justiça tributária e mineração

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Mineração e (in)justiça tributária no Brasil. Texto elaborado pelo Inesc com contribuições da consultoria Sitawi.

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    N 184 Setembro de 2015

    Minerao e (in)justia tributria no Brasil

    Texto elaborado pelo Inesc com contribuies da consultoria Sitawi

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    Introduo O objetivo central desse texto analisar a questo tributria nacional no setor de minerao, incluindo impostos, royalties, leis de incentivo fiscal e artifcios contbeis legais ou no para reduzir o pagamento de taxas e impostos. A escolha desse tema no de forma alguma aleatria. A minerao tem crescido a taxas expressivas nos ltimos anos. Entre 2000 e 2010 o setor teve um crescimento de 500%, transformando o Brasil em player mundial. Nas contas externas, o desempenho do setor tem sido estratgico para o equilbrio da balana comercial: em 2012 o setor gerou um saldo positivo de U$ 30 bilhes. Mas se, por um lado, a minerao tem contribudo inegavelmente para a economia brasileira e para as contas externas, por outro, este recente boom tem significado, alm de crescentes riscos e impactos socioambientais, uma exausto acelerada das riquezas minerais que so exaurveis e, em lei, patrimnio da Unio, portanto da sociedade brasileira. O contexto , portanto, propcio para uma discusso mais ampla sobre o setor, seus impactos e sua contribuio para a construo de um pas mais justo. Neste debate, um tema pouco explorado a conexo entre minerao e tributao. No Brasil, a injustia tributria uma marca da histria passada e presente. O carter regressivo da carga tributria agrava o nus fiscal sobre os mais pobres e, neste segmento, com maior peso sobre as mulheres e os/as negros/as1. Este sistema estruturalmente injusto tem seu peso ainda mais reforado em alguns setores da economia, como o caso do setor minerador em especial da parcela do setor orientada para a produo de commodities minerais para exportao. So vrios os fatores que configuram um quadro de injustia tributria no setor mineral. Os royalties da minerao (Compensao Financeira pela Explorao de Recursos Minerais CFEM) so pouco expressivos; o incentivo fiscal para exportao, que tem referncia na chamada Lei Kandir (LC 87/96), acaba por gerar um rombo nos oramentos estaduais que no so compensados pela Unio; as empresas transnacionais, detentoras dos direitos de explorao das principais e mais lucrativas reas de minerao, se utilizam de diversos artifcios contbeis para reduzir o pagamento de tributos, por vezes ilegais. O desafio deste texto , portanto, fazer um esforo de reflexo que articule estes dois temas: minerao e injustia tributria. Para isto, na primeira parte, apresentamos breve panorama do setor e do seu recente crescimento. Na segunda, uma anlise da tributao no setor mineral. Na terceira, os artifcios contbeis utilizados pelas empresas do setor de minerao para reduzir o pagamento de tributos. Destaque para a prtica de transfer pricing (ou preo de transferncia), bastante usada pelas empresas transnacionais, alm de outras aes mais conhecidas, como sonegao, evaso e eliso. Para ilustrar as diversas manobras contbeis utilizadas no setor, apresentamos um estudo de caso da Vale. Nas consideraes finais apresentamos recomendaes para polticas pblicas de modo a promover maior justia na tributao deste setor to estratgico para o pas, no presente e no futuro.

    1 Sobre a regressividade do sistema tributrio brasileiro e seu peso na produo de desigualdades sociais ver: Salvador, Evilsio. 2014. As implicaes do sistema tributrio brasileiro nas desigualdades de renda. Disponvel em: http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/livros/2014/carga/view

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    1. Breve panorama do setor A minerao uma atividade econmica relevante para o pas: respondeu, em 2013, por 0,73% do PIB nacional e 2,71% do PIB industrial2. O Brasil no apenas grande produtor de alguns dos principais minrios utilizados no mundo, destaque para o ferro, nibio e bauxita, tambm detm enormes reservas de diferentes substncias como as de barita, estanho, ltio, tntalo e vermiculita. Assim como qualquer pas no mundo, no autossuficiente no mbito mineral. Alguns minrios so consumidos quase exclusivamente dentro de nossas fronteiras, como o chumbo e terras raras, outros necessitam ser importados para suprir a demanda interna, como o fosfato. Mas, de modo geral, a balana comercial da minerao brasileira altamente positiva, sendo o Brasil um exportador lquido e um player mundial em vrios minrios. A tabela 1 evidencia a importncia da produo e participao do Brasil no mercado mundial de minrios. Tabela 1: Movimentao financeira3 das principais substncias minerais produzidas no Brasil - 2012

    (em US$)

    Substncia Movimentao

    financeira Ranking de

    produo mundial

    Nibio 9.476.371.932 1

    Tntalo 82.343.400 2

    Magnesita 425.455.825 3

    Grafita natural 247.736.860 3

    Ferro 86.395.743.951 3

    Cristotila 484.982.479 3

    Alumnio (bauxita) 152.223.794.498 3

    Vermiculita 22.951.975 4

    Fosfato 1.722.791.180 5

    Estanho 584.765.495 5

    Caulim 768.073.474 5

    Mangans 18.255.451.940 5

    Fontes: Anurio DNPM, CBOT, IBGE, Thomson Reuters, Info Mine, U.S. Geological Survey Em 2012 o saldo do setor na balana comercial alcanou U$ 30 bilhes, sendo o ferro responsvel por quase 90% das exportaes do setor. Note-se, contudo, que houve reduo do valor das exportaes, comparado a 2011, em funo do arrefecimento da economia chinesa e fraco crescimento da Europa, Japo e Estados Unidos, principais demandantes mundiais, conforme Tabela 2.

