juventude brasileira e democracia (2006)

104
Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas relatório global 2 Relatório final january 2006

Upload: harrison-rivello

Post on 16-Nov-2015

215 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Juventude Brasileira e Democracia (2006)

TRANSCRIPT

  • Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas

    relatrio global

    2 Relatrio final

    january 2006

  • Sumrio

    1. Apresentao ..........................................................................................5

    2. Participao e juventude ....................................................................7

    3. Consideraes metodolgicas ...........................................................10

    3.1 Pesquisa de opinio ......................................................................... 10

    3.2 Grupos de dilogo ............................................................................ 13

    4. Perfil dos(as) jovens: quais os sujeitos da pesquisa? ...................15

    5. O que preocupa os(as) jovens? ..........................................................18

    6. Os eixos orientadores do dilogo: educao, trabalho e cultura e lazer ................................................21

    6.1 Educao ......................................................................................... 21

    6.2 Trabalho ........................................................................................... 29

    6.3 Cultura e lazer .................................................................................. 34

    7. A participao e seus caminhos possveis .....................................40

    7.1. Participao em grupos ................................................................... 40

    7.1.1 Participao em movimentos ............................................................... 42 7.1.2 A Escola como espao-tempo de participao .................................... 44

    7.1.2.1 Principais temas debatidos nas escolas

    7.1.2.2. Participao em atividades na escola em finais de semana

    7.1.3. Percepes em torno da participao .................................................. 46

    7.2. Caminhos participativos: os jovens dialogam sobre limites e possibilidades .......................................................... 48

    7.2.1. Caminho 1: Eu me engajo e tenho uma bandeira de luta .................... 49 7.2.2. Caminho 2: Eu sou voluntrio(a) e fao a diferena ............................ 53

    7.2.3 Caminho 3: Eu e meu grupo: ns damos o recado .............................. 58

    7.2.4 Escolhendo e inventando caminhos, com criatividade ......................... 62

    8. Recado dos(as) jovens para os(as) polticos(as) .........................65

    9. Espaos para o dilogo ........................................................................68

    10. Consideraes finais .............................................................................72

    10.1. Recomendaes de polticas pblicas .............................................. 83

    10.2. Recomendaes de novos estudos e investigaes ........................ 84

    11. Bibliografia ..............................................................................................86

    12. Anexos ......................................................................................................89

  • 5

    1Apresentao1. Ibase Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas (coord.); Plis Instituto de Estudos, Formao e Assessoria em Polticas Sociais (coord.); Iser Assessoria/Rio de Janeiro, RJ; Observatrio Jovem do Rio de Janeiro/Universidade Federal Fluminense, RJ; Observatrio da Juventude da Universidade Federal de Minas Gerais/Belo Horizonte, MG; Ao Educativa Assessoria, Pesquisa e Informao/So Paulo, SP; UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Porto Alegre, RS; Inesc Instituto de Estudos Socioeconmicos/Braslia, DF; Cria Centro de Referncia Integral de Adolescentes/Salvador, BA; UNIPOP Instituto Universidade Popular/Belm, PA; Equip Escola de Formao Quilombo dos Palmares/Recife, PE; IDRC International Development Research Centre/Canad; e CPRN Canadian Policy Research Networks/Canad.

    O relatrio a seguir o resultado final da pesquisa Juventude Brasileira e Demo-cracia participao, esferas e polticas pblicas, que buscou ouvir e debater com diferentes jovens brasileiros(as), entre 15 e 24 anos de idade, os limites e pos-sibilidades da sua participao em atividades polticas, sociais e comunitrias, consi-derando a importncia da incluso desses sujeitos para a consolidao do processo de democratizao da sociedade brasileira. A investigao foi desenvolvida por uma rede de instituies parceiras1, que compactuam com a premissa de que a primeira tarefa a se fazer aprender a escutar os(as) jovens, entender as condies em que vivem, as suas semelhanas, diferenas e perspectivas frente aos imensos desafios que as sociedades atuais impem.

    A investigao, realizada entre julho de 2004 e novembro de 2005, teve como finalidade subsidiar novas polticas, estratgias e aes pblicas voltadas para os(as) jovens, e realizou-se mediante duas abordagens metodolgicas: a primeira, um levantamento estatstico, por meio da aplicao de questionrio em amostra do universo (8.000 jovens), buscando caracterizar o perfil dos(as) jovens, suas diversas formas de participao e percepes sobre o tema; a segunda, um estudo qualitativo, baseado na metodologia Choice Work Dialogue Methodology Grupos de Dilogo, em que 913 jovens debateram sobre o tema, em sete Regies Metro-politanas (Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e So Paulo) e no Distrito Federal.

    A partir dos dados levantados nessas duas fases, foram produzidos, alm do presente texto, dois relatrios em cada uma das regies: o primeiro tratando espe-cificamente da anlise dos dados quantitativos regionais (Pesquisa de Opinio) e o segundo articulando os resultados dos Grupos de Dilogo da regio com as anlises da Pesquisa de Opinio. Os relatrios finais das regies investigadas e o relatrio global da Pesquisa de Opinio constituram, portanto, base para o texto que se segue.

    Trata-se, assim, de uma produo coletiva, que articula diferentes reflexes na compreenso das formas, contedos e sentidos da participao dos(as) jovens, embora cada um dos relatrios finais das regies pesquisadas possua uma linha de anlise autnoma de acordo com as instituies e pesquisadores(as) que estiveram frente da investigao nas referidas localidades.

  • 6

    As informaes aqui mapeadas se unem s contribuies j existentes da produo de conhecimento sobre juventude, no mbito nacional e internacional, parti-cularmente da Amrica Latina, ampliando o debate, infl uenciando polticas pblicas de juventude (como tambm polticas de educao, trabalho, cultura e lazer) e estimulando o fortalecimento de redes de sustentao e de construo de oportunidades para que as diversas juventudes vislumbrem um outro mundo possvel.

    Assim sendo, os resultados da pesquisa ganham maior relevncia, considerando o recente movimento de criao de instncias poltico-administrativas voltadas para polticas pblicas de juventude nos mbitos executivos e legislativos, destacando-se nacionalmente a criao em 2005 da Secretaria Nacional da Juventude e do Conselho Nacional de Juventude, ambos vinculados Presidncia da Repblica, tendo como importante atribuio incorporar as manifestaes participativas e os interesses dessa signifi cativa parcela da populao.

    Embora, de um modo geral, a sociedade tenha um olhar ambguo de desencanto e de fascnio para os(as) jovens, os dados e depoimentos que se seguem mostram sujeitos com profunda crena em suas capacidades, que aspiram a abertura de canais de participao para que possam ser ouvidos e oportunidades iguais para que vivam a transformao hoje, e no em um futuro inalcanvel.

  • 7

    2Participao e Juventude Articular as temticas juventude e participao no tarefa simples e torna-se um importante desafio, especialmente no contexto atual do Brasil. So 34 milhes de jovens entre 15 e 24 anos, ainda longe de serem reconhecidos(as) como sujeitos de direitos e includos ativamente no processo democrtico. Mas quem so esses(as) jovens e o que pensam sobre a participao?

    A definio do que venha a ser juventude em determinado momento histrico pelo intermdio do recorte etrio , talvez, a maneira mais simples de tentar circunscre-ver sujeitos cujas experincias se caracterizam por serem diversas e desiguais. Ainda que para fins de pesquisa, legislao e definio de polticas pblicas seja possvel estabelecer como sendo jovens aqueles(as) que se encontram em torno de determi-nado corte de idade, deve-se ter em conta a inadequao conceitual de se articular um s campo de representaes que seja unificador dos sentidos do que venha a ser a juventude. Sem dvida, juventude apenas uma palavra (Bourdieu, 1983) caso no se busque compreend-la como categoria em permanente construo social e histrica, incorporando a complexidade da vida em suas dimenses biolgicas, sociais, psquicas, culturais, polticas, econmicas etc. que organizam as mltiplas maneiras de viver a condio juvenil.

    Cabe refletir sobre o que haveria de comum entre jovens de 15 e 24 anos? Que vnculos existem entre jovens que possuem garantias familiares para se escolarizarem no tempo adequado e outros(as) de mesma idade que j se encontram diante dos desafios do mundo do trabalho ou da constituio da famlia? O que tm em comum jovens que vivem em espaos sociais economicamente valorizados da cidade e jo-vens que moram nas favelas e periferias? Jovens homens e jovens mulheres, ainda que de classes e idades semelhantes? Certamente, as respostas vo muito alm da agregao etria, mas apontam para a necessidade de refletir sobre as diferentes condies objetivas e percepes sobre os sentidos de ser jovem. Somente dessa forma possvel dirigir um olhar sobre a juventude que contemple a sua diversidade, mais adequado situao real, ou seja, aquela na qual a agregao arbitrria por idade no resume as identificaes possveis num conjunto determinado de homens e mulheres que se renem num universo de pesquisa, mas que permite perceber

  • 8

    experincias geracionais em comum (Novaes, 1998). Nessa perspectiva, pode-se dizer que se est diante de uma mesma gerao quando os sujeitos, em alguma medida, vivenciam espaos-tempos comuns de sensibilidades, saberes, memrias, experincias histricas e culturais.

    Assim, passou-se a empregar com certa freqncia a expresso juventudes (Novaes, 1998, Carrano, 2000, Castro & Abramovay, 2002; Abramo, 2005) como forma de enfatizar que, ao se tratar de jovens, deve-se reconhecer que esses(as) constituem realidade plural e multifacetada. A expresso aparece em discursos pblicos, textos e documentos variados da esfera governamental, acadmica e da sociedade civil. Ain-da que a simples utilizao dessa expresso no garanta, por si s, a percepo da complexidade das realidades vividas pelos(as) jovens, denota certo cuidado contra as generalizaes que simplificam ao unificar o diverso e o desigual. O plural na referncia juventude o reconhecimento do peso especfico de jovens que se distinguem e se identificam em suas muitas dimenses, tais como as de gnero, cor da pele, classe, local de moradia, cotidianos e projetos de futuro.

    O agravamento das condies de vida de ampla maioria da populao jovem brasileira em especial os setores mais vulnerveis: jovens negras e homens jovens moradores de espaos populares incide diretamente no aumento da sensao de insegurana no presente e das incertezas quanto vida futura. Reguillo (2003) chama a ateno que, em toda a Amrica Latina, a face mais visvel dos(as) jovens, princi-palmente os(as) pertencentes aos setores populares, foi aquela que os(as) converteu nos(as) principais operadores(as) de violncias nas sociedades. No de se estranhar, assim, que sobre eles(as) tenham recado as principais aes no necessariamente de polticas pblicas de controle social tutelar e repressivo. Em conjunto com esse processo estigmatizador e generalizvel a todos os pases da regio, se aprofundou a crise estrutural dos anos 80, que fraturou as macroeconomias dos pases e pulveri-zou a microeconomia de pessoas e famlias. Nesse processo, muitos(as) jovens vm pagando o preo de polticas econmicas que os(as) excluem das possibilidades de incorporar-se de maneira produtiva e cidad sociedade.

