos da empresa e a necessidade do mercado, para

que o desejo do público alvo seja também atendido.

Vale ressaltar que as igrejas, em sua maioria, rejeitam este conceito aplicado

ao contexto religioso, pois não percebem a utilização de tais ferramentas em sua

comunidade como Produto, Preço, Praça e Promoção. Celso Ponte (2005-2010, p.

12), ao realizar um estudo sobre as ferramentas do marketing aplicados à Igreja

Batista de Água Branca, também relata essa resistência, ele afirma que “os pastores

entrevistados mostraram-se contrários tanto aos 4 P’s propostos por Barna e

também ao quadro elaborado neste trabalho” (PONTE, 2005-2010, p. 12) e relata

que os líderes preferiram considerar o seu Produto a salvação e o Preço, a fé.

Portanto, é imprescindível o estudo sobre o marketing direcionado ao

contexto religioso para a compreensão desse fenômeno. Para isso será descrito o

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marketing religioso, suas implicações e como ele foi utilizado durante a expansão

do protestantismo no Brasil.

4.2 MARKETING RELIGIOSO

Esse conceito se define na aplicação das estratégias do marketing para a

religião, seja ela cristã ou não. Para Leonildo Campos (1997), o encontro entre

esses dois estudos era inevitável devido ao sistema social criado, porém é algo que

ainda encontra bastante resistência. No meio cristão, a ideia de junção das

“verdades divinas” com estratégias consideradas superficiais causa rejeição.

Para Kotler (1974), em seu livro Marketing Para Organizações Que Não

Visam Lucro, as igrejas necessitam da compreensão mesmo que não busquem o

lucro e sim a propagação de um ideal – o cumprir de um propósito –, pois elas estão

“nadando em um mar de públicos” que exigem “estímulos diferentes para pessoas

diferentes” (POZZI, 2006, p. 66). Ele afirma também que se deve segmentar o

público e manter um posicionamento para cada nicho de mercado. O especialista

em marketing para igreja, George Barna (1994), em seu livro Marketing na Igreja

afirma que a utilização dessas estratégias é imprescindível para o crescimento da

igreja e que os líderes devem adotá-las ao invés de rejeitá-las.

O marketing religioso também é definido por Eduardo Refkalefsky (2006)

como “80% de teologia e doutrina e 20% de retórica”, ou seja, o marketing de

conteúdo é que vai dar base a igreja. Justifica o grande crescimento de

comunidades que possuem um discurso próximo e que atingem a um público

específico, como as neopentecostais e os pragmáticos. A cultura de massa colabora

com esse fato. Como por exemplo a utilização de veículos como televisão e rádio

para a promoção de igrejas como a Universal do Reino de Deus, Deus é Amor,

Renascer, Paz e Vida e afins foi responsável pela grande onda do

neopentecostalismo na década de 1970. Ressalta-se o único tipo de conteúdo entre

essas.

É fato que, desde a reforma protestante, há o aproveitamento dos recursos

midiáticos para a propagação da religião, porém deve-se analisar a forma de

utilização, quais estratégias e com qual motivação. Nota-se que houve mudanças

significativas nas formas de comunicação influenciadas pelo avanço tecnológico,

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mas vale a análise dos objetivos de comunicação e marketing de cada fase do

protestantismo no Brasil.

4.2.1 Utilização do Marketing Religioso: Da Reforma À Igreja Pós-Moderna

Uma das principais revoluções da mídia de massa foi a imprensa de

Johannes Guttenberg, criada em 1440, tinha a capacidade de produzir e reproduzir

textos e livros de modo mais acessível e ágil – e que foi adaptada para impressão

de jornais posteriormente –, o que antes só ocorria manualmente. Roger Chartier

(1994, p. 185-199) ressalta a importância dessa criação para o acesso a

informações e para a difusão da leitura tanto quanto a invenção do computador, ele

afirma

Minha primeira pergunta será a seguinte: como, na longa história do livro e da relação ao escrito, situar a revolução anunciada, mas, na verdade, já iniciada, que se passa do livro (ou do objeto escrito), tal qual o conhecemos, com seus cadernos, folhetos, páginas, para o texto eletrônico e a leitura num monitor? […] A primeira revolução é técnica: ela modifica totalmente, nos meados do século XV, os modos de reprodução dos textos e de produção dos livros. Com os caracteres móveis e a prensa de imprimir, a cópia manuscrita deixa de ser o único recurso disponível para assegurar

a multiplicação e a circulação dos textos.

Essa invenção chega no período pré-reforma protestante e se torna a

principal responsável pela rápida expansão do pensamento de Lutero, com suas 95

teses, por toda a Europa. O primeiro livro impresso foi a Bíblia, o que simbolizou a

queda do monopólio da Igreja Católica sobre os escritos sagrados. Antes o que só

pertencia ao alto clero passa a chegar ao povo, as Escrituras foram a ser traduzidas

para línguas populares e suas cópias distribuídas aos fiéis para que todos

pudessem interpretá-la.

Porém, não haveria tanta celeridade na difusão de tais ideias apenas com a

distribuição do livro sagrado, pelo tempo de impressão que ainda era grande e para

a leitura, então passou-se a ser impresso panfletos – produzidos em poucos dias

em larga escala – com as teses de Lutero, ideais dos reformadores e figuras, assim

como foram postos em jornais. Mayumi Busi (2017, p.9) relata que “não haviam

passados nem mesmo 14 dias desde que essas teses haviam sido publicadas e

elas já eram conhecidas por toda Alemanha, em quatro semanas seriam conhecidas

por toda a cristandade”. Não bastante, também foram utilizadas pequenas canções

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para ensino dos não-alfabetizados. Assim a reforma foi anunciada com “uma

campanha multimídia, na qual além de textos se adicionavam imagens e música”

(BUSI, 2017, p. 9).

Busi (2017) compara essa estratégia utilizada como o “ambiente de hoje em

dia dos blogs e social networks” e os leitores que repassaram essa informação como

a “audiência, a partir do momento que eles fazem mais do que simplesmente

consumir informação”. Modelo que foi seguido na expansão do protestantismo por

todo o mundo. Mas vale ressaltar que a finalidade de tais estratégias era a

divulgação das ideias e da própria Escritura, com os cinco solas da reforma e as

teses de Lutero, e não uma promoção própria dos reformadores ou fim lucrativo,

pelo contrário, por realizarem essa divulgação muitos foram executados,

excomungados ou expulsos dos seus países.

Tabela 4 - Os P's e C's na Reforma Protestante

4 P’s na Reforma Protestante 4 C’s na Reforma Protestante

Produto

As Escrituras, ensinos dos reformadores e 95 teses de

Lutero.

Cliente

Acesso às Escrituras,

esperança e segurança de salvação.

Preço

-

Custo

Abandono das tradições, risco de perseguição e

execução.

Praça

Alemanha inicialmente, passou para a Europa e

depois o mundo

Conveniência

Linguagem facilitada,

porém, com alto custo.

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Promoção

Propaganda, publicidade

nos jornais e “venda” pessoal.

Comunicação

O público compartilhava a informação que estavam

recebendo.

Fonte: Adaptado de Dahan (2018)

Já na fase seguinte do protestantismo no Brasil, o Unionismo (1900),

observa-se a tentativa de união entre igrejas e denominações a fim de promover

uma maior adesão ao protestantismo. A estratégia utilizada foi a unificação de

materiais de ensino na igreja, a promoção de eventos evangelísticos – com maior

valorização da oratória a doutrina pregada (MENDONÇA, 2005, p. 9) – e a saída do

espaço sagrado para atrair mais pessoas. Além desse viés teológico, houve

também as estratégias utilizadas pelo liberalismo que buscava a transformação

social e não mais individual, com a abertura de diversos centros de serviços para a

comunidade.

Com a tentativa de crescimento da igreja a partir de eventos de grande porte,

ecumenismo e assistencialismo mostra a primeira mudança de estratégia de difusão

dos ideais protestantes pós reforma. O que antes tinha como motivação a

propagação do conteúdo das Escrituras para que chegassem à salvação através da

graça, agora levam a oratória, união com os católicos e o serviço social para atrair

pessoas para a igreja. A motivação era o “inchaço” das igrejas com novos membros

e não mais a transformação individual.

Tabela 5 - Os P's e C's no Unionismo

4 P’s no Unionismo 4 C’s no Unionismo

Produto

A igreja e bem-estar social

Cliente

União entre as igrejas e

transformação social

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Preço

Ativismo

Custo

Frequência na igreja e

ativismo social

Praça

Brasil

Conveniência

Atendia aos desejos da

geração

Promoção

Propaganda, eventos e

“venda” pessoal.

Comunicação

Não havia uma

comunicação direta com os palestrantes.

Fonte: Adaptado de Dahan (2018)

A partir disso, vemos a chegada da nova fase trazida pelo novo pensamento

político do Pós-Vargas em que a “fé deveria expressar-se no meio das lutas sociais”

(SHAULL apud MENDONÇA, 2005, p.13) defendida pelas lideranças intelectuais

nas universidades. A atração da teologia prática em detrimento da ortodoxia.

