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AÇÃO RESCISÓRIA N. 1.398-PR (2000/0116140-7)
Relator: Ministro Humberto MartinsRevisor: Ministro Herman BenjaminAutor: Caixa Econômica Federal - CEF Procurador: Manoel Diniz Paz Neto e outrosRéu: Alberto Santos Guedes Réu: José Luiz Wiezzer Réu: Rudi Scheufele Réu: Lucrecia Welter Ribeiro Réu: Marisete Sandi Réu: Luiz Detogol Réu: Henrique Luiz Motter Réu: Liceia Alcioni Rech Piaseck Réu: Luiz Roberto Ribeiro Réu: Airton Luiz Gilnek Réu: Ângelo Michelao Réu: Carlos Damasceno de Souza Réu: Cirene Machado Réu: Cláudio Lemos Prestes Réu: Dalmir Bonavigo
EMENTA
Ação rescisória. Processual Civil. FGTS. Expurgos inflacionários. Matéria controvertida. Súmula n. 343-Supremo Tribunal Federal.
1. Preliminar de ausência de depósito prévio. Consoante a inteligência do parágrafo único do art. 24-A da Lei n. 9.028/1995, a pessoa jurídica representante do FGTS é dispensada de apresentar custas.
2. Ação Rescisória com fins de rescindir julgado que condenou a Caixa Econômica Federal à complementação de rendimentos na conta vinculada do FGTS, em decorrência de expurgos inflacionários relativos a diversos planos governamentais destinados a inibir a inflação.
3. Matéria Controvertida nos Tribunais que atrai a incidência Súmula n. 343 do Supremo Tribunal Federal, verbis: “Não cabe ação
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rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.
4. Carência da ação. Precedentes.
Processo extinto sem resolução do mérito.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça "A Seção, por unanimidade, julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator." A Sra. Ministra Eliana Calmon e os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Castro Meira e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros José Delgado, Francisco Falcão, João Otávio de Noronha e Herman Benjamin.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luiz Fux.
Brasília (DF), 28 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro Humberto Martins, Relator
DJ 17.09.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de Ação Rescisória ajuizada pela Caixa Econômica Federal visando rescindir julgado que a condenou à complementação de rendimentos na conta vinculada do FGTS, em decorrência de expurgos inflacionários relativos a diversos planos governamentais destinados a inibir a inflação.
Aduz a Autora que houve violação literal de lei, no caso, art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, pois seria matéria constitucional a decisão que decreta a procedência de pleito de pagamento dos índices de correção monetária, sob a alegação de direito adquirido.
Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação, em que, preliminarmente, argüiram a ausência de depósito prévio – exigência contida no art. 488, inciso II do CPC –, de molde a ensejar a extinção do processo sem julgamento do mérito. Na matéria de fundo, sustentaram a inexistência de violação direta da constituição, a qual somente poderia ser reflexa, além incidência da Súmula n. 343 do STF.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO
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RSTJ, a. 20, (210): 19-43, abril/junho 2008
Parecer da Subprocuradoria-Geral da República (fls. 213/219) pelo não-conhecimento da ação rescisória (rectius: da inicial), por aplicação do enunciado n. 343 da Súmula do STF.
É, no essencial, o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): A questão, revolva-se, está em saber se o julgado do STJ violou, de forma literal, o art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, uma vez que teria julgado matéria de índole constitucional, qual seja, direito adquirido ao pagamento dos índices de correção.
Analiso em primeiro plano a preliminar de ausência de depósito prévio (art. 458, II, do CPC) argüida pelos Réus.
Como sabido, a Caixa Econômica Federal é gestora do FGTS, ou seja, é a pessoa jurídica que o representa, de tal sorte que se encontra sob o pálio da isenção veiculada pelo parágrafo único do art. 24-A da Lei n. 9.028/1995, que assim estabelece:
Art. 24-A. A União, suas autarquias e fundações, são isentas de custas e
emolumentos e demais taxas judiciárias, bem como de depósito prévio e multa em
ação rescisória, em quaisquer foros e instâncias.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo a todos os processos
administrativos e judiciais em que for parte o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço - FGTS, seja no pólo ativo ou passivo, extensiva a isenção à pessoa jurídica
que o representar em Juízo ou fora dele.
Ante o exposto, não acolho a preliminar levantada.
De todo modo, o processo há de ser extinto, sem resolução do mérito, por outra razão.
No dizer de Cândido Rangel Dinamarco, o processo é instrumento “e todo instrumento, como tal, é meio; e todo meio só é tal e se legitima, em função dos fins a que se destina.” (A Instrumentalidade do Processo; 2ª ed., p. 206).
O artigo 267, § 3º, do Código de Processo Civil, por sua vez, autoriza o magistrado, em qualquer tempo, verificar a presença das condições da ação e pressupostos processuais. Tem este dispositivo inteira aplicação nas ações rescisórias e, a bem da verdade, a verificação dessa matéria de ordem pública, é dever do próprio magistrado.
Como já colocado pela Primeira Seção do STJ, no julgamento do Ag na AR n. 1.459-PR, Rel. Min. Eliana Calmon, a Caixa Econômica Federal é carecedora
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da ação, diante da incidência da Súmula n. 343 do Supremo Tribunal Federal: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.
O enunciado de Súmula n. 343 do Supremo Tribunal Federal, bem como a Súmula n. 143 do extinto Tribunal Federal de Recursos, nada mais é do que a expressão jurisprudencial do sistema. Se, após o trânsito em julgado, o sistema dá valor à segurança jurídica em detrimento da "justiça", o fato de a matéria ser controvertida afasta a possibilidade de violação de "literal disposição de lei" (art. 485, inciso V, do Código de Processo Civil), ainda que a jurisprudência tenha se firmado de acordo com a pretensão da parte.
Existe, é certo, uma exceção apontada pelo Supremo Tribunal Federal e ressalvada em vários julgados proferidos por esta Corte Superior que, por seu turno, também é perfeitamente adequada ao ordenamento jurídico.
Assim, segundo reiterados pronunciamentos da Corte Suprema, não se aplica o referido enunciado quando se tratar de matéria de índole constitucional.
Tal afirmativa, porém, deve ser interpretada com reservas, sob pena de afastar o princípio da segurança jurídica toda vez que alguma questão for decidida pelo Supremo Tribunal Federal; o que, em última análise, é a pretensão da Caixa Econômica Federal.
Consoante bem lembrado pela Min. Eliana Calmon, por ocasião do julgamento já noticiado acima, o próprio Supremo Tribunal Federal reconhece que, em casos como tais, “ainda que a jurisprudência do STF venha a fixar-se em sentido contrário, não cabe a ação rescisória (RE n. 91.369)” (cf. Roberto Rosas, "Direito Sumular", 10ª edição, p. 140).
Deveras, “a excepcionalidade do tratamento da matéria constitucional decorre da própria natureza da sentença do Supremo Tribunal Federal que declara a invalidade da norma perante todo o ordenamento jurídico, com efeitos, de regra, ex tunc.” (AGA n. 323.068-RJ, DJU 26.03.2001, votação unânime), pois segundo o magistério de Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, tem-se o seguinte:
Quando um julgado aplica lei inconstitucional, a ofensa é cometida diretamente contra a Constituição. A lei aplicada, sendo absolutamente nula, contamina de igual ineficácia também a sentença que lhe pretendam reconhecer validade. No caso, porém, de não aplicação da lei ordinária, por alegado motivo de ordem constitucional que mais tarde vem a ser afastado por mudança de orientação
jurisprudencial, a ofensa que poderia ser divisada não é à Constituição, mas sim
à lei ordinária a que a sentença não reconheceu eficácia. Não se pode data venia,
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dizer que, na não aplicação da norma infraconstitucional, se tenha configurado uma
negativa de vigência de norma constitucional, para declarar-se a própria sentença
como inconstitucional e, ipso facto, nula. (in "A coisa julgada inconstitucional e os
instrumentos processuais para seu controle, Revista Íbero-Americana de Direito
Público - RIADP, Vol. III, ano 3, 1º trimestre de 2001, p. 93).
Além disso, é conveniente observar que se cuida de questão de interpretação, pois, de acordo com a precisa manifestação de Sua Excelência, a Min. Eliana Calmon, em decisão monocrática proferida na AR n. 1.459-PR, é isto o que está a acontecer, novamente, no caso dos autos:
Observe-se que em nenhum passo o acórdão do Tribunal de Apelação, ou
julgado rescindendo, referiu-se a direito adquirido, ou a outro tema constitucional,
sendo certo que sequer poderia, eis que, em recurso especial, não há exame de
matéria constitucional.
Deve a CEF lembrar-se, inclusive, o quanto foi difícil chegar a uma discussão
temática (remuneração das contas do FGTS) no STF, pela legislação que respaldava
os julgados, todos em nível infraconstitucional.
Afora o aspecto que inviabilizou o extraordinário e, em nível infraconstitucional,
não há como processar-se esta específica e técnica demanda, pela razoabilidade
na interpretação dada à abundante legislação, por isto mesmo de interpretação
controvertida.
Mais a mais, se a matéria, antes do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, estava pacificada em sentido contrário à tese da Caixa Econômica Federal, hoje não se pode dizer que a jurisprudência pacificou-se no sentido por ela almejado; uma vez que somente existe uma decisão colegiada daquela Corte a examinar a pretensão dos fundistas sob ótica constitucional, em contraposição a inúmeras outras, que nem sequer admitiam a irresignação da autarquia, nos termos do entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, julgo o autor carente da ação ao tempo em que extingo o processo, sem resolução do mérito, com base no art. 267, I, IV e VI, todos do Código de Processo Civil.
Condeno ainda a Autora ao pagamento de honorários advocatícios no importe de 10% sobre o valor da causa estabelecido no incidente de impugnação, uma vez que a ação foi ajuizada antes do advento da MP n. 2.164/2001, ou seja, antes de 27.07.2001.
Sem custas processuais (art. 24-A da Lei n. 9.028/1995).
É como penso. É como voto.
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EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO N. 782.996-RS (2007/0028289-9)
Relator: Ministro Humberto MartinsEmbargante: Estado do Rio Grande do SulProcuradora: Karina da Silva Brum e outro(s)Embargado: Bertholdo Rick - EspólioRepr. por: Sigismundo Rick - InventarianteAdvogado: Nelson Lacerda da Silva e outro(s)
EMENTA
Execução fiscal. Penhora de precatório. Pessoa jurídica distinta da exeqüente. Possibilidade.
1. É pacífico nesta Corte o entendimento acerca da possibilidade de nomeação à penhora de precatório, uma vez que a gradação estabelecida no artigo 11 da Lei n. 6.830/1980 e no artigo 656 do Código de Processo Civil tem caráter relativo, por força das circunstâncias e do interesse das partes em cada caso concreto.
2. Execução que se deve operar pelo meio menos gravoso ao devedor. Penhora de precatório correspondente à penhora de crédito. Assim, nenhum impedimento para que a penhora recaia sobre precatório expedido por pessoa jurídica distinta da exeqüente.
3. Nada impede, por outro lado, que a penhora recaia sobre precatório cuja devedora seja outra entidade pública que não a própria exeqüente. A penhora de crédito em que o devedor é terceiro é prevista expressamente no art. 671 do CPC. A recusa, por parte do exeqüente, da nomeação à penhora de crédito previsto em precatório devido por terceiro pode ser justificada por qualquer das causas previstas no CPC (art. 656), mas não pela impenhorabilidade do bem oferecido. (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, AgRg no REsp n. 826.260-RS)
Embargos de divergência improvidos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça "A Seção, por unanimidade, conheceu dos embargos, mas lhes negou provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator." Os Srs. Ministros Herman Benjamin,
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO
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José Delgado, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon.
Sustentou, oralmente, o Dr. Nelson Lacerda da Silva, pelo embargado.
Brasília (DF), 23 de maio de 2007 (data do julgamento).
Ministro Humberto Martins, Relator
DJ 04.06.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de embargos de divergência opostos pelo Estado do Rio Grande do Sul com objetivo de uniformizar a jurisprudência da Primeira Seção desta Corte quanto à possibilidade de penhora de precatório oriundo de direito de crédito com Pessoa Jurídica diversa da exeqüente.
Originariamente, a divergência foi apresentada contra acórdão da Primeira Turma que reconheceu a penhora de precatório mesmo que a entidade dele devedora não seja a própria exeqüente, restando assim ementado:
Execução fiscal. Penhora. Crédito decorrente de precatório de titularidade
diversa. Possibilidade.
I - A jurisprudência dominante deste Tribunal tem admitido a nomeação à
penhora de crédito, atinente a precatório expedido para fins de garantia do juízo.
Precedentes: AGA n. 551.386-RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 10.05.2004; AGA n.
524.141-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 03.05.2004; e EREsp n. 399.557-
PR, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 03.11.2003.
II - Nada impede que a penhora recaia sobre precatório cuja devedora seja
outra entidade pública que não a própria exeqüente, devendo-se pôr em relevo
que a penhora sobre o crédito do executado previsto em precatório obedece ao
regime próprio da penhora de crédito, que indica a sub-rogação do credor no direito
penhorado (AgRg no REsp n. 826.260-RS, Rel. p/ ac. Min. Teori Albino Zavascki,
DJ 07.08.2006).
III - Agravo regimental provido.
(AgRg no Ag n. 782.996-RS, Rel. Min. José Delgado, fl. 332)
Como paradigma, foi colacionado acórdão da Segunda Turma proferido no sentido da impossibilidade de penhora de precatório expedido por pessoa diversa da exeqüente. Confira-se:
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Tributário e Processual Civil. Nomeação à penhora de precatório judicial
expedido por pessoa diversa da exeqüente. Impossibilidade.
1. A ordem de nomeação de bens à penhora elencada no art. 11 da Lei n.
6.830/1980 pode ser relativizada, sendo aceitável que a constrição recaia sobre
precatório judicial expedido pela exeqüente em que o devedor do precatório é
autarquia estadual com personalidade jurídica diversa da parte recorrida, o Estado
do Rio Grande do Sul.
2. Recurso especial improvido.
(REsp n. 807.414-RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ 13.03.2006)
Efetivado juízo positivo de admissibilidade, foi apresentada impugnação às fls. 373/390.
É, no essencial, o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Inicialmente, tenho que a divergência está comprovada nos moldes regimentais.
É pacífico nesta Corte o entendimento acerca da possibilidade de nomeação à penhora de precatório, uma vez que a gradação estabelecida no artigo 11 da Lei n. 6.830/1980 e no artigo 656 do Código de Processo Civil tem caráter relativo, por força das circunstâncias e do interesse das partes em cada caso concreto.
Ademais, essa possibilidade decorre do princípio de que a execução deve ser feita pelo modo menos gravoso ao executado, cabendo ressaltar que trata-se de penhora de crédito, permitida pela lei processual, efetivando-se pelo modo disposto no art. 671 do CPC.
Assim, nenhum impedimento para que a penhora recaia sobre precatório expedido por pessoa jurídica distinta da exeqüente.
A respeito do tema, bem fundamentou o Min. Teori Albino Zavascki, quando do julgamento do AgRg no REsp n. 826.260-RS, ocasião em que proferiu voto vista:
Nada impede, por outro lado, que a penhora recaia sobre precatório cuja
devedora seja outra entidade pública que não a própria exeqüente. A penhora de
crédito em que o devedor é terceiro é prevista expressamente no art. 671 do CPC,
que assim dispõe:
Art. 671. Quando a penhora recair em crédito do devedor, o oficial de justiça o
penhorará. Enquanto não ocorrer a hipótese prevista no artigo seguinte, considerar-
se-á feita a penhora pela intimação:
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I - ao terceiro devedor para que não pague ao seu credor;
II - ao credor do terceiro para que não pratique ato de disposição do crédito.
A recusa, por parte do exeqüente, da nomeação à penhora de crédito previsto
em precatório devido por terceiro pode ser justificada por qualquer das causas
previstas no CPC (art. 656), mas não pela impenhorabilidade do bem oferecido.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:
Execução fiscal. Penhora. Crédito decorrente de precatório de titularidade
diversa. Possibilidade.
I - A jurisprudência dominante deste Tribunal tem admitido a nomeação à
penhora de crédito, atinente a precatório expedido para fins de garantia do juízo.
Precedentes: AGA n. 551.386-RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 10.05.2004; AGA n.
524.141-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 03.05.2004; e EREsp n. 399.557-
PR, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 03.11.2003.
II - Nada impede que a penhora recaia sobre precatório cuja devedora seja
outra entidade pública que não a própria exeqüente, devendo-se pôr em relevo
que a penhora sobre o crédito do executado previsto em precatório obedece ao
regime próprio da penhora de crédito, que indica a sub-rogação do credor no direito
penhorado (AgRg no REsp n. 826.260-RS, Rel. p/ ac. Min. Teori Albino Zavascki,
DJ 07.08.2006).
III - Agravo regimental provido.
(AgRg no Ag n. 782.996-RS, Rel. p/ acórdão Min. Francisco Falcão, DJ
14.12.2006)
Processual Civil. Execução fiscal. Fazenda Pública. Penhora. Direito de crédito
decorrente de precatório judicial. Possibilidade.
1. O crédito representado por precatório é bem penhorável, mesmo que a
entidade dele devedora não seja a própria exeqüente. Assim, a recusa, por parte
do exeqüente, da nomeação feita pelo executado pode ser justificada por qualquer
das causas previstas no CPC (art. 656), mas não pela impenhorabilidade do bem
oferecido.
2. O regime aplicável à penhora de precatório é o da penhora de crédito,
ou seja: 'o credor será satisfeito (a) pela sub-rogação no direito penhorado ou
(b) pelo dinheiro resultante da alienação desse dinheiro a terceiro. (...) Essa sub-
rogação não é outra coisa senão a adjudicação do crédito do executado, em razão
da qual ele se tornará credor do terceiro e poderá (a) receber do terceiro o bem,
(b) mover ao terceiro as demandas adequadas para exigir o cumprimento ou (c)
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prosseguir como parte no processo instaurado pelo executado em face do terceiro'
(Dinamarco, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. IV, 2ª ed.,
SP, Malheiros).
3. Recurso especial a que se dá provimento.
(REsp n. 888.032-ES, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 22.02.2007)
Ante o exposto, nego provimento aos embargos de divergência.
É como penso. É como voto.
MANDADO DE SEGURANÇA N. 11.292-DF (2005/0210279-7)
Relator: Ministro José DelgadoImpetrante: Mineração Tatu LtdaAdvogado: Uile Reginaldo PintoImpetrado: Ministro de Estado de Minas e Energia
EMENTA
Administrativo. Mandado de segurança. Pedido administrativo de concessão de lavra. Legalidade do indeferimento. Intempestividade do recurso administrativo. Desídia da empresa postulante. Evidências que não se prestam à verificação na via do mandamus. Inexistência de direito líquido e certo. Revogação da liminar antes expedida. Ordem denegada.
1. Cuida-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por Mineração Tatu Ltda., contra ato praticado pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, que indeferiu novo pedido de prorrogação de prazo (antes já prorrogado) para a obtenção e apresentação de licença ambiental necessária à exploração de lavra, sob o argumento, em síntese, de intempestividade do recurso formulado na via administrativa e desídia da empresa interessada.
2. A irresignação da impetrante está fundada, essencialmente, em apontada inobservância, pela Administração Pública, do devido processo legal no ato administrativo que não concedeu a autorização para a pretendida exploração de lavra. A principal ilegalidade, então, estaria situada no fato de que, equivocadamente, teve-se como intempestivo recurso administrativo formulado no prazo legal.
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3. Contudo, o exame conjunto das razões expostas pela empresa postulante e dos argumentos apresentados nas informações enviadas pela autoridade impetrada, conduz a entendimento no qual não se vislumbra o alegado direito líquido e certo.
4. Realmente, é certo que, nos autos, estão depositados argumentos e evidências que afastam o pretendido direito líquido e certo, como se observa:
- a impetrante teve ciência, pessoalmente, da decisão exarada no segundo recurso administrativo, momento em que teve início o prazo, não-observado, de 180 para a apresentação de novo recurso;
- esse fato marca de maneira particular a hipótese dos autos, na qual a não-publicação do Ofício que concedeu a medida pleiteada (novo prazo para a apresentação ambiental) não resultou em lesão ao devido processo legal e em prejuízo a direito da impetrante;
- a não-obtenção da licença ambiental (que era indispensável para eventual exploração da lavra), apesar de decorridos 4 (quatro) anos, não pode ser creditada, apenas, à responsabilidade do órgão público incumbido da expedição desse documento, mas também à apontada desídia da empresa interessada;
5. De tal maneira, não há como se reconhecer a existência de direito líquido e certo que mereça a tutela legal vindicada. Ao revés, está caracterizada nos autos que a solução administrativa aplicada não olvidou disposição legal, mas decidiu a questão com amparo em circunstâncias reais e inafastáveis. A emissão de juízo diverso, na hipótese, conduz à necessária e minudente dilação probatória, medida incompatível com a via processual do mandamus.
6. Revogando-se a liminar antes concedida, denega-se a segurança.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a segurança, revogando a liminar concedida, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Eliana Calmon e os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Denise Arruda, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília (DF), 27 de setembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Relator
DJ 16.10.2006
RELATÓRIO
O Sr. Ministro José Delgado: Em exame mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por Mineração Tatu Ltda., contra ato praticado pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, que indeferiu pedido de nova prorrogação de prazo para a obtenção e apresentação de licença ambiental necessária à pretendida exploração de lavra, sob o argumento, em síntese, de intempestividade do recurso formulado na via administrativa.
Em conseqüência desse ato ministerial, foi declarada a possibilidade de realização de edital com objetivo de identificar outras empresas interessadas na exploração mineral da área.
O objetivo do mandamus é que seja impedida a realização de edital de disponibilidade da área objeto de exploração, em razão do que, como registrei na decisão de fls. 87/89, alega a impetrante:
- após investidos expressivos recursos financeiros em pesquisa mineral,
requereu ao DNPM - Departamento Nacional de Produção Mineral, a Concessão
de Lavra, cujo deferimento ficou pendente da apresentação da respectiva Licença
Ambiental de Instalação;
- o ato exigindo a Licença Ambiental foi publicada em 25.05.1999, com prazo
de 180 dias para o seu atendimento;
- em virtude de a área de lavra estar "invadida" por garimpeiros, não foi
possível realizar os Projetos de Ambientais, havendo sido necessário ajuizar ação
possessória, ainda em curso;
- apesar dos esforços empregados, não conseguiu obter, do órgão ambiental do
Estado, FEAM, a pretendida Licença Ambiental no prazo indicado, o que levou ao
primeiro pedido de prorrogação de prazo para o atendimento a essa exigência;
- no ano de 2000 o DNPM concordou com o pedido de prorrogação de prazo,
expedindo o segundo Ofício de exigência da apresentação da referida Licença
Ambiental;
- todavia, no período de quatro anos, não foi efetivada a publicação desse
documento, permanecendo a impetrante no aguardo dessa providência, para, então
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RSTJ, a. 20, (210): 19-43, abril/junho 2008
requerer ao FEAM - órgão ambiental do Estado - , outra vez, a referida Licença
Ambiental;
- após esse período, ao invés de publicar o mencionado Ofício, o DNPM
estabeleceu o prazo de 60 (sessenta dias) para que a Licença Ambiental fosse apresentada, a partir do que, em 23.12.2004, a impetrante requereu ao FEAM essa Licença, que, afinal, não foi fornecida naquele prazo;
- por tal razão, o não-cumprimento da determinação do DNPM - apresentação a Licença Ambiental em 60 dias - se deve ao fato de a FEAM não haver fornecido o documento requerido dentre deste prazo;
- assim, a impetrante foi supreendida com o indeferimento do Pedido de Concessão de Lavra, sem que, antes, houvesse formalmente sido indeferido o pedido de prorrogação de prazo para a apresentação do documento que estava em exigência;
- irresignada com essa decisão, que indeferiu a Concessão de Lavra, a impetrante apresentou pedido de reconsideração à autoridade impetrada, que restou denegado em razão de sua intempestividade, de acordo com o Parecer Conjur/MME n. 353/2005, o qual, em síntese, tem o recurso como intempestivo.
Destarte, pede-se:
a) a concessão da medida liminar, com a finalidade de suspender os efeitos da eminente Publicação do Edital de Disponibilidade da área objeto do Requerimento de Concessão de Lavra, que foi indeferido;
b) por final, a concessão da segurança, para o efeito de considerar sem efeito o indeferimento do Requerimento de Concessão de Lavra, determinando-se que seja proferida decisão sobre o pedido de prorrogação de prazo antes formulado.
A existência do prenúncio do bom direito, consoante o registrado na peça de inconformismo, reside no fato de que as disposições da Lei n. 9.784/1999 (art. 26, § 5º), não se aplica ao Direito Mineral, que é regido por legislação específica: DL n. 227 de 28.02.1967, Código Mineral, e o seu regulamento, Decreto n. 62.934 de 02.07.1968. De tal maneira, as lacunas legais do Código de Mineração, devem ser supridas com fundamento nesse mesmo Código. Nesse sentido, indica precedente deste Superior Tribunal de Justiça: MS n. 10.041-DF, DJ 1º.12.2004, Rel. Min. Teori Albino Zavaski.
Quanto ao perigo da demora, alega-se estar evidenciado na possibilidade de que, disponibilizada a área, mediante licitação pública, um terceiro interessado deverá vencer o certame, resultando em lesão irreparável à impetrante e ineficácia
de eventual concessão da segurança.
34
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nesse contexto, concedi a liminar para o efeito de suspender a publicação de edital de disponibilidade da área objeto de requerimento de concessão de lavra.
Às fls. 104/239, a autoridade impetrada apresenta as suas informações, pugnando pelo efetivo reconhecimento da intempestividade do recurso administrativo, amparado no argumento principal de que, havendo tomado ciência pessoalmente do ato administrativo que entende ser-lhe desfavorável, fica, nesse momento, determinado o termo inicial de prazo para eventual recurso, o que torna patente a intempestividade do recurso administrativo formulado fora do prazo de 180 dias. Nesse sentido, as informações registram minuciosamente os elementos de fato e de direito que culminaram com o indeferimento do pedido administrativo formulado pela Mineração Tatu, ora impetrante.
Contra a decisão concessiva de liminar, a União apresentou o agravo regimental de fls. 241/275, sob o argumento seguinte:
a) o segundo pedido de prorrogação de lavra, formulado pela impetrante, foi intempestivo;
b) o ofício n. 455/2000-SERGEO/3º DS/DNPM/MG (considerado termo inicial do prazo para o pedido de prorrogação), embora não tenha sido publicado, gerou todos os seus efeitos, havendo a impetrante permanecido inerte por todo o transcurso do prazo disponibilizado para o ato - pedido de prorrogação - que lhe incumbia.
O Ministério Público Federal, no Parecer de fls. 300/305, opina pelo não-conhecimento do writ, porquanto caracterizada a desídia da empresa postulante, bem como a intempestividade do recurso administrativo por ela formulado. Registra, também, não haver ilegalidade no ato realizado pela autoridade impetrada.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro José Delgado (Relator): Cuida-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por Mineração Tatu Ltda., contra ato praticado pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, que indeferiu pedido de nova prorrogação de prazo para a obtenção e apresentação de licença ambiental necessária à pretendida exploração de lavra, sob o argumento, em síntese, de intempestividade do recurso formulado na via administrativa.
Para o deslinde do litígio, cumpre assinalar a grande relevância que, na hipótese, os elementos fáticos emprestam ao caso.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO
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RSTJ, a. 20, (210): 19-43, abril/junho 2008
A irresignação da impetrante, como antes registrada, está fundada, essencialmente, em apontada inobservância, pela Administração Pública, do devido processo legal no ato administrativo que não concedeu a autorização para a pretendida exploração de lavra. A principal ilegalidade, então, estaria situada no fato de que, equivocadamente, teve-se por intempestivo recurso administrativo formulado no prazo legal.
Contudo, o exame conjunto das razões expostas pela empresa postulante e dos argumentos apresentados nas informações enviadas pela autoridade impetrada, conduz a entendimento no qual não se vislumbra o alegado direito líquido e certo à ordem.
Com efeito, sobre a questão em análise, vale registrar os fatos seguintes:
- o Sr. Ataíde de Oliveira, destinatário original do Alvará de Autorização n. 8.312/1984, cedeu à Mineração Tatu os direitos de pesquisa e pedras coradas na lavra objeto da controvérsia;
- o DNPM - Departamento Nacional de Produção Mineral, por força de Resolução do Conama - Conselho Nacional do Meio Ambiente, exigiu no prazo de 180 dias, a apresentação de licença ambiental, expedida pelo órgão competente;
- em 19.11.1999, poucos dias antes de transcorrer os 180 dias (o que se daria em 27.11.1999), a empresa suplicante pediu a prorrogação desse prazo, o que foi concedido em 12.04.2000, não tendo havido, porém, a publicação do ofício que registrava essa autorização administrativa;
- mesmo assim, em 03.09.2001, o Sr. Ataíde obteve vistas e cópia do processo administrativo no qual estava encartado o mencionado Ofício (fls. 1.050/1.062 do processo DNM n. 831.066/1983), meio pelo qual teve ciência do deferimento da prorrogação por mais 180 dias para a apresentação da licença ambiental de instalação;
- em 29.04.2002 foi apresentado novo recurso administrativo, já intempestivo, após o qual outros recursos se seguiram, findando pelo indeferimento do pleito com sustento em dois aspecto principais: a) intempestividade de um dos recursos administrativos; e b) desídia dos interessados na obtenção da mencionada licença ambiental.
Nessa ótica, é certo que, nos autos, estão depositados argumentos e evidências que devem ser considerados na solução da lide, tais como:
- a impetrante teve ciência, pessoalmente, da decisão exarada no segundo recurso administrativo, momento em que teve início o prazo, não-observado, de 180 para a apresentação de novo recurso;
36
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
- esse fato marca de maneira particular a hipótese dos autos, na qual a não-publicação do Ofício que concedeu a medida pleiteada (novo prazo para a apresentação ambiental) não resultou em lesão ao devido processo legal e em prejuízo a direito da impetrante;
- a não-obtenção da licença ambiental (que era indispensável para eventual exploração da lavra), apesar de decorridos 4 (quatro) anos, não pode ser creditada, apenas, à responsabilidade do órgão público incumbido da expedição desse documento, mas também à apontada desídia da empresa interessada;
Nesse sentido, são precisas as informações prestadas pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, de cujo teor extraio (fls. 106/109):
Pelo Oficio n. 002563/2005-CORD1S/DP, de 14 de dezembro de 2005,
recebido neste Ministério no dia 22 de dezembro do ano pretérito, o Exmo. Sr.
Ministro do c. Superior Tribunal de Justiça José Delgado solicita, na qualidade de
Relator, informações destinadas a instruir o Mandado de Segurança n. 11.292-DF,
Registro n. 2005/0210279-7, impetrado por Mineração Tatu Ltda. contra Despacho
da lavra do Exmo. Sr. Ministro de Estado de Minas e Energia, publicado no Diário
Oficial da União – Seção 1, página n. 45, do dia 1º de dezembro de 2005 (fls.
0020).
02. Antes, porém, de se adentrar na análise das razões alegadas na exordial do
presente feito e dos fundamentos que conduziram o D. Relator a deferir a medida
liminar vindicada, impende realizar um esclarecimento acerca da matéria fática
subjacente a este writ, pois a versão apresentada pela Impetrante não alberga, com a
riqueza de detalhes que o caso requer, a realidade que consta dos autos do processo
administrativo DNPM n. 831.066/1983, de onde emanou toda esta controvérsia.
II - Processo administrativo DNPM n. 831.066/1983. Da elucidação dos fatos.
03. No dia 20 de dezembro de 1984, foi publicado no Diário Oficial da União o
Alvará de Autorização n. 8.312/1984, conferindo ao Sr. Ataíde de Oliveira, mediante
o Processo Administrativo DNPM – 831.066/1983, o direito de pesquisar berilo e
pedras coradas na localidade denominada Sítio dos Gomes, Distrito de Itauninha,
Município de Santa Maria de Itabira, Estado de Minas Gerais (doc. 01). Mediante
Despacho publicado no Diário Oficial da União do dia 23 de fevereiro de 1994, após
os estudos necessários, o relatório dos trabalhos de pesquisa apresentado pelo Sr.
Ataíde de Oliveira foi devidamente aprovado (doc. 02).
