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KENNETH N. WALTZ: UMA ANÁLISE DA PERSPECTIVA DE SUA TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ATRAVÉS DAS OBRAS “THEORY OF INTERNATIONAL POLITICS” E “MAN, THE STATE, AND WAR”. Paulo Victor Zaneratto Bittencourt 1 RESUMO: O objetivo principal do trabalho que aqui se apresenta é traçar uma perspectiva da teoria das relações internacionais desenvolvida por Kenneth Neal Waltz (1924-2013), cientista político norte-americano, que fez um trabalho muito importante visando à sistematização da teoria realista das relações internacionais, valendo-se dos conceitos já trabalhados pelo realismo clássico de Hans Morgenthau e Edward H. Carr, para buscar uma maneira de se explicar os eventos permanentes do sistema internacional. Para tal, este trabalho se valerá das obras Man, the state, and war (1954) e Theory of Internacional Politics (1979) visando a analisar como interagem e, através de tal análise, obter um panorama da teoria de relações internacionais neorrealistas (ou realistas estruturais), cujo grande expoente é o autor supracitado. PALAVRAS-CHAVE: Política internacional, Neorrealismo; Realismo Estrutural. INTRODUÇÃO As causas da guerra têm sido, desde há muito tempo, discutidas por diversos autores. No início do século XX, a instituição das Relações Internacionais como uma disciplina acadêmica juntou ainda mais indagações e considerações acerca do assunto, inclusive sobre como – se é que – elas poderiam ser evitadas. Kenneth Neal Waltz (1924-2013), cientista político norte-americano, também faz parte deste debate. O autor tem duas obras de grande importância no estudo acadêmico das Relações Internacionais: Man, the state, and war, de 1954, se propõe a perguntar o porquê de as guerras ocorrerem e quais são as respostas dadas a tal evento. Em 1979, o autor 1 Graduando em Relações Internacionais pela Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (FFC – UNESP/Marília). Membro do grupo de Estudos e Pesquisa em Organizações Internacionais (GEO) e do Grupo de estudos de Paz, Cultura de Paz e Tolerância (PACTO). Contato: [email protected].

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KENNETH N. WALTZ: UMA ANÁLISE DA PERSPECTIVA DE

SUA TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ATRAVÉS

DAS OBRAS “THEORY OF INTERNATIONAL POLITICS” E

“MAN, THE STATE, AND WAR”.

Paulo Victor Zaneratto Bittencourt1

RESUMO: O objetivo principal do trabalho que aqui se apresenta é traçar uma perspectiva da teoria das relações internacionais desenvolvida por Kenneth Neal Waltz (1924-2013), cientista político norte-americano, que fez um trabalho muito importante visando à sistematização da teoria realista das relações internacionais, valendo-se dos conceitos já trabalhados pelo realismo clássico de Hans Morgenthau e Edward H. Carr, para buscar uma maneira de se explicar os eventos permanentes do sistema internacional. Para tal, este trabalho se valerá das obras Man, the state, and war (1954) e Theory of Internacional Politics (1979) visando a analisar como interagem e, através de tal análise, obter um panorama da teoria de relações internacionais neorrealistas (ou realistas estruturais), cujo grande expoente é o autor supracitado.

PALAVRAS-CHAVE: Política internacional, Neorrealismo; Realismo Estrutural.

INTRODUÇÃO

As causas da guerra têm sido, desde há muito tempo, discutidas por diversos

autores. No início do século XX, a instituição das Relações Internacionais como uma

disciplina acadêmica juntou ainda mais indagações e considerações acerca do

assunto, inclusive sobre como – se é que – elas poderiam ser evitadas. Kenneth Neal

Waltz (1924-2013), cientista político norte-americano, também faz parte deste debate.

O autor tem duas obras de grande importância no estudo acadêmico das Relações

Internacionais: Man, the state, and war, de 1954, se propõe a perguntar o porquê de

as guerras ocorrerem e quais são as respostas dadas a tal evento. Em 1979, o autor

1 Graduando em Relações Internacionais pela Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (FFC – UNESP/Marília). Membro do grupo de Estudos e Pesquisa em Organizações Internacionais (GEO) e do Grupo de estudos de Paz, Cultura de Paz e Tolerância (PACTO). Contato: [email protected].

lança uma outra obra: Theory of international politics, na qual tenta criar uma teoria da

política internacional que leve em consideração a permanência da guerra como evento

constante nas relações políticas entre os Estados.

Este trabalho tem como objetivo apresentar por quais caminhos anda o

pensamento e a teoria de Kenneth Waltz, fazendo amplo uso das duas obras

supracitadas para tal. Assim, tem-se em mente observar a importância de tal autor

para a escola a que pertence, a Neorrealista (ou Realista Estrutural), bem como sua

importância como marco na produção acadêmica de relações internacionais.

Dessa maneira, num primeiro momento discutir-se-ão as três imagens de

análise das causas da guerra, preceitos básicos da obra de Waltz. Depois, passar-se-

á para a discussão entre teorias sistêmicas e reducionistas. Adiante, tentar-se-á expor

qual é a teoria elaborada por Waltz e a balança de poder como consequência dos

termos colocados na teoria. Por fim, far-se-ão as considerações finais do trabalho.