    Um dos grandes desafios democrticos se relaciona com as encruzilhadas que podem ser percorridas para que a participao social se torne objetivo e meta realizvel numa sociedade em que tantos(as) jovens se encontram em processos de excluso econmica e marginalizao social. A ampliao de conhecimentos sobre as diferentes realidades juvenis, necessidades insatisfeitas, motivaes e intersubjetivi-dades em curso, especialmente quelas relacionadas com os(as) jovens pobres que mais dificuldades enfrentam para realizar escolhas alternativas e projetos autnomos, condio necessria de definio de polticas pblicas sintonizadas com os sujeitos e realidades que se quer transformar.

    A participao dos(as) jovens nos assuntos pblicos est entre as preocu-paes do debate sobre a ampliao dos processos democrticos. Muitas vezes h exagero quando se denuncia a apatia juvenil e se deixa de perceber que a crise de participao cidad fenmeno social ampliado que atinge todas as faixas etrias da populao (sobre isso, ver Venturi, G. e Bokany, V, 2005). No incomum que dados de pesquisas de opinio pblica sejam distorcidos pelas mdias que pintam quadros

  • 9

    que apresentam os(as) jovens contemporneos(as) como conservadores(as) e sem perspectivas, ou seja, nova gerao, porm, politicamente mais velha do que seus prprios pais, que teriam contestado o sistema e empreendido a boa luta de ge-raes contra valores adultos dominantes. Deixa-se de reconhecer que no h mais valores pertencentes a apenas uma gerao, que h desconfiana generalizada da populao na poltica e que em todos os lugares e idades h dificuldades para se encontrar meios de ao para a resoluo dos problemas coletivos.

    A crtica mais acentuada sobre os(as) jovens pode estar na funo sociol-gica que as sociedades modernas atriburam juventude de ser agente de revitaliza-o da vida social, fora oculta pronta para ser utilizada nos processos de mudana (Mannheim, 1968). Em grande medida, as generalizaes sobre a apatia juvenil so agravadas pela insuficincia de pesquisas que permitam com alguma preciso apre-ender e interpretar as situaes pelas quais os(as) jovens, em diferentes contextos e condies econmicas e sociais, expressam processos de recusa, impossibilidades ou mesmo apontam para novas prticas de participao de solidariedade e conflito que j praticam ou com as quais aceitariam se envolver. Muitas dessas prticas se tornam invisveis para os sentidos dominantes, que dizem ser mais legtimos determinados ideais de participao ou mitos participativos do passado, tais como aqueles que se associam ao jovem radical (Ianni,1969) dos anos 60.

    Estudos sobre a participao dos(as) jovens na vida social indicam que, durante as dcadas de 80 e 90 e o incio do novo sculo, a militncia poltica institucionalizada ocupou um papel secundrio nas aes coletivas praticadas e valorizadas pelos(as) jovens brasileiros(as) (Schmidt, 2001; Abramo e Venturi, 2000, Barquero, 2004). Em outras regies do mundo, a despolitizao das populaes juvenis tambm se tornou fonte de preocupao, levando indagao sobre se a crise de participao dos(as) jovens expressaria processos cclicos ou mesmo consolidaes estruturais nos rela-cionamentos das jovens geraes com as instituies sociais e polticas (Oesterreich, 2001; Balardini, 2000; Laguna, 2000; Mxel, 1999).

    Ao mesmo tempo em que h pouca participao juvenil em espaos polticos formais, nota-se a presena de jovens em outros tipos de aes coletivas que contri-buem para a constituio de espaos pblicos juvenilizados em torno de diferentes experincias sociais participativas.

    Os(as) jovens brasileiros tm emitido sinais, mais ou menos visveis, da nega-o frente a formas tradicionais de participao, tais como as que se expressam pela filiao a partidos, sindicatos e organizaes estudantis. No entanto, aes coletivas juvenis deixam de ser notadas ou valorizadas devido ao carter descontnuo, tpico e muito freqentemente desprovido de ideologias facilmente reconhecidas esquerda e direita, por exemplo do qual se revestem. Entretanto, as novas formas e temas pelos quais os(as) jovens se mobilizam na esfera pblica tambm indicam o quadro de crise das formas tradicionais de participao e socializao poltica.

    Sem dvida, pensar os distintos significados da participao poltica para as juventudes pode representar um importante aporte para captar no s como repro-duzem, mas principalmente, como constroem novas respostas a essa questo.

  • 10

    3Consideraes metodolgicas: Pesquisa de Opinio e Grupos de Dilogo3.1. Pesquisa de Opinio

    A primeira etapa do trabalho de pesquisa foi o levantamento de dados mediante a aplicao de 8.000 questionrios em amostra de jovens residentes em sete Regies Metropolitanas (RMs) e no Distrito Federal. Esse levantamento foi realizado, entre os meses de setembro e novembro de 2004, por empresa especializada que tambm se encarregou do respectivo processamento. O questionrio aplicado (anexo) era formado por 46 questes que abordavam o perfil dos(as) jovens pesquisados(as): educao, situao familiar, trabalho, mdia e acesso cultura, alm de suas percepes e prticas no campo da participao e cultura poltica. Foram realizadas apuraes especficas para cada regio, bem como uma apurao agregada para o conjunto delas. As diver-sas equipes regionais, que compem a rede de parceiros, participaram da construo coletiva da metodologia e dos instrumentos de pesquisa e incumbiram-se da anlise dos dados processados e da elaborao dos respectivos relatrios regionais. A equipe tcnica, sediada no Rio de Janeiro, realizou a anlise da apurao agregada e elaborou relatrio global. Os relatrios regionais foram feitos com base em roteiro desenhado com vistas a harmonizar as anlises e tornar possveis as necessrias comparaes, sempre preservando a manifestao da diversidade regional e as avaliaes e con-cluses realizadas pelas equipes responsveis pelo trabalho.

    A seguir, so apresentados os passos que configuraram os procedimentos metodolgicos da pesquisa de opinio.

    mbito

    Regies Metropolitanas de Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e So Paulo, alm do Distrito Federal.

    Pblico-alvo para clculo da amostra

    Jovens com idades entre 15 e 24 anos moradores(as) nas regies acima relacionadas, cuja populao est descrita na tabela a seguir:

  • 11

    Tamanho e composio da amostra

    Regies Metropolitanas e Distrito Federal Populao total e jovens de 15 a 24 anos (2003)

    Tabela 1

    Regio Metropolitana / DF populao total

    Populao total 15 a 24 anos

    Belm 1.880.855 407.276

    Belo Horizonte 4.625.670 903.519

    Porto Alegre 3.879.464 705.462

    Recife 3.392.066 703.337

    Rio de Janeiro 11.251.811 1.907.448

    Salvador 3.195.513 706.237

    So Paulo 18.684.954 3.659.766

    Distrito Federal 2.200.238 442.603

    Total 49.110.571 9.435.648

    Fonte: Sntese de Indicadores Sociais do IBGE (2004)

    Nmero de jovens entrevistados(as) nas Regies Metropolitanas e Distrito Federal (2004)

    Regio Metropolitana / DF N de entrevistados

    Belm 600Belo Horizonte 1.000Porto Alegre 1.000

    Recife 1.000Rio de Janeiro 1.400

    Salvador 1.000So Paulo 1.400

    Distrito Federal 600Total 8.000

    Tabela 2

    Fonte: IBASE/POLIS. Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas, 2005.

  • 12

    Modelo de amostragem

    A primeira etapa da pesquisa foi realizada sobre uma amostra independente, definida com rigor estatstico, em cada regio pesquisada. O modelo de amostragem utilizado foi o de conglomerados, aplicado em duas etapas. A seleo dos conglomerados (setores censitrios do IBGE) na primeira etapa foi realizada com probabilidade proporcional ao tamanho, em que a medida foi o nmero de jovens de 15 a 24 anos residentes nos setores. Na segunda etapa foram selecionados, dentro de cada setor censitrio (selecionado na primeira etapa), dez jovens para serem entrevistados(as). O modelo de amostragem deu a cada jovem das Regies Metropolitanas e Distrito Federal igual probabilidade de ser selecionado(a) para a amostra2.

    A pesquisa de opinio, alm de traar perfil dos(as) jovens e subsidiar os Grupos de Dilogo (GDs), possibilitou a obteno de cadastro de jovens dispostos(as) a par-ticipar da continuidade da pesquisa em sua segunda fase Grupos de Dilogo que assumiu perfil predominantemente qualitativo com a realizao de 39 GDs3, cada um deles envolvendo entre nove e 37 jovens. Nesses Grupos, realizados entre maro e maio de 2005, 913 jovens homens e mulheres entre 15 e 24 anos dialogaram sobre Caminhos Participativos que estariam dispostos(as) a trilhar para conquistar direitos relacionados educao, ao trabalho, cultura e ao lazer4.

    3.2. Grupos de Dilogo

    A metodologia dos Grupos de Dilogo utilizada na segunda fase da pesquisa era indita no pas e foi adaptada realidade brasileira a partir de intensas trocas de ex-perincia entre pesquisadores(as) do Canadian Policy Research Networks (CPRN) e pesquisadores(as) vinculados s instituies que formaram a rede de parceiros(as).

    Os Grupos de Dilogo da pesquisa Juventude Brasileira e Democracia foram adaptados da metodologia Choice Work Dialogue, a partir da experincia canadense que teve como base estudos de Daniel Yankolovich. O principal pres-suposto metodolgico se encontra na busca de superao da lgica que domina as pesquisas de opinio no campo das polticas pblicas, considerando que elas apenas constatam o posicionamento dos cidados, sem criar oportunidade para que esses exercitem coletivamente diferentes reflexes sobre o tema. O enfoque dos Grupos de Dilogo considera que a opinio no formada individualmente, mas na interao. Seu fundamento est em situar cidados em relao de dilogo, provocando reflexes pessoais e coletivas acerca de determinadas questes, bem como sobre as decises que devem ser tomadas para que os consensos que emergem durante o dilogo se concretizem. Trata-se de uma metodologia que favorece que as pessoas emitam suas opinies, coloquem-nas em dilogo com as opinies dos(as) outros(as) e que estas sejam novamente remetidas a si e a seus valores mais profundos.

    Durante o Dia de Dilogo, as pessoas recebem informaes qualificadas sobre o assunto a ser abordado e so convidadas a participar de um intenso processo de discusso entre indivduos de ambos os sexos, de diferentes classes, faixas etrias,

    2. Documento sobre os clculos da amostra e de erros disponvel para consulta no Ibase.

    3. Foram realizados cinco Grupos de Dilogo em cada uma das regies estudadas, com exceo de Belm, onde foram realizados quatro grupos.

    4. Para participar do Dia de Dilogo, os(as) jovens receberam uma ajuda de custo de 50 reais para subsidiar o transporte e recompensar o dia dispensado para a atividade. Alm disso, foram servidos caf da manh, almoo e lanche para todos(as) os(as) participantes.

  • 13

    locais de moradia etc. O dilogo como mtodo pressupe que os(as) participan-tes sejam capazes de ouvir uns(mas) aos(s) outros(as) e de interagir sem que a defesa de determinada opinio desconsidere as demais. O papel da pessoa responsvel por facilitar o dilogo (o chamado facilitador), bem como as regras gerais para sua realizao, so elementos imprescindveis para que seja possvel uma intera-o qualificada entre os(as) envolvidos(as) em busca de pontos comuns que revelem tendncias sobre determinadas questes de interesse pblico e, muito comumente, de impacto em polticas pblicas.