04. No entanto, o Sr. Ataíde de Oliveira houve por ceder seus direitos minerários
à Mineração Tatu Ltda., Sociedade Impetrante doc. 03. Assim foi que a Impetrante
protocolou requerimento de concessão de lavra.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO
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RSTJ, a. 20, (210): 19-43, abril/junho 2008
05. Considerando o disposto no artigo 6º, da Resolução n. 09, de 06 de
dezembro de 1990, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama, o DNPM
exigiu, pelo Oficio n. 961/1999-SERGEO/3ºDS/DNPM/MG, publicado no Diário
Oficial da União do dia 27 de maio de 1999, a apresentação, no prazo de 180 dias,
da licença de instalação, expedida pelo órgão ambiental competente, para o fim de
prosseguimento da outorga da portaria de lavra correspondente (doc. 04).
06. Em 19 de novembro de 1999, poucos dias antes do vencimento do
mencionado prazo, que ocorreria em 27 de novembro de 1999, a Impetrante
formulou um pedido de prorrogação, uma vez “que os projetos ambientais estão
exigindo um prazo mais, dilatado para as suas elaborações e as suas conseqüentes
tramitações no Órgão Ambiental que os analisa" (doc. 05).
07. Em que pese a Impetrante não ter juntado nenhum documento sequer
que demonstrasse sua diligência na obtenção da licença ambiental, o DNPM, não
obstante isso, deferiu, em 12 de abril de 2000, a prorrogação do prazo requerida.
No entanto, por algum equívoco, o Oficio n. 455/2000-SERGEO/3º DS/DNPM/
MG, de fl. 1.054 do Processo Administrativo, que continha esta prorrogação, não foi
publicado (doc. 06).
08. Em 03 de setembro de 2001, o Sr. Ataíde de Oliveira obteve vista e
cópias das fls. 1.050/1.062 dos autos do processo DNPM n. 831.066/1983. Neste
dia. portanto, teve acesso às folhas do processo que continham o mencionado
Oficio que prorrogou, por mais 180 (cento e oitenta) dias, o prazo para a
apresentação da licença de instalação (doc. 07).
09. Apesar disto, em 29 de abril de 2002, formulou novo pedido de
prorrogação. Nesta ocasião, alegou que os superficiários, à época, de parte do
imóvel teriam impossibilitado os trabalhos necessários à obtenção da licença. É
importante ressaltar que este pedido de prorrogação foi instruído com cópias de 2
(dois) Formulários de Caracterização do Empreendimento – FCE, datados de 06 de
outubro de 2000 (doc. 08).
10. Manifestando-se sobre a denúncia formulada por dois dos superficiários
do imóvel, os Srs. Geraldo Magela Afonso da Silva Simão e Walter Rubens de
Oliveira (doc. 09), e sobre o pedido de prorrogação supra, o 3º Distrito do DNPM,
após conferir direito à defesa, acolheu os pareceres n. 203/2002/P.A.3°DS/DNPM-
MH e 264/2002/P.A.3°DS/DNPM-MH (doc. 10), para determinar, dentre outras
providências, a remessa do processo à Diretoria-Geral do DNPM, para que fosse
indeferido o pedido de prorrogação formulado em 29 de abril de 2002, bem como a
própria concessão de lavra (doc. 11).
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
11. Desse modo, a Mineração Tatu Ltda. peticionou ao Diretor-Geral do
DNPM, alegando, em suma, que sem a publicação, no Diário Oficial da União,
do Oficio n. 455/2000-SERGEO/3º DS/DNPM/MG, a prorrogação deferida por
este teria restado sem efeito (v. item 07), não pôde obter a licença de instalação
em razão das ameaças dos superficiários e da morosidade do órgão ambiental competente. Ao final, pugnou pelo não indeferimento de seu pedido de concessão de lavra e pela publicação do citado Oficio que tinha determinado a prorrogação do prazo para apresentação da licença (doc. 12).
12. Aprovando manifestação proferida por sua D. Procuradoria Jurídica (doc. 13), a Diretoria-Geral do DNPM não concordou com a sugestão de indeferimento da concessão de lavra e prorrogou, por mais 60 (sessenta dias), o prazo para a apresentação da licença de instalação, conforme atesta o Despacho n. 279/2004, publicado no Diário Oficial da União do dia 16 de junho de 2004 (doc. 14).
13. Em 03 de agosto de 2004, 13 (treze) dias, portanto, antes do término do prazo fixado no Despacho n. 279/2004, a Impetrante apresentou novo pedido de prorrogação. Para fundamentar este pleito, juntou cópias de novos Formulários de Caracterização do Empreendimento, os quais foram protocolados, apenas, em 03 de agosto de 2004, na mesma data do protocolo do 3º pedido de prorrogação de prazo (doc. 15). Ou seja, desde o Despacho n. 279/2004 até o 3º pedido de prorrogação do prazo para a apresentação licença de instalação, é óbvio que a Impetrante se manteve em total estado de inércia.
14. Em 10 de setembro de 2004, entendendo que a Impetrante não diligenciou adequadamente a obtenção da licença de instalação, o 3º DS/DNPM sugeriu à Diretoria-Geral o indeferimento do requerimento de lavra por não cumprimento de exigência e, ainda, a colocação em disponibilidade mediante Edital (doc. 16).
15. Assim sendo, e após a análise técnica no órgão central do DNPM (doc. 17), o seu Diretor-Geral subscreveu o Despacho n. 07/2005, publicado no Diário Oficial da União do dia 12 de janeiro de 2005, que indeferia o requerimento de concessão de lavra, com fundamento no artigo 41, § 4º, do Código de Mineração (doc. 18). Esta decisão se manteve com a publicação, no Diário Oficial da União do dia 20 de abril de 2005, do Despacho n. 125/2005 (doc. 19), também da lavra do Diretor-Geral, que, acolhendo Parecer PROGE/DNPM n. 049/2005 (doc. 20), indeferiu o pedido de reconsideração formulado por Mineração Tatu (doc. 21).
16. Envidando todos os esforços para reverter a decisão que lhe era desfavorável, a Mineração Tatu Ltda. interpôs recurso hierárquico direcionado à chefia da pasta deste Ministério de Minas e Energia (doc. 22).
17. A Impetrante, ainda, em 23 de agosto de 2005, protocolou petição requerendo a juntada às razões do sobredito recurso hierárquico de declaração
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO
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RSTJ, a. 20, (210): 19-43, abril/junho 2008
da FEAM, “a qual comprova que a Peticionaria requereu tempestivamente àquele
Órgão Ambiental a licença exigida pelo Departamento Nacional da Produção
Mineral” (doc. 23).
18. Analisando previamente o Recurso Hierárquico em tela, a Procuradoria
Federal junto ao DNPM acolheu a alegação formulada pela impetrante, no sentido
da incompetência da Diretoria-Geral daquela Autarquia para indeferir a concessão
de lavra, tendo em vista ser esta atribuição da competência do Ministro de Estado
de Minas e Energia, na forma do artigo 39 do Código de Mineração. Dessa forma,
opinou pela anulação do Despacho n. 07/2005 (item 15) e remessa do feito ao
Ministério de Minas e Energia (doc. 24), o que foi aprovado pela Diretoria-Geral do
DNPM, na forma do Despacho n. 331/2005, publicado no Diário Oficial da União do
dia 26 de setembro de 2005 (doc. 25).
19. Desta feita, em 24 de outubro de 2005, foi publicado Despacho da lavra do
Senhor Secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, do Ministério
de Minas e Energia, que, por delegação de competência do Exmo Sr. Ministro,
através da Portaria Ministerial n. 19/2003, indeferiu o pedido de concessão de
lavra da Impetrante (doc. 26). É contra esta decisão que foi manejado o Pedido de
Reconsideração ao Ministro de Minas e Energia (doc. 27).
20. Este pedido de reconsideração tinha como supedâneo, em síntese apertada,
as alegações já formuladas no curso do Processo Administrativo, sempre no sentido
da falta de desídia na obtenção da licença de instalação, da impossibilidade de
obtê-la em razão do comportamento dos superficiários, da morosidade do órgão
ambiental competente e da exigüidade do prazo conferido. Sustentava, ainda, com
base nos pareceres Conjur/MME n. 161/2002, 019/2003, 164/2004, 266/2004,
371/2004 e 114/2005, a ilegalidade do procedimento, uma vez que não publicada
a decisão acerca do pedido de prorrogação do prazo para o cumprimento da
exigência.
21. Ao apreciar este pedido de reconsideração, o Exmo. Ministro de Estado de
Minas e Energia, aprovando o Parecer Conjur/MME n. 353/2005 (doc. 28), proferiu
Despacho, publicado no Diário Oficial da União – Seção 1, página n. 45, do dia 1º
de dezembro de 2005, apontado neste mandado de segurança como ato coator,
mantendo o indeferimento do requerimento de concessão de lavra da Impetrante
e determinando a restituição do processo ao Departamento Nacional de Produção
Mineral –DNPM, para que fosse declarada a disponibilidade da área, a teor do artigo
41, § 42 do Código de Mineração (fls. 0020).
22. Duas ordens de fundamentos, basicamente, conduziram o Parecer Conjur/
MME n. 353/2005 a opinar pelo indeferimento do requerimento de concessão
40
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de lavra formulado pela Impetrante, a saber, (i) a intempestividade de um dos pedidos de prorrogação de prazo (item 09). formulado pela Impetrante, para a apresentação da licença de instalação, uma vez que apresentado fora do prazo previsto no artigo 41, § 3º do Decreto-Lei n. 227/1967, o Código de Mineração; e (ii) a desídia com a qual a Impetrante sempre se comportou em relação à obtenção da mencionada licença de instalação, o que colocava em risco os princípios da moralidade administrativa, previsto no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988, e da supremacia do interesse público.
23. Deve-se esclarecer, desde já, que tal parecer em nada discrepa de anteriores entendimentos fixados por este Órgão da Advocacia-Geral da União. Logo, não é verdade a alegação da Impetrante de que “O Parecer Conjur/MME n. 353/2005 (Anexo 11), que fundamenta a V. Decisão Ministerial impugnada, é completamente divergente, dentre outros, do Parecer Conjur/n. 371/2004 (anexo 13), do Parecer Conjur/n. 114/2005 (anexo 12) e do Parecer Conjur/n. 161/2002 (anexo 17)” (fl. 0008).
24. Em todos estes Pareceres, em apertada síntese, as opiniões exaradas foram no sentido de que a decisão que indefere pedido de prorrogação de prazo para cumprimento de exigência deve ser publicada, para que, após, seja indeferida a concessão de lavra pela autoridade competente no âmbito deste Ministério. Este também é o entendimento do Parecer Conjur/MME n. 353/2005, que, ao seu final, inclusive, opinou pela determinação, de oficio, para que o “DNPM, diante de pedido infundado de prorrogação de prazo para cumprimento de exigência para a concessão de lavra, nos termos do disposto no art. 41, § 3º do Código de Mineração, prolate a decisão de indeferimento e faça publicá-la, para, só após, determinar a remessa a este Ministério, para que seja indeferido o requerimento de concessão de lavra” (item 67, b). Tal opinião foi acolhida pelo Ministro Chefe desta Pasta quando da edição do ato impugnado.
25. A opinião final formulada, no entanto, não foi igual porque a hipótese fática analisada pelo Parecer Conjur/MME n. 353/2005 é totalmente diferente, tendo em vista que a Parte Interessada foi pessoalmente intimada de uma determinada decisão e não cumpriu a determinação contida na mesma, o que implicou no indeferimento da concessão de lavra, situação, portanto, que não aconteceu nos casos examinados pelos Pareceres mencionados, como se mostrará mais adiante.
26. Este, em sumário resumo, é o quadro fático atinente ao Processo Administrativo DNPM n. 831.066/1983, de onde teria sido proferido o suposto ato violador de direito líquido e certo da Impetrante. No entanto, como se verá nos tópicos subseqüentes, a esfera jurídica da Impetrante não foi ilegalmente atingida,
pelo que é imperiosa a denegação da segurança pleiteada.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO
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RSTJ, a. 20, (210): 19-43, abril/junho 2008
O Ministério Público Federal, por seu turno, pronunciou-se nesse mesmo sentido (fls. 302/305):
A impetrante pretende tornar sem efeito o indeferimento do requerimento de
Concessão de Lavra e requer a análise do terceiro pedido de extensão de prazo para
o cumprimento da exigência do DNPM.
17. Ocorre que, ao relatar na inicial os pedidos de prorrogação de prazo, a
impetrante foi omissa em não citar um dos requerimentos, uma vez que, no curso
desses quatro anos, o Senhor Ataíde de Oliveira, representante legal da Mineração
Tatu, obteve vista e cópia dos autos do processo no DNMP. E, demonstrando que
teve ciência do deferimento da dilatação do prazo, pediu a segunda prorrogação,
tendo sido esse requerimento, apresentado após o prazo de 180 dias, contados da
apresentação espontânea do gerente da impetrante.
18. A contenda, referente à ausência de análise do terceiro pedido de
prorrogação, sequer merece ser examinada, ante a notória intempestividade do
requerimento da segunda prorrogação.
19. A empresa mineradora não pode esculpir sua defesa alegando o
desconhecimento do deferimento da primeira prorrogação, porquanto, como foi
comprovado nos autos, a mesma teve acesso ao processo antes da publicação do
Ofício no Diário Oficial da União.
20. Nessa linha de raciocínio o Superior Tribunal de Justiça assim decidiu a
respeito da questão de contagem de prazo para recurso contra ato judicial:
Processual Civil. Sentença. Cópia. Momento anterior. Publicação.
Conhecimento inequívoco. Início. Contagem. Prazo. Interposição. Apelação.
1 - O prazo para recurso começa com a intimação da sentença. Se a
parte, entretanto, antecedentemente à publicação, toma inequívoca ciência do
seu inteiro teor, inclusive, mediante extração de fotocópia, neste dia terá ele
(prazo) início, sendo irrelevante a posterior publicação e a falta de retirada
dos autos do cartório.
2. Recurso especial não conhecido.
(REsp n. 503.636-RS, Quarta Turma, Rel. Mm. Fernando Gonçalves, DJ
19.04.2004)
21. Outrossim, foi constatada a desídia no cumprimento da exigência para a
obtenção da concessão de lavra, visto que, em cerca de 6 (seis) anos, a impetrante
não providenciou a Licença Ambiental de Instalação. Portanto, a mineradora não
deve responsabilizar, tão somente, a FEAM (Fundação Nacional do Meio Ambiente)
por não ter obtido a Licença Ambiental durante todo esse período.
42
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
22. Por fim, o DNPM, ao reconhecer a inércia da impetrante na obtenção da
licença de instalação, baseou-se na apreciação de fatos e situações que não foram
mencionadas pela empresa impetrante, mas que são essenciais para compreensão
dos motivos que levaram o DNPM a cancelar a concessão de lavra.
23. Conforme consta das informações da Consultoria Jurídica do Ministério
das Minas e Energia, os fatos são os seguintes (fls. 118/119):
No caso em exame, tem-se uma inequívoca desídia da impetrante no
cumprimento de uma exigência para a obtenção da concessão de lavra. Esta desídia
se caracteriza na medida que, em cerca de 6 (seis) anos, a mesma não providenciou
sequer a licença de instalação. Durante todo este tempo, a impetrante formulou três
pedidos de prorrogação de prazo, todos lastreados em alegações genéricas e não
comprovadas, de modo que dar provimento ao recurso hierárquico interposto nos
autos administrativos seria violar frontalmente a moral, os bons costumes, as regras
de boa administração, dentre outros valores protegidos pelo ordenamento jurídico
pátrio em vigor.
Por fim, a supremacia do interesse público sobre o privado determina o
indeferimento imediato da concessão de lavra. É que, desde 1999, as jazidas não
vinham sendo lavradas legalmente. Ao contrário, há uma série de denúncias de lavra
clandestina na localidade, tendo, inclusive, o DNPM constatado que a impetrante
também exerce esta prática (doc. 31) (fls. 1.237/1.238 do Processo Administrativo).
Estes fatos atingem o interesse público primário, bem entendido como “o pertinente
à sociedade como um todo, e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é
o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante
do corpo social", conforme ensina o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello.
Na espécie, a sociedade é afetada quando exercida a lavra ilegalmente sem o
recolhimento dos tributos devidos, sem a geração de empregos formais e etc”.
24. A afirmação da suposta autoridade coatora põe em descrédito a alegação
de ofensa ao devido processo legal sustentado pela empresa mineradora, e tornam
controvertidos os fatos que dariam a ela direito a continuar exercendo atividade de
lavra concedida pela União.
25. Não sendo o Mandado de Segurança instrumento idôneo para a apuração
de situação de fato controvertida e nem servindo o writ para a demonstração da
veracidade desse ou daquele fato, não se deve conhecer da presente ordem.
26. Ante o exposto, o Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento
do writ, com a revogação de liminar ante a inexistência de ato ilegal e abusivo
praticado pelo Exm° Sr. Ministro de Estado das Minas e Energia.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO
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RSTJ, a. 20, (210): 19-43, abril/junho 2008
De tal maneira, não há como se reconhecer a existência de direito líquido e certo que mereça a tutela legal vindicada. Ao revés, está caracterizada nos autos que a solução administrativa aplicada não olvidou disposição legal, mas decidiu a questão com amparo em circunstâncias reais e inafastáveis.
A emissão de Juízo diverso, na hipótese, conduz à necessária e minudente dilação probatória, medida incompatível com a via processual do mandamus.
Pelo exposto, revogando a liminar antes deferida, denego a segurança pleiteada.
É o voto.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 719.446-RS (2005/0012771-7)
Relatora: Ministra Denise ArrudaAgravante: Agência Nacional de Vigilância Sanitária - AnvisaProcurador: Marcelo Carvalho dos Santos e outrosAgravado: Supermar S/AAdvogado: Marcelo Bacigaluz Guimarães e outros
EMENTA
Processual Civil. Administrativo. Agravo regimental no recurso especial. Agente marítimo. Infração sanitária. Responsabilidade objetiva. Inexistência. Precedentes.
1. A infração sanitária apurada no interior de navio não pode ser imputada ao agente marítimo, pois inexiste nexo de causalidade entre a sua conduta e o resultado danoso, ou seja, o agente não dá causa nem concorre para a infração, como exige, expressamente, o art. 3º da Lei n. 6.437/1977.
2. Não se admite a responsabilização do agente marítimo por infração administrativa cometida pelo descumprimento de dever que a lei impôs ao armador.
3. O magistrado de primeiro grau de jurisdição, em sentença integralmente confirmada pela Corte de origem, firmou o seu convencimento mediante simples interpretação dos dispositivos da Lei n. 6.437/1977, não incidindo, desse modo, o óbice de que trata a Súmula n. 7-STJ.
4. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux e Teori Albino Zavascki votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Delgado.
Brasília (DF), 12 de dezembro de 2006 (data do julgamento).
Ministra Denise Arruda, Relatora
DJ 1º.02.2007
48
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Denise Arruda: Trata-se de agravo regimental (fls. 312/321) interposto em face de decisão monocrática sintetizada na seguinte ementa:
Processual Civil. Administrativo. Recurso especial. Violação do art. 535 do
CPC. Não-ocorrência. Agente marítimo. Infração sanitária. Responsabilidade.
Inexistência.
1. Não viola o art. 535 do CPC, tampouco nega prestação jurisdicional, o
acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos
trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de
modo integral a controvérsia.
2. A infração sanitária apurada no interior de navio não pode ser imputada
ao agente marítimo, pois inexiste nexo de causalidade entre a sua conduta e o
resultado danoso, ou seja, o agente não dá causa nem concorre para a infração,
como exige, expressamente, o art. 3º da Lei n. 6.437/1977.
3. Não se admite a responsabilização do agente marítimo por infração
administrativa cometida pelo descumprimento de dever que a lei impôs ao
armador.
4. Recurso especial parcialmente provido.
A agravante aduz, em síntese, que: (a) o acórdão recorrido baseia-se em matéria fática, insuscetível de reapreciação na via do recurso especial; (b) o agente marítimo concorre de modo omissivo para as infrações sanitárias cometidas a bordo de navios, ao violar dever de cuidado objetivo; (c) respondendo pela infração, o agente marítimo pode cobrar o valor da multa do armador; (d) incumbe às empresas de agenciamento marítimo adequar a conduta das embarcações estrangeiras aos termos da legislação brasileira; (e) a omissão do agente marítimo em adotar as cautelas devidas possui relevância causal para o cometimento da infração.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Denise Arruda (Relatora): Não assiste razão à agravante.
A decisão agravada está em consonância com a orientação jurisprudencial adotada no âmbito desta Corte Superior, no sentido de que o agente marítimo, na condição de responsável pela intermediação de contratos de transporte, não tem poder de gestão sobre a embarcação e não possui responsabilidade pelos
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
49
RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
negócios do armador, que explora comercialmente uma embarcação mercante, sendo ou não seu proprietário.
Com efeito, a infração sanitária apurada no interior do navio não pode ser imputada ao agente, pois inexiste nexo de causalidade entre a sua conduta e o resultado danoso, ou seja, o agente não dá causa nem concorre para a infração, como exige, expressamente, o art. 3º da Lei n. 6.437/1977: "O resultado da infração sanitária é imputável a quem lhe deu causa ou para ela concorreu."
Sobre o tema, é oportuno conferir os seguintes precedentes:
Administrativo. Infração sanitária. Alimentos e medicamentos com data
vencida a bordo de navio. Responsabilidade do agente marítimo. Inexistência.
Artigos 3º e 10, XXIII, da Lei n. 6.437/1977.
1. A responsabilidade por infração sanitária, a exemplo da penal, não é
objetiva, mas subjetiva. Segundo estabelece o art. 3º da Lei n. 6.437/1977, 'o
resultado da infração sanitária é imputável a quem lhe deu causa ou para ela
concorreu'.
2. O agente marítimo é o representante do armador durante a estada do navio
no porto, atuando como seu mandatário. Nessa condição, pode ser responsabilizado
por infração sanitária decorrente de ato próprio. Não responde, porém, por ato não
relacionado com o objeto de seu mandato, praticado por terceiro. Precedentes da
1ª e da 2ª Turma.
3. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp n. 641.197-PE, 1ª Turma,
Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 04.09.2006)
Administrativo. Inspeção em navio. Infração sanitária. Anvisa. Pólo passivo.
Legitimidade. Armador. Agente marítimo. Responsabilidade afastada. Precedentes.
Omissis.
II - Não se pode atribuir ao agente marítimo (contratado pelo armador
de um navio para atuar como intermediário entre este e a praça na qual vai
atracar) a responsabilidade por infrações administrativas praticadas nas respectivas
embarcações. Precedentes: REsp n. 225.820-RJ, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de
13.10.2003; REsp n. 784.357-PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 21.11.2005,
p. 169, entre outros.
III - Recurso especial desprovido. (REsp n. 826.637-RS, 1ª Turma, Rel. Min.
Francisco Falcão, DJ de 25.05.2006)
Recurso especial. Administrativo. Infração sanitária cometida pelo armador.
Ausência de responsabilidade do agente marítimo. Precedentes.
50
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Não se pode apenar o agente marítimo, (...), por irregularidade praticada pelo armador, já que aquele age apenas como mandatário deste, sem qualquer confusão de papéis" (REsp n. 255.820-RJ, da relatoria deste Magistrado, DJ 13.10.2003).
O extinto Tribunal Federal de Recursos, ao editar a Súmula n. 192, consagrou o entendimento de que 'o agente marítimo, quando no exercício exclusivo das atribuições próprias, não é considerado transportador para efeitos do Dec. Lei n. 37/1966', ato normativo que trata do imposto de importação.
Se não há equiparação entre ambas as figuras para fins tributários, tampouco se deve admitir a responsabilização do agente marítimo por infração administrativa cometida pelo descumprimento de dever que a lei impôs ao armador. Precedentes.
Recurso especial improvido. (REsp n. 665.950-PE, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 20.03.2006)
Verifica-se, de outro lado, que o magistrado de primeiro grau de jurisdição, em sentença integralmente confirmada pela Corte de origem, firmou o seu convencimento mediante simples interpretação dos dispositivos da Lei n. 6.437/1977, não incidindo, desse modo, o óbice de que trata a Súmula n. 7-STJ.
Em face do exposto, não havendo razões capazes de infirmar a decisão agravada, nega-se provimento ao agravo regimental.
É o voto.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 20.711-GO (2005/0158206-3)
Relator: Ministro Teori Albino ZavasckiRecorrente: Wanira Sócrates de BastosAdvogado: Márcio Messias CunhaT. Origem: Tribunal de Justiça do Estado de GoiásImpetrado: Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de GoiásRecorrido: Estado de GoiásProcurador: Cynthia Dayse Rosa e outros
EMENTA
Administrativo e Constitucional. Recurso em mandado de segurança. Fundo Especial de Reaparelhamento e Modernização do
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
Judiciário de Goiás. Cobrança de percentual sobre rendimento bruto de cartório judicial não oficializado. Constitucionalidade.
1. "A exigência de prévia lei complementar estabelecendo condições gerais para a instituição de fundos, como exige o art. 165, § 9º, II, da Constituição, está suprida pela Lei n. 4.320, de 17.03.1964" (STF, ADIN-MC n. 1.726, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 30.04.2004).
2. "As custas, a taxa judiciária e os emolumentos constituem espécie tributária, são taxas, segundo a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal. Precedentes do STF. II. - A Constituição, art. 167, IV, não se refere a tributos, mas a impostos. Sua inaplicabilidade às taxas."
3. A cobrança de "cinco por cento (5%) da arrecadação bruta, pela prestação de serviços das serventias não oficializadas e extrajudiciais quando utilizam as instalações e dependências do Poder Público" não coincide com a base de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa física - IRPF.
4. Recurso ordinário desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Denise Arruda, José Delgado e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília (DF), 13 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro Teori Albino Zavascki, Relator
DJ 1º.03.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Cuida-se de recurso ordinário em mandado de segurança assim relatado no parecer do Ministério Público Federal, de lavra do Subprocurador-Geral Dr. Wallace de Oliveira Bastos:
52
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Trata-se de recurso em mandado de segurança tirado da decisão do Eg. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás que denegou o writ impetrado por Wanira Sócrates de Bastos contra ato do Juiz Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que determinou a cobrança do percentual de 5% sobre a renda bruta da serventia não-oficializada da qual é titular a impetrante, destinando a receita ao Fundo Especial de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário - Fundesp, nos termos da Lei Estadual n. 12.986/1997.
A decisão recorrida recebeu a ementa transcrita a seguir (fls. 135/136):
Mandado de segurança. Cobrança e desconto de percentual de 5% calculada sobre a renda bruta de serventias não oficializadas e extrajudiciais que utilizam as instalações e dependências do Poder Judiciário. Possibilidade.
A cobrança e desconto de percentual de 5% calculada sobre a renda bruta de serventias não oficializadas e extrajudiciais que utilizam as instalações e dependências do Poder Judiciário não configura imposto ou taxa, tributos cuja criação estaria a exigir a edição de Lei Complementar, mas tão somente modalidade de distribuição de receita, prevista em lei, com o fim de, somados com outros recursos, promover a consolidação e o desenvolvimento de setores do referido Poder Judiciário.
Segurança denegada.
Recurso ordinário tempestivo (fls. 213/231), com fundamento no art. 105, II, b da Constituição Federal, sustentando a inconstitucionalidade do ato que determinou a cobrança do percentual de 5% sobre a receita bruta das serventias não-oficializadas do Estado de Goiás, inclusive aquela da qual é titular a ora recorrente, com base nas disposições do art. 3°, XI da Lei Estadual n. 12.986/1996.
Argüi a inconstitucionalidade da Lei Estadual n. 12.986/1996 por entender afrontados os arts. 165, § 9°, II e 167, IV da Constituição da República, aduzindo que "... só após a edição de Lei Complementar que estabeleça regras próprias para a criação de fundos de espécime, será possível a cobrança ora refutada".
Argumenta que a cobrança do percentual de 5% em referência constituiria hipótese de bi-tributação sobre a renda da recorrente, tendo em vista que sobre tais valores já incidiria o imposto de renda. Por fim, alega afronta ao princípio da isonomia, ao fundamento de que outras serventias teriam sido beneficiadas com a inexigibilidade da cobrança do percentual de 5% destinada ao Fundesp-PJ.
Contra-razões às fls. 180/188. (fls. 202/203)
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso ordinário.
É o relatório.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
53
RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
VOTO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): 1. A impetrante é exercente do cargo de Escrivã da 10ª Vara Cível da comarca de Goiânia, serventia não-oficializada, recebendo emolumentos. Insurge-se contra a destinação de 5% da receita bruta da serventia por ela titularizada ao Fundo Especial de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário - Fundesp, ao argumento de inconstitucionalidade da norma instituidora do Fundo, sob os seguintes aspectos: (a) ofensa ao art. 165, § 9º, II, da Consituição Federal, já que a instituição de fundo dependeria de lei complementar; (b) ofensa ao art. 167, IV, da Constituição Federal, pois é vedada a destinação de receitas de impostos a fundo. Afirma, ademais, ocorrer bi-tributação, pelo fato de já haver incidência de imposto de renda sobre seus rendimentos.
A Lei Estadual n. 12.986/1996, que instituiu a cobrança contra a qual a impetrante se insurge, e cuja inconstitucionalidade incidental pretende ver declarada, tem o seguinte teor:
Art. 1° - Fica instituído, vinculado ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, o
Fundo Especial de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário - Fundesp
- PJ.
Art. 2° - O Fundesp - PJ tem por objetivo suprir e implementar as atribuições
do Poder Judiciário, no Estado de Goiás, quanto ao atendimento das despesas de
custeio, de investimentos e inversões financeiras, observadas as normas e requisitos
fixados e previstos na legislação específica.
Art. 3° - Constituem receitas do Fundesp - PJ:
I - o valor equivalente ao produto da arrecadação das taxas relativas aos
serviços judiciais prestados;
II - o produto da arrecadação das custas judiciais, bem como dos emolumentos
de serventias judiciais e extrajudiciais oficializadas;
III - os créditos consignados no orçamento do Estado e em leis especiais;
IV - os recursos, inclusive doações, originários de convênios ou de subvenções
de órgãos públicos e privados ou pessoas físicas ou jurídicas nacionais ou
estrangeiros;
V - os rendimentos de depósitos bancários e outras aplicações financeiras;
VI - os produtos das multas contratuais, cauções ou depósitos que reverterem
a crédito do Poder Judiciário;
54
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VII - as receitas provenientes de alienação de bens patrimoniais, de participação
acionária, de materiais inservíveis e de restituições e indenizações;
VIII - o valor correspondente ao produto da arrecadação oriunda de inscrições
em concursos e outras eventuais receitas correlatas às atividades desenvolvidas pelo
Poder Judiciário;
IX - o produto da utilização de suas instalações;
X - o valor equivalente a trinta por cento (30%) das multas, juros e outros
encargos financeiros decorrentes da prestação jurisdicional dos feitos das Fazendas
Públicas;
XI - cinco por cento (5%) da arrecadação bruta, pela prestação de serviços
das serventias não oficializadas e extrajudiciais, quando utilizam as instalações e
dependências do Poder Público. (Redação dada pela Lei n. 13.085/1997). (DO. de
25.06 e 10.07.1997)
Art. 5° - Os recursos financeiros do Fundesp - PJ serão movimentados
exclusivamente em contas especiais próprias, através de instituições financeiras
oficiais.
Art. 6° - Aplicam-se à execução financeira do Fundesp - PJ as normas gerais
que regem a legislação orçamentária e financeira pública.
Art. 7° - O Fundesp - PJ será fiscalizado pelo Tribunal de Contas do Estado
de Goiás, sem prejuízo do controle interno e de auditoria que o Poder Judiciário
adotar.
Art. 8° - Os bens adquiridos com recursos do Fundesp - PJ serão incorporados
ao patrimônio do Poder Judiciário.
Art. 9° - O Chefe do Poder Judiciário, através de regulamento, baixará as
instruções normativas complementares à operacionalidade do Fundesp - PJ, quanto
à organização administrativa, contábil, financeira e orçamentária.
Art. 10 - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
2. Não prospera o argumento de inconstitucionalidade formal da Lei em apreço, sob a alegação de que a instituição de fundo seria reservada à lei complementar. Dispõe o art. 165, § 9º, II, da CF/1988 o seguinte:
§ 9° - Cabe à lei complementar:
(...)
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
55
RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração
direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de
fundos.
Da interpretação literal do dispositivo exsurge clara a subordinação à lei complementar apenas das normas gerais sobre a instituição e o funcionamento de fundos, não constando exigência para que a criação de um fundo em particular seja feita por essa espécie normativa. Acerca da matéria, já se manifestou o STF, no julgamento da ADIN-MC n. 1.726. Veja-se trecho do voto do Min. Nelson Jobim nesse sentido:
(...) o argumento de fundo do art. 165, § 9º, inciso II, dispõe, efetivamente,
que se exige lei complementar para se estabelecer condições para a instituição
e funcionamento de fundos. Não se estabelece, evidentemente, que a criação do
fundo vá se fazer por lei complementar, ou seja, o próprio sistema autorizaria a
criação de fundos por decreto do Executivo desde que antecedido de autorização
legislativa.
