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JUSTIÇA FEDERAL SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE UBERABA/MG PROCESSO N° 2008.38.02.003352-2 AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO LESIVO AO MEIO AMBIENTE CLASSE: 7100 AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL LITISCONSORTE ATIVO: UNIÃO RÉUS: RUBENS ROBERTO VISCONE e OUTROS SENTENÇA' 1- RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente Ação Civil Pública em desfavor de RUBENS ROBERTO VISCONE, LANA LUCIA LIMA VISCONE e INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, devidamente qualificados nos autos, em virtude de suposta prática de atos lesivos ao meio ambiente. Assevera o MPF que os primeiros requeridos promoveram construções em área de preservação permanente, ensejando degradação ambiental, ao passo que o IBAMA deixou de exercer o poder de policia ambiental que lhe cumpre, omitindo-se quanto ao dever legal de fiscalização, monitoramento e controle ambiental. Diante dos constatados danos ambientais, o autor pugna pela condenação dos requeridos: a) na obrigação de fazer, consistente na recuperação da área de preservação permanente efetivamente danificada e ocupada pelo réu, mediante a adoção de práticas de adequação ambiental e técnicas a serem indicadas por técnico legalmente habilitado para tanto, observada a biodiversidade local, co acompanhamento e tratos culturais pelo prazo que garantam a efetiva recupera da área, mediante as seguintes ações: a.1) desocupar a área de preserv permanente, promovendo a demolição de qualquer edificação/benfeitoria e tente Classificada como Tipo A, para os fins da Portaria COGER/TRP1 n°30, de 09 de outubro de 2007. 1

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JUSTIÇA FEDERAL SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE UBERABA/MG

PROCESSO N° 2008.38.02.003352-2

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO LESIVO AO MEIO AMBIENTE

CLASSE: 7100

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

LITISCONSORTE ATIVO: UNIÃO

RÉUS: RUBENS ROBERTO VISCONE e OUTROS

SENTENÇA'

1- RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente Ação Civil Pública em desfavor de RUBENS ROBERTO VISCONE, LANA LUCIA LIMA VISCONE e INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, devidamente qualificados nos autos, em virtude

de suposta prática de atos lesivos ao meio ambiente.

Assevera o MPF que os primeiros requeridos promoveram

construções em área de preservação permanente, ensejando degradação ambiental,

ao passo que o IBAMA deixou de exercer o poder de policia ambiental que lhe

cumpre, omitindo-se quanto ao dever legal de fiscalização, monitoramento e controle ambiental.

Diante dos constatados danos ambientais, o autor pugna pela

condenação dos requeridos: a) na obrigação de fazer, consistente na recuperação da

área de preservação permanente efetivamente danificada e ocupada pelo réu,

mediante a adoção de práticas de adequação ambiental e técnicas a serem indicadas

por técnico legalmente habilitado para tanto, observada a biodiversidade local, co

acompanhamento e tratos culturais pelo prazo que garantam a efetiva recupera

da área, mediante as seguintes ações: a.1) desocupar a área de preserv

permanente, promovendo a demolição de qualquer edificação/benfeitoria e tente

Classificada como Tipo A, para os fins da Portaria COGER/TRP1 n°30, de 09 de outubro de 2007.

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nesta, com retirada do entulho resultante, que deverá ser depositado em local

indicado pelo órgão ambiental competente; a.2) entregar ao IBAMA ou ao órgão

ambiental estadual por ele indicado, no prazo de sessenta (60) dias, contado da data

da intimação da decisão defmitiva, projeto de adequação ambiental, que deverá ser

avaliado no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, elaborado por técnico devidamente

habilitado, incluindo cronograma de obras e serviços, com recolhimento referente à

Anotação de Responsabilidade Técnica (ART); a.3) iniciar a implantação do projeto de

adequação ambiental da área degradada, em prazo a ser definido no projeto, não

podendo este ser superior a 180 (cento e oitenta) dias, contado da data da aprovação

do projeto pelo órgão ambiental competente, devendo obedecer a todas as exigências

e recomendações feitas pelo referido órgão; b) confirmando a liminar, à obrigação de

não fazer consistente em se abster de realizar novas ocupações, edificações, corte,

exploração ou supressão de qualquer tipo de vegetação ou de realizar qualquer outra

ação antrópica na área de preservação permanente objeto da presente ação civil

pública que se encontra em sua posse direta, e/ou de nela promover ou permitir que

se promovam atividades danosas, ainda que parcialmente; c) ao pagamento de

indenização quantificada em perícia ou por arbitramento deste Juizo Federal,

correspondente aos danos ambientais causados pela ocupação irregular da área de

preservação permanente até o início da execução do projeto de adequação ambiental,

a ser recolhida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (CPC, art. 286, II); d) ao

pagamento de indenização quantificada em perícia ou por arbitramento deste Juízo

Federal, correspondente aos danos ambientais que, no curso do processo, se

mostrarem técnica e absolutamente irrecuperáveis nas áreas de preservação

permanente, irregularmente ocupada pelo réu, corrigida monetariamente, a ser

recolhida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (CPC, art. 286, II); e) à obrigação

de fazer consistente na adoção de medidas compensatórias e mitigatõrias a serem

indicadas em perícia, correspondentes aos danos ambientais que, no curso do

processo, mostrarem-se técnica e absolutamente irrecuperáveis nas áreas de

preservação permanente, irregularmente ocupada pelos réus; f) subsidiariamen

caso reste configurada a impossibilidade ou extrema onerosidade da medi ía

pleiteada no item "a.1", que sejam os requeridos condenados às seguintes obrig o

de fazer: f.1) adoção de medidas compensatórias àquela pleiteada no item " .1" da

exordial, a serem definidas em perícia, mediante aquiescência do órgão biental 2

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competente; e 2) substituição dos muros ou cercas lateriais do imóvel por "cercas

vivas", de modo a permitir o trânsito de animais de maior porte ao longo da área de

preservação permanente.

Requer, ainda, a cominação de multa de R$ 1.000,00 (mil reais),

para cada dia de atraso no cumprimento da sentença, devidamente corrigida até a

data do pagamento, que deverá ser revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos

Difusos, sem prejuízo da intervenção judicial na propriedade, para permitir a

execução especifica por interventor nomeado.