    Assim, ao longo do dia, os(as) jovens foram convidados a participar de dinmi-cas (em pequenos grupos e reunies em sesses plenrias) em que o ponto central de debate era a participao dos(as) jovens brasileiros(as). Num primeiro momento, os(as) jovens identificaram as principais preocupaes acerca de trs temas bem pr-ximos de suas realidades: educao, trabalho e cultura/lazer. Aps a identificao de suas preocupaes e demandas, e partindo delas, eles(as) eram ento chamados(as) a refletir sobre a melhor maneira de concretiz-las a partir de trs alternativas de participao apresentadas pelas equipes regionais da pesquisa.

    Essas trs alternativas chamadas pela pesquisa de Caminhos Participativos apresentavam determinados tipos ideais de participao, em maior ou menor medida, j praticados na sociedade brasileira. Informaes sobre esses caminhos de participao, incluindo resumos, exemplos e as possveis conseqncias para a sociedade caso uma dessas formas participativas viesse a se tornar dominante entre a juventude, alm de pontos contra e a favor, podiam ser encontradas no Caderno de Trabalho, publicao voltada para os(as) jovens participantes e especialmente produzida para os Dilogos.

    Em linhas gerais, as alternativas de Caminhos Participativos apresentadas foram: 1) Eu me engajo e tenho uma bandeira de luta nfase na participao institucional em partidos polticos, grmios, movimentos sociais, sindicatos, ONGs, entre outras institui-es reguladas por adultos(as); 2) Eu sou voluntrio e fao a diferena forte nfase na participao individual que produz resultados pontuais, porm, com visibilidade pblica para o trabalho do(a) jovem; e 3) Eu e meu grupo: ns damos o recado a nfase recai na ao dos grupos juvenis, especialmente aquela que se realiza atravs da partici-pao cultural dos(as) jovens agrupados(as) sem que haja interferncia do denominado mundo adulto. Os Caminhos foram pensados de modo a apresentarem contrastes entre si, embora no fossem excludentes. Para os(as) jovens era dito muitas vezes que o que se pe-dia no era que escolhessem um Caminho em detrimento dos demais. Foi dada, de diversas formas, a possibilidade de que combinassem os Caminhos da maneira que julgassem me-lhor e, ainda, a alternativa de criar algo total-mente novo, que no estivesse contemplado nos Caminhos inicialmente apresentados.

    Arq

    uivo

    Imac

    /Ger

    ao

  • 14

    A partir do Caderno de Trabalho, os(as) jovens estabeleceram dilogos em gru-pos, trocando idias e experincias que culminavam na construo interativa de uma escolha coletiva baseada em um consenso desejvel, porm, no obrigatrio. Cada pequeno grupo de trabalho apresentava em reunio plenria o seu Caminho (sendo ele uma das alternativas propostas, uma combinao entre elas ou algo totalmente novo tal como dito acima). Era pedido, no entanto, que os Caminhos fossem pensados como possibilidades de tornar reais as demandas listadas por eles(as) em relao educao, trabalho e cultura/lazer na primeira parte do Dia de Dilogo. Esse consenso era submetido apreciao da plenria maior, que tambm buscava identificar pon-tos comuns nas apresentaes dos vrios grupos. Desta maneira, de cada Grupo de Dilogo resultou um quadro com os pontos acordados pelos(as) jovens. Estes pontos passaram por processo de problematizao promovido pelos(as) facilitadores(as) dos dilogos antes de serem acatados por todos(as) os(as) participantes.

    Alm do processo de construo coletiva de consensos, a pesquisa tambm abordou os posicionamentos individuais dos(as) jovens a respeito de cada um dos Caminhos Participativos. Isso foi feito a partir das Fichas Pr-Dilogo e Ps-Dilogo (em anexo), a primeira preenchida pelos(as) jovens no incio do Dia de Dilogo, e a segunda, ao final do dia. O objetivo desses instrumentos foi apreender mudanas de posicionamento dos(as) jovens ocorridas ao longo do Dia de Dilogo. Ocorreram outros momentos de manifestao individual. Logo no incio do Dia de Dilogo, os(as) jovens eram chamados(as) a se apresentar, dizendo, em uma palavra, o que mais os(as) preocupava no Brasil. Ao final do mesmo dia, esses(as) mesmos(as) jovens verbalizavam um recado para os(as) governantes e, na mesma oportunidade, avalia-vam o Dia de Dilogo. Todo o processo (exceto o trabalho nos pequenos grupos) foi gravado e transcrito para fins de anlise.

    Esse processo de promoo do dilogo entre jovens com experincias de vida to diferenciadas fez significativa diferena na qualidade das informaes produzidas pela pesquisa. neste sentido que a prpria experimentao da metodologia pode ser tambm considerada produto do processo de pesquisa5.

    5. Mais informaes sobre a metodologia dos Grupos de Dilogo podem ser encontradas em relatrio parte com a sistematizao e anlise da experincia brasileira a partir dos relatos das experincias das regies em que aconteceram os GDs.

  • 15

    Este captulo tem por fi nalidade apresentar o perfi l dos(as) jovens que participaram nas duas fases da pesquisa Juventude Brasileira e Democracia a Pesquisa de Opinio e os Grupos de Dilogo. Pretende-se aqui situar os(as) jovens nos espaos e tempos sociais em que esses(as) se inserem. Os dados a seguir permitem reconhecer diferenas, semelhanas e efeitos decorrentes dos distintos lugares sociais que ocupam.

    A amostra de 8.000 jovens entrevistados(as) composta, em partes iguais, por homens e mulheres. Quanto faixa etria, 30,1% tm entre 15 e 17 anos; 30% esto entre 18 e 20 anos e 39,9% entre 21 e 24 anos6.

    Participaram dos Grupos de Dilogo 913 jovens convidados(as) a partir da amos-tra de 8.000 jovens7; aqui a presena feminina e masculina tambm foi equilibrada.

    A partir do modelo Critrio Brasil 8 aqui denominado classe foi realizado o levantamento do tipo e da quantidade de bens de consumo durveis existentes na residncia, do grau de instruo do chefe da famlia e do local de moradia (distrito

    censitrio) dos(as) jovens entrevistados(as) nas distintas Regies Metropolitanas e Distrito Fede-ral. Dessa forma, observou-se uma concentrao na classe C (44,0%), seguida das classes D/E, com 25,9%, tendo nas classes A/B a menor re-presentao: 24,3%.

    Tais dados expressam a mdia nacional e encobrem disparidades socioeconmicas entre as diferentes regies do pas. Isto porque, quando desagregados, verifi ca-se que enquanto na Re-gio Metropolitana de Porto Alegre 43,1% dos(as) entrevistados(as) encontram-se na classe C, 28,5% na classe A/B e 19,8% na classe D/E; em Belm, os estratos mais numerosos correspon-dem s classes C (33,0%) e D/E (34,2%). Esse ltimo chega a 39,7% dos(as) entrevistados(as) em Salvador e a 45% deles(as) em Recife.

    46. Segundo dados do IBGE, 2004, a populao jovem no conjunto das regies metropolitanas pesquisadas se dispe da seguinte forma: 28,9% de jovens entre 15 e 17 anos, 19,3% de jovens entre 18 e 19 anos e 51,8% entre 20 e 24 anos. Note-se que o IBGE utiliza delimitao etria ligeiramente diferente da usada na pesquisa no que diz respeito s idades que compem as duas ltimas classes etrias. Tal diferena de classificao justifica em parte a desigualdade entre os dados da amostra da pesquisa e o nmero de jovens do conjunto da populao.

    7. Uma das questes do formulrio de pesquisa de opinio perguntou se os(as) entrevistados(as) teriam interesse e disponibilidade para participar de encontro com outros(as) jovens para discutir temas relativos juventude. A partir dos(as) jovens que responderam afirmativamente, constitui-se um cadastro utilizado para a convocao dos participantes da segunda fase da pesquisa, os Grupos de Dilogo.

    8. O Critrio de Classificao Econmica Brasil utilizado para se estimar o poder de compra das pessoas e famlias urbanas.

    Perfi l dos(as) jovens: quais os sujeitos da pesquisa?

  • 16

    Nos Grupos de Dilogo, os(as) 913 jovens participantes tambm se situam, na sua grande maioria, nas classes C e D/E, sendo Recife (88,9%) e Belm (87,8%) as capitais com o maior nmero de participantes dessas faixas. Por outro lado, Porto Alegre, Rio de Janeiro e So Paulo apresentam, em ordem decrescente, as maiores porcentagens de participantes da classe A/B: 32,7%, 30,1% e 26,7%, respectivamente9.

    Alguns(as) jovens das classes C e D/E no puderam participar do Dia de Di-logo por obrigaes profissionais que lhes ocupavam tambm os finais de semana, segundo informaes colhidas pelos pesquisadores que telefonaram para cada jovem convidado(a) a participar do Dilogo. No entanto, a menor presena proporcional dos(as) jovens das classes A/B possivelmente se deve ao fato de que estes(as) tm mais oportunidade de realizar atividades de estudo e de lazer (cursos, viagens, pas-seios, sadas noturnas) que podem ter concorrido com os Dias de Dilogo, realizados em sbados ou domingos inteiros. Alm disso, para eles(as), possvel que os R$ 50,00 oferecidos aos participantes dos GDs no tenha sido um atrativo significativo.

    Em relao cor, a pesquisa de opinio demonstra a predominncia de brancos e pardos: 42,3% e 34,4%, respectivamente; sendo que 16,1% se identificaram como pretos10. Considerando os estigmas e discriminaes sofridas pelos afrodescendentes ao longo da histria do Brasil, de se supor que essa populao assuma a condio de parda como forma de se afastar de identidades desvalorizadas socialmente.

    A soma dos percentuais de pretos e pardos representa mais de 50% dos(as) jovens entrevistados(as). Acrescentando ainda os(as) que se identificaram como amarelos e ind-genas (6,9%), a maioria dos(as) jovens 57,4% se identificou como no-branca11.

    9. Os dados de classe da Pesquisa de Opinio e dos Grupos de Dilogo no devem ser comparados, uma vez que na primeira h percentual de jovens que no souberam dizer ou no opinaram sobre sua situao de classe. Nos Grupos de Dilogo, entretanto, todos(as) os(as) jovens puderam ser identificados(as) segundo o critrio de definio de classe adotado. Isso fez com que os percentuais de classe nos GDs fossem maiores do que aqueles encontrados na Pesquisa de Opinio.

    10. A classificao por cor foi informada pelo(a) entrevistado(a). Trata-se, portanto, de uma auto-representao.

    11. O conjunto da populao das RM pesquisadas formado de 52,15% de no-brancos e 47,85% de brancos, segundo dados do IBGE (2004).

    Classe dos(as) jovens entrevistados(as) por Regio Metropolitana/DF (em %)

    Tabela 3

    Regies Metropoli-tanas/DF

    Classe A/B Classe C Classe D/E Ns/No Total

    Belm 16,2 33,0 34,2 16.6 100

    Belo Horizonte 19,8 42,2 28,1 9,9 100

    Porto Alegre 28,5 43,1 19,8 8,6 100Recife 13,3 31,7 45,0 10 100

    Rio de Janeiro 25,4 46,1 21,5 7,0 100

    Salvador 16,0 34,3 39,7 10,0 100So Paulo 28,2 50,0 20,6 1,2 100

    Distrito Federal 27,3 36,3 33,5 2,9 100

    Total das RMs/ DF 24,3 44,0 25,9 5,8 100

    Fonte: IBASE/POLIS. Pesquisa de Opinio Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas, 2005.