PONTO DE PARTIDA: A PRIMEIRA IMAGEM DE ANÁLISE DAS CAUSAS DA

GUERRA

Para Waltz, o evento contínuo que mais marca as relações entre os Estados é

o conflito. Nos conflitos, não há vencedores, mas partes mais ou menos prejudicadas,

situação que o autor compara, de forma muito didática, deve-se apontar, à ocorrência

de um terremoto2. A partir de então, o autor se questiona: onde se encontram,

portanto, as causas dos conflitos? Nessa primeira busca pela sistematização das

teorias da política internacional e pela busca de uma teoria que explicitasse os já ditos

eventos contínuos das relações que envolvem a política entre Estados, Waltz observa

que tais teorias se pautam em três níveis de análise, ou melhor, três imagens, termo

este que o próprio autor prefere3. Dessa forma, são três as imagens que agrupam as

diferentes teorias das causas do conflito internacional, a saber: o homem, a

organização do Estado, e o sistema internacional de Estados – de onde decorre o

nome de sua obra Man, the state, and war. Faz-se necessário que se analise, mesmo 2 “Asking who won a given war, someone has said, is like asking who won the San Francisco earthquake” (WALTZ, 2001, p. 1). 3 Waltz é enfático em tal nomenclatura. Para o autor, o termo imagem de análise, preferencialmente ao nível de análise, “suggests that one forms a picture in the mind; it suggests that one views the world in a certain way” (WALTZ, 2001, p. ix). A partir do momento em que se constata que não se é possível “olhar” diretamente para a política internacional, o termo imagem refere-se àquilo que é enxergado a partindo-se de diferentes “lentes”.

que rapidamente, tais imagens para que se compreenda por onde caminha o

pensamento de Waltz a fim de se compreender sua tentativa de elaboração de uma

teoria da política internacional.

Como dito acima, portanto, a primeira imagem de análise do conflito é o

homem. Em tal imagem, inclui-se, portanto, o comportamento e a natureza

humana, como locus das mais importantes causas da guerra (WALTZ, 2001, p. 16).

Os conflitos se levantam do egoísmo, dos impulsos agressivos, do orgulho e da

estupidez humanos. Waltz adverte que, dentro desta imagem, “there are optmists and

pessimists agreeing on definitions of causes and differing from what, if anything, can

be done about them” (WALTZ, 2001, p. 19). Como o autor também realça, ambos os

“agrupamentos” conseguidos dentro dos analistas da primeira imagem, concordam

com a origem do conflito, contudo não concordam quanto àquilo que descrevem de tal

imagem4. São exemplos de teóricos que tiram suas conclusões a partir de uma dada

natureza humana Niebuhr, Santo Agostinho, Spinoza e Hans Morgenthau. Cada

homem, portanto, em seu egoísmo, orgulho e impulsos tentam se fazer seguros de

suas condições, a fim de buscarem seus próprios interesses5. É essa ideia que se

encontra, exemplificando, na concepção de “pecado original”, de Santo Agostinho6.

Quanto a Spinoza, outro autor com quem Waltz dialoga, é possível observar uma

dicotomia entre razão e paixão que muito se assemelha à ideia dicotômica entre ideal

e real, respectivamente. Sobre Spinoza, Waltz diz que ele “constructs a modelo of

rational behavior: those acts are rational that lead spontaneously to harmony in

cooperative endeavors to perpetuate life. This is not what we find in the world”

(WALTZ, 2001, p. 23, grifos nossos). A situação que se pode encontrar no mundo, isto

é, a situação real que se vê é que

4 Originalmente: “Optimists and pessimists agree on where to look, but, having looked, describe differently what they see and thus arrive at contradictory conclusions” (WALTZ, 2001, p. 42). 5 Na íntegra, diz Waltz sobre essa dada natureza: “Each man does seek his own interest, but, unfortunatelly, not according to the dictates of reason” (WALTZ, 2001, p. 23). 6 Passagem significativa acerca do desejo de “auto”-segurança e egoísmo é encontrada na obra Confissões, de Santo Agostinho: “Alguém matou um homem. E por quê? Ou porque lhe amava a esposa ou o campo, ou porque queria roubar para viver, ou porque temia que lhe tirasse alguma coisa, ou finalmente porque, injuriado, ardia no desejo de vingança. Quem acreditará que cometeu o homicídio só por deleite, se até Catilina, aquele homem louco e crudelíssimo, de quem se disse ser perverso e cruel sem razão, tinha um motivo: ‘o receio’, diz o historiador, ‘de que o ócio lhe entorpecesse as mãos e o espírito’? Por que fim procedia ele assim? Evidentemente, para que, exercitado no crime, alcançasse, depois de tomada a cidade de Roma, as honras, o poder e as riquezas, libertando-se do medo das leis e da dificuldade em que o lançara a pobreza da herança e a consciência do crime. Logo, nem o mesmo Catilina amou seus crimes, mas aquilo por cujo fim o cometia” (AGOSTINHO, 1980, p. 33-34, grifos nossos).

os homens são mais conduzidos pelo desejo cego que pela Razão, e,

por conseguinte, a capacidade natural dos homens, isto é, o seu

direito natural, deve ser definido não pela Razão mas por toda a

vontade que os determina a agir e através da qual se esforçam por se

conservar. Confesso, na verdade, que estes desejos que não têm a

sua origem na Razão não são tanto ações como paixões humanas.

