justine ou os infortúnios da virtude

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Justine ou Os Infortúnios da Virtude, romance do Marquês de Sade, escrito em 1787, publicado pela primeira vez em 1791 nos faz analisar até onde vai nossa perseverança no mundo e nos homens. J ustine protagoniza uma história de sofrimento, que começa após a morte de seus pais e conseqüente a perda de seus bens, assim como de sua estabilidade social. Justine é uma mártir típica, disposta a morrer por sua fé, pelas suas crenças religiosas. Fazendo um paralelo analisaremos também como a fé e a moralidade de Jó, livro da bíblia do antigo testamento, o acompanhou a ponto de não se entregar a “perdição” do mundo. Sade narra uma historia de sofrimento e nos mostra uma perversão que é uma constante na narrativa, às leis são feitas e as penas são aplicadas pelos maiores transgressores. Justine sofre, muito, é castigada, mal tratada, escravizada e não ousa duvidar da justiça da providência, é imune a qualquer tipo de corrupção. Justine parece o tempo inteiro vulnerável e frágil, mas ao mesmo tempo firme nas suas convicções, coerente, disposta a enfrentar qualquer coisa e qualquer pessoa pela sua fé e seus valores, percebemos como ela é personificadora da virtude ou dos princípios cristãos, tais como benevolência, castidade, solidariedade e justiça, mas ainda assim acaba sempre envolvida, inocentemente, em delitos, homicídios e depravações, entretanto sem perder a fé. A personagem demonstra que mesmo sofrendo ela seria incapaz de “cair” na escuridão da desonestidade e macular sua alma. Nesse mesmo contexto partimos para um paralelo

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Page 1: Justine Ou Os Infortúnios Da Virtude

Justine ou Os Infortúnios da Virtude, romance do Marquês de Sade,

escrito em 1787, publicado pela primeira vez em 1791 nos faz analisar até

onde vai nossa perseverança no mundo e nos homens. Justine protagoniza

uma história de sofrimento, que começa após a morte de seus pais e

conseqüente a perda de seus bens, assim como de sua estabilidade social.

Justine é uma mártir típica, disposta a morrer por sua fé, pelas suas crenças

religiosas. Fazendo um paralelo analisaremos também como a fé e a

moralidade de Jó, livro da bíblia do antigo testamento, o acompanhou a ponto

de não se entregar a “perdição” do mundo.

Sade narra uma historia de sofrimento e nos mostra uma perversão

que é uma constante na narrativa, às leis são feitas e as penas são aplicadas

pelos maiores transgressores. Justine sofre, muito, é castigada, mal tratada,

escravizada e não ousa duvidar da justiça da providência, é imune a qualquer

tipo de corrupção. Justine parece o tempo inteiro vulnerável e frágil, mas ao

mesmo tempo firme nas suas convicções, coerente, disposta a enfrentar

qualquer coisa e qualquer pessoa pela sua fé e seus valores, percebemos

como ela é personificadora da virtude ou dos princípios cristãos, tais como

benevolência, castidade, solidariedade e justiça, mas ainda assim acaba

sempre envolvida, inocentemente, em delitos, homicídios e depravações,

entretanto sem perder a fé.

A personagem demonstra que mesmo sofrendo ela seria incapaz de

“cair” na escuridão da desonestidade e macular sua alma. Nesse mesmo

contexto partimos para um paralelo com vida de Jó e sua aceitação diante das

provações divinas. As inúmeras questões presentes neste livro são tentativas

clássicas para conciliar a coexistência do mal e de Deus, do sofrimento do justo

e inocente. Os personagens dos livros analisados são diferentes, mas possuem

traços em comum, eles convergem-se em alguns pontos.

Em Sade, o livro aborda e dá ênfase ao vício e a injustiça como formas

de poder e ascensão a narrativa que transita entre o poder, o excesso, a

perdição com a submissão, o essencial, a salvação, o contido e a virtude que

são problematizados em Justine. Na bíblia percebemos essa submissão na

vida de Jó que aceita todo o sofrimento que a si foi estipulado por Deus. O

mesmo acredita que se Deus deu á Ele, ao mesmo é dado o direito de tomar.

Page 2: Justine Ou Os Infortúnios Da Virtude

Percebemos que apesar dos sofrimentos e das constantes injustiças pelos os

quais os personagens passaram, e por ter tido várias oportunidades de se

desviar pelos caminhos do vício, eles não se distanciaram de seus

fundamentos religiosos, revelando-se cada vez mais leais aos princípios aos

quais foram alicerçados.