  • 17

    Tambm neste aspecto deve-se observar as diferenas regionais. Em Salvador, a soma de jovens que se declararam pretos e pardos atinge sua maior porcentagem: 77,3%. No geral das oito regies, tem-se um quadro diversificado, segundo a cor autodeclarada dos(as) jovens.

    No tocante religio, predominou a catlica (54,9%), seguida das evanglicas ou protestantes (21,4%) e da esprita (2,8%). Merece destaque a parcela significativa de 14,3% de jovens que responderam acreditar em Deus, mas no ter religio, e a de 2% que disseram que no acreditam em Deus e nem tm religio. Segundo Novaes e Mello (2002), em nenhuma outra poca houve tantos jovens se definindo como sem religio, mas, ao mesmo tempo, tambm, significativo o nmero de jovens das igrejas orientais, pentecostais e catlicos praticantes que dizem participar ativamente de grupos de sua igreja (p. 80). Tal observao pode ser confirmada nesta pesquisa, quando se constata que dos 28,1% de jovens que declararam participar de algum grupo, quase metade faz parte de grupos religiosos.

    Em relao ao estado civil, os(as) jovens se declaram, em sua maioria, solteiros(as) (86,2%), sugerindo que ainda vivem com a famlia de origem. Quanto aos demais, a freqncia significativa a de 13,0% que se dizem casados(as) ou vivem juntos.

    Dos 8.000 entrevistados(as), 20,9% tm filhos, o que, em nmeros absolutos, significa cerca de 1.600 jovens. Tal nmero maior do que o daqueles(as) que se dizem casados(as) ou vivem juntos, o que pode sinalizar um elevado nmero de mes ou pais solteiros(as).

    Classe dos(as) jovens entrevistados(as) por Regio Metropolitana/DF (em %)

    Tabela 4

    Fonte: IBASE/POLIS. Pesquisa de Opinio Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas, 2005.

    Regies Metropo-litanas/DF

    Branca Parda Negra Amarela Indgena Ns/No Total

    Belm 26,2 50,7 12,7 7,8 1,8 0,8 100Belo

    Horizonte 35,1 36,5 19,3 5,3 3,1 0,7 100

    Porto Alegre 72,3 9,9 13,1 1,9 2,3 0,5 100

    Recife 35,2 47,8 12,0 3,6 1,4 0,0 100Rio de Janeiro 38,1 19,2 36,5 4,3 1,9 0,0 100

    Salvador 13,0 40,7 36,6 5,5 3,8 0,4 100So Paulo 49,9 30,1 12,1 4,1 3,1 0,7 100

    Distrito Federal 40,0 45,2 8,8 3,3 2,5 0,2 100

    Total das RMs 42,3 34,4 16,1 4,3 2,6 0,3 100

  • 18

    5O que preocupa os(as) jovens?Tabela 5

    Fonte: IBASE/POLIS. Pesquisa de Opinio Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas, 2005.

    O que preocupa os(as) jovens no Brasil seagundo temas e incidncia por regio

    Temas/questes mais recorrentes nos Grupos

    e Dilogo Classificao da incidncia nas RM e no DF

    Belm Belo HorizonteDistrito Federal

    Porto Alegre Recife

    Rio de Janeiro So Paulo Salvador

    Violncia: Falta de Se-gurana/ Criminalidade 2 1 2 1 1 1 2 1

    Trabalho/Emprego/ Desemprego/Falta de oportunidade/ Primeiro

    emprego

    3 2 1 1 3 2 1 2

    Educao 4 4 3 2 2 3 3 4 Misria/Pobreza/

    Fome/Desigualdade social/M distribuio

    da renda

    1 3 5 3 4 4 4 3

    Sade - - - 4 - 4 - -Discriminao/ Rac-

    ismo/Preconceito 5 - - - - - - -

    Poltica/Corrupo/ Descaso do Governo com jovens/Falta de conscincia dos(as)

    governantes

    - 5 4 - - - 5 5

    Drogas - - - 5 5 - - -Sociedade/Valores/

    Brasil/Situao do povo - - - 5 - - - -

    No dilogo realizado com os(as) jovens, eles(as) foram convidados(as) a responder seguinte pergunta O que mais preocupa voc hoje no Brasil?. Pode-se observar que as suas preocupaes foram expressas em diversas questes, porm, que se concentraram em quatro grandes temticas: violncia, desemprego, educao e pobreza/desigualda-de social (recorrentes em todas as regies pesquisadas). No geral, ganham destaque aquelas que os(as) atingem mais de perto, como assinalado na Tabela 5.

  • 19

    A tabela anterior expressa as principais preocupaes ditas pelos(as) partici-pantes dos Grupos de Dilogo. importante dizer que as questes relacionadas na tabela emergiram espontaneamente, ou seja, sem que fosse feita qualquer indicao prvia das mesmas.

    Questes relacionadas violncia, segurana e criminalidade so a tnica das apreenses desses(as) jovens. Ocupam a primeira ou a segunda colocao em todas as regies pesquisadas, sugerindo que eles(as) possuem conscincia dos riscos a que se encontram expostos(as), o que se evidencia nas estatsticas que atribuem s chamadas causas externas (assassinatos, acidentes de trnsito etc.) o principal agente da mortalidade entre os(as) jovens das Regies Metropolitanas. Por um lado, a prevalncia do tema da violncia e da criminalidade nas preocupaes espontaneamente reveladas denuncia a magnitude da abrangncia e intensidade com que o fenmeno vem se manifestando na sociedade brasileira, e demonstra que o tempo juvenil, antes de se constituir um perodo livre de preocupaes de ordem prtica, encontra-se profundamente comprometido com questes relativas prpria preservao da vida. Por outro lado, faz pensar at que ponto a preocupao com a violncia revelada pelos(as) jovens no poderia expressar tambm certo clima de insegurana generalizada criado pela tendncia de espetacularizao do assunto pela grande mdia atuante nas regies pesquisadas. possvel que o tema da violncia, como vem sendo tratado, em alguma medida, esteja contribuindo para tirar o foco da raiz do problema, que tem sua origem nas profundas desigualdades sociais que caracterizam a sociedade brasileira.

    Outro dado importante refere-se ao modo como este tema aparece comumente associado a outros, principalmente: desemprego, m distribuio de renda, desigualdade social, drogas, falta de oportunidades e educao, aparecendo numa relao direta de causa e efeito. Assim, a pobreza e a falta de oportunidade so traduzidas, por grande parte dos(as) jovens, como via direta para o envolvimento em situaes de violncia.

    O lugar do trabalho entre as preocupaes dos(as) participantes confirma o que vem sendo apontado em diversos estudos, ou seja, que a incerteza e a apreenso com a busca ou perda de postos de trabalho processos diretamente relacionados com a obteno do primeiro emprego e a falta de oportunidades no mercado so uma constante na vida dos(as) jovens, especialmente, daqueles(as) dos setores populares que desde muito cedo sofrem as presses para a insero no mundo do trabalho.

    A educao, sobretudo a escolar, vista como passaporte para um futuro mais estvel. atravs dela que os(as) jovens ainda vislumbram possibilidades tanto de qualificao e insero profissional quanto de mobilidade social (Esteves, 2005). Deste modo, considerando que tais jovens so oriundos(as) predominantemente da escola pblica, medidas voltadas para a melhoria da qualidade e do acesso a essa instituio, sobretudo quela do nvel mdio, so imprescindveis.

    Aspectos relacionados pobreza e s desigualdades sociais tambm foram citados em todos os lugares onde os Grupos de Dilogo se realizaram, numa de-monstrao do impacto desses processos na vivncia do tempo de juventude para a maioria desses(as) jovens que cresceram em tempos agravamento da situao de injustia social.

  • 20

    Num quadro que aponta a violncia e a criminalidade como os principais agentes de inquietao dos(as) jovens, era esperado que aspectos relativos s drogas es-pecialmente o seu trfico , presentes de forma to ativa nas reas metropolitanas, tambm se fizessem ouvir. O bloco relativo discriminao, ao preconceito e ao ra-cismo, dentre os temas levantados, foi pouco expressivo, mesmo que metade dos(as) jovens entrevistados tenha se declarado preto ou pardo (Pesquisa de Opinio). Mas preciso lembrar que essa atividade ocorreu no incio do Dia do Dilogo, quando os(as) jovens ainda no se sentiam vontade para falar sobre processos difceis de serem nomeados, como o racismo. No entanto, no decorrer do dia, essas questes tornaram-se relevantes, principalmente quando se referiam s dificuldades de insero no mercado de trabalho e poltica de cotas para acesso universidade, como ser visto mais frente.

    A pouca enunciao espontnea a demandas por garantia de direitos civis, tais como aqueles que se relacionam com o direito participao na vida pblica, e a forte referncia a demandas sociais insatisfeitas atesta o estgio de espoliao urbana (Kowarick, 2000) ao qual a maioria dos(as) jovens est submetida. Nesse contexto, o que se evidencia que a conscincia de direitos para esses(as) jovens mais imediatamente percebida no plano da questo social do que na esfera dos direitos relacionados com a vida cvica e as liberdades fundamentais. Encontra-se aqui pista importante para pautas educativas e de mobilizao que se dirijam ampliao da conscincia dos direitos dos(as) jovens brasileiros(as).

    As preocupaes reveladas pelos(as) jovens pesquisados(as) colocam em xeque o senso comum que identifica uma suposta apatia da juventude. Os dilogos evidenciaram a disposio dos(as) jovens participantes em pensar sobre os problemas que afetam a populao e, mais diretamente, a juventude do pas. Pode-se dizer que esto expressos, em muitas das falas dos(as) jovens, no mnimo, fortes posiciona-mentos crticos, e denncias sobre processos que contribuem para o agravamento das condies de vida de setores da juventude brasileira.

    Sam

    uel T

    osta

  • 21

    6Os eixos orientadores do dilogo: educao, trabalho e cultura e lazer126.1. Educao

    Nos Grupos de Dilogo, os(as) jovens expressaram seus desejos e preocupaes quanto educao brasileira. E na medida em que todos(as) eles(as), independen-temente da idade, j vivenciaram ou vivenciam a educao escolar, os dilogos voltaram-se, mais diretamente, para a realidade das escolas, em especial, quelas situadas nas redes pblicas de ensino.

    A primeira fase da pesquisa revela que a escola pblica a grande provedora da educao para os(as) jovens pesquisados(as). Dos 8 mil entrevistados, 86,2% de-claram estudar ou terem estudado em escolas pblicas na maior parte de sua trajetria escolar, enquanto apenas 13,7% eram provenientes de escolas privadas.

    12. Como explicitado no ponto relativo metodologia, ainda no perodo da manh, foi pedido que, em pequenos grupos, os(as) jovens respondessem seguinte questo Pensando na vida que voc leva como jovem brasileiro(a), o que pode melhorar na educao, no trabalho e nas atividades de cultura e lazer?. A anlise que se segue parte do contedo por eles(as) discutido aps a apresentao dos resultados dos trabalhos em pequenos grupos, na plenria.

