justiça do século x x i

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JUSTIÇA DO SÉCULO XXI

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JUSTIÇA DO SÉCULO

XXIXXIXXIXXI

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JUSTIÇA DO SÉCULO

XXI

Page 3: Justiça Do Século X X I

ADRIANA GOULART DE SENA ORSINI

MILA BATISTA LEITE CORRÊA DA COSTA

OYAMA KARYNA BARBOSA ANDRADECoordenadoras

JUSTIÇA DO SÉCULO

XXIXXIXXIXXIXXIXXIXXIXXIXXIXXIXXIXXI

Page 4: Justiça Do Século X X I

EDITORA LTDA.

© Todos os direitos reservados

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-001São Paulo, SP — BrasilFone (11) 2167-1101www.ltr.com.br

Março, 2014

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Justiça do século XXI / Adriana Goulart de Sena Orsini, Mila Batista Leite Corrêa da Costa, Oyama Karyna Barbosa Andrade, coordenadoras. — São Paulo: LTr, 2014.

Vários autores.Bibliografia.

1. Acesso à justiça 2. Direito do trabalho 3. Direitos fundamentais sociais 4. Justiça do trabalho 5. Justiça do trabalho — Brasil I. Orsini, Adriana Goulart de Sena. II. Costa, Mila Batista Leite Corrêa da. III. Andrade, Oyama Karyna Barbosa.

13-07801 CDU-347.998:331 (81)

Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : Justiça do trabalho 347.998:331 (81)

Versão impressa - LTr 4861.8 - ISBN 978-85-361-2751-4Versão digital - LTr 7739.0 - ISBN 978-85-361-2931-0

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Sumário

ApresentAção ............................................................................................................................... 9

Introdução ................................................................................................................................... 11

PARTE 1

1.1 opApeLdAJustIçAdotrABALHonoBrAsIL ............................................................ 17Mauricio Godinho DelgadoGabriela Neves Delgado

1.2 ACessoÀJustIçA:CorpoeALMAdACIdAdAnIA ..................................................... 25Luiz Otávio Linhares RenaultMaria Isabel Franco Rios

1.3 oACessoÀJustIçACoMoproMoçãodoBeM-estAredA“VIdABoA”:uMAtrAnsForMAçãopossÍVeL? ............................................................................................ 51Miracy Barbosa de Sousa Gustin

1.4 JudICIALIZAçãodAsreLAçÕessoCIAIsedesIGuALdAdedeACesso:poruMAreFLeXãoCrÍtICA ............................................................................................................... 59Adriana Goulart de Sena OrsiniMila Batista Leite Corrêa da Costa

1.5 ossABeresdoJuIZnosÉCuLoXXI:uMnoVopArAdIGMAproFIssIonALnAerAdAGLoBALIZAção ...................................................................................................... 69Giovanni Olsson

1.6 AdurAçãorAZoÁVeLdoproCessoCoModIreItoFundAMentAL:pressu-postodAJustIçAdotrABALHonosÉCuLoXXI ..................................................... 81Jorge Luiz Souto Maior

1.7 doConFLItoÀCooperAçãoJudICIÁrIA ................................................................... 95José Eduardo de Resende Chaves Júnior

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1.8 AMedIAçãoFrenteÀreConFIGurAçãodoensInoedAprÁtICAdodIreIto:desAFIoseIMpAssesÀsoCIALIZAçãoJurÍdICA...................................... 103Camila Silva Nicácio

1.9 ACessoÀJustIçAetuteLACoLetIVA ......................................................................... 117Adriana Campos de Souza Freire Pimenta

1.10 AsrAZÕesdodIreIto:desAFIosdAArGuMentAçãoJurÍdICApArAAJustIçAdosÉCuLoXXI ...................................................................................................................... 127Graça Maria Borges de Freitas

1.11 onoVosentIdodA JurIsdIçãonAestrAtÉGIAdopoder JudICIÁrIonACIonALeseudesdoBrAMentonAeXperIÊnCIAdosInGespA/trt3-MG ...... 135Antônio Gomes de Vasconcelos

1.12 soBreAJustIçAAQueseBusCAACesso .................................................................... 163Juliano Napoleão Barros

1.13 ACessoÀJustIçA:dIVersIdAde,eFetIVIdAdeeressIGnIFICAção ................... 173Mila Batista Leite Corrêa da Costa

1.14 JurIsdIçãodALIBerdAde:AIdeIAdeGArAntIAConstItuCIonAL .................. 183Lucas Moraes Martins

1.15 AtIVIsMoJudICIAL .............................................................................................................. 197Eduardo Marques Vieira Araújo

1.16 JustIçAnosÉCuLoXXI:CrIsedAJustIçA?JuÍZespArAoMerCAdo? ............... 209Letícia Mara Pinto FerreiraRômulo Soares Valentini

1.17 AHIpossuFICIÊnCIAdoLItIGAntetrABALHIstA,ConsuMerIstA,deFAMÍLIAeseuseFeItosJurÍdICo-proCessuAIs........................................................................ 221Camila Almeida Peixoto Batista de OliveiraJúlio César de Paula Guimarães Baía

1.18 ACessoÀJustIçA:VÍCIosereFLeXÕes ....................................................................... 231Karine Monteiro de Castro FantiniThaís Lopes Chácara de Aguilar

PARTE 2

2.1 oseGundoproCesso ........................................................................................................ 245Márcio Túlio Viana

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2.2 ConFLItos,soLuçãoeeFetIVIdAdedosdIreItossoCIALeproCessuALdo

trABALHo:possIBILIdAdesedesAFIos.................................................................... 253

Adriana Goulart de Sena Orsini

2.3 dIreItoeMedIAçãodeConFLItos:entreMetAMorFosedAreGuLAção

soCIALeAdMInIstrAçãopLurALdAJustIçA .......................................................... 271