E sobre a existência de lei complementar disciplinando a instituição e o funcionamento de fundos, assentou o STF no julgamento citado, a recepção da Lei n. 4.320/1964 para tal finalidade. Veja-se o voto do Min. Maurício Corrêa:
É que até agora não tendo sido editada lei complementar que discipline
o preceito constitucional invocado, a Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964,
que instituiu normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos
orçamentos da União está recepcionada pela Constituição Federal, com status de
lei complementar, visto que do contrário restaria de braços cruzados, e em pânico,
a Administração Pública, impedida que estaria de realizar as suas atividades
institucionais.
4. Este tem sido o entendimento da doutrina, como se vê em José Maurício
Conti (in Direito Financeiro na Constituição de 1988, 1ª edição, SP, Ed. Oliveira
Mendes, 1988); Toshio Mukai (in A Administração Pública na Constituição de 1988, Saraiva, 1988, p. 120); Ricardo Lobo Torres (in Curso de Direito Financeiro e Tributário, 3ª ed., Renovar, 1996, p. 2) e J. Teixeira Machado Júnior e Haroldo
da Costa Reis (in A Lei 4.320 Comentada, 28ª edição, IBAM, 1997, p. 14), dentre
outros.
5. Embora a Constituição não se refira a fundos especiais, contudo estão eles
disciplinados na Lei n. 4.320/1964, que se aplica à espécie, e que foi recepcionada
pela Carta Política Federal vigente, ao contrário do que alega o Requerente em sua
inicial.
56
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
6. Com efeito, esse diploma legal, utilizando a expressão fundo especial
(artigos 71 a 74), nada mais fez do que defini-lo (artigo 71), impondo as condições
para a sua instituição e funcionamento (artigos 72 a 74). Transcrevo abaixo o inteiro
teor desses dispositivos:
Art. 71 - Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas
que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços,
facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.
Art. 72 - A aplicação das receitas orçamentárias vinculadas a fundos
especiais far-se-á através de dotação consignada na Lei Orçamentária ou em
créditos adicionais.
Art. 73 - Salvo determinação em contrário da lei que o instituiu, o
saldo positivo do fundo especial apurado em balanço será transferido para o
exercício seguinte, a crédito do mesmo fundo.
Art. 74 - A lei que instituir fundo especial poderá determinar normas
peculiares de controle, prestação e tomada de contas, sem, de qualquer modo,
elidir a competência específica do Tribunal de Contas do órgão equivalente.
(...)
8. Os artigos 72 a 74 impõem condições para a instituição e funcionamento do
fundo especial, válidas, como disse, até a edição da lei complementar a que se refere
o artigo 165, § 9°, II da Carta Federal. (...)
O aresto recebeu a seguinte ementa:
Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Medida Provisória
n. 1.061, de 11.11.1997 (Lei n. 9.531, de 10.12.1997), que cria o Fundo de Garantia
para Promoção da Competividade - FGPC. Alegada violação dos arts. 62 e par. único,
165, II, III, §§ 5º, I e III, e 9º, e 167, II e IX, da Constituição.
1. A exigência de prévia lei complementar estabelecendo condições gerais para
a instituição de fundos, como exige o art. 165, § 9º, II, da Constituição, está suprida
pela Lei n. 4.320, de 17.03.1964, recepcionada pela Constituição com status de lei
complementar; embora a Constituição não se refira aos fundos especiais, estão eles
disciplinados nos arts. 71 a 74 desta Lei, que se aplica à espécie: a) o FGPC, criado
pelo art. 1º da Lei n. 9.531/1997, é fundo especial, que se ajusta à definição do art.
71 da Lei n. 4.320/1963; b) as condições para a instituição e o funcionamento dos
fundos especiais estão previstas nos arts. 72 a 74 da mesma Lei.
(...)
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
57
RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
4. Medida liminar indeferida em face da ausência dos requisitos para a sua
concessão, não divisados dentro dos limites perfunctórios do juízo cautelar. (ADIN-
MC n. 1.726, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 30.04.2004).
3. Da mesma forma, a tese de inconstitucionalidade da Lei Estadual n. 12.986/1996 por ofensa ao art. 167, IV, da Constituição Federal, que veda a vinculação de receitas de impostos a órgão, fundo ou despesa, não merece acolhida. Eis o que dispõe a norma constitucional citada:
Art. 167. São vedados:
(...)
IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas
a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158
e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para
manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da
administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2°,
212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de
receita, previstas no art. 165, § 8°, bem como o disposto no § 4° deste artigo;
Acerca da matéria, colaciono o voto do Min. Carlos Velloso, na ADIn n. 1.145-PB (DJ de 08.11.2002):
As custas, a taxa judiciária e os emolumentos constituem espécies tributárias,
são taxas, segundo a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal. Assim
decidiu o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, no julgamento da ADIn n. 1.772
(MC)-MG, de que fui relator:
Ementa: Constitucional. Tributário. Taxa judiciária e custas: natureza
jurídica. Taxa judiciária e custas: Estado de Minas Gerais. Lei Mineira n. 6.763,
de 1975, art. 104, §§ 1º e 2º, com a redação do art. 1º da Lei Mineira n. 12.729,
de 30.12.1997. Tabela J referida no art. 104 da Lei Mineira n. 6.763/1975,
com a alteração da Lei Mineira n. 12.729/1997. Tabelas de custas anexas à Lei
Mineira n. 12.732, de 1997, que altera a Lei Mineira n. 12.427, de 1996.
I. - Taxa judiciária e custas: são espécies tributárias, classificando-se
como taxas, resultando da prestação de serviço público específico e divisível e
que têm como base de cálculo o valor da atividade estatal referida diretamente
ao contribuinte, pelo que deve ser proporcional ao custo da atividade do
Estado a que está vinculada, devendo ter um limite, sob pena de inviabilizar
o acesso de muitos à Justiça. Rep. n. 1.077-RJ, Moreira Alves, RTJ 112/34;
ADIn n. 1.378-ES, Celso de Mello, DJ de 30.05.1997; ADIn n. 948-GO, Rezek,
Plen., 09.11.1995.
58
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
II. - Taxa judiciária do Estado de Minas Gerais: Lei Mineira n. 6.763, de 26.12.1975, art. 104, § 1º e 2º, com a redação do art. 1º da Lei Mineira n. 12.729, de 30.12.1997, e Tabela J referida no citado art. 104: argüição de inconstitucionalidade com pedido de suspensão cautelar.
III. - Custas: Tabelas anexas à Lei Mineira n. 12.732, de 1997, que altera a Lei Mineira n. 12.427, de 27.12.1996, que dispõe sobre as custas devidas ao Estado no âmbito da Justiça Estadual: argüição de inconstitucionalidade: itens I e II, Tabelas A e B e C e D.
IV. - Necessidade da existência de limite que estabeleça a equivalência entre o valor da taxa e o custo real dos serviços, ou do proveito do contribuinte. Valores excessivos: possibilidade de inviabilização do acesso de muitos à Justiça, com ofensa ao princípio da inafastabilidade do controle judicial de lesão ou ameaça a direito: C.F., art. 5º, XXXV.
V. - Cautelar deferida.
No mesmo sentido: ADIn n. 1.378 (MC)-ES, Ministro Celso de Mello. Nesta, ficou assentado que 'a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza, tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos'. (RTJ 168/95). Também no mesmo sentido: ADIn n. 948-GO, Ministro Francisco Rezek (RTJ 172/778); RE n. 116.208-MG, Ministro Moreira Alves, 'DJ' de 08.06.1990; ADIn n. 2.059-PR. Ministro Nelson Jobim, 'DJ' de 21.09.2001; ADIn n. 1.709-MT, Ministro Maurício Corrêa, 'DJ' de 31.03.2000; ADIn n. 1.778 (MC)-MG, Ministro Nelson Jobim, 'DJ' de 31.03.2000.
Esclareça-se, abrindo o debate, que a Constituição vigente não se refere, no art. 167, IV, a tributos, mas a impostos, certo imposto e taxa são espécies tributárias diversas. A vedação inscrita, pois, no art. 167, IV, da Constituição, não tem aplicação relativamente às taxas.
Na ADIn n. 2.059-PR, Relator o Ministro Nelson Jobim, ficou esclarecido que é possível a destinação do produto da arrecadação da taxa para órgão público não estranho aos serviços notariais. Se essa destinação 'é para o próprio Poder Judiciário', esclareceu o Ministro Moreira Alves, 'não há dúvida de que é possível, pois não se trata, como ocorre, por exemplo, com a Caixa de Assistência da OAB, de pessoa jurídica de direito privado.' O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da mencionada ADIn. n. 2.059-PR, decidiu pela regularidade da destinação do produto da arrecadação da taxa a órgão público. Naquele caso, ao próprio Poder Judiciário ('DJ' de 21.09.2001).
No julgamento da ADIn n. 1.378 (MC)-ES, Relator o Ministro Celso de Mello,
o Tribunal não admitiu a destinação do produto da arrecadação das custas e
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emolumentos, assim da taxa, a instituições particulares – Associação de Magistrados e Caixa de Assistência dos Advogados. Permiti-lo 'importaria em evidente transgressão estatal ao postulado constitucional da igualdade.' (RTJ 168/95).
No Rep n. 1.296-RS, Relator o Ministro Moreira Alves, decidiu o Supremo Tribunal Federal que, 'sendo tributo, não podem as custas – como se decidiu na representação n. 1.139 – ser destinadas a entidades com personalidade jurídica de direito privado', assim a entidades de classe ('DJ' de 17.03.1989).
Na ADIn n. 2.040 (MC)-PR, Relator o Ministro Maurício Corrêa, assentou o Supremo Tribunal: '4. A vincu1ação das taxas judiciárias e dos emolumentos a entidades privadas ou mesmo a serviços públicos diversos daqueles a que tais recursos se destinam subverte a finalidade institucional do tributo.' ('DJ' de 25.02.2000). Tratava-se, ali, da destinação dos recursos de arrecadação 'para a Carteira de Previdência Complementar dos Servidores do Poder Judiciário'.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se, na verdade, em não permitir a destinação do produto da arrecadação da taxa (custas e emolumentos) a entidades de direito privado, entidades de classe, por exemplo.” (ADIn n. 1.145-PB, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 08.11.2002).
Correto, nesse sentido, o parecer do Ministério Público Federal (fls. 201/211), ao concluir "que a vedação contida no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal não se aplica à hipótese dos autos, à consideração de que a proibição ali estabelecida atinge apenas as receitas oriundas de impostos"(fls. 207/209).
4. Afirma, ademais, ocorrer bi-tributação, pelo fato de já haver incidência de imposto de renda sobre seus rendimentos. Sobre a alegação, transcrevo adequados argumentos trazidos no parecer do Ministério Público Federal:
Da mesma forma, entende-se neste parecer que não logrou a recorrente demonstrar a ocorrência de bi-tributação na hipótese dos autos, à consideração de que não se mostram idênticas as bases de cálculo do percentual de 5% instituído pela Lei Estadual n. 12.986/1996 e o imposto sobre a renda da pessoa física - IRPF.
Com efeito, o aludido percentual de 5% incide sobre a arrecadação bruta da prestação de serviços das serventias '. não-oficializadas e extrajudiciais que não utilizam as instalações e dependências do Poder Público - nos termos do inciso XI do art. 30 da referida Lei Estadual n. 12.986/1996.
À sua vez, a Lei Federal n. 7.713/1988 introduziu alterações na legislação
do imposto de renda, para adequá-lo às normas da Constituição Federal de 1988,
dispondo em seu art. 8° sobre o pagamento do imposto em comento com a seguinte
dicção:
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Art. 80 Fica sujeito ao pagamento do imposto de renda, calculado de
acordo com o disposto no art. 25 desta Lei, a pessoa física que receber de
outra pessoa física, ou de fontes situadas no exterior, rendimentos e ganhos de
capital que não tenham sido tributados na fonte, no País.
V § 10 O disposto neste artigo se aplica, também, aos emolumentos e
custas dos serventuários da justiça, como tabeliães, notários, oficiais públicos
e outros, quando não forem remunerados exclusivamente pelos cofres
públicos.
Todavia, o art. 11 do mesmo diploma legal – Lei n. 7.713/1988 – estabelece
as hipóteses de dedução para efeito de incidência do indigitado imposto de renda,
como adiante se vê:
Art. 11. Os titulares dos serviços notariais e de registro a que se refere
o art. 236 da Constituição da República, desde que mantenham escrituração
das receitas e das despesas, poderão deduzir dos emolumentos recebidos, para
efeito da incidência do imposto:
I - a remuneração paga a terceiros, desde que com vínculo empregatício,
inclusive encargos trabalhistas e previdenciários;
II - os emolumentos pagos a terceiros;
III - as despesas de custeio necessárias à manutenção dos serviços
notariais e de registro.
Cumpre destacar que os dispositivos legais sobretranscritos foram mantidos
pelo Decreto n. 3.000/1999, que regulamentou a tributação, fiscalização, arrecadação
e administração do imposto de renda na dicção de seus arts. 45, IV e 75.
Desse modo, tem-se que o imposto sobre a renda não incide sobre a renda
bruta total da recorrente, – titular de serventia não-oficializada – razão pela qual
não há falar de bi-tributação motivada pela cobrança do percentual de 5% sobre a
arrecadação bruta de seu cartório.
Por fim, entende-se neste parecer correta a decisão objurgada no ponto em que
afastou a argüição de que o percentual ora impugnado teria natureza confiscatória,
reproduzindo como razões de decidir excerto das informações prestadas pela
autoridade coatora às fls. 99/101, como se vê:
(...) Tampouco se pode classificar tal receita de confiscatória, o que,
segundo o bom-senso, ocorreria sempre que o proprietário de um bem
não pudesse pagá-lo com o rendimento normal do mesmo, nessa hipótese
equivalendo o recolhimento dos valores à subtração do bem ao patrimônio do
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contribuinte. Na prática, a impetrante continua a receber o que de direito lhe
é atribuído por lei, deduzidos os encargos de sua atribuição, por ela própria
indicados, relativos às despesas com pessoal e material. (fls. 211).
5. Pelo exposto, nego provimento ao recurso ordinário. É o voto.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 21.662-PR (2006/0059604-8)
Relator: Ministro Teori Albino ZavasckiRecorrente: João Flygare Telles - Espólio e outroRepr. por: Gil Trotta Telles - InventarianteAdvogado: Walter Borges CarneiroT. Origem: Tribunal de Justiça do Estado do ParanáImpetrado: Desembargador Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do ParanáRecorrido: Estado do ParanáProcurador: César Augusto Binder e outros
EMENTA
Recurso em mandado de segurança. Processual Civil e Constitucional. Precatório. Pagamento. Alegação de insuficiência de depósito. Competência do juiz de primeiro grau.
1. A alegação de que o pagamento de precatório não incluiu os montantes relativos a juros compensatórios e moratórios deferidos na sentença executada deve ser decidida pelo juízo da execução, consoante o art. 575 do CPC.
2. Recurso ordinário a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Denise Arruda, José Delgado e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro Relator.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília (DF), 13 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro Teori Albino Zavascki, Relator
DJ 1º.03.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Trazem os autos, originariamente, mandado de segurança impetrado por espólio de João Flygare Telles e outro, contra ato do Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que, nos autos de precatório requisitório, indeferiu o pedido de intimação do Estado do Paraná para complementação dos valores devidos relativamente aos juros moratórios e compensatórios a partir de maio de 1995, independentemente de expedição de precatório complementar.
O Tribunal de origem denegou a ordem (fls. 288/303), em acórdão assim ementado:
Direito Constitucional. Mandado de segurança. Ato do Presidente do Tribunal
de Justiça. Processamento de precatório requisitório. Atividade administrativa.
Ausência de recurso próprio para combater os atos praticados pelo Presidente do
Tribunal de Justiça. Questionamento passível pela via de mandado de segurança.
Preliminar rejeitada. Complementação do pagamento de dívida do Estado do Paraná,
derivada de ação de indenização por desapropriação indireta. Indeferimento.
Ilegalidade não demonstrada. Competência do Juízo da execução. Inteligência do
artigo 575, inciso II, do CPC. Ausência de direito líquido e certo. Ordem denegada.
1. Consoante a Súmula n. 311, do colendo Superior Tribunal de Justiça, 'os
atos do Presidente do Tribunal que disponham sobre processamento e pagamento
de precatório não têm caráter jurisdicional', razão pela qual, é cabível a impetração
do mandado de segurança para combater os atos praticados pelo Presidente do
Tribunal de Justiça, no exercício desta atividade.
2. Em virtude da função meramente administrativa do Presidente do Tribunal
no que diz respeito ao pagamento e processamento do precatório, a competência
para dirimir os incidentes ocorridos após a sua expedição é do Juízo da execução
(art. 575, inciso II, do CPC), de modo que, não há direito líquido e certo a amparar
a pretensão dos impetrantes. (fls. 288/290).
No recurso ordinário (fls. 311/322), os recorrentes alegam, em síntese, que (a) possuem "o direito líquido e certo de verem cumprida a determinação
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judicial concedida por ocasião do deferimento do precatório" (fl. 315), a qual incluía o pagamento de juros incluídos na conta; (b) o precatório foi incluído no orçamento do Estado para pagamento no exercício de 1996, entretanto veio a ser pago em duas parcelas, a primeira em 24.10.2002, correspondente "ao valor deferido atualizado até 1º.07.1995" (fl. 312), e a segunda em 23.12.2003, a qual correspondeu à atualização monetária da dívida, sem, no entanto, incluir os juros compensatórios e moratórios; (c) sendo os recorrentes credores de parcelas referentes a juros compensatórios e moratórios incidentes a partir de 1995, requereram ao Presidente do TJ-PR a intimação do devedor para complementação do pagamento insuficiente, providência que não extrapola sua atividade administrativa, não havendo necessidade, no caso, de resolução de incidente pelo juízo da execução; (d) a partir da Emenda Constitucional n. 30/2000 o Presidente do Tribunal de Justiça pode expedir determinação para pagamento de resíduos independentemente de precatório complementar, tendo em vista a nova redação do art. 78 do ADCT, a qual determina que os precatórios sejam liquidados pelo seu valor real, acrescido de juros legais; (e) "na eventualidade de o Estado do Paraná informar que o pagamento do precatório é integral, demonstrando o adimplemento das parcelas relativas aos juros, daí sim será necessário o ingresso na atividade jurisdicional, perante o juiz da causa, para discussão dos valores" (fl. 320).
Em contra-razões (fls. 332/336), o Estado do Paraná postula a integral manutenção do julgado.
O Ministério Público Federal (fls. 349/356) opina pelo desprovimento do recurso.
VOTO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): 1. Sustenta o recorrente estar incluída na competência administrativa do Presidente do Tribunal de Justiça a decisão acerca da insuficiência de depósito de valor do precatório. Postula, assim, que essa autoridade determine a intimação do Estado para complementar os depósitos realizados, porque nos pagamentos realizados não se incluíram os juros compensatórios e moratórios, deferidos no ofício requisitório.
Não merece provimento o recurso ordinário. Invoco, como razões de decidir, os fundamentos trazidos no parecer do Ministério Público Federal, de lavra do Subprocurador-Geral Dr. Wallace de Oliveira Bastos:
De fato, o Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná denegou o writ impetrado naquela Corte, consoante se pode observar do excerto do voto do relator
para o acórdão (fls: 288/303):
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(...) Assim sendo, força é reconhecer que a pretensão dos impetrantes
deve ser dirigida ao Juízo da execução, o qual, após analisar o mérito da
execução, decidirá sobre a existência de eventuais resíduos a serem pagos pelo
Estado do Paraná.
(...) Passadas as coisas dessa maneira, não sobra dúvida de que a
competência para solucionar a questão sobre o alegado não pagamento
dos juros moratórios e compensatórios, derivado de ação de indenização
por desapropriação indireta é o Juízo da execução, de modo que, na
hipótese vertente, não há direito líquido e certo a amparar a pretensão dos
impetrantes.
Em sendo assim, na esteira do pronunciamento do ilustre Subprocurador-
Geral de Justiça, é de rigor a denegação da segurança impetrada, condenando-
se os impetrantes ao pagamento das custas processuais, sem cogitação de
honorários advocatícios, consoante a Súmula n. 512, do excelso Supremo
Tribunal Federal.
Na espécie dos autos tem-se que os recorrentes objetivam a determinação do
Presidente do Tribunal de Justiça para intimar o Estado do Paraná a complementar
os depósitos realizados, visto que o montante pago pelo Estado não abrangeu os
juros moratórios e compensatórios.
De logo é devido salientar que a Emenda Constitucional n. 30/2000 introduziu
nova redação ao art. 78 do ADCT, estabelecendo que os precatórios devem ser
liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, assim
ficando o novo texto:
Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor,
os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os
seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios
pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações
iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor
real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais,
iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos
créditos.
Entretanto, determinar a intimação do Estado para complementar o pagamento
pressupõe a necessária conclusão no sentido da existência de saldo remanescente -
matéria essa afeta ao juízo de execução.
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Cumpre ressaltar que nas questões relativas à atualização do valor devido
no precatório e outros incidentes, somente o juízo da execução - no exercício de
atividade jurisdicional - é competente para decidir a controvérsia, determinando, se
necessário, a expedição de precatório complementar, salvo em se tratando de mera
inexatidão material (cf. art. 575, inciso II do Código de Processo Civil).
Neste sentido o art. 100, § 2° da Constituição Federal estabelece a competência
do Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda para requisitar o
pagamento do débito à Fazenda Pública, consoante se pode extrair da dicção do
dispositivo transcrito a seguir:
Art. 100 - à exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos
devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença
judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação
dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de
casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais
abertos para este fim.
(...) § 2°. As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão
consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do
Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo
as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e
exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o
seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.
Nesta linha de raciocínio a requisição do Presidente do Tribunal ao Poder
Público devedor para que expeça o precatório constitui decisão de natureza
eminentemente administrativa, à consideração de que os incidentes da execução já
restaram resolvidos perante o Juízo de 1º grau, competindo ao Presidente da Corte
apenas informar o montante da dívida e promover o processamento do precatório
alvitrado.
Quer isto dizer que ao Presidente do Tribunal não cabe a adoção de quaisquer
providências no sentido de atualizar os valores do crédito, ou mesmo apreciar
alegação de insuficiência do depósito efetuado, porquanto tais matérias têm
natureza jurisdicional, - ou seja, estão relacionadas à própria execução dos créditos
- a dizer que somente o Juízo da execução possui competência para decidi-las.
Dessa forma, eventual diferença de cálculo relativa à inclusão de juros
moratórios e compensatórios deveria ter sido apurada junto ao Juízo do processo de
execução, não competindo à Presidência do Tribunal a quo procedê-la, visto que sua
atividade é meramente administrativa.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Registra-se, ademais, que a jurisprudência dessa Corte pacificou entendimento
no sentido de que cabe ao Juízo da Execução solucionar incidentes ou questões
surgidas no cumprimento dos precatórios, eis que a função do Presidente do
Tribunal no processamento do requisitório de pagamento é de índole essencialmente
administrativa, não abrangendo as decisões ou recursos de natureza jurisdicional.
Processo Civil. Execução fiscal. Precatório. Competência.
1. A competência para decidir sobre a atualização de precatórios é do
juízo de primeiro grau, a menos que se cuide de simples correção de erro
material. A atividade desenvolvida pelo Presidente do Tribunal tem natureza
administrativa, não podendo ele, assim, praticar atos reservados à esfera
jurisdicional, como é a decisão sobre a atualização da conta do precatório e os
índices aplicáveis para tanto.
2. Recurso especial provido em parte. (REsp n. 51.281, Rel. Min. Castro
Meira, DJU 28.06.2004)
Previdenciário. Recurso especial. Processual Civil. Precatório
complementar. Competência.
- Divergência jurisprudencial comprovada. Inteligência do artigo 255 e
parágrafo do Regimento Interno desta Corte.
- Conforme entendimento firmado nesta Corte, “compete ao Juízo da
Execução e não ao Presidente do Tribunal de Justiça determinar a expedição
de precatório complementar, mesmo que para isso tenha de apurar diferença
concernente à suficiência do depósito” (REsp n. 331.454-SP, REsp n. 195.061-
SP, REsp n. 195.794-SP).
- Recurso conhecido e provido. (REsp n. 399.037-SP, Min. Jorge
Scartezzini, DJU de 26.04.2004).
(...). (fls. 352/355).
2. Diante do exposto, nego provimento ao recurso ordinário. É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 514.245-RJ (2003/0047676-6)
Relator: Ministro Teori Albino ZavasckiRelator para acórdão: Ministro José DelgadoRecorrente: Fazenda Nacional
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Procurador: Mônica Hlebetz Pegado e outrosRecorrido: Itacan Refrigerantes LtdaAdvogada: Lourdes Helena Moreira de Carvalho e outros
EMENTA
Tributário. Recurso especial. Imposto de Renda. Sociedade empresária. Passivo a descoberto. Inclusão da atualização monetária na base de cálculo do Imposto de Renda. Descabimento. Não-caracterização de lucro real.
1. Itacan Refrigerantes Ltda., empresa recorrida, em data de 23.03.1994, impetrou mandado de segurança contra ato do Delegado da Receita Federal no Rio de Janeiro com o objetivo de que fosse reconhecida a impossibilidade de a correção monetária do Passivo a Descoberto (prejuízos acumulados em valor excedente ao patrimônio líquido) vir a ser um dos componentes do saldo credor da correção monetária para fins de incidência do imposto de renda, pela não ocorrência do respectivo fato gerador. O Tribunal de segundo grau, no acórdão agora questionado, confirmando decisão de primeiro grau, concedeu a segurança.
2. Todavia, a pretensão formulada pela Fazenda Nacional não merece prosperar, isso porque não há norma legal que autorize a tributação do imposto de renda da empresa recorrida pelo fato de ter havido incidência de correção monetária de seu passivo a descoberto.
3. Com efeito, não é possível, por simples técnica de interpretação, transformar prejuízo em lucro. Não ocorre, em tal fenômeno, fato gerador do Imposto de Renda, nos termos do art. 43 do CTN.
4. No caso em exame, sociedade contribuinte experimentou, no ano de 1985, resultado negativo, acumulando prejuízos que ultrapassaram o valor das demais contas do seu patrimônio líquido, o que caracteriza a entidade negocial denominada "Passivo a Descoberto", ou seja, um passivo excedente dos investimentos efetuados pelos sócios na empresa (Capital e Reservas). Evidenciado, portanto, a existência de prejuízo, e não de lucro, insuscetível de caracterizar a obtenção de renda e a conseqüente tributação.
5. Recurso especial da Fazenda Nacional não-provido.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, por maioria, vencido o Sr. Ministro Relator, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto-vista do Sr. Ministro José Delgado, que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro José Delgado (voto-vista) os Srs. Ministros Denise Arruda e Francisco Falcão.
Não participou do julgamento o Sr. Ministro Luiz Fux (RISTJ, art. 162, § 2º, primeira parte).
Brasília (DF), 05 de setembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Relator para acórdão
DJ 26.10.2006
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Trata-se de recurso especial (fls. 180/188) interposto contra acórdão do TRF da 2ª Região que, em mandado de segurança objetivando o reconhecimento da "impossibilidade de a correção monetária do passivo a descoberto (prejuízos acumulados em valor excedente ao do patrimônio líquido) vir a ser um dos componentes do saldo credor da correção monetária do balanço para fins de incidência do imposto de renda", negou provimento à apelação e à remessa oficial, decidindo que, nos termos do art. 43 do CTN, o fato gerador do IR é a disponibilidade econômica ou jurídica de rendimento, sendo inviável sua incidência sobre a correção monetária de prejuízo excedente ao valor do patrimônio líquido, por não representar rendimento disponível, e por possibilitar "uma maior cobrança do imposto, quanto maior seja o prejuízo da empresa" (fl. 158). Foram rejeitados os embargos opostos pela Fazenda com o fito de obter manifestação da Corte a quo sobre dispositivos da Lei n. 6.404/1976 e do DL n. 1.598/1977 (fls. 172/173).
No especial, fundado na alínea a, a Fazenda aponta ofensa aos artigos (a) 535 do CPC, vez que "o aresto que decidiu os embargos não supriu a omissão" (fl. 185); (b) 185, § 1º, b, da Lei n. 6.404/1976, que "determina a correção monetária de todas as contas do patrimônio líquido"; (c) 185, § 2º, da Lei n. 6.404/1976, segundo o qual "a variação nas contas do patrimônio líquido, decorrente de correção monetária, será acrescida aos respectivos saldos"; (c) 178, § 2º, d, da Lei n. 6.404/1976, tendo em vista que "os prejuízos acumulados (...) integram o patrimônio líquido da empresa, sujeitando-se, assim, à incidência da correção monetária de balanço"; (d) 39, I, b, do DL n. 1.598/1977, "que determina que na
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ocasião da elaboração do balanço patrimonial seja feita a correção monetária do patrimônio líquido" (fl. 187).
A recorrida, em contra-razões (fls. 212/218), sustenta (a) não ter havido debate sobre os temas insertos nos dispositivos apontados como violados; (b) ter a decisão recorrida se limitado a aplicar a norma do art. 43 do CTN, fundamento não atacado nas razões do especial, o que atrai a aplicação da Súmula n. 283-STF. No mérito, pede a manutenção do julgado.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): 1. Sem razão a recorrida quanto às preliminares suscitadas. É que o acórdão a quo, ao decidir pela impossibilidade de tributação pelo imposto de renda do valor correspondente à correção monetária do chamado "passivo a descoberto", emitiu, implicitamente, juízo sobre as normas invocadas no especial, disciplinadoras da sistemática de obtenção do lucro tributável, e, mais especificamente, da atualização monetária de algumas das contas contábeis que o compõem – as quais se têm, assim, por prequestionadas. De outra parte, a questão relacionada à aplicação de tais dispositivos está diretamente vinculada à exegese do art. 43 do CTN, uma vez que os dispositivos invocados regulam o cálculo da renda configuradora do fato gerador do imposto, não havendo falar, com isso, em fundamento suficiente inatacado pelo recurso.
É de ser conhecido, assim, o especial.
2. Esta assentado na jurisprudência do Supremo Tribunal o entendimento de que não há um conceito ontológico (= pertencente ao mundo dos fatos) de lucro tributável, mas apenas um conceito jurídico-formal, obtido pelo ajuste do resultado do exercício segundo as prescrições (adições, deduções e exclusões) taxativamente estabelecidas em preceitos normativos. Assim, no RE n. 201.465-6-MG, Pleno, Redator para o acórdão Min. Nelson Jobim, DJ de 17.10.2003, apreciando a questão da constitucionalidade do art. 3º, I, da Lei n. 8.200/1991 — que determinava o parcelamento em quatro exercícios da dedução do lucro real, para fins de incidência de imposto de renda, da parcela da correção monetária das demonstrações financeiras, relativa ao período-base de 1990, correspondente à diferença verificada no ano de 1990 entre a variação do IPC e do BTN Fiscal —, decidiu aquela Corte pela legitimidade dessa norma, e o fez justamente em razão do entendimento acima referido. É ilustrativo e didático, nesse sentido, o voto condutor do referido precedente, quando examina o tratamento legal dos efeitos da inflação sobre as demonstrações contábeis das pessoas jurídicas:
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
5.1. A sistemática da Lei n. 7.799, 10.07.1989
Para sua compreensão, é necessário conhecer os procedimentos da Lei
n. 7.799/1989.
Refiro-me aos procedimentos para a determinação do lucro real das
empresas com a correção monetária das demonstrações financeiras.
A lei estabelecia que as empresas deveria corrigir as contas do Ativo
Permanente e do Patrimônio Líquido [Lei n. 7.799, 10.07.1989, art. 4º].
(...)
Basicamente, o esquema funcionava da seguinte maneira:
(1) Suponha-se que um empresário constituísse uma empresa com um
capital disponível de 150 unidades monetárias (R$ 150,00), dividido da seguinte
forma:
a) $100 em bens de capital, necessários ao empreendimento;
b) $50 em capital de giro (caixa/bancos).
O balanço de abertura dessa empresa seria, então, assim demonstrado:
Ativo
Caixa/bancos 50
Permanente 100 150
Patrimônio líquido
Capital próprio 150
(2) Suponha-se que, até o final do ano, a empresa não houvesse feito nenhuma
operação, e que a moeda, no período, tivesse perdido poder de compra na ordem
de 20%.