    No que diz respeito ao grau de instruo, a pesquisa mostrou que a maior parte dos(as) jovens entrevistados(as) possui o Ensino Mdio incompleto (42,5%), seguido dos que possuem o Ensino Mdio completo ou mais escolaridade (33,2%) e ainda um percentual elevado de jovens que nem ao menos concluram o Ensino Fundamental (24,3%).

    Fonte: IBASE/POLIS. Pesquisa de Opinio Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas, 2005.

    Nvel de escolaridade, local de estudo e situao atual matrcula (em %)

    Escolaridade Onde estudou Est estudando?

    At Funda-mental

    incompleto

    At Mdio incompleto

    Mdio completo ou mais

    Escola pblica

    Escola privada Sim No

    24,3 42,5 33,2 86,2 13,7 47,0 52,9

    Tabela 6

  • 22

    Como fica demonstrado na Tabela 7, so as Regies Metropolitanas de Recife, Belm e Rio de Janeiro que apresentam os piores indicadores educacionais, conside-rando a no concluso do Ensino Fundamental. A idade esperada de concluso dessa etapa de escolarizao de 14 anos, assim, todos(as) os(as) jovens entrevistados(as) j deveriam t-la concludo. Em relao ao Ensino Mdio, os ndices de concluso dessa etapa de ensino so mais baixos em Salvador, Belm e Recife. So Paulo, Braslia e Belo Horizonte, ao contrrio, so as regies que apresentam, nos dois nveis de ensino, nmeros mais favorveis.

    Jovens sem o Ensino Fundamental completo, por Regio Metropolitana/DF (em %)

    Regies Metropolitanas/DF Jovens sem o Ensino Fundamental

    Recife 37,2Belm 33,5

    Rio de Janeiro 30,5Porto Alegre 28,2

    Salvador 26,8Distrito Federal 23,3Belo Horizonte 21,8

    So Paulo 16,7Total das RMs 24,3

    Fonte: IBASE/POLIS. Pesquisa de Opinio Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas, 2005.

    Tabela 7

    Jovens que possuem o ensino mdio ou maior escolaridade segundo a Regio Metropolitana e o Distrito Federal (em %)

    Grfico1

    Fonte: IBASE/POLIS, Pesquisa de Opinio Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas, 2005.

    33,20%

    20,20%

    22,70%

    26,90%

    29,60%

    30.60%

    32,40%

    33,80%

    39,10%

    Total das RMs

    Salvador

    Belm

    Recife

    Rio de Janeiro

    Porto Alegre

    Belo Horizonte

    Braslia

    So Paulo

  • 23

    Dentre os(as) jovens entrevistados(as) na primeira fase da pesquisa, 52,9% declararam que no estavam estudando.

    A escolaridade mdia dos(as) jovens que participaram dos Grupos de Di-logo foi alta nas 8 regies: 67% deles(as) possuam a escolaridade entre o Ensino Mdio e o Superior, sendo que 33% cursaram at o Ensino Fundamental. Os dados demonstram que a escolaridade dos(as) jovens participantes dos Grupos de Dilogo nas oito regies foi, em mdia, superior escolaridade do conjunto dos(as) jovens brasileiros(as) em cada uma das faixas de escolarizao. Isso pode estar indicando que os(as) mais escolarizados(as) so tambm os(as) mais interessados(as) e dis-ponveis para participar de reunies sobre assuntos pblicos ou que estes(as) so os(as) detentores(as) de mais condies objetivas para tal.

    importante perceber as demandas apresentadas nos Grupos de Dilogo a partir desse breve perfil da situao dos(as) jovens participantes nos dois momentos da pesquisa. O nvel de precariedade da relao dos(as) jovens com a escola no minimiza a crena explicitada durante os dilogos de que a educao a base de tudo. Com as melhorias a serem alcanadas na educao, projeta-se tambm al-canar melhorias relacionadas ao trabalho e cultura/lazer: (...) acreditamos que a educao seja o principal, seja a base de tudo, porque com a educao a gente vai melhorar tanto o trabalho quanto a cultura e o lazer (Rio de Janeiro).

    O que os(as) jovens esperam na rea da educao por ordem de freqncia

    Quadro 1

    Expanso do Ensino Mdio

    Mais professores(as) nas escolas

    Professores(as) mais qualificados(as) e melhor remunerados(as)

    Melhores currculos, metodologias, material didtico e mais atividades extras (passeios, visitas, palestras, laboratrios)

    Mais verbas/investimentos para a educao

    Melhores condies de funcionamento das escolas/Preservao das escolas

    Mais oferta de cursos profissionalizantes de qualidade

    Fonte: IBASE/POLIS, Grupos de Dilogo Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas, 2005.

  • 24

    Essa educao a que a maioria dos(as) jovens se refere , principalmente, a escolar, em seus nveis Fundamental e Mdio. Quanto a uma concepo de educao para alm do espao escolar, os(as) jovens no chegam a formular questes mais elaboradas, mas afirmam que ela no s dos professores, do Governo, mas tambm de casa (Rio de Janeiro). Lembram de alguns outros espaos de aprendizagem que podem acontecer fora da escola, como a famlia e os cursos (profissionalizantes e de pr-vestibular, principalmente), por iniciativa de quem sabe mais e pode ensinar um pouco pros outros (Recife).

    As questes que se apresentam mais relevantes nessa esfera so a expanso do acesso ao Ensino Mdio, a necessidade de ampliao dos quadros de professores(as) das escolas, em especial das pblicas, e tambm um maior investimento na qualifi-cao docente. Nesse sentido, a formao dos professores(as) surtiria mais efeito na medida em que propiciasse novas estratgias de ensino.

    Ao se referirem formao de professores(as), os(as) jovens demonstram um entendimento sobre a complexidade da questo, relacionando esta demanda com outras, tais como a valorizao dos(as) docentes, o que inclui um salrio melhor, e o incentivo, por parte do Estado, para que os(as) professores(as) possam melhorar sua didtica ou, ento, para que estejam mais motivados para o exerccio do magistrio, a fim de despertar o interesse do aluno. Tambm sugerem que a pouca qualificao dos(as) professores(as) e sua baixa remunerao trazem danos para a educao, uma vez que os(as) profissionais demonstram pouca motivao para realizar seu trabalho, imputando aos(s) estudantes a responsabilidade pela educao de baixa qualidade que recebem.

    Ao mesmo tempo em que falam da baixa qualificao dos(as) professores(as), os(as) jovens valorizam a presena desse(a) profissional em seu processo de ama-durecimento e crescimento: o professor tem uma parcela muito importante, assim, na vida de qualquer pessoa (Rio de Janeiro).

    A falta de docentes nas escolas percebida como causadora de profundos danos na vida dos(as) estudantes, principalmente aqueles relacionados sua vida futura e insero no mercado de trabalho: tem muita gente que fica s vezes meses sem professores em matrias importantes e acaba terminando o segundo grau, assim, com uma grave deficincia de matrias, e a fica mais difcil querer almejar vos maiores, pra depois conseguir um emprego melhor (Rio de Janeiro).

    Ainda relacionadas formao dos(as) professores(as), os(as) jovens tecem inmeras crticas e comentam sobre frustraes em relao escola:

    Os professores no se preocupam com os alunos, no explicam bem as matrias. (...)

    Talvez eles achem porque o salrio baixo e eles acham que podem fazer isso, no caso,

    no explicar direito.(...) Muitas das vezes os nossos pais trabalham e no tm como, assim,

    chegar em casa: meu filho, deixa eu ver teu caderno, deixa eu ver o que tu fez hoje, eles

    nem podem exigir nada dos nossos professores porque ns estudamos na escola

    pblica. O que ns queramos que mudasse era isso, que o Governo pudesse estar mais

    voltado para as escolas pra ver o que t acontecendo nas nossas escolas (...), porque eu

    acho que ns estamos l pra aprender, ns somos pobres, no temos condio de pagar,

    mas nem por isso devemos ser menos, ter menos que as outras pessoas. (Belm)

  • 25

    As crticas, no entanto, vieram recorrentemente acompanhadas de uma idia ou proposta de melhoria, reiterando que o sentimento de decepo, mas no de descrena no papel da educao como elemento capaz de produzir mudanas.

    Vale ressaltar, tambm, que boa parte dos(as) jovens demanda um tipo de relao humana e pedaggica diferente daquela que tem recebido dos(as) docentes. Parece que, no interior de algumas escolas, h choque entre culturas e geraes que se expressaria como desrespeito ao() aluno(a) como sujeito social e cidado() portador(a) de direitos. Deste modo, os(as) jovens tambm demandam um maior dilogo e um maior vnculo entre eles(as), ou falam da necessidade de os(as) professores(as) se adaptarem aos alunos.

    Como j pontuado, os(as) docentes so alvo de muitas crticas, sendo, muitas vezes, classificados(as) como preguiosos e sem interesse no aprendizado do(a) aluno(a). Para alguns(mas) jovens, a greve se resume a uma coisa: justificativa pra ganhar salrio e descumprir o plano de aula. O professor que faz greve porque no quer dar aula, entendeu? Se no quer dar aula o que est fazendo na escola? (Dis-trito Federal). Para outros(as) jovens, no entanto, os(as) professores(as) no podem ser considerados(as) culpados pela m qualidade do sistema educacional, mas sim vtimas, como outros atores, de um sistema que no valoriza a educao: a escola ruim, na opinio dos(as) jovens, principalmente porque os(as) professores(as) no so suficientemente qualificados(as), o que seria papel do Estado.

    Embora identifiquem o papel fundamental do Governo na melhoria do sistema educacional, h falas igualmente recorrentes ao tratarem das responsabilidades que cabem aos(s) prprios(as) jovens, na condio de alunos(as). Ou seja, a escola seria ruim no apenas por culpa do Estado ou dos(as) professores(as), mas tambm por falta de interesse dos(as) alunos(as). L em Cachoeirinha, ns temos passeios, temos bons professores. O que precisa ns, os alunos, se interessar mais. Tem que ter mais interesse do jovem. E para isso acontecer tem que ter uma aula legal, com professores legais (Porto Alegre).

    Quanto aos currculos adotados pelas escolas, metodologia utilizada pelos(as) professores(as), ao material didtico e s atividades extras desenvolvidas, as falas dos(as) jovens revelam outras preocupaes. Assim, afirmam que as aulas so tra-dicionais e os professores no usam meios interessantes; faltam recursos, livros e aulas mais dinmicas; faltam incentivos culturais: escola promovendo peas de teatro, recitais de poesia, festivais de dana etc. (Porto Alegre).

    A reivindicao dos(as) jovens por mais investimentos e verbas em educao seguida pelo reconhecimento de um descaso dos governantes em relao rea. No se trata da iniciativa de um ou outro governo, mas h a percepo dos(as) jovens em relao a um processo que se arrasta na histria da educao e na histria poltica do nosso pas: a educao, como um direito social e um dever do Estado, no tem sido prioridade poltica.

    As afirmaes dos(as) jovens sobre essas reivindicaes remetem diretamente precariedade das condies de funcionamento da escola, especialmente da escola pblica. Eles(as) partilharam suas experincias pessoais de insero em escolas mal estruturadas, tanto do ponto de vista fsico quanto pedaggico: No adianta a gente ir para a escola e

  • 26

    a escola estar caindo aos pedaos, voc no tem prazer de ir pra aquela escola, a escola t com a mesa e voc pe a mo e a mesa cai, voc senta no cho e capaz de deitar pra fazer a lio porque voc no tem um ambiente pra isso (So Paulo).