Mas, como se trata aqui do poder universal da Natureza, que é a

mesma coisa que o direito natural, não podemos reconhecer neste

momento nenhuma diferença entre os desejos que a Razão engendra

em nós e os que têm outra origem: uns e outros, efetivamente, são

efeitos da Natureza e manifestam a força natural pela qual o homem

se esforça por preservar no seu ser (SPINOZA, 1980, p. 309-310,

grifos nossos)

Ambos os autores citados acima podem ser classificados como “pessimistas”,

do ponto de vista de Waltz, uma vez que nada pode ser feito acerca do

comportamento do homem, e, dessa forma, o conflito, que sempre fora uma constante,

continuará a sê-lo. Entretanto, há diferentes interpretações acerca de tal fato, o que

Waltz descreverá como falácia racionalista7, segundo a qual o conhecimento de

diferentes culturas e organizações sociais pode auxiliar que novas atitudes e novos

comportamentos sejam adotados. É o caso de Margaret Mead, para quem a guerra é

nada mais que uma “instituição social” e, como tal, para que desapareça, deve ser

substituída por outra. O que sustenta a argumentação de Mead é que a guerra é

desconhecida em determinadas sociedades. Contudo, Waltz conclui que “there is a

marked tendency among behavioral scientists to require some kind of willingness on

the part of the nations to cooperate before their solutions can take effect” (WALTZ,

2001, p. 65). Tal argumento expõe o ponto de vista de Waltz, que será melhor

esclarecido mais adiante, de forma que o foco apenas em imagem de análise (ainda

mais aquilo que, talvez, pudesse ser chamado de “imagem complementar”) gera

distorções nas interpretações da realidade.

Em síntese, o que conduz à guerra para os autores que se valem da primeira

imagem de análise é o comportamento humano, moldado por sua natureza, que, nos

casos apontados, é má. Se alguma coisa pudesse ser feita em prol da melhora de tal

natureza, esse esforço seria orientado pela paz, que somente viria pela mudança da

tal comportamento. Waltz, contudo, afirma que a maneira como tais autores

desenvolvem seu raciocínio é através de “one or a small number of behavior traits” dos

7 “Rationalist fallacy”, no original.

indivíduos, sobre o quais sobrecai as causas da guerra (WALTZ, 2001, p. 39). Sobre o

próprio Spinoza, o cientista político norte-americano encontra em sua filosofia o claro

apontamento de que os homens “under different conditions behave differently”

(WALTZ, 2001, p. 32). Na visão de Waltz, por fim, o que esse predomínio da primeira

imagem fez, portanto, não foi focar-se na natureza humana, mas afastar dela

quaisquer considerações que pudessem contestar as ideias já colocadas. Nas

palavras de WALTZ (2001, p. 41):

The assumption of a fixed human nature, in terms of which all else

must be understood, itself helps to shift attention away from human

nature – because human nature, by the terms of the assumption,

cannot be changed, whereas social-political institutions can be.

PONTO DE PARTIDA: A SEGUNDA IMAGEM DE ANÁLISE DAS CAUSAS

DA GUERRA

Embora a primeira imagem não desconsidere a influência da organização do

Estado, ela o coloca como menos importante que a natureza humana, ou, antes, um

reflexo desta. Já a segunda imagem, por sua vez, está relacionada à estrutura do

Estado. Liberais e marxistas, como um todo (talvez com algumas exceções), podem

ser encarados como os grandes analistas desta imagem. Os liberais, justifica Waltz,

acreditam que os governos são necessários para manter os cidadãos longe do caos

gerado pela busca dos próprios interesses8. Dessa forma, um Estado deve ser

limitado, a fim de que apenas mantenha a paz a seus cidadãos, o que seria o dever de

um bom Estado. O Estado apenas promoveria guerra para aumentar impostos,

expandir a burocracia ou aumentar seu controle sobre os cidadãos, o que é prejudicial

à manutenção das liberdades individuais e políticas, tão caras aos liberais. Assim

sendo, a guerra não compensa: “War is destruction and enrichment from war must

therefore be seen as an illusion. The victor does not gain by war; he may pride himself

only on losing less than the vanquished” (WALTZ, 2001, p. 99, grifos nossos). O credo

liberal é o de que as democracias não fariam guerras. Ainda haveria conflitos de

interesses, sim, mas não seriam resolvidos através de embates violentos, o que

caracteriza guerras: algo que lembra muito o que os marxistas acreditam, segundo

WALTZ, para quem (2001, p. 125) “Marx and the marxists represent the fullest

development of the second image”. De acordo com o cientista político estadunidense,

“Marx, for example, believed that states would disappear shortly after they became