Fazendo a correção, ter-se-ia:
Ativo permanente
Valor original: $100
Correção (20%): $ 20 (ganho inflacionário)
Capital próprio:
Valor original: $150
Correção (20%): $ 30 (perda inflacionária)
Esses resultados eram lançados em uma conta (Lei n. 7.799/1989, art.
4º, II) denominada:
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Conta especial de correção monetária
Receita $20
Despesa $30
Resultado ($10)
(3) Nessa hipótese, ter-se-ia um saldo negativo de $10.
Esse saldo negativo se constituía em uma despesa — encargo do
período-base — dedutível na declaração do imposto de renda (Lei n. 7.799/1989,
art. 4º, III).
(4) Se, ao contrário, o ganho inflacionário fosse maior que a despesa
inflacionária — situação que ocorre quando o capital próprio for inferior ao
ativo permanente —, a diferença positiva se constituiria em uma receita e seria
computada no lucro real, com opção, pelo contribuinte, para diferir a tributação (Lei
n. 7.799/1989, art. 4º, IV, e art. 20).
O procedimento fazia sentido.
Corrigia-se o ativo permanente.
Ou seja, apurava-se o valor corrente desse ativo diante da inflação do
período.
O resultado representava um 'ganho inflacionário', pois o valor desse
ativo era atualizado.
De outra parte, corrigia-se o capital próprio.
Nesse caso, verificava-se a perda de capacidade de compra que esse
capital sofrera com a inflação.
Do ganho inflacionário deduzia-se a perda e tinha-se o resultado da
conta especial de correção.
Se o resultado fosse negativo, se constituía em um encargo dedutível.
Se positivo, em uma renda.
Tudo dependeria do resultado contábil da conta especial.
Assim era tratada a inflação quanto à declaração de renda das
empresas.
Evidencia-se, do exposto, que a consideração dos efeitos da inflação sobre as demonstrações contábeis, mediante sua atualização monetária, realizada nos termos da legislação e destacada em conta de natureza não-operacional, pode tanto aumentar quanto reduzir o lucro tributável.
72
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A legitimidade dessa sistemática — cujo objetivo era o de "expressar, em valores reais, os elementos patrimoniais e a base de cálculo do imposto de renda de cada período-base" (Lei n. 7.799/1989, art. 3º, caput) — frente aos conceitos de renda e de lucro da legislação infraconstitucional, foi reconhecida pelo STF no mesmo julgado, como se constata no seguintes trechos do voto do redator para o acórdão:
O CTN conceitua a renda como o
produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos.
A partir dessa conceituação, o CTN passa a prever, no artigo subseqüente (art.
44), três modalidades de base de cálculo do IR:
a) o montante real;
b) o montante arbitrado;
c) o montante presumido da renda ou dos proventos tributáveis.
(...)
A legislação ordinária, no lugar da expressão constitucional renda, passou a
utilizar, para uma das modalidades de base de cálculo, a expressão lucro real.
Observo que a adjetivação real é obra da legislação infraconstitucional
ordinária.
Não está na Constituição, nem na lei complementar - CTN.
A definição de lucro real está no DL n. 1.598, de 26.12.1977, como
Art. 6º ...o lucro líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou
compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária.
(...)
Por sua vez, o lucro líquido do exercício é definido como
Art. 6º(...)
§ 1º ...a soma algébrica do lucro operacional (art. 11), dos resultados não-
operacionais, do saldo da conta de correção monetária (art. 51) e das participações,
e deverá ser determinado com observância dos preceitos da lei comercial.
(...)
Após essas definições, o DL arrola os itens que devem ser adicionados e
excluídos do lucro líquido do exercício, para se chegar, enfim, ao lucro real tributável
(DL n. 1.598/1977, art. 6º, §§ 2º a 7º).
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
A técnica legal para a determinação do lucro real tributável é a da enumeração taxativa (a) dos elementos que compõem o lucro líquido do exercício e (b) dos itens que deve ser, a este, adicionados e abatidos.
(...)
Por tudo isso, constata-se que o balanço fiscal apura lucro diferente daquele apresentado pela contabilidade.
(...)
Vê-se, desde logo, que o conceito de lucro real tributável é puramente legal e decorrente exclusivamente da lei, que adota a técnica da enumeração taxativa.
(...)
Não é um conceito ontológico, como se existisse, nos fatos, uma entidade concreta denominada de lucro real.
(...)
O conceito de renda, para fins tributários, é o legal.
(...)
Para efeitos tributários, não há que se falar em um lucro real que não seja o decorrente da definição legal.
O equívoco da sentença e do acórdão está exatamente nesse ponto.
Pretendem que a inflação efetiva deva ser, em qualquer hipótese e mesmo sem permissão legal, objeto de dedução para apuração do lucro real.
(...)
É claro que a fixação, pela lei, do lucro tributável, decorrente de adições e deduções incidentes sobre o lucro do exercício, está sujeita a juízo de proporcionalidade.
O critério de proporcionalidade é a limitação do poder discricionário da lei utilizável pelo Poder Judiciário.
3. Considerando, assim, que o conceito de lucro tributável é dado pelo ajuste do resultado do exercício segundo as prescrições taxativas da legislação, e que, até a edição da Lei n. 9.249, de 26.12.1995, havia expressa determinação para a dedução (Decreto-Lei n. 1.598/1977, art. 39, III, e Lei n. 7.799/1989, art. 4º, III) ou adição (Decreto-Lei n. 1.598/1977, art. 39, IV, e Lei n. 7.799/1989, art. 4º, IV), conforme devedor ou credor, do saldo da conta especial de correção monetária do lucro real, não há como - a não ser mediante a declaração de inconstitucionalidade dos referidos preceitos normativos - excluir da base de incidência do imposto de renda o valor correspondente ao chamado "lucro
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
inflacionário", vale dizer, o saldo positivo da conta especial que consolida a atualização monetária das diversas contas contábeis de receitas e de despesas.
4. Não parece evidenciado que, ao disciplinar a matéria, o legislador ordinário tenha ultrapassado os limites da razoabilidade ou da proporcionalidade (o que, se fosse o caso, propiciaria, conforme admite a decisão do STF, o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma). É que também a doutrina especializada, demonstrando com exemplo numérico a identidade entre os resultados obtidos pelo método da correção monetária de cada rubrica e pelo método do cômputo em conta especial de correção monetária, conclui que, sob o ponto de vista econômico-financeiro, "é evidente que o lucro inflacionário não é mero ajuste contábil, representativo de um lucro em potencial, mas sim ganho efetivo, perfeitamente enquadrável como receita, segundo os princípios de contabilidade geralmente aceitos, e incorrida, de acordo com o regime de competência" (Yuichi Tsukamoto e João Francisco Bianco, O Lucro Inflacionário e a Correção Monetária Integral das Demonstrações Financeiras, in Revista de Direito Mercantil, n. 72, out/dez de 1988. p. 63). Vale reproduzir a argumentação desenvolvida pelos autores sobre a natureza da atualização monetária das demonstrações contábeis:
(...) O extraordinário na comparação entre os dois métodos é que os lucros líquidos apurados segundo diferentes critérios são rigorosamente iguais. A explicação para esse fenômeno passa pela análise da natureza do saldo da conta de correção monetária.
Uma das premissas adotadas no nosso exemplo foi de que a empresa, na data de sua constituição, adquiriu um imóvel para pagamento de metade do seu valor após um ano, sem atualização monetária. Em cruzados, a empresa iniciou o exercício com um exigível de Cz$ 1.000,00 e, ao final, devia os mesmos Cz$ 1.000,00. Quando analisamos os demonstrativos em dólares, entretanto, verificamos que, no início, o exigível da empresa era de US$ 1,000.00, mas, no final do exercício, a empresa devia apenas US$ 350.00.
Essa redução do exigível é plenamente justificada pelo fato de o passivo da empresa ter ficado exposto aos efeitos inflacionários. Corresponde a um efetivo 'perdão parcial' da dívida por parte do credor, que concorda em receber apenas parte do seu crédito após um ano sem correção monetária.
Ora, é princípio de contabilidade geralmente aceito que redução de exigível é receita. Pelo sistema de correção monetária do balanço da Lei n. 6.404/1976, os ganhos com os passivos expostos à inflação, bem como as perdas com os ativos também expostos aos efeitos inflacionários, são reconhecidos no saldo da conta de correção monetária. (...)
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
(...)
Está claro, portanto, que o saldo de correção monetária, muito embora calculado a partir da diferença entre o ativo permanente e o patrimônio líquido, não guarda qualquer relação com esses dois grupos de contas. A Lei n. 6.404/1976 preferiu adotar um método simplificado de correção monetária do balanço para atingir o mesmo objetivo evidenciado no sistema de correção integral da CVM. Tanto que os lucros apurados segundo os dois critérios são iguais.
De semelhante teor é a exposição de Bulhões Pedreira, citado por Oscar Alberto Mezzaroba Tomazoni:
O procedimento regulado pelo Dec-Lei n. 1.598/1977 adota o princípio de corrigir, em cada balanço, a expressão monetária do valor histórico dos elementos estáveis do patrimônio — ativo permanente e patrimônio líquido — que são os que sofrem maiores distorções no curso da inflação (porque não estão sujeitos a contínua substituição, como ocorre com os elementos do ativo e do passivo circulante). As contrapartidas dos lançamentos de ajuste das contas do ativo permanente e do patrimônio líquido são registradas em conta especial transitória, cujo saldo é computado na determinação do lucro líquido do exercício.
(...)
A correção dos efeitos da inflação sobre os resultados da pessoa jurídica é obtida através da transferência, para as contas de resultado, do saldo da conta especial transitória na qual são registradas as contrapartidas dos lançamentos de correção do ativo permanente e do patrimônio líquido. O saldo devedor dessa conta elimina das contas de resultado lucros contábeis que são fictícios, porque têm a função de manter — em moeda de poder de compra constante — o capital de giro próprio da pessoa jurídica. O saldo credor compensa, nas contas de resultado, a atualização da expressão monetária do capital de terceiros que financia parte do ativo permanente, ou registra lucro inflacionário, se a pessoa jurídica financia o ativo permanente com capital de terceiros cuja atualização é inferior à variação no índice aplicável na correção do ativo permanente. (Direito Tributário Atual, Coord. James Marins e Gláucia Vieira Marins, 1ª edição, Curitiba: Juruá, 2003, p. 486)
E, entre as contas cujo valor histórico deveria ser corrigido, integrando a conta especial de correção monetária, estavam aquelas integrantes do patrimônio líquido, arroladas no art. 178, § 2º, d, da Lei n. 6.404/1976, por força do art. 185 da mesma Lei (revogado pela Lei n. 7.730, de 31.01.1989), abaixo transcrito:
Art. 185. Nas demonstrações financeiras deverão ser considerados os efeitos
da modificação no poder de compra da moeda nacional sobre o valor dos elementos
do patrimônio e os resultados do exercício.
76
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
§ 1º Serão corrigidos, com base nos índices de desvalorização da moeda
nacional reconhecidos pelas autoridades federais:
a) o custo de aquisição dos elementos do ativo permanente, inclusive os
recursos aplicados no ativo diferido, os saldos das contas de depreciação, amortização
e exaustão, e as provisões para perdas;
b) os saldos das contas do patrimônio líquido.
§ 2º A variação nas contas do patrimônio líquido, decorrente de correção
monetária, será acrescida aos respectivos saldos, com exceção da correção do capital
realizado, que constituirá a reserva de capital de que trata o § 2º do artigo 182.
§ 3º As contrapartidas dos ajustes de correção monetária serão registradas em
conta cujo saldo será computado no resultado do exercício.
A norma constava igualmente do Decreto-Lei n. 1.598/1977, art. 39, e da Lei n. 7.799/1989, art. 4º (revogada pela Lei n. 9.249, de 26.12.1995).
Sendo assim, não pode ser acolhida a pretensão de exclusão da incidência de imposto de renda sobre a correção monetária da parcela dos prejuízos acumulados que excede o valor positivo do patrimônio líquido. O afastamento da tributação somente seria viável, reitere-se, mediante a declaração da inconstitucionalidade dos dispositivos legais mencionados.
5. Cabe registrar, por fim, que, com o advento da Lei n. 9.249/1995, foi “revogada a correção monetária das demonstrações financeiras de que tratam a Lei n. 7.799, de 10 de julho de 1989, e o art. 1º da Lei n. 8.200, de 28 de junho de 1991" (art. 4º, caput) e "vedada a utilização de qualquer sistema de correção monetária de demonstrações financeiras, inclusive para fins societários" (art. 4º, parágrafo único), permanecendo em vigor apenas "as normas aplicáveis às contrapartidas de variações monetárias dos direitos de crédito e das obrigações do contribuinte em função da taxa de câmbio ou de índices ou coeficientes aplicáveis por disposição legal ou contratual" (art. 8º). O art. 7º da citada Lei determinou que "o saldo do lucro inflacionário acumulado, remanescente em 31 de dezembro de 1995, corrigido monetariamente até essa data, será realizado de acordo com as regras da legislação então vigente” (arts. 20 e seguintes da Lei n. 7.799/1989), não mais subsistindo, relativamente aos exercícios futuros, a conta especial de correção monetária cujo saldo credor correspondia ao chamado lucro inflacionário.
6. Pelas razões expostas, dou provimento ao recurso especial, para denegar a segurança. É o voto.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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VOTO-VISTA (VENCEDOR)
O Sr. Ministro José Delgado: A empresa recorrida, em data de 23.03.1994, impetrou mandado de segurança contra ato do Delegado da Receita Federal no Rio de Janeiro com o objetivo de que fosse reconhecida a impossibilidade de a correção monetária do Passivo a Descoberto (prejuízos acumulados em valor excedente ao patrimônio líquido) vir a ser um dos componentes do saldo credor da correção monetária para fins de incidência do imposto de renda, pela não ocorrência do respectivo fato gerador.
O Tribunal de segundo grau, no acórdão agora questionado, confirmando decisão de primeiro grau, concedeu a segurança.
Os fundamentos do acórdão recorrido estão desenvolvidos nos termos seguintes (fls. 157/158):
Conforme se depreende da leitura dos autos, trata-se da hipótese em que a
correção monetária é exigida do passivo a descoberto adicionando-se ao lucro real
para fins de incidência do imposto de renda.
A correção monetária das demonstrações financeiras devem refletir os
elementos patrimoniais e a base de cálculo do tributo em valores reais, sem deixar
que alterações inflacionárias descaracterizem seus resultados, em face de uma
tributação realista.
O passivo a descoberto demonstra a iliquidez patrimonial da empresa e, sendo
assim, não pode ser objeto de correção monetária, como se fosse um fator integrante
do patrimônio líquido, até porque acarretará um saldo negativo de correção
monetária, que reduzirá o lucro tributário, sendo certo que débitos não podem ser
objeto de incidência de imposto de renda, tendo em vista a inocorrência do fato
gerador do tributo nos termos do art. 43 do CTN.
Segundo o referido artigo do Código Tributário Nacional o fato gerador do
tributo é a disponibilidade econômica ou jurídica de rendimento, desta forma
conclui-se pela impossibilidade da incidência do imposto de renda sobre a correção
monetária do prejuízo que exceda o valor do patrimônio líquido, eis que não pode
ser confundido com rendimento disponível.
Neste sentido já se pronunciou este E. Tribunal, conforme se observa do
acórdão colacionado pelo próprio impetrante, à fl. 88, quando do julgamento da
AMS n. 89.02.11869-0, publicado em 27.08.1991, em que foi relator o Eminente
Desembargador Federal Frederico Gueiros e que está assim ementado:
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I – Tributário. Societário. Sociedade comercial. Correção monetária
do passivo a descoberto. Parecer CST n. 1.724/1985, da Receita Federal. A
correção monetária do passivo a descoberto não deve ser adicionada ao lucro
real, para fins de incidência do imposto de renda.
II- Apelação provida.
Em virtude destas considerações não se pode admitir a soma de um prejuízo
à base de cálculo do Imposto de Renda, possibilitando uma maior cobrança do
imposto, quanto maior seja o prejuízo da empresa.
Isto posto, nego provimento à apelação e à remessa oficial.
A recorrente, na pretensão de modificar o referido entendimento, alega (fls. 169/170):
Ao entender pela não-inclusão da correção monetária do passivo a descoberto
no saldo credor da correção monetária de balanço para fins de cobrança do
IRPJ e do PIS/dedução, o v. acórdão embargado afastou a aplicação das leis que
disciplinam o tratamento tributário da correção monetária, Lei n. 6.404/1976 e DL
n. 1.598/1977, sem que tais diplomas tenham sido declarados inconstitucionais.
Com efeito, o art. 185, § lº, b, da Lei n. 6.404/1976 determina a correção
monetária dos saldos das contas do patrimônio líquido. Por sua vez, o art. 178, § 2°,
d, dessa mesma lei discrimina como parcela componente do patrimônio líquido os
prejuízos acumulados.
Já o art. 39, I, b, do DL n. 1.598/1977 determina que na ocasião da elaboração
do balanço patrimonial seja feita a correção monetária do patrimônio líquido.
Desta forma, evidencia-se que a correção monetária de todas as contas
que compõem o patrimônio líquido de uma empresa tem previsão legal, estando
embasada na Lei n. 6.404/1976 e no DL n. 1.598/1977, que não podem ter a sua
vigência negada sem que tenham sido declarados inconstitucionais.
Assim, tem os presentes embargos o objetivo de suprir a omissão do v. acórdão
acerca da negativa de vigência aos citados dispositivos da Lei n. 6.404/1976 e do
DL n. 1.598/1977 e requerer, caso Vs. Exas. entendam pela inconstitucionalidade
dos referidos diplomas legais, que remetam o feito para julgamento do Plenário, na
forma do art. 170 do Regimento Interno deste Tribunal.
Tenho que o presente recurso especial não merece ser provido.
Não há lógica jurídica para que seja exigido da impetrante, ora recorrida, tributação do imposto de renda pelo fato de ter havido incidência de correção monetária de seu passivo a descoberto.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
O passivo a descoberto está comprovado nos autos e não sofreu impugnação do fisco. O balanço, portanto, é autêntico.
O entendimento da fiscalização tributária não está acobertado por nenhum dispositivo legal.
Não é possível, por técnica de interpretação, transformar prejuízo em lucro. Não ocorre, em tal fenômeno, fato gerador do Imposto de Renda, nos termos do art. 43 do CTN.
Na espécie examinada, têm-se como certo que a empresa experimentou, no ano de 1985, resultado negativo, acumulando prejuízos que ultrapassaram o valor das demais contas do seu patrimônio líquido, o que caracteriza a entidade negocial denominada "Passivo a Descoberto", ou seja, um passivo excedente dos investimentos efetuados pelos sócios na empresa (Capital e Reservas).
Inexiste qualquer determinação legal fazendo incidir Imposto de Renda sobre os valores de correção monetária do prejuízo excedente do valor do patrimônio líquido da empresa.
Estão coerentes com o princípio da legalidade as razões desenvolvidas pela impetrante às fls. 06/12:
13. Dizia o Regulamento do Imposto de Renda, Decreto n. 85.450/1980, que:
Art. 347 - Os efeitos da modificação do poder de compra da moeda
nacional sobre o valor dos elementos do patrimônio e os resultados do
exercício serão computados na determinação do lucro real através dos
seguintes procedimentos (DL n. 1.598/1977 - art. 39):
I - correção monetária, na ocasião da elaboração do balanço
patrimonial:
a) das contas do ativo permanente e respectiva depreciação, amortização
ou exaustão, e das provisões para atender a perdas prováveis na realização do
valor de investimentos;
b) do patrimônio líquido;
II - registro, em conta especial, das contrapartidas dos ajustes de correção
monetária de que trata o inciso I;
III - dedução, como encargo do exercício, do saldo da conta de que trata
o inciso II, se devedor;
IV - cômputo no lucro real, observado o disposto na Seção IV deste
Capítulo, do saldo da conta de que trata o inciso II, se credor.
14. Vale isto dizer que devem ser corrigidas as contas do Ativo Permanente e
de uma parte do Passivo, o Patrimônio Líquido, que a Lei n. 6.404/1976 diz dividir-
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
se em Capital Social, Reservas de Capital, de Reavaliação e de Lucros (Lucros ou
Prejuízos Acumulados). Em seguida, comparar-se-á a correção do Ativo com a
do Passivo e, caso a primeira seja superior à segunda (saldo credor da correção
monetária), este saldo afetará o resultado da empresa, aumentando-lhe o lucro
tributável pelo imposto de renda (lucro inflacionário). Se o saldo for devedor, ou
seja, se a correção do Passivo ultrapassar a do Ativo, o seu valor diminuirá o lucro
real, a base de cálculo do imposto de renda, como encargo do exercício.
15. Diz o acórdão do 1º Conselho de Contribuintes, objeto da autuação, que:
IRPJ. CMB. PL Negativo. Mesmo nos casos de passivo a descoberto, o
saldo da conta de prejuízos acumulados deve ser integralmente corrigido.
16. E com base em tal argumento, deu provimento ao auto de infração, que
assim se posicionara:
Por outro lado, não foi feita a correção plena do passivo a descoberto,
causando menor saldo credor da correção monetária, já que considerada apenas
a variação sobre os valores do “capital” e da “reserva de capital”, sem levar em
conta- a existência de patrimônio líquido negativo. (Grifamos).
17. Cumpre, portanto, notarmos que a infração que se argüi contra a Impetrante
é a de não ter levado em conta a correção monetária do patrimônio líquido negativo
para fins de acréscimo ao saldo credor da correção monetária de balanço. Isto é,
quer a autoridade impetrada que o prejuízo excedente do valor do patrimônio
líquido gere uma correção monetária ativa (credora), sobre a qual está cobrando a
incidência do imposto de renda! Isto é, o prejuízo passa a ser base de incidência do
imposto de renda!
18. Exemplificativamente, é assim que raciocina, algebricamente, a autoridade
coatora:
CORREÇÃO DO ATIVO PERMANENTE
(CONTA CREDORA +)
CORREÇÃO DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO
DA EMPRESA (PASSIVO)
(CONTA DEVEDORA -)
CR$ CR$
Investimentos relevantes + 80,00 Capital - 80,00
Bens utilizados em caráter
permanente + 20,00 Reservas - 20,00
Prejuízos acumulados - 100,00
+ 120,00
Resultado + 100,00 + 20,00
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
- Saldo credor da correção monetária sujeito à tributação sobre o lucro: 100,00
+ 20,00 = 120,00
- Patrimônio líquido negativo, ou passivo a descoberto =
+ 20,00, ou seja, o débito excedeu de 20,00 o patrimônio líquido da
empresa.
- Como, algebricamente, duas parcelas positivas somam-se, o saldo credor da
correção monetária será 100,00 + 20,00 = 120,00.
Este saldo, dito credor, irá refletir-se na conta de resultado, o que significa que
empresa deficitária passa a pagar imposto de renda, sobre a correção monetária do
seu prejuízo acumulado.
19. Vê-se, no exemplo acima, que pelo entendimento fiscal, quanto mais
deficitária for a empresa, maior será a base de incidência do imposto de renda.
20. A legislação citada pela autoridade impetrada como embasadora de sua
ação (os arts. 39 do DL n. 1.598/1977 e 185 da Lei n. 6.404/1976) não é procedente,
pois refere-se à obrigatoriedade da correção, mas não determina (nem poderia fazê-
lo), que, em função de mera operação algébrica, venha a incidir imposto de renda
sobre correção monetária do prejuízo.
21. Estamos diante de situação obviamente absurda e conflitante com a
definição legal do fato gerador do tributo.
22. Realmente, diz o art. 43 do Código Tributário Nacional que o fato gerador
do imposto de renda é “a disponibilidade econômica ou jurídica de renda, assim
entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos.”
23. Prejuízo, portanto, não poderá, jamais e em hipótese alguma, gerar
obrigação de pagamento do imposto de renda. Por este motivo, que nos parece de
clareza meridiana, o saldo credor da correção monetária, que irá formar o lucro real,
sobre o qual incidirá o imposto de renda, não pode conter parcela correspondente
à correção monetária do Passivo a Descoberto, ou seja, do prejuízo acumulado
excedente dos valores positivos do Patrimônio Líquido.
24. O que a legislação do imposto de renda manda corrigir é o patrimônio
líquido das empresas. Na hipótese em que o prejuízo acumulado supere o somatório
das parcelas integrantes deste patrimônio, a empresa deixa de ter liquidez, ou seja,
na verdade, passa a não possuir patrimônio líquido, sendo uma aberração técnica e
conceitual a denominação correntemente utilizada de “patrimônio líquido negativo”.
Na verdade, a negação do patrimônio líquido equivale à sua inexistência.
25. Conceitualmente, portanto, o que existe é um Passivo a Descoberto, que
demonstra a iliquidez patrimonial da empresa, iliquidez esta que não pode ser
82
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
objeto de correção monetária, como se fora um dado componente do Patrimônio
Líquido. Muito menos pode, ainda, a sua correção servir de base para a incidência
do imposto de renda. O raciocínio adotado pelo Fisco leva à absurda conclusão de
que quanto maior o prejuízo acumulado, maior será também o lucro tributável, ou
seja: maior o prejuízo, maior o imposto de renda (SIC!) a ser pago.
26. O Parecer CST n. 1.094/1983 (depois modificado pelo Parecer CST n.
1.724/1985 (cópias em anexo) no qual se baseia a decisão administrativa sob
discussão), muito claramente havia compreendido a problemática acima exposta,
demonstrando que, se os prejuízos excederem o valor do Patrimônio Líquido,
gerando um Passivo a Descoberto, terão sido consumidos os recursos colocados
pelos sócios na empresa (capital e reservas de capital e/ou lucros). A empresa torna-
se, então, devedora (deficitária) e os recursos que nela permanecem são (...) no
Passivo Exigível, ou seja, recursos que a empresa deve a terceiros.
27. Melhor poderia esclarecer a matéria citação que, da obra de Nilton
Latorraca, “Comentários à Lei de Sociedades Anônimas - Lei n. 6.404/1976” - 6º
Volume, Ed. Saraiva S.A., p. 25/26, se faz no mesmo Parecer n. 1.094/1983 acima
referido:
O conceito contábil de patrimônio líquido
No Ativo temos, portanto, os direitos da companhia aos se acrescentam
as disponibilidades e os gastos aquais amortizar. No passivo, temos as
obrigações.
A diferença entre o ativo e o passivo exigível corresponde ao patrimônio
líquido onde se registram os recursos com que os sócios contribuíram para a
formação do capital social, assim como os resultados gerados pela aplicação
desse capital nas atividades que constituem o objeto social.
O conceito de patrimônio corresponde portanto ao conjunto de bens,
direitos e obrigações.
(...)
Da mesma forma que o acréscimo, a redução patrimonial será
conseqüência da devolução de capital, da distribuição de lucros ou dividendos,
ou ocorrerá em virtude dos prejuízos demonstrados na conta de lucros e
perdas.
(...)
As contas do ativo demonstram, portanto, como e onde explicados
os recursos próprios ou de terceiros. A origem dos recursos de terceiros é
demonstrada no passivo exigível (são os saldos dos empréstimos pendentes
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
de pagamento, e de outras obrigações). A origem dos recursos próprios, pelas
contas do patrimônio líquido, a saber:
- capital, representando os recursos conferidos à empresa pelos seus sócios ou acionistas;
- lucros e reservas de lucros, representando os recursos oriundos do resultado das operações sociais;
- reservas de capital, representando recursos oriundos da subscrição de valores mobiliários de emissão da companhia, e de atos gratuitos.
28. Parece à Impetrante claramente demonstrado, portanto, que o chamado Passivo a Descoberto, ou seja, o prejuízo acumulado excedente do valor do Patrimônio Líquido, não constitui renda disponível do contribuinte pessoa jurídica e, sendo assim, não pode ser causa de incidência de imposto de renda, sob pena de sério ferimento ao princípio da estrita legalidade do direito tributário, além de grave ofensa à lógica e ao bom senso.
29. A egrégia 1ª Turma do TRF da 2ª Região, inclusive, já se manifestou sobre o assunto na AMS n. 89.02.11869-0-RJ, cujo acórdão, transitado em julgado, cuja certidão vai em anexo, tem ementa que reza:
Ementa
I – Tributário. Societário. Sociedade comercial. Correção monetária *p1853xdo passivo a descoberto. Parecer CST n. 1.724/1985, da Receita Federal. A correção monetária do passivo a descoberto não deve ser adicionada ao lucro real, para fins de incidência do imposto de renda.
II - Apelação provida.
30. O voto vencedor, de S. Exa. o Desembargador Federal Frederico Gueiros, bem compreendeu a matéria, assim enfatizando:
O parecer CST n. 1.724/1985 determina que a correção monetária do prejuízo a descoberto seja somada ao saldo credor da correção monetária de balanço, configurando, assim, lucro inflacionário tributário, o que significa que sobre a correção monetária do prejuízo, será cobrado imposto de renda. E tanto maior será esta incidência quanto mais deficitária for a empresa.
Para concluir que:
(...)
ou econômica de rendimento. Não se pode, portanto, data venia, aceitar-se qualquer procedimento que resulte na adição de um prejuízo à sua base de cálculo, que possibilite a cobrança de tanto mais imposto, quanto maior seja o prejuízo da empresa.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
31. Isto, na verdade, o que persegue a Impetrante: que não se lhe possa
exigir que a correção monetária do passivo a descoberto venha a ser adicionada ao
lucro real para fins de incidência do imposto de renda, como exige o ato coator ora
impugnado.
É de se atentar para o fato de que a Lei n. 6.404/1976, em seu art. 185, § 1º, b e § 2º e 178, § 2º, cuida da correção monetária dos saldos das contas do patrimônio líquido.
Os mencionados dispositivos refletem as regras seguintes (fls. 186/187):
Art. 185. Nas demonstrações financeiras deverão ser considerados os efeitos
da modificação no poder de compra da moeda nacional sobre o valor dos elementos
do patrimônio e os resultados do exercício.
§ lº - Serão corrigidos, com base nos índices de desvalorização da moeda
nacional reconhecidos pelas autoridades federais:
a) o custo de aquisição dos elementos do ativo permanente, inclusive os
recursos aplicados no ativo diferido, os saldos das contas de depreciação, amortização
e exaustão, e as provisões para perdas;
b) os saldos das contas do patrimônio líquido.
§ 2° - A variação nas contas do patrimônio líquido, decorrente de correção
monetária, será acrescida aos respectivos saldos, com exceção da correção do capital
realizado, que constituirá a reserva de capital de que trata o § 2° do artigo 182.
Art. 178. No balanço, as contas serão classificadas segundo os elementos
do patrimônio que registrem, e agrupadas de modo a facilitar o conhecimento e a
análise da situação financeira da companhia.
§ 1º - (...)
§ 2° - No passivo, as contas serão classificadas nos seguintes grupos:
a) passivo circulante;
b) passivo exigível a longo prazo;
c) resultados de exercícios futuros;
d) patrimônio líquido, dividido em capital social, reservas de capital, reservas
de reavaliação, reservas de lucros e lucros ou prejuízos acumulados.
O passivo a descoberto ou patrimônio líquido negativo não foi considerado pela legislação acima referida. Correto o legislador ao assim se posicionar, haja vista que patrimônio líquido negativo é sinônimo de prejuízo, não sendo, portanto, fato gerador do imposto de renda.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
Isso posto, com o meu pedido de vênia ao relator, nego provimento ao recurso da Fazenda Nacional.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 696.470-RS (2004/0150012-9)
Relatora: Ministra Denise Arruda
Recorrente: Carrefour Comércio e Indústria Ltda
Advogado: Marina Machado Maestri e outros
Recorrido: Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade
Industrial - Inmetro
Advogado: Marcelo Silveira Martins
EMENTA
Administrativo. Recurso especial. Ação visando à anulação de auto de infração. Ausência de lacre de aferição do Inmetro em instrumento de medição (balança) utilizado em estabelecimento comercial. Resolução n. 11/1988 do Conmetro e Portaria n. 63/1944 do extinto MTIC. Fundamento na Lei n. 5.966/1973.
1. A Lei n. 5.966/1973 instituiu, em seu art. 1º, o Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, "com a finalidade de formular e executar a política nacional de metrologia, normalização industrial e certificação de qualidade de produtos industriais. Parágrafo único: Integrarão o Sistema de entidades públicas ou privadas que exerçam atividades relacionadas com metrologia, normalização industrial e certificação da qualidade de produtos industriais".