    Os(as) jovens tambm reivindicam que as escolas os formem para insero no mundo do trabalho por reconhecerem que, dadas suas condies de vida, tal insero condio que se impe desde cedo. Os depoimentos sobre experincias de terem sido recusados(as) ou preteridos(as) em postos de trabalho por falta de experincia ou qualificao so recorrentes: precisam ser criados cursos pblicos para a qualifi-cao dos jovens (Belm).

    necessrio tambm destacar as referncias dos(as) jovens ao acesso Edu-cao Superior pblica. Elas so, em geral, relacionadas questo do nmero de vagas e de sua falta de condies para competir por elas no vestibular. Estes(as) reivindicam, antes de tudo, o acesso universidade. Vou falar uma coisa que eu pensei h algum tempo: se eu tiver oportunidade de falar ao Presidente, a primeira coisa a falta de oportunidades para os jovens entrar na universidade (Recife). Para os(as) participantes dos GDs, a inacessibilidade ao curso superior parece se constituir um grande entrave ao sonho da profissionalizao ou do crescimento profissional e a todas as garantias que a ele esto associadas, ainda que imaginariamente. Percebe-se, ainda, no depoimentos dos(as) jovens, que a vaga no Ensino Superior a que os(as) jovens se referem nos Grupos de Dilogo no qualquer uma, mas sim a da universidade pblica.

    A comparao entre os padres de acesso ou oportunidades diferenciadas para jovens pobres e ricos(as) claramente identificada. Deste modo, sendo as necessidades e aspiraes dos(as) jovens pobres e as dos(as) ricos(as) to marca-damente diferenciadas, estas precisam ser, portanto, obrigatoriamente consideradas no desenho das polticas.

    Como meio capaz de inverter tal quadro, os(as) jovens lanaram mo da seguinte proposta: reserva de vagas nas universidades pblicas para pessoas pobres (inde-pendente da cor) e oferta de cursinhos preparatrios para o vestibular, manifestando a idia de que se faa justia para aqueles que estudaram em escolas pblicas, o que tornaria esse o pblico prioritrio das universidades.

    Relacionada questo da democratizao do acesso ao Ensino Superior, aparece, no sem polmica, tambm a questo das cotas para afrodescendentes e alunos(as) egressos(as) das escolas pblicas. Mesmo com a garantia das cotas, os(as) jovens con-sideram muito difcil a permanncia de um(a) jovem pobre na universidade pblica:

    (...) no adianta apenas proporcionar cotas para alunos carentes e negros, j que no teriam

    condies de arcar com os gastos que uma universidade gera, como, por exemplo: os livros

    e os materiais didticos, as famosas xerox que os alunos de universidades conhecem como

    funcionam, a alimentao e o transporte. Precisamos ter um apoio (Rio de Janeiro).

    Ao mesmo tempo, muitos(as) jovens consideraram que o sistema de reserva de vagas nas universidades, sobretudo para negros(as) ou ndios(as), refora a dis-criminao em vez de combat-la. Ou seja, a poltica de cotas , nessa viso, um mecanismo que ratifica o preconceito racial existente no Brasil: Cotas, isso um tipo de preconceito social tentando consertar um preconceito racial. No seria para negros,

  • 27

    mas para pobres (Salvador). No ponto de vista dos(as) jovens, as questes a serem prioritariamente enfrentadas seriam, assim, a da melhoria da qualidade da escola e a da superao das desigualdades sociais.

    No entanto, ainda que difuso ou mal assimilado, interessante verificar que o debate em torno das cotas j demonstra ter chegado at os principais sujeitos para quem estas foram pensadas [a saber, jovens pobres e egressos(as) do Ensino Mdio pblico e, em algumas modalidades, jovens pobres e negros(as) egressos(as) do Ensino Mdio pblico]. Trata-se de um sinal sobre a necessidade premente de um maior aprofundamento do debate em torno do assunto, sobretudo com aqueles(as) que se constituem os(as) maiores interessados(as).

    A demanda por qualificao profissional e a referncia direta aos cursos profis-sionalizantes foi um dos temas recorrentes dos GDs, evidenciando a percepo dos(as) jovens de que a formao um diferencial na disputa pelos empregos escassos. A importncia desses cursos se evidenciou na Pesquisa de Opinio, que informa que 66,5% dos(as) jovens entrevistados(as) participam ou j participaram de algum tipo de atividade de natureza extra-escolar. A maior incidncia de participao entre todas as classes sociais encontra-se em cursos de informtica/computao (44,1%), profis-sionalizantes (19,3%), esportivos (15,4%) e de lngua estrangeira (11,6%), ou mesmo, aqueles relacionados com atividades culturais (msica/teatro/artes plsticas/danas/outras) que, segundo alguns(mas) jovens, tambm podem servir como cursos de pro-fissionalizao na rea da arte e cultura. No entanto, menor a participao dos(as) jovens mais pobres, negros(as) e de baixa escolaridade nesses espaos de formao complementar. Essa situao testemunha que a desigualdade educacional tambm manifesta no acesso s oportunidades de complementao formativa e de acesso a bens culturais que se encontram disponveis de forma mais abrangente e qualificada para jovens brancos(as) e oriundos(as) das classes de maior poder aquisitivo.

    Reforando esse quadro, e considerando que os cursos de informtica/compu-tao esto entre os mais procurados pelos(as) jovens e entre os percebidos como necessrios para insero no mercado de trabalho, revelou-se tambm que 51,2% dos(as) pesquisados(as) no tinham acesso a computadores. A diferena de classe ainda mais acentuada j que mais de 80% dos(as) jovens das classes A/B dizem ter acesso, enquanto na classe C, esse percentual cai para 47,5%, diminuindo ainda mais entre os(as) jovens das classes D/E (24,2%) o acesso a computadores.

    O abismo que separa jovens de diferentes classes no que diz respeito deno-minada incluso digital evidencia as desigualdades quando h necessidade de uma base material para que o hbito de utilizao de computadores se torne realidade. O dado revela, ainda, a pouca eficcia de polticas pblicas que deveriam colocar disposio dos(as) jovens das demais classes, em especial as D/E, equipamentos de uso coletivo, seja em escolas, centros e associaes comunitrios etc., seja propiciando linhas de crdito para que os(as) jovens e suas famlias adquiram tal equipamento, dando um passo adiante na incluso digital da maioria da populao brasileira.

    A escola parece ser local privilegiado de acesso, uma vez que, entre os(as) que esto estudando, a porcentagem de acesso de 58,3%, enquanto de 40,7% entre os(as) que no estudam. A diferena do tipo de escola freqentada pelos(as) jovens se coloca

  • 28

    uma vez mais: 83,4% dos(as) jovens que estudaram em escola privada tm acesso ao computador, contra apenas 43,5% dos(as) que estudaram em escola pblica.

    H, ainda, diferenas regionais na distribuio do acesso a computador, com maior percentual de jovens com acesso nas Regies Metropolitanas do Sudeste e do Sul e no Distrito Federal, como aponta a tabela a seguir:

    No que se refere ao acesso internet, o quadro delineado anteriormente se agrava ainda mais. No geral, 42,7% dos(as) jovens entrevistados(as) disseram acessar a internet. No entanto, enquanto 50,6% dos(as) jovens que se declararam brancos(as) tm acesso, entre os(as) negros(as) o percentual de 33,6%. Em relao freqncia do acesso internet, os(as) jovens que acessam sempre em maior proporo so brancos(as), das classes A/B, com Ensino Mdio completo ou mais e aqueles que estudaram em escola privada.

    Fonte: IBASE/POLIS. Pesquisa de Opinio Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas, 2005.

    Acesso dos(as) jovens a computador, segundo Regies Metropolitanas e Distrito Federal (em %)

    Regio Metropolitana Jovens com acessoBelm 36,0

    Belo Horizonte 42,2 Porto Alegre 48,7

    Recife 35,7 Rio de Janeiro 51,6

    Salvador 44,7 So Paulo 53,7

    Distrito Federal 49,7Regies agregadas e DF 48,8

    Tabela 8

    Nan

    do N

    eves

  • 29

    6.2. Trabalho

    A questo do trabalho uma das grandes preocupaes no campo das polticas pbli-cas para a juventude, considerando os intensos processos de transformao produtiva e de mudana social pelos quais passam as sociedades contemporneas. Existe uma convico generalizada de que necessrio desenvolver aes concretas que melhorem a situao atual, levando-se em conta o aumento da excluso desse grupo social e da limitada oferta de oportunidades. O desemprego entre os(as) jovens brasileiros(as) significativamente superior ao do restante da populao. Ainda que tenha havido, ao longo dos anos, aumento das mdias de escolarizao dos(as) jovens, no houve au-mento proporcional na oferta de empregos. Postos de trabalho que eram tradicionalmente ocupados por jovens sem experincia profissional so hoje ocupados por adultos(as) com prvia experincia esta uma exigncia para ocupao de vagas cada vez mais recorrente e inibidora do acesso dos(as) jovens aos postos de trabalho.

    Durante os Grupos de Dilogo, o tema trabalho apareceu como uma das maio-res preocupaes dos(as) jovens, confirmando dados de pesquisas nacionais sobre a situao de desemprego da juventude, sobretudo das camadas populares.

    Na primeira etapa desta pesquisa, dos(as) 8.000 jovens entrevistados(as), 60,7% declaram no estar trabalhando13. A pesquisa considerou tambm as formas de trabalho remunerado sem vnculo formal. Considerando as faixas etrias, 60,6% dos(as) que tm entre 18 e 20 anos e 47,7% dos(as) que tm 21 e 24 anos de idade no trabalham. Dos(as) jovens entre 15 e 17 anos, idade destinada escolarizao, 22,2% se encontrava trabalhando na ocasio da pesquisa. Os(as) jovens com filhos(as), casados(as) ou em outras situaes conjugais, em maior nmero, declaram estar trabalhando em algum tipo de atividade remunerada, considerando a necessidade de se inserir no mundo de trabalho pela condio que se impe a esses(as) jovens que assumem novas responsabilidades frente constituio da prpria famlia.

    Relacionando escolaridade situao de trabalho, dos(as) que tm o Ensino Mdio completo ou mais, 52,4% estavam trabalhando.

    Dos(as) jovens que informaram no estar trabalhando, 62,9% disseram estar a procura de trabalho. As desigualdades de classe social ficam evidentes quando observa-se que 69,5% dos(as) jovens das classes D/E estavam procurando trabalho, enquanto 49,6% das classes A/B se encontravam na mesma condio. Tambm significativo o nmero de jovens da classe C que afirmou estar procura de trabalho, um total de 65,6%.

    E enquanto 70,2% dos(as) jovens negros(as) que no estavam trabalhando procuravam trabalho, esse percentual caa para 58,5% entre os(as) brancos(as). As desigualdades se confirmam quando o assunto o tipo de escola freqentado pelos(as) jovens(as): dos(as) que estudaram em escola pblica, 66,7% estavam pro-curando trabalho, enquanto apenas 42% dos(as) que estudaram em escola privada se encontravam na mesma situao.