8 Ou, como inferido pelo pensamento de Locke, o Estado seria um mal necessário (BOBBIO, 1997).

socialist. The problem of war, if war is defined as violent conflict among states, would

then no longer exist” (WALTZ, 2001, p. 84). Deste trecho, estabelece-se que o modo

como se estrutura um Estado através de seu sistema ideológico e de produção está

diretamente envolvido com as causas da guerra entre Estados9. O pensamento de

Marx, portanto, não se encaixaria àquilo que Waltz chamará de âmbito “sistêmico” de

análise, mas ao âmbito doméstico de cada Estado. Como muito bem apontado por

FERNANDES (1998, p. 222), ao sintetizar o pensamento de Fred Halliday, “o

pensamento marxiano não se encaixa bem em nenhuma das grandes polêmicas que

varreram” a disciplina das relações internacionais ao longo do século XX, sendo,

portanto, tal pensamento vinculado à estrutura do Estado, o que parece constituir uma

convergência entre muitos estudiosos das Relações Internacionais. O pensamento

marxiano seria, no pensamento de Halliday, portanto:

Simultaneamente “utópico” (ao formular um projeto alternativo de

emancipação social) e “realista” (ao enfatizar os interesses materiais

que comandam a ação humana e o papel da violência na história);

“científico” (ao pretender descobrir leis do desenvolvimento social) e

“normativo” (ao destacar explicitamente a vocação transformadora de

sua filosofia); “mundial-sistêmico” (ao realçar a integração do globo

em um único mercado mundial) e “estadocêntrico” (ao reconhecer,

teórica e politicamente, a centralidade do poder de Estado para o

exercício da dominação no plano doméstico e internacional)

(FERNANDES, 1998, p. 222).

Já entre os liberais, talvez o mais conhecido dos trabalhos realizados que

possa ser incluído nesta categoria de análise tenha sido o A paz perpétua (1795/96),

de Immanuel Kant. Em tal obra, o autor se propõe a estabelecer como deveriam se

constituir politicamente os Estados, de tal maneira que fosse garantido aquilo que dá

nome ao opúsculo: a paz perpétua. Dessa forma, propõem-se artigos preliminares e

definitivos para que se atinja tal fim. Entre os artigos preliminares, encontram-se tanto

9 “A análise científica do regime capitalista de produção demonstra (...) que este regime constitui um regime de produção de tipo especial, e que corresponde a uma condicionalidade histórica específica; que, como qualquer outro regime de produção concreto, pressupõe, como condição histórica, uma determinada fase das forças sociais produtivas e de suas formas de desenvolvimento, condição que é, por sua vez, resultado e produto histórico de um processo anterior, e do qual parte o novo tipo de produção como de sua base dada; que as relações de produção que correspondem a este regime de produção específico, historicamente determinado – relações que os homens contraem em seu processo social de vida, na criação de sua vida social –, apresentam um caráter específico, histórico e transitório; e, finalmente, que as relações de distribuição são essencialmente idênticas a estas relações de produção, o seu reverso, pois ambas apresentam o mesmo caráter histórico transitório” (MARX, 1982, p. 75).

a questão da transparência entre os próprios Estados, quanto a ideia de não-

intervencionismo, que caracteriza o pensamento Kantiano acerca das relações

internacionais. Já entre os artigos definitivos, encontra-se aquele que está diretamente

relacionado à estrutura doméstica dos Estados, a saber: “a constituição civil em cada

Estado deve ser republicana” (KANT, 1995, p. 127). Tal artigo é a definição mais clara

de como enxergar as causas dos conflitos através da segunda imagem de análise.

Nos termos do próprio artigo:

A constituição republicana, além da pureza de sua origem, isto é, de

ter promanado da pura fonte do conceito de direito, tem ainda em

vista o resultado desejado, a saber, a paz perpétua; daquela esta é o

fundamento. Se (como não pode ser de outro modo nesta

constituição) se exige o consentimento dos cidadãos para decidir “se

deve ou não haver guerra, então, nada mais natural do que deliberar

muito em começarem um jogo tão maligno, pois têm de decidir para si

próprios todos os sofrimentos da guerra (...). Pelo contrário, numa

constituição o súbdito não é o cidadão, que, por conseguinte, não é

uma constituição republicana, a guerra é a coisa mais simples do

mundo, porque o chefe do Estado não é um membro do Estado, mas

o seu proprietário, e a guerra não lhe faz perder o mínimo dos seus

banquetes, caçadas, palácios de recreio, festas cortesãs, etc. (...)

(KANT, 1995, p.128-129).

Como já explicitado acima, a primeira imagem não ignora a segunda, apenas

dá mais importância à natureza humana. Sendo o governo constituído por homens, a

natureza destes tende a predominar em suas decisões e ações. Já a segunda imagem

de análise, por sua vez, propõe que a existência de instituições e de uma determinada

organização constitucional dos Estados (portanto essencialmente doméstica)

conseguem cercear, de certa maneira, a má natureza humana, e levar a determinados

momentos em que a paz seja possível e, portanto, a manutenção de cidadãos e

Estados livres leva ao fim da guerra e à paz perpétua. Dessa forma, a política externa

dos Estados, que nada mais é do que uma parte do projeto de desenvolvimento

interno, é reflexo da organização estatal10. Em Theory of international politics, Waltz

concluirá que “it is not possible to understand world politics simply by looking inside of

the states” (WALTZ, 1979, 65), ou seja, apenas se baseando na segunda imagem não

se pode inferir muitas coisas sobre o sistema internacional.