2. O art. 2º do referido diploma legal criou o Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial - Conmetro - e suas competências foram estabelecidas no art. 3º, dentre as quais está a fixação de critérios e procedimentos para aplicação das penalidades no caso de infração a dispositivo da legislação referente à metrologia, à normalização industrial, à certificação da qualidade de produtos industriais e aos atos normativos dela decorrentes.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. Dentro dessa prerrogativa, o Conmetro editou a Resolução n. 11/1988, dispondo, no item 43, o seguinte: "Ficam ratificados todos os atos normativos metrológicos, baixados até a presente data, pelo Ministro de Estado da Indústria e do Comércio, pelo antigo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e pelo Instituto Nacional de Pesos e Medidas, desde que não contrariem o disposto na presente Resolução."
4. Assim, diferentemente do que alega o recorrente, a Resolução n. 11/1988 do Conmetro não contrariou o disposto na Lei n. 5.966/1973; ao contrário, estabeleceu normas e critérios para efetivar a política nacional de metrologia, ocasião em que ratificou os atos normativos metrológicos baixados pelo extinto Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio - MTIC, dentre os quais está a Portaria n. 63/1944, que embasa o auto de infração em análise.
5. Recurso especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux e Teori Albino Zavascki votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Delgado.
Brasília (DF), 20 de março de 2007 (data do julgamento).
Ministra Denise Arruda, Relatora
DJ 23.04.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Denise Arruda: Trata-se de recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região cuja ementa é a seguinte:
Aplicação de multa. Ausência de lacre de aferição do Inmetro. Competência.
Legalidade.
Reveste-se de legalidade a Portaria editada pelo Inmetro e que também
serviu de fundamento da autuação da empresa por ausência de lacre de aferição
do Inmetro em balança utilizada pela empresa, pois possui atribuições de expedir
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
atos normativos metrológicos, necessários à implementação de suas atividades, com amparo na Resolução n. 11/1988 e Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. É da empresa autora a responsabilidade por ter colocado em uso na empresa balança com lacre rompido, não havendo falar em responsabilidade da empresa que presta assistência técnica. (fl. 261)
Em suas razões recursais (fls. 263/269), o recorrente aponta violação dos arts. 1º, 2º, 3º e 5º da Lei n. 5.966/1973. Afirma, em síntese, que: (a) foi autuada por infração à Portaria n. 63/1944, do extinto Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio - MTIC -, em razão da ausência de lacre de aferição do Inmetro em instrumento de medição (balança) utilizado em estabelecimento comercial; (b) anteriormente à vigência da Lei n. 9.933/1999, que não pode ser aplicada retroativamente, apenas o Conmetro detinha competência para normatizar a área do direito em comento, tal como dispunha a Lei n. 5.966/1973; (c) essa competência, atribuída com exclusividade ao Conmetro pela Lei n. 5.966/1973, não podia ser delegada, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade; (d) pelo mesmo motivo é que a Resolução n. 11/1988 do Conmetro não poderia revigorar a Portaria n. 63/1944-MTIC, que embasa o auto de infração.
Apresentadas as contra-razões e admitido o recurso, subiram os autos.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Denise Arruda (Relatora): O recurso não merece prosperar.
A Lei n. 5.966/1973 instituiu, em seu art. 1º, o Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, "com a finalidade de formular e executar a política nacional de metrologia, normalização industrial e certificação de qualidade de produtos industriais. Parágrafo único: Integrarão o Sistema de entidades públicas ou privadas que exerçam atividades relacionadas com metrologia, normalização industrial e certificação da qualidade de produtos industriais".
O art. 2º do referido diploma legal criou o Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial - Conmetro - e sua competência foi estabelecida no art. 3º, verbis:
Art. 3º - Compete ao Conmetro:
a) formular e supervisionar a política nacional de metrologia, normalização
industrial e certificação da qualidade de produtos industriais, prevendo mecanismo
de consulta que harmonizem os interesses públicos das empresas industriais do
consumidor;
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
b) assegurar a uniformidade e a racionalização das unidades de medida
utilizadas em todo o território nacional;
c) estimular as atividades de normalização voluntária no País;
d) estabelecer normas referentes a materiais e produtos industriais;
e) fixar critérios e procedimentos para certificação da qualidade de materiais
e produtos industriais;
f) fixar critérios e procedimentos para aplicação das penalidade no caso de infração a dispositivo da legislação referente à metrologia, à normalização industrial, à certificação da qualidade de produtos industriais e aos atos normativos dela decorrentes;
g) coordenar a participação nacional nas atividades internacionais de
metrologia, normalização e certificação de qualidade. (grifou-se)
Dentro dessa prerrogativa, o Conmetro editou a Resolução n. 11/1988, dispondo, no item 43, o seguinte:
43. Ficam ratificados todos os atos normativos metrológicos, baixados até
a presente data, pelo Ministro de Estado da Indústria e do Comércio, pelo antigo
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e pelo Instituto Nacional de Pesos e
Medidas, desde que não contrariem o disposto na presente Resolução.
Assim, diferentemente do que alega o recorrente, a Resolução n. 11/1988 do Conmetro não contrariou o disposto na Lei n. 5.966/1973; ao contrário, estabeleceu normas e critérios para efetivar a política nacional de metrologia, ocasião em que ratificou os atos normativos metrológicos baixados pelo extinto Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio - MTIC, dentre os quais está a Portaria n. 63/1944, que embasa o auto de infração em análise.
Em casos análogos, este Pretório já decidiu da seguinte forma:
Processual Civil. Violação do art. 535 do CPC. Inocorrência. Administrativo.
Lei n. 5.933/1973. Portarias do Inmetro. Legalidade.
Omissis.
2. A Lei n. 5.966/1973, instituiu o Sistema Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial, com a finalidade de formular e executar a
política nacional de metrologia, normalização industrial e certificação de qualidade
de produtos industriais. O art. 2º, de referida norma legal, criou o Conmetro, e em
seu art. 3º enumerou a competência de referido órgão ao passo que o art. 5º, da Lei
n. 5.966/1973, atribuiu ao Inmetro a função executiva das atividades relacionadas
à metrologia.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
3. A Resolução n. 11/1988 do Conmetro, ao autorizar o Inmetro a expedir
atos normativos metrológicos, não contrariou a Lei n. 5.966/1973 que, em nenhum
momento, afirma tratar-se de competência indelegável ou exclusiva do Conmetro, o
que, por consequência, afasta a ilegalidade da Portaria n. 74/1975 do Inmetro bem
como do auto de infração lavrado com fundamento em referido ato normativo.
4. Precedentes desta Corte Superior (REsp n. 416.211-PR, Rel. Min. Denise
Arruda, DJ de 31.05.2004; REsp n. 273.803-SP, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de
19.05.2003; REsp n. 423.274-PR, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 26.08.2002).
Omissis.
6. Recurso especial desprovido. (REsp n. 597.275-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz
Fux, DJ de 25.10.2004)
Administrativo. Recurso especial. Artigo 105, inciso III, a e c, da Constituição
da República. Conmetro. Competência para estabelecer critérios e procedimentos
para aplicação de penalidades por infração a normas referentes à metrologia.
Recurso especial provido.
Da análise dos artigos 3º, alínea f, e 9º, da Lei n. 5.966, de 11 de dezembro
de 1973, que instituiu o Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade
Industrial, conclui-se que a imposição de multa pela Resolução n. 2/1982 do
Conmetro não violou o princípio da reserva legal, uma vez que há expressa previsão
em lei para que o aludido órgão estabeleça critérios e procedimentos para aplicação
de penalidades por infração a normas e atos normativos referentes à metrologia,
normalização industrial e certificação de qualidade de produtos industriais.
Divergência jurisprudencial não demonstrada.
Recurso especial provido pela alínea a. (REsp n. 273.803-SP, 2ª Turma, Rel.
Min. Franciulli Netto, DJ de 19.05.2003)
Processual Civil e Administrativo. Instituto Nacional de Metrologia,
Normatização e Qualidade Industrial. Competência. Portaria n. 74/1995. Legalidade.
Recurso especial. Matéria constitucional. Não conhecimento.
Omissis.
O Conmetro, usando de sua competência normativa e atribuições legais, em
consonância com o disposto nas alíneas a e c dos itens 4.1 e 4.2 do Regulamento,
concedeu ao Inmetro atribuição de expedir atos normativos metrológicos, necessários
à implementação de suas atividades, com amparo na Resolução n. 11/1988 e art.
39, VIII do Código de Defesa do Consumidor.
É legítima a edição pelo Inmetro da Portaria n. 74/1995, que dispõe sobre
exames quantitativos de mercadorias e critérios para verificação do conteúdo líquido
90
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
e do conteúdo nominal dos produtos comercializados nas grandezas de massa e
volume, porquanto este órgão não extrapolou os limites de sua competência.
Recurso parcialmente conhecido, mas improvido. (REsp n. 423.274-PR, 1ª
Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 26.08.2002)
Diante do exposto, o recurso especial deve ser desprovido.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 697.775-PB (2004/0151350-0)
Relatora: Ministra Denise Arruda
Recorrente: União
Recorrido: Miriam Emilia Chaves de França e outro
Advogado: Maria Rossana da Costa e outro
EMENTA
Administrativo. Atividade remunerada de transporte de passageiros. Necessidade de prévia autorização do Poder Público competente. Art. 135 do Código de Trânsito Brasileiro.
1. Hipótese de contrato oneroso de prestação de serviços de transporte firmado entre particulares, com trajeto diário intermunicipal.
2. Falta interesse recursal à recorrente no que tange à alegação de que o impetrante pode ser flagrado efetuando o transporte remunerado de outros passageiros, já que a decisão proferida nestes autos não lhe confere tal prerrogativa.
3. Sendo remunerada a atividade de transporte individual de passageiros, é indispensável a prévia autorização do Poder Público competente, nos termos do art. 135 do CTB, sob pena de se praticar ato punível com multa e retenção do veículo, segundo a norma contida no art. 231, VIII, do mesmo diploma legal.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, para denegar a segurança anteriormente concedida.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros José Delgado, Francisco Falcão, Luiz Fux e Teori Albino Zavascki votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 13 de março de 2007 (data do julgamento).
Ministra Denise Arruda, Relatora
DJ 16.04.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Denise Arruda: Trata-se de recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região cuja ementa é a seguinte:
Administrativo e Civil. Remessa oficial. Contrato civil de prestação de serviços de transporte individual. Manutenção da sentença.
1. Ausência de razão ou justificativa legal a impedir que servidora pública federal, por razões de saúde, seja transportada para o local onde exerce suas atividades profissionais, em veículo pertencente ao motorista da mesma.
2. O contrato acordado entre os Impetrantes é caracterizado como avença civil de prestação de serviços de transporte individual, na forma de locação. Ausência de caráter mercantil.
3. Inexistência de transporte clandestino, ou coletivo. Remessa Oficial improvida. (fl. 127)
Em suas razões recursais (fls. 131/139), a recorrente aponta violação dos arts. 107, 135 e 231, VIII, da Lei n. 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro), com as alterações promovidas pela Lei n. 9.602/1998. Afirma, em síntese, que: (a) "a alegação dos impetrantes de que realizam o deslocamento entre as cidades de João Pessoa/Itabaiana em razão de um contrato firmado por ambos, face o estado de saúde de um deles, por si só, não afasta a possibilidade de o impetrante ser flagrado efetuando o transporte remunerado de passageiros, porquanto, a despeito de efetuar tal deslocamento, poderá angariar passageiros com o intuito de fazer lotação em seu veículo particular" (sic - fl. 133); (b) o automóvel utilizado pelos impetrantes encontra-se registrado e licenciado na categoria particular, e como tal, não está autorizado a explorar economicamente o transporte de pessoas.
92
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Transcorrido in albis o prazo para apresentação das contra-razões e admitido o recurso, subiram os autos.
O Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Denise Arruda (Relatora): Deve-se ressaltar, inicialmente, que a concessão da segurança pleiteada, nos termos da sentença de fls. 96/104, confirmada pelo Tribunal de origem (acórdão de fls. 119/128), está limitada ao transporte individual de Míriam Emília Chaves de França, por Josebias Lopes Pereira Filho, no percurso João Pessoa-Itabaiana e vice-versa, sem prejuízo de qualquer fiscalização quanto aos demais requisitos das normas legais de trânsito.
Desse modo, falta interesse recursal à recorrente no que tange à alegação de que o impetrante pode ser flagrado efetuando o transporte remunerado de outros passageiros, já que a decisão proferida nestes autos não lhe confere tal prerrogativa.
Assiste razão à recorrente, todavia, no que se refere à necessidade de autorização do Poder Público para a utilização de veículos de aluguel destinados ao transporte individual ou coletivo de passageiros, tal como determinam os arts. 107 e 135 do Código de Trânsito Brasileiro.
Confiram-se:
Art. 107. Os veículos de aluguel, destinados ao transporte individual ou coletivo
de passageiros, deverão satisfazer, além das exigências previstas neste Código, às
condições técnicas e aos requisitos de segurança, higiene e conforto estabelecidos
pelo poder competente para autorizar, permitir ou conceder a exploração dessa
atividade.
Art. 135. Os veículos de aluguel, destinados ao transporte individual ou coletivo
de passageiros de linhas regulares ou empregados em qualquer serviço remunerado,
para registro, licenciamento e respectivo emplacamento de característica comercial,
deverão estar devidamente autorizados pelo poder público concedente.
Em comentário ao art. 135 do CTB, Arnaldo Rizzardo (in Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, 5ª ed., rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 411) leciona:
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
A hipótese abrange os veículos de aluguel utilizados no transporte de
passageiros de linhas regulares ou empregados em qualquer serviço remunerado.
Necessária a prévia autorização do poder concedente, expressa por meio de alvará
ou qualquer documento que habilite os proprietários a exercer a atividade.
(...)
Na hipótese do art. 135 não se está disciplinando o transporte individual,
realizado por táxis, para os destinos ou locais solicitados, sem um prévio traçado de
trajetos ou linhas regulares. Trata o dispositivo do transporte individual ou coletivo
por veículos de aluguel em linhas regulares, o que também se dá com o transporte
remunerado de escolares e de empregados de uma sociedade comercial, industrial,
ou mesmo de repartições públicas – fenômeno que vai se tornando comum,
especialmente quando o estabelecimento se encontra afastado das cidades. Abrange
a regra sobretudo o transporte efetuado por lotações, serviço este amplamente
difundido. A característica básica é a remuneração, ou seja, a exploração econômica da
atividade, sendo normal, pois, a fiscalização pelos órgãos públicos municipais.
Na verdade todos os veículos que exploram economicamente o transporte de
pessoas necessitam de autorização, inclusive os ônibus ou microônibus. (grifou-se)
Tratando-se, portanto, de atividade remunerada de transporte de passageiros, é indispensável a prévia autorização do Poder Público competente, sob pena de se praticar ato punível com multa e retenção do veículo, segundo a norma contida no art. 231, VIII, do mesmo diploma legal, cuja redação é a seguinte:
Art. 231. Transitar com o veículo:
VIII - efetuando transporte remunerado de pessoas ou bens, quando não for
licenciado para esse fim, salvo casos de força maior ou com permissão da autoridade
competente:
Infração - média;
Penalidade - multa;
Medida administrativa - retenção do veículo;
À vista do exposto, o recurso especial deve ser parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, para denegar a segurança anteriormente concedida.
Custas pelos impetrantes.
Sem honorários advocatícios (Súmula n. 105-STJ).
É o voto.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL N. 715.404-PR (2005/0003754-1)
Relator: Ministro José DelgadoRecorrente: Confederação Nacional da Agricultura - CNA e outroAdvogado: Marcia Regina Rodacoski e outrosRecorrido: Avelino MarrafãoAdvogado: Ciro Trindade Lopes
EMENTA
Tributário. Recurso especial. Contribuição sindical rural. Exigência na forma prevista no art. 600 da CLT. Precedentes.
1. Cuida-de de recurso especial interposto pela Confederação Nacional da Agricultura - CNA e outros em face de acórdão que afastou a aplicação do art. 600 da CLT. Nesta via recursal, além de divergência jurisprudencial, sustenta-se negativa de vigência do art. 600 da CLT. Em suas razões, em síntese, defende que os valores devidos a título de contribuição sindical rural devem ser acrescidos de multa de 10% (dez por cento), nos trinta primeiros dias, com o adicional de 2% (dois por cento) por mês subseqüente de atraso, consoante art. 600 da CLT. Sem contra-razões, conforme certidão de fl. 238.
2. Cabe destacar, em preliminar, quanto ao fenômeno da aplicação, no tempo, da EC n. 45/2004, que a superveniente modificação do texto constitucional não tem incidência sobre os processos com sentença prolatada antes da sua vigência, nos termos da jurisprudência do egrégio STF: "A alteração superveniente de competência, ainda que ditada por norma constitucional, não afeta a validade da sentença anteriormente proferida. 3. Válida a sentença anterior à eliminação da competência do juiz que a prolatou, subsiste a competência recursal do tribunal respectivo." (CC n. 6.967-7, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26.09.1997).
3. A Contribuição Sindical rural obrigatória continua a ser exigida de quem é contribuinte por determinação legal, em conformidade com o artigo 600 da CLT.
4. Precedentes: REsp n. 711.859-PR, DJ de 30.05.2005, DJ de 27.09.2004, REsp n. 705.879-PR, DJ de 08.08.2004, REsp n. 616.084-PR, DJ de 616084-PR.
5. Recurso especial provido.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, vencido o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 19 de setembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro José Delgado, Relator
DJ 30.11.2006
RELATÓRIO
O Sr. Ministro José Delgado: Cuida-se de recurso especial com fulcro no art. 105, III, alíneas a e c, da Constituição Federal de 1988, interposto pela Confederação Nacional da Agricultura e outro em face de acórdão oriundo do extinto Tribunal de Alçada Cível do Estado do Paraná, assim ementado (fl. 146):
Contribuição sindical rural. Aplicação do art. 600, da CLT até a data da
propositura da ação, sendo devidos, a partir desta data, juros legais e correção
monetária. Sentença correta. Recurso conhecido e improvido.
Quanto à incidência da multa, sua cobrança está disciplinada no art. 600,
da Consolidação das Leis do Trabalho, por força do disposto no art. 9º, do citado
Decreto-Lei n. 1.167/1971.
O valor da condenação deve ser a soma do principal, acrescido dos encargos
do art. 600 da CLT até a data da propositura da ação, sendo que a partir da
citação devem ser calculados os juros legais, e a correção monetária a partir do
demonstrativo de constituição do crédito anexado à inicial.
Cuida-se de ação de cobrança ajuizada pela Confederação Nacional da Agricultura - CNA objetivando o recebimento de contribuição sindical rural fundada no art. 578 e seguintes da Consolidação das Leis Trabalhistas.
O pleito, em primeiro grau, foi julgado procedente (fls. 117/121), acrescidas de juros de mora de 0,5% ao mês, a contar da citação e correção monetária. Interposta apelação pela CNA e outro, o Tribunal de origem reconheceu a não-aplicação dos juros de mora na forma prevista no art. 600 da CLT.
Nesta via recursal, além de divergência jurisprudencial, sustenta-se negativa de vigência do art. 600 da CLT, verbis:
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Art. 600. O recolhimento da contribuição sindical efetuado fora do prazo
referido neste Capítulo, quando espontâneo, será acrescido de multa de 10% (dez
por cento), nos trinta primeiros dias, com o adicional de 2% (dois por cento) por
mês subsequente de atraso, além de juros de mora 1% (um por cento) ao mês e
correção monetária, ficando, nesse caso, o infrator, isento de outra penalidade.
Na mesma esteira, preconiza o § 1º e § 2º:
§ 1º O montante das cominações previstas neste artigo reverterá
sucessivamente:
a) ao sindicato respectivo;
b) à federação respectiva, na ausência de sindicato;
c) à confederação respectiva, inexistindo federação;
§ 2º Na falta de sindicato ou entidade de grau superior, o montante a que
alude o parágrafo precedente reverterá à conta "Emprego e Salário".
Em suas razões, em síntese, defende que os valores devidos a título de contribuição sindical rural devem ser acrescidos de multa de 10% (dez por cento), nos trinta primeiros dias, com o adicional de 2% (dois por cento) por mês subseqüente de atraso, consoante art. 600 da CLT.
Sem contra-razões, conforme certidão de fl. 238.
Admitido o apelo extremo por força da decisão proferida às fls. 240/243.
Autos enviados ao egrégio Tribunal Superior do Trabalho (fls. 248/252), em razão da novel competência atribuída à justiça do trabalho para julgar ações concernentes à representação sindical (art. 114, III, do CF).
Retornaram os autos a este Tribunal, em face da decisão de fls. 273/275.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro José Delgado (Relator): Conheço do recurso especial. Há prequestionamento explícito da matéria infraconstitucional enfrentada, bem como restou demonstrada a divergência jurisprudencial.
De início, cabe destacar, que em face do novo panorama normativo constitucional surgido com a edição da EC n. 45, no julgamento do CC n. 48.305-MG, desta Relatoria, DJ de 05.09.2005, a 1ª Seção desta Corte firmou entendimento segundo o qual compete à justiça trabalhista processar os feitos atinentes à contribuição sindical instituída por lei, em face da nova carga cogente do art. 114, III, da Constituição Federal.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
97
RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
Ficou definido, outrossim, no tocante ao fenômeno da aplicação do novo Texto Constitucional, no tempo, que a mudança da norma maior alcançaria todos os feitos em curso e em qualquer fase de julgamento.
Entretanto, o posicionamento acima apresentado foi revisto pela 1ª Seção desta Casa Julgadora, tão-somente quanto ao fenômeno da aplicação da EC n. 45/2004, de modo que a superveniente modificação do texto constitucional não tem incidência sobre os processos com sentença prolatada antes da sua vigência, nos termos da jurisprudência do egrégio STF: "A alteração superveniente de competência, ainda que ditada por norma constitucional, não afeta a validade da sentença anteriormente proferida. 3. Válida a sentença anterior à eliminação da competência do juiz que a prolatou, subsiste a competência recursal do tribunal respectivo." (CC n. 6.967-7, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26.09.1997).
Neste mesmo sentido: EDcl no AI n. 451.313-8-MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 21.10.2005; CC n. 7.244-MG, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 21.11.2005; AgRg no AI n. 523.347-MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 07.02.2006.
Feitas tais considerações, passo ao exame de mérito.
O cerne da controvérsia cinge-se na discussão do termo a quo da incidência dos juros de mora e atualização monetária quando configurada a inadimplência do contribuinte no recolhimento da contribuição sindical rural fundada no art. 578 e seguintes da CLT.
O acórdão de segundo grau reconheceu devida a exação, afastando-se, contudo, a aplicação do art. 600 da CLT.
A decisão recorrida atacada merece reforma. Ao julgar o REsp n. 676.964, do Paraná, tema análogo foi examinado. Na ocasião, emiti o seguinte pronunciamento:
Dou provimento ao recurso. Têm razão os recorrentes quando afirmam, com
base em jurisprudência que citam, não ter sido revogado o art. 600 da CLT.
Na linha desse entendimento há pronunciamento da 1ª Turma, conforme
revela a ementa do REsp n. 619.172-SP, DJ de 27.09.2004, da minha relatoria, com
a seguinte composição:
Sindical. Contribuição sindical rural.
1. A contribuição sindical rural é exigida nos termos do art. 600 da
CLT.
2. Inaplicabilidade, ao caso, do art. 2º da Lei n. 8.022/1990.
98
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. Recurso especial provido.
No corpo do voto mencionado acórdão, afirmei:
Entretanto, constata-se do disposto no § 4° do art. 4° do Decreto-Lei
n. 1.166/1971, que a arrecadação efetuada pelo Incra era uma prestação de
serviços em favor da CNA e da Contag, por que diz textualmente, verbis:
§ 4°. Em pagamento dos serviços e reembolso das despesas relativas
aos encargos decorrentes deste artigo, caberão ao Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra) 15% (quinze por cento) das
importâncias arrecadadas, que lhe serão creditadas diretamente pelo
órgão arrecadador. (destacamos)
Logo, o poder conferido ao Incra para cobrar a Contribuição Sindical
Rural dos produtores rurais, não transformou-a em imposto ou em receita
destinada àquele órgão. Insista-se que o Incra era um mero prestador de
serviços de arrecadação das contribuições devidas à CNA e à Contag. Sua
“recompensa” eram apenas os 15% que percebia pelo trabalho executado.
Por isso, não se pode confundir a receita de origem tributária devida
ao Incra com a receita da sua prestação de serviços. As primeiras são regidas
pelas normas legais próprias, como, por exemplo o ITR. As decorrentes do
Decreto-Lei n. 1.166/1971 não transformaram a CSR em “receita” do Incra e,
por isso, devem prosseguir sendo regidas pelas normas que lhe são aplicáveis,
ou seja a CLT, inclusive o art. 600.
Ressalte-se, como influente para a manutenção desse entendimento, o que os
recorrentes defendem em suas razões de fls. 165/168:
Data máxima venia, parte o V. acórdão de premissa errônea ao excluir
a multa prevista no artigo 600 da CLT, pois o dispositivo legal não se acha
revogado e dispõe sobre encargos devidos na hipótese de mora da contribuição
sindical.
Assim, prevalece a multa e método de cálculo preconizado na CLT e
legislação afim.
Efetivamente, o artigo 600 da CLT expressamente prevê que os valores
principais relativos à Contribuição Sindical deverão ser acrescidos de correção
monetária, multa e juros, no caso de mora por inadimplência.
É o que se depreende do texto expresso da legislação específica
norteadora da matéria:
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
99
RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
Art. 600. O recolhimento da contribuição sindical efetuado fora
do prazo referido neste Capítulo, quando espontâneo, será acrescido de
multa de 10% (dez por cento), nos trinta primeiros dias, com o adicional
de 2% (dois por cento) por mês subsequente de atraso, além de juros de mora 1% (um por cento) ao mês e correção monetária, ficando, nesse
caso, o infrator, isento de outra penalidade.
Na mesma esteira, preconiza o § 1º e § 2º:
§ 1º O montante das cominações previstas neste artigo reverterá
sucessivamente:
a) ao sindicato respectivo;
b) à federação respectiva, na ausência de sindicato;
c) à confederação respectiva, inexistindo federação;
§ 2º Na falta de sindicato ou entidade de grau superior, o montante
a que alude o parágrafo precedente reverterá à conta "Emprego e
Salário" (red. do art. e §§ pela L. n. 6.181/1974)".
Destarte, o artigo 600 da CLT prevê a incidência de multa pela
inadimplência que decorre da mora solvendi, pois o devedor contribuinte
deixou de pagar no tempo e no lugar a sua obrigação parafiscal, de caráter
tributário.
Desatendidos pelo devedor os dispositivos dos artigos 580 e 586, da CLT,
os quais definem tempo e lugar da quitação da obrigação tributária parafiscal.
Deixou do contribuinte de procurar o Sindicato da sua categoria, em local
conhecido, público e notório, e assim, lamentavelmente incorreu em mora.
Enfim, a multa moratória decorre de lei expressa (artigo 600 da CLT),
cuja legislação mantém-se hígida, porquanto não modificado ou alterada, e
resulta da inadimplência da contribuição sindical pelo contribuinte, ensejando
a propositura da ação de cobrança.
Isto posto, data maxima venia, manifesta a infringência a lei, eis que a
multa prevista no artigo 600 da CLT decorre da mora do devedor e não deve
ser excluída.
A Inocorrência de Revogação pela Lei Nova.
A hipótese do § 2º do artigo 2º da LICC.
Data maxima venia, devida a multa prevista no artigo 600 da CLT e
legislação afim, não revogada pela Lei n. 8.383/1991, incidente especificamente
para cobrança de tributos arrecadados pela União. Entende, então, o v.
100
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
acórdão, que teria sido revogado o art. 600 da CLT., pois o dispositivo legal
não se acha revogado e dispõe de maneira específica sobre encargos devidos
na hipótese de mora da contribuição sindical.
Prevalece na espécie a multa e método de cálculo preconizado na CLT.
Data maxima venia, não há que se falar em que, a partir da vigência da Lei
n. 8.383/1991 estaria revogado o artigo 7º do Decreto-Lei n. 1.166/1971,
que preconizava expressamente a aplicação do artigo 600/CLT. A Lei n.
8.383/1991 é especificamente dirigida à atualização de débitos fiscais devidos
à Receita Federal.
Dispositivos que não se refiram à atualização de débitos fiscais devidos à
Receita Federal não podem ser tidos como revogados pela Lei n. 8.383/1991,
concessa venia.
Por essa razão, inocorreu revogação de artigo que disciplinava
especificamente a forma de atualização da Contribuição Sindical, por legislação
que instituiu a forma de atualização de tributos devidos à Receita Federal.
Da mesma forma, a Lei n. 9.069/1995 preconiza a atualização de
débitos para com o patrimônio imobiliário da União, em nada se aplicando à
hipótese de Contribuição Sindical.
Inadmissível, pois, a interpretação de revogação dada pelo V. acórdão,
nos exatos termos do artigo 2º, § 1º da LICC:
§ 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o
declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente
a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a
para das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
In casu, a lei posterior não regulou inteiramente a mesma matéria de que
tratava o artigo 600/CLT.
Efetivamente, a Lei n. 8.383/1991 disciplina expressamente sobre a
atualização de tributos devidos à Receita Federal, enquanto a Lei n. 9.069/1995
sobre débitos à União, e, nesse passo, não revogam o artigo 600 consolidado
que preconiza os encargos incidentes sobre a Contribuição Sindical.
Trata-se de aplicação do § 2º; do artigo 2º da LICC - “lei nova, que
estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga
nem modifica a lei anterior”.
Pratica, pois, o V. acórdão, infringência expressa também ao § 1º do
artigo 2º da LICC, eis que não se trata de dispositivo legal revogado pela lei
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
101
RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
posterior. A Lei n. 8.383/1991 não “... regula inteiramente a matéria de que
tratava a lei anterior.”
Diante do exposto, dou provimento ao recurso, nos termos da pretensão da
parte recorrente.
Inverto os ônus sucumbenciais.
Como destacado, a Contribuição Sindical rural obrigatória continua a ser exigida de quem é contribuinte por determinação legal, em conformidade com o artigo 600 da CLT.
Neste sentido:
Tributário. Contribuição sindical rural. Art. 600 da CLT. Vigência.
1. Cuida-de de ação de cobrança objetivando o recebimento de contribuição
sindical rural. O pleito, em primeiro grau, foi julgado parcialmente procedente para
reconhecer cabível a exação, com a exclusão da multa com base no art. 600 da CLT,
por entender revogado este dispositivo. Em sede de apelação, o Tribunal de origem
deu parcial provimento ao pleito, apenas para determinar a incidência de juros de
mora, a partir do vencimento do crédito.
2. A Contribuição Sindical rural obrigatória continua a ser exigida de quem é
contribuinte por determinação legal, em conformidade com o artigo 600 da CLT.
3. Disciplina, expressamente, a Lei n. 8.383/1991, sobre as atualizações de
tributos administrados e devidos à Receita Federal e, em seu artigo 98, dispõe sobre
os dispositivos legais que por ela foram revogados não incluindo, contudo, o art. 600
da Consolidação das Leis do Trabalho.
4. Na espécie, aplica-se o § 2º, do art. 2º, da LICC: "lei nova, que estabelece
disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a
lei anterior".
5. São devidos os encargos pelo atraso no recolhimento da Contribuição
Sindical Rural nos termos do art. 600 da CLT.
6. Recurso especial provido. (REsp n. 711.859-PR, desta Relatoria, DJ de
30.05.2005)
Recurso especial. Contribuição sindical rural patronal. Legislação de regência.
Encargos de inadimplemento e mora. Cobrança na forma prevista no art. 600 da
CLT. Recurso especial provido.
1. A contribuição sindical rural, criada inicialmente com o título de imposto
(Lei n. 4.212/1963, art. 135), teve seu enquadramento regulado pelo Decreto-Lei
n. 1.166/1971.
102
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. As alterações concernentes à competência para a administração e
arrecadação da contribuição em comento, promovidas pela Lei n. 8.022/1990 (art.
1º), Lei n. 8.847/1994 (art. 24, II) e Lei n. 9.393/1996 (art. 10), não tiveram o
condão de afastar a forma de cobrança dos encargos de mora, nos termos previstos
no Decreto-Lei n. 1.166/1971 (art. 9º).
3. O não-recolhimento da contribuição sindical rural no vencimento acarreta
o acréscimo de multa de 10% sobre o valor devido, nos trinta primeiros dias, com o
adicional de 2% ao mês, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, bem como de
correção monetária, segundo a dicção do art. 600 da CLT.