Para compreender a dimensão dessa condição virtuosa que os dois

personagens possuem passamos a analisar o fundamento teórico que eles se

baseiam. Portanto, o cristianismo há uma inversão dos valores naturais,pois a

dor passa a ser valorizada, ela é um instrumento de salvação. Há no

cristianismo, uma relação muito forte entre dor e purificação, expiação do

pecado original. Com sua lógica inversa e de divinização dos fracos. Passamos

por provações impostas pelo mundo e não poderemos perecer, pois ao final

tudo será recompensado.

As historias narram as desventuras da vida de duas pessoas diferentes

que levam sua crença em Deus até as últimas consequências, que mesmo

explorados, violados, continuam acreditando na bondade dos homens,

procurando a todo o momento um feixe de luz sobre o coração de todos os

cruéis que encontram pela frente a sua salvação. Ainda pensando nesta idéia

de inversões que o cristianismo faz percebemos que geralmente os vencedores

parecem vencedores, e os perdedores parecem perdedores, mas “graças a

esse aspecto paradoxal do mito cristão o aparente perdedor pode ser,

realmente, o verdadeiro vencedor não reconhecido”.

Um padre italiano chamado Carlo Gnochi, escreveu um artigo

respondendo o porquê Deus permitiria que uma criança inocente sofresse. O

nome do artigo é “A Pedagogia da Dor Inocente”. Nele o padre explica que a

função da dor na pedagogia divina é devido à raiz desta dor, que é o pecado

original. O pecado original fez da dor, naturalmente uma manifestação de pena

e castigo por culpa, ou seja, expiação. Ele diz que a concepção de dor no

Antigo Testamento era individual, mas no Novo testamento esta relação é

diferente. Com a chegada de Cristo ele surge como um novo paradigma na

concepção da pedagogia da dor, ele “acrescenta à concepção de dor, o caráter

de purificação e redenção.” Segundo o padre Carlo, “Por meio da dor, com

Cristo, o homem não só pode reparar a sua culpa, como também conquistar e

Page 3: Justine Ou Os Infortúnios Da Virtude

merecer o prêmio de uma vida mais plena e indefectível. Eis ai que

percebemos que ambos os personagens “aceitam” o sofrimento como forma de

concepção da salvação divina, eles seguem a ideologia do cristianismo que é

divinizar o fraco, a vítima, e é por isso que Justine e Jó exatamente como dois

cristãos, levam os ensinamentos cristãos e o exemplo de Deus até as últimas

consequências.

É importante ressaltar que apesar dos sofrimentos dos personagens

eles se mantiveram intactos com os seus princípios com a mesma intensidade

do início ao fim da narrativa, mesmo com a tentativa de mudá-los como no

caso de Jó que foi questionado por ainda acreditar em Deus mesmo depois de

todas as desgraças em sua vida ou de Justine quando fora sem piedade vítima

de uma furiosa violação pelo Padre Antônio e obrigada a participar de

cerimônias libertinas, rituais de devassidão aos pés das imagens sacras junto

com mais sete mulheres enclausuradas por quatro Padres devassos. E lá

permaneceu durante anos sendo obrigada a cometer os mais violentos

atentados à sua crença sagrada para atender as fantasias e as violações de

todas as leis naturais. Mesmo assim, não abandonou os seus sentimentos de

religiosidade.

Enfim, até que ponto manteremos nossa virtude imaculada? Nossos

princípios inalterados? Até que ponto agüentaríamos uma provação em nome

da moral? As obras analisadas nos mostra como é uma linha tênue o excesso

e falta daquilo que a situação particular pede para o momento, onde tanto o

excesso quanto a falta são uma espécie de erro. Vimos como o virtuoso só

pode ser digno de tal atributo por meio do hábito de praticar cotidianamente

ações virtuosas. E deste modo contemplar a dimensão excelente da vida: a

felicidade enquanto recompensa da virtude.

Page 4: Justine Ou Os Infortúnios Da Virtude

Referencias

SADE, Marquês de. JUSTINE ou As Desgraças da Virtude. Tradução Celso Mauro Paciornik – São Paulo : Iluminuras, 2008.

BARTHES, Roland. Comentários. In: SADE, Marquês de. Os Infortúnios da Virtude. Trad. Celso Mauro Paciornik -. São Paulo: Iluminuras, 2008.

Sítios

O livro de Jô. Disponível em:

http://www.apostolas.org.br/2010/capela/biblia/antigo/Sapienciais/Jo.pdf

Acessado em 13.05.2014.

GNOCHI, Carlo. Doutrina: A pedagogia da dor inocente (resumo). Disponível em:

<http://juventutemlondrina.blogspot.com>

Acessado em: 13.05.2014