Camila Silva Nicácio

2.4 ACessoÀJustIçAeMedIAção:superAndooBstÁCuLosnodIreItodAs

FAMÍLIAs ................................................................................................................................. 291

Newton Teixeira Carvalho

2.5 ConCILIAçãoeMedIAçãoJudICIAIs:eMBusCAdeuMModoLeGÍtIMode

pACIFICAçãosoCIAL .......................................................................................................... 303

Martha Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt

2.6 oFuturodosMÉtodosALternAtIVosdesoLuçãodeConFLItosnoBrAsIL 313

Valéria Ferioli Lagrasta Luchiari

2.7 AMedIAçãodeConFLItos:uMnoVopArAdIGMAouMAIsdoMesMo?

desAFIoseperspeCtIVAs ................................................................................................. 321

Giselle Fernandes Corrêa da Cruz

2.8 MedIAçãoeeMAnCIpAçãosoCIAL:opApeLdoCIdAdãonAGestãodoCon-

FLIto ....................................................................................................................................... 331

Nathane Fernandes da Silva

2.9 AJustIçArestAurAtIVA:uMAABrAnGenteForMAdetrAtAMentodeCon-

FLItos ..................................................................................................................................... 337

Adriana Goulart de Sena Orsini

Caio Augusto Souza Lara

2.10 teorIAdAesCoLHArACIonALeteorIAdosJoGos:uMAABordAGeMpArA

osMÉtodosderesoLuçãodeConFLItos ............................................................... 347

Oyama Karyna Barbosa Andrade

2.11 ForMAsderesoLuçãodeConFLItos:AutotuteLA,AutoCoMposIçãoe

HeteroCoMposIção—porondeCAMInHAAsoLução? ..................................... 363

Ana Cristina de Melo Silveira

Raquel Betty de Castro Pimenta

2.12 ConCILIAçãoeMedIAçãoeMpAÍsesdAeuropA ..................................................... 377

Karine Monteiro de Castro Fantini

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2.13 A GreVe CoMo ForMA de eXerCÍCIo dA AutotuteLA nA CuLturAoCIdentAL ............................................................................................................................. 389Caio Augusto Souza LaraRaquel Betty de Castro Pimenta

2.14 preVençãoeresoLuçãodeConFLItostrABALHIstAsCoLetIVos:“CIdAdesInVIsÍVeIs” ............................................................................................................................. 399Jean Filipe Domingos RamosMatheus Campos Caldeira Brant

2.15 AsMedIdAsAntIArBItrAIsCoMoentrAVesdoACessoÀJustIçA ................... 413Suzana Santi CremascoTiago Eler Silva

2.16 ArBItrAGeMCoMoForMAdesoLuçãodeConFLItos:ConCeItoeApLICA-BILIdAde ................................................................................................................................. 423Antônio Raimundo de Castro Queiroz JúniorEliane do Carmo do Nascimento

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ApreSentAção

Desde que, na segunda metade do século XX, após o holocausto da Segunda Guerra Mundial e a derrota da barbárie nazifascista e, mais acentuadamente, com o recrudescimento das lutas sociais e democráticas nos países centrais e no Terceiro Mundo a partir de maio de 1968, a visão de mundo positivista e os paradigmas do Estado Liberal e do Estado Social de Direito foram, pouco a pouco, sendo superados pelo pós-positivismo e pelo modelo do Estado Democrático de Direito, os temas do acesso à justiça e do funcionamento concreto e efetivo do Poder Judiciário em cada país passaram a ocupar o centro das atenções da ciência jurídica.

Principalmente depois da obra pioneira do mesmo nome de Mauro Cappelletti e Bryant Garth lançada na década de setenta do século passado, os operadores do direito passaram a perceber que de nada adianta que os ordenamentos jurídicos nacionais e as normas internacionais proclamem solenemente a existência de velhos e novos direitos fundamentais, de sucessivas dimensões, sem que seus titulares disponham de garantias constitucionais, de órgãos institucionais e de instrumentos processuais capazes de lhes assegurar, na esfera decisiva da realidade empírica, a fruição plena, específica e tempestiva dos próprios bens da vida que lhes foram prometidos pelo Estado ao vedar-lhes a autotutela, com isso assumindo, em contrapartida, o dever constitucional de prestar-lhes uma tutela jurisdicional efetiva.

Pode-se afirmar que, a partir de então e até os dias de hoje, todos os juristas dignos desse nome têm atuado permanentemente em prol da concretização desse ideal e da consequente solução da denominada crise da Justiça. Essa necessidade é particularmente premente na esfera trabalhista, onde estão em jogo direitos fundamentais sociais de natureza predominantemente patrimonial, mas com função indiscutivelmente extrapatrimonial, pois de natureza alimentar e destinados a assegurar a vida digna dos trabalhadores e de seus familiares.

Expressão concreta da denominada eficácia horizontal dos direitos fundamentais, os direitos trabalhistas, desde o seu reconhecimento, pelos Estados, a partir do final do século XIX, nas próprias Constituições e nas normas trabalhistas autônomas e heterônomas, historicamente sempre enfrentaram uma forte resistência a seu cumprimento espontâneo por parte daqueles que a tanto estavam obrigados pelos ordenamentos jurídicos. No entanto, é hoje absolutamente consensual que os direitos fundamentais trabalhistas só existem para seus destinatários se concretizados de forma específica, a tempo e a modo — em caso de seu descumprimento ou, em muitos casos, em caso de seu cumprimento tardio, não passarão, lamentavelmente, de mera hipocrisia constitucional ou legal.