A inicial veio instruída com os documentos de fls. 30/34.

A fl. 43, determinou-se a intimação do Instituto Estadual de

Florestas - IEF/MG e da União, a fim de informarem eventual existência de interesse

na lide, tendo esta última requerido o ingresso no feito na condição de assistente

litisconsorcial do polo ativo (fls. 45/48).

O MPF requereu, às fls. 50/52, a inclusão do IBAMA no polo

passivo da demanda.

Por meio da decisão de fls. 57/59, foi concedida a medida liminar,

determinando que a parte ré se abstivesse de cortar ou suprimir qualquer tipo de

vegetação, de proceder a novas intervenções construtivas no imóvel objeto da ação e

de lançar quaisquer resíduos no Rio Grande, cientificando eventuais adquirentes do

imóvel acerca da presente ação e da decisão prolatada. Deferiu-se, outrossim, a

inclusão do IBAMA e da União no feito, esta na qualidade de assistente

litisconsorcial ativo, e aquele na condição de réu.

Citado, o IBAMA ofereceu contestação às fls. 73/78, acompanhada

dos documentos de fls. 79/118, ocasião em que alegou, preliminarmente, a falta de

interesse de agir do Parquet Federal. No mérito, aduziu: a) no ano de 2001, em

pareceria com o MPF, a Polícia Florestal dos Estados de Minas Gerais, São Paulo

Goiás e diversas outras entidades, como a CEMIG, FURNAS, Universidades

Organizações Não Governamentais, implementou o Programa de Proteção do Ento

dos Reservatórios das Usinas Hidroelétricas dos rios federais no Estado de M

Gerais, entre os quais o Rio Grande; b) referido programa teve como objetivo r orçar

os procedimentos de fiscalização, monitoramento e controle da utilização d s áreas

o

as

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de preservação permanente situadas às margens dos reservatórios das UI-{E

abastecidas por rios federais; c) nos termos do Relatório Estatístico das duas etapas

da Operação Rio Grande, foi feito um levantamento das construções e atividades

irregulares na região, resultando na lavratura de diversos autos de infração e termos

de embargo/interdição contra os invasores, a partir da confecção de centenas de

laudos de constatação/inspeção da situação ambiental pelos fiscais do IBAMA, o que

ensejou a propositura de várias ações civis públicas pelo MPF; d) inexiste omissão da

autarquia, que vem exercendo o poder de policia ambiental nos limites da

competência material comum delineada pela Constituição Federal e legislação

pertinente.

Por sua vez, os requeridos RUBENS ROBERTO VISCONE e LANA

LUCIA LIMA VISCONE, citados via carta precatória (fls. 122 e 123), apresentaram

defesa às fls. 125/148, instruída com os documentos de fls. 149/186. Alegaram,

preliminarmente, a ilegitimidade ativa do MPF e a incompetência absoluta da Justiça

Federal. No mérito, sustentaram, em síntese: a) a área objeto da demanda não é

considerada rural, nos termos da Lei Municipal n° 5.083/04, do Município de

Frutal-MG, que tornou área urbana todo o loteamento denominado Estancia

Seneville, incluindo o Lote 07, de propriedade dos réus; b) o INCRA não se opôs

definição da referida área como urbana, quando da tramitação do respectivo projeto

de lei; b) existe falha no laudo de constatação/inspeção elaborado pelo IBAMA, já

que os réus não possuem edificação na metragem ali mencionada, e os atos

apontados no documento não restaram devidamente provados; c) o laudo técnico

que instrui a peça de contestação, elaborado de forma geral, em relação a todo o

condomínio Estância Seneville, atesta que o trabalho de regeneração da vegetação

nativa encontra-se em estado avançado, e que não há dano ambiental significativo

no local; d) o art. 3°, inciso I, da Resolução n° 302/2002 do CONAMA, é

inconstitucional, por violar o principio da legalidade, e pelo fato de que referido

Conselho não possui competência para editar normas de caráter restritivo; e) aplica-

se ao presente caso o artigo 3° da Lei Estadual mineira n° 18.365/09, que dispõ

sobre a ocupação consolidada em áreas de preservação permanente localizadas e

área urbana; f) os requeridos não causaram nenhum impacto ambiental no im el,

nos termos da definição trazida pela Resolução n° 01/86 do CONAMA; g) po suem

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direito aos benefícios da Justiça Gratuita.

O MPF impugnou a contestação às fls. 189/357.

À fl. 359, a União ratificou os termos aduzidos pelo MPF.

Às fl. 361/367, o MPF apresentou embargos declaratórios contra a

decisão de fl. 359, os quais foram rejeitados, às fl. 371.

Determinada a especificação de provas (fl. 360), a União nada

requereu (fl. 369).

O autor aviou agravo na modalidade retido (fl. 373/394). Contudo,

as decisões de fl. 360 e 371 foram mantidas por seus próprios fundamentos (fl. 395).

O MPF opôs embargos declaratórios, às fl. 396/397, os quais foram

acolhidos, para determinar que primeiro fosse dada vista à parte agravada (fl. 398).

Os réus apresentaram contrarrazões ao agravo retido (fl. 400/406).

Na decisão de fl. 408/409, foi determinada a realização de prova

pericial, com apresentação de quesitos pelo Juízo.

Quesitos formulados pela União (fl. 419/420).

Às fl. 449/468, foi carreado o laudo técnico pericial, com ciência do

MPF, à fl. 470, da União, à fl. 472 e dos réus, às fl. 475/476.

Por fim, vieram-me os autos conclusos.

É o que importa relatar.

Decido.

II - FUNDAMENTAÇÃO

DAS PRELIMINARES

1 - Da incompetência absoluta

Sustentam os primeiros requeridos (RUBENS ROBERTO VISCO

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LANA LUCIA LIMA V1SCONE) que inexiste afronta a bens da União no presente caso,

razAo pela qual a Justiça Federal seria incompetente para processar e julgar a

demanda.

Totalmente sem razão, contudo.

Ora, a par da presença do Ministério Público Federal no feito, na

condição de autor - o que por si só atrai a competência da Justiça Federal2 -, resta

evidente o interesse da União na lide, já que os danos ambientais narrados na peça

de ingresso ocorreram em área de preservação permanente situada ao longo do rio

Grande, o qual, por banhar os Estados de Minas Gerais e São Paulo, configura-se

como bem pertencente ã União (art. 20, III, da CRFB/88), de modo a firmar a

competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Carta Magna.