    Tabela 2: A minerao no comrcio exterior do Brasil 2012 (em US$ milhes)

    Minerao Total Brasil Minerao/com. ext. (2012)

    US$ MM Var. %

    (2012/2011) US$ MM

    Var. % (2012/2011)

    Exportao 57.183 -18,6% 242.580 -5,3% 23,6%

    Importao 27.082 -10,6% 223.149 -1,4% 12,1%

    Saldo 30.100 -24,7% 19.431 -34,8% 154,9%

    Fonte: Anurio DNPM 2 http://www.mme.gov.br/sgm/galerias/arquivos/publicacoes/Sinopse/SINOPSE-2013-2014.pdf. 3 Valor da produo em 2012 versus preo internacional do minrio em dezembro de 2012.

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    A produo e, por suposto, a exportao so bastante concentradas espacialmente. Minas Gerais detm 70% da produo de ferro e 87% da produo de nibio. Par detm 90% da produo de bauxita e 70% da produo de caulim. Os estados do Amazonas (99% da produo de tntalo), Bahia (89% da produo de magnesita) e Gois (100% da produo de crisotila) tambm se destacam no cenrio nacional mineral. A concentrao no setor outra caracterstica marcante. Um pequeno conjunto de empresas especialmente grandes conglomerados transnacionais detm a maior parte dos direitos de explorao das reservas nacionais, principalmente dos minrios com superior valor agregado e potencial de exportao, como podemos ver na Tabela 3.

    Tabela 3: Principais empresas produtoras de acordo com a substncia mineral (2013) Substncia Principais produtores

    Nibio Anglo American, CBMM MBAC

    Tntalo Grupo Minsur

    Magnesita Magnesita Refratrios, RHI, Vesvius

    Grafita natural Metalqumica, Nacional de Grafite

    Ferro Anglo Ferrous, CSN, Namisa, Samarco, Usiminas, Vale

    Cristotila SAMA

    Alumnio (bauxita)

    Alcoa, BHP Billiton, Novelis

    Vermiculita Brasil Minrios

    Fosfato Anglo/Copebrs, Vale

    Estanho Estanho Rondnia (CSN), Minerao Taboca

    Caulim IMERYS

    Mangans Buritirama

    Fontes: Anurio DNPM Os impactos socioambientais envolvendo a minerao so marcantes e crticos do ponto de vista da regulao do setor. A minerao uma das atividades econmicas que mais poluem as guas superficiais e subterrneas no Brasil e que mais usam intensivamente o recurso. Em 2012, foram consumidos mais de cinco quatrilhes de litros de gua. Alm da gua, outros impactos relevantes na biodiversidade esto relacionados a danos fauna, flora e contaminao do solo atravs dos resduos. A avaliao, monitoramento e mitigao desses impactos no processo de licenciamento deveriam ser rigorosamente cumpridos. Infelizmente, pesquisadores, comunidades impactadas e organizaes sociais tm denunciado a fragilidade dos processos de licenciamento, federal e estaduais, com procedimentos pouco rigorosos e idneos, que levam concesso de licenas sem uma adequada avaliao de impactos e sem o cumprimento de medidas de mitigao e compensao4.

    4 Exemplo recente dos conflitos e perda de credibilidade dos processos de licenciamento no Brasil a concesso da Licena de Operao para o projeto de minerao da empresa Anglo American em Conceio do Mato Dentro, em Minas Gerais, depois de graves denncias de crimes ambientais. A esse respeito, veja: http://global.org.br/programas/licenca-irregular-para-mineracao-pode-ser-dada-em-meio-a-destruicao-e-mortandade-de-peixes-em-cidade-de-mg/

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    Os impactos sociais no so menos significativos. No so raros os casos de desrespeito aos direitos de indgenas, quilombolas, habitantes no entorno das minas, corrupo fundiria e ms condies de trabalho, inclusive trabalho escravo5. Estudo recente sobre as condies de trabalho na minerao realizado numa parceria entre a FUNDACENTRO e a Confederao Nacional dos Trabalhadores na Indstria, com a participao da Federao dos Trabalhadores nas Indstrias Extrativas e Sindicatos dos Trabalhadores do setor Extrativo Mineral do Estado de Minas Gerais apontou que o setor est em quarto lugar no que se refere ao nmero de acidentes de trabalho no pas e o segundo em taxa de mortalidade por acidente de trabalho. Os riscos a que os trabalhadores da minerao so submetidos incluem exposio a poeira, manejo de equipamentos sem proteo, carga de trabalho excessiva e movimentos repetitivos, entre outros6. 2. Tributao no setor mineral brasileiro Podemos dividir os tributos aplicados ao setor de minerao no Brasil em dois grupos: i) aqueles que so tradicionalmente cobrados do setor produtivo, como Imposto de Renda de Pessoa Jurdica - IRPJ, Imposto de Operaes Financeiras - IOF, Contribuio para Financiamento da Seguridade Social - COFINS, Programa de Integrao Social PIS, Programa de Formao do Patrimnio do Servidor Pblico PASEP, Contribuio Social sobre Lucro Lquido - CSLL e encargos trabalhistas; ii) os tributos que possuem incidncia exclusiva ou diferenciada para o setor mineral. Na taxao que recai de forma diferenciada sobre a minerao esto: o Imposto sobre Importao II, o Imposto Sobre Circulao de Mercadoria e Servios ICMS, a Participao do Superficirio, a Taxa Anual por Hectare TAH e, por fim, com peso mais estratgico como veremos, a Compensao Financeira pela Explorao dos Recursos Minerais CFEM. Para o II, de competncia da Unio, as alquotas no setor variam de 3% a 9%, sendo de 5% para os minrios e seus concentrados, e de 7% para a maioria dos outros produtos. O ICMS constitui-se na principal fonte de arrecadao dos Estados e do Distrito Federal. O imposto incide de forma generalizada sobre atividades industriais, comerciais e de transporte. A alquota bsica nas operaes internas de 17%, e as exportaes so isentas pela Lei Kandir. A TAH tem natureza jurdica de preo pblico, sendo devida pelo titular da autorizao de pesquisa, e destina-se exclusivamente ao Departamento Nacional de Produo Mineral DNPM (rgo que tem a responsabilidade de gerir e fiscalizar o exerccio das atividades de minerao em todo o territrio nacional). O valor da TAH vigente em 2014 de R$3,06 por hectare. J a CFEM7, importante que se diga, no tem natureza de tributo ou taxa. Equivale a um preo pago pelo empreendedor ao proprietrio do recurso natural pelo direito de produzir e comercializar esse recurso. Trata-se, portanto, da apropriao pelo Estado de parte da riqueza derivada da explorao dos recursos naturais que so propriedade da Unio. Na prtica, a CFEM funciona como royalty ad valorem com alquotas que