    J entre os(as) que trabalham, 30,5% so empregados(as) com carteira assinada e 44,6% so empregados(as) sem carteira assinada, trabalhadores(as) por conta prpria ou autnomos(as) sem vnculos com a Previdncia Social14.

    13. Cabe ressaltar que no trabalhar pode significar que o(a) jovem esteja apenas estudando, encontre-se desempregado(a) ou ainda em situao de inatividade, fenmeno comum que pode estar associado ao desestmulo frente ao insucesso na busca de emprego.

    14. Neste mesmo quadro de ocupao, os(as) aprendizes so 6,4%;4,4% so autnomos(as) com vnculo com o INSS, 9,6% so bolsistas, estagirios(as), funcionrios(as) pblicos(as) ou empregadores(as), 4,1% encontram-se em outras situaes de trabalho e 0,5% no souberam ou no opinaram.

  • 30

    Os(as) jovens empregados(as) sem carteira assinada das classes A/B so 16,1%, contudo, entre os(as) das classes D/E, o percentual chega a 33,8%, denotando a maior instabilidade nas relaes de trabalho a que so submetidos os(as) jovens das classes mais pobres.

    O quadro desenhado pela primeira fase da pesquisa aponta para uma preca-riedade na situao de trabalho entre os(as) jovens que atinge mais intensamente os(as) mais pobres, os(as) negros(as), os(as) de menor faixa etria e os(as) menos escolarizados(as).

    Dentre os(as) jovens que estiveram presentes nos Grupos de Dilogo (913), a faixa de idade entre 21 e 24 anos foi aquela em que se registrou o maior nmero de jovens ocupados(as) em todas as regies, confirmando que, nessa faixa etria, as pessoas tm mais oportunidades de ocupao [ou so mais pressionados(as) a busc-la] do que em faixas mais jovens. Considerando a relao dos(as) jovens participantes dos dilogos com o trabalho nas sete Regies Metropolitanas investigadas e no Distrito Federal, a taxa de ocupao foi de 34%. Os destaques se encontram em Belo Horizonte e Recife. A regio mineira registrou a maior proporo de jovens ocupados(as) (54,9%) e Recife, a menor (27,4%). No conjunto das regies investigadas, 19,4% dos(as) mais jovens (at 17 anos) trabalhavam. A regio de Belo Horizonte, contudo, ficou acima da mdia nacional, com a maior proporo de atividade de trabalho entre os(as) mais jovens (47%). Em Braslia, ocorreu o menor ndice (12,9%) de jovens at 17 anos que informaram no exercer atividade de trabalho no momento da realizao dos dilogos15.

    15. Em Salvador, a pergunta sobre trabalho no foi impressa na matriz da Ficha Ps-Dilogo e por isso todas as cpias utilizadas na aplicao dos questionrios foram prejudicadas.

    Situao de trabalho de jovens participantes dos Grupos de Dilogo, por Regio Metropolitana e DF*

    Grfico 2

    * Em Salvador o dado no foi apurado.

    44

    Trabalha No trabalha

    54 55

    43

    58

    4037

    61

    27

    72

    39

    61

    45

    55

    Belm Belo Horizonte

    Braslia Porto Alegre

    Recife Rio de Janeiro

    So Paulo

    Nm

    ero

    de re

    spos

    tas

    Fonte: IBASE/POLIS, Grupos de Dilogo Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas, 2005.

  • 31

    A partir deste quadro, no estranho perceber que, ao longo dos Grupos de Dilogo, o trabalho apareceu relacionado prpria sobrevivncia, como destaca uma jovem, ao apont-lo como eixo pelo qual os demais aspectos da vida poderiam ser satisfeitos: voc trabalhando, voc tem uma renda, no tem? Com uma renda, voc pode freqentar um teatro, cinema, ir numa praa, comer um cachorro-quente que, s vezes, voc no tem nem R$ 2,00 para comer um cachorro-quente. Estou falando a verdade (Rio de Janeiro).

    As questes mais recorrentes nas falas dos(as) jovens aps dialogarem sobre as preocupaes em relao ao trabalho encontram-se no quadro a seguir

    A ampliao do mercado de trabalho para jovens e o acesso ao primeiro emprego foram as preocupaes que mais apareceram nos dilogos. Os(as) jovens apresentaram, claramente, algumas formas de excluso do mercado de trabalho, como o caso do desemprego, do subemprego e da discriminao para o ingresso: Hoje a oportunidade de trabalho t bem difcil. Ns vamos nas firmas, pedimos emprego, s que como ns temos um baixo estudo, ensino, ns no conseguimos, muitas das vezes (Belm).

    Assim, a maioria dos grupos de jovens priorizou a ampliao do mercado de trabalho, ou seja, um mercado que acolha o(a) jovem que busca sua primeira insero nesse universo.

    Uma reclamao recorrente quanto incoerncia do mercado, que cobra a to falada prtica profissional daqueles(as) que esto justamente demandando a sua primeira oportunidade de emprego, evidenciando a insuficincia das polticas de incorporao dos(as) jovens ao mercado de trabalho, tanto por parte do Governo quanto das empresas: Acho que a falta de oportunidade que o Governo e as em-presas no do para os jovens em termos de servio (Distrito Federal).

    Como possveis alternativas para ampliar o nmero de vagas no mercado de trabalho, jovens de diferentes regies apontaram o estabelecimento de convnios com empresas e a garantia de um incentivo fiscal aos empregadores que abrissem novas vagas para a juventude.

    Fonte: IBASE/POLIS, Grupos de Dilogo Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas, 2005.

    O restrito mercado de trabalho para os(as) jovens

    Conseguir o primeiro emprego

    Enfrentar preconceitos por serem jovens e inexperientes, em sua entrada no mercado de trabalho

    O que preocupa os(as) jovens em relao ao trabalho

    Quadro 2

  • 32

    Assim, dentre as demandas em relao ao trabalho, os estgios aparecem como uma estratgia de sobrevivncia imediata, na tentativa de superar as exigncias do mercado de trabalho, enquanto o primeiro emprego no chega: (...) se voc tem que trabalhar pra ajudar a sua famlia ou pra pagar um curso ou uma faculdade, e acho que um estgio remunerado ajudaria nesse sentido. Voc est ganhando experincia e voc est sendo pago (So Paulo).

    Curiosamente, grande parte dos(as) jovens participantes dos Grupos de Dilogo percebe o estgio mais como uma oportunidade de emprego do que como uma forma de qualificao profissional. Reclamam que, na maioria das vezes, as pessoas que necessitam no tm a devida qualificao, como cursos de informtica ou de lnguas, para concorrer s vagas.

    No entanto, alguns(mas) jovens atrelaram essa questo muito mais capaci-dade de o indivduo buscar o emprego, afirmando que a qualificao nem sempre o principal determinante para se conseguir um estgio. E na questo de que no tem opo para todo mundo. s voc correr atrs mesmo. Por isso a gente colocou ali, a pessoa tem que procurar a tal oportunidade. (...) Eles (os contratadores) no esto interessados se voc tem ou no cursos profissionalizantes. Eles esto interessados em botar uma pessoa que realmente est querendo trabalhar (....) (Distrito Federal).

    Um terceiro condicionante para a excluso dos(as) jovens dos postos de tra-balho diz respeito discriminao que eles(as) enfrentam. E esta, alm de se fazer pela falta de capacitao apropriada e de experincia, se utiliza de outros critrios que abrem caminhos para prticas perversas, alm de ilegais, como a discriminao pela aparncia e por racismo ou por ndices de pobreza revelados na aparncia.

    (...) Tambm tem um negcio, eu sou branquinha, ela negra. Tem gente que uma

    recepcionista negra, tem cliente que no gosta. Negcio de roupa, de ser nordestina. A

    gente colocou no nosso que excluir na hora de voc fazer uma entrevista de emprego

    (So Paulo).

    Para os(as) participantes, alguns postos de trabalho esto efetivamente cen-surados para a populao negra: trata-se dos empregos que exigem boa aparncia, identificada como uma aparncia branca. A discusso sobre a discriminao tambm abriu espao para o dilogo sobre a aceitao ou no de determinados estilos juvenis que podem dificultar a conquista da vaga de trabalho. Este foi o caso do uso do pier-cing e da tatuagem, que costumam gerar desconfianas e rejeies por parte dos(as) empregadores(as). Os(as) jovens, ento, utilizam estratgias variadas para esconder essas marcas de identidade capazes de, simultaneamente, fortalecer a identidade nos coletivos juvenis e fragilizar os(as) jovens candidatos(as) ao mercado de trabalho. As discriminaes de cor, de gnero e de classe, tambm apontadas como fatores de desemprego desses segmentos, so reforadas neste depoimento: O preconceito contra negros, gordos, ndios e pobres, a classe mdia baixa, pessoa que mora na periferia, pessoa de baixa renda (Distrito Federal).

    Tem-se, assim, que essa busca quase sempre frustrada por trabalho e os obst-culos a serem superados pelos(as) jovens conseqncias do chamado desemprego estrutural , por mais que sejam uma marca geracional, esto concentrados, tal como

  • 33

    a violncia, em determinados segmentos da populao: os(as) mais pobres; os(as) negros(as); os(as) moradores(as) de favelas e periferias urbanas, entre outros.

    Alm de todas essas barreiras, ainda h uma outra caracterstica que estrutura as relaes de trabalho a partir das relaes de conhecimento pessoais.

    (...) Se pra falar a realidade, vamos falar a realidade completa, nua e crua, porque eu

    trabalho numa empresa, assim, razovel, trabalho de office-boy, entregando os documen-

    tos na rua, mas por que eu estou l? Porque um amigo meu trabalha diretamente com

    o chefo. Eu estou bem, estou trabalhando, estou ganhando o meu dinheiro. Mas quem

    que foi que me colocou l? (...) porque no todo mundo que tem a oportunidade que

    eu tive, ento eu acho que bom a gente sempre pensar nisso (Rio de Janeiro).

    Uma outra questo que tambm merece ser abordada aqui diz respeito relao trabalho e escola, que esteve presente nos dilogos. Vrios(as) jovens afirmaram que no possvel conciliar o tempo de escola com o do trabalho. As duas instituies no dialogam entre si e, no contexto social de elevado desemprego, na maioria das vezes, quando surge uma oportunidade de trabalho, em geral a opo feita pelo(a) jovem o abandono dos estudos.

    Os(as) jovens mais pobres se referem ainda a dificuldades maiores quando a freqncia s aulas precisa ser combinada com o perodo de trabalho. Ao mesmo tempo, propem a ampliao do repertrio da escola, de forma a atender s neces-sidades do mercado de trabalho ou da continuidade dos estudos, e enxergam na flexibilizao do cotidiano da escola (horrios, rotinas e prticas) a possibilidade da incorporao das experincias tambm diferenciadas que trazem da condio de serem simultaneamente trabalhadores(as) e alunos(as):

    (...) E empregador abrir espao de jornada de seis horas de trabalho para os estudantes.

    Ns somos jovens, temos que estudar, que isso pra gente essencial. S que como a

    gente vai estudar, se a gente trabalha l oito, dez horas por dia? Ento vai acabar uma

    coisa prejudicando a outra. Ou a gente tem que abrir mo do trabalho, ou da escola

    (Belo Horizonte).