Utilizaram de estratégias próximas ao liberalismo vindo do unionismo.

Surge então a resistência a esse movimento com grupos universitários

voltados para o resgate a ortodoxia, as quais ficaram conhecidas posteriormente

como “missões de fé”. Nesse conflito entre liberais e fundamentalistas há a

utilização de veículos de massa com o tele evangelista Jimmy Swagart, o que

simboliza a chegada dessa prática nos espaços televisivos, algo que ainda é muito

comum hoje. Porém, a motivação se assemelhava novamente ao período dos

panfletos da reforma com a inserção dos meios de comunicação em massa da

época (TV e rádio) como propaganda.

Além desses movimentos, ocorre a primeira explosão pentecostal com as

grandes cruzadas evangelísticas mais uma vez, porém com o intuito de ser

movimentos espirituais com as “tendas de cura divina”. Esse era o atrativo desses

eventos, onde ofereciam transformação sem o compromisso com a igreja e uma

vida de renúncia. Ele surge como resposta a uma nova demanda social em que

pessoas desejavam mais atrativos na igreja, mas que devido aos grandes fluxos

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migratórios estavam perdendo o vínculo com elas. Esse movimento prosseguiu em

crescimento e se tornou o responsável pela maior parte dos que se declaram

evangélicos no Brasil.

O principal crescimento dos neopentecostais é na década de 1970 com a

criação da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), com a utilização de veículos

de massa constantemente como rádio e televisão. Com uma mensagem voltada

para a teologia da prosperidade e promoção dos seus criadores. Além dos meios

para a propaganda, eles se utilizam do simbolismo e de um sistema de recompensa

– vendas de objetos e pedido de ofertas com a promessa de que trarão benefícios

para o comprador/pagador. É a fase que possui uma melhor definição do Mix de

Marketing.

Suas estratégias assemelham-se ao que é posto por Kotler como Marketing

1.0, com foco no produto para alcançar as massas fazendo-os desejarem um só

discurso. Produziram o mesmo conteúdo doutrinário e reproduziram em diversas

cidades do país e conseguiram atingir multidões.

Tabela 6 - Os P's e C's no Neopentecostalismo

4 P’s no Neopentecostalismo 4 C’s no Neopentecostalismo

Produto

A cura divina, prosperidade,

guerra espiritual

Cliente

Cura, libertação e

prosperidade

Preço

Altas ofertas e compra de

objetos

Custo

Ofertas e participação das

campanhas

Praça

Brasil

Conveniência

Resultados rápidos e

materiais

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Promoção

Propaganda, publicidade, eventos, treinamento de

vendedores, promessa de bonificações, apelo a

experiência, merchandising e “venda” pessoal.

Comunicação

Espaço para compartilhar experiências durante os

cultos

Fonte: Adaptado de Dahan (2018)

Já na década de 1980, surgem os pragmáticos, os quais adotam uma maior

diversidade de estratégia de marketing para alcançarem o status de mega igreja.

Como visavam um novo público alvo de “não crentes”, utilizaram estratégias de

pesquisa e comunicação para alcançá-los, caracterizando-se pelo uso do marketing

2.0 – focado no interesse do consumidor. Como Mariana Stephan (2017) explica

sobre a definição de Philip Kotler sobre essa fase do marketing

A partir de 1980, no início da era da informação, surgiu o Marketing 2.0, onde os consumidores são bem informados, e encontram várias ofertas de produtos muito semelhantes. Assim, o valor do produto é definido pelo cliente, fazendo com que os profissionais de marketing precisassem segmentar o mercado e desenvolver um produto que atendesse aos desejos e necessidades de determinado mercado-alvo.

A formação de grupos dentro da igreja segmentados por idade, estado civil,

região demográfica da residência e entre outros, utilizou-se do conceito de nichos

para melhor adaptação dos participantes de tais comunidades a fim de alcançar

maior adesão. Possuíam um posicionamento diante do público para lhes oferecer a

inclusão em uma comunidade diferente do que as igrejas tradicionais com o objetivo

de atender os desejos deles e assim fazer a instituição crescer. Formou-se um

público de consumidores dentro da igreja.

Tabela 7 - Os P's e C's no Pragmatismo

4 P’s no Pragmatismo 4 C’s no Pragmatismo

Produto

Uma igreja diferente

Cliente

Fuga dos padrões da

igreja e conforto espiritual

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Preço

Ativismo na igreja

Custo

Frequência na igreja e

engajamento nas programações

Praça

Zonas em desenvolvimento

e “não-crentes”

Conveniência

Atendia aos desejos da

geração

Promoção

Propaganda, eventos,

publicidade, experiência e “venda” pessoal.

Comunicação

Relacionamentos como

pirâmides que facilitam a comunicação

Fonte: Adaptado de Dahan (2018)

Não sendo o suficiente, surge então o novo modelo de igreja, a emergente

(2000), que busca quebrar as tradições da igreja histórica e criar a igreja em nichos

de identificação. Surge então igrejas voltadas apenas para pessoas que tenham o

mesmo estilo de vida e que desejem fugir da ortodoxia. Mudam o ambiente, a

doutrina, a liturgia e passam a fazer reuniões de discussão e música. Voltadas para

a geração millenials, buscam agradá-los.

É a chegada do marketing 3.0 nas igrejas. O público deve ser atendido em

seus desejos da mente, coração e espírito, fomenta a criação de pequenas

comunidades identificadas com o nicho e que promovam o relacionamento linear,

colaboração e ambientes criativos. Há uma construção em conjunto do conceito de

uma igreja específica sem se prender às demais, os pertencentes ao grupo

formulam suas regras para sua comunidade.

Mas essas estratégias não foram o suficiente para manter o crescimento da

igreja emergente por suas particularidades. Então surge a igreja pós-moderna, a

qual se utiliza dos conceitos do pragmatismo com a homogeneidade do público da

igreja emergente, com o apelo criativo e digital. O apelo na manipulação do

emocional através de músicas e pregações estimulantes, ambiente estimulante,

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grupos para maior engajamento, engajamento social e quebra de estruturas

tradicionais da igreja são os diferenciais, em conjunto com o foco na inclusão.

Eles se utilizam das estratégias pós-modernas para o engajamento como as

redes sociais. Fazem uso constante do Instagram, Facebook e YouTube para

postagem de seus conteúdos, programações, fotografias e vídeos. Utilizam

hashtags e realizam campanhas para seus eventos. O conteúdo de promoção se

volta para atrair pessoas para as suas sedes, portanto predomina a utilização de

imagens capturadas no decorrer dos cultos e com frases de inspiração.

Outro fator importante para a identificação com a nova geração, que por

muitas vezes discursa contra a igreja, é a quebra da semelhança com a tradição em

seu ambiente, ou seja, assemelham-se mais a ambientes seculares com a utilização

de superfícies escuras – paredes, teto, piso, cadeiras, púlpito -, jogos de luzes e

fumaça, as músicas também colaboram com a experiência do ambiente, buscam

conduzir o emocional dos participantes. Oferecem a liberdade para uma experiência

individual de “adoração” que se distingue das igrejas históricas e com o apelo da

autenticidade.

Nota-se então que as estratégias de marketing foram utilizadas desde a

reforma protestante para contribuir com o crescimento do pensamento, porém, no

decorrer do tempo foram sendo inseridas diversas outras estratégias e com outras

motivações. Não mais desejavam expandir a mensagem da Escritura – sola

scriptura – mas divulgar igrejas específicas e incentivar ao crescimento a todo custo,

além do neopentecostalismo que utiliza da ferramenta para manipulação da massa

oferecendo como produto “milagres divinos”.

Os adeptos do marketing religioso defendido por George Barna (1994) e a

transformação da igreja descrita por Rick Warren – fundador da Igreja com

Propósito e difusor do pragmatismo – passam então a se valer de técnicas e

estratégias voltadas para empresas para atrair o público almejado. Para tal

finalidade, o marketing passa a ser inserido dentro do culto para a manipulação.

4.2.2 O Marketing No Culto: O Princípio Regulador do Culto e O Culto Pop

Antes de discorrer sobre esse tópico, faz-se necessário algumas definições

sobre o culto. Podemos defini-lo como “um encontro de Deus com seu povo no qual

se estabelece um diálogo: Deus fala à sua igreja através da sua Palavra e a

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congregação expressa sua adoração ao Senhor mediante as orações, oferendas e

hinos” (GARCIA,1978, p. 47). Com base nisso, surge o questionamento sobre como

deveria ser desenvolvido sua liturgia – palavra que significa: o trabalho ou serviço

pessoal. A Confissão Batista Londrina (1689) afirma então

A luz da natureza mostra que existe um Deus, que tem senhorio e

soberania sobre todos, que é justo, bom, e faz o bem a todos; e que,

portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido, de

todo o coração, de toda a alma, e com todas as forças. Mas a maneira

aceitável de se cultuar o Deus verdadeiro é aquela instituída por Ele

mesmo, e que está bem delimitada por sua própria vontade revelada, para

que Deus não seja adorado de acordo com as imaginações e invenções

humanas, nem com as sugestões de Satanás, nem por meio de qualquer

representação visível ou qualquer outro modo não prescrito nas Sagradas

Escrituras.