Nesse sentido, o grau de democracia e de justiça social de qualquer sociedade, em determinado momento histórico, sempre corresponde, em proporção inversa, ao índice de descumprimento dos direitos trabalhistas prometidos, pela Constituição e pelas leis trabalhistas, a seus trabalhadores. E é preciso não se iludir: como se pode observar nas sociedades mais desenvolvidas, quanto mais efetivos os instrumentos processuais e os mecanismos judiciais e extrajudiciais à disposição dos titulares desses direitos trabalhistas para que estes obtenham sua fruição específica e oportuna, menor será a vantagem prática e econômica daqueles que não se disponham a seu cumprimento espontâneo. Como automática e natural consequência,

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mais alta será a taxa de seu adimplemento oportuno, por parte daqueles que devam prestá-los e menos assoberbado e moroso será o seu sistema judiciário.

É nessa perspectiva que se insere esta densa e abrangente obra coletiva, coordenada pela consagrada magistrada do trabalho da 3ª Região e professora da UFMG Adriana Goulart de Sena Orsini e suas orientandas de Mestrado Mila Batista Leite Corrêa da Costa e Oyama Karyna Barbosa Andrade, as quais conseguiram reunir toda uma plêiade de jovens e de maduros operadores do direito, composta por magistrados de todos os graus da Justiça do Trabalho, professores de graduação e de pós-graduação em Direito, mestrandos e doutorandos em Direito da UFMG e da PUC/MG e advogados militantes que, contribuindo com suas correspondentes perspectivas e experiências acadêmicas e profissionais, compuseram um verdadeiro painel panorâmico do acesso à justiça e do funcionamento da Justiça no Brasil no início da segunda década deste século XXI. Embora a obra conte com a colaboração de alguns notáveis operadores do Direito de outras regiões do país, ela é clara expressão do vigor e do avanço do Direito do Trabalho em Minas Gerais, tanto na esfera da pesquisa e da produção acadêmica quanto na própria atuação da Justiça do Trabalho da 3ª Região.

Com uma abordagem sistemática, rigorosa do ponto de vista dogmático e louvavelmente inter e transdisciplinar, os vários capítulos dessa obra, embora tratem de aspectos distintos desse problema necessariamente multifacetado, apresentam surpreendente unidade e têm em comum uma adequada perspectiva crítica, o esforço em não simplificar uma questão indiscutivelmente complexa e de origem multicausal, a preocupação de identificar os pontos críticos de estrangulamento da justiça brasileira que devem ser superados em prol da efetividade da tutela judicial e extrajudicial dos direitos trabalhistas e a postura sempre construtiva e propositiva de seus autores, em busca de soluções práticas e exequíveis para a superação dos obstáculos ao acesso à justiça por eles detectados.

Assim, são abordados, dentre outros temas: a evolução histórica da Justiça do Trabalho no Brasil, como chave para a compreensão de seu papel atual; a íntima ligação do acesso à justiça com a cidadania e a transformação das relações sociais, com a própria noção de justiça e com a peculiaridade da hipossuficiência do litigante trabalhista; o novo papel dos juízes no paradigma pós-positivista e no Estado Democrático de Direito e a importância decisiva de sua boa formação profissional e do aprimoramento de sua argumentação, para a legitimação democrática de sua atuação; o reconhecimento, como direitos fundamentais de natureza instrumental essenciais ao acesso à justiça, das garantias constitucionais em geral e, particularmente, da garantia da duração razoável do processo e dos procedimentos de tutela coletiva ou metaindividual dos direitos trabalhistas; a necessidade de democratização da administração e da gestão estratégica do Poder Judiciário brasileiro, sob o novo paradigma da cooperação judiciária; a prevenção e a resolução dos conflitos trabalhistas coletivos, através da fiscalização do trabalho, dos termos de ajuste de conduta, das comissões de conciliação prévia, pela mediação coletiva ou pela autotutela dos próprios trabalhadores, por meio da greve; as diversas formas e métodos de resolução dos conflitos individuais e coletivos de trabalho, com destaque especial para a conciliação e a mediação, com seus respectivos dilemas e limites.

Todo aquele que se disponha a ler a presente obra, a qual certamente representará um marco no estudo e no enfrentamento de tema tão instigante e atual, não se decepcionará com a riqueza, a variedade e a profundidade de seus capítulos. Trata-se, a meu ver, de importante contribuição teórica para que cada operador do Direito possa atuar de modo a que o Estado Democrático de Direito brasileiro, constitucionalmente fundado na cidadania, na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e nossa ordem social, baseada no primado do trabalho e visando sempre ao bem-estar e à justiça sociais, tornem-se, cada vez mais, uma realidade palpável na vida diária de todos os brasileiros.

José RobeRto FReiRe Pimenta

Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Doutor em Direito Constitucional pela UFMG. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da PUC-MG, nas áreas de Mestrado e Doutorado.

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introdução

“... a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espa-da que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exato e rigoroso sinônimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indis-pensável à vida é o alimento do corpo.” (Carta de José Saramago, II Fórum Social Mundial)

Preservar a memória, resgatando o passado, e vivenciar o presente, com vistas a um futuro desejado, revela um agir comprometido com mudanças — individuais, profissionais e sociais. Ousamos ampliar essa ideia, rememorando o percurso de uma iniciativa acadêmica que hoje desponta como um profícuo programa da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais — UFMG — à disposição da comunidade mineira.

Reconhecida a importância do relato histórico, passamos à narrativa, construída e concebida por autores que vivem e acreditam, verdadeiramente, na composição de uma Justiça do século XXI. Este livro, ora apresentado à comunidade acadêmica e aos engajados no debate acerca das formulações relativas à Justiça do século XXI, foi gestado, desde sua concepção embrionária, na Faculdade de Direito da UFMG.

Durante a I Semana Nacional de Conciliação, em 2006, foram as Universidades instadas, pelo Conselho Nacional de Justiça — CNJ —, a incorporar, em seus planos curriculares, disciplinas voltadas para o estudo de formas não adversariais de resolução de conflitos. Concomitantemente, estudos sobre a temática eram desenvolvidos pela professora doutora Adriana Goulart de Sena Orsini, a partir de sua atuação em cursos de formação inicial e continuada de magistrados, na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados do Trabalho — ENAMAT — e na Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.