10 “A theory about foreign policy is a theory at the national level” (WALTZ, 1979, p. 69).

PONTO DE PARTIDA: A TERCEIRA IMAGEM DE ANÁLISE DAS CAUSAS DA

GUERRA

A terceira imagem de análise, por sua vez, embora leve em consideração as

duas imagens já discutidas anteriormente, encontra outro motivo para as causas da

guerra11. Tal motivo não é apenas o comportamento humano, nem a organização do

Estado, uma vez que estas teorias podem – e muitas vezes foram – ser contra-

argumentadas. Dessa forma, levando em consideração as duas outras imagens, o que

é decisivo quanto à existência ou não de conflito, está colocado num âmbito acima dos

Estados nacionais: o sistema internacional12.

No sistema de Estados não há um poder que submeta todos a uma ordem.

Embora haja um determinado ordenamento entre os Estados, aquele somente se dá

através das circunstâncias postas no sistema em determinado momento histórico e da

própria vontade dos Estados, o que é um preceito da soberania estatal13. A ausência

de um poder sobre os Estados é o que caracteriza o estado de anarquia internacional.

Aqui, recorre-se à explicação do estado de natureza e do contrato social, hipótese

filosófica que justifica e tenta explicar a existência de Estados e leis a que os cidadãos

se submetam14. A situação em que se encontram os Estados no sistema internacional

é comparável àquela que se encontrariam os homens no período anterior à formulação

11 “In one way or another, theories of international politics, whether reductionist or systemic, deal with events at all levels, from the subnational to the supranational” (WALTZ, 1979, p. 60). 12 “In a manner of speaking, all three images are part of nature. So fundamental are man, the state, and the state system in any attempt to understand international relations that seldom does an analyst, however wedded to one image, entirely overlook the other two. Still, emphasis on one image may distort one’s interpretation of the others” (WALTZ, 2001, p. 160). Quando se diz “o que é decisivo”, não é o mesmo que dizer que se dá ênfase a determinada imagem. O que se quer dizer é, como se verá mais adiante, que a ausência de um poder a que os Estados se submetam faz com que eles sejam, no âmbito internacional, juízes em causa própria. 13 Para Hobbes, considerado por alguns autores como aquele que elaborou o conceito de soberania do Estado, uma das prerrogativas para que o Estado seja, de fato, soberano, é o direito à declaração de guerra e paz contra outros Estados. 14 De maneira resumida, o estado de natureza seria aquele anterior à gênese do Estado moderno. No estado de natureza, não haveria propriedade nem segurança, de forma que os homens são livres, mas, ao mesmo tempo, inseguros, o que gera uma constância da tensão a que todos estão submetidos. É o estado de “guerra de todos contra todos”. Dessa maneira, sendo esta situação insustentável, promove-se o contrato social, em que os homens cedem parte de sua liberdade às leis que passarão a julgar seus atos e, em troca, os agora cidadãos teriam mais segurança, tanto para suas próprias vidas, quanto para suas propriedades. São filósofos contratualistas Spinoza, Hobbes, Locke, Rousseau e Kant. Rousseau é o autor com quem Waltz dialoga na elaboração dos pressupostos teóricos da terceira imagem.

do Contrato Social15. Não havendo, como já dito, portanto, uma autoridade sobre os

Estados, a guerra se torna inevitável. Estados disputam entre si devido a fins

políticos16, uma vez que “in anarchy there is no automatic harmony” (WALTZ, 2001, p.

182).

O principal autor com quem Waltz trabalha na formulação desta imagem é

Rousseau. Rousseau não rechaça a ideia de imperfeição do homem, lembrando que,

se tal não existisse, a perfeição seria facilmente percebida por suas ações e

instituições. Como coloca WALTZ (2001, p. 170):

In short, the proposition that irrationality is the cause of all the world’s

troubles, in the sense that a world of perfectly rational men would

know no disagreements and no conflicts, is, as Rousseau implies, as

true as it is irrelevant. Since the world cannot be defined in terms of

perfection, the very real problem of how to achieve an approximation

to harmony in cooperative and competitive activity is always with us

and, lacking the possibility of perfection, it is a problem that cannot be

solved by simply changing men.

Em suma, o que se vê através da terceira imagem é que as guerras ocorrem

porque nada há que as previna de ocorrer (WALTZ, 2001, p. 188), isto é, não há

nenhuma força que subjugue os Estados de forma a os impedir de usar a força, cujo

monopólio legítimo lhe pertence, como prefere Weber. A explicação de Rousseau,

prossegue WALTZ (2001, p. 235), “does not hinge on accidental causes – irrationalities

in men, defects in states – but upon his theory of the framework within which any

accident can bring about war”. De fato, havendo a prerrogativa de que as guerras

podem acontecer, qualquer motivo, no sistema internacional, pode despertá-la.

