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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros NJAINE, K. Qualidade da informação sobre morbimortalidade por causas externas. In: NJAINE, K., ASSIS, S. G., and CONSTANTINO, P. Impactos da Violência na Saúde [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2007, pp. 335-344. ISBN: 978-85-7541-588-7. Available from: doi: 10.7476/9788575415887.017. Also available in ePUB from: http://books.scielo.org/id/7yzrw/epub/njaine-9788575415887.epub. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. III - A gestão em saúde na prevenção e atenção às situações de violência 15. Qualidade da informação sobre morbimortalidade por causas externas Kathie Njaine

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros NJAINE, K. Qualidade da informação sobre morbimortalidade por causas externas. In: NJAINE, K., ASSIS, S. G., and CONSTANTINO, P. Impactos da Violência na Saúde [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2007, pp. 335-344. ISBN: 978-85-7541-588-7. Available from: doi: 10.7476/9788575415887.017. Also available in ePUB from: http://books.scielo.org/id/7yzrw/epub/njaine-9788575415887.epub.

All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license.

Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0.

III - A gestão em saúde na prevenção e atenção às situações de violência

15. Qualidade da informação sobre morbimortalidade por causas externas

Kathie Njaine

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A gestão em saúde na prevenção e atenção às situações de violência

III

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Kathie Njaine

15. Qualidade da informação sobre morbimortalidade por causas externas

Este capítulo tem o objetivo de discutir a questão da informação sobre

acidentes e violência, problematizando seu processo e construção, suas

potencialidades, os limites e usos científicos e sociais.

Como pode a informação transformar a realidade do quadro de saúde

e doença de uma população? Esse tem sido o ponto forte de debates

filosóficos que hoje ocorrem no mundo sobre o poder que é delegado

à informação e que podem ser aplicados ao caso da saúde. Filósofos

como Pierre Lévy (1999), por exemplo, fazem refletir sobre as imperfei-

ções dos sistemas de informação, quando “as qualidades são reduzidas a

quantidades”. Lévy fala principalmente dos aspectos individuais que as

estatísticas acabam ocultando.

Para essa discussão, podemos pensar sobre as seguintes questões: como

são os perfis desses milhares de indivíduos que hoje morrem ou pade-

cem devido a um acidente ou violência? São jovens, são crianças, são

adultos ou idosos? São pobres, são trabalhadores, são pessoas fora da

lei? São brancos, são negros, são indígenas? Ou esses aspectos não fazem

diferença para a informação em saúde?

Se um gestor de saúde necessita basear seu planejamento e suas tomadas

de decisão em informações relevantes sobre os indivíduos ou grupos, e

elas inexistem ou são de má qualidade, podemos imaginar uma série de

problemas que dificultam o exercício da gestão.

Informação é um conceito que tem sido mundialmente discutido como uma noção fundamental para ampliar o conhecimento e contribuir para a tomada de decisões em diversos setores sociais. na área da saúde, a importância desse conceito evidencia-se, sobretudo, no momento de identificar pontos prioritários a serem tratados pelas políticas de saúde, no planejamento e na implementação de ações que visem transformar a realidade.

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É nesse sentido que procuramos fazer essa interlocução, além do sentido

ético que diz respeito à vida de cada ser humano, o reconhecimento de

sua existência, de sua individualidade, de suas necessidades e do direito

à saúde.

A Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Vio-

lências (BRASIL, 2001) destaca como um dos seus objetivos o monitora-

mento e a vigilância epidemiológica dos acidentes e violências. O intuito

dessas recomendações é, sobretudo, melhorar a qualidade das informa-

ções sobre esses eventos e torná-las capazes de transformar esse quadro

de morbimortalidade.

Sistemas de informação em saúde: a importância dos dadosA Organização Mundial da Saúde (OMS) define um Sistema de Infor-

mação em Saúde (SIS) como um mecanismo de “coleta, processamento,

análise e transmissão de informação”, necessário para o planejamento,

a organização, a operacionalização e a avaliação dos serviços de saúde.