À época, na UFMG, existiam lacunas na estrutura curricular da graduação em Direito, considerada a ausência de abordagem teórica, em disciplina específica, das formas de solução de conflitos e do acesso à justiça por uma perspectiva que ultrapassasse a concepção de simples acesso ao Poder Judiciário, centrada no caráter litigioso do processo judicial.

Diante do hiato existente, consciente e firme na convicção de que o tema deveria ser objeto de estudo dos alunos da graduação em Direito, em 2007, foi ofertada, pela primeira vez, a disciplina optativa “Formas

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de Resolução de Conflitos e Acesso à Justiça”. Desde então, é lecionada semestralmente, com preenchimento de todas as vagas ofertadas, angariando o interesse do corpo discente para a reflexão sobre acesso à justiça — em ampla perspectiva — e para a análise de todos os métodos hábeis a solucionar conflitos, judiciais ou extrajudiciais.

Como desdobramento, foi concebido o Programa RECAJ UFMG — Ensino, Pesquisa e Extensão em Resolução de Conflitos e Acesso à Justiça, um programa universitário para graduandos e pós-graduandos, sob a orientação da professora doutora Adriana Goulart de Sena Orsini, desenvolvido para estudo e pesquisa metodologicamente sustentados sobre o tema e para a formulação de ações de extensão universitária.

Como primeiro projeto, financiado pelo Ministério da Educação — MEC —, o RECAJ produziu uma cartilha para esclarecimento da população sobre os métodos de solução de conflitos e para a apresentação de novas formas de acesso à justiça. A cartilha, hoje, é utilizada em atividade extensionista do RECAJ — financiada pela própria Universidade, por meio da concessão de bolsas de extensão a alunos da graduação —, idealizada para o acompanhamento de processos educacionais comprometidos com a construção de formas de alteridade nas escolas de Belo Horizonte.

Como parte da agenda do Programa, vocacionado para o tripé universitário, em 2010, foi realizado o 1º seminário “Novas Perspectivas para a Resolução de Conflitos no Brasil”, que se repetiu nos anos de 2011 e 2012, com apresentação e premiação de trabalhos. Além de grupos de estudos temáticos, projetos de pesquisa e de iniciação científica, monografias de conclusão de curso, estágios de docência e monitorias, o RECAJ, desde a sua constituição, busca a construção paulatina e continuada de novos saberes.

Nessa linha, financiado pela Pró-Reitoria de Graduação da UFMG, o Programa desenvolveu um material didático temático robusto, a partir da compilação de bibliografia e seleção de experiências paradigmáticas, nacionais e internacionais, em formato digital, para subsidiar o aprendizado na disciplina ministrada na Graduação, com inclusão de vídeos, atividades pedagógicas e textos em um espaço de interlocução virtual. As iniciativas do RECAJ são sustentadas pelo voluntariado de alunos e pesquisadores da Universidade e pelo apoio e financiamento de fontes de fomento, internas e externas à UFMG.

Paralelamente aos trabalhos mencionados, a disciplina tornou-se parte da grade curricular do Programa de Pós-graduação, baseada em estudos sobre acesso à justiça em ordenamentos jurídicos estrangeiros, com viés contemporâneo e crítico. Está alicerçada na pesquisa com problematização transdisciplinar, atual, criativa e transformadora, condizente com o padrão de excelência do Programa da Faculdade de Direito da UFMG. As pesquisas, atualmente, estão vinculadas ao Projeto de Pesquisa coordenado pela professora doutora Adriana Goulart de Sena Orsini: “Acesso à Justiça: Formas, Sistemas, Ações, Geografia e Efetividade”.(1)

A presente obra começou a ser delineada pelos alunos da primeira turma formada na pós-graduação, no 1º semestre de 2010. Os debates demonstraram que o tema do acesso à justiça estava inserido em teorização muito mais densa. O trabalho estruturou-se a partir dos conceitos de sociedade e cidadania, atravessando a problematização dos desafios de construção de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, abordando concepções de um ensino jurídico transformador e o novo papel das instituições e dos profissionais vinculados ao Direito. O escopo desta obra foi ampliado em direção às novas perspectivas de Justiça para o século XXI e enfrenta a temática da justiça, do acesso e de proposições para a inserção do conceito na contemporaneidade.

Outros autores foram convidados e a adesão entusiasmada e imediata revelou o interesse e o vigor do tema que seria apresentado à comunidade jurídica sob a forma de um livro. Novas contribuições foram

(1) Inserido no Projeto Estruturante “Governança Pública, Acesso à Justiça, Efetividade, Consensualidade e Dimensão Processual dos Direitos Humanos”, da linha 2, denominada “Direitos Humanos e Estado Democrático de Direito: fundamentação, participação e efetividade”, do Programa de Pós-graduação mencionado.

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incluídas com o intuito de acrescer diversos matizes do pensamento jurídico nacional acerca de assunto tão complexo. Participam professores, magistrados, mestres, doutores, mestrandos, doutorandos, colegas de indagação e de reflexão, almejando tornar real a promessa de Justiça, de acesso e de efetividade do texto constitucional.

Agradecemos a todos que contribuíram para que a ideia de escrever, pelo viés acadêmico-científico, sobre a Justiça que queremos para o Século XXI, se tornasse realidade. Esperamos que o leitor sinta-se instigado pelos delineamentos aqui expostos e, principalmente, estimulado a aguçar debate tão caro e necessário à sociedade brasileira contemporânea.