    5 A esse respeito, veja: http://www.diarionline.com.br/?s=noticia&id=46673 http://oglobo.globo.com/brasil/projeto-sobre-mineracao-em-area-indigena-se-arrasta-ha-quase-duas-decadas-13100736 http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/mg/policia-descobre-fraude-em-venda-de-terras-publicas-em-minas/n1597220269338.html http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/04/1445055-gigante-da-mineracao-e-autuada-por-trabalho-analogo-a-escravidao-em-mg.shtml 6 A esse respeito, veja: http://www.sindimarmore.com.br/noticias/novo-codigo-da-mineracao-desconsidera-trabalhadores-do-setor/ 7 A Compensao foi estabelecida pela Constituio Federal de 1988, no Art. 20, 1 e regulamentada pela Lei n 7.990/89.

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    variam de acordo com a substncia mineral: 3% para minrio de alumnio, mangans, sal-gema e potssio; 2% para ferro, fertilizante, carvo e demais substncias; 0,2% para pedras preciosas, pedras coradas lapidveis, carbonados e metais nobres; 1% para ouro. A alquota da compensao financeira aplicada sobre o faturamento obtido pela venda dos produtos minerais, deduzidos os tributos que incidem sobre a receita (ICMS, PIS, COFINS) e as despesas de transporte e seguro. Ou seja, sobre o valor do faturamento lquido. Arrecada pelo DNPM, a distribuio da CFEM feita na proporo de 65% para o municpio produtor, 23% para o estado onde for extrada a substncia mineral e 12% para a Unio (DNPM, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais IBAMA e Ministrio da Cincia e Tecnologia - MCT). Por fim, o superficirio (o proprietrio do solo), se distinto do prprio minerador, recebe o equivalente a 50% do valor da CFEM. A CFEM, valores e controvrsias A arrecadao deste royalty a principal maneira de se verificar os maiores estados mineradores do pas. Em 2013 Minas Gerais arrecadou 50,7% e Par 33,9% do total arrecadado pela CFEM, conforme a Tabela 4.

    Tabela 4: Arrecadao do CFEM po Estado (2010 ago/2014) (em R$) Estado 2011 2012 2013 2014 (jan-ago)

    AC 104.674 147.449 217.418 147.697

    AL 1.197.453 1.609.732 1.921.322 1.246.735

    AM 4.465.842 5.194.420 7.161.022 6.202.630

    AP 17.380.473 16.494.212 12.068.452 10.784.909

    BA 34.092.315 37.260.071 47.532.272 24.449.227

    CE 2.491.276 3.453.318 3.914.922 3.137.969

    DF 2.332.617 2.999.263 3.026.578 1.838.008

    ES 7.158.013 8.941.884 11.869.356 7.228.720

    GO 58.548.611 76.278.326 69.128.884 40.598.114

    MA 2.565.501 4.911.851 5.233.967 2.989.294

    MG 788.901.685 974.548.270 1.204.735.885 509.204.159

    MS 29.765.871 19.760.700 28.677.054 18.529.626

    MT 7.032.296 10.764.014 16.554.372 7.422.677

    PA 462.694.918 524.276.883 804.541.264 330.461.926

    PB 3.360.860 3.821.271 3.864.395 2.790.300

    PE 5.084.737 5.982.258 6.461.729 3.956.718

    PI 880.806 1.686.315 1.874.177 1.813.979

    PR 10.499.961 10.594.831 13.031.362 8.545.504

    RJ 13.164.316 17.550.800 15.401.492 10.829.099

    RN 1.388.872 1.687.775 2.469.538 1.816.398

    RO 2.937.840 3.601.685 4.331.648 3.920.368

    RR 84.676 147.142 260.096 77.923

    RS 12.423.134 14.329.058 15.976.017 10.590.648

    SC 12.279.686 15.261.601 18.397.257 11.284.280

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    SE 14.836.435 19.057.655 17.693.915 7.557.751

    SP 63.264.828 51.769.187 55.567.487 39.205.594

    TO 2.090.652 2.979.154 3.748.382 1.435.342

    TOTAL

    1.561.028.345 1.835.109.125 2.375.660.264 1.068.065.592

    Fonte: DNPM As principais controvrsias envolvendo a CFEM dizem respeito, basicamente, a duas questes: a base de clculo e o valor das alquotas. O faturamento lquido utilizado como base de clculo da Compensao permite s empresas embutirem todos os custos de logstica e seguros, reduzindo o valor dos tributos pagos. A falta de clareza da lei permite, inclusive, que gastos com esteiras, ps carregadeiras e caminhes fora da estrada, que levam o minrio at as unidades de pr-processamento, sejam deduzidos. Para termos uma ideia de valores, a Tabela 5 mostra a diferena entre receita bruta e receita lquida de algumas das maiores empresas mineradoras no Brasil em 20138.