Outrossim, o ingresso na lide da própria União e do 1BAMA - este

na condição de réu, e aquela na qualidade de litisconsorte ativo - torna

insubsistente a alegação dos requeridos.

E, porquanto a competência para processar e julgar a ação civil

pública por prejuízos ao meio ambiente natural é a do foro do local onde ocorrer o

dano (Lei 7.347/85, art. 2.°), manifesta a competência desta Subseção Judiciária de

Uberaba, que exerce jurisdição sobre o município de Frutal-MG, no qual está

localizado o imóvel ocupado pela ré.

Rejeito, portanto, a preliminar articulada.

2 - Da ilegitimidade ativa

Aduzem os primeiros requeridos que, como decorrência da suposta

incompetência absoluta da Justiça Federal para o julgamento do feito, o Ministério

Público Federal não possuiria legitimidade para a propositura da presente Ação Civil

Pública.

Todavia, conforme salientado no tópico anterior, a Justiça Federal

competente para o julgamento da presente lide, nos termos do art. 109, I, a

2 Nesse sentido: Pet 2.639/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/O5/20'5,DJ 25/09/2006, p. 198.

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PROCESSO N° 2008.38.02.003352-2

CRF/88, e o Ministério Público Federal possui inquestionável legitimidade para o

ajuizamento de ação civil pública em defesa do meio ambiente, conforme

expressamente dispõe o art. 129, III, da Carta Magna.

Consequentemente, afasto a preliminar suscitada.

3 - Da falta de interesse de agir

Invoca o IBAMA a ausência de interesse de agir do Ministério

Público Federal, ao argumento de que seria desnecessária a intervenção judicial na

hipótese dos autos, eis que a fiscalização e a proteção do meio ambiente são

atribuições legais da autarquia ré, inexistindo, no ponto, resistência ã pretensão

autoral.

O interesse processual traduz-se, conforme as lições insuperáveis

de NELSON NERY JÚNIOR, "quando a parte tem necessidade de ir a juizo para

alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe

alguma utilidade do ponto de vista prático".

In casu, constato a utilidade e a necessidade da prestação

jurisdicional reclamada pelo Parquet Federal - por via processual adequada, ressalte-

se -, uma vez que, constatada a ocorrência de danos ambientais, cumprirá ao Poder

Judiciário determinar sua cessação e ordenar a devida reparação, de modo a tutelar

o direito fundamental ao meio ambiente e ecologicamente equilibrado.

De outro lado, a existência ou não de omissão do IBAMA, quanto ao o efetivo exercício das atribuições que a lei lhe confere, é questão que diz respeito ao

mérito da causa - que será apreciado oportunamente.

Rejeito, destarte, a preliminar arguida.

DO MÉRITO

'In Código de Processo Civil Comentado, Ed. RT, 5a edição, p. 711.

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1. Da ocorrência de danos ambientais

Sustentam os réus RUBENS ROBERTO VISCONE e LANA LUCIA

LIMA VISCONE que são proprietários do Lote 07 do Condomínio Estância Seneville,

localizado no município de Frutal-MG, e que não causaram qualquer impacto

ambiental no imóvel, nos termos da definição trazida pela Resolução n° 01/86 do

CONAMA.

Aduzem que o trabalho de regeneração da vegetação nativa no

Condomínio Estância Seneville encontra-se em estado avançado, não havendo dano

ambiental significativo no local, conforme atesta o laudo técnico que instruiu a peça

de contestação.

Ressaltam, ainda, que o plantio de árvores e os cuidados com o

meio ambiente no Condomínio em questão foram noticiados pela imprensa do

município de Frutal-MG.

Todavia, constato que a documentação constante dos autos é apta a

comprovar a ocorrência de danos ambientais em área de preservação permanente,

no imóvel ocupado pelos requeridos, localizado às margens do reservatório da Usina

Hidrelétrica de Marimbondo, no município de Frutal-MG, conforme narrado pelo

Ministério Público Federal na peça de ingresso.

Com efeito, o laudo pericial de fls. 449/468 atesta que o imóvel em

questão encontra-se, totalmente, dentro da área de preservação permanente de

trinta metros e, parcialmente, dentro da cota de desapropriação, sendo que nesta há

uma casa que fica a 77,12m2 dentro da APP, mas fora da desapropriação e 69,58m2 dentro tanto da APP como da desapropriação.

A prova técnica comprova, ainda, que houve supressão da vegetação

local e uso do solo para implantação da base de piso e fundações, sendo necessário,

para recuperação dos danos causados, o replantio de espécies nativas. Confira-se (fls. 461):

«(...)Lote 07

16) Houve desmatamento de espécies nativas d tro da área de 30 metros (Lei Estadual 14.309/02) 100 metros (Resolução CONAMA 302/02? É poss el a

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recuperação dessas áreas e em que condições?

Resposta: Sim, houve desmatamento de espécies nativas dentro dessa área, só que este signatário não sabe informar quando e nem quem o realizou".

Por sua vez, o Laudo de Constatação elaborado pelo IBAMA (fl. 30)

corrobora o laudo pericial, pois atesta que as edificações promovidas pelos

ocupantes do imóvel objeto da lide suprimiram a vegetação característica da área de

preservação permanente.

Assim, diante das provas coligidas ao feito, resta plenamente

configurada a ocorrência de danos ambientais, decorrentes da construção em área

de preservação permanente, com supressão de vegetação nativa.

2. Da validade das Resoluções do CONAMA para fixação de APP

Aduzem os requeridos RUBENS ROBERTO VISCONE e LANA LUCIA

LIMA VISCONE que o imóvel objeto da ação está situado na área urbana do

município de Frutal-MG, nos termos da Lei Municipal n° 5.083/04.

Argumentam, também, que o art. 3°, inciso I, da Resolução n°

302/2002 do CONAMA não incide na espécie, por ser inconstitucional, já que a

restrição ao direito de propriedade deve observar o principio da legalidade, sendo

necessária a edição de lei ordinária para regulamentação da matéria.