E a Confissão de Fé de Westminster (1647) atesta

O modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por Ele mesmo,

e é tão limitado pela sua própria vontade revelada, que Ele não pode ser

adorado segundo as imaginações e invenções dos homens, ou sugestões

de Satanás, nem sob qualquer representação visível, ou de qualquer outro

modo não prescrito nas Santas Escrituras.

Portanto, compreende-se o culto verdadeiro, segundo o movimento

reformado, como aquele que segue as prescrições das Escrituras. Assim, foi criado

o Princípio Regulador do Culto, o qual reafirma: “O verdadeiro culto é ordenado

somente por Deus; o falso culto é algo que ele não ordenou”. Estipulou-se os

elementos do culto conforme a descrição das Escrituras e a forma correta de

adoração. O reformador João Calvino, em seu livro As Institutas da Religião Cristã

(1541), propõe um culto simples conforme os elementos litúrgicos ordenados, cita

que

E o início far-se-ia por preces públicas; ter-se-ia, a seguir, o sermão; então, postos na mesa pão e vinho, repetiria o ministro as palavras da instituição da Ceia; depois, reiteraria as promessas que nos farão nela deixadas; ao mesmo tempo, vedaria à comunhão todos aqueles que são dela barrados pelo interdito do Senhor; após isto, orar-se-ia para que o Senhor, pela benignidade com que nos prodigalizou este alimento sagrado, também a isto receber fé e gratidão de alma nos instruísse e preparasse, e, uma vez que de nós mesmos não o somos, por Sua misericórdia, dignos nos fizesse de tal repasto. Aqui, porém, ou cantar-se-iam salmos ou ler-se-ia algo da Escritura, e, na ordem que convém, participariam os fiéis do sacrossanto banquete, os ministros partindo o pão e oferecendo-o ao povo. Terminada a Ceia, ter-se-ia uma exortação à fé sincera e à sincera confissão dessa fé, ao amor cristão e a comportamento digno de cristãos. Por fim, ação de graças se daria e louvores se cantariam a Deus, findos os quais, a congregação seria despedida em paz.

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Posto então o modelo de culto a ser seguido com os seguintes elementos:

oração, sacramentos, leitura da Palavra, cantos e louvores, e a sã pregação da

Palavra. Sendo esses elementos obrigatórios e únicos para que siga as diretrizes

bíblicas, segundo os reformadores, de um culto verdadeiro. Qualquer outra forma

de culto seria considerada falsa. Porém, compreendiam a liberdade de escolha para

a estrutura da reunião da igreja, local de reunião, horário, roupas utilizadas e o tipo

de assento; nestes poderia haver variação – são chamados de circunstâncias do

culto por Brian Schwetley (2001).

Tabela 8 - Ordenanças e Circunstâncias do Culto

Ordenanças Circunstâncias

Pregação a partir da bíblia Estrutura da reunião da igreja

Leitura da Palavra de Deus Local de reunião da igreja

Reunião no dia do Senhor Horário de reunião da igreja

Administração dos Sacramentos Roupas para a reunião da igreja

Audição da Palavra de Deus Tipo de assento provido

Oração a Deus

Cântico dos Salmos

Fonte: Schwertley (2001)

Ainda para Schwetley (2001), a perda dessas características no culto se dá

pelas escolhas do “homem pecador”. Ele ressalta que

Caso se dê ao homem pecador autonomia para escolher como cultuar, o padrão histórico é claro. O ser humano preferirá o culto centrado no homem. O homem pecador é sempre atraído pelo entretenimento [...] e pelo ritual e pompa [...]. Quando as inovações humanas terão fim? Elas não cessarão até que a igreja obedeça ao Princípio Regulador do Culto.

Assim, vemos as características de um culto no padrão reformado, defendido

pelos participantes da Reforma Protestante, através da análise bíblica de cada

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elemento utilizado na igreja descrita nas Escrituras pelo esforço de implantar o sola

scriptura na liturgia do culto. A partir desse pressuposto, pode-se analisar os

elementos extras hoje utilizados na liturgia como estratégias, sendo verificadas suas

motivações e objetivos.

Percebe-se, então, que o princípio regulador do culto reformado deixou de

ser usado na maioria das igrejas, as quais adotaram padrões culturais e sociais de

onde estão inseridas. Na história do cristianismo protestante no Brasil isto é uma

realidade, principalmente no culto pop pós-moderno. Nota-se a adesão do

pensamento consumista do período histórico, o destaque no prazer da escolha

pessoal – o consumismo. John Benton (2006, p. 7) o define como

Um tipo de evangelho secular que oferece felicidade por meio de bens materiais e atividades da escolha pessoal de cada indivíduo. O principal objetivo do consumismo tem a ver com proporcionar felicidade ao indivíduo. Outra consideração como obrigações para com a sociedade ou padrões morais antiquados são postos de lado. O consumismo ostenta o ideal da satisfação pessoal. O consumidor deve sempre sair com a sensação de bem-estar, seja lá o que tenha comprado. Essa preocupação primária se enquadra exatamente na cultura de terapia do pós-modernismo.

No pós-modernismo o foco está no agora, não mais nas tradições ou no

futuro. Assim passam a ser os cultos de tais igrejas: focados no alívio momentâneo,

no bem-estar proporcionado e no emocionalismo. Para isto, ignoram as tradições e

a perspectiva do futuro proposto pelo cristianismo protestante.

O que para os reformadores seria considerado um “falso culto”, hoje é o

status quo da igreja. Os elementos presentes no culto se distinguem dos que eram

tidos como obrigatórios. O culto pop é realizado com uma liturgia aberta a escolha

individual de sua liderança, porém muito se assemelham entre si, fato que leva à

reflexão sobre o uso de técnicas de marketing e manipulação.

O foco da reunião passa ser a adoração, inspiração, serviço e

relacionamentos, sua programação se define a música – não os salmos ou cânticos

tradicionais, mas como bandas de pop rock com canções que fazem pular ou chorar

como ato de adoração –, divulgação de programações semanais, pregação de

inspiração e oração final. Nota-se também a influência do ambiente projetado para

tornar a experiência individual, manter a atenção e estimular o emocional.

Para proporcionar tal experiência são utilizadas estratégias do marketing

multissensorial e a construção do branding da instituição. Esse é definido por Rafael

Oliveira e Nívea Braga (2013, p. 2) como “uma técnica usada pelos profissionais de

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marketing para estabelecer, por meio de estudo, uma posição concreta para a

marca, tanto em formato racional, quanto emocional”, é como o consumidor irá ver

e se relacionar com a marca. No caso da igreja, passa a ser uma nova identidade a

ser construída no imaginário do público de um novo estilo de culto, a fim de gerar

identificação e adesão. O apelo de se sentir bem consigo mesmo e com Deus

através da instituição.

A busca pelo bem-estar é correspondida pela utilização dos cinco sentidos.

Passa a ser um grande diferencial em meio a uma sociedade exposta à exaustão

no sentido visual e sonoro através das mídias, o que causa a perda da sensibilidade

a tais estimulantes. Batey (2010, p. 96) relata sobre a oportunidade de utilizar-se

desse fato social para atrair o público

Se a privação dos sentidos é um preço que tivemos de pagar pela quantidade de tecnologia disponível hoje em dia, as marcas podem preencher esse vazio oferecendo o tipo de estímulo sensorial que nos energiza como seres humanos.

O marketing passa a ser trabalhado nos cinco sentidos: visão, audição, tato,

olfato e paladar. Para a visão são utilizadas cores específicas – baseada na

psicologia das cores e nos sentidos proporcionadas por cada uma –, estética e

formas. Proporcionam a identificação com a marca – igreja – pela construção social,

cultural, psicológico, biológico e fisiológico (BATEY, 2010). Sendo o principal

sentido para a percepção do espaço, a construção do ambiente se torna planejada

de modo peculiar, que seja semelhante a espaços como casas de show e áreas de

lazer. Estimula para a diversão, bem-estar, espontaneidade e extroversão – por ser

ambientes escuros que dificulta a observação de outros. O jogo de luzes coloridas

é utilizado para marcar o momento, seja de emocionalismo ou animação, variando

entre o amarelo/laranja (criatividade), azul (calma/confiança), verde (esperança) e

roxo (mistério) para as músicas; branco para a hora da pregação.

Para a audição há o apelo musical que guia as emoções do público. “Se a

música consegue chegar ao tálamo, então isso significa que a música ataca o

sistema nervoso diretamente” (CAVACO apud OLIVEIRA; BRAGA, 2010, p. 6), é

ela que permite o “saltar de alegria” e logo após chorar, oferece bem-estar e uma

experiência completa ao consumidor. No culto pop é a estratégia mais utilizada para

manipulação das emoções. Abre a possibilidade também para o sentido do tato,

pois é em meio a esse processo que há o contato com outras pessoas, o “pôr a mão

no coração”, o levantar das mãos ou as palmas.

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O olfato é um poderoso sentido para memorização do ambiente e da marca.