Dezembro de 2012.

adRiana GoulaRt de sena oRsini, mila batista leite CoRRêa da Costa,

oyama KaRyna baRbosa andRade

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PARTE 1

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1.1 O PAPEL DA JUSTIÇA DO TRABALHO NO BRASIL

Mauricio Godinho Delgado(*)

Gabriela Neves Delgado(**)

1. INTRODUÇÃO

O Poder Judiciário, de maneira geral, cumpre essencialmente duas principais funções na sociedade democrática constitucionalizada: dirimir conflitos por meio da aplicação da ordem jurídica e, ao mesmo tempo, estabelecer clareza e efetividade quanto ao sentido dessa ordem jurídica no plano do Estado e da sociedade civil.

Essas duas funções primordiais são, natural-mente, também cumpridas pela Justiça Trabalhista, segmento do Judiciário que é especializado no exame de litígios decorrentes do mundo do trabalho e das relações que lhe são próprias.

Seja na esfera das questões contratuais entre trabalhadores e empregadores ou tomadores de serviços, seja na esfera das questões coletivas entre trabalhadores e suas entidades sindicais em face dos entes coletivos no plano empresarial, a Justiça do Trabalho consiste em importante veículo de solução de conflitos, assim como é também o estuário principal de interpretação da ordem jurídica trabalhista na sociedade brasileira.

O que singulariza a Justiça do Trabalho em comparação com os demais segmentos judiciais é particularmente a circunstância de compor amplo sistema de proteção jurídica em direção à des-

mercantilização da força de trabalho no contexto econômico e social.

São distintos os sistemas de desmercantilização do trabalho gerados na história ocidental. No inte-rior desses sistemas, o segmento judicial pode cum-prir papel relevante. A Justiça do Trabalho, onde existe, é parte desse sistema complexo de desmer- cantilização.

No Brasil, sua existência data das décadas de 1930 e 1940, mantendo-se hígida e até mesmo se expandindo nos setenta anos subsequentes.

A Constituição de 1988, finalmente, confere a esse segmento do Poder Judiciário novo padrão, não somente em face de sua amplitude nacional então concretizada, como também em decorrência da sedimentação de seu papel desmercantilizador classicamente assentado décadas atrás.

2. SISTEMASDEDESMERCANTILIZAÇÃODOTRABALHONOCAPITALISMOENADEMO-CRACIA

“O trabalho não é uma mercadoria” — proclama o primeiro dos princípios fundamentais da Organização Internacional do Trabalho, em conformidade com a Declaração Relativa aos Fins e Objetivos da OIT,

(*) Magistrado do Trabalho desde 1989: inicialmente na 1ª e 2ª Instâncias do TRT-MG e, desde novembro de 2007, no Tribunal Superior do Trabalho. Doutor em Filosofia do Direito (UFMG: 1993) e Mestre em Ciência Política (UFMG: 1980). Professor Adjunto do Mestrado/Doutorado em Direito do Trabalho da PUC-Minas (disciplina virtual). Professor Colaborador da Pós-Graduação em Direito do IESB-Brasília.(**) Doutora em Filosofia do Direito (UFMG: 2005) e Mestre em Direito do Trabalho (PUC Minas: 2002). Professora Adjunta de Direito do Traba-lho dos Programas de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UnB. Professora Adjunta de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho dos Programas de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG (2006-2009). Professora de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da PUC Minas (2003-2006). Advogada desde 2001.

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firmada na Filadélfia, EUA, em 10 de maio de 1944 (“Declaração de Filadélfia — Anexo”).(1)

Este simples e abrangente enunciado da Orga-nização Internacional do Trabalho, entidade criada em 1919 pelo Tratado de Versalhes, sintetiza a diretriz central de atuação dos movimentos sociais trabalhistas desde meados do século XIX, na Europa Ocidental, descortinando a essência da direção nor-mativa do Direito do Trabalho desde sua origem há mais de século e meio atrás até a atualidade.

De fato, os sistemas jurídicos surgidos no mundo ocidental, de 1848 em diante, voltados a estruturar e reger as relações trabalhistas no capi-talismo, notadamente sob o marco do advento e avanço da democracia nos países europeus e das Américas, são sistemas que, em maior ou menor grau, buscam concretizar a grande diretriz explici-tada posteriormente pelo princípio da OIT, ou seja, desmercantilizar, ao máximo, o trabalho nos marcos da sociedade capitalista.(2)

Grosso modo, são dois os padrões de estrutu-ração institucional e normativa dos sistemas jurídi-cos trabalhistas, a partir das experiências matrizes ocidentais, considerados os marcos da sociedade democrática: o modelo de normatização autônoma e privatística (ou modelo negociado, segundo expres-são mais corrente hoje) e o modelo de normatização privatística mas subordinada (ou modelo legislado, segundo a linguagem dos dias atuais).

Ambos os modelos são plenamente compatí-veis com experiências democráticas de organização e regência da sociedade política e da sociedade civil; ambos também são claramente interventivos nos contratos de trabalho, embora no primeiro a intervenção se faça mediante poderosa atuação sindical, ao passo que no segundo a imperativida-de da norma estatal trabalhista cumpra destacado papel jurídico (papel maior ou menor, segundo a peculiaridade de cada país). Ambos criam uma es-truturação complexa de regras jurídicas voltadas a diminuir e controlar o poder empresarial no âmbito dos contratos de emprego e da gestão trabalhista: no primeiro caso, por meio de instrumentos coletivos

negociados e instituições representativas sólidas, com participação decisiva das entidades sindicais obreiras, dotadas de significativas prerrogativas jurídicas e institucionais em sua estruturação e vivência; no segundo caso, por meio de instrumen-tos coletivos negociados sindicais, mas também através de relevante legislação trabalhista estatal.