De acordo com documento da Organização Pan-Americana da Saúde (CON-CHA-EASTMAN; VILLAVECES, 2001), os objetivos de um sistema de vigilância para a área de acidentes e violências são:

a) produzir informações confiáveis e estratégicas;

b) monitorar as transições, a magnitude e a distribuição da morbidade, da mortalidade e os impactos psicológicos;

c) possibilitar a percepção da realidade dos acontecimentos, a identificação de novos riscos e a formulação de possíveis associações causais;

d) identificar padrões ou tipologias da violência;

e) gerar hipóteses sobre a causalidade da violência;

f) servir de fonte confiável para tomada de decisão;

g) estimular a formação de grupos de trabalho.

Constatamos, portanto, a preocupação dos órgãos da área da saúde em garantir que a informação seja um instrumento tanto para as ações de vigilância dos acidentes e violência quanto de pesquisa e políticas públicas.

para saber mais sobre o tema, acesse os seguintes sites:

� da rede interagencial de informações para saúdehttp://portal.saude.gov.br/portal/saude/ripsa/default.cfm

� do Acervo da Biblioteca da Organização pan-Americana da saúde (pAHO) e sistema de informação da Biblioteca da OMs (WHOLis)www.bireme.br/php/level.php? lang=pt&component=107& item=109

Leia também o texto “Qualidade da informação sobre acidentes e violências”, de Kathie njaine e Ana Cristina reis, no livro Impacto da violência na saúde dos brasileiros, organizado por edinilsa ramos de souza e Maria Cecília de souza Minayo (2005).

para saber mais sobre sistemas de informação em saúde, consulte os sites:

� secretaria nacional de segurança públicawww.mj.gov.br/senasp /

� Ministério do desenvolvimento social e Combate à Fome/sistema Único de Assistência socialwww.mds.gov.br

� Ministério da saúde/dAtAsUs – siM, siHwww.datasus.gov.br/cgi/sim/

� sistema sobre Acidentes e Violências da sVswww.saude.gov.br/svs

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Principais fontes de dados sobre causas externas1. Boletim de Ocorrência Policial Boletim de Ocorrência Policial (BO) ou Ofício da Polícia Ofício da Polícia – ficha usada nas delegacias de polícia, complementada por outras fontes como Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT) ou Polícia Militar. Esse documento baseia-se na observação e descrição do evento e registra o número de feridos e mortos causados por acidentes acidentes ou violênciasou violências. No caso de óbito, uma cópia do BO acompanha o corpo ao Instituto Médico Legal (IML) e serve de complementação às informa-ções da Declaração de Óbito Declaração de Óbito (DO), no momento do seu preenchimento ou no decorrer das investigações.

2. Sistemas de resgate Sistemas de resgate – não existe no país um sistema de informa-ção nacional sobre resgates de vítimas de acidentes e violências. Alguns municípios estão organizando os bancos de dados do Serviço de Atendi-mento Móvel de Urgência (SAMU), do Corpo de Bombeiros e do Bata-lhão de Trânsito. Porém, esses bancos não são integrados.

Nos municípios em que as bases de dados estão informatizadas, a recu-peração dessas informações pode ser realizada pelo link direcionado a outros bancos de instituições, como o Corpo de Bombeiros, delegacias de polícia e hospitais que fazem parte desse fluxo.

3. Informações hospitalares Informações hospitalares – as informações sobre acidentes e violên-cias são referentes às internações pagas pelo SUS. O Sistema de Informa-ção Hospitalar/Ministério da Saúde (SIH/MS) é alimentado pelas infor-mações da Autorização de Internação Hospitalar (AIH) e indica que 6% do total de internações em hospitais públicos (próprios ou conveniados ao SUS) devem-se a causas externas. É possível obter informação sobre natureza da lesão, procedimentos e gastos. A partir de 1998, a AIH passou a informar o tipo de causa externa que provocou a lesão. Pesquisadores como Mello Jorge et al.(2003) ressaltam que o prontuário do paciente constitui-se em importante fonte de informações, apesar dos seus limites e dos problemas éticos existentes. Referem, ainda, que os dados dos ser-viços de emergência (pronto-socorro) não integram esse sistema.