Segundo Batey (2010) é o “sentido que tem acesso neurológico direto ao sistema

límbico do cérebro – que guarda e intermedia as memórias”, portanto facilita a

lembrança da marca pela relação de cheiros. Na igreja pós-moderna, isso é

percebido através do cheiro específico pela utilização de fumaça durante os cultos.

Já o paladar é mais difícil de ser encontrado em tais igrejas, mas pode ser utilizado

como brindes na recepção.

Assim, vemos as estratégias utilizadas para gerar uma experiência

específica em conjunto com o incentivo à criação de relacionamentos e ao

sentimento de pertencimento, pois cada indivíduo fará parte da criação da

identidade da sua comunidade.

Portanto, através da comparação entre as duas épocas, percebe-se a

distinção de elementos prioritários no culto. Enquanto os reformadores nutriam a

concepção do culto baseado nas instruções claras sobre seus elementos, o culto

pop surge com a proposta do apelo sentimental da “adoração” espontânea – de

acordo com as suas próprias definições – e a palavra motivacional. Esta distinção

é descrita por Schwertley (2001) como “o verdadeiro culto versus o falso.

Tabela 9 - O Verdadeiro Culto Versus O Falso

Verdadeiro culto Falso culto

Apenas o que Deus ordena em sua Palavra é permitido

Tudo o que não é expressamente condenado pela Bíblia é permitido.

Culto centrado em Deus. Conduz ao culto centrado no homem.

O conteúdo do culto é a Palavra de Deus objetiva.

O culto se torna cada vez mais subjetivo ou místico.

O culto permanece puro, simples e sem adulteração.

O culto é alterado, evolui e é adulterado por tradições humanas.

O culto baseado na Palavra de Deus possui parâmetros limitados.

As formas e o conteúdo do culto público são teoricamente infinitos

Completamente bíblico Basicamente pragmático: o que aparentemente funciona e agrada às pessoas será usado.

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O culto evangélico puro é transcultural. Desconsiderando-se as barreiras linguísticas, membros de igrejas fiéis ao Princípio Regulador podem visitar igrejas da mesma mentalidade em qualquer lugar do mundo e, imediatamente, sentir-se bem e em casa. No século XVII, puritanos ingleses ou americanos, presbiterianos escoceses ou irlandeses e holandeses reformados cultuavam a Deus de modo muito similar. Isso não resultou de algum ato de conformidade, mas porque criam no Princípio Regulador e obedeciam a ele. No futuro, quando a doutrina e o culto puros forem revividos, e nações inteiras forem convertidas e entrarem na aliança estabelecida por Deus, a natureza transcultural do puro culto evangélico será muito útil e importante para turistas e homens de negócio.

O falso culto alimenta a autonomia humana pecaminosa. Portanto, ele é uma mistura de paganismo e cristianismo. Pelo fato de possuir teoricamente opções infinitas, as pessoas têm de adaptar, aprender e ajustar o falso culto a cada circunstância cultural e denominacional. Os anglicanos altamente litúrgicos provavelmente se sentem desconfortáveis com os cultos sem programação prévia das comunidades evangélicas de negros. Existem milhares de hinários e de liturgias diferentes. Há grupos de rock e de teatro, orquestras, declamação de poesia, vídeos, apresentações de palhaços, comediantes, humoristas, talkshows, danças litúrgicas, recitais de órgão, dias santos diversos e calendários litúrgicos diferentes etc. O falso culto fragmenta a igreja.

O culto bíblico é centrado em Deus e em sua Palavra.

O culto centrado no homem tem por norte o ser humano e seus sentidos. Daí sua degeneração no entretenimento ou nas cerimônias e nos rituais pomposos.

Fonte: Adaptado de Schwertley (2001)

Com isso, fica claro a diferenciação do culto proposto na reforma protestante

e o culto pop, sendo até mesmo considerado falso pela inserção de elementos não

citados pelas Escrituras, como a adaptação das estratégias do marketing

multissensorial e a construção do branding. Pode-se dizer então que o culto pop

destoa do culto protestante reformado, e adere ao culto pós-moderno - nega a

restrição de elementos como verdade para se adaptar ao seu público.

Pode-se observar como exemplo da utilização de tais elementos pós-

modernos, os quais são baseados nas estratégias de marketing desenvolvidas na

fase do marketing 3.0, a igreja Hillsong Church – mundialmente conhecida através

de suas composições musicais e apresentações –, a Bola de Neve Church que

ganhou repercussão por ter seu público segmentado para surfistas e a utilização de

uma prancha como púlpito, e a Comunidade Cristã Videira, a qual será analisada

através do Estudo de Caso desenvolvido a seguir.

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5 ESTUDO DE CASO: COMUNIDADE CRISTÃ VIDEIRA

Foi escolhida a Comunidade Cristã Videira Natal – Capim Macio para ser

objeto de análise, a qual será desenvolvida neste capítulo. Para isso, será abordado

a definição teórica da metodologia a ser utilizada, a descrição histórica da igreja

escolhida, a explanação dos pressupostos teóricos já relatados anteriormente e a

coleta de dados e interpretação desses.

5.1 METODOLOGIA

Para análise prática do assunto discutido neste trabalho, foi escolhido o

método do Estudo de Caso para observação e descrição do fenômeno da igreja

pós-moderna e do culto pop a fim de averiguar a hipótese levantada no estudo

teórico e histórico da igreja brasileira. A principal definição dessa metodologia é a

de Yin (2001, p. 32) que afirma

O estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas

O Estudo de Caso é utilizado para responder as questões “como” e “por que”

(DUARTE, 2005, p. 216) de um fenômeno de um contexto social, pois coleta os

dados da causa para compreender as consequências do evento analisado. Para

isso, são utilizadas técnicas de coletas de dados como observações, pesquisas,

entrevistas, documentos etc. que produzem informações que serão analisadas pelo

pesquisador para averiguação da realidade estudada.

Marcia Duarte (2005) enumera quatro características do Estudo de Caso

segundo o pensamento de Merriam (apud WIMMER, 1996, p. 161), são os

seguintes:

1. Particularismo: o estudo se centra em uma situação, acontecimento, programa ou fenômeno particular, proporcionando assim uma excelente via de análise prática de problemas da vida real. 2. Descrição: o resultado final consiste na descrição detalhada de um assunto submetido à indagação. 3. Explicação: o estudo de caso ajuda a compreender aquilo que submete à análise, formando parte de seus objetivos a obtenção de novas interpretações e perspectivas, assim como o descobrimento de novos significados e visões antes despercebidas. 4. Indução: a maioria dos estudos de caso utiliza o raciocínio indutivo, segundo o qual os princípios e generalizações emergem a partir da análise dos dados particulares. Em muitas ocasiões, mais que verificar hipóteses

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formuladas, o estudo de caso pretende descobrir novas relações entre elementos.

Castro (1977, p. 88) também discorre a respeito do objeto de interesse do

Estudo de Caso, afirma que “o interesse primeiro não é pelo caso em si, mas pelo

que ele sugere a respeito do todo”, portanto “diante de um problema em que nossos

conhecimentos são escassos e rudimentares, podemos fazer uma análise

incompleta do todo ou conhecer bem uma pequena parte que não sabemos até que

ponto é representativa desse todo” (CASTRO, 1977, p. 89). Assim, o objeto

estudado – a Comunidade Cristã Videira – servirá de “parte” para a compreensão

de um todo – o fenômeno das igrejas pós-modernas.

Para este estudo, foi definido o projeto de caso único holístico (YIN, 2001, p.

61) com uma unidade única de análise, utilizando como base as proposições

teóricas – “consiste em seguir as proposições que deram origem ao estudo de caso”

(DUARTE, 2001, p. 231) e desenvolver uma descrição do caso. Os dados serão

analisados a partir da adequação ao padrão, a qual consiste em “comparar um

padrão fundamental empírico com outro de base prognóstica [...] se os padrões

coincidirem, os resultados podem ajudar o estudo de caso a reforçar sua validade

interna” (YIN, 2001, p. 136) e com a “construção da explanação”, a qual “tem por

objetivo analisar os dados do estudo de caso, construindo uma explanação sobre o

caso” (DUARTE, 2001, p. 232).

Para garantir a qualidade da pesquisa, as formas de coleta de evidência

serão: documentação, registros em arquivo, pesquisa survey e observação direta.

A documentação “é uma importante fonte de dados que pode assumir várias formas,

como cartas, memorandos, agendas, atas de reunião, relatórios de eventos [...]

recortes de jornais e artigos publicados na mídia” (DUARTE, 2001, p. 230); os

registros em arquivos serão utilizados prioritariamente os de fonte pessoal e

fornecidos pela própria organização estudada através de suas redes sociais; a

pesquisa survey será desenvolvida com o público de membros da instituição

religiosa, Malhotra (apud DUARTE, 2001, p. 230) a define como “a realização de

entrevistas com um grande número de pessoas por meio de um questionário

predeterminado”. Já a observação direta é descrita por Duarte (2001, p. 230)

É feita quando em visita ao local do estudo de caso e serve para fornecer dados adicionais sobre o tema em análise. Compreende atividades formais como desenvolver protocolos de observação; e informais como as condições físicas de um edifício [...]