Contudo, é importante frisar, Waltz não descarta a ideia de que algumas formas de

Estado são mais ou menos propensas à guerra17, e essa seria a causa eficiente18 da

15 “The social contract theorist, be he Spinoza, Hobbes, Locke, Rousseau, or Kant, compares the behavior of states in the world with that of men in the state of nature. By defining the state of nature as condition in which acting units, whether men or states, coexist without an authority above them, the phrase can be applied to states in the modern world just as to men living outside a civil state” (WALTZ, 2001, p. 172-173). 16 “Individuals participate in war because they are members of states. (…) One state makes war on another state” (WALTZ, 2001, p. 179). Talvez aqui se possa perceber melhor a distorção que a ênfase dada à primeira imagem possa causar: os homens não vão à guerra porque se odeiam e desejam saciar sua sede por sangue ou sua ganância. Eles vão à guerra como membros de um Estado e lutam contra membros de outro(s) Estado(s). 17 “But some states, and perhaps some forms of the state, are more peacefully inclined than others” (WALTZ, 2001, p. 231). 18 “Efficient cause”, no original.

guerra, caso ela viesse a acontecer. O sistema internacional seria, nestes termos, a

causa permissiva19 do conflito.

TEORIAS REDUCIONISTAS E TEORIAS SISTÊMICAS

Feitas as devidas considerações sobre as três imagens de análise do sistema

internacional, e estabelecidos os caminhos por onde andam os pensamentos de

Waltz, passa-se à consideração daquilo que seria uma teoria da política internacional

pelo autor. Waltz se propõe em Theory of international politics (1979) a examinar os

fatos constantes do sistema internacional (o conflito como muito já dito) e, a partir

disso, criar uma teoria da política internacional que valha para todo momento histórico,

uma vez que ela não irá apresentar detalhes e previsões, mas estabelecerá como se

compõe o sistema internacional20. Entre leis e teorias há algumas diferenças,

estabelece o autor: teorias costumam ser quantitativamente mais complexas que as

leis; leis perduram, enquanto teorias se fazem e são rebatidas; além disso teorias

tentam explicar as leis. Valendo-se do exemplo da ciência econômica (principalmente

em Adam Smith, com o qual argumenta a necessidade de uma teoria que perdure),

Waltz tenta explicar sua tentativa de estabelecer uma teoria da política internacional:

Adam Smith published The wealth of nations in 1776. He did not claim

to explain economic behavior and outcomes only then onward. He did

not develop a theory that applies only to the economic activities of

those who read, understand, and follow his book. His economic theory

applies wherever indicated conditions prevail, and it applies aside

from the state of producers’ and consumers’ knowledge. This is so

because the theory Smith fashioned deals with structural constraints

(WALTZ, 1979, p. 76).

Para que se compreenda a tentativa de Waltz, há que se compreender o que o

autor quer dizer quando classifica teorias em reducionistas e sistêmicas21.

Teorias reducionistas são aquelas que se baseiam no estudo das partes

buscando a entender a totalidade. Normalmente, valem-se da ajuda de outras

disciplinas na busca por suas explicações, e somente podem ser reconhecidas ou não

19 “Permissive cause”, no original. 20 “A theory of international politics will, for example, explain why war recurs, and it will indicate some of the conditions that make war more or less likely; but it will not predict the outbreak of particular wars” (WALTZ, 1979, p. 69). 21 Reductionist theories e Systemic theories, no original.

como suficientes quando se chega aos resultados (WALTZ, 1979, p. 18-19). Em outras

palavras, teorias que se baseiam na primeira e na segunda imagem são teorias

reducionistas, pois, a partir tanto do comportamento humano quanto do

comportamento interno (formas de governo) dos Estados que compõem o sistema

internacional, ou seja, a partir das partes, é que se obtém o funcionamento do sistema

internacional, do todo:

The same causes sometimes lead to different effects, and the same

effects sometimes follow from different causes. We are led to suspect

that reductionist explanations of international politics are insufficient

and that analytic approaches must give way to systemic ones.

The failure of some reductionist approaches does not, however, prove

that other reductionist approaches would not succeed. (WALTZ, 1979,

p. 37).

Os resultados e explicações que se encontram a partir destas teorias são

originados no nível nacional ou subnacional e “the international system, if conceived at

all, is taken to be merely an outcome” (WALTZ, 1979, p. 60).

Já as teorias sistêmicas, por sua vez, são aquelas que se baseiam na terceira

imagem de análise do sistema internacional: o sistema de Estados. Um sistema, no

pensamento de Waltz, caracteriza-se por dois níveis: um que consistiria na estrutura e

outro que consistiria na interação entre as unidades do sistema22. Assim sendo, se se

deseja elaborar uma teoria sistêmica da política internacional,

one has to move from the usual vague identification of systemic forces

and effects to their more precise specification, to say what units the

system comprises to indicate the comparative weights of systemic and

subsystemic causes, and to show how forces and effects change from

one system to another (WALTZ, 1979, p. 40-41)

No nível sistêmico, o que se encontram são resultados, enquanto as suas

causas são encontradas no nível subsistêmico (WALTZ, 1979, p. 43). A estrutura do

sistema é algo de muita importância numa teoria sistêmica, pois parte das explicações

são seu resultado. Sobre as estruturas, diz Waltz que: são “a compensating device

22 “A system is then defined as a set of interacting units. At one level, a system consists of a structure and the structure is the system-level component that makes it possible to think of units as forming a set as distinct from a mere collection. At another level, the system consists of interacting units” (WALTZ, 1979, p. 40)

that works to produce a uniformity of outcomes despite the variety of inputs” (WALTZ,

1979, p. 73); e também que elas “do not work their effects directly. Structures do not

act as agents and agencies do” (WALTZ, 1979, p. 74).