Por fim, alegam que deve ser aplicado no presente caso o artigo 3°

da Lei Estadual n° 18.365/09, do Estado de Minas Gerais, que dispõe sobre a

ocupação consolidada em áreas de preservação permanente localizadas em área

urbana.

Inicialmente, anoto que não assiste razão aos réus, no tocante à

alegação de que o imóvel por eles ocupado se insere na categoria de urbano.

Com efeito, a documentação proveniente do Cartório de Registro

Imóveis (fls. 34 e verso) e o laudo pericial de fls. 449/468 atestam que o imóvel es

localizado na área rural desapropriada em favor de FURNAS CENTRAIS ELÉTRIC S

S.A. para implantação da Usina Hidrelétrica de Marimbondo (Fazendas São Jo do 9

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Fecho e Lagoa, no município de Frutal-MG).

Ressalto que a Lei Municipal n° 5.083/2004, do município de

Frutal-MG, que "declara área urbanizãvel o loteamento denominado 'Estância

Seneville' ", não é apta a afastar a natureza rural da área, sendo, portanto,

inaplicável na hipótese dos autos.

LEANDRO PAULSEN esclarece que:

"Certo, portanto, de que o fato gerador do IPTU é a propriedade predial e territorial urbana, conclui-se ser de importância vital para o município a delimitação de seu perímetro urbano, a fim de que também se evitem conflitos com a União, dado que a zona rural é objeto de competência tributária da mesma (CF, art. 153, VI). Destarte, a delimitação da zona urbana ou perímetro urbano, como alguns preferem, há de ser realizada por lei municipal. Esta, por sua vez, deverá estar submissa às condições consignadas no CT1V, no seu art. 32, §§ 1° e 2°." (Selma Pereira de Santana, Delimitação de zona urbana e IPTU, Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas n° 18, RI', 1997, p. l23/124).

Ocorre que a parte ré não demonstrou a efetiva existência dos

requisitos mencionados pelo art. art. 32, § 1°, do CTN5, necessários à caracterização

da zona urbana municipal, não sendo suficientes as alegações de que o INCRA não

se opós ao pedido de alteração do solo rural para fins de Sítio de Recreio e de que a

Prefeitura Municipal de Frutal-MG aprovou o loteamento da área.

Registro que a edição de ato normativo meramente formal, pelo

Poder Público Municipal, não é apta a enquadrar determinada área como urbana,

quando os elementos de prova, destinados à formação da convicção do magistrado,

In Direito Tributário - Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência Ed. Livraria do Advogado, 5' edição, p. 634. 5 "Lei n°5.172, de 25 de outubro de 1966- Código Tributário Nacional (...) Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão fisica, com definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. § 1° Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requis mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construidos mantidos pelo Poder Publico: I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; li - abastecimento de água; III - sistema de esgotos sanitários; IV - rede de iluminação publica, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilómetros do imóvel considerad

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demonstram a um só tempo a real natureza da área (indubitavelmente rural) e a

ausência dos requisitos mínimos, descritos nos incisos do § 1°, art. 32, do CTN,

necessários àquela configuração.

Ora, a total desconsideração da realidade subjacente à norma e a

constatação de não atendimento ao quanto disposto no Código Tributário Nacional,

com a consequente prolação de sentença em descompasso com o conjunto fático-

probatório constante dos autos, violariam o direito fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem como o devido processo legal substancial (aqui visto

sob o prisma da razoabilidade da decisão judicial) e, ainda, o próprio principio da

legalidade.

Assim, nem mesmo eventual comprovação de pagamento de IPTU

seria suficiente para caracterizar o imóvel na categoria de urbano.

Não socorre à parte ré, outrossim, a alegação de que deve ser

aplicado no presente caso o artigo 3° da Lei Estadual n° 18.365/09, do Estado de

Minas Gerais, que acresceu o art. 11-A à Lei n° 14.309/2002 daquele ente

federativo, o qual dispõe sobre a ocupação consolidada em áreas de preservação

permanente localizadas em área urbana

Em primeiro lugar, porque a Lei Estadual n° 14.309/2002 foi

revogada6, não havendo, portanto, como espargir os seus efeitos no caso.

De qualquer forma, a legislação estadual é inaplicável à espécie,

pois a Constituição Federal de 1988, ao adotar o modelo de federalismo cooperativo,

estabeleceu a competência concorrente entre União, Estados e Municipios7 para

legislar sobre 'florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos

recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição" (art. 24, VI),

competindo à União estabelecer as normas gerais sobre tais temas (art. 24, § 1°), ao

passo que aos Estados cumpre o exercício da competência suplementar (art. 24, §

2°).

E, em matéria de proteção ambiental,

6 Informação constante do endereço eletrônico da Assembléia Legislativa do Estado de minas Gerais. Disponível em: <http: / /www.almg.gov.br/ consulte / legislacao / completa/ completa.html?num=143098aano=2002&tipo=LEI>. Acess em: 08 out. 2014. 7 Em relação a estes entes federativos, embora não sejam mencionados no capta do art. 24 da CRFB/8 a competência concorrente lhes é atribuída por força do art. 30, incisos I e II, da Cm-ta Magna.

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"(..) por se tratar de direito fundamental essencial à preservação das presentes e futuras gerações e em razão da sua natureza difusa, as normas gerais editadas pela União devem disciplinar questões comuns a todos os entes federados, de forma a garantir a unidade normativa nacional e a efetividade da tutela ambiental em todo o pais.

No federalismo cooperativo, o interesse geral na preservação do meio ambiente exige que a União estabeleça normas mais completas e detalhadas sobre algumas questões, visando ao tratamento uniforme em toda federação, sem que com isso viole a autonomia dos outros entes federados.8 (destaquei)

Nessa esteira, compete à União a regulamentação dos temas

concernentes ã definição da área urbana consolidada e dos próprios limites

territoriais a serem considerados como área de preservação permanente, por se

tratar de normatização de caráter geral, de observância obrigatória pelos demais

entes da Federação - a quem é dado, no entanto, editar normas que sejam ainda

mais defensivas ao meio ambiente, consideradas as peculiaridades regionais e locais.