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Assim, o Estudo de Caso da Comunidade Cristã Videira – ou CCVIdeira –

será desenvolvido através de descrição da instituição e sua história; pressupostos

teóricos; coleta e análise de dados e considerações finais.

5.2 COMUNIDADE CRISTÃ VIDEIRA NATAL – CAPIM MACIO

Figure 1 - Logomarca CCVideira

Fonte: Site da CCVideira

A Comunidade Cristã Videira foi fundada em 1 de julho de 2001 pelo pastor

Costa Neto – autor do livro “Amar e Servir: a cultura do voluntariado” – e sua esposa

Nenem Costa na cidade de Fortaleza/CE. Atualmente são associados à Hillsong

Family. Eles se definem como “uma igreja que segue princípios bíblicos, levando

pessoas a seguirem a Jesus e a viverem o cristianismo fora das quatro paredes do

templo, através de ações de generosidade que ajudam a transformar a história de

outras pessoas” e com o intuito de ser “uma igreja onde cada membro é conhecido

por Deus através de um profundo relacionamento com ele”. Os pilares da igreja são:

Adoração: Não é sobre cantar, louvar ou fazer música. Mas é sobre atitudes de indivíduos que obedecem a Deus, e são submissos à palavra Dele; Comunhão: As pessoas se relacionam não somente na igreja, mas durante a semana através dos Grupos de Crescimento, uma das melhores ferramentas para relacionamentos saudáveis serem construídos; Serviço: Servir na comunidade, na igreja local e na sociedade. A nossa "África" está no Instituto Vida Videira. A nossa China está no olhar de cada membro da nossa igreja local; Evangelismo: Alcançar o outro por meio de relacionamentos com pessoas. Nossa meta não é "pregar" Jesus, mas permitir que as pessoas O vejam através do nosso relacionamento sincero; Edificação: Pessoas que vão ser edificadas na palavra, quando forem encorajados a crescer em um relacionamento pessoal com Jesus, através da leitura da bíblia e da oração pessoal.

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A partir desses pilares, desenvolveram o slogan da igreja: “Viver, Amar e

Servir”. Prezam pela vida autêntica, relacionamentos e o voluntariado a todos que

frequentam a comunidade. Hoje possui seis “campi”, sendo elas: CCVideira Sul – a

primeira –, CCVideira Santos Dumont e a CCVideira Centro na cidade de

Fortaleza/CE; CCVideira Brasília/DF; CCVideira Capim Macio e CCVideira Via

Costeira na cidade de Natal/RN. E há mais cinco casais de pastores que coordenam

essas igrejas sob a liderança dos “pastores seniores” – fundadores.

A CCVideira Capim Macio – a primeira em Natal/RN – foi fundada em 2007

pelo pastor Edmílson Alves, e há 4 anos está sob o pastoreio de Thiago Coelho –

formado na Hillsong College Austrália – e sua esposa Anna Coelho, os quais

também são responsáveis extensão na Via Costeira.

Com capacidade para receber em torno de 1000 pessoas por culto, a sede

de Capim Macio – localizada na Avenida Ayrton Senna, no bairro de Capim Macio

– já conta com uma vasta programação, incluindo cinco horários de cultos aos

domingos: 9h, 11h, 16h, 18h e 20h; e na Quarta do Encontro às 19h30. Além disso,

há eventos voltados para jovens entre 18 e 30 anos chamado A13 e os Grupos de

Crescimento – pequenos grupos que se reúnem semanalmente em outros

ambientes. Também há os trabalhos sociais como o Ame Seu Vizinho – que reforma

casas de pessoas carentes e prédios de projetos sociais – e o Instituto Vida Videira.

5.3 PRESSUPOSTO TEÓRICO

Através da base teórica já desenvolvida, pressupõe-se que a Comunidade

Cristã Videira se enquadra nas características de uma igreja pós-moderna e que se

utiliza do culto pop e das redes sociais como estratégia de marketing para atrair e

fidelizar o seu público, propõem uma experiência multissensorial com a marca a fim

de satisfazer o desejo dos seus frequentadores, como princípio do marketing 3.0 e

4.0. Constituem a comunidade fora de um padrão absoluto, mas sim construído pela

evolução social e tecnológica que os envolve.

5.4 COLETA DE DADOS

5.4.1 Observação Direta

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A observação foi feita através de visita à Comunidade Cristã Videira Capim

Macio e através de vídeos e transmissões dos cultos disponibilizados no YouTube.

A análise será desenvolvida pela observação do ambiente da igreja, os elementos

utilizados no culto e no acolhimento pós-culto.

Figure 2 - Entrada da CCVideira

Fonte: Ana Clarice

O ambiente físico da CCVideira Capim Macio se destaca entre as demais

igrejas por sua arquitetura moderna e bem projetada visualmente. O auditório para

os cultos tem capacidade para 1.000 pessoas e oferece bastante conforto – cadeiras

acolchoadas e ar condicionado. Há salas para as crianças, loja para itens exclusivos

– livros, camisas e demais artigos da igreja – e lounge para recepção dos visitantes.

Figure 3 - Ambiente da CCVideira

Fonte: Magnus Lucio

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O primeiro impacto causado pelo ambiente é sua predominância escura –

diferente do comum nas igrejas tradicionais que se utilizam de cores claras –, a

fumaça artificial e o jogo de luzes que transformam o cenário e o torna semelhante

ao de um show musical, acrescentado a um som de qualidade. Percebe-se a

semelhança dessas características com o marketing multissensorial (OLIVEIRA;

BRAGA, 2013), pois toda a estrutura é pensada para transformar o culto em uma

experiência emocional/espiritual.

Para a visão, utilizam o jogo de luzes nas cores azul, amarelo, roxo e branco

– as mais comuns –, em conjunto com o ambiente com predominância escura para

promover o destaque dos demais elementos e motivar a uma experiência autêntica.

Também há a fumaça artificial com aroma específico e bastante marcante ao

sentido olfativo, o que favorece a uma experiência única com a marca e a memória

olfativa. E o principal sentido explorado, a audição, com trilhas sonoras pré-culto,

com contagem regressiva, músicas repetitivas com apelos emocionais,

semelhantes a mantras, favorecendo a manipulação das emoções do público

(BATEY, 2010).

Figure 4 - Culto da CCVideira

Fonte: Instagram da CCVideira Natal

Também são utilizados vídeos antes e durante o culto para informações

sobre a igreja e suas programações e contagem regressiva que prepara o ambiente

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para a celebração, causando expectativa e favorecendo que a programação seja

iniciada pontualmente.

O culto é iniciado com músicas, são cantadas 4 ou 5 músicas por culto. Todas

são caracterizadas por serem simples de aprender e com bastante repetições. As

letras falam do amor de Deus, do cuidado, poder; normalmente são utilizadas ou

músicas que estão em alta no mercado gospel ou autorais, todas que seguem o

estilo worship – semelhante ao que é utilizado na Hillsong Church. Há a valorização

pelo emocional neste momento chamado de “adoração”, pode-se observar pessoas

chorando em algumas músicas, com as mãos levantadas, já em outras canções há

pessoas pulando, dançando e gritos. Esse momento do culto dura cerca de 20 a 30

minutos.

Fonte: Instagram da CCVideira Natal

No segundo momento, o pastor Thiago Coelho leva até a frente alguns

pedidos de oração – por saúde, emprego, família etc. – ou agradecimentos, relata

alguns deles e realiza uma oração. Mesmo sendo uma parte mais tranquila, onde

todos podem se sentar em seus assentos, ainda há muita emoção em alguns dos

participantes. É perguntado quem está visitando pela primeira a igreja e é entregue

um voucher para que possam ser recepcionados no lounge3 preparado após o culto.

Esse momento dura em torno de 5 a 10 minutos. Prossegue, pois, para um vídeo

com avisos da semana bem produzido de 2 a 4 minutos.

Segue para o último momento do culto, a pregação. O pastor Thiago Coelho,

ou algum outro convidado, inicia a sua mensagem inspiradora de acordo com um

tema. Faz a leitura do texto bíblico escolhido e prossegue para a sua fala. O

3 Lounge: é uma palavra em inglês que significa sala de estar, sala de espera ou antessala; costuma ser um lugar confortável e receptivo, uma sala pública para interação entre os frequentadores ou um local de descanso.

Figure 5 - Momento de louvor

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diferencial está no modo despojado em que este momento é conduzido, há grande

movimentação do pastor pelo palco, interação com os ouvintes, palmas, gritos e

assovios. Os temas mais abordados são sobre o amor de Deus, o encorajamento,

resolução de problemas e o incentivo ao voluntariado. Dura cerca de 40 minutos.

Figure 6 - Pastor Thiago Coelho

Fonte: Instagram da CCVideira Natal

A palestra é encerrada com o convite para aqueles que desejam confessar

que creem no que foi pregado ou que querem ser voluntários, uma oração é feita

por eles. O momento finaliza com mais uma música. Esses que levantaram a mão

sinalizando que aceitaram o que foi falado são conduzidos até a recepção para

cadastrarem seus dados de contato e receberem mais informações, além de

ganharem um livro.