4. Recurso especial provido. (REsp n. 705.879-PR, Rel. Min. Teori Albino
Zavascki, Relatora para acórdão Ministra Denise Arruda, DJ de 08.08.2005)
Processual Civil. Tributário. Contribuição sindical rural. Incidência de juros
legais. Multa. Juros de mora e correção monetária. Art. 600, da CLT. Art. 59, da Lei
n. 8.383/1991.
1. O art. 600, §§ 1º e 2º da CLT dispõe:
Art. 600 - O recolhimento da contribuição sindical efetuado fora do
prazo referido neste Capítulo, quando espontâneo, será acrescido da multa de
10% (dez por cento), nos 30 (trinta) primeiros dias, com o adicional de 2%
(dois por cento) por mês subseqüente de atraso, além de juros de mora de 1 %
(um por cento) ao mês e correção monetária, ficando, nesse caso, o infrator,
isento de outra penalidade.
§ 1º - O montante das cominações previstas neste artigo reverterá
sucessivamente:
a) ao Sindicato respectivo;
b) à Federação respectiva, na ausência de Sindicato;
c) à Confederação respectiva, inexistindo Federação.
§ 2º - Na falta de Sindicato ou entidade de grau superior, o montante a
que alude o parágrafo precedente reverterá à conta "Emprego e Salário".
2. A Lei n. 8.383/1991, em seus arts. 59, §§ 1º e 2º e 98, prevê:
Art. 59. Os tributos e contribuições administrados pelo Departamento
da Receita Federal, que não forem pagos até a data do vencimento, ficarão
sujeitos à multa de mora de vinte por cento e a juros de mora de um por
cento ao mês-calendário ou fração, calculados sobre o valor do tributo ou
contribuição corrigido monetariamente.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
103
RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
§ 1° A multa de mora será reduzida a dez por cento, quando o débito for
pago até o último dia útil do mês subseqüente ao do vencimento.
§ 2° A multa incidirá a partir do primeiro dia após o vencimento do
débito; os juros, a partir do primeiro dia do mês subseqüente.
(...)
Art. 98. Revogam-se o art. 44 da Lei n. 4.131, de 03 de setembro de
1962, os §§ 1° e 2° do art. 11 da Lei n. 4.357, de 16 de julho de 1964, o art. 2°
da Lei n. 4.729, de 14 de julho de 1965, o art. 5° do Decreto-Lei n. 1.060, de
21 de outubro de 1969, os arts. 13 e 14 da Lei n. 7.713, de 1988, os incisos III
e IV e os §§ 1° e 2° do art. 7° e o art. 10 da Lei n. 8.023, de 1990, o inciso III
e parágrafo único do art. 11 da Lei n. 8.134, de 27 de dezembro de 1990 e o
art. 14 da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990.
3. É inequívoco que a Contribuição Sindical Rural não é débito para com a
Receita Federal.
4. Trata-se de obrigação cuja legitimidade da cobrança é da Confederação
Nacional da Agricultura. Consectariamente, aplica-se aos referidos débitos as
sanções do art. 600, da CLT e não o disposto no art. 59, da Lei n. 8.383/1991 que
trata de matéria diversa - qual a de que são incidentes penalidades que menciona
aos débitos para com a Receita Federal administrados pela mesma.
5. Destarte, o art. 600 da CLT não foi revogado pela Lei n. 8.383/1991, tanto
mais que refoge à lógica jurídica a revogação expressa e ainda inferir-se revogação
por incompatibilidade. O legislador quando especifica as leis revogadas esclarece
a men legis, sendo certo que a ab-rogação por incompatibilidade infere-se da
cláusula geral "revogam-se as disposições em contrário"; inserção diversa da que foi
engendrada pela Lei n. 8.383/1991, consoante dispõe seu art. 98:
Art. 98. Revogam-se o art. 44 da Lei n. 4.131, de 03 de setembro de
1962, os §§ 1° e 2° do art. 11 da Lei n. 4.357, de 16 de julho de 1964, o art. 2°
da Lei n. 4.729, de 14 de julho de 1965, o art. 5° do Decreto-Lei n. 1.060, de
21 de outubro de 1969, os arts. 13 e 14 da Lei n. 7.713, de 1988, os incisos III
e IV e os §§ 1° e 2° do art. 7° e o art. 10 da Lei n. 8.023, de 1990, o inciso III
e parágrafo único do art. 11 da Lei n. 8.134, de 27 de dezembro de 1990 e o
art. 14 da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990.
6. Deveras, ao entender o Eg. Tribunal a quo pela não incidência da multa
prevista no art. 59 da Lei n. 8.383/1991, porque a Lei n. 8.847/1994 somente
transferiu da Receita Federal para a CNA a competência para cobrar a Contribuição
Sindical Rural, excluída a incidência dos juros de mora, acabou por malferir
104
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o disposto no art. 600 da Consolidação, porquanto nenhum desses diplomas
legislativos traz regramento acerca da cobrança da referida exação.
7. Impende consignar que com a proposta de extinção do Incra, em 1990,
a arrecadação foi transferida para a Receita Federal, por força do disposto na Lei
n. 8.022/1990, sendo-lhe outorgada, em conjunto, a competência para cobrar
a Contribuição Sindical Rural. Com a edição da Lei n. 8.847/1994 foi afastada
das atribuições da Secretaria da Receita Federal a cobrança da exação em tela,
retornando-se ao statu quo ante.
8. Infere-se, assim, que a edição da Lei n. 8.847/1994, a competência para
a arrecadação da Contribuição em comento foi devolvida aos Sistemas Sindicais
Rurais, uma vez que esta competência havia anteriormente sido delegada ao Incra,
por meio do Decreto-Lei n. 1.166/1971.
9. Precedentes jurisprudenciais desta Corte: REsp n. 619.172-SP, Relator Min.
José Delgado, DJ de 27.09.2004; REsp n. 315.919-MS, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ
em 05.11.2001 e REsp n. 423.131-SP, Rel. Min. José Delgado, DJ em 02.12.2002.
10. Recurso especial conhecido e provido. (REsp n. 616.084-PR, Rel. Min. Luiz
Fux, DJ de 30.05.2005)
Isso posto, dou provimento ao Recurso Especial.
É como voto.
VOTO-VENCIDO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Srs. Ministros, data venia do Sr. Ministro Relator, fico vencido. Invoco, para tanto, as razões do voto que proferi no REsp n. 697.882-PR, DJ de 08.08.2005, nos seguintes termos:
2. No regime do Decreto-Lei n. 1.166/1971, (a) cabia ao Instituto Nacional da
Colonização e Reforma Agrária (Incra) lançar e proceder à cobrança da contribuição
sindical em causa (art. 4º); e (b) os encargos sobre ela incidentes, em caso de
atraso, eram os previstos no art. 600 da CLT (Art. 9º. Aplicam-se aos infratores deste Decreto-Lei as penalidades previstas nos arts. 598 e 600 da Consolidação das Leis do Trabalho).
Todavia, a superveniente Lei n. 8.022/1990 estabeleceu, no seu art. 1º,
que a administração das receitas até então arrecadadas pelo Incra, dentre elas a
contribuição sindical rural, passaria a ser da competência da Secretaria da Receita
Federal, e que o lançamento, a inscrição em dívida ativa e a cobrança passaria a
ser da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Essa mesma Lei estabeleceu que o
pagamento a destempo das receitas previstas no art. 1º (ou seja, das receitas cuja
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
105
RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
administração foram transferidas do Incra para a Receita Federal) acarretaria a
incidência de multa moratória equivalente a 20% sobre o valor atualizado e juros de
mora de 1% ao mês (art. 2º).
Posteriormente, a Lei n. 8.383/1991, em seu art. 59, trouxe disposição
semelhante:
Art. 59. Os tributos e contribuições administrados pelo Departamento
da Receita Federal, que não forem pagos até a data do vencimento, ficarão
sujeitos à multa de mora de vinte por cento e a juros de mora de um por
cento ao mês-calendário ou fração, calculados sobre o valor do tributo ou
contribuição corrigido monetariamente.
Observa-se que, a partir de 1997, a competência para administrar a contribuição
sindical rural passou a ser das entidades às quais se destina, conforme previsto no
art. 24, I, da Lei n. 8.847/1994:
Art. 24. A competência de administração das seguintes receitas,
atualmente arrecadadas pela Secretaria da Receita Federal por força do art. 1º
da Lei n. 8.022, de 12 de abril de 1990, cessará em 31 de dezembro de 1996:
I - Contribuição Sindical Rural, devida à Confederação Nacional da
Agricultura - CNA e à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
- Contag, de acordo com o art. 4º do Decreto-Lei n. 1.166, de 15 de abril de
1971, e art. 580 da Consolidação das Lei do Trabalho - CLT
(...)
Todavia, essa Lei apenas estabeleceu regra sobre competência para administrar
o tributo, nada dispondo sobre as sanções decorrentes da mora no pagamento, o que
faz deduzir ser ainda aplicável, nesse ponto, o regime previsto no art. 2º da Lei n.
8.022/1990, idêntico ao do art. 59 da Lei n. 8.383/1991. Ademais, em nosso direito,
não há repristinação implícita, o que significa dizer que a revogação de uma norma
não opera a automática restauração de norma anteriormente revogada (art. 2º, § 3º,
da LICC). Não se pode, assim, considerar repristinado o art. 600 da CLT.
3. Por outro lado, revela-se manifestamente abusiva a multa prevista no art.
600 da CLT. Washington Pacheco de Barros e Jane Berwanger (In: Diagnose da
Contribuição Sindical Rural, Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 74) afirmam o
seguinte quanto ao ponto:
(...) a multa estabelecida pelo art. 600 da CLT foi decorrência da
imposição do chamado sindicalismo de estado criado pela Constituição
Federal de 1937 (...), que trazia em sua estrutura a idéia de sindicatos fortes
atrelados ao Estado, executando funções típicas de administração pública.
106
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Portanto, o atraso no recolhimento da contribuição sindical, receita criada
para mantê-los atuante, derruía seu lastro de sustentação e, por isso, atentava
contra o pensamento estatal dominante. Hoje, quando a Constituição de 1988
sustenta a liberdade sindical como regra e a cobrança da contribuição como
exceção; quando se discute com razoável sustentação que a contribuição
sindical rural não teria sido recepcionada pela nova ordem constitucional;
quando se constata que no valor cobrado incidem percentuais ilegais; quando,
paralelamente a ela, foi criada a contribuição confederativa; quando, na
condição de tributo aplicado ao campo, deveria considerar a natureza
protetiva, manter-se a aplicação literal do art. 600 da CLT é negar-se que,
mesmo na sanção tributária, deve-se olhar as condições do sancionado.
Portanto, é razoável a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, que vem limitando a multa progressiva no caso de atraso do recolhimento
da contribuição ao máximo de 100% de seu valor originário (Apelação cível
n. 70002053072, da Primeira Câmara Cível Especial e Apelação Cível n.
700004258711, da Primeira Câmara Cível).
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 730.928-DF (2005/0037206-8)
Relator: Ministro Francisco FalcãoRecorrente: Distrito FederalProcuradora: Úrsula Ribeiro de Figueiredo Teixeira e outro(s)Recorrido: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
EMENTA
Processual Civil. Ação civil pública. Termo de Acordo de Regime Especial (Tare). Ilegitimidade ativa. Ministério Público. Natureza tributária. Artigo 1º, parágrafo único, da Lei n. 7.347/1985.
I - A Primeira Seção, julgando o REsp n. 845.034-DF, Rel. Min. José Delgado, na assentada de 14.02.2007 e na esteira dos precedentes: REsp n. 691.574-DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 17.04.2006; REsp n. 737.232-DF, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ de 15.05.2006 e REsp n. 861.714-DF, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 19.10.2006, uniformizou o
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entendimento, no sentido de reconhecer a ilegitimidade do Ministério Público para o ajuizamento da ação civil pública que questiona o Termo de Acordo Fiscal - "Tare", criado pelo Distrito Federal, tendo em vista que tal ação veicula pretensão tributária, o que é vedado pelo teor do artigo 1º, parágrafo único, da Lei n. 7.347/1985.
II - Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Os Srs. Ministros Luiz Fux, Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e José Delgado votaram com o Sr. Ministro Relator. Custas, como de lei.
Brasília (DF), 27 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro Francisco Falcão, Relator
Acórdão republicado por ter saído com incorreção no Diário da Justiça de 09.04.2007.
DJ 17.05.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de Recurso Especial interposto pelo Distrito Federal, com fulcro no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra Acórdão do egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, assim ementado:
Ação civil pública. Ministério Público. Pretensão de anulação de Termo
de Acordo de Regime Especial - Tare, referente à apuração do ICMS no Distrito
Federal. Defesa do patrimônio público. Legitimidade ativa do Parquet. Artigo 5º,
Lei Complementar n. 75/1993. Inaplicabilidade à espécie do disposto no parágrafo
único do artigo 1º da LACP (Lei n. 7.347/1985). Prejudicial externa. ADin que
tramita junto ao STF, visando à inconstitucionalidade da lei que autorizou o Tare.
Suspensão do processo pelo prazo de um ano. Artigo 265, inciso IV, a, e § 5º.
1 - Nos termos do Artigo 5º da Lei Complementar n. 75/1993, assiste
legitimidade ao Ministério Público para a propositura de ação civil pública visando
à defesa do patrimônio público e dos princípios do sistema tributário.
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2 - O Artigo 265, inciso IV, alínea a, c.c. § 5º do CPC recomenda o sobrestamento
do processo quando a decisão de mérito "depender do julgamento de outra causa,
ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua
objeto principal de outro processo pendente", o que se verifica quando da pendência
de ação direta de inconstitucionalidade do ato normativo que autorizou o acordo
impugnado em sede de ação civil pública.
3 - Apelação parcialmente provida.
4 - Processo suspenso. (fl. 393)
Originariamente, cuida-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, com o objetivo de fulminar de nulidade o denominado "Termo de Acordo de Regime Especial - Tare" firmado entre o Distrito Federal e empresa contribuinte. Consoante exposto nas razões do Recurso Especial, verbis:
Sustentou, em síntese, que o Decreto n. 20.322/1999 e a Portaria n.
293/1999, ao estabelecer tratamento tributário diferenciado para o setor atacadista
e distribuidor, estariam ambos extrapolando os limites do Regulamento do ICMS-DF
(Lei n. 1.245/1996, com a redação que lhe conferiu a Lei n. 2.381/1999), além de
invadindo matéria reservada à lei complementar, haja vista que teriam desprezado
a necessidade de se efetivar, no final do período de 12 (doze) meses, o ajuste com
base na escrituração fiscal regular do contribuinte.
Alegou, portanto, que a ausência desse ajuste estaria ensejando a concessão
de crédito presumido em favor do contribuinte, conferindo-lhe um incentivo fiscal,
prejudicando a receita de ICMS de outro Estado da Federação, assim como causando
prejuízo mensal ao Distrito Federal, "em termos percentuais que variam entre 2,5%
(dois e meio por cento) a 4% (quatro por cento), nas saídas interestaduais, e de
1% (um por cento) a 4,5% (quatro e meio por cento), nas saídas internas, do ICMS
devido. (fl. 425)
O Recorrente sustenta, em síntese, violação aos artigos 265, IV, a, do CPC, 1º, caput, da Lei n. 7.437/1985 e 81 do Código de Defesa do Consumidor, acentuando a ilegitimidade do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios para o manejo de ação civil pública que verse sobre matéria tributária.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo improvimento do presente Recurso Especial. (fls. 468/472)
É o relatório.
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VOTO
O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): Inicialmente, registro que o Recurso Especial merece ser conhecido, uma vez que atendidos os pressupostos de admissibilidade.
A Primeira Seção, julgando o REsp n. 845.034-DF, Rel. Min. José Delgado, na assentada de 14.02.2007 e na esteira dos precedentes: REsp n. 691.574-DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 17.04.2006; REsp n. 737.232-DF, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ de 15.05.2006 e REsp n. 861.714-DF, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 19.10.2006, uniformizou o entendimento, no sentido de reconhecer a ilegitimidade do Ministério Público para o ajuizamento da ação civil pública que questiona o Termo de Acordo Fiscal - "Tare", criado pelo Distrito Federal, tendo em vista que tal ação veicula pretensão tributária, o que é vedado pelo teor do artigo 1º, parágrafo único, da Lei n. 7.347/1985.
Nesse diapasão, destaco excertos do voto proferido no REsp n. 691.574-DF, acima indicado, verbis:
Com efeito, a alforria fiscal indevida é objeto de Ação Popular, que não
se confunde com Ação Civil Pública, interditando a legitimatio ad causam ativa
originária ao Ministério Público, que, in casu, atua como custos legis, assumindo a
demanda, apenas, na hipótese de desistência.
Deveras, esta Corte, após controvertidos debates sobre o thema decidendum
e seguindo a orientação do Pretório Excelso, assentou que o Ministério Público
não tem legitimidade para propor Ação Civil Pública com o objetivo de impedir
a cobrança de taxa de serviços públicos, cuja obrigação é de natureza tributária,
escopo visado na demanda com o pedido pressuposto de nulificação da Tare.
(...)
Deveras, a premissa do pedido do Ministério Público de que a estratégia fiscal,
por via oblíqua, atinge os demais contribuintes, revelando interesses transindividuais
violados, é exatamente a que inspirou o legislador a vetar a legitimatio do Parquet com alteração do parágrafo único do art. 1º da Lei da Ação Civil Pública, que o
deslegitima a veicular "pretensões que envolvam tributos". (Art. 1º parágrafo único
da Lei n. 7.347/1985, com a redação dada pela Medida Provisória n. 2.180/2001)
Consectariamente, qualquer ação, ainda que não ostente tipicidade estrita
tributária, mas que envolva "pretensão tributária", consoante dicção legal, torna
interditada a legitimatio ad causam do Ministério Público.
Outrossim, restando sub judice ação declaratória de inconstitucionalidade
perante a Corte Maior, revela-se precipitado pretender submetê-la ao crivo incidental
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
e difuso de órgão jurisdicional hierarquicamente subordinado, revelando notória
ausência de interesse recursal.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 734.616-SP (2005/0044918-4)
Relator: Ministro Luiz FuxRecorrente: Município de São PauloProcurador: Mauro Pereira de Souza e outrosRecorrido: Amilto de Marchi e outroAdvogado: Antônio Violatto
EMENTA
Processual Civil. Administrativo. Desapropriação. Juros pagos durante o prazo do art. 33 do ADCT. Pretensão do Município de repetir o que pagou indevidamente.
1. Pedido de retificação do saldo devedor, em sede de execução de ação de desapropriação indireta, após o pagamento integral dos precatórios, para que deles fossem excluídos os juros compensatórios e moratórios, relativos ao período posterior à Constituição Federal, nos termos do art. 33 do ADCT.
2. Engendrado o pagamento da dívida por meio de precatório, revela-se inviável, nos próprios autos reabrir a discussão acerca dos cálculos, reservando-se à Fazenda, em ação de repetição, reaver o que pagou indevidamente, pretensão impossível de ser exercida na fase administrativa do implemento do débito.
3. É assente que a coisa julgada é qualidade consubstanciada na imutabilidade do acertamento ou da declaração contida na sentença, no que pertine à definição do direito controvertido.
4. Nesse sentido leciona Ovídio Baptista da Silva, literris:
(...) É indispensável, porém, ter presente que o pensamento
dominante na doutrina européia considera que a coisa julgada é o efeito
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- ou, como quer Liebman, a qualidade - que se agrega à "declaração
contida na sentença", libertando os demais efeitos da "imutabilidade" que
ele pretendera atribuir-lhes, permite, por exemplo, aceitar que a decisão
que homologue a atualização do cálculo, na fase de execução da sentença
para reservar o valor da condenação - não ofenderá a coisa julgada.
12. A distinção entre coisa julgada e efeitos da sentença está feita
de modo didático no Código Civil italiano, ao conceituar a coisa julgada
como L 'accertamento contenuto nella sentenza (art. 2.909), depois de
referir-se, no artigo precedente, a seus efeitos. Esse accertamento, diz o
Código italiano, ufa stato, entre as partes, para todos os efeitos.
De resto, poderíamos ir mais longe, para advertir que as hipóteses
que mais diretamente causaram revolta àqueles ilustres juristas - não
por acaso magistrados ou ex-magistrados foram as avaliações judiciais
produtoras de valores absurdos, Cuidava-se, porém, de sentenças
homologatórias rigorosamente incongruentes, caracterizadas por
manifesta oposição respectiva sentença que condenara ao pagamento do
justo valor.
O cálculo produzido na respectiva execução da sentença subvertia
inteiramente o julgado, fazendo com que o justo valor - que o processo de
liquidação da sentença deveria determinar - se transformasse em fonte
de enriquecimento ilícito.
Por outro lado - este é um argumento adicional decisivo -, a sentença
que homologa o cálculo decide sobre fato, não sobre direito, no sentido
de que a decisão possa adquirir a força de coisa julgada. Como disse,
com toda razão, o Ministro Delgado (p. 18), as sentenças nunca poderão
transformar fatos não verdadeiros em reais. Se o arbitrador, por qualquer
motivo, desobedeceu ao julgado, produzindo um cálculo absurdo, terá,
com certeza, cometido erro de cálculo. A declaração contida no ato de
homologar, no ato através do qual o juiz torna seu o arbitramento (homo
+ logos), não produz coisa julgada capaz de impedir que se corrija o
cálculo,(...).
5. Com efeito, o erro material pode ser sanado a qualquer tempo, sem que se ofenda a coisa julgada, até porque a correção do mesmo constitui mister inerente à função jurisdicional. Essa é, inclusive, a inteligência da norma prevista no art. 463, I, do Código de Processo Civil.
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6. Ademais, in casu, não se vislumbra ocorrência de erro material, caracterizado pelo equívoco de escrita ou de cálculo, sobre a conta homologada, hábil a representar a manifestação incorreta da vontade, e não se confunde com o erro sobre os critérios de cálculo a serem utilizados, tais como incidência de expurgos, de juros, ou de índice de correção monetária, dentre outros.
7. Deveras, na hipótese sub examine a pretensão do Município cinge-se à revisão de cálculos já homologados, o que revela a preclusão da matéria.
8. Sobre o thema discorre Carlos Valder do Nascimento, in "Execução Contra a Fazenda Pública", 1.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 29/30 e 34/35, verbis:
Dentro de uma perspectiva geral assentada pela legislação, pela
doutrina e pela jurisprudência, pode-se afirmar que o erro é um desvio de
percepção da realidade fática, constituindo-se em vício do consentimento,
por equívoco a propósito de determinado evento material.
Cezar Peluso, apud Arruda Alvim, perfilhando a idéia de Salvalore
Satta, assim o define:
Erro material não são apenas os defeitos exteriores ocorrentes
na documentação do juízo ou na formação de documento,
mas também toda divergência ocasional entre a idéia e sua
representação, objetivamente reconhecível que demonstre não
traduzir o pensamento ou a vontade do prolator.
Em estudo publicado em revista especializada que reproduz
trabalhos forenses, vale trazer à colação excerto do voto da lavra de
Arruda Alvim, em que fixa sua noção:
O erro material é aquele que pode ser verificado a partir de
critérios objetivos, deve ser identificável por todo homem médio e
que não corresponde, de forma evidente e inequívoca à intenção
do Magistrado.
Ora, se o juiz homologa cálculos com erro, pressupõe-se que,
embora não seja a manifestação inequívoca da sua vontade, o fez por
desconhecimento, por irreal percepção do fato. de modo que seu ato
contempla o âmago da questão, isto é, sua causa material. E assim,
configurando discrepância entre sua vontade e a veiculada no próprio
conteúdo de sua decisão, torna-a defeituosa.
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Decorrente disso, o erro de cálculo ou mesmo de sua atualização
deve ser corrigido de ofício pelo Judiciário. Ele não reproduz a vontade
do magistrado nem o estado pode cobri-lo com o manto do trânsito em
julgado. Mesmo homologado nessas circunstâncias, porque ato nulo, não
irradia efeitos jurídicos definitivos.
Pela sua não inserção na relação processual válida, pode ser
recomposto, com vistas ao restabelecimento da sua exatidão, a qualquer
tempo. O que importa é que se persiga, sem limitação temporal, a
eliminação da incerteza presente no vínculo jurídico, sendo insubsistente
o processo se tal desiderato não for atingido em toda a sua plenitude.
Não é sem razão que Calamandrei assevera que o fim do processo
é a garantia da observância prática do direito objetivo. O expurgo da
dúvida é fator preponderante para que a coisa julgada alcance foro
de imutabilidade. Ora, se é certo que essa imutabilidade insere-se no
contexto da segurança jurídica, não menos verdade é que seu relativismo
decorre da razão natural das coisas.
Contaminada de inexatidão material ou essencial, a obrigação
exeqüenda ou o processo executório, este extinto e aquela adimplida,
não trânsita em julgado. (...)
9. Consectariamente, não é lícito ao expropriante alegar nulidade da execução, com base em cálculos preclusivamente homologados, na fase administrativa do implemento do Precatório. Nesse sentido confira-se julgado desta Corte no REsp n. 498.406-RJ, Rel. Min. José Delgado, publicado no DJU de 17.11.2003, verbis:
Processual Civil. Mandado de segurança. Cálculos. Execução.
Precatório. Limites de atuação do Presidente do Tribunal. Coisa julgada.
1. Não há decadência para a interposição de mandado de segurança
quando a parte o interpõe no prazo de 120 dias, após ter percorrido o
iter dos recursos administrativos regularmente previstos na órbita da
administração.
2. É impossível a desconstituição da coisa julgada na esfera da Presidência do Tribunal, ao examinar precatório requisitório para alterar os valores fixados sob o argumento de que o critério adotado para os cálculos diverge da jurisprudência acertada sobre o tema.
3. A coisa julgada impõe segurança jurídica ao que foi decidido por sentença, com o favorecimento especial que, no caso em exame, o Estado
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concordou com índices aplicados, submetendo-se, portanto, aos efeitos da
preclusão.
4. Alterar índices inflacionários adotados em liquidação de sentença,
após decisão que os acolheu, em sede de precatório expedido, não pode
ser considerado erro de cálculo.
5. Recurso desprovido.
10. Ad argumentadum tantum, a eventual violação do art. 33 do ADCT é inapreciável pelo E. STJ, posto cognição de competência do STF.
11. Recurso especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e José Delgado votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília (DF), 11 de abril de 2006 (data do julgamento).
Ministro Luiz Fux, Relator
DJ 28.04.2006
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luiz Fux: Trata-se de recurso especial interposto pelo Município de São Paulo (fls. 53/58), com fulcro no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sede de agravo de instrumento, que restou assim ementado:
Precatório. Parcelamento nos termos do art. 33 do ADCT. Atualização monetária
sem a inclusão de juros moratórios. Precedentes do STF. Pretensão à exclusão dos
juros moratórios e compensatórios dos pagamentos já efetuados. Inadmissibilidade.
Matéria já coberta pela preclusão. Ato jurídico perfeito e acabado. Necessária
manutenção da estabilidade das relações jurídicas. Recurso não provido.
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
Segundo noticiam os autos, o Município de São Paulo, em sede de execução de ação de desapropriação indireta, após o pagamento integral dos precatórios, requereu a retificação do saldo devedor, para que deles fossem excluídos os juros compensatórios e moratórios, relativos ao período posterior à Constituição Federal, nos termos do art. 33 do ADCT.
O Juiz Singular indeferiu o pedido engendrado pelo Município de São Paulo, que interpôs agravo de instrumento perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que restou desprovido, nos termos da ementa acima transcrita (fl. 45).
Irresignado, o Município de São Paulo interpôs o recurso especial que se apresenta, aduzindo, em síntese, que o acórdão hostilizado violou o disposto nos arts. 183; 473; 618, inciso I; e 743, inciso I, todos do CPC, ao seguinte fundamento, litteris:
(...) O entendimento sufragado no v. acórdão guerreado evidencia total
contrariedade às normas em epígrafe, como se procurará demonstrar.
De início, cumpre ponderar que não há que se cogitar sobre preclusão no caso
em tela porque tal instituto temporal consiste tão-somente na perda da faculdade de
praticar um ato processual em virtude do decurso do prazo para fazê-lo, a teor do
disposto no art. 183 do CPC, mas, claro, desde que envolva direito disponível.
Seguramente, não tem tal instituto aptidão para extinguir diretamente o
próprio direito material da parte. Daí porque deve ser aplicado aos processos de
execução com o cuidado devido: revelando-se que a execução é processo que visa a
satisfazer o direito do credor e só tem cabimento quando estiver alicerçado em título judicial ou extrajudicial líquido, certo e exigível.
A idoneidade do título judicial consubstancia, seguramente, matéria de ordem
pública e de direito indisponível, já que flagrante o prejuízo causado ao Patrimônio
Público no caso de que aqui se trata, podendo e devendo, a todo tempo, no curso do
processo, ser reconhecido e reparado o vício.
Por outro lado, já sob outro ângulo de análise, a preclusão, a teor do disposto
no art. 473 do Código de Processo Civil, também refere-se à impossibilidade de
se discutir, no curso do processo, as questões já decididas. Ocorre que no presente
processo o tema da inconstitucionalidade da incidência de juros em continuação
no parcelamento previsto no referido art. 33 do ADCT não foi objeto de apreciação judicial.
Imprescindível ponderar que não é necessário o reexame de prova, inadequado
na instância excepcional, para que se alcance a conclusão acima exposta.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Isso porque o fundamento do v. acórdão para justificar a ocorrência de preclusão não é a existência de decisão judicial anterior sobre a matéria e, sim, o fato de que a Municipalidade teria efetuado os pagamentos das parcelas incluindo juros, deixando de se insurgir, à época, contra esse procedimento.
Como restou demonstrado, os pagamentos realizados pela Municipalidade não eram devidos e consubstanciaram efetivo enriquecimento sem causa da parte que os recebeu. Isso porque se a CF/1988 dispôs que os juros em continuação não eram devidos, conforme entendimento pacificado do C. Supremo Tribunal Federal, os valore recebidos pela exeqüente a esse título proporcionaram-lhe um enriquecimento sem causa, apto a ser reparado nesse momento.
É fácil de ver que se a Municipalidade realizou o pagamento das parcelas incluindo valores que não eram devidos, porquanto excluídos por norma constitucional, a execução, nesta parte, era nula, nos termos do art. 618, inc. I, do C.P.C. Ou seja, o caso não envolve preclusão.
Trata-se de processo de execução, eminentemente satisfativo, e que só pode nascer e desenvolver-se validamente desde que fundado em título que efetivamente reproduza o crédito exeqüendo.
Se o exeqüente não possuía título hábil, no que se refere à cobrança de juros em continuação, moratórios e compensatórios, relativos ao parcelamento previsto no art. 33 do ADCT da CF/1988, como pacificamente reconhece o C. Supremo Tribunal Federal, ainda que o executado não tenha proposto Embargos à Execução, pode ele a todo tempo, antes de encerrado o processo, reclamar a nulidade da execução, nos termos do art. 618 do Código de Processo Civil.
Trata-se, em verdade, de nulidade absoluta cujo reconhecimento frise-se, pode ser requerido a todo tempo, na medida que tal espécie de nulidade é insanável.
Isso também por decorrência do fato indisputável de que no tocante aos juros indevidamente incluídos no parcelamento previsto no indigitado art. 33 configurou-se a hipótese tratada no art. 743, inciso I: excesso de execução, que, seguramente, deve a todo custo ser repelido, por elementar critério de justiça, meridiana questão de bom senso, e imediata interpretação dos dispositivos legais invocados.
Conclui-se, pois, que o v. acórdão guerreado pecou ao reconhecer a ocorrência de preclusão do direito à revisão do saldo devedor municipal, o que efetivamente não se operou, violando o disposto nos arts. 183 e 473 do Código de Processo Civil, que bem definem tal instituto, e ainda andou o v. acórdão ao não reconhecer a nulidade da execução, nos termos do art. 618, inciso I, e 743, inciso I. (fls. 57/58)
O prazo legal para apresentação de contra-razões ao apelo nobre decorreu in albis, consoante se de extrai da certidão de fl. 60.
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O recurso especial foi inadmitido no Tribunal a quo, consoante despacho de fls. 109/111, ascendendo a esta Corte por força do provimento ao AG n. 580.380-SP, manejado pelo Município ora recorrente.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Luiz Fux (Relator): Restando devidamente prequestionada a matéria federal inserta nos dispositivos legais apontados pelo recorrente como malferidos e preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade recursal, impõe-se o conhecimento do presente recurso especial.
Os dispositivos legais apontados como violados - arts. 183, 473, 618, I e 743, I, do CPC - dispõem:
Art. 183. Decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à parte provar que o não realizou por justa causa.
Art. 473. É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão.