E, conquanto houvesse conflito entre a legislação federal e a

estadual, é certo que sempre devem prevalecer as normas mais benéficas sob a ótica

da preservação ambiental, ante a incidência do principio in dubio pro natura (ou in dubio pro ambiente). Até porque, no que tange à prerrogativa conferida aos Estados

pelo art. 24, § 2°, da CFRB/88, "não se pode suplementar um texto legal para

descumpri-lo, ou para deturpar sua intenção, isto é, para desviar-se da mens legis ambiental federal" 9.

Na situação dos autos, os requeridos também não comprovaram a

presença dos requisitos necessários à configuração da Área Urbana Consolidada,

previstos no ato normativo federal que rege a matériam.

g MAFFRA, Marcelo Azevedo. Conflitos normativos em matéria ambiental: a prevalência da proteção. Disponível em: <http:/ /www.esmp.sp.gov.br/revista_esmp/index.php/RjESMPSP/article/view/20>. Acesso em: 06 jun 2014. g MACHADO, Paulo Afonso Leme. Competência comum, concorrente e supletiva em matéria de meio ambiente. Revista de Informação Legislativa, Brasfiia, ano 33, n° 131, jullao/set/ 1996. p. 167/174. ID "Resolução CONAMA n° 302, de 20 de março de 2002 (...) Art. 2° Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições: (...) v- Área Urbana Consolidada: aquela que atende aos seguintes critérios: a) definição legal pelo poder público; b) existência de, no mínimo, quatro dos seguintes equipamentos de infra-estrutura urbana: 1. malha viária com canalização de águas pluviais, 2. rede de abastecimento de água; 3. rede de esgoto;

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Ante o conjunto probatório constante dos autos, portanto, é

indubitável que a área objeto da lide qualifica-se como rural, e assim deve ser

considerada para efeito de extensão da área de preservação permanente,

independentemente da existência de ato normativo formal em sentido diverso.

Impende destacar, no ponto, que conquanto a área não fosse

considerada rural, as construções efetivadas pelos réus encontram-se em área de

preservação permanente, conforme será expendido no próximo tópico desta

sentença.

Friso, ainda, que não merece prosperar a alegação quanto ã

inconstitucionalidade do art. 3°, inciso I, da Resolução n° 302/2002 do CONAMA,

em decorrência de suposta violação ao principio da legalidade.

Ocorre que o Conselho Nacional do Meio Ambiente exerce seu poder

normativo em decorrência de expressa previsão legal, a teor do que dispõe o art. 6°,

inciso II, e art. 8° inciso VII, da Lei n° 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do

Meio Ambiente. Trata-se, portanto, de poder-dever do órgão ambiental, pois o

exercício da competência que lhe é atribuída, quanto à edição de atos normativos,

não se constitui como mera faculdade.

Ademais, o art. 6°, § 1°, do mencionado diploma legal, ao dispor que

"Os Estados, na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição,

elaborarão normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente, observados os que forem estabelecidos pelo CONAMA" (destaques

meus), consagra norma absolutamente compatível com o modelo constitucional de

atribuição de competência concorrente, em matéria ambiental, aos entes federativos

(art. 24 da CRFB/88), tema já enfrentado neste decisum.

E, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, o CONAMA

possui autorização legal para editar resoluções voltadas para a proteção ambiental e

dos recursos naturais, em especial, no que se refere à fixação de parâmetros das

áreas de preservação permanente.

4. distribuição de energia elétrica e iluminação pública; 5. recolhimento de resíduos sólidos urbanos; 6. tratamento de resíduos sólidos urbanos; e c) densidade demográfica superior a cinco mil habitantes por 1an2."

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Nesse sentido:

AMBIENTAL. AGRAVO REGIMENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LAGOA ARTIFICIAL. USINA HIDROELÉTRICA DE MIRANDA. OBRA NECESSÁRIA AO USO DA ÁGUA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/ STJ. DETERMINAÇÃO PARA REMOÇÃO DE EDIFICAÇÕES ERGUIDAS NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. POSSIBILIDADE. 1. A questão do proprietário ribeirinho ter direito à realização de obras para uso da água, contida no art. 80 do Código de Águas, conquanto tenha sido objeto dos embargos de declaração opostos no acórdão, não foi enfrentada pela Corte de origem. Ausente alegação de maltrato ao art. 535 do Estatuto Processual, incide na espécie a súmula 21 1/ STJ. 2. A Corte Estadual, ao decidir pela remoção das edificações levantadas na área de preservação permanente ao redor do reservatório de água artificial da Represa de Miranda (Usina Hidrelétrica de Miranda), não discrepa da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que entende que 'A área de 100 metros em torno dos lagos formados por hidrelétricas, por força de lei, é considerada de preservação permanente' (REsp 194.617/PR), bem como que "possui o Conama autorização legal para editar resoluções que visem à proteção do meio ambiente e dos recursos naturais, inclusive mediante a fixação de parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente' (REsp 994.881/SC). 3. Agravo regimental não provido (STJ, 2' T., Rel. Min. Eliana Calmon, AGRESP 201000351159, DJE 15.05.2013). (grifo nosso).

Aliás, no que toca à incidência dos parâmetros estabelecidos pela

Resolução 302/2002 — CONAMA, aos fatos anteriores à sua vigência, impõe-se

considerar que a ninguém é permitido invocar o direito adquirido à degradação

ambiental.

É que, como corolário das disposições constitucionais, o direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado foi erigido na categoria de direito

fundamental, não podendo, em qualquer hipótese, ser analisado sob o prisma

individualista em detrimento do interesse coletivo. Trata-se, na realidade, de direit

transindividual.

No presente feito, não se discute o direito de propriedade, mas sim

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o direito ao ambiente saudável, como bem essencial à vida, pertencente às presentes

e futuras gerações.

E, como direito fundamental, o meio ambiente deve ser protegido

por todos, principalmente pelos órgãos públicos, que devem empreender fiscalização

perene, para evitar a degradação e poluição.

Entendo, portanto, que as regras advindas com a Resolução n°

302/2002 do CONAMA são plenamente aplicáveis, até mesmo com relação a fatos

ocorridos antes de sua vigência, pois a obrigação de cuidado e reparação dos danos

ambientais recai sobre todos, sem distinção, e decorre diretamente das normas

constitucionais.