    J. R

    . Rip

    per

  • 34

    6.3. Cultura e lazer

    Nos Grupos de Dilogo, os(as) jovens foram estimulados(as) a falar sobre cultura e lazer, questes que ocupam um lugar significativo na vida desses sujeitos, como apontam tambm os dados da primeira fase da pesquisa.

    Foi recorrente a relao direta entre cultura/lazer, educao e trabalho, os trs temas eixos dos Grupos de Dilogo, mostrando os dilemas com que se defrontam os(as) jovens: se o(a) jovem no tem acesso a uma escola de qualidade, no consegue um trabalho, e se no ganha dinheiro, no pode ter acesso cultura e ao lazer: (...) se voc no tem trabalho, no tem como fazer lazer (Recife). A fruio do lazer implica custos que no podem ser assumidos diretamente pelos(as) jovens.

    As principais questes discutidas pelos(as) jovens, dentre as muitas aborda-das em relao cultura e ao lazer, foram agrupadas em temas, sendo os principais destacados no Quadro 3, a seguir.

    Nas oito regies includas na pesquisa, foi consenso, entre os(as) jovens participantes, a necessidade de mais acesso cultura e ao lazer, como resume a fala desse jovem:

    Porque bom a gente frisar que o lazer, de certa forma, ele a vlvula de escape da pessoa.

    A pessoa trabalha o dia inteiro, ela estuda, ela faz tudo, mas ela quer ter uma hora onde ela

    vai descansar, que ela vai aliviar as tenses do dia-a-dia, que ela vai esquecer de tudo.(...)

    E eu acho que importante o lazer na vida dos jovens, porque todo jovem gosta de praticar

    o lazer, s que falta oportunidade mesmo, falta s vezes tempo, falta infra-estrutura, que

    muito importante, e falta, acima de tudo, a segurana (Distrito Federal).

    Nos depoimentos, a maior incidncia das demandas dos(as) jovens recai sobre as questes relacionadas ao acesso a espaos de cultura e lazer, descentralizao desses espaos e necessidade de manuteno constante.

    As reclamaes, neste caso, so amplamente justificadas. No geral, aes relacionadas prtica do esporte, ao acesso cultura e ao lazer fazem parte do re-ferencial de expectativas dos(as) jovens que manifestam no apenas a vontade, mas

    Fonte: IBASE/POLIS, Grupos de Dilogo Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas, 2005.

    O que preocupa os(as) jovens em relao cultura e ao lazer

    Falta de acesso a espaos de cultura e lazer

    Concentrao da oferta nas zonas de maior poder aquisitivo das cidades

    Pouca valorizao da cultura brasileira/regional

    Falta de apoio/patrocnio visando baratear os custos

    Falta de segurana

    Quadro 3

  • 35

    a percepo do direito a tal acesso, indicando que o(a) jovem no quer s comida, quer comida, diverso e arte, tal como anuncia a letra da msica de importante banda brasileira de rock16.

    Na Pesquisa de Opinio, quando perguntados(as) sobre os lugares que mais freqentam, grande maioria disse freqentar shoppings (69,2%), que aparece em primeiro lugar na preferncia dos(as) jovens, independente de classe, sexo, cor, religio ou esco-laridade. Em seguida, esto os cinemas, com 51,2%; seguido de parques e praas, com 47,8%; teatros, com 15,1%; e centros culturais, com 13,7%. 13,1% deles(as) disseram no costumar freqentar esses lugares e apenas 11,6% freqentam museus. Quando feita a clivagem por classe, verifica-se que quanto mais elevada a classe, maior a fre-qncia em todos os espaos sugeridos. E para os(as) jovens das classes D/E, parques e praas aparecem em segundo lugar (47,8%), atrs apenas dos shoppings.

    16. Referncia Comida, msica da banda paulista Tits, escrita por Arnaldo Antunes, Marcelo Frommer e Srgio Brito, 1987

    Como j se chamou a ateno, a maior parte dos(as) jovens participantes dos dilogos eram das classes C, D e E, o que pode explicar a forte presena do aspecto da carncia, da falta, que aparece dessa vez relacionada aos espaos voltadas para cultura e para o lazer:

    Que ns pudssemos ter um local pra, assim, digamos, um parque aqutico, coisa as-

    sim, pra gente poder se divertir um pouco, que isso fosse pblico, no fosse particular,

    porque a gente no tem condies. parte da nossa educao (Belm).

    Nesse sentido, pode-se buscar entender a elevada freqncia dos(as) jovens pesquisados em espaos como o shopping, que dada a forte articulao feita entre lazer e violncia, tornou-se uma opo sem custo e de alguma maneira segura. As praas de alimentao, por exemplo, tornaram-se ponto de encontro de alguns grupos de jovens de diferentes estilos que as reconhecem como alternativa para encontrar seus pares. Apesar disso, preciso pontuar at que ponto os shoppings configuram

    Lugares que os(as) Jovens Costumam Freqentar (em %)

    Lugares (*) Total Classes A/B Classe C Classes D/E

    Shoppings 69,2 82,4 72,3 53,8Cinemas 51,2 75,0 52,4 29,3

    Parques e praas 47,8 50,9 46,2 47,8

    Teatros 15,1 24,6 14,0 8,8Centros culturais 13,7 20,3 13,3 8,6

    Museus 11,6 17,7 11,4 7,2Nenhum

    desses lugares 13,1 6,4 10,8 22,2

    Ns/No 0,8 0,4 0,9 1,0

    Tabela 9

    Fonte: IBASE/POLIS. Pesquisa de Opinio Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas, 2004.

    (*) Comporta Resposta Mltipla e Estimulada.

  • 36

    um espao realmente pblico de encontro e fruio, uma vez que apenas pouco mais da metade (53,8%) dos(as) jovens das classes D/E indicaram freqent-los, enquanto entre os(as) jovens das classes A/B, esse percentual sobe para 82,4%.

    Ainda em relao cultura/lazer, foram evidenciadas duas formas distintas de os(as) jovens encararem ou analisarem o no acesso aos bens culturais. H opinies que apontam a auto-excluso, como, por exemplo: d pra ir sim, no precisa gastar dinheiro, no precisa comer nada; tem muita coisa acontecendo, as pessoas que no vo (Belm). E outras que sinalizam a falta de divulgao de atividades ou eventos que acontecem de graa, mas que a populao mais pobre, que mora distante dos locais mais badalados e que no tem acesso aos veculos de comunicao utilizados para divulgar atividades desse tipo, acaba por no tomar conhecimento ou s fica sabendo aps estes terem acontecido:

    Eu j fui na universidade estadual ver dana contempornea... Eu gosto, mas eu no

    tenho tanto acesso. Eu no tenho nem conhecimento. Eu acho que no chega nem

    populao de algumas facilidades que s vezes surgem, no chega ao conhecimento

    do pobre (Rio de Janeiro).

    Ou ainda a necessidade de:

    (...) maior divulgao por televiso, rdio, panfletos, dos eventos culturais (gratuitos,

    acessveis); facilitar o acesso das pessoas mais distantes (de baixa renda) aos projetos

    culturais, como peas etc.; descentralizao dos centros culturais (Salvador).

    Nesse ponto, importante ter em mente que, na Pesquisa de Opinio, a grande maioria dos(as) jovens pesquisados(as) disse se informar sobre o que acontece no mundo (85,8%). No entanto, o meio atravs do qual acessam a informao so, prioritariamente, a televiso (84,5%), seguida por jornais e revistas impressos (57,1%) e pelo rdio (49%).

    17. Mas preciso lembrar que mais da metade dos(as) jovens entrevistados(as) no estava na escola e, para esses(as), no possvel ter acesso informao por meio de professores(as) e ou colegas da escola.

    Fontes e meios de informao utilizados pelos(as) jovens17

    Fontes e meios de informao (*) Percentual de jovens

    Televiso 84,5Jornais/Revistas escritos 57,1

    Rdio 49,0Amigos(as)/Turma/Colegas de trabalho 28,0

    Internet 27,0Familiares 18,0

    Colegas de escola 15,0Professores(as) 14,4Outras fontes 4,4

    Ns/No 0,1

    Fonte: IBASE/POLIS. Pesquisa de Opinio Juventude Brasileira e Democracia: participao, esferas e polticas pblicas, 2005.

    Tabela 10

    (*) Resposta Mltipla e Estimulada.

  • 37

    H, portanto, uma predominncia da televiso como meio atravs do qual os(as) jovens, independente de classe, cor, sexo, escolaridade, ou qualquer outra clivagem, tm acesso informao. Uma poltica que esteja comprometida com a demanda dos(as) jovens por informaes sobre atividades culturais pblicas ou gratuitas precisa considerar esta capilaridade dos meios de comunicao, especialmente a televiso, no cotidiano dos(as) jovens.

    interessante destacar que os debates em alguns Grupos de Dilogo dei-xaram transparecer uma tenso entre duas perspectivas: de um lado, a demanda por descentralizao da oferta de oportunidades de fruio cultural. E, de outro, a sugesto de extenso do passe-livre para que os(as) jovens, e no apenas os(as) estudantes, possam circular pela cidade, em direo aos espaos em que esses bens esto disponveis. Nesse debate, est subjacente a questo do exerccio do direito cidade, em especial para os(as) jovens das camadas populares.

    Os(as) jovens tambm percebem o papel do poder pblico na promoo de eventos culturais, ao sugerirem que:

    A Prefeitura deveria investir ainda mais na cultura, trazendo eventos, Bienal do Livro,

    quando acontece, trazer peas de teatro ao ar livre, que acontece muito tambm, mas s

    que no muito divulgado, no h muita propaganda. Ento eles colocam a propaganda

    na Globo: ah, vai ter um evento hoje ... uma vez. Ento a pessoa no vai saber, no vai

    poder ter a oportunidade de ver aquela pea (Rio de Janeiro).

    E ao apresentarem como demanda o apoio do Governo e dos empresrios na construo de mais iniciativas culturais, os(as) jovens tambm demonstram cobrar da iniciativa privada o retorno social dos seus lucros. No podemos afirmar que essa reflexo seja feita de forma elaborada pelos(as) mesmos(as), mas no h como negar que eles(as) sinalizam que no s o Governo o nico responsvel pelo atendimento s demandas sociais da populao brasileira.

    A questo da descentralizao dos espaos de cultura e lazer, com a criao de outros espalhados pela Regio Metropolitana, nos bairros distantes e municpios vizinhos, e ainda, a necessidade de constante manuteno desses espaos tambm se fizeram presentes nas discusses dos(as) jovens:

    (...) de levar a cultura pras cidades de fora, no ficar somente na capital. Sair fora do

    centro (Porto Alegre).

    (...) (instalar) plos de cultura, teatros e cinemas populares dentro desses plos culturais...

    Vrios, porque precisa em cada localidade... O fato da palavra populares j diz, j inclui

    o custo. Populares costuma ser um real, ou at grtis (Rio de Janeiro).

    (...) oportunidade de levar o teatro, a cultura para os bairros mais pobres e levar os grupos

    de bairros humildes aos teatros de alto porte.(...) Abrir mais espaos para que os jovens

    tenham outras oportunidades de lazer e cultura, espaos em lugares pblicos para que

    todos possam ter acesso ao que hoje no tm. Cuidar das reas de lazer que existem e

    criar novas. Uso racional dos parques pblicos com melhor manuteno (Salvador).

  • 38

    Um dos grandes entraves ao acesso a bens culturais o