    Tabela 5: Diferena entre receita bruta e lquida (2013)

    Receita Bruta Receita Lquida Diferena

    Alcoa R$ 3.387.044.000 R$ 2.779.863.000 21,8%

    CSN R$ 20.778.945.000 R$ 17.312.432.000 20,0%

    Magnesita R$ 2.999.140.000 R$ 2.655.962.000 12,9% Ymeris Caulim

    R$ 423.614.000 R$ 417.031.000 1,6%

    Vale R$ 106.200.000.000 R$ 104.252.000.000 1,9%

    Fonte: DFP 2013 das empresas Esta diferena j expressiva ainda inflada com base em dedues ilegais que geram processos judiciais contra mineradoras por recolhimento indevido da CFEM. Em 2011, por exemplo, a companhia Vale foi obrigada a pagar uma dvida de R$ 1,4 bilho com os municpios mineradores de Minas Gerais; relativa dedues indevidas com gastos de transporte de minrio de ferro entre 1991 e 2007. O Brasil, alm de ser um dos nicos pases mineradores que utiliza o faturamento lquido como base de clculo, ainda mantm os royalties da minerao entre os mais baixos do mundo, conforme Tabela 6.

    Tabela 6: Royalties sobre diferentes substncias minerais nos principais pases mineradores

    Substncia Oeste

    Australiano China Indonsia Brasil

    Cobre 5% do valor na

    mina9 2% do

    faturamento bruto 4% do

    faturamento bruto

    2% do faturamento

    lquido

    Bauxita 7,5% do

    faturamento bruto 2% - 4% do

    faturamento bruto 3,25% do

    faturamento bruto

    3% do faturamento

    lquido

    Diamante 7,5% do valor na

    mina 4% do

    faturamento bruto 6,5% do

    faturamento bruto

    0,2% do faturamento

    lquido

    8 Foram analisados tambm os anos de 2012 e 2011, sem diferenas significativas nesses percentuais. 9 Valor na mina refere-se a um percentual sobre o valor bruto da venda do minrio e representa uma base de clculo maior que o faturamento lquido comumente aplicado no Brasil.

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    Ouro 1,25% do valor

    na mina 4% do

    faturamento bruto 3,75% do

    faturamento bruto

    1% do faturamento

    lquido

    Ferro 5% - 7,5% do

    valor na mina 2% do

    faturamento bruto 3% do

    faturamento bruto

    2% do faturamento

    lquido

    Magnesita 5% do valor na

    mina 4% - 20% do

    faturamento bruto n.d.

    2% do faturamento

    lquido

    Zinco 5% do valor na

    mina n.d. n.d.

    2% do faturamento

    lquido Fonte: Fipe in: BRASIL, POSTALI. O Cdigo Mineral Brasileiro e a Compensao Financeira pela Explorao de Recursos Naturais (CFEM). < http://www.fipe.org.br/publicacoes/downloads/bif/2014/7_bif406.pdf> A despeito dos estudos10, pesquisas e presso dos estados mineradores para reviso da CFEM, faz parte das estratgias do setor a presso para que no haja reviso dos royalties da minerao. O Projeto do governo de Novo Marco Regulatrio da Minerao, enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional em 2013, prometia na sua formulao original uma elevao significativa dos royalties que passariam no caso do minrio de ferro, por exemplo, dos atuais 2% sobre o faturamento lquido para at 8%. Depois de muita presso do setor, o Projeto foi enviado ao Congresso com uma taxa de at 4% para este minrio. Tributao real e efetiva Do ponto de vista das empresas do setor, os receios e reclamaes so tradicionais: grande nmero de impostos e elevada carga tributria. Mas os estudos e indicadores mostram que essas crticas no so fundamentadas. BRAZ (2009) indica que o peso da carga tributria nacional est em linha com os sistemas da maior parte do mundo, mas o grande nmero de tributos diferencia o sistema nacional. MACKENZIE (1998) listou o Brasil como o pas com a mais baixa carga tributria por projeto em comparao a 10 pases da Amrica do Sul. ALBAVERA (1998) indicou o Brasil em 11 na explorao de ouro e 13 em estanho entre 23 pases. Em pesquisa mais recente, o Fraser Institute (2009) apresenta o Brasil, de acordo com o peso da tributao na minerao, em 39 entre 71 pases11. Um componente adicional que tornam a carga tributria efetiva baixa, comparativamente a outros pases mineradores a desonerao das exportaes. A Lei Complementar n 87 de setembro de 1996, que recebe o nome de seu autor, o ento Ministro do Planejamento Antnio Kandir, isenta os servios e produtos primrios e industrializados semielaborados destinados exportao do Imposto sobre a Circulao de Mercadorias e Servios (ICMS). Esta Lei foi aprovada em um contexto de dficits das contas externas e sobrevalorizao cambial e significou poca um grande esforo de gerao de supervits comerciais a partir da exportao de commodities. Passados 18 anos da aprovao da Lei o Brasil seguiu e aprofundou a trajetria de exportador de commodities gerando, colateralmente, uma elevada fora poltica de grupos de interesses ligados ao agronegcio e minerao que bloqueiam no Congresso Nacional iniciativas de reviso desta Lei.

    10 A esse respeito, veja: ALBAVERA (1998), MACKENZIE (1998), OTTO et al. (2006), LIMA (2007), BRAZ (2009) e Fraser Institute (2009). 11 A anlise reunindo as leituras dos autores sobre tributao no setor pode ser encontrada em BRASIL.E.U.R & POSTALI.F. O Cdigo Mineral Brasileiro e as Compensaes pela Explorao dos Recursos Minerais CFEM. 2014. Disponvel em: http://www.fipe.org.br/publicacoes/downloads/bif/2014/7_22-34-bars-post.pdf.