O pós-culto para aqueles que visitam pela primeira vez é no espaço chamado

lounge, nesse é distribuído um lanche e cadastrado os dados para que entrem em

contato posteriormente.

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Figure 7 - Voluntários do Lounge

Fonte: Instagram

Portanto, nota-se que o culto da CCVideira Capim Macio não possui os

mesmos elementos citados pelo Princípio Regulador do Culto estabelecido pelo

movimento reformado como aquele que segue as diretrizes bíblicas, e que, apesar

de terem elementos em comum, a condução da cerimônia é bastante diferente.

Assim como o ambiente organizado para ser mais atrativo ao público.

Há o objetivo de fazer do culto uma experiência marcante para os

frequentadores, com o emocionalismo proporcionado pelas músicas e pelo

ambiente, além das pregações motivacionais, é voltado para o público. O

acolhimento dos visitantes também é marcado por brindes e para a criação de um

banco de dados de contatos.

5.4.2 Arquivo

Os arquivos analisados foram retirados das redes sociais e site oficial da

Comunidade Cristã Videira com acesso público – não foram registradas imagens

diretamente do local por questões para a autorização de uso de imagem. Assim,

foram capturadas imagens do site, Instagram, Facebook e YouTube.

O portal de informações oficiais sobre a igreja é único para todos os campi,

portanto inclui informação sobre onde estão localizadas as sedes, horários de cultos

e dos seus pastores, a história e pilares da igreja, link para músicas da Videira Music

em plataformas musicais online, além de informações para a “generosidade” –

meios de arrecadação de ofertas (contas bancárias e PagSeguro) e campanha

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“Faça a Sua Parte” para reforma e ampliação dos prédios. E informações para

contato.

Figure 8 - Print da página inicial do site

Figure 9 - Print do link para o Videira Music

Com a utilização do slogan “Viver, Amar e Servir”, o site possui o seu design

em predominância nas cores preto e branco e com fotografias. Uma linguagem

visual correspondente ao objetivado pelo ambiente da igreja, voltado para ser

atrativo ao público jovem.

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Figure 10 - Print das sedes da CCVideira

Figure 11- Informações sobre os horários de culto

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Figure 12 - Slogan e visão da igreja

Figure 13- Informação sobre contato

Observa-se a partir das imagens capturadas a presença significante da

CCVideira nos meios digitais, tornando-se parte dele e não somente participante.

Algo semelhante ao descrito pelo Marketing 4.0 (CASAROTTO, 2018), em que a

empresa passa a se integrar ao meio digital para se tornar próxima ao seu público.

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Figure 14 - Print das informações sobre os pilares da igreja e os pastores

O Instagram do campus analisado (@ccvideira_capimmacio) possui mais de

8.800 publicações e 34.600 seguidores – com média de 400 interações por

postagem. Mas também há contas secundárias para o setor de criatividade da

igreja, A13, Videira Music e diversos grupos de crescimento. A rede social é utilizada

para divulgar eventos e convidar para o engajamento em campanhas como a Ame

Seu Vizinho, fotografias e vídeos dos cultos e programações, com destaques de

Figure 15 - Print das informações sobre ofertas

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stories dos mesmos. Os destaques também são utilizados para organização de

calendário de eventos, wallpapers produzidos pela igreja e devocionais – texto

reflexivo diário. Para o engajamento também utilizam hashtags como:

#ccvideiracapimmacio, #ccvideira e #ameseuvizinho.

As principais temáticas das postagens são: fotografia do pastor preletor com

a legenda marcada por “palavra/mensagem inspiradora”; fotografias dos momentos

de louvor/música com os frequentadores em um momento espontâneo de adoração;

fotografia de voluntários; convite para participação das programações de culto e

campanhas sociais.

Figure 16 - Print do perfil da CCVideira Capim Macio no Instagram

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Figure 17- Print das postagens no Instagram

Para a divulgação de eventos como o A13 eles utilizam campanhas

veiculadas nas páginas secundárias como @a13natal, @a13uni_natal e dos grupos

de crescimento. O último realizado foi o “Entre 4 Paredes” com o tema “Proibidão”.

Com uma campanha em vídeo com utilização de “memes” e linguagem polêmica. O

evento tem a proposta de ser voltado para jovens de até 30 anos, em maioria

universitários.

Figure 18 - Print da foto de divulgação do evento da A13

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Tabela 10 - Storyboard da campanha de divulgação do evento

STORYBOARD: Vídeo postado para divulgação do evento PROIBIDÃO4 que veiculado pelo Instagram no dia 22 de outubro com a legenda: “Saudades do que a gente já viveu no "Entre 4 paredes" do ano passado? Então facilita, se prepara e

chama o contatinho/crush porque esse ano vai ser PROIBIDÃO Dias 25 e

26/10, na @ccvideira_capimmacio tem uma programação mega especial esperando por você!”

O vídeo é gravado em uma simulação de uma conversa no Whatsapp com um contato salvo no celular com o nome de “Contatinho”. A conversa inicia com o

envio da mensagem “Oi, sumida!”.

O vídeo continua com a resposta “E aii”, então é enviada a foto de divulgação de um evento chamado “Entre 4 Paredes” - realizado no ano de 2018 na CCVideira

Capim Macio - com a pergunta “Lembra?”

A conversa continua com a resposta “Como poderia esquecer?” e é enviado

“Pois se prepara que esse ano vai rolar… Só que vai ser PROIBIDÃO”

4 Utilizam-se de metáfora com relação ao pecado proibido, fruto proibido.

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O vídeo encerra com o cartaz de divulgação do evento.

Observa-se que o vídeo utiliza linguagem ambígua, com teor insinuativo e que faz referência ao vídeo postado nas redes sociais pelo jogador de futebol Neymar

Junior, o qual circulou como “meme”.

A promoção de eventos (KOTLER, 1998) é uma estratégia comum no

contexto religioso, porém, nesse evento divulgado, observa-se que a CCVideira

utilizou do discurso e construção imagética da publicação para atrair seu público

pela curiosidade, ao abordar palavras ambíguas que são utilizadas geralmente para

conteúdos impróprios ou de teor sexual para um evento a ser realizado na igreja.

Descaracteriza do viés religioso para ser atrativo ao público alvo.

Já a página oficial no Facebook parou de ser utilizada em 2018, porém era

bastante utilizada para a divulgação dos cultos e eventos realizados na igreja

durante todo o ano. Eles possuem mais de 13.000 curtidas e mais de 600 avaliações

positivas sobre a instituição – com nota de 4.9 na avaliação do público.

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Figure 20 - Print das avaliações no Facebook

No YouTube, a conta da igreja é única para todas as sedes, possui um maior

conteúdo da CCVideira Sul em Fortaleza, com transmissão de cultos ao vivo e

postagem de séries de mensagens. Mas há alguns vídeos de avisos e teasers da

CCVideira Capim Macio.

Figure 19 - Print da página do Facebook

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Figure 22- Print dos vídeos postados no YouTube

Percebe-se então que as redes sociais são utilizadas para a divulgação da

própria instituição e suas programações, com produção de conteúdo com fotografias

dos cultos e serviços sociais. Apenas no canal do YouTube as postagens são em

maioria pregações – única rede social utilizada com o intuito de compartilhar a

mensagem invés das programações da própria igreja. A ênfase do conteúdo está

na experiência da igreja e em suas atividades, o que é compatível com o slogan

“Viver, Amar e Servir”, ou seja, viver a experiência de ser Videira em sua cultura de

voluntariado e adoração. O objetivo da utilização da publicidade é tornar a

Comunidade Cristã Videira conhecida por seu culto autêntico e o serviço à cidade.

Figure 21 - Print da conta no YouTube

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Com isso, nota-se a estratégia característica utilizada pelas igrejas

pragmáticas (CARSON, 2010). e pós-modernas (MEISTER, 2006). Ao se utilizarem

da publicidade, elas desejam se tornarem conhecidas mais do que tornar conhecido

a mensagem da religião cristã, é a sua autenticidade, experiência, projetos etc. que

atraem. Algo que se aproxima ao movimento neopentecostal (MENDONÇA, 2005)

que se utiliza dos meios de massa para atraírem o público e oferecerem seu produto

– curas divinas, prosperidade, vitórias – que segundo eles só podem ser

encontrados unicamente através deles. Ambos se utilizam de preços, praça e

promoção diferentes, mas o produto é a satisfação pessoal e a conquista de algo,

seja uma cura ou uma experiência.

5.4.3 Documentação

A documentação coletada para análise se resume a postagens de artigos da

mídia – notícias sobre a igreja. Nela será possível verificar a relevância da igreja

para a sociedade em geral e como ela é reconhecida. Foi encontrado quatro

postagens significativas através de canais jornalísticos.

O primeiro deles é a colaboração do programa televisivo “Batendo Perna”,

realizado pela TV Ponta Negra e transmitido aos sábados, em que houve a gravação

de um culto da CCVideira Capim Macio no dia 25 de setembro de 2016. O vídeo foi

postado no canal do YouTube do programa e teve mais de 4.000 visualizações.