4. Comunicação de Acidentes de Trabalho Comunicação de Acidentes de Trabalho (CAT) – ficha de notifica-ção de acidente de trabalho ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), para obtenção de benefícios. O sistema cobre somente a popu-lação trabalhadora formal, excluindo categorias como empregados domésticos sem carteira, trabalhadores informais em geral e aqueles vinculados a outras previdências.

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5. Estatísticas de mortalidade Estatísticas de mortalidade – o indicador utilizado na verificação da

qualidade da informação sobre causas externas no Sistema de Informa-

ção de Mortalidade/Ministério da Saúde (SIM/MS) é a proporção de

óbitos registrados como “Eventos (fatos) cuja intenção é indeterminada”

(códigos Y10 a Y34 da Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão

– CID10). O Instituto Médico Legal, órgão que por exigência de lei deve

atestar todos os óbitos por causas externas no Brasil, após a necropsia,

tem papel fundamental na qualificação dos dados por causas externas.

Esses eventos são assim classificados porque as autoridades médicas ou

legais não dispõem de informações suficientes para caracterizá-los como

acidente, lesão auto-infligida ou agressão. Por exemplo: em situações

em que o óbito foi provocado por um acidente de trânsito não se espe-

cificam dados da vítima (motorista, carona ou pedestre) nem o tipo de

veículo envolvido no acidente. Em termos de prevenção, o esclareci-

mento dessas circunstâncias é crucial para a formulação de políticas.

Refletindo acerca dos avanços na informação sobre acidentes e violênciasAlgumas iniciativas para auxiliar na melhoria da informação sobre

acidentes e violência no país já vêm sendo tomadas desde 1993 pelo

Ministério da Saúde. A Portaria SAS/ MS n. 119/1993 Portaria SAS/ MS n. 119/1993 (BRASIL, 2003)

incluiu no Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA/SUS) o registro

específico da atenção ao acidentado do trabalho, momento importante

dentro do SUS para que se estabelecesse a cultura da defesa dos direitos

do trabalhador. Outra importante referência foi a Portaria da SecretaPortaria da Secreta--ria de Assistência à Saúde, PT/SAS n. 142/1997 ria de Assistência à Saúde, PT/SAS n. 142/1997 (BRASIL, 1997), que

determinava e orientava sobre o preenchimento de campos específicos

na Autorização de Internação Hospitalar, quando os casos atendidos fos-

sem compatíveis com as causas externas (acidentes ou violências), o que

foi considerado um avanço para a época.

Nesse período, houve uma mudança significativa na qualidade da

informação em saúde para as causas externas, proporcionando maior

visibilidade ao fenômeno da violência no Brasil, com um olhar diferen-

ciado, o que levou o Ministério da Saúde a reconhecer que os acidentes

e a violência se configuravam como problemas de saúde pública.

A publicação da Portaria/GM/MS n. 142/1997 Portaria/GM/MS n. 142/1997 (BRASIL, 1997) tem con-

tribuído para o melhor esclarecimento das circunstâncias dos acidentes

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e violências, na medida em que exige o registro do diagnóstico secundá-rio (lesão ou ferimento que gerou a necessidade de internação). Seu cumprimento passou a esclarecer melhor 80% das internações por essas causas. No entanto, ainda é frequente em algumas localidades o erro de codificação ou o não-preenchimento do diagnóstico secundário, preju-dicando assim a análise do tipo de acidente ou violência que motivou aquela internação. No que diz respeito ao diagnóstico principal, alguns problemas que vêm sendo identificados por estudos evidenciam, ainda, a falta de treinamento e desconhecimento das regras de codificação para as internações por causas violentas.