Sobre estruturas políticas talvez seja melhor prestar esclarecimentos na

próxima seção.

ESTRUTURA POLÍTICA E A TEORIA DA POLÍTICA INTERNACIONAL

No pensamento de Waltz, estrutura corresponde a uma noção de altíssimo

nível de abstração. Para que se as defina, é necessário que se observe como as

unidades políticas que a compõem se organizam nela, e não como elas interagem. A

organização das unidades é uma característica da estrutura. Nas palavras de WALTZ

(1979, p. 80-81), “a structure is defined by the arrangement of its parts (...). Structure is

not a collection of political institutions but rather the arrangement of them”. Para

chegarmos a sua definição mais exata, há que se levar em conta três pontos

essenciais: os princípios ordenadores da estrutura, o caráter da unidade (suas funções

e características), e a distribuição de capacidades entre as unidades políticas.

Por princípios ordenadores da estrutura, entende-se a espontaneidade com

que ela é formada, uma vez que o é por coação das unidades que a compõem. A

estrutura surge em meio à anarquia, e é não-intencional.

To say that “the structure selects” means simply that those who

conform to accepted and successful practices more often rise to the

top and are likelier to stay there. The game one has to win is defined

by the structure that determined the kind of player who is likely to

prosper (WALTZ, 1979, p. 92).

Dessa forma, as unidades políticas podem mudar seu comportamento de

acordo com aquilo que percebem e de acordo com suas estratégias levando em conta

a estrutura presente. Num sistema do tipo “self-help”, como é o do pensamento de

Waltz, tanto o sucesso como o fracasso das unidades políticas depende unicamente

de seus próprios esforços, pois cada Estado tende a buscar sua própria sobrevivência.

As funções das unidades políticas diferem entre si. Para Waltz é claro que os

Estados não são os únicos atores do sistema internacional23, contudo, a partir do

momento em que se escolhe uma determinada realidade para se observar, é

necessário que se escolham as unidades em cujos termos se comporá sua análise. No

caso de Waltz, que examina a política internacional, as unidades que compõem sua

análise são aquilo que chamamos de Estados. Chamá-los de unidades no âmbito da

obra de Waltz é equivalente a dizer que eles sejam soberanos, tendo em vista que a

soberania, aqui, é desvencilhada da ideia de se fazer aquilo que se deseja, ou de não

ser dependente ou influenciável: antes, para Waltz, a soberania está atrelada à ideia

de autonomia de escolha sobre como uma unidade lidará com seus aspectos internos

e externos. “So long as the major states are the major actors, the structure of

international politics is defined in terms of them” (p. 94).

Por fim, o terceiro ponto com que se define uma estrutura está relacionado à

distribuição de capacidades entre as unidades políticas que compõem e moldam,

espontaneamente, a estrutura. As capacidades das unidades está relacionada à sua

habilidade de realizar as mesmas tarefas24. Embora as funções das diferentes

unidades políticas seja igual, suas capacidades variam de maneira demasiada. Uma

mudança na distribuição das capacidades das unidades significaria uma mudança na

estrutura do sistema, o que levaria as unidades a se comportarem de maneira diversa

daquela com que até outrora se comportaram. Se a estrutura deve ser dada em

termos dos maiores Estados, que são os maiores atores do sistema político

internacional, então é possível que se defina a estrutura através da contagem destes

Estados.

an international-political system in which three or more great powers

have split into two alliances remains a multipolar system – structurally

different from a bipolar system, a system in which no third power is

able to change the top two (WALTZ, 1979, p. 98).

23 Geralmente esta é uma crítica aos autores da escola realista de forma geral. Contudo, Waltz bem expressa o seu ponto de vista, a partir do qual elabora sua teoria. Dizer que todo e qualquer autor realista vê apenas o Estado como ator do sistema internacional não corresponde à totalidade das ideias apresentadas por tais autores. 24 “The economic, military, and other capabilities of nations cannot be sectored and separately weighed. States are not placed in the top rank because they excel in one way or another. Their rank depends on how they score on all of the following items: size of population and territory, resource endowment, economic capability, military strength, political stability and competence. States spend a lot of time estimating one another’s capabilities, especially in their capabilities to do harm. States have different combinations of capabilities which are difficult to measure and compare, the more so since the weight to be assigned to different items change with time” (WALTZ, 1979, p. 131)

É neste ponto que se encontra a grande contribuição do trabalho de Waltz e a

convergência de suas ideias, tecidas desde a esquematização da análise das causas

do conflito através das três imagens. O conceito de estrutura em Waltz, da maneira

como é desenvolvido, faz com que seu nome seja o grande expoente da escola

Neorrealista das Relações Internacionais, que está no meio do segundo grande

debate da disciplina: um debate marcadamente metodológico, que opunha cientistas

behavioristas e cientistas tradicionalistas. Devido a sua demonstração do conceito de

estrutura e da importância de sua obra, pode-se também chamar o Neorrealismo de

Realismo Estrutural, devido, justamente, à ideia desenvolvida e sistematizada por

Waltz no esforço de elaborar uma teoria que valesse para todo e qualquer momento,

que tivesse tanto conceitos abstratos quanto elegância, o que, para o autor, é a

propriedade de se chegar a conclusões gerais acerca de um determinado assunto,

mas que serão sempre as mesmas.