O segundo modelo, é verdade, conheceu variante autoritária durante a primeira metade do século XX, em que se exacerbaram suas caracterís-ticas intervencionistas e publicistas, dando origem a sistemas trabalhistas quase que estritamente legislados, sem qualquer espaço real para a livre organização e atuação das entidades sindicais dos trabalhadores e, muito menos, para a negociação coletiva trabalhista. Tratava-se dos experimentos fascistas e nazistas que vicejaram entre as décadas de 1920 e 1940, até o final da segunda guerra mundial, com reflexos em países latino-americanos, inclusive no Brasil.

Porém, esta variante autoritária (modelo de normatização estatal subordinada) não invalida ou obscurece a importância histórica do modelo legislado democrático, que se mostrou ao longo de décadas notavelmente ajustado e partícipe da construção democrática no Ocidente, respeitadas suas feições peculiares em cada realidade nacional. Hoje, a propósito, o modelo legislado é claramente dominante em importantes países europeus notoriamente democráticos (França, por exemplo, e, de certo modo, Alemanha) e em países latino- -americanos de destaque, como, ilustrativamente, Brasil, México e Argentina.

É inegável que o processo de efetiva e ampla desmercantilização do trabalho realizado pelo mode-lo de normatização autônoma e privatística (modelo negociado) supõe o respeito profundo à atuação sin-dical, com o reconhecimento às entidades sindicais de prerrogativas e poderes até mesmo inimagináveis nas ordens jurídicas de direito legislado — por exemplo, os impressionantes poderes das cláusulas closed shop e union shop, por mais de um século presentes no sistema sindical da Inglaterra.(3) Tais enormes poderes

(1) A respeito, consultar o texto: DELGADO, Gabriela Neves. Princípios internacionais do direito do trabalho e do direito previdenciário. In: SENA ORSINI, Adriana Goulart de, et. alii. (coords.) Dignidade e inclusão social: caminhos para a efetividade do direito do trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2010, p. 451-463. Consultar também: SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 23-26. Ver ainda: SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT e outros tratados. 3. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 13-30.(2) Sobre o papel do Direito do Trabalho como instrumento de desmercantilização (desmercadorização) do trabalho na sociedade econômica, consultar a historiadora: LOBO, Valéria Marques. Fronteiras da cidadania: sindicatos e (des)mercantilização do trabalho no Brasil (1950-2000). Belo Horizonte: Argumentum, 2010, especialmente p. 11-23.(3) Tais cláusulas, guardadas suas peculiaridades, conferiam verdadeiro monopólio aos sindicatos no tocante à contratação de trabalhadores pelas respectivas empresas. Nos sistemas constitucionais de direito legislado, tais cláusulas têm sido, tradicionalmente, consideradas inválidas.

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conferidos aos sindicatos tornaram menos relevante a existência de regra legal imperativa do Estado na direção da desmercantilização do trabalho, uma vez que esta já despontava garantida no próprio plano da sociedade civil.

Com o advento, entretanto, da hegemonia neo-liberal no Ocidente, desde finais dos anos de 1970, o modelo negociado clássico perdeu parte importante de sua eficiência desmercantilizadora, em face dos significativos assédios e restrições direcionados aos sindicatos desde então nos países matrizes desse modelo, com destaque para a Inglaterra e os EUA.

3. DESMERCANTILIZAÇÃODOTRABALHOESISTEMASJUDICIAIS

Em qualquer sociedade democrática constitu-cionalizada, o Poder Judiciário cumpre, essencial-mente, duas funções: a) dirimir conflitos despontados na sociedade civil, no interior do Estado ou entre essas esferas e/ou seus integrantes; b) conferir clareza e efetividade à própria ordem jurídica imperante nessa sociedade civil e nesse Estado.

Essa duplicidade de funções comparece, de maneira geral, com respeito à Justiça do Trabalho ou segmento judicial congênere existente.

Nem todos os países construíram ramos es-pecializados do Judiciário para dirimir conflitos trabalhistas (Justiça do Trabalho) e nem todas as construções existentes são parecidas. Porém, os diversos exemplos históricos demonstram a possibi-lidade da existência de órgãos judiciais trabalhistas especializados em quaisquer dos sistemas jurídicos padrões, sejam os negociados, sejam os legislados. Naturalmente que é mais comum a presença de um segmento judicial trabalhista especializado nos sis-temas de normatização privatística mas subordinada (os ditos sistemas legislados), embora haja alguns exemplos concretos relativos a típicos sistemas negociados.

Entre os exemplos existentes, é mais comum a presença de um sistema judicial de primeiro grau especializado em matéria trabalhista, usualmente composto por órgão tripartite (uma autoridade estatal e dois representantes paritários de emprega-dores e empregados). Esse é o modelo dos Conseils de Prud’hommes, órgão pioneiro da França da pri-meira metade do século XIX. Observe-se também o

modelo judicial alemão da Constituição de Weimar (1919-1933):

em que as cortes de primeira instância se compunham de um presidente e um vice- -presidente (juízes togados), apontados pela administração de justiça do Estado, e dois juízes leigos representando empregadores e empregados, cada um desses últimos esco-lhido pelo presidente da corte distrital or-dinária a partir de uma lista de candidatos preparada por sindicatos de trabalhadores e associações patronais.(4)

A propósito, a Alemanha subsequente à Segun-da Guerra Mundial instituiu sistema judicial muito semelhante ao brasileiro, com três níveis de orga-nização institucional e de competência decisória dentro da mesma instituição judicial especializada (Justiça do Trabalho): os tribunais do trabalho, de primeiro grau, com composição paritária leiga, ao lado do juiz togado (composição similar à das anti-gas Juntas de Conciliação de Julgamento brasileiras, extintas pela Emenda Constitucional n. 24/1999); os tribunais especiais do trabalho, que têm âmbito regional; finalmente, o Tribunal Federal do Traba-lho, um dos cinco tribunais superiores da República da Alemanha.