É este o entendimento esposado pelos Tribunais pátrios, senão

vejamos:

Processo APELRE 200551080006615

APELRE - APELAÇÃO/ REEXAME NECESSÁRIO - 522348

Relator(a) Desembargador Federal MARCUS ABRAHAM

Sigla do órgão TRF2

órgão julgador QUINTA TURMA ESPECIALIZADA

Fonte E-DJF2R - Data::29/01/ 2014

Ementa

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÕES CIVEIS. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. IMPRESCR1TD3ILIDADE DOS DANOS AMBIENTAIS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. DEMOLIÇÃO DE TODA A EDIFICAÇÃO. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS COLETIVOS. IMPOSSIBILIDADE. 1 - Apelações interpostas com o fito de ver reformada sentença que acolheu parcialmente o pedido do Ministério Público Federal em sede de Ação Civil Pública, condenando o réu ao recuo em dois metros do muro de sua propriedade e à recomposição de área de preservação permanente, caracterizada por vegetação de restinga, sobre a qual avançou, além de indenização pelos danos ambientais causados. 2 - Com efeito, a Resolução CONAMA n° 303/2002, a tratar da vegetação de restinga enquanto área d preservação permanente, estabelece faixa de 30 metros a ser protegida. Em virtude de sua fun o ecológica, é indiferente a existência, de fato, da

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vegetação tutelada, para a caracterização da área, decorrendo obrigação de recomposição onde haja devastação. Cogente observar, ainda, que a previsão legal alcança também as zonas urbanas, devendo a legislação local respeitar os limites previstos em lei federal. 2 - É cediço que, face à indisponibilidade do direito ao meio ambiente equilibrado, não corre prescrição contra a pretensão de reparação do ilícito ambiental, visto seu caráter continuado. Assim entende a jurisprudência pátria. Precedentes do STJ: REsp 1247140 / P1?, Rel. MM Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Julgamento em 22.11.2011, DJe 01.12.2011; REsp 1223092/ SC, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, Julgamento em 06.12.2012, DJe 04.02.2013; AgRg no REsp 1150479/ RS, Rel. MM. Humberto Martins, Segunda Turma, Julgamento em 04.10.2011, DJe 14.10.2011. 3 - No mesmo sentido, não há que se falar em direito adquirido a degradar o meio ambiente, devendo-se garantir sua higidez às futuras gerações. Irrelevante, nesse mister, eventuais alvarás e licenças anteriormente concedidas pelo Poder Público. 4 - A pretensão do Parquet de demolição de toda a edificação esbarra na razoabilidade da medida, vez que a propriedade em questão se presta à atividade económica regularmente desempenhada pelo particular, fato igualmente tutelado pelo ordenamento pátrio. Assim é que importa estabelecer medidas mitigatórias e compensatórias, sob pena de beneficio àquele que degrada, ao arrepio da lei. 5 - Revela-se impossível a condenação em danos morais coletivos, tendo em vista sua incompatibilidade com o viés individualista insito ao dano moral. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 1305977/ MG, Rel. MM. Ari Pargendler, Primeira Turma, Julgamento em 09/ 04/ 2013, DJe 16/ 04/ 2013; REsp 821891/ RS, ReL MM. Luiz Pwc, Primeira Turma, Julgamento em 08/04/2008, DJe 08/ 05/ 2008. 6 - Apelações e remessa necessária desprovidas. Data da Decisão 12/ 11/ 2013. Data da Publicação 29/ 01/ 2014." (grifei).

3. Da responsabilidade dos réus pelos danos causados

As questões relativas ao meio ambiente estão disciplinadas

artigo 225 e seguintes da Constituição Federal de 1988, erigidas à categoria

direito coletivo, e isso confere à matéria a natureza de bem de uso comum o

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povo e essencial à qualidade de vida, impondo ao poder público e à própria

coletividade o dever de protegê-lo e preservá-lo. Além disso, a Constituição impõe

condutas preservacionistas a quantos possam direta ou indiretamente gerar

danos ao meio ambiente.

A matéria está veiculada no art. 225 da Constituição Federal, que assim estabelece:

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A efetividade das normas constitucionais encontra-se aparelhada

por normas infralegais, como a Lei n.° 6.938/81, que trata da Política Nacional

do Meio Ambiente e a Lei n.° 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e

administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Em se tratando da natureza difusa do interesse de preservação

ambiental, a responsabilidade é objetiva, conforme se verifica da redação da Lei

n° 6.938/81, ao dispor em seu art. 14, §

Art. 14 (...)

§ 1° Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.

Do artigo acima mencionado, extrai-se que a responsabilidade

para os causadores de danos ecológicos é a objetiva e integral. A lei també ii

consagra a responsabilidade solidária entre o causador direto e o indireto

atividade que enseja a degradação ambiental (art. 30, IV, da Lei n° 6.938/8 ,

revelando-se pertinente a condenação daquele que contribuiu diretamente, em

como daquele que deixou de fiscalizar efetivamente os danos ambi ntais 17

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ocorridos.

É importante destacar que o "principio da obrigatoriedade da

intervenção estatal", que impõe a intervenção do Poder Público na tutela

ambiental, tem fundamento não apenas na Constituição Federal (art. 225, caput

e § 1°) e na Lei n° 6.938/81, mas também na Declaração de Estocolmo/72 (item

7).

Decorre do principio da obrigatoriedade da intervenção estatal,

em consonância com os princípios da precaução e da prevenção, que atuam

como pilares do sistema protetivo do meio ambiente e compõem a essência do

Direito Ambiental, o encargo do Poder Público (natureza compulsória) de adotar

todas as medidas necessárias para evitar a degradação ou potencial lesão ao

ambiente. É o que se denomina de Poder de Polícia Ambiental.

Insta salientar, ainda, que a responsabilidade estatal, in mau, é

de natureza objetiva, prescindindo da discussão acerca da culpa, o que exsurge

da conjugação dos seguintes dispositivos legais: art. 37, § 6° e art. 225, § 3° da

CF; art. 3', IV e art. 14, § 1° da Lei 6.938/81; e arts. 43 e 927 do Código Civil.

No caso dos autos, o Parquet Federal deixou de incluir, no polo

passivo, os entes federativos - União e Município -, de modo que não há como

responsabilizá-los pelos danos ambientais ocorridos na área, sob pena de se

prolatar sentença extra petita.