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Figure 23 - Print do vídeo do Batendo Perna

Observa-se então o reconhecimento social dos cultos realizados na

instituição, de modo a serem transmitidos em canal aberto. Fato que se dá pelo

ambiente e liturgia fora do padrão tradicional das igrejas históricas.

Também foi encontrado no portal do Agora RN (www.agorarn.com.br) a

matéria “Igreja Videira promove ação social Ame Seus Vizinho neste sábado (24)”

no dia 20 de novembro de 2018. Essa descreve a ação e sua importância para as

instituições de caridade e famílias beneficiadas.

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Figure 24- Print da matéria do AgoraRN

Devido essa repercussão social anualmente, realizou-se uma cerimônia de

reconhecimento pelo trabalho oferecido para a sociedade natalense pela Câmara

Municipal de Natal em celebração aos 10 anos da igreja na cidade no dia 8 de

agosto de 2018. Nela, o pastor Thiago Coelho relatou que “hoje a Videira Natal serve

de inspiração para outras denominações cristãs no quesito de serviço e

assistencialismo pelo seu papel na sociedade, tornando-se uma congregação

relevante [...]”. Fato registrado em diversos portais natalenses como o Blog do BG

(www.blogdobg.com.br).

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Figure 25 - Print da matéria do Blog do BG

O apelo para a caridade é uma característica marcante entre as igrejas pós-

modernas. Em toda a história do cristianismo é perceptível a prática da assistência

social aos mais necessitados, porém o que antes era embasado pelo

compartilhamento das Escrituras em conjunto com o apoio social, para as igrejas

pós-modernas passa a ser um método para engajamento do público com a marca,

uma experiência emocional e uma forma de atender ao desejo da geração de tornar

o mundo melhor através da cooperação. Além disso, é um meio de se tornar

relevante socialmente pela contribuição com a cidade em que está inserida.

Porém, encontra-se também uma publicação negativa sobre o incômodo que

a CCVideira causa aos seus vizinhos devido ao barulho em suas programações.

Fato que foi postado na rede social Facebook e repercutiu no portal Brechando

(www.brechando.com) em dezembro de 2016. A postagem feita na rede social pela

vizinha da igreja, chamada por Quitéria Kelly na matéria, relata esta reclamação:

A Comunidade Cristã Videira – Natal passou de todos os limites. Como se já não bastasse chegar em nosso bairro desrespeitando os moradores com

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seus milhares de carros estacionados nas calçadas, com suas gincanas barulhentas ao ar livre, com direito a fogos de artifício e tambores, fora o barulho de ensaios semanais, quando não diários, da banda da igreja… enfim, eis que hoje, dia 25 de dezembro, dia em que todo mundo acorda um pouquinho mais tarde, porque além de ser domingo hoje ainda é feriado, ou seja, dia de descanso pra muita gente, eis que a Videira resolveu fazer um evento onde começaram a passar o som às 07h00 da manhã na calçada da igreja, no volume máximo, testando microfones e músicas sem a menor preocupação com a vizinhança. A falta de respeito e preocupação com os seus “semelhantes” é tão grande, que assusta saber que essas pessoas se reúnem para falar em Deus, para celebrar uma religião, para comemorar suas crenças mesmo que seja passando por cima dos direitos de outros cidadãos que nada tem a ver com isso. O egoísmo é tão grande, o desprezo pelo outro é tão assustador que só posso imaginar o pior vindo dessas pessoas, se elas fazem isso na esfera espiritual e religiosa imaginem o que não fazem em esferas afetivas e profissionais? O que esperar dessas pessoas? O que esperar desses adolescentes que frequentam esse lugar? Um mundo melhor?? Pra quem?? Apenas pra eles? Pois toda vez que você passar na frente da Videira saibam o que os moradores das redondezas sofrem com a presença dessa igreja em nosso bairro.

Figure 26 - Print da matéria do Brechando

Com isso, percebe-se que há pontos muito positivos encontrados na mídia

devido às ações sociais realizadas, as quais tornam a CCVideira uma referência em

tais obras e aceitação do seu culto por sua forma diferenciada. Porém, para a

vizinhança pode haver uma rejeição causada pelo barulho e a grande quantidade

de frequentadores, o que exige uma infraestrutura que o bairro não possui,

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causando transtornos aos vizinhos. Não foi encontrado nenhuma resposta da

CCVideira para o caso.

Conclui-se então que a CCVideira alcançou o seu objetivo de ser

reconhecida pelo seu serviço à comunidade em que está inserida e por seu culto

diferenciado do tradicionalismo - positivamente ou negativamente pela reclamação

com o barulho causado.

5.4.4 Pesquisa

A pesquisa sobre o perfil de membros da Comunidade Cristã Videira Capim

Macio foi realizada via criação de formulário da plataforma Google Forms, veiculada

nos grupos do WhatsApp utilizados por membros da igreja e publicada entre os dias

12 e 13 de novembro de 2019.

1º Fase: A primeira parte da pesquisa foi destinada para a definição de um padrão

social dos membros da CCVideira, como faixa etária, classe social e sexo.

2º Fase: Já na segunda, a pesquisa pretendeu levantar informações sobre a relação

dos membros com a igreja, como o tempo que estão lá, como se tornaram membros,

o que mais o atraem na CCVideira, entre outras perguntas.

5.4.4.1 Justificativa e Objetivos

A pesquisa foi organizada a fim de promover uma melhor compreensão do

público atingido pela CCVideira Capim Macio e perceber como eles veem a igreja,

qual é a experiência que eles possuem durante os cultos que os fazem permanecer,

isso a partir do relato dos que pertencem a essa comunidade para contrastar com

os dados teóricos da pesquisa.

5.4.4.2 Resultados e Análises

Os resultados serão analisados a partir dos gráficos gerados pela ferramenta

do Google Forms.

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1º FASE

Gráfico 1 - Faixa etária dos entrevistados

Observa-se que a maioria do público que respondeu a pesquisa são jovens

adultos na faixa etária de 22 a 30 anos, somando 77,4% dos entrevistados, em

comparação com os que possuem mais de 30 anos que alcançou apenas 3,2%.

Esse dado demonstra que, apesar de haver adultos e idosos, a maior parte dos

membros da igreja são jovens, o que a torna uma igreja homogênea – um indicativo

para haja uma segmentação de público como estratégia para o crescimento da

igreja.

Além disso, percebe-se a caracterização da geração pós-moderna que busca

experiências invés de determinações de princípios como os postos pelo Princípio

Regulador do Culto, fato que justifica o público encontrado na pesquisa e indica a

utilização de estratégias do marketing 3.0 (STEPHAN, 2017) para promover a

satisfação do desejo desse público.

Gráfico 2 - Sexo dos entrevistados

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A maioria dos entrevistados são mulheres, com 71% deles. Porém, é um

dado que pode variar de acordo com a amostra dos entrevistados.

Gráfico 3 - Classe social dos entrevistados

Já para a identificação com uma classe social as respostas foram

diversificadas e equilibradas, mas vale ressaltar que a classe C foi a mais alta – em

nível de renda mensal – relatada. 35,5% informaram ser da classe D, 29% classe E

e 22,6% classe C. Houve também 12,9% dos entrevistados que preferiram não

informar.

Nesta primeira fase da pesquisa se destacou a homogeneidade dos

entrevistados, principalmente na faixa etária. Nota-se um padrão específico da

jovem adulta de classe média baixa como perfil de público alvo segundo os dados

da pesquisa. Fato que pode indicar as motivações que tal público tem buscado as

igrejas pós-modernas para terem experiências (STEPHAN, 2017), as quais vão

além do emocional e espiritual, mas podem também ser sociais.

Jovens de classe média baixa estão sendo inseridos em contextos religiosos

que também pertencem às classes mais altas, onde todos estão recebendo o

mesmo serviço e tendo acesso aos mesmos “bens de consumo”, o produto

oferecido tem o preço acessível para ambos – o voluntariado e frequência. Além de

promover a experiência, a CCVideira também pode oferecer o status social aos seus

frequentadores.

2º FASE

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Gráfico 4 - Tempo de membresia na CCVideira

Esta pergunta revelou que a maior parte dos entrevistados estão há pouco

tempo na CCVideira, 58,1% estão há menos de 3 anos mesmo que a igreja possua

mais de 10 anos na cidade.

Gráfico 5 - Procedimento para se tornar membro

Considerando as duas formas de se tornar membro de uma igreja –

transferência ou batismo –, as duas ficaram bastante equilibradas. Esse dado

demonstra que há muitas pessoas que migraram de uma igreja para a CCVideira.

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Figure 27 - Print das principais respostas 1

Os motivos para essa transição entre igrejas foram descritos nesta outra

pergunta. As respostas mais comuns e relevantes para descrever o que motivou os

entrevistados a saírem das suas igrejas para irem participar da CCVideira foram:

decepção com pessoas ou ocorridos na igreja, não se sentir “conectado” com Deus,

não se sentir bem acolhido e não concordar com a visão.