Há casos, mais raros, em que a Justiça do Trabalho exerceu, concomitantemente às duas fun-ções judiciais clássicas mencionadas, uma terceira função, específica do âmbito do Direito Coletivo do Trabalho: a de fixar normas e condições de trabalho para trabalhadores e empregadores de certa empresa ou de certo segmento empresarial.

Trata-se da singular prerrogativa de criar regras jurídicas para incidir sobre certa comunidade tra-balhista, em exercício de atuação mais própria ao Poder Legislativo ou, no plano da sociedade civil, própria à negociação coletiva trabalhista. Consiste no poder normativo (assim denominado no caso brasileiro) ou do poder arbitral (mais próximo à experiência da Austrália e da Nova Zelândia, por exemplo) conferido por essas ordens jurídicas aos tribunais do trabalho.

Esse poder legiferante anômalo, de caráter normativo ou arbitral, surgiu, inicialmente, nas experiências da Austrália e da Nova Zelândia (pri-meiros anos do século XX), constando também,

(4) SILVA, Fernando Teixeira da. Justiça do Trabalho brasileira e magistratura Del Lavoro italiana: apontamentos comparativos. In: CAIXETA, Maria Cristina Diniz, et. alii. (orgs.). IV Encontro nacional da memória da Justiça do Trabalho — Cidadania: o trabalho da memória. São Paulo: LTr, 2010, p. 66.

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posteriormente, do sistema corporativista autoritário italiano, criado no período do fascismo (décadas de 1920 a 1940). Com a instalação da Justiça do Tra-balho no Brasil, em 1941, iria também caracterizar esse sistema jurídico nacional.

É, contudo, padrão que não se generalizou em distintas experiências nacionais do Ocidente, prova-velmente pela circunstância de constituir forte con-corrente normativo à negociação coletiva sindical, traduzindo, ademais, intervenção desproporcional do Estado no âmbito de matéria e de dinâmica próprias à atuação dos sindicatos e da negociação coletiva trabalhista. Afinal, não se trata de efetivo poder ju-risdicional — próprio ao Judiciário, aplicando nor-mas já existentes aos casos concretos —, mas poder legiferante, criador de normas jurídicas.

4. A JUSTIÇA DO TRABALHO E A DESMER-CANTIZAÇÃODOTRABALHONOBRASIL

A instauração de um sistema de desmercan-tilização do trabalho na economia e na sociedade brasileiras teve como marcos, nas décadas de 1930 e 1940, três importantes fatores: a estruturação do Di-reito do Trabalho, em seu ramo individual, com objetivo de regular, de modo imperativo, a relação de emprego, principal forma de conexão do trabalhador ao sistema socioeconômico (Direito Individual do Trabalho); a generalização da inspeção administrativa trabalhista no país, como instrumento de busca da efetividade desse ramo jurídico instituído (fiscalização pelo Estado das relações de trabalho no âmbito empresarial); a es-truturação de um segmento do Judiciário especializado na matéria trabalhista, como mecanismo de solução de conflitos individuais e coletivos, além de meio de sedimentação das regras e princípios componentes do Direito que lhe cabia aplicar (Justiça do Trabalho).(5)

A índole autoritária existente no processo de estruturação desse sistema desmercantilizador com-prometeu, em boa medida, uma de suas importantes dimensões, a do Direito Coletivo do Trabalho, seja por restringir, significativamente, a liberdade e au-tonomia dos sindicatos, na época, seja por controlar e diminuir os cenários e instrumentos propícios à negociação coletiva trabalhista, seja por instituir e exacerbar o poder normativo estatal conferido à Justiça do Trabalho.

A dimensão autoritária presente na origem do sis-tema, nas décadas de 1930 e 1940, não teve o condão, entretanto, de eliminar ou restringir o significativo papel desmercantilizador e includente do sistema trabalhista então sedimentado. Claro que essa dimen-são poderia suplantar-se nos anos de experimentação democrática subsequentes a 1945; porém, conforme se sabe, essa experimentação foi de curto período, não atingindo duas décadas, sendo logo a seguir inviabili-zada pelo golpe de estado de 1964.

Tal faceta autoritária, tempos depois, foi diluída pela promulgação da Constituição Federal de 1988, que, em seus dispositivos, assegurou a liberdade de associação e a autonomia aos sindicatos, além de produzir fortes incentivos à negociação coletiva trabalhista. Apesar de a Constituição ter mantido a estrutura do poder normativo da Justiça do Trabalho, iria atenuar, pela Emenda Constitucional n. 45/2004, a tradicional amplitude de atuação desse poder.

Com a nova Constituição, portanto, o sistema trabalhista brasileiro de desmercantilização do traba-lho ganhou três novos pilares, além dos três oriundos das décadas precedentes: um sistema sindical com maior liberdade de organização e atuação (embora os sindicatos passem por crise inegável nesse pe-ríodo, parcialmente provocada pela inadequação das regras legais de sua estruturação ainda vigentes); uma dinâmica de negociação coletiva mais generalizada do que em qualquer época no passado; o destaque alcançado pelo Ministério Público do Trabalho, en-tidade também promotora da efetividade do Direito do Trabalho, dotada de novo perfil após 1988.

Esse sistema de desmercantilização favorece a afirmação do trabalho ao estabelecer regras de pro-teção trabalhista superiores aos simples imperativos do mercado, destinadas à concretização do marco constitucional de proteção trabalhista, expresso pela afirmação dos direitos fundamentais.