Verifico, no entanto, a existência de responsabilidade do IBAMA,

autarquia federal, cuja função institucional é a fiscalização e proteção do

patrimônio ambiental, no âmbito nacional.

É que, consoante bem articulado pelo MPF, às f. 50/52, a

referida autarquia não se desincumbiu satisfatoriamente de seu poder de políci

ambiental (art. 2°, I, da Lei 7.735/89), no que se refere "às atribuições federa

de fiscalização, monitoramento e controle ambiental", de modo a contribuir pa

a consecução de atividades nocivas ao meio ambiente.

Vale observar a clareza da situação narrada pelo Parquet Fed ral,

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IX área degradada, em abril/2007, não foi eficiente para prevenção dos d.

Por outro lado, para o fim de apuração do nexo de causalidade

no dano ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz e

quem não faz, quando deveria fazer.

Ressalte-se, por fim, que a fiscalização procedida pelo IBAMA

Resta, portanto, evidente, que o IBAMA não cumpriu o seu papel

fiscalizatório, fundamento máximo para sua própria existência, a teor da Lei

7.735/89, o que enseja a sua responsabilidade pelos danos ecológicos apurados

nestes autos.

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ao asseverar que "resulta certo que a poluição oriunda dos ranchos de lazer e

casas construídas ao longo do Rio Grande afetam diretamente o bem público

federal (art. 20, III, da CF), não sendo concebível que a autarquia, tendo

conhecimento do que ocorre, permita a proliferação descontrolada de

construções em área de preservação permanente, ao argumento de que a

fiscalização das construções é de atribuição exclusiva dos Estados" (sic, f. 51).

Não se pode olvidar que, em matéria de direito ambiental, devem

prevalecer os princípios da precaução e da atuação preventiva, que se constituem

em pedras angulares para a gestão de um Estado de Justiça Ambiental.

Nas lições de José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo

Ayala, "a atuação preventiva, tal como a precaução buscam remédios

antecipatórios contra o dano ambiental, ou seja, criar condições para que não

ocorram situações de degradação ambiental. A atuação preventiva se

consubstancia na frase: 'Mais vale prevenir do que remediar".n

E complementam, com os esclarecimentos de Canotilho e

Moreira, segundo os quais "as ações incidentes sobre o meio ambiente devem

evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem e não apenas

combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação

ambiental do que remediá-la a posteriori".12

II in Dano Ambiental, Ed. RT, 441. Ed., p. 56. 12 Idem..

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ocasionados pela ocupação da requerida, de modo que a atuação não obedeceu

aos princípios da precaução e da prevenção, o que leva à responsabilização desta

Autarquia Federal.

Com relação à responsabilização dos proprietários da área, a

prova dos autos é uníssona no sentido de que estes contribuíram diretamente

para a prática do dano ambiental, consubstanciado, pelo menos, na edificação

irregular em área de preservação ambiental permanente, com supressão da

vegetação nativa, consoante apontado no laudo pericial e no Laudo de

Constatação do IBAMA.

Neste ponto, impende considerar que a Lei n° 12.651, publicada

em 25/05/2012, veio trazer nova regra, em seu art. 62, relativa à área de

preservação permanente nos entornos de reservatórios artificiais de água

destinados à geração de energia ou abastecimento público.

Entretanto, sob os auspícios do principio da vedação ao

retrocesso ecológico, estabelecido pela Carta Magna, tal dispositivo padece do

vício da inconstitucionalidade.

É que, segundo o STJ, o principio da proibição do retrocesso

ecológico pressupõe que a salvaguarda do meio ambiente tem caráter

irretroativo, e, por este motivo, não se pode admitir o recuo para níveis de

proteção inferiores aos anteriormente consagrados. Este princípio tem a função

de estabelecer um piso mínimo de proteção ambiental, para além do qual devem

rumar as futuras medidas normativas de tutela, não se permitindo os impulsos

revisionistas da legislação inpejus.

Há que se concluir, portanto, que qualquer alteração legislativa

que venha a diminuir drasticamente o âmbito de proteção ambiental está em

flagrante afronta aos preceitos constitucionais, não podendo subsistir.

Assim, em controle incidental e difuso de constitucionalida

declaro a inconstitucionalidade do art. 62, da Lei 12.651/2012, por violação os

artigos 1°, inciso III; 30, I e 225 da Constituição da República Federa a do

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Brasil de 1988.

A norma aplicável à espécie, com relação à fixação dos

parâmetros e limites da área de preservação permanente no entorno dos

reservatórios de hidrelétricas é a estabelecida pela Resolução tf 302/2002 -

CONAMA (art. 30, 1)13.

Tratando-se de área rural, é certo que as edificações encontram-

se dentro da área de preservação permanente, observado o limite de 100 (cem)

metros estabelecido no art. 30, I, da Resolução 302/2002 do CONAMA.

Destarte, considerando a existência de danos ambientais

causados pelos réus RUBENS ROBERTO VISCONE e LANA LUCIA LIMA

VISCONE - consistentes na edificação irregular em área de preservação

ambiental permanente, com supressão da vegetação nativa -, impõe-se o dever

de repará-los, à luz da responsabilidade objetiva, sendo prescindível perquirir

acerca do elemento subjetivo, o que, consequentemente, torna irrelevante

eventual boa ou má-fé para fins de acertamento da natureza, conteúdo e

extensão dos deveres de restauração do status quo ante ecológico e de indenização.

Ademais, tratando-se de responsabilidade objetiva, é certo que,

ainda que a atividade do poluidor/destruidor tenha sido precedida da devida

licença do órgão ambiental competente ou realizada dentro dos padrões

estabelecidos pelas normas de segurança, se, em razão dessa atividade, ocorrer o

dano ao meio ambiente, há o nexo causal, que faz nascer o dever de indenizar.

Saliente-se que o dever de reparação se aplica a todos que direta

ou indiretamente contribuíram para a exploração da atividade causadora de

degradação ambiental, possuindo, portanto, caráter solidário. Aliás, a obrigação

de reparação de danos ao património histórico, cultural e ambiental é propt rem, ou seja, será responsabilizado pelos danos causados na propriedade s

13 "Ali 3° Constitui Área de Preservação Permanente a área com largura mínima, em projeção horizontal, no e tomo dos reservatórios artificiais, medida a máximo partir do nível no de: I - trinta metros para os reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas e cem metros a áreas rurais: (...)"