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    Para compensar a perda de arrecadao desse imposto estadual por parte das unidades federativas, ficou acordado atravs de leis complementares (LC 87/96 para os anos de 1997 at 1999, leis complementares 102/2000 e 115/2002 para o perodo de 2000 at 2003) a transferncia de valores, por parte da Unio, para estados e municpios. Primeiramente, atravs do denominado seguro-receita, um montante fixo, que funcionou at 2000. Para os anos de 2000 at 2003 foi criado um fundo oramentrio com recursos da Unio, cujos aportes eram realizados de acordo com coeficientes fixos, estabelecidos em lei e negociados com cada uma das unidades federativas. A partir de 2004, no entanto, a LC 115/2004 alterou a legislao. Embora esta mantivesse o direito de repasse de recursos da Unio para os estados para alm do ano de 2006, indicado pela LC 102/2000 como ano final da vigncia da compensao, deixou de fixar o valor. Dessa maneira, o montante distribudo anualmente depende da previso oramentria da Unio e do coeficiente de repasse, que deve ser definido ano a ano em negociao entre o Executivo e as entidades federativas, e validado atravs de Medidas Provisrias. H uma viso quase consensual entre os governadores dos estados brasileiros, especialmente os das unidades federativas com setores mais dedicados exportao, como Par e Minas Gerais, de que a compensao insuficiente para cobrir as perdas da desonerao do ICMS. Esse fato se tornou mais forte a partir dos anos 2000, quando as exportaes aumentaram de maneira bastante considervel e o valor da compensao se manteve praticamente no mesmo nvel, variando entre R$ 3 bilhes e um pouco mais de R$ 5 bilhes12. Os casos de Minas Gerais e do Par Para termos uma ideia do tamanho do rombo causado pela Lei Kandir, as tabelas 7 e 8 e grficos 1 e 2 mostram a diferena entre o quanto deveria ter sido arrecadado com o ICMS pelos maiores estados mineradores do pas, Minas Gerais e Par, entre 1997 e 2013, anos de vigncia da Lei Kandir, e o que efetivamente destinou-se aos cofres pblicos.

    Tabela 7: Principais produtos exportados por Minas Gerais entre 1997-2013 (em US$) NCM Produto US$ (1997-2013) (%)

    26011100 Minrios de ferro no aglomerados e seus concentrados $96.305.464.652 33,4% 09011110 Caf no torrado, no descafeinado, em gro $38.288.061.038 13,3% 72029300 Ferronibio $12.036.611.841 4,2% 71081310 Ouro em barras, fios e perfis de seo macia $8.688.306.406 3,0%

    72011000 Ferro fundido bruto no ligado, c/peso

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    Tabela 8: Principais produtos exportados pelo Par entre 1997-2013 (em US$)

    NCM Produto Entre 1997-2013 (%) 26011100 Minrios de ferro no aglomerados e seus concentrados $56.708.439.328 47,1% 76011000 Alumnio no ligado em forma bruta $12.320.607.643 10,2% 28182010 Alumina calcinada $10.867.641.963 9,0% 26030090 Outros minrios de cobre e seus concentrados $5.205.923.699 4,3% 72011000 Ferro fundido bruto no ligado, c/peso,

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    A situao do Par no menos crtica. Entre 1997 e 2013, o Estado poderia ter recebido R$ 11,9 bilhes, mas foi compensado com meros R$ 2,5 bilhes (21,2%), uma diferena de R$ 9,4 bilhes. possvel observar o quanto a situao se deteriorou a partir dos anos 2000. Entre 1997 e o incio do sculo, as compensaes eram prximas s perdas potenciais (Par) ou mesmo as superavam (Minas Gerais). A conjuntura comeou a piorar no incio dos anos 2000, quando se observa uma ntida tendncia ascendente, e um ponto mais forte de inflexo em 2003, que pode ser relacionado com a LC 115/2004. Embora vivam situaes semelhantes, h um agravante para o Par: este muito mais dependente do setor de minerao do que Minas Gerais. A diferena entre o que deveria ser arrecadado e o que efetivamente foi entre 1997 e 2013 para cada Estado representa aproximadamente 10,6% do PIB16 paraense do ltimo ano e 3,2% do mineiro. Contudo, este ltimo ainda possui uma parcela maior das compensaes da Lei Kandir, com 24,5% do oramento da Unio dedicado ao tema, ao passo que o Par fica com 10%. 3. Empresas transnacionais e justia tributria A minerao um dos setores no mundo com mais alto grau de concentrao, em especial na explorao dos minrios que esto na base da cadeia de transformao industrial, com destaque para o minrio de ferro. As gigantes Vale, BHP Billiton e Rio Tinto, por exemplo, controlam 70% do comrcio martimo de ferro no mundo. Por trs desta concentrao esto fatores como os altos investimentos requeridos para a explorao, o controle da infraestrutura de escoamento especialmente portos e linhas ferrovirias e as estratgias agressivas de controle das principais reservas mundiais, no Canad, China, frica, Brasil e Austrlia. Estas mesmas empresas que operam mundialmente, dominam o mercado mineral no Brasil, como j vimos. Trata-se, portanto, de um setor cujos preos, estratgias de crescimento e de concorrncia so definidos globalmente, onde as transnacionais atuam explorando no s as vantagens comparativas, mas todas e quaisquer outras que possam contribuir para ampliar os lucros j extraordinrios conseguidos com a explorao mineral. Faz parte das estratgias de atuao global das grandes mineradoras a criao, em uma escala antes inimaginvel, de holdings, filiais, controladas, coligadas, etc. Tais artifcios societrios so tidos pelas companhias como fundamentais para a menor onerao dos bens produzidos e servios prestados, uma vez que os tributos pagos em transaes internacionais costumam ser altamente dispendiosos. Este captulo trata dos principais artifcios tributrios utilizados pelas empresas de minerao para reduzir ou evitar o pagamento de impostos, focando na eliso, evaso, sonegao e prticas de transfer pricing.