Art. 618. É nula a execução:
I - Se o título executivo não for líquido, certo e exigível (art. 586);
Art. 743. Há excesso de execução:
I - quando o credor pleiteia quantia superior à do título;
A presente controvérsia cinge-se à possibilidade de o Município rever os cálculos dos valores relativos aos juros compensatórios e moratórios, que entende terem sido pagos indevidamente nos precatórios complementares.
Prima facie, registre-se que o crédito da expropriada foi devidamente pago pelo Município tempestivamente, em 08 (oito) parcelas, com base em sentença trânsita em julgado.
Engendrado o pagamento da dívida por meio de precatório, revela-se inviável, nos próprios autos reabrir a discussão acerca dos cálculos, reservando-se à Fazenda, em ação de repetição, reaver o que pagou indevidamente, pretensão impossível de ser exercida na fase administrativa do implemento do débito.
Ademais, é cediço que: "É impossível a desconstituição da coisa julgada na esfera da Presidência do Tribunal, ao examinar precatório requisitório para alterar os valores fixados sob o argumento de que o critério adotado para os cálculos diverge da jurisprudência acertada sobre o tema." (REsp n. 498.406-RJ, Rel. Min. José Delgado, DJU de 17.11.2003).
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
É assente que a coisa julgada é qualidade consubstanciada na imutabilidade do acertamento ou da declaração contida na sentença, no que pertine à definição do direito controvertido.
Nesse sentido leciona Ovídio Baptista da Silva, literris:
(...) É indispensável, porém, ter presente que o pensamento dominante na
doutrina européia considera que a coisa julgada é o efeito - ou, como quer Liebman,
a qualidade - que se agrega à "declaração contida na sentença", libertando os demais
efeitos da "imutabilidade" que ele pretendera atribuir-lhes, permite, por exemplo,
aceitar que a decisão que homologue a atualização do cálculo, na fase de execução
da sentença para reservar o valor da condenação - não ofenderá a coisa julgada.
12. A distinção entre coisa julgada e efeitos da sentença está feita de modo
didático no Código Civil italiano, ao conceituar a coisa julgada como L 'accertamento contenuto nella sentenza (art. 2.909), depois de referir-se, no artigo precedente, a
seus efeitos. Esse accertamento, diz o Código italiano, ufa stato, entre as partes, para
todos os efeitos.
De resto, poderíamos ir mais longe, para advertir que as hipóteses que mais
diretamente causaram revolta àqueles ilustres juristas - não por acaso magistrados
ou ex-magistrados foram as avaliações judiciais produtoras de valores absurdos, Cuidava-se, porém, de sentenças homologatórias rigorosamente incongruentes,
caracterizadas por manifesta oposição respectiva sentença que condenara ao
pagamento do justo valor.
O cálculo produzido na respectiva execução da sentença subvertia inteiramente
o julgado, fazendo com que o justo valor - que o processo de liquidação da sentença
deveria determinar - se transformasse em fonte de enriquecimento ilícito.
Por outro lado - este é um argumento adicional decisivo -, a sentença que
homologa o cálculo decide sobre fato, não sobre direito, no sentido de que a decisão
possa adquirir a força de coisa julgada. Como disse, com toda razão, o Ministro
Delgado (p. 18), as sentenças nunca poderão transformar fatos não verdadeiros em reais. Se o arbitrador, por qualquer motivo, desobedeceu ao julgado, produzindo um
cálculo absurdo, terá, com certeza, cometido erro de cálculo. A declaração contida
no ato de homologar, no ato através do qual o juiz torna seu o arbitramento (homo
+ logos), não produz coisa julgada capaz de impedir que se corrija o cálculo,(...).
Com efeito, o erro material pode ser sanado a qualquer tempo, sem que se ofenda a coisa julgada, até porque a correção do mesmo constitui mister inerente à função jurisdicional. Essa é, inclusive, a inteligência da norma prevista no art. 463, inciso I, do Código de Processo Civil.
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Ademais, in casu, não se vislumbra ocorrência de erro material, caracterizado pelo equívoco de escrita ou de cálculo, sobre a conta homologada, hábil a representar a manifestação incorreta da vontade, e não se confunde com o erro sobre os critérios de cálculo a serem utilizados, tais como incidência de expurgos, de juros, ou de índice de correção monetária, dentre outros.
Deveras, na hipótese sub examine a pretensão do Município cinge-se à revisão de cálculos já homologados, o que revela a preclusão da matéria.
Sobre o thema discorre Carlos Valder do Nascimento, in "Execução Contra a Fazenda Pública", 1.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 29/30 e 34/35, verbis:
Dentro de uma perspectiva geral assentada pela legislação, pela doutrina
e pela jurisprudência, pode-se afirmar que o erro é um desvio de percepção
da realidade fática, constituindo-se em vício do consentimento, por equívoco a
propósito de determinado evento material.
Cezar Peluso, apud Arruda Alvim, perfilhando a idéia de Salvalore Satta, assim
o define:
Erro material não são apenas os defeitos exteriores ocorrentes na
documentação do juízo ou na formação de documento, mas também toda
divergência ocasional entre a idéia e sua representação, objetivamente
reconhecível que demonstre não traduzir o pensamento ou a vontade do
prolator.
Em estudo publicado em revista especializada que reproduz trabalhos forenses,
vale trazer à colação excerto do voto da lavra de Arruda Alvim, em que fixa sua
noção:
O erro material é aquele que pode ser verificado a partir de critérios
objetivos, deve ser identificável por todo homem médio e que não corresponde,
de forma evidente e inequívoca à intenção do Magistrado.
Ora, se o juiz homologa cálculos com erro, pressupõe-se que, embora não seja
a manifestação inequívoca da sua vontade, o fez por desconhecimento, por irreal
percepção do fato. de modo que seu ato contempla o âmago da questão, isto é, sua
causa material. E assim, configurando discrepância entre sua vontade e a veiculada
no próprio conteúdo de sua decisão, torna-a defeituosa.
Decorrente disso, o erro de cálculo ou mesmo de sua atualização deve ser
corrigido de ofício pelo Judiciário. Ele não reproduz a vontade do magistrado nem
o estado pode cobri-lo com o manto do trânsito em julgado. Mesmo homologado
nessas circunstâncias, porque ato nulo, não irradia efeitos jurídicos definitivos.
120
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Pela sua não inserção na relação processual válida, pode ser recomposto, com
vistas ao restabelecimento da sua exatidão, a qualquer tempo. O que importa é que
se persiga, sem limitação temporal, a eliminação da incerteza presente no vínculo
jurídico, sendo insubsistente o processo se tal desiderato não for atingido em toda
a sua plenitude.
Não é sem razão que Calamandrei assevera que o fim do processo é a
garantia da observância prática do direito objetivo. O expurgo da dúvida é fator
preponderante para que a coisa julgada alcance foro de imutabilidade. Ora, se é
certo que essa imutabilidade insere-se no contexto da segurança jurídica, não menos
verdade é que seu relativismo decorre da razão natural das coisas.
Contaminada de inexatidão material ou essencial, a obrigação exeqüenda ou o
processo executório, este extinto e aquela adimplida, não transita em julgado. (...)
Consectariamente, não é lícito ao expropriante alegar nulidade da execução, com base em cálculos preclusivamente homologados, na fase administrativa do implemento do Precatório.
Nesse sentido confira-se julgado desta Corte no REsp n. 498.406-RJ, Rel. Min. José Delgado, publicado no DJU de 17.11.2003, verbis:
Processual Civil. Mandado de segurança. Cálculos. Execução. Precatório.
Limites de atuação do Presidente do Tribunal. Coisa julgada.
1. Não há decadência para a interposição de mandado de segurança quando
a parte o interpõe no prazo de 120 dias, após ter percorrido o iter dos recursos
administrativos regularmente previstos na órbita da administração.
2. É impossível a desconstituição da coisa julgada na esfera da Presidência do Tribunal, ao examinar precatório requisitório para alterar os valores fixados sob o argumento de que o critério adotado para os cálculos diverge da jurisprudência acertada sobre o tema.
3. A coisa julgada impõe segurança jurídica ao que foi decidido por sentença, com o favorecimento especial que, no caso em exame, o Estado concordou com índices aplicados, submetendo-se, portanto, aos efeitos da preclusão.
4. Alterar índices inflacionários adotados em liquidação de sentença, após
decisão que os acolheu, em sede de precatório expedido, não pode ser considerado
erro de cálculo.
5. Recurso desprovido.
Ad argumentadum tantum, a eventual violação do art. 33 do ADCT é inapreciável pelo E. STJ, posto cognição de competência do STF.
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Ex positis, nego provimento ao presente recurso especial.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 736.253-RS (2005/0048874-3)
Relator: Ministro Luiz FuxRecorrente: Estado do Rio Grande do SulProcurador: Luciane Fabbro e outrosRecorrido: Lito Som Comércio Importação de Instrumentos Musicais LtdaAdvogado: Cláudio Leite Pimentel e outros
EMENTA
Processual Civil. Tributário. CPC, art. 557, § 1º-A. Decisão monocrática do relator respaldada no artigo 11 da Lei de Execuções Fiscais. Aplicação do artigo 557, §1º.
1. A aplicação do artigo 557, § 1º-A, do CPC supõe que o julgador, ao isoladamente negar seguimento ao recurso, confira à parte prestação jurisdicional equivalente a que seria concedida acaso o processo fosse julgado pelo órgão colegiado.
2. A ratio essendi do dispositivo, com a redação dada pelo artigo 1º, da Lei n. 9.756/1998, visa a desobstruir as pautas dos tribunais, dando preferência a julgamentos de recursos que encerrem matéria controversa, conferindo prevalência ao valor celeridade à luz do princípio da efetividade.
3. Deveras, diante da opção do Relator, resta cabível de seu provimento monocrático, o agravo interno que, se provido, equivale à desaprovação do ato isolado, dando-se seguimento ao recurso.
4. A fortiori, improvido, consolida-se o ato do Relator.
5. In casu, o Agravo Regimental foi provido, por isso que nesta hipótese impunha-se proceder tal como não tivesse sido rejeitado o recurso, abrindo-se vista ao agravado (art. 557, § 1º, in fine) o que não ocorreu, encerrando a violação que ora se reconhece.
6. Recurso Especial provido.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e José Delgado votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília (DF), 11 de abril de 2006 (data do julgamento).
Ministro Luiz Fux, Relator
DJ 28.04.2006
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luiz Fux: Trata-se de recurso especial interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul, com fulcro na alínea a, do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça Estadual que deu provimento ao agravo interno, e de plano proveu o agravo de instrumento que impugnava decisão monocrática que negou seguimento ao agravo de instrumento da ora recorrida. O referido acórdão restou assim ementado:
Agravo interno manejado contra decisão do relator que negou seguimento
liminar a agravo de instrumento anteriormente interposto. Execução fiscal. Recusa
pelo credor dos bens nomeados à penhora. Alegação da insuficiência. Ordem legal.
Penhora e bloqueio de valores em conta corrente.
O direito do devedor em nomear bens à penhora é de ser garantido, pois
previsto tanto na LEF (art. 9º, III), quanto no Estatuto Processual Civil (art. 652).
A recusa do credor à nomeação deve ser devidamente fundamentada, mesmo
que desobedecida a ordem legal. Peculiaridades do caso concreto a admitir, em
princípio, que o devedor nomeie em primeiro lugar bens móveis. Havendo dúvidas
quanto à suficiência dos bens nomeados, deve o Magistrado determinar a sua
avaliação, ainda que de forma expedita, antes de indeferir a penhora sobre os
mesmos. Bloqueio e penhora de valores em conta corrente da empresa. Inviabilidade.
Regra do art. 620 do C.P.C. que deve nortear a execução.
Agravo interno provido para prover, de plano, o agravo de instrumento, por
maioria.
Voto vencido. (fls. 63)
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Noticiam os autos que Lito Som Comércio Importação de Instrumentos Musicais Ltda, empresa executada e ora recorrida, interpôs agravo de instrumento contra decisão do Juízo Singular que recusou os bens indicados pela devedora, às fls. 15/16, porquanto inobservada a ordem fixada pelo artigo 11 da Lei de Execuções Fiscais n. 6.830/1980, determinando que a penhora recaísse sobre dinheiro depositado em contas indicadas pelo credor, consoante petição às fls. 25/26.
A decisão agravada, de fls. tem o seguinte teor:
Com atraso, face ao acúmulo de processos na Vara (aproximadamente
23.000)
1) Acolho a recusa dos bens ofertados, vez que não obedecida a ordem legal
do art. 11 da LEF, bem como em face ao baixo valor venal dos mesmos;
2) Como requer item "a"
3) Atualize-se o cálculo geral, caso necessário.
Inviável o bloqueio sem penhora.
Não obstante, a fim de evitar atos inúteis, implicando a extração de mandado
e deslocamento do Oficial de Justiça, em pesados ônus ao erário público, determino,
cautelarmente (CPC, art. 600, IV e 615, III), seja oficiado ao (s) banco (s) constante
(s) no (s) ofício (s) da (s) fls. 17/19 solicitando o bloqueio de valores existentes na
(s) referida (s) conta (s) (somente saldo positivo e superior a 1/2 salário mínimo)
até o limite do débito e demais cominações legais, desde que não provenientes
de salário ou aposentadoria, e solicitando-se outrossim, a imediata transferência
dos valores bloqueados para o Banrisul - AG, Poder Judiciário, à disposição deste
Juízo.
Ato contínuo, com a comunicação pelo banco dos valores transferidos, proceda-
se, em 48 horas, a redução a termo da transformação do bloqueio em penhora,
intimando-se o (a) executado por mandado e o gerente do banco da condição de
depositário, mediante termo de compromisso firmado em cartório.
Por decisão monocrática do i. Relator, Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, o Tribunal de Justiça Estadual negou seguimento ao recurso, nos termos do art. 557 caput do CPC, assim ementada:
Execução fiscal. Nomeação à penhora de microfones de cabeça,
desacompanhada de comprovante de propriedade dos mesmos. Inobservância da
gradação legal. Acolhimento de insurgência do credor.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A ordem preferencial prevista no art. 11, da LEF, deve ser observada pelo executado quando da nomeação dos bens à constrição, mormente quando se tratar de execução definitiva de sentença, pena de, em caso de insurgência do credor, devolver-se a este o direito de indicar bens do devedor à penhora. Em não havendo óbice legal à constrição judicial de dinheiro, especialmente quando não se trata de quantia alta que venha a afetar a operacionalidade da devedora, correta a decisão singular que acolheu o pedido do credor. Atendimento aos princípios da celeridade processual e menor gravosidade na forma do processamento da execução ao devedor.
Agravo a que se nega seguimento. (fls. 45)
Irresignada, a Empresa, ora recorrida, manejou agravo interno ao fundamento de que a questão não era manifestamente inadmissível ou improcedente porquanto a penhora em dinheiro importaria em quebra de seu sigilo bancário, desamparada de qualquer suporte fático-jurídico, porquanto a existência de recursos financeiros fundar-se-ia em mera presunção. Aduziu ainda que o exequente não comprovou a ineficácia dos bens nomeados à penhora, devendo a execução seguir na forma menos gravosa para o devedor, nos termos do art. 620 do CPC.
O Tribunal a quo, por sua 1ª Câmara Cível, por maioria deu provimento ao recurso, nos termos da ementa anteriormente transcrita.
Destaque-se as razões do voto-condutor do i. Presidente Desembargador Henrique Osvaldo Poeta Roenick:
Em primeiro lugar, há de se deixar assente a respeito do direito do devedor em nomear bens à penhora. A uma, pelo fato de estar prevista a possibilidade tanto na LEF (art. 9º, III), quanto no Estatuto Processual Civil (art. 652). A duas, porque a regra visa dar efetividade ao princípio da menor onerosidade, previsto no art. 620, do CPC.
Em segundo lugar, a recusa do credor à nomeação de bens à penhora, feita pelo devedor, deve estar justificada e devidamente alicerçada em elementos convincentes. Não pode ser absoluto o poder de recusa, sob pena de violação à regra do art. 620 do C.P.C.
O credor impugnou a nomeação sob o argumento de que os bens eram insuficientes para garantir a execução, pois, por ocasião da venda, poderiam (mera suposição) não atingir o valor pelo qual viessem a ser avaliados. Ora, convenhamos. Baseado em mera suposição, o Magistrado acolheu a recusa e determinou o bloqueio e penhora de valores porventura encontrados em contas-correntes da empresa devedora. Portanto, à vista unicamente desta alegação, o Magistrado acolheu a recusa do credor.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
Ora, ante a mera alegação da parte credora de que os bens eram insuficientes
para garantir a execução, face à alegada suposição de não serem vendidos pelo preço
da avaliação (esta sequer procedida), cumpria ao Magistrado, antes de indeferir a
nomeação feita pelo devedor, determinar uma avaliação, mesmo que expedita, por
profissional da confiança do juízo, para melhor prover a respeito da matéria. Em
verdade, a impugnação sobre o valor se tratava de um incidente da penhora, que
cumpria fosse solvido com elementos convincentes de prova. Por outro lado, a mera
alegação de ser o bem de difícil comercialização, sem qualquer elemento de prova a
corroborá-la, por evidente não pode ter o condão de afastar o direito da nomeação.
Como se disse acima, a recusa do credor à nomeação de bens à penhora, feita pelo
devedor, deve estar justificada e devidamente alicerçada em elementos de prova
convincentes. Não pode ser absoluto o poder de recusa, sob pena de violação à
regra do art. 620 do C.P.C. Máxime quando pelo fato de te sido aceita a recusa, a
penhora veio a recair sobre valores em conta corrente da empresa devedora, que
deles necessita como capital de giro, sob pena de inviabilizar suas atividades. Por
isso que apenas em circunstâncias absolutamente excepcionais se pode admitir tal
penhora, ou seja, ante a inexistência total e completa de qualquer outro bem. E não
é o caso dos autos. Bens outros existem, tanto que nomeados. Daí, pelo princípio
da menor onerosidade (norte primeiro de qualquer execução), devem ser tais bens
penhorados anteriormente. Somente na hipótese de, uma vez vendidos, ainda assim
remanescer dívida, ou, então, na inviabilidade total de sua venda judicial, por
ausência de arrematantes interessados, é de se pensar na possibilidade de penhora
dos valores em conta corrente, se outros bens livres e desembaraçados não existirem
e que possam garantir o débito.
Então, o provimento do presente agravo interno se impõe, com a máxima vênia
do eminente Relator, a fim de prover de plano o agravo de instrumento anteriormente
interposto, para desconstituir a decisão a quo que determinou o bloqueio e penhora
de valores em conta corrente da agravante, recaindo a constrição judicial sobre
os bens nomeados pela devedora, que deverão ser avaliados por profissional da
confiança do juízo. Em caso de insuficiência, se isto for realmente apontado, ainda
existirá o remédio do reforço, sobre outros bens livres e desembaraçados.
Nestes termos, dou provimento ao agravo interno para prover de plano o de instrumento.
Por sua vez, o Estado do Rio Grande do Sul, opôs embargos de declaração, a fim de sanar contradição acerca da aplicação dos seguintes artigos do CPC:
- 557, § 1º, porquanto uma vez provido o agravo interno deveria ter "prosseguimento" o agravo de instrumento;
126
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
- 527 c.c. 557, I e V, ante a obrigatoriedade da observância do contraditório em caso de recurso de agravo de instrumento;
- 557, § 1º-A, aduzindo o recorrente que a decisão recorrida, proferida pelo Juízo da comarca de Porto Alegre, que acolheu o pedido de penhora pelo credor e rejeitou a nomeação feita pelo devedor, não está em desacordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores. Argüiu que "a decisão recorrida baseou-se em fatos e em interpretação de lei, com aplicação do art. 620 do CPC. Não invocou qualquer posição de Tribunal Superior." (fls. 72/77)
Os embargos restaram rejeitados nos termos da ementa que se transcreve:
Embargos de declaração.
Mesmo para fins de prequestionamento, somente são cabíveis os embargos de declaração nas hipóteses restritas do art. 535, I e II, do C.P.C. Inexistindo omissão, contradição ou obscuridade no acórdão, deve o recurso ser rejeitado, pois não é ele meio hábil para o reexame da causa.
Embargos Rejeitados. (fls. 82)
Nas razões do especial, sustenta o Estado recorrente ofensa ao artigo 557, § 1º no que pertine à necessidade de dar seguimento ao agravo de instrumento ante o provimento do agravo interno, os artigos 527 c.c. 557, § 1º-A, uma vez necessária a observância do contraditório, obstaculizada pelo provimento de plano do agravo de instrumento, e por fim ao artigo 535 do CPC, em caso de se entender que a matéria não se encontra prequestionada.
Apresentadas contra-razões às fls. 105/113, pugnando pelo desprovimento do recurso, o qual recebeu crivo positivo de admissibilidade na instância de origem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Luiz Fux (Relator): Devidamente prequestionada a matéria federal ventilada, merecendo conhecimento o recurso.
Merece acolhida a irresignação especial.
Versa a controvérsia acerca dos seguintes artigos do Código de Processo Civil:
I ) Art. 527 (antiga redação):
Recebido o agravo de instrumento no Tribunal, e distribuído incontinenti, se não for caso de indeferimento liminar (art. 557), o relator (Redação dada pela Lei n. 9.139, de 30.11.1995)
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
I - poderá requisitar informações ao juiz da causa, que as prestará no prazo de
10 (dias); (Incluído pela Lei n. 9.139, de 30.11.1995)
II - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), comunicando ao
juiz tal decisão; (Incluído pela Lei n. 9.139, de 30.11.1995)
III - intimará o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu
advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de
10 (dez) dias, facultando lhe juntar cópias das peças que entender convenientes;
nas comarcas sede de tribunal, a intimação far-se-á pelo órgão oficial; (Incluído pela
Lei n. 9.139, de 30.11.1995)
IV - ultimadas as providências dos incisos anteriores, mandará ouvir o
Ministério Público, se for o caso, no prazo de 10 (dez) dias. (Incluído pela Lei n.
9.139, de 30.11.1995)
II - Art. 527 (nova redação):
Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o
relator: (Redação dada pela Lei n. 10.352, de 26.12.2001)
I - negar-lhe-á seguimento, liminarmente, nos casos do art. 557; (Redação
dada pela Lei n. 10.352, de 26.12.2001)
II - converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se
tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação,
bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que
a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa; (Redação dada
pela Lei n. 11.187, de 2005)
III - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em
antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao
juiz sua decisão; (Redação dada pela Lei n. 10.352, de 26.12.2001)
IV - poderá requisitar informações ao juiz da causa, que as prestará no prazo
de 10 (dez) dias; (Redação dada pela Lei n. 10.352, de 26.12.2001)
V - mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias (art. 525, § 2º), facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente, sendo que, nas comarcas sede de tribunal e naquelas em que o expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante publicação no órgão oficial; (Redação dada pela Lei n. 11.187, de 2005)
VI - ultimadas as providências referidas nos incisos III a V do caput deste
artigo, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no
prazo de 10 (dez) dias. (Redação dada pela Lei n. 11.187, de 2005)
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Parágrafo único. A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do
caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento do
agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar. (Redação dada pela Lei n. 11.187,
de 2005)
III) Art. 557:
O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível,
improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência
dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal
Superior. (Redação dada pela Lei n. 9.756, de 17.12.1998)
II ) § 1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Incluído pela Lei n. 9.756, de 17.12.1998)
III ) § 1o Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento. (Incluído pela Lei n. 9.756, de 17.12.1998)
§ 2o Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal
condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor
corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada
ao depósito do respectivo valor. (Incluído pela Lei n. 9.756, de 17.12.1998)
A discussão acerca da possibilidade de o relator decidir o agravo de instrumento isoladamente, com fulcro no artigo 557, § 1º-A do CPC, encontra-se superada no âmbito desta Colenda Corte. A jurisprudência firmou-se no sentido de que, tratando-se de recurso manifestamente improcedente, prejudicado, deserto, intempestivo ou contrário a jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF ou de Tribunal Superior, inocorre nulidade da decisão quando o relator não submete o recurso à apreciação do órgão colegiado, indeferindo monocraticamente o processamento do mesmo. Na esteira deste entendimento, estão os seguintes julgados:
Processual Civil e Previdenciário. Recurso especial. Decisão monocrática.
Negativa de seguimento. Relator. Possibilidade. Art. 557 do CPC. Redação da
Lei n. 9.756/1998. Intuito. Desobstrução de pautas dos tribunais. Menor sob
guarda. Parágrafo 2º, art. 16 da Lei n. 8.231/1991. Equiparação à filho. Fins
previdenciários. Lei n. 9.528/1997. Rol de dependência. Exclusão. Proteção ao
menor. Art. 33, parágrafo 3º da Lei n. 8.069/1990. ECA. Guarda e dependência
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
econômica. Comprovação. Benefício. Concessão. Possibilidade. Precedentes do STJ.
Agravo interno desprovido.
I - A discussão acerca da possibilidade de o relator decidir o recurso interposto
isoladamente, com fulcro no art. 557 do Código de Processo Civil, encontra-se
superada no âmbito desta colenda Turma. A jurisprudência firmou-se no sentido de
que, tratando-se de recurso manifestamente improcedente, prejudicado, deserto,
intempestivo ou contrário a jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do
Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, inocorre nulidade da decisão
quando o relator não submete o feito à apreciação do órgão colegiado, indeferindo
monocraticamente o processamento do recurso.
II - Na verdade, a reforma manejada pela Lei n. 9.756/1998, que deu nova
redação ao artigo 557 da Lei Processual Civil, teve o intuito de desobstruir as pautas
dos tribunais, dando preferência a julgamentos de recursos que realmente reclamam
apreciação pelo órgão colegiado.
III - A redação anterior do § 2º do artigo 16 da Lei n. 8.213/1991 equiparava
o menor sob guarda judicial ao filho para efeito de dependência perante o
Regime Geral de Previdência Social. No entanto, a Lei n. 9.528/1997 modificou o
referido dispositivo legal, excluindo do rol do artigo 16 e parágrafos esse tipo de
dependente.
IV - Todavia, a questão merece ser analisada à luz da legislação de proteção
ao menor.
V - Neste contexto, a Lei n. 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente
- prevê, em seu artigo 33, § 3º, que: "a guarda confere à criança ou adolescente
a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive
previdenciário."
VI - Desta forma, restando comprovada a guarda deve ser garantido o benefício
para quem dependa economicamente do instituidor, como ocorre na hipótese dos
autos. Precedentes do STJ.
VII - Agravo interno desprovido. (AgRg no REsp n. 727.716-CE, Relator
Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ de 16.05.2005)
Processual Civil e Previdenciário. Agravo regimental no recurso especial.
Decisão monocrática do relator com arrimo no artigo 557 do CPC. Cabimento.
Omissão no julgado do Tribunal de origem. Não-ocorrência. Violação à legislação
federal. Ausência de prequestionamento. Súmula n. 211-STJ. Ação rescisória.
Conversão de benefício em URV. Restituição dos valores pagos indevidamente.
Inadmissibilidade. Verba de natureza alimentar.
130
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. Com a nova redação dada pela Lei n. 9.756/1998 ao art. 557 do Código
de Processo Civil, o relator pode negar seguimento a recurso manifestamente
inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com a jurisprudência
do respectivo tribunal ou de tribunal superior, ainda que não sumulada. Essa nova
sistemática teve como escopo desafogar as pautas dos tribunais, possibilitando,
assim, maior rapidez nos julgamentos que de fato necessitem de apreciação do
órgão colegiado.
2. Não subsiste a alegada violação ao art. 535 do Código de Processo Civil,
visto que todas as questões relevantes para a apreciação e julgamento do recurso
foram analisadas de maneira clara e coerente pelo Tribunal de origem, não havendo
qualquer omissão ou obscuridade a serem sanadas.
3. Quanto às matérias insertas nos arts. 126 e 127 do Estatuto Processual Civil
e arts. 876 e 884 do Código Civil, verifico que malgrado a oposição dos embargos
de declaração, não foram examinadas pela Corte a quo, carecendo, portanto,
do indispensável prequestionamento, viabilizador do apelo especial, atraindo, à
espécie o comando da Súmula n. 211-STJ.
4. Uma vez reconhecida a natureza alimentar dos benefícios previdenciários é
inadmissível a pretensão de restituição dos valores pagos aos segurados, em razão
do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos.
5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 697.397-SC, Relatora
Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ de 16.05.2005)
Processual Civil. Agravo regimental. Decisão que determina a subida de
recurso especial inadmitido. Hipótese de cabimento não configurada. Art. 258, § 2º,
do RISTJ. Decisão monocrática. Validade.
1. Pelo art. 557 do CPC, com a redação dada pela Lei n. 9.756/1988, é
possível ao relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, sendo
perfeitamente válida a decisão monocrática que, nos termos do art. 258, § 2º, do
RISTJ, não conhece de agravo regimental contra decisão que determina a subida de
recurso especial não admitido.
2. Esta Corte tem admitido a interposição de agravo regimental, nessa hipótese,
tão-somente para questionar a regularidade formal do agravo de instrumento.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no AgRg no AG n. 632.886-MG,
Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 09.05.2005)
Processual Civil. Aplicação do art. 557 do CPC. Possibilidade. Honorários
advocatícios. Execução fiscal. Embargos de terceiro. Limites percentuais estabelecidos
pelo § 3º do art. 20 do CPC. Inaplicabilidade, quando a condenação em honorários
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
ocorra em uma das hipóteses do § 4º do mesmo dispositivo. Agravo regimental não provido.
1. O caput do art. 557 do CPC autoriza o relator a negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
2. Não ofende o art. 557, caput, do CPC, portanto, a decisão monocrática de relator que nega seguimento a recurso com base em seu confronto com súmula editada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Eventual questão da nulidade da decisão monocrática fica superada com a reapreciação do recurso pelo órgão colegiado, na via de agravo regimental.
(...)
5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 716.444-SC, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ de 02.05.2005)
Na verdade, o § 1º-A, do artigo 557, do CPC, com a redação dada pelo artigo 1º, da Lei n. 9.756/1998, teve o condão de desobstruir as pautas dos tribunais, dando preferência a julgamentos de recursos que realmente reclamam apreciação pelo órgão colegiado.
Deveras, diante da opção do Relator, resta cabível de seu provimento monocrático, o agravo interno que, se provido, equivale à desaprovação do ato isolado e o "recurso deve ter seguimento."
A fortiori, improvido, consolida-se o ato do Relator.
In casu, o Agravo Regimental foi provido, por isso que nesta hipótese impunha-se proceder tal como não tivesse sido rejeitado o recurso, abrindo-se vista ao agravado (art. 557, § 1º, in fine) o que não ocorreu, encerrando a violação que ora se reconhece.
Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 737.198-SP (2005/0046362-3)
Relator: Ministro Luiz FuxRecorrente: W2G2 S/AAdvogado: Flávia Maria de Moraes Geraigire e outros
132
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recorrido: Município de GuarujáProcurador: Frederico Antonio Gracia e outros
EMENTA
Processual Civil e Administrativo. Mandado de segurança. Ato administrativo. Expedição de licença. Drogarias e farmácias. Venda de produtos estranhos às suas atividades. Ausência de regulamentação pela Administração Pública. Impossibilidade.
1. O Direito Administrativo é regido, dentre outros, pelo princípio da legalidade, por isso que o particular somente pode atuar secundum legis. Sob esse enfoque, não havendo lei que abarque a pretensão da recorrente, não há como acolher a tese de que a norma n. 5.991/1973 não proíbe a comercialização de outras mercadorias alheias à área de medicamento.
2. A Corte, ao revés, já assentou que: "Inexistente a regulamentação requerida - quer pela Lei n. 5.991/1973 ou pela Lei n. 6.360/1976 - no âmbito do Estado de São Paulo, a proteger o direito alegado pela impetrante, nesta ação mandamental, não pode o Estado-juiz inovar, por meio de uma interpretação extensiva, de todo descabida no campo da Administração Pública, em verdadeira atividade legislativa, nem mesmo substituir-se à Administração, para determinar o expedir de licença, sem observância a qualquer requisito ou exigência legal, necessários ao proteger dos cidadãos, quanto a aspectos de higiene e saúde. Sendo a licença ato administrativo vinculado, somente quando do cumprimento das exigências legais é que não pode a Administração deixar de concedê-la, hipótese em que o Judiciário poderia, por óbvio, determinar a sua expedição. A questão jurídica relevante, in casu, não é, pois, de forma alguma, a possibilidade de farmácias e drogarias comercializarem outros produtos que não medicamentos. Esta é inconteste. O que importa, todavia, é a ausência de respaldo normativo, a tornar líqüido e certo o direito das impetrantes de exercerem o comércio de produtos diversos, inclusive de limpeza de ambiente, em meio a medicamentos, e sem a satisfação de qualquer requisito, como decidido pela Corte Paulista." (REsp. n. 341.386-SP, Rel. Min. Paulo Medina, DJ 08.10.2002).