Figure 28 - Print das principais respostas 2

Já nos motivos mais citados que os fizeram permanecer na CCVideira foram:

relacionamentos, serviço, não serem religiosos, acolhimento, aceitação,

programações constantes e pregações com linguagem simples.

Fatores que podem ser comparados aos 4 C’s do marketing (DAHAN, 2018).

As demais igrejas da pergunta anterior não atenderam ao desejo do cliente de

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encontrar o acolhimento e a experiência, o custo da inserção poderia ser alto, não

oferecia um bom custo benefício e a comunicação da visão não era adequada.

Esses podem ser os motivos de tais comentários, ao considerar que o oposto é o

indicativo que os convenceu a permanecer em uma igreja pós-moderna e que visa

agradar ao público através do marketing. Como pode ser percebido nestas

respostas sobre os motivos de fidelização dos entrevistados com a CCVideira.

Gráfico 6 - Programações frequentadas

Em relação à participação nas programações, todos os entrevistados

participam dos cultos do domingo e dos grupos de crescimento, e em torno de 65%

frequentam as “quartas do encontro” e os trabalhos sociais promovidos.

Demonstrando que a maioria dos entrevistados respondem positivamente à

estratégia de utilização da caridade no contexto da igreja que segue o modelo

proposto pela Igreja com Propósito do Rick Warren.

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Gráfico 7 - Atrações da igreja

As programações ou elementos do culto que mais atraem os entrevistados

para a CCVideira são os Grupos de Crescimento (100%), a oportunidade de

voluntariado (100%) e as pregações (96,8%); os outros dois mais citados foram as

músicas (87,1%) e o ambiente (87,1%).

Percebe-se a eficácia do mix de marketing (KOTLER, 1998) para atender os

desejos dos frequentadores da igreja pós-moderna, pois demonstra que os

elementos oferecidos como relacionamentos, ativismo, experiência, motivação e

voluntariado estão tendo grande aceitação por parte dos entrevistados, sendo

citados como atrativos para a CCVideira.

Figure 29 - Print das principais respostas 3

Em relação à opinião dos entrevistados sobre o que diferencia a CCVideira

das demais igrejas, as principais respostas citaram o amor, o voluntariado, a

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receptividade, o ambiente, a utilização de tecnologia como ferramentas auxiliadoras,

o não julgamento, modo leve de pregar o evangelho, atmosfera e visão.

Tais características estão presentes nas três últimas fases do protestantismo

no Brasil: o pragmatismo (CARSON, 2010), emergentes (MEISTER, 2006) e pós-

modernos. A quebra das tradições torna atraente tais igrejas com um grande

diferencial frente as igrejas históricas. A quebra das tradições para uma nova

construção baseada no emocional torna atrativa a experiência para a geração pós-

moderna (ALMEIDA, 2006).

Figure 30 - Print das principais respostas 4

E para compreender melhor o nível da experiência dos entrevistados com a

igreja, foi perguntado a importância dela para as suas vidas, as respostas mais

comuns foram: uma segunda casa, um incentivo para servir, “renovo” espiritual e

encontro com Deus.

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Gráfico 8 - O que é o evangelho

Esta pergunta demonstra o entendimento do que é o evangelho por parte dos

entrevistados e a sua compreensão do que é pregado na CCVideira sobre o tema.

As respostas mostram que 49,9% resumem o evangelho como “amor”, 14,3% como

“vida”, 10,8% como “Jesus”, e outros – 3,6% cada – responderam alimento,

comunhão, servir, fé, perfeição, confronto e metanoia5.

Percebe-se então o forte relacionamento entre entrevistados e a igreja,

mesmo que estejam a pouco tempo sendo membros, mas a consideram como casa

que possibilitou uma mudança de vida – seja espiritual ou de relacionamento com

outras pessoas e voluntariado. É fato que a CCVideira tem promovido bem-estar

aos seus frequentadores, os quais estão sendo atraídos pelas amizades, o

ambiente do culto, pregação inspiradora, o acolhimento, músicas, entre outros.

Também que estão buscando igrejas que fujam da religiosidade e julgamento,

saindo de decepções com pessoas e buscando uma nova forma de congregar. Uma

nova experiência. A perspectiva do evangelho confirma o foco das pregações no

amor de Deus e seu cuidado.

Nesta análise sobre a mensagem, percebe-se a proximidade das

características descritas da CCVideira pelos seus próprios frequentadores com a

definição das igrejas pós-modernas e seus objetivos. O teor leve e eufemístico da

mensagem pregada mostra o objetivo de promover o bem-estar e a inspiração do

público ouvinte (ALMEIDA, 2006), em oposição a mensagem pregada pelos

5 Metanoia: mudança essencial de pensamento ou de caráter; transformação espiritual.

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reformadores protestantes – o arrependimento e transformação individual a partir

da graça e das escrituras (MENDONÇA, 2005).

Esse caminho é apontado pelo pensamento pós-moderno e pelo marketing

3.0 (KOTLER, 2012). O apelo emocional para o convencimento invés do confronto

proposto nas escrituras. O público é atraído pela nova experiência e pela

oportunidade de saciar seu desejo pelo bem-estar espiritual e social. O produto é

oferecido a preço de engajamento na comunidade, o que promove o crescimento e

reconhecimento da igreja.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no desenvolvimento desta pesquisa, foi definido os princípios para

o culto e para a utilização do marketing para a propagação da mensagem do

cristianismo protestante, segundo os reformados. Considerando a busca pelo sola

scriptura desses, é correto também afirmar que esse padrão definido também é o

indicado pelas Escrituras, base da religião cristã. Com isso, pode-se definir um

parâmetro sobre os elementos obrigatórios e aceitos em um culto e as motivações

para a publicidade na igreja.

A partir disso, observa-se a os tipos de estratégias de marketing que podem

estar inseridos nos elementos extras do culto e na retirada de outros, até mesmo no

discurso utilizado para passar a mensagem. Métodos como pesquisa de mercado,

segmentação de público, marketing multissensorial, promoção, o incentivo ao

voluntariado – como cultura participativa – e entre outros, devem ser analisados em

contexto de igreja.

Com isso, é notório a distância entre a igreja histórica protestante e a que

utiliza de tais métodos para promover o crescimento da igreja – não do cristianismo

– sendo definida como a igreja pós-moderna por aderir os pensamentos filosóficos

desta época, como o relativismo e a promoção do bem-estar ao suprir os desejos

do público. O culto passa a ser desenvolvido a partir de tais objetivos

antropocêntricos, sendo chamado de culto pop.

Assim, foi utilizado esse parâmetro para análise do objeto do Estudo de

Caso, a Comunidade Cristã Videira Capim Macio. Constatou-se, então, que a

mesma se utiliza de métodos de promoção – publicidade, brindes, forte adesão ao

voluntariado – e marketing multissensorial em seus cultos, com preparação do

ambiente, apelo emocional e discurso eufemístico para abrandar termos do

cristianismo que possam gerar repulsa do público, como a utilização da palavra

“generosidade” invés do momento de ofertas e dízimos, foco no amor e na

inspiração nas pregações invés da necessidade de arrependimento e graça como

pregavam os reformadores. Esses métodos geram uma experiência profunda com

a marca, pois seu público é atendido sendo considerado como um ser racional,

emocional e espiritual, seguindo o marketing 3.0.

Nas redes sociais observou-se apenas a publicização da igreja,

programações e incentivo ao voluntariado, mas não do evangelho. Também a

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realização de eventos com nomes polêmicos como “Entre 4 Paredes” e

“PROIBIDÃO”, os quais são divulgados utilizando “memes” com linguagem ambígua

e que os descaracteriza totalmente de eventos promovidos por uma igreja a fim de

serem atrativos, abrem mão dos princípios postos na reforma protestante. A

promoção de eventos também é utilizada como estratégia para o crescimento da

própria CCVideira, os quais seguem a mesma estratégia de discurso dos cultos.

Ao ser caracterizada pelo que se utiliza fora dos parâmetros do culto, como

o ambiente, som, eventos, voluntariado e promoção de amizades etc. a CCVideira

pode ser definida como uma igreja pós-moderna e que promove o culto pop. A qual

se utiliza de estratégias do marketing 3.0 para auxiliar no crescimento da mesma

invés de apegar-se aos pilares da fé cristã protestante. Há a busca por ser uma

igreja relevante e que se distingue pelo culto diferenciado, cultura de serviço,

aceitação, ações sociais, acolhimento, em detrimento de ser uma igreja firme em

sua doutrina teológica, o que foi o alvo do protestantismo, a trocando pelo

relativismo e eufemismo pós-moderno e os resultados imediatistas do marketing.

Portanto, conclui-se que a Comunidade Cristã Videira Capim Macio é um

exemplo prático para a presente pesquisa, não significando que todas as igrejas

pós-modernas serão organizadas da mesma forma devido ao relativismo, mas há

uma padronização filosófica e de discurso focados no público. São igrejas que

aderiram ao marketing para o seu crescimento homogêneo, com foco na

experiência marcante e autêntica com Deus e com a instituição, utilizando o culto

pop antropocêntrico.

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