    Boxe: Principais formas de manipulao contbil

    Eliso: o planejamento tributrio realizado antes da ocorrncia do fato gerador, legtimo portanto legal, feito para postergar, eliminar ou reduzir a objetificao das obrigaes tributrias. Um exemplo o das empresas que optam pelo regime de lucro presumido e tm um faturamento relevante a prazo. Seria vivel para elas a escolha de calcular e recolher seus tributos federais pelo regime de caixa, uma vez que assim procedendo somente pagariam pela receita efetivamente recebida. Evaso: Trata-se de diversos procedimentos realizados aps o fato gerador, com o intuito de fugir ao pagamento da obrigao tributria. A omisso de quaisquer registros nos livros fiscais prprios, a falta de recolhimento de tributos apurados, a utilizao de documentos inidneos na escriturao contbil so exemplos de evaso fiscal. O crime est tipificado na Lei n 8137/90 (Crimes Contra Ordem Tributria, Econmica e contra as Relaes de Consumo).

    16 De acordo com o IBGE.

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    Sonegao: Trata-se de atos simulados posteriormente ocorrncia do fato gerador, pelos quais se praticam procedimentos ilcitos com o intuito de impedir, mascarar ou retardar, parcial ou totalmente, a incidncia da obrigao tributria, e com isso conseguir reduzir a quantia de imposto devida. O crime de sonegao tambm est tipificado na Lei n 8137/90 (Crimes Contra Ordem Tributria, Econmica e contra as Relaes de Consumo). Os dois primeiros artigos desta lei abordam os delitos considerados sonegaes fiscais, que so simulaes, fraudes, apropriaes indevidas, falsificaes etc. Um exemplo de sonegao a nota fria, que ocorre quando o sonegador registra um valor na primeira via (destinada circulao da mercadoria ou comprovao do servio prestado) e um outro valor nas vias correspondentes que sero exibidas ao Fisco. Casos no setor de minerao Sonegao Uma auditoria recente do Tribunal de Contas da Unio (TCU) revelou que apenas uma a cada quatro reas de extrao de minrios paga os royalties de minerao. De acordo com o TCU, em 2012, dos 20,7 mil ttulos de minerao (autorizaes) ativos no pas, apenas 5,4 mil fizeram o devido recolhimento do tributo. Em termos percentuais, nos ltimos 3 anos, o Estado s teria recebido 23% do que deveria17. A falta de fiscalizao e limitaes de recursos na rea de tecnologia da informao dificultam o recolhimento da CFEM e de outros tributos. E essa sonegao aparentemente geral no exclusividade das empresas transnacionais. Sem muito esforo, possvel encontrar vrias notcias de possveis casos de evaso e sonegao no setor minerador brasileiro18.

    Transfer pricing O transfer pricing, ou preo de transferncia, prtica corriqueiramente adotada por empresas transnacionais. Consiste no preo praticado na compra e venda (transferncia) de bens, direitos e servios entre partes relacionadas, ou seja, entidades jurdicas controladas por um mesmo grupo econmico. Devido s peculiaridades que existem numa operao envolvendo empresas vinculadas com sedes em pases diferentes, muitas destas acabam por mascarar os valores transacionados, o que gera uma injustia tributria, visto que o preo considerado justo ou de mercado no o valor pago. Em resumo, as companhias vendem a preos bem mais baixos seus produtos para coligadas em outros pases, muitas vezes nos chamados parasos fiscais, e depois o revendem ao preo de mercado a partir dessas localidades onde a incidncia tributria menor. No fim, h uma economia no pagamento de tributos. No Brasil, a questo do preo de transferncia abrangida pela Lei 9.430/1996, que regulamenta parte da legislao tributria Federal. Os artigos 18 a 22 explicitam a taxao e discusso dos valores referentes aos bens, servios e direitos derivados tanto de importao quanto de exportao. A vinculao entre a matriz e suas coligadas, sejam pessoas fsicas ou jurdicas, esto prescritas no artigo 23 desta lei, que segue basicamente a mesma literatura da Lei das Sociedades Annimas (Lei 6.404/1976), atualizada em 2001 (Lei 10.303/01), pois apresentam os mesmos conceitos. Os pagamentos de royalties de commodities so regidos pela lei 12.715/2012, 19-A, que traz tona o mtodo do Preo sob Cotao na Exportao PECEX19. A viso da OCDE:

    17 A esse respeito, veja: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,tcu-revela-sonegacao-em-areas-de-mineracao,1543471 18 A esse respeito, veja: http://www.ultimanoticia.com.br/ultimanoticia/Portugues/detNoticia.php?cod=20094 http://www.marabanoticias.com/noticias/economia/894-projeto-salobo-sonega-impostos-a-maraba http://www.pres.mpf.mp.br/site/noticias/ler_noticia.zul?noticia=861 19 A esse respeito veja: KEMMELMEIER; RIBEIRO. Preos de transferncia e preservao da base tributria para o desenvolvimento econmico e social. < http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/201.pdf