3. Outrossim, é assente na doutrina que a licença "é ato vinculado, unilateral, pelo qual a Administração faculta a alguém o
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
133
RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
exercício de uma atividade, uma vez demonstrado pelo interessado o preenchimento dos requisitos legais exigidos." (in Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 17º Edição, p. 402), por isto que irrepreensível a conduta do recorrido para cessar a venda dos produtos estranhos a atividade da recorrente, em vista a ausência de regulação estatal.
4. Deveras, o § 1º do artigo 5º, na sua exegese, dispõe acerca dos produtos os quais podem valer-se as drogarias para a comercialização, verbis:
O comércio de drogas, medicamentos e de insumos farmacêuticos é privativo das empresas e dos estabelecimentos definidos nesta Lei.
§ 1º - O comércio de determinados correlatos, tais como, aparelhos e acessórios, produtos utilizados para fins diagnósticos e analíticos, odontológicos, veterinários, de higiene pessoal ou de ambiente, cosméticos e perfumes, exercido por estabelecimentos especializados, poderá ser extensivo às farmácias e drogarias, observado o disposto em lei federal e na supletiva dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
5. Ademais, o § 1º, do art. 5º, da Lei n. 5.991/1973 condiciona a autorização para comercialização de determinados correlatos, à regulamentação por meio de lei federal e a supletivamente por normas dos Estados, Distrito Federal e dos Territórios.
6. Inexistindo no Estado de São Paulo regulamentação necessária à venda dos produtos estranhos à atividade da recorrente, resta evidente a ausência de direito a ser tutelado nesta via judicial, sendo certo também que descabe ao Judiciário, em flagrante interpretação extensiva da norma, determinar a expedição de alvará para satisfazer o pleito da recorrente, sob a mesma argumentação, ou seja, ante a ausência de regulamentação legal para tanto, sob a ótica do princípio da legalidade.
7. A Primeira Turma, sob o pálio do princípio da legalidade, decidiu causa análoga ao assentar:
Administrativo. Recurso especial. Autorização para comercialização de medicamentos. Supermercados.
I - De acordo com a Lei n. 5.991/1973, que regula o comércio de medicamentos, somente as farmácias, drogarias, postos de medicamentos e unidades volantes e dispensários de medicamentos estão autorizados a comercializar estes produtos.
134
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
II - Os supermercados, por conseguinte, não estão incluídos no rol
numerus clausus da referida lei.
III - A Medida Provisória n. 542/1994 concedeu autorização aos
supermercados para o aludido comércio, mas, ao ser convertida na Lei n.
9.069/1995, suprimiu de seu texto a autorização para os supermercados
comercializarem medicamentos.
IV - Recurso especial improvido. (REsp n. 272.736-SE, Relator
Ministro Francisco Falcão, 1ª Turma, DJ 27 de junho de 2005)
8. Recurso Especial conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial, mas negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, em uma parte da sessão, o Sr. Ministro José Delgado.
Brasília (DF), 04 de abril de 2006 (data do julgamento).
Ministro Luiz Fux, Relator
DJ 28.04.2006
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luiz Fux: W2G2 S/A aforou ação declaratória, com requerimento para antecipação dos efeitos da tutela de mérito, contra o Município do Guarujá, objetivando a livre comercialização de produtos veterinários, alimentos infantis, colas, dentre outros, típicos de uma drugstore.
O Juízo singular da 1ª Vara Cível da Comarca de Guarujá entendeu por bem julgar procedente a pretensão deduzida na inicial, para declarar o direito da autora a continuar exercendo regular e legalmente suas atividades de acordo com seu objeto social, cumulando a atividade de drogaria à loja de conveniência e drugstore, previstos, repectivamente, no incisos XI e XX, do artigo 4º da Lei n. 5.991/1973 (fl. 126).
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
Inconformado, Município do Guarujá apelou ao Tribunal Paulistano, pugnando pela reforma da sentença ao argumento de que o objeto social da ora recorrente era consubstanciado na venda de produtos farmacêuticos. Acrescentou, ainda, que a ora recorrente, na tentativa de burlar a legislação, imprimiu interpretação extensiva aos produtos correlatos. (fls. 130/132)
A Quinta Câmara do TJSP, por maioria de votos, proveu o recurso de apelação e a remessa necessária para julgar improcedente a demanda, sendo válida a transcrição do seguinte trecho voto condutor, in verbis:
Inviável, todavia, se afigura o acolhimento dessa pretensão, antes de mais
nada, porque não consta que a autora disponha de autorização do poder competente
para tal fim.
E tampouco se presta a ação declaratória para suprir, por via indireta, a
inexistência do alvará de que carece o estabelecimento comercial para o seu
funcionamento, no qual esteja autorizado o exercício cumulativo de ambas as
atividades.
Por outro lado, a Lei n. 5.991, de 17 de dezembro de 1973, alterada em parte
pela Lei n. 9.069, de 29 de junho de 1995, além de distinguir entre drogaria e loja de conveniência e drugstore (art. 4°, incisos XI e XX), dispõe expressamente, no seu
art. 55, que "é vedado utilizar qualquer dependência da farmácia ou da drogaria
como consultório, ou outro fim diverso do licenciamento", de sorte que não há como
reconhecer à autora o direito de cumular essas atividades distintas.
A propósito do tema, em venerando acórdão da colenda Oitava Câmara de
Direito Público, proferido na Apelação Cível n. 116.381517, de que foi relator o
eminente Desembargador José Santana, entendeu-se que a segurança concedida
naquele caso não podia ser estendida para efeito de garantir à impetrante o direito de comercializar produtos diversos daqueles a que está legalmente autorizada a vender, porque esse direito - não obstante a garantia de liberdade de comércio e da livre
concorrência - está subordinado a autorização regulamentar, especificado em alvará
de funcionamento do estabelecimento expedido pelo órgão municipal competente
que, a respeito, detém poder regulamentar.
No mesmo sentido, decidiu-se nesta colenda Quinta Câmara de Direito Público,
em venerando acórdão de que foi relator eminente Desembargador Emmanoel
França, publicado em JT J 260/94, no qual se consigna a ementa de outro a resto,
do seguinte teor:
Mandado de segurança. Drogaria. Comércio de alimentos. Sentença
denegatória. Sem autorização legal expressa para a venda de alimentos,
inexiste direito a ser protegido, pois as garantias de livre iniciativa, concorrência
136
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
e livre exercício de ofício ou profissão não são ilimitadas, estando ressalvadas
na própria Constituição Federal as regras de contenção estabelecidas em lei.
Negado provimento ao recurso (Apelação Cível n. 70.638-5 - Ribeirão Preto -
aa Câmara de Direito Público - Relator: Teresa Ramos Marques - 12.05.1999
- V.U)
Esse também foi o entendimento perfilhado pela colenda Quarta Câmara de
Direito Público, em venerando acórdão de que foi relator o eminente Desembargador
Coutinho Arruda, com a seguinte ementa:
Farmácia e Drogaria. Atividade restrita ao previsto nos arts. 4°, X e
XI e 5°, parágrafo único da Lei n. 5.991 fi3. Inadmissibilidade de venda
de mercadorias diversas. Atividade cumulada com loja de conveniência ou
drugstore. Permissão societária, mas não sanitária. Segurança denegada.
Recurso oficial e voluntário providos para esse fim (JT J 248/66).
Assim, no caso, é de julgar improcedentes a ação e a cautelar, invertendo-se
os ônus da sucumbência.
Para esse fim, dá-se provimento aos recursos. (fls. 157/158)
A ora recorrente opôs embargos declaratórios alegando omissão (fls. 164/168), restando os mesmos desacolhidos pelo Tribunal a quo (fls. 172/176) ante a clara pretensão infringente da embargante.
Em razão do julgamento não unânime do apelo, o qual reformou a sentença singular, a ora recorrente se valeu de embargos infringentes, colacionado acórdão TJSP e repisando a tese ventilada na peça vestibular.
O Tribunal a quo rejeitou os embargos infringentes, na medida em que as atividades de farmácia e drogaria estão restritas às disposições legais (Lei n. 5.991, de 1973, alterada pela Lei n. 9.069, de 1995 - art. 4º, incisos X e XI e art. 5º, parágrafo único e art. 55), de modo ser inadmissível a venda de mercadorias diversas, sem permissão sanitária, apesar do contrato social permiti-lo. (fl. 230).
Na via do recurso especial (fls. 269/283), W2G2 S/A sustenta violação dos arts. 1º, 4º, 21 e 55 da Lei n. 5.991/1973, sob a invocação de que o controle sanitário, nos termos do art. 1º do diploma in foco, é exercido sobre o comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, não vedando o comércio de outros produtos que lá não estejam elencados. Alega, ainda, a ocorrência de dissidência pretoriana relativamente entre o aresto vergastado e acórdão oriundo do TJMG.
A Municipalidade recorrida apresentou contra-razões ao apelo extremo às fls. 317/326, pugnando pela mantença do aresto objurgado.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
O apelo especial recebeu crivo de admissibilidade positivo no Tribunal a quo, ascendendo a este Sodalício (fls. 328/334).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Luiz Fux (Relator): Prima facie, conheço do Recurso Especial interposto com arrimo nas alíneas a e c do permissivo constitucional, porquanto restou prequestionado no acórdão guerreado os dispositivos tidos por malferidos, demonstrada a dissidência pretoriana nos moldes do RISTJ e preenchidos os demais requisitos de admissibilidade recursal.
O presente apelo não merece prosperar. Isto porque, no que respeita à violação dos arts. 1º, 4º, 21 e 55, insta assentar que não restou configurada a mesma. A recorrente alega que à fiscalização sanitária incumbe fiscalizar o comércio de drogas, medicamentos, insumos e correlatos, sendo certo a Lei n. 5.991/1973 não veda a venda de produtos que não constem de seu rol. Impõe-se, por oportuno, transcrever os dispositivos tidos por malferidos pela recorrente:
Art. 1º - O controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, em todo o território nacional, rege-se por esta Lei.
Art. 4º - Para efeitos desta Lei, são adotados os seguintes conceitos:
I - Droga - substância ou matéria-prima que tenha a finalidade medicamentosa ou sanitária;
II - Medicamento - produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico;
III - Insumo Farmacêutico - droga ou matéria-prima aditiva ou complementar de qualquer natureza, destinada a emprego em medicamentos, quando for o caso, e seus recipientes;
IV - Correlato - a substância, produto, aparelho ou acessório não enquadrado nos conceitos anteriores, cujo uso ou aplicação esteja ligado à defesa e proteção da saúde individual ou coletiva, à higiene pessoal ou de ambientes, ou a fins diagnósticos e analíticos, os cosméticos e perfumes, e, ainda, os produtos dietéticos, óticos, de acústica médica, odontológicos e veterinários;
V - Órgão sanitário competente - órgão de fiscalização do Ministério da Saúde, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;
VI - Laboratório oficial - o laboratório do Ministério da Saúde ou congênere da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, com competência delegada através de convênio ou credenciamento, destinado à análise de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos;
138
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VII - Análise fiscal - a efetuada em drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, destinada a comprovar a sua conformidade com a fórmula que deu origem ao registro;
VIII - Empresa - pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que exerça como atividade principal ou subsidiária o comércio, venda, fornecimento e distribuição de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, equiparando-se à mesma, para os efeitos desta Lei, as unidades dos órgãos da administração direta ou indireta, federal, estadual, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios e entidades paraestatais, incumbidas de serviços correspondentes;
IX - Estabelecimento - unidade da empresa destinada ao comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos;
X - Farmácia - estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais, de comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, compreendendo o de dispensação e o de atendimento privativo de unidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica;
XI - Drogaria - estabelecimento de dispensação e comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos em suas embalagens originais;
XII - Ervanaria - estabelecimento que realize dispensação de plantas medicinais;
XIII - Posto de medicamentos e unidades volante - estabelecimento destinado exclusivamente à venda de medicamentos industrializados em suas embalagens originais e constantes de relação elaborada pelo órgão sanitário federal, publicada na imprensa oficial, para atendimento a localidades desprovidas de farmácia ou drogaria;
XIV - Dispensário de medicamentos - setor de fornecimento de medicamentos industrializados, privativo de pequena unidade hospitalar ou equivalente;
XV - Dispensação - ato de fornecimento ao consumidor de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, a título remunerado ou não;
XVI - Distribuidor, representante, importador e exportador - empresa que exerça direta ou indiretamente o comércio atacadista de drogas, medicamentos em suas embalagens originais, insumos farmacêuticos e de correlatos;
XVII - Produto dietético - produto tecnicamente elaborado para atender às necessidades dietéticas de pessoas em condições fisiológicas especiais.
XVIII - Supermercado - estabelecimento que comercializa, mediante auto-serviço, grande variedade de mercadorias, em especial produtos alimentícios em geral e produtos de higiene e limpeza; (Redação dada pela Lei n. 9.069, de 29.06.1995)
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
XIX - Armazém e empório - estabelecimento que comercializa, no atacado
ou no varejo, grande variedade de mercadorias e, de modo especial, gêneros
alimentícios e produtos de higiene e limpeza; (Redação dada pela Lei n. 9.069, de
29.06.1995)
XX - Loja de conveniência e drugstore - estabelecimento que, mediante auto-
serviço ou não, comercializa diversas mercadorias, com ênfase para aquelas de
primeira necessidade, dentre as quais alimentos em geral, produtos de higiene e
limpeza e apetrechos domésticos, podendo funcionar em qualquer período do dia
e da noite, inclusive nos domingos e feriados; (Redação dada pela Lei n. 9.069, de
29.06.1995)
Art. 21 - O comércio, a dispensação, a representação ou distribuição e a
importação ou exportação de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e
correlatos será exercido somente por empresas e estabelecimentos licenciados pelo
órgão sanitário competente dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, em
conformidade com a legislação supletiva a ser baixada pelos mesmos, respeitadas as
disposições desta Lei.
Art. 55 - É vedado utilizar qualquer dependência da farmácia ou da drogaria
como consultório, ou outro fim diverso do licenciamento.
É cediço que no âmbito do Direito Administrativo vigora o princípio da legalidade, no sentido de que a Administração Pública deve atuar nos limites da lei. Sob esse enfoque, não há lei que abarque a pretensão da recorrente, sob a invocação de que a norma n. 5.991/1973 não proíbe a comercialização de outras mercadorias alheias a área de medicamento. É que o § 1º do artigo 5º, na sua exegese, dispõe acerca de que produtos podem valer-se as drogarias para a comercialização. A Primeira Turma, acerca do desvio de finalidade das atividades licenciadas, decidiu no REsp n. 272.736-SE que:
Administrativo. Recurso especial. Autorização para comercialização de
medicamentos. Supermercados.
I - De acordo com a Lei n. 5.991/1973, que regula o comércio de medicamentos, somente as farmácias, drogarias, postos de medicamentos e unidades volantes e dispensários de medicamentos estão autorizados a comercializar estes produtos.
II - Os supermercados, por conseguinte, não estão incluídos no rol numerus
clausus da referida lei.
III - A Medida Provisória n. 542/1994 concedeu autorização aos supermercados para o aludido comércio, mas, ao ser convertida na Lei n. 9.069/1995, suprimiu de seu texto a autorização para os supermercados comercializarem medicamentos.
140
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
IV - Recurso especial improvido. (REsp n. 272.736-SE, Rel. Min. Francisco
Falcão, DJ 27.06.2005)
Deveras, o § 1º, do art. 5º, da Lei n. 5.991/1973 condiciona a autorização para comercialização de determinados correlatos à regulamentação por meio de lei federal e a supletivamente por normas dos Estados, Distrito Federal e dos Territórios.
Inexistindo no Estado de São Paulo regulamentação necessária à venda dos produtos estranhos a atividade da recorrente, resta evidente a ausência de direito a ser tutelado nesta via judicial, sendo certo também que descabe ao Judiciário, em flagrante interpretação extensiva da norma, determinar a expedição de alvará para satisfazer o pleito da recorrente, sob a mesma argumentação, ou seja, ante a ausência de regulamentação legal para tanto.
É assente na doutrina que a licença é ato vinculado, unilateral, pelo qual a Administração faculta a alguém o exercício de uma atividade, uma vez demonstrado pelo interessado o preenchimento dos requisitos legais exigidos (in Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 17ª Edição, p. 402). Sob essa ótica, irrepreensível a conduta da autoridade impetrada para cessar a venda dos produtos estranhos a atividade da recorrente, em vista a ausência de regulação estatal.
Assente-se, ainda, que a recorrente assevera que, se até mesmo as lojas de conveniência e durgstores podem comercializar medicamentos, assim, nada pode impedir que as farmácias e drogarias vendam os produtos autorizados às lojas de conveniência e drugstores (fl. 275) Equivocado, data venia, o seu raciocínio, consoante assentado no aresto da Primeira Turma, na medida em que o art. 5º da Lei n. 5.991/1973 é claro ao estabelecer que o comércio de drogas, medicamentos e de insumos farmacêuticos é privativo das empresas e dos estabelecimentos definitos nesta Lei. Enquanto que o art. 6º do mesmo diploma, de forma integradora, evidencia que a dispensação de medicamentos é privativa de farmácia, drogaria, posto de medicamento, unidade volante e dispensário de medicamentos.
Ademais, para a dispensação de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos é necessária a obtenção de licença que, dentre outros requisitos, condiciona a presença de responsável técnico, legalmente habilitado, durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento, o que não se exige de supermercados, armazéns, empórios e drugestores justamente por só venderem medicamentos anódicos. A Corte, apreciando caso idêntico ao aqui ventilado, assim decidiu:
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
Administrativo. Mandado de segurança. Princípio da legalidade. Expedição de licença. Ato vinculado. Drogarias e farmácias. Comercialização dos produtos elencados no art. 5º, § 1º, da Lei n. 5.991/1973. Observância da Lei n. 6.360/1976. Necessidade de regulamentação. Ausência de direito líqüido e certo. Segurança cassada.
Inexistente a regulamentação requerida - quer pela Lei n. 5.991/1973 ou pela Lei n. 6.360/1976 - no âmbito do Estado de São Paulo, a proteger o direito alegado pela impetrante, nesta ação mandamental, não pode o Estado-juiz inovar, por meio de uma interpretação extensiva, de todo descabida no campo da Administração Pública, em verdadeira atividade legislativa, nem mesmo substituir-se à Administração, para determinar o expedir de licença, sem observância a qualquer requisito ou exigência legal, necessários ao proteger dos cidadãos, quanto a aspectos de higiene e saúde.
Sendo a licença ato administrativo vinculado, somente quando do cumprimento das exigências legais é que não pode a Administração deixar de concedê-la, hipótese em que o Judiciário poderia, por óbvio, determinar a sua expedição.
A questão jurídica relevante, in casu, não é, pois, de forma alguma, a possibilidade de farmácias e drogarias comercializarem outros produtos que não medicamentos. Esta é inconteste. O que importa, todavia, é a ausência de respaldo normativo, a tornar líqüido e certo o direito das impetrantes de exercerem o comércio de produtos diversos, inclusive de limpeza de ambiente, em meio a medicamentos, e sem a satisfação de qualquer requisito, como decidido pela Corte Paulista.
Recurso especial conhecido e provido. Segurança cassada. (REsp n. 341.386-SP, Relator Ministro Paulo Medina, 2ª Turma, DJ 08 de outubro de 2002)
Diante do exposto, conheço do Recurso Especial, mas nego-lhe provimento.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 755.279-PR (2005/0089876-0)
Relator: Ministro Teori Albino ZavasckiRecorrente: Destro Macro Exportação de Alimentos LtdaAdvogado: Deoclécio Adão PazRecorrente: Spaipa S/A Indústria Brasileira de BebidasAdvogado: Gabriel Placha e outrosRecorrido: Estado do ParanáProcurador: César Augusto Binder e outros
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA
Tributário. Recurso especial. ICMS. Exportação de produtos industrializados. Moeda nacional. Isenção. Possibilidade. Decreto n. 406/1968. Precedentes. Recurso provido.
1. Não há negativa de prestação jurisdicional nas hipóteses em que o Tribunal de origem emite juízo expresso sobre a questão suscitada nos embargos de declaração.
2. "O DL n. 406/1968 estabeleceu que não incide ICMS sobre produtos industrializados destinados ao exterior, independentemente de ser a exportação contratada em moeda nacional ou estrangeira" (REsp n. 135.371-PR, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ. 04.12.2000). Precedentes.
3. Recursos especiais providos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento aos recursos especiais, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Denise Arruda, José Delgado, Francisco Falcão e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 06 de março de 2007 (data do julgamento).
Ministro Teori Albino Zavascki, Relator
DJ 26.03.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Trazem os autos dois recursos especiais interpostos em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná que, em execução fiscal, deu provimento à apelação e a remessa oficial, reformando a sentença de procedência dos embargos que visava à declaração de inexigibilidade do crédito tributário em razão da isenção no recolhimento do ICMS em operação de venda de produto destinado à exportação. O aresto atacado, no que importa ao presente recurso, foi assim ementado:
(...) Na operação de venda mercantil dos produtos industrializados destinados
à exportação realizada pela apelada para as empresas adquirentes exportadoras
houve uma previsão de isenção fiscal, nos termos do artigo 1º, do Decreto n.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
6.108/1989, se cumprida a condição prevista expressamente no Convênio ICMS n. 4/1990 e exigida pelo art. 11 do Decreto n. 7.004/1990.
É importante consignar que tal isenção não se confunde com as operações realizadas pelas empresas exportadoras no que se refere à efetiva exportação dos produtos, vez que tal operação é imune, face à própria previsão constitucional e legal (art. 155, § 2º, X, a, da Constituição Federal e artigo 6º, da Lei Estadual n. 8.933/1989, que instituiu o ICMS (fl. 452).
Opostos embargos de declaração (fls. 472/475 e 477/478), restaram rejeitados (489/497), sob o argumento de que o acórdão recorrido não apresentou qualquer omissão.
No primeiro recurso especial (547/554), fundado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, a Spaia S.A. - Indústria Brasileira de Bebidas aponta, além da divergência jurisprudencial no que tange a incidência do ICMS, ofensa ao art. 535 do CPC, pois negou-se o Tribunal a quo "a complementar a decisão recorrida com cópia de julgamento que lhe serviu de suporte" (fl. 548). Em contra-razões (fls. 577/579), o recorrido pugna pelo não conhecimento do recurso com base na Súmula n. 283-STJ, porque os Decretos Estaduais n. 6.109/1989 e 7.004/1990 foram fundados em dispositivos estabelecidos no Convênio n. 4/1990-Confaz, situação que não fora aventada no presente recurso. No mérito, pleiteia a integral manutenção do julgado.
No segundo recurso especial (fls. 503/519), fundado nas alíneas a, b e c do permissivo constitucional, a Destro Macro Exportação de Alimentos aponta, além do dissídio jurisprudencial, ofensa aos seguintes dispositivos: (a) arts. 458, I, 459 e 535, II, do CPC, pela ausência de manifestação do Tribunal a quo acerca da ilegalidade do art. 11 do Decreto Estadual n. 7.004/1990 em face do disposto no Decreto-Lei n. 406/1968 e na Lei Complementar n. 65/1991 (fl. 510); (b) art. 1º §§ 3º, I, e 5º, I, do Decreto-Lei n. 406/1968 e art. 3º, parágrafo único, I, da Lei Complementar n. 65/1991, pois estes dispositivos "estabelecem a não incidência do imposto, sem qualquer limitação, em todas as operações de saída para o exterior e para as empresas comerciais exportadoras" (fl. 514). Aduziu, ainda, que o Tribunal de Justiça do Paraná "prestigiou o direito local (Decretos n. 6.108/1989 e 7.004/1990) em detrimento ao contido no Decreto-Lei n. 406/1968 (art. 1º, §§ 3º, I e 5º, I) e na Lei Complementar n. 65/1991 (art. 3º, parágrafo único inciso I) razão pela qual é de ser conhecido e provido o presente recurso também pelo permissivo do art. 105, III, alínea b, da CF/1988" (fls. 515). Em contra-razões (fls. 572/574), são reproduzidos os argumentos apresentados nas contra-razões de fls. 577/579.
É o relatório.
144
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): 1. Não merece acolhida a alegação do recorrido de que há incidência da Súmula n. 283-STJ. Insurgindo-se os recorrentes contra os Decretos Estaduais n. 6.109/1989 e 7.004/1990 e pleiteando a aplicação do Decreto-Lei n. 406/1968, desnecessária a menção expressa ao Convênio n. 4/1990.
2. Improcede a alegação da recorrente Destro Macro Exportação de Alimentos de violação ao art. 535 e 458 do CPC. O Tribunal de origem emitiu juízo expresso sobre a questão suscitada nos embargos de declaração, relativa à isenção de ICMS na operação de venda mercantil dos produtos industrializados destinados à exportação, sob a condição estabelecida no Convênio ICMS n. 4/1990 e exigida pelo art. 11 do Decreto n. 7.004/1990.
3. Sustenta a recorrente Spaia S.A. - Indústria Brasileira de Bebidas que houve ofensa ao art. 535 do CPC, tendo em vista que o Tribunal a quo negou-se "a complementar a decisão recorrida com cópia de julgamento que lhe serviu de suporte" (fl. 548). O argumento não procede. O Tribunal não está obrigado a juntar cópia dos precedentes jurisprudenciais que invoca.
4. A questão de fundo - a incidência ou não do ICMS sobre a saída de produtos industrializados destinados ao exterior em exportação feita em moeda estrangeira à luz do disposto no Decreto-Lei n. 40.619/1968 - já foi analisada por esta Corte em vários julgados, como os das seguintes ementas:
Tributário. ICMS. Exportação de produtos industrializados. Moeda estrangeira.
Decreto-Lei n. 406/1968 (art. 1º, §§§ 3º, 5º e 6º). Decreto-Estadual n. 7.004/1990
(art. 11) - não conhecimento e rejeição das preliminares (arts. 46, 47, 70, III, 334,
II, III e IV, 458, 459, 460, 515 e 516, CPC).
1. Preliminares sem conhecimento. Rejeição daqueles objeto de consideração.
2. Prevalência da legislação federal. "O Decreto-Lei n. 406/1968, ao determinar
a não incidência do ICMS sobre a saída de produtos industrializados destinados
ao exterior, não estabeleceu exigência de que a exportação se faça em moeda
estrangeira". (REsp n. 152.684-PR - Rel. Min. Garcia Vieira).
3. Recurso provido.
(REsp n. 131.926-PR, 1ª T., Min. Milton Luiz Pereira, DJ 28.02.2000)
Tributário. ICMS. Mercadorias industrializadas destinadas ao exterior: isenção
pelo art. 1º, § 2º do DL n. 406/1968. Condicionante estabelecida pela legislação
estadual. Precedentes desta Corte.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
145
RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
1. A condição estabelecida em legislação estadual não pode prevalecer se não consta da lei federal que continuou a reger o ICMS (DL n. 406/1968) até o advento da LC n. 84/1996.
2. O DL n. 406/1968 estabeleceu que não incide ICMS sobre produtos industrializados destinados ao exterior, independentemente de ser a exportação contratada em moeda nacional ou estrangeira.
3. Recurso especial provido.
(REsp n. 135.371-PR, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ. 04.12.2000)
Tributário. Recurso especial. Embargos de divergência. ICMS. Produtos industrializados. Exportação. Moeda nacional. Decreto-Lei n. 406/1968.
1. Não se conhece de embargos de divergência quando a controvérsia em relação à matéria encontra-se superada e o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência do Tribunal. Súmula n. 168 do STJ.
2. As Turmas que integram a Primeira Seção do STJ firmaram o entendimento de que "o DL n. 406/1968 estabeleceu que não incide ICMS sobre produtos industrializados destinados ao exterior, independentemente de ser a exportação contratada em moeda nacional ou estrangeira" (Recurso Especial n. 135.371-PR, Segunda Turma, Ministra Eliana Calmon, DJ de 04.12.2000).
3. Embargos de divergência não conhecidos.
(EREsp n. 152.684-PR, 1ª S., Min. João Otávio de Noronha, DJ 14.03.2005)
Firmou-se, como se percebe, o entendimento de que é prescindível de que não incide ICMS sobre produtos industrializados destinados ao exterior, independentemente de ser a exportação contratada em moeda nacional, prevalecendo o disposto no Decreto-Lei n. 408/1968 sobre a legislação estadual que disponha em sentido contrário.
5. Diante do exposto, adotando os precedentes do Tribunal, dou provimento aos recursos especiais para restabelecer a sentença de primeiro grau (fls. 346/362). É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 848.954-PR (2006/0103908-0)
Relator: Ministro Francisco Falcão Recorrente: UniãoRecorrido: Gava e Companhia LtdaAdvogado: Ricardo Modelevsky Almaleh e outros
146
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA
Ação indenizatória. Contestação. Intempestividade. Exceção de incompetência. Ação principal. Suspensão. Termo ad quem.
I - A controvérsia se dessume em saber se a suspensão do processo principal em face do artigo 265, III, do CPC (oposição de exceção de incompetência) se encerra com a decisão da exceção de incompetência proferida em primeiro grau ou somente após o trânsito em julgado da exceção, com o julgamento do agravo de instrumento. Há que se definir ainda se é válido como citação o comparecimento espontâneo da União tomando ciência da decisão e declarando que apresentará contestação no prazo legal.
II - O artigo 306 do CPC, expressamente estabelece que "recebida a exceção, o processo ficará suspenso (art. 265, III), até que seja definitivamente julgada".
III - A doutrina majoritária entende que a expressão definitivamente julgada deve ser entendida como se referindo ao julgamento do juiz de primeiro grau na exceção de incompetência, porquanto o agravo de instrumento não tem efeito suspensivo, devendo o processo retomar seu curso. Precedente do STF: RE n. 85.712-RJ, Rel. Min. Cunha Peixoto, DJ de 12.12.1997, p. 9.040.
IV - O artigo 214, § 1º, do CPC, não faz qualquer restrição à pessoa jurídica a que deve ser dirigido o dispositivo. Neste panorama, o comparecimento da União para se dar por intimada da decisão singular proferida na exceção supre a falta de citação. Assim, contando o prazo para apresentação da contestação a partir da ciência da União da decisão proferida na exceção, tem-se como intempestiva a contestação, devendo ser mantido o acórdão recorrido.
V - Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Os Srs. Ministros Luiz Fux e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros José Delgado e Teori Albino Zavascki. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Denise Arruda. Custas, como de lei.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
Brasília (DF), 24 de abril de 2007 (data do julgamento).
Ministro Francisco Falcão, Relator
DJ 14.05.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de recurso especial interposto pela União, com fulcro no artigo 105, III, a, da Constituição Federal contra os acórdãos proferidos pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementados, verbis:
Agravo de instrumento. Suprimento da citação pelo comparecimento
espontâneo do réu aos autos. Termo inicial do prazo para contestação.
Intempestividade.
A citação é suprida pelo comparecimento espontâneo do réu aos autos, ainda
que este comparecimento seja para interposição de exceção de incompetência. O
termo a quo do prazo para contestação é a data da intimação da decisão que julgou
a exceção de incompetência (fls. 279).
Embargos de declaração. Omissão. Cabimento. Prequestionamento.
A lei processual define com clareza as hipóteses de cabimento dos embargos
declaratórios, pelo que, ocorrente pelo menos uma delas, devem os mesmos ser
acolhidos.
Embargos declaratórios acolhidos para efeitos de prequestionamento.
Em abril de 1999 a empresa Gava e Cia Ltda ajuizou ação de indenização, na 10ª Vara Federal de Curitiba, sendo determinada a citação do DNER, o qual, após ter sido citado, peticionou requerendo que a citação fosse efetuada através da expedição de Carta Precatória a Brasília, o que foi feito.
Foi oposta exceção de incompetência e, após decisão que fixava a competência do juízo de Brasília, foi interposto agravo de instrumento, por meio do qual se findou por estabelecer a competência do juízo de Curitiba.
Às fls. 65, encontra-se petição da União, apresentada após a decisão na exceção de incompetência, na qual se dá por citada e declara que apresentará contestação no prazo legal.
O Tribunal Regional considerou esta data o termo a quo da contagem do prazo para a apresentação da contestação.
148
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A recorrente sustenta que foram violados diversos dispositivos infraconstitucionais, alegando em síntese:
a) que foi violado ao artigo 535 do CPC, haja vista que, alegado nos aclaratórios que teria aquela Corte Regional se omitido no exame