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IV Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2009 Justificação Inferencial e Probabilidade epistêmica Kátia Martins Etcheverry , Cláudio G. de Almeida (orientador) Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS, Resumo Introdução Consideremos, dentro da perspectiva do Fundacionismo Epistêmico, o seguinte princípio de justificação inferencial (PJI), proposto por Fumerton (1995, p. 36): “Para que se esteja justificado em crer em uma proposição P com base em E, é preciso que se esteja (1) justificado em crer que E e (2) justificado em crer que E torna provável P”. De acordo com a cláusula (1) de (PJI), para que o sujeito esteja justificado em crer em uma dada proposição P, com base em outra proposição, digamos E1, deve também estar justificado em crer que E1. Mas, para isso ele precisa inferir, de modo legítimo E1, de alguma outra proposição, digamos E2, na qual também deve estar justificado em crer, devendo inferi- la de E3, e assim ad infinitum. Este é o regresso infinito alegado no conhecido argumento cético de Agripa. A resposta oferecida pelas teorias fundacionistas a esse argumento assume que nem toda justificação seja inferencial, de maneira que o regresso na cadeia de razões é interrompido pela existência, em seu ponto final, de crenças básicas, que são justificadas de modo não-inferencial, constituindo o alicerce da estrutura de crenças. A simplicidade dessa tese fundacionista é apenas aparente. De fato, mostrar que tipo de crenças estão assim qualificadas tem se configurado em importante desafio ao fundacionismo, pois, para que possam servir de suporte justificacional para as demais crenças da estrutura, as crenças básicas devem ser de natureza tal que possuam alguma qualidade intrínseca que garanta (em um grau epistemicamente interessante) sua verdade. Apesar da respeitabilidade do problema envolvendo a tese fundacionista sobre a existência de crenças justificadas não-inferencialmente, o presente trabalho se ocupará, basicamente, da outra tese 830

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IV Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2009

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Justificação Inferencial e Probabilidade epistêmica

Kátia Martins Etcheverry, Cláudio G. de Almeida (orientador)

Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS,

Resumo Introdução

Consideremos, dentro da perspectiva do Fundacionismo Epistêmico, o seguinte

princípio de justificação inferencial (PJI), proposto por Fumerton (1995, p. 36): “Para que se

esteja justificado em crer em uma proposição P com base em E, é preciso que se esteja (1)

justificado em crer que E e (2) justificado em crer que E torna provável P”.

De acordo com a cláusula (1) de (PJI), para que o sujeito esteja justificado em crer em

uma dada proposição P, com base em outra proposição, digamos E1, deve também estar

justificado em crer que E1. Mas, para isso ele precisa inferir, de modo legítimo E1, de alguma

outra proposição, digamos E2, na qual também deve estar justificado em crer, devendo inferi-

la de E3, e assim ad infinitum. Este é o regresso infinito alegado no conhecido argumento

cético de Agripa. A resposta oferecida pelas teorias fundacionistas a esse argumento assume

que nem toda justificação seja inferencial, de maneira que o regresso na cadeia de razões é

interrompido pela existência, em seu ponto final, de crenças básicas, que são justificadas de

modo não-inferencial, constituindo o alicerce da estrutura de crenças.

A simplicidade dessa tese fundacionista é apenas aparente. De fato, mostrar que tipo

de crenças estão assim qualificadas tem se configurado em importante desafio ao

fundacionismo, pois, para que possam servir de suporte justificacional para as demais crenças

da estrutura, as crenças básicas devem ser de natureza tal que possuam alguma qualidade

intrínseca que garanta (em um grau epistemicamente interessante) sua verdade. Apesar da

respeitabilidade do problema envolvendo a tese fundacionista sobre a existência de crenças

justificadas não-inferencialmente, o presente trabalho se ocupará, basicamente, da outra tese

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do fundacionismo: a de que existem crenças justificadas inferencialmente, formando o

edifício de crenças, apoiadas nas crenças fundacionais.

A cláusula (2) de (PJI) torna a situação, do ponto de vista do movimento regressivo da

justificação, ainda mais complexa. Por isso, enquanto a primeira cláusula é aceita por todos os

tipos de fundacionismo, a segunda é objeto de controvérsia1 por parte de defensores de

posições externalistas, sob a acusação de que ela conduziria a um regresso infinito de razões,

induzindo ao ceticismo. Evitar o regresso vicioso alegado pelo ceticismo exige, portanto, que

nossas crenças se relacionem de modo a formar uma estrutura organizada higidamente do

ponto de vista epistêmico. Isto é, toda crença justificada deve estar devidamente apoiada em

outra crença justificada, seja ele fundacional ou não.