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    A OCDE (Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico), no que tange a prtica de transfer pricing, tem carter meramente consultivo, visto que a mesma no tem poder perante a soberania dos Estados asssociados. Contudo, os pases que assinam este acordo procuram seguir suas determinaes, visto que ajudam no bom funcionamento das economias nacionais. As regras da OCDE tm alguma influncia no ordenamento jurdico brasileiro. A expresso arms lenght, traduzida de forma livre como ao alcance das mos, refere-se possibilidade de se pactuar os preos de forma independente, sem a interveno de uma das partes na alada decisria do preo da outra. O termo arms lenght foi melhor traduzido como princpio do no favoritismo: isso significa que as empresas deveriam praticar o preo de mercado em todas as operaes, mesmo entre suas coligadas. Manobras contbeis na minerao brasileira um estudo de caso da Vale Para verificarmos o quanto os preos de transferncia e outras manipulaes contbeis afetam a arrecadao tributria no setor de minerao nacional, analisaremos o caso da maior empresa mineradora e exportadora nacional: a Vale. O primeiro passo consiste em verificar sua receita lquida atravs da multiplicao do volume de minrio vendido e o seu preo realizado ambos informados nas demonstraes financeiras da empresa. Aps esse clculo, aplicamos a alquota do CFEM referente a cada mineral, ponderado pelo percentual da produo que ocorreu em territrio nacional, j que esta incide exatamente sobre o faturamento lquido da venda dos produtos minerais. Por fim, comparamos esse valor, que denominamos CFEM possvel, s quantias efetivamente pagas pela empresa, que tambm so apontadas nas DFP. Uma diferena nesses valores poderia denotar possveis sonegaes, evases ou elises. Para simplificar os clculos, consideraremos apenas os trs minrios com maior participao na receita da companhia: cobre, ferro e nquel. Juntos, eles responderam por aproximadamente 71% da receita lquida da Vale em 2013, conforme Tabela 9). A extrao de minrios ferrosos, bsicos e fertilizantes que no os trs j citados foram responsveis por mais 11% da receita lquida. Outros servios, como logstica, completam a conta. Essa simplificao no altera de forma significativa os resultados.

    Tabela 9: Pagamentos de CFEM pela Vale em US$ (2013)

    Vendas (ton.)20

    Preo mdio

    realizado ($/ton.)

    Total CFEM possvel

    (1)21 CFEM paga22

    CFEM paga /

    possvel (1)

    Cobre 175.546 $6.709 $1.177.76.350 $23.555.387 $461.000.000 -22,2% Ferro 264.600.000 $107 $28.425.978.000 $568.519.560

    Nquel 2.008 $14.900 $29.915.097 $598.302 Fonte: DFP Vale 2013; Elaborao: Inesc. A importante diferena entre o valor possvel da CFEM 2% da receita lquida da venda de cada um dos trs minerais, nesse caso e o valor pago j indica alguma forma de artifcio contbil para reduzir o pagamento desse tributo. O que chama ainda mais ateno que o montante pago corresponde a CFEM de toda a produo mineral da Vale em 2013, e no apenas a de cobre, ferro e nquel. Portanto, bem provvel que o descolamento entre os valores de CFEM possvel e efetivamente paga seja ainda maior.

    20 Total de vendas em 2013, ponderado pela produo mineral em territrio nacional: 49,7% (cobre), 100% (ferro) e 0,77% (nquel). Essa multiplicao necessria porque os royalties s podem ser aplicados sobre substncias minerais extradas no pas. 21 A alquota dos trs minerais de 2%. 22 Esse valor se refere ao total de CFEM pago no ano de 2013 e no apenas para os minerais cobre, ferro e nquel.

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    importante ressaltar que o fato da empresa ter pago um valor para essa contribuio menor do que o esperado no significa, necessariamente, que ela esteja infringindo alguma lei. Certas formas de manipulao contbil, como o transfer pricing, no so ilegais, ainda que eticamente questionveis. Os dados da Tabela 9, contudo, no indicam a utilizao da prtica de preo de transferncia, j que esta se caracteriza pela reduo do preo de venda dos minrios para coligadas internacionais, que depois os revenderiam de uma localidade onde a tributao inferior, com o intuito de reduzir o pagamento de tributos que incidem sobre o comrcio mineral. Comparemos, ento, o preo mdio realizado pela companhia com o preo internacional dessas commodities, com base nos dados na Tabela 10.

    Tabela 10: Preo mdio realizado pela Vale versus preo comrcio internacional em US$ (2013)

    Preo mdio

    realizado ($/ton.)

    Preo mdio internaciona

    l

    Preo realizado / mdio (%)

    Cobre $6.709 $7.000 - 4,2% Ferro $107 $140 - 23,3% Nquel $14.900 $15.000 - 0,7%

    Fonte: DFP Vale 2013, InfoMine. Enquanto os preos realizados do cobre e do nquel esto em linha com o preo mdio internacional em 2013, o do ferro est consideravelmente abaixo (-23,3%). Como trata-se de um preo mdio, h a possibilidade da empresa operar com preo de mercado em vendas para terceiros e com outro significativamente inferior para coligadas. O fato do ferro, sozinho, representar quase 60% da receita da empresa em 2013, pode ser um fato motivador para a companhia buscar reduzir o pagamento de tributos para elevar os lucros. Assim, a questo levantada nos pargrafos anteriores de que a Vale paga um valor de CFEM bastante reduzido ao esperado se agrava ainda mais. Considerando-se a aplicao do princpio do no-favoritismo, ou seja, que a empresa vendesse para suas coligadas ao preo de mercado, teramos uma situao ainda mais impactante conforme revela a Tabela 11.