Com o lançamento da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, pela Portaria MS/GM n. 737/2001 Portaria MS/GM n. 737/2001 (BRASIL, 2001), houve no Ministério da Saúde um movimento positivo, no sen-tido da elaboração de portarias, normas e outros documentos técnicos que ampliaram a possibilidade de coleta de dados e de qualificação da informação sobre os acidentes e violências no SUS.

A Portaria GM/MS n. 1.969/2001 Portaria GM/MS n. 1.969/2001 (BRASIL, 2001) estabeleceu um roteiro de preenchimento do registro de causas externas e de acidentes ou doenças relacionadas ao trabalho e, ainda, sobre as responsabilidades técnicas a respeito dos fluxos da informação.

No período de 1998 a 2002, equipes da Secretaria de Assistência à Saúde, das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), por intermédio de um projeto piloto nos Estados do Amapá e Rio Grande do Sul, elaboraram um instru-mento informatizado denominado Sistema de Informações em Saúde para Acidentes e Violências (Sisav). Esse sistema ofereceu aos gesto-res e profissionais subsídios para o planejamento de ações educativas, preventivas e assistenciais na área de acidentes e violências. A inicia-tiva culminou na publicação da Portaria/SAS nSAS n. 970/2002 . 970/2002 (BRASIL, 2002), que aprovou e instituiu, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Sistema de Informações em Saúde para os Acidentes e Violências/Causas Externas (Sisav), desenvolvido pela Secretaria de Assistência à Saúde como um instrumento operacional de registro de causas externas, destinado a subsidiar a realização de estudos e pesquisas voltados para informar o planejamento das ações de prevenção, atenção e recuperação das pessoas em situação de acidentes ou violências. Esse processo foi interrompido em 2003, quando ocorreu a revisão dos sistemas de infor-mação do Ministério da Saúde.

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A Rede Interagencial de Informações para a Saúde (Ripsa), criada em coo-

peração pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e o Ministé-

rio da Saúde em 1996 (Portaria Ministerial n. 2.390/GM, de 11 de dePortaria Ministerial n. 2.390/GM, de 11 de dezemzem--bro de 1996, atualizada pelas Portarias n. 820/GM, de 25 de junho de bro de 1996, atualizada pelas Portarias n. 820/GM, de 25 de junho de 1997, e n. 443/GM, de 26 de abril de 20001997, e n. 443/GM, de 26 de abril de 2000), vem ajudando a promover

a adequada disponibilização de dados básicos, indicadores e análises sobre

as condições de saúde e suas tendências, visando aperfeiçoar a capaci-

dade de formulação, gestão e avaliação de políticas e ações públicas.

Os objetivos da Ripsa são:

a) criar um conjunto de dados básicos e indicadores consistentes, atualizados e de amplo acesso;

b) articular instituições que contribuem para a geração e análise de dados e in-dicadores;

c) implementar mecanismos de apoio ao aperfeiçoamento da produção de da-dos e informações;

d) promover consenso sobre conceitos, métodos e critérios de utilização das ba-ses de dados;

e) promover intercâmbio com outros subsistemas especializados de informação da administração pública;

f) contribuir para o estudo de aspectos ainda pouco explorados ou de reconhe-cida relevância para a compreensão do quadro sanitário brasileiro (REDE INTE-RAGENCIAL DE INFORMAçõES PARA A SAúDE, 2002).

Considerando a magnitude e a gravidade dos eventos violentos no país

e a capacidade de preveni-los, o Comitê de Informação para Acidentes

e Violência da Ripsa revisou e elaborou, em 2005, indicadores para o

monitoramento nos principais grupos afetados, que possam ter compa-

rabilidade nacional e internacional, disponibilidade e facilidade de acesso

aos dados. Alguns agravos, como os acidentes de transporte, suicídios,

agressões e quedas, foram selecionados para ser monitorados.

Atualmente, iniciativas da Secretaria de Vigilância em Saúde têm pro-

curado, em diversas partes do país, capacitar profissionais responsáveis

pelos registros dos dados sobre morbimortalidade por acidentes e vio-

lências, para que busquem melhorar a qualidade desses registros, bem

como melhorar a implantação das fichas de notificação de acidentes e

violências interpessoais.