Devido à característica anárquica do sistema internacional, as relações entre

as unidades políticas se dão à sombra da guerra. Isso porque os Estados podem, a

qualquer momento, se valer da força, porque, como já visto na terceira imagem, acima

explicada, a guerra acontece porque o sistema a permite, isto é, não há um poder que

a evite, a não ser o desejo das próprias unidades políticas (de não fazer a guerra).

Contudo, uma ação planejada por um estado pode ter um resultado que não fora o

calculado, simplesmente porque a estrutura condiciona as consequências das ações

das unidades, de forma que estas não podem ser previstas: por isso, muitas vezes,

causas diferentes têm resultados iguais, e resultados iguais têm causas

completamente diversas. “The very problem (...) is that rational behavior, given

structural constraints, does not lead to the wanted results. With each state constrained

to take care of itself, no one can take care of the system” (WALTZ, 1979, p. 109).

Por fim, cabe ressaltar o papel do poder na teoria de Waltz. Para o autor, o

poder é um meio, não um fim. Um meio de se conseguir a garantia de sua própria

existência, num sistema “self-help”, em que sua sobrevivência depende apenas de

seus próprios esforços. Dessa maneira, o poder serve como meio de manutenção da

capacidade do Estado, e como capacidade ele-mesmo, de forma que o status da

estrutura do sistema seja mantida, visando à sua permanência e à permanência dos

maiores Estados em suas posições, de modo que a estrutura continue a ser definida

em seus termos. Além disso, difere, no pensamento de Waltz, a ideia de ter poder e de

usar a força25. Há também que se pontuar que, para o autor, poder e controle também

são diferentes26.

É neste cenário de tentativa de manutenção do poder que surge algo que Waltz

chama de “microteoria”: a balança de poder.

BALANÇAS DE PODER

No âmbito do pensamento de Waltz, cujos principais pontos já se explicitaram

acima, surge aquilo que ele chama de “microteoria”. Este termo, que o autor busca na

teoria econômica, tem a ver com uma teoria baseada a partir do comportamento das

unidades, que gera certa justaposição na estrutura do sistema. É disso que se trata,

para Waltz, a balança de poder.

Para ele, a balança de poder nada mais é do que a conjunção de dois fatores:

a ordem anárquica do sistema internacional, bem como a situação em que se

encontram as unidades políticas num sistema “self-help”: somente seus esforços

podem manter sua sobrevivência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A importância da obra de Waltz se dá pela tentativa do autor – e, em alguns

termos, sucesso – de estabelecer uma teoria sobre os fatos permanentes da política

internacional que fosse válida para qualquer momento. Desprezando fatores como

cultura, tradição e personalidade política dos Estados27, Waltz molda-os e os

transforma em unidades políticas de diferentes capacidades – que são aquelas forças

que o Estado tem e que podem ser usadas (e o são) para o molde da estrutura e

tentativa de sua manutenção na posição em que se encontra, ou de, ao menos,

sobreviver.

25 “(...) the usefulness of force should not be confused with its usability” (WALTZ, 1979, p. 185). 26 “If power is identical with control, then those who are free are strong; and their freedom has to be taken as an indication of the weakness of those who have great material strength. But the weak and disorganized are often less amenable to control than those who are wealthy and well disciplined” (WALTZ, 1979, p. 188). 27 “Concern for tradition and culture, analysis of the character and personality of political actors, consideration of the conflictive and accommodative processes of politics, description of the making and execution of policy – all such matters are left aside. Their omission does not imply their unimportance. They are omitted because we want to figure out the expected effects of structure on process and of process on structure. That can be done only if structure and process are distinctly defined” (WALTZ, 1979, p. 82).

Através dessas interações e do surgimento, a partir delas, de uma estrutura,

que é sistematizada pelo autor, pode-se chegar ao cerne da teoria neorrealista, que,

também, devido a este fato, é chamada de Teoria do Realismo Estrutural.

Embora haja muitos aspectos que são deixados de lado pelo autor, e questões

que sua teoria não é capaz de explicar nas relações internacionais, sua obra é

extremamente importante pelo debate que proporcionou – e proporciona –, e realiza

aquilo que se propõe a fazer: elaborar uma teoria da política internacional, levando em

conta apenas os Estados, as unidades políticas do sistema, e deixando as outras

unidades para outros tipos de teoria.

A contribuição de Waltz foi e é, sem dúvida, importantíssima para a evolução

do estudo da disciplina de Relações Internacionais. Espera-se que este texto tenha

auxiliado na percepção de tal importância.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_______. Theory of international politics. New York: McGraham Hill, 1979.