5. ESTRUTURAÇÃO E DESENVOLVIMENTODAJUSTIÇADOTRABALHONOBRASIL—SÍNTESE

5.1.CriaçãodaJustiçadoTrabalho

A Justiça do Trabalho foi instituída e estruturada por meio do Decreto-lei n. 1.237, de 1º de maio de

(5) Não se está tratando aqui da política trabalhista geral do período Vargas (1930-1945), que envolve, também, de modo correlato, por exemplo, três aspectos altamente autoritários, não inclusivos e sem relação necessária com os pontos desmercantilizantes enfocados neste artigo: de um lado, uma estratégia de repressão aos sindicatos livres e de criação de uma estrutura sindical vinculada ao Estado; de outro lado, o consequente comprometimento da negociação coletiva trabalhista; finalmente, a organização e o direcionamento do Ministério do Trabalho (na época, Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio) como órgão controlador e repressor do sindicalismo. Está-se enfatizando, neste artigo, somente o sentido includente e desmercantilizador de parte do sistema trabalhista estruturado naquelas duas décadas da primeira metade do século XX, no Brasil.

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1939. Foi instalada e entrou em efetivo funciona-mento, inaugurando-se em todo o país, em 1º de maio de 1941.

Inicialmente com caráter administrativo, pos-suía órgãos em três níveis: o então chamado Conse-lho Nacional do Trabalho — CNT —, com sede na capital da República (Rio de Janeiro). Em seguida, os então denominados Conselhos Regionais do Traba-lho — CNT’s, distribuídos em 8 grandes regiões, que eram centralizadas nos maiores estados brasileiros, do ponto de vista populacional, com sede nas respec-tivas capitais do estado matriz. As regiões originais abrangiam, naturalmente, outros estados e territórios pátrios, de modo a englobar toda a federação.

As regiões pioneiras foram: 1ª: Rio de Janeiro, com sede na então capital da República; 2ª: São Paulo, com sede na capital do estado, São Paulo; 3ª: Minas Gerais, com sede em Belo Horizonte; 4ª: Rio Grande do Sul, com sede em Porto Alegre; 5ª: Bahia, sediada em Salvador; 6ª: Pernambuco, com sede em Recife; 7ª: Ceará, sediada em Fortaleza; 8ª Região: Pará, com sede em Belém.

Em 1º grau, havia as Juntas de Conciliação e Julgamento, que, à época da inauguração, represen-tavam poucas dezenas em todo o Brasil. Em 1945, por exemplo, havia somente 31 Juntas de Conciliação e Julgamento no país, que passaram a 39 em 1947. Ou seja, inicialmente, portanto, a Justiça do Trabalho estava presente em apenas algumas poucas grandes cidades brasileiras.(6)

Embora tendo jurisdição por largos espaços geográficos, as Juntas de Conciliação e Julgamento não abrangiam, como visto, todos os municípios brasileiros, razão pela qual tornou-se necessária a extensão da jurisdição trabalhista aos Juízes de Direito, relativamente aos locais não abrangidos por JCJ’s — medida já determinada pelo próprio Decreto- -lei n. 1.237/39.

Com a democratização do país em 1945/46, os debates constituintes direcionaram-se no sentido de incorporar a Justiça do Trabalho ao Poder Judiciá-rio, suplantando sua origem administrativa. Nesse contexto, dias antes da promulgação da nova Carta Magna, o Decreto-lei n. 9.777, de 9.9.1946, preparou os termos do processo de incorporação do novo ramo ao sistema judicial. A nova Constituição, promulgada em 18 de setembro daquele ano, constitucionalizou a existência da Justiça do Trabalho, com sua plena integração ao Poder Judiciário brasileiro, inclu-sive no tocante às garantias clássicas asseguradas à magistratura.

Deixou a Justiça do Trabalho o âmbito do Poder Executivo, onde surgira. Nesse novo quadro institucional, os CRTs receberam nova designação — Tribunais Regionais do Trabalho —, passando o CNT a ser denominado Tribunal Superior do Trabalho.

Apesar de sua integração ao Judiciário, a Jus-tiça do Trabalho manteve sua peculiaridade de ser constituída por órgãos paritários, com a presença de juízes togados ao lado da representação classista, composta por representantes de empregadores e de empregados. Em primeiro grau, as JCJ’s eram inte-gradas por um juiz do Trabalho e dois representantes leigos, o vogal representante dos empregadores e o vogal representante dos empregados. A paridade estava presente também nos TRT’s e, até mesmo, no Tribunal Superior do Trabalho.

5.2.Evoluçãonoperíododemocráticode1946a1964

A Carta de 1946, como visto, conferiu status constitucional à Justiça do Trabalho, integrando-a, com todos os poderes e prerrogativas, ao Poder Judiciário Federal. A partir de então, rapidamente destacou-se no cenário institucional e social do país.

No plano institucional, o destaque se deu por despontar como único segmento efetivamente célere e eficaz do Judiciário, conferindo resposta pronta e efetiva aos litígios postos a seu exame. Por décadas, o processo do trabalho e seus magistrados aprofun-daram a especificidade e a eficiência de seu modus operandi processual, quer no plano das lides indivi-duais, quer no plano das lides coletivas, demarcando a existência de inquestionável novo paradigma no tocante ao funcionamento do Judiciário.

No plano social, o destaque se deu por des-pontar como segmento judicial dotado de notável reconhecimento da comunidade, que rapidamente se integrou às dinâmicas mais importantes dos conflitos individuais e coletivos trabalhistas.

Ao longo dos 18 anos de democracia entre 1946 e 1964, a Justiça do Trabalho aprofundaria sua inserção na sociedade urbana e industrial brasileira, seja em face das disputas individuais levadas a seu exame, ou no tocante aos processos de dissídios co-letivos, que se tornaram extremamente importantes nessa fase.

O segredo do rápido sucesso público da Justiça do Trabalho residia no fato de conferir efetividade a uma ordem jurídica nova, especialmente dirigida a regular as relações de emprego características do siste-ma capitalista em expansão no Brasil. Profundamente diverso do clássico Direito Civil — notoriamente

(6) Fonte: Tribunal Superior do Trabalho — Coordenadoria de Estatística e Pesquisa — 2011.