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proprietário atual, independentemente de ter sido ele ou não o real causador dos

estragos, sem sequer se perquirir a respeito de culpa, haja vista tratar-se de

responsabilidade de natureza objetiva.

3. Dos danos materiais coletivos

O MPF requereu a condenação da parte ré no pagamento de

indenização por danos materiais coletivos causados ao meio ambiente, até a

implantação das medidas de recuperação e pelos danos irrecuperáveis.

Ora, o dano ambiental pode ser compreendido como qualquer

lesão aos recursos ambientais que cause degradação e desequilíbrio ecológico.

Assim, não apenas a degradação da natureza deve ser objeto de

reparação, mas também a privação do equilíbrio ecológico, do bem-estar e da

qualidade de vida imposta à coletividade.

Como o dano em geral, o dano ambiental tanto pode ser de

ordem material, quanto moral.

É considerado dano ambiental material ou patrimonial, quando

existe a obrigação de uma reparação a um bem ambiental lesado, que pertence a

toda a sociedade, o qual deve ser integralmente recuperado, mediante obrigações

de fazer e não fazer. Somente quando este dano for irreversível, quando o

ambiente não puder ser recuperado e voltar ao estado anterior ao indigitado

evento é que será possível a indenização em dinheiro. Mas, a prioridade da tutela

ambiental é retornar o ambiente ao status quo ante.

Por outro lado, o dano ambiental moral é todo dano que não

tenha um prejuízo econômico, causado à coletividade em razão de lesão ao meio

ambiente, causando a privação do equilíbrio ecológico, prejudicando o bem-est

e a qualidade de vida inerente a todos os membros da comunidade local.

Em relação aos alegados danos materiais e ao pe do

indenizatório, verifico que, no caso em apreço, é possível a restituição ao tatus

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quo ante, impondo-se, assim, além de demolição das obras irregularmente

construídas, a adoção de medidas restauradoras da área degradada, bem assim,

a inibição da prática de ações antrópicas outras, desprovidas de regular

autorização dos órgãos competentes.

Nada obstante, no caso dos autos, entendo que assiste razão ao

MPF, ao requerer indenização pelos danos materiais ambientais até a

implementação das medidas para restituição do meio ambiente no local, com as

demolições, retirada de entulhos e recomposição da vegetação nativa.

É que, durante o mencionado período, toda a coletividade

suportará as consequências da intervenção danosa no imóvel ocupado pelos réus

RUBENS ROBERTO VISCONE e LANA LUCIA LIMA VISCONE, o que enseja a

estes o respectivo dever de indenizar.

III - DISPOSITIVO

Ante o exposto, confirmo a decisão de fls. 57/59, e JULGO PROCEDENTES os pedidos, para condenar os réus RUBENS ROBERTO

VISCONE e LANA LUCIA LIMA VISCONE e o IBAMA, este último de forma

subsidiária apenas com relação ao item "a":

a) Na obrigação de fazer, no sentido de demolir todas as obras e construções

que se encontram na área de preservação permanente - art. 30, I, da Resolução 302/2002 do CONAMA (100 metros) -, conforme verificado no laudo pericial, e a

remover todos os entulhos decorrentes da demolição, bem como a reconstituir e

recuperar as condições originais da mesma área. Fixo prazo de 90 dias -

contados do trânsito em julgado da presente sentença - para conclusão dos

trabalhos de demolição e limpeza da área e para apresentação de Plano de

Recuperação de Área Degradada a ser aprovado pelo IBAMA, que deverá se

elaborado por técnico devidamente habilitado, incluindo cronograma de obras

serviços, com recolhimento referente à Anotação de Responsabilidade Téc ca

(ART). Fixo multa diária de R$1.000,00 para o caso de descumprimen • da

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JUSTIÇA FEDERAL SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE UBERABA/MG

PROCESSO N° 2008.38.02.003352-2

ordem, a ser paga pelo primeiro requerido, quantia esta a ser revertida para o

Fundo previsto no art. 13 da Lei n° 7.437/85;

b) Os réus, RUBENS ROBERTO VISCONE e LANA LUCIA LIMA VISCONE, a

iniciar a implantação do projeto de adequação ambiental da área degradada, em

prazo a ser definido no projeto, não podendo este ser superior a 180 (cento e

oitenta) dias, contado da data da aprovação do projeto pelo órgão ambiental

competente, devendo obedecer a todas as exigências e recomendações feitas pelo

referido órgão;

c) Os réus a pagarem indenização no valor de R$30.000,00 (trinta mil reais),

em razão dos danos materiais coletivos decorrentes da conduta ora em análise,

pela ocupação irregular da área de preservação permanente até o início da

execução do projeto de adequação ambiental, quantia esta a ser revertida para o

Fundo previsto no art. 13 da Lei n° 7.437/85.

d) O IBAMA no pagamento de penalidade, pela falta do efetivo poder de

policia ambiental, no valor correspondente a R$ 10.000,00 (dez mil reais),

quantia esta que deverá ser revertida ao Fundo previsto no art. 13 da Lei n° 7.437/85.

Autorizo ao MPF a promover a demolição e recuperação da área

por conta própria, se a parte ré não o fizer no prazo supra. Para tanto, deverá

apresentar projeto e orçamento a ser aprovado pelo Juízo.

Condeno os réus RUBENS ROBERTO VISCONE e LANA LUCIA

LIMA VISCONE a reembolsar os valores gastos pelo autor na demolição d(

construção e recuperação da área, sem prejuízo do pagamento das multas

furadas acima.

da

O valor da indenização e da penalidade deve ser atualiza

conforme o Manual de Procedimentos e Cálculos da Justiça Federal, a partir da

data desta sentença, e sobre ela incidirão juros de mora de 1% ao mês, de de a

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citação.

Custas pelos réus, sendo delas isento o IBAMA, nos termos da Lei 9.289/96, art. 40, I.

Sem honorários advocaticios.

Publique-se. Registre-se I

Sentença sujeita ao duplolgra jurisdição.

se.

Uberaba/MG, cZa- 4 /2015.

CLÁUDIA AP IDA SALGE Jui a Federal

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