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Muitos estudos têm mostrado que, a partir da base de dados do SIM, é possível conhecer o perfil de mortalidade por causas externas da população em geral. Porém, existem problemas estruturais, funcionais, culturais e regionalmente diferenciados e específicos em relação à quali-dade dos dados (BARROS et al., 2001; DRUMOND JUNIOR et al, 1999; GAWRYSZEWSKI, 1995; MATHIAS; SOBOLL, 1998; SIMÕES; REICHE-NHEIM, 2001).

Autores como Njaine & Reis (2005) verificaram que houve melhoria da qualidade das informações sobre violências e acidentes entre as décadas de 1980 e 1990, em algumas capitais brasileiras. A significativa melhoria da informação sobre mortalidade por causas externas em algumas capi-tais deveu-se principalmente à iniciativa das Secretarias Municipais de Saúde, de buscar articulação com o setor de segurança pública e capa-citar seus profissionais. Muitas das iniciativas para a melhoria da quali-dade da informação sobre causas externas foram, contudo, viabilizadas pelo processo de descentralização do SIM.

Comparando o comportamento da mortalidade por causas externas nos períodos 1981-1990 e 1991-2000 no país, Njaine & Reis (2005) verifi-caram a redução dos eventos cuja intenção é indeterminada, passando de 14,8%, nos anos 1980, para 11,4%, nos anos 1990. Nesse estudo, as autoras constataram ainda que alguns campos da Declaração de Óbito apresentaram grande proporção de informação ignorada, principalmente os que se referem às variáveis “escolaridade”, “raça/cor” e “ocupação habitual” tanto para o país quanto para as capitais.

A falta de informações sobre tais aspectos vem prejudicando um conhe-cimento mais detalhado do perfil das vítimas, apesar de alguns estu-dos locais, como uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro, mostrarem maior vitimização de pessoas negras por homicídios dolosos (SOARES, 1996). Relatório sobre a saúde da população negra (OLIVEIRA, 2002, p. 181) recomenda que o recorte racial/étnico seja contemplado “em todas as ações de atenção às pessoas em situação de violência”. O preenchi-mento das variáveis “sexo” e “idade” tem sido considerado adequado para o desenho do perfil da população mais vitimizada – os jovens do sexo masculino.

Com relação às informações sobre morbidade hospitalar, sabemos que apenas uma parte das consequências de agressões e traumas é compu-tada pelas estatísticas, em função de limitações do SIH-SUS – que não

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inclui os muitos casos atendidos nas emergências, pronto-socorros e as internações ocorridas em unidades de saúde não conveniadas ao SUS –, da ausência de denúncias às autoridades públicas e, ainda, do desconhe-cimento sobre a magnitude das agressões dirigidas às crianças, mulheres e aos idosos.

Entretanto, Njaine & Reis (2005) verificaram uma mudança ocorrida no padrão de informação das internações por lesões e envenenamentos. A partir da publicação da Portaria n. 142/GM, de 13 de novembro de Portaria n. 142/GM, de 13 de novembro de 1997 1997 (BRASIL, 1997), tornou-se obrigatório o registro da causa externa (diagnóstico secundário) no caso de uma internação por causa violenta. Antes, a proporção de causas externas informadas no Brasil era em torno de 10% e surpreendentemente, a partir de 1998, essa proporção superou os 80%.

A informação é um direito de todos os cidadãos. Portanto, os sistemas de informação também têm um papel social, ajudando na compreensão da magnitude do problema dos acidentes e violência e no compartilha-mento de decisões que dizem respeito à população em geral, como medi-das de prevenção e de promoção da saúde, e crescimento da cidadania.

Coerente com o novo modelo de assistência à saúde, muitos profissionais da área vêm reforçando a necessidade de trabalhar a informação em nível local. Então, é importante incentivar a realização de análises no próprio município, de forma a auxiliar na tomada de decisões no próprio local.

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