    Tabela 11: Aplicao da CFEM com o princpio do no favoritismo em US$ (2013)

    Vendas (ton.) Preo mdio internacional

    ($/ton.) Total

    CFEM possvel (2)

    CFEM possvel (2)/(1) (%)

    CFEM paga /

    possvel (2)

    Cobre 175.546 $7.000 $1.228.821.622 $24.576.432 + 4,3% -39,8% Ferro 264.600.000 $140 $37.044.000.000 $740.880.000 + 30,3%

    Nquel 2.008 $15.000 $30.115.385 $602.308 + 0,7% Fonte: DFP Vale 2013, InfoMine; Elaborao: Inesc. Nessas condies, conforme mostrado na Tabela 11, a Vale estaria deixando de pagar quase 40% da CFEM. Ainda oportuno lembrar que esse no o nico tributo que varia de acordo com a receita e/ou o lucro. O recolhimento da participao do superficirio e da CSLL, por exemplo, tambm seriam afetados, aumentando ainda mais a disparidade do que deveria ser pago e do que efetivamente . Para corroborar essa tese, a empresa j enfrenta mais de um processo na Justia relativo ao pagamento indevido de IR e CSLL em diferentes perodos23. Alm disso, no terceiro trimestre de 2012, foi obrigada a

    23 A esse respeito, veja: http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,vale-recorrera-de-cobranca-tributaria-da-receita,105138e

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    provisionar mais de US$ 500 milhes devido ao aumento de probabilidade de perda em um processo relacionado incluso de custos indevidos na base de clculo da CFEM24. Consideraes finais A minerao no Brasil, em especial a grande explorao mineral, guarda uma relao direta com o debate da injustia fiscal e tributria. Trata-se de um setor dominado por poucas empresas que se utilizam de mecanismos lcitos, ilcitos, econmicos e polticos para manter o privilgio de explorar as principais jazidas de minrios que o pas possui, sob ritmos e taxas de explorao que levaro exausto das reservas minerais no Brasil no horizonte de algumas dcadas. Este quadro de injustias adquire caractersticas ainda mais marcantes quando consideradas tambm as injustias sociais e ambientais produzidas pela explorao mineral. Os dados e anlises aqui apresentados mostram que imperativa uma mudana na estrutura tributria no setor de minerao. De maneira geral, a carga tributria para as grandes empresas do setor, responsveis pela maior parte da produo no nosso pas, baixa se comparada a dos principais pases mineradores e extensivamente no recolhida, como no caso dos royalties. Esse ltimo caso, ainda conta com o problema de transparncia na lei, que afeta a base de clculo e permite que algumas companhias descontem at 20% dos tributos, o que no ocorreria se a incidncia fosse sobre a receita bruta e no a receita lquida. Alm disso, as desoneraes, que tinham como objetivo originrio fomentar a competitividade internacional das commodities e favorecer o saldo da balana comercial acabaram por se perpetuar, mesmo no contexto recente de valorizao cambial e elevao dos preos das commodities, ampliando ganhos extraordinrios para as empresas e provocando um rombo nos oramentos municipais e estaduais, no compensados pela Unio. Os mecanismos de regulao so tambm precrios e as grandes empresas multinacionais no medem esforos para reduzir o pagamento de tributos aos municpios, estados e Unio atravs de diversas manobras contbeis. Embora nem todas sejam ilegais, evidente o impacto negativo aos cofres pblicos e a flagrante injustia tributria que promovem. Por outro lado, os rgos fiscalizadores no possuem o mesmo empenho para minimizar essas prticas. Em sntese, as megacorporaes mineradoras obtm lucros extraordinrios, pagando poucos tributos por conta de uma regulao insatisfatria e uma fiscalizao leniente. A conta acaba sobrando para os municpios e estados mineradores e, invariavelmente, para sua populao e para toda sociedade brasileira. Alm de no pagarem o pouco que devem sociedade em termos de tributos e royalties, acumulam danos socioambientais incalculveis no contexto de fragilidade e flexibilizao dos processos de licenciamento e baixa fiscalizao do setor. urgente uma reviso da tributao que onere de maneira justa as empresas e no as regies mineradoras; assim como urgente uma regulao global das transnacionais que impea a agressiva eroso das bases tributrias nacionais. No plano domstico, os incentivos fiscais, em especial para os grandes conglomerados, tambm deveriam ser reavaliados, reduzidos ou at mesmo retirados. Por fim, e no menos importante, o crescimento agressivo do setor no contexto de aprofundamento do extrativismo agroexportador no Brasil torna mais urgente um debate amplo sobre as implicaes, para as atuais e futuras geraes, do acelerado esgotamento das riquezas minerais.

    24 DFP 2012 e 2013.

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    Referncias ALBAVERA, F.S. et al. Panorama minero de Amrica Latina: la inversin en la dcada de los noventa. Naciones Unidas, Comisin Econmica para Amrica Latina y el Caribe (Serie Medio Ambiente y Desarollo 11). Santiago: CEPAL, 1998, 81 p. MACKENZIE, B.W. Competitive mining tax positions in South America. THIRD INTERNATIONAL GOLD SYMPOSIUM. Lima, 5 maio 1998. OTTO, J. et al. Mining royalties: a global study of their impact on investors, government, and civil society. Washington: The World Bank, 2006, 320 p. LIMA, P.C.R. A compensao financeira pela explorao mineral no Brasil e no mundo. Disponvel em: . Biblioteca Digital da Cmara dos Deputados, 2007. BRAZ, E. Aspectos tributrios da minerao brasileira: cenrio evolutivo da situao tributria da minerao no Brasil e anlise comparativa com pases mineradores selecionados. Relatrio Tcnico 07, entregue ao Ministrio de Minas e Energia e ao Banco Mundial como parte do estudo para elaborao do Plano Duodecenal (2010-2030) de Geologia, Minerao e Transformao Mineral, 2009a. FRASER INSTITUTE. Fraser Institute annual survey of mining companies 2008/2009. Coord.: Fred MacMahon e Miguel Cervantes. Vancouver, 2009. 92 p.

    Introduo1. Breve panorama do setor2. Tributao no setor mineral brasileiroTributao real e efetiva

    3. Empresas transnacionais e justia tributriaTransfer pricingManobras contbeis na minerao brasileira um estudo de caso da Vale

    Consideraes finais