Através de “bom raciocínio”, reconhecidamente, obtém-se crenças bem-fundadas. A

lógica dedutiva fornece bom raciocínio de forma perfeita, mas, como Descartes ensinou, ela

não pode ser de grande auxílio quando se trata de justificar crenças sobre o mundo exterior.

Assim, parece sensato fazer uso de uma lógica “não-dedutiva”, que se qualifique como “bom

raciocínio”. Argumentos cujas premissas tornam provável, em medida epistemicamente

satisfatória, a verdade da conclusão parecem ser exemplos de “bom raciocínio”, ou pelo

menos assim tem sido considerado por um número expressivo de epistemólogos.

Para o internalismo inferencial, defendido por Fumerton, a noção de “justificação

inferencial” só é viável se forem respeitadas ambas as cláusulas de (PJI). Ou seja, quando uma

crença é invocada como suporte de outra, deve-se não só estar justificado em aceitar a crença

de apoio como verdadeira, mas também estar justificado em crer que a verdade da crença de

apoio torna provável verdade da crença que é apoiada. Já o fundacionismo externalista

considera que, para a justificação inferencial de uma dada crença P, basta que se esteja

justificado em crer que P com base em E ( por exemplo, que a crença P tenha sido formada

através de um processo que produz, normalmente, mais crenças verdadeiras do que falsas).

A sugestão de Fumerton (1995, p. 198), em linhas gerais, é a de que a relação de

“tornar provável”, que existe entre E e P, para ser relevante epistemicamente, deve ser

entendida à semelhança das relações da lógica dedutiva, como a de acarretamento. Adota,

assim, uma concepção keynesiana de probabilidade, segundo a qual dizer que existem regras

permitindo a passagem, de modo legítimo, da crença E para a crença P, em alguma medida,

não seria diferente de dizer que existe uma conexão apropriada, lógica ou probabilística, entre

1 A cláusula (2) de (PJI) encontra alguns críticos, entre os quais, Huemer (2002) e Greco (1999), com respostas em Fumerton (2004 e 2006).

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E e P, a qual seria necessária e a priori. Dessa maneira, Fumerton pretende poder alegar que

podemos ter uma relação de familiaridade com algumas proposições do tipo “E torna provável

P”, as quais podem, assim, ser justificadas não-inferencialmente. A dificuldade que se

apresenta aqui é justamente quanto a inferências indutivas. Ou seja, a questão colocada ao

defensor do internalismo inferencial envolve a capacidade (ou incapacidade) de seres

racionais, como nós, de termos uma relação de familiaridade com (pelo menos algumas)

proposições do tipo “E torna provável P”, de modo a crer nelas com justificação não-

inferencial.

Metodologia Utilizou-se como metodologia a análise crítico-descritiva envolvendo, basicamente, a

pesquisa bibliográfica especializada, visando uma apropriação adequada dos conceitos

pertinentes à questão.

Conclusão Fumerton se vale da idéia de “familiaridade”, no esforço duplo de evitar as questões

regularmente apresentadas em argumentos céticos, e, também , estabelecer que a partir da

relação de “tornar provável”, construída como uma verdade sintética a priori, crenças

justificadas não-inferecialmente acerca de, pelo menos algumas, proposições do tipo “E torna

provável P” são viáveis. Mas, o próprio Fumerton se coloca de modo pessimista quanto à

possibilidade de defesa da interpretação keynesiana de probabilidade. O que lhe põe diante

das seguintes alternativas: ou bem desistir do internalismo inferencial, assumindo a alternativa

externalista de justificação inferencial, ou insistir em tentar mostrar que pode contar com a

análise keynesiana de probabilidade.

Referências FUMERTON, R. Metaepistemology and Skepticism. London: Rowman & Littlefield Publishers, 1995. 234 p. ________. Epistemic Probability. Philosophical Issues, v. 14, p.149-164, 2004. ________. Epistemology. Malden: Blackwell Publishing, 2006. 145 p. GRECO, J. Agent Reliabilism. In: TOMBERLIN, J. E. (ed.). Philosophical Perspectives, v. 13. Malden: Blackwell Publishers, p. 273-296, 1999. HUEMER, M. Fumerton’s Principle of Inferential Justification. Journal of Philosophical Research, v. 27, p. 329-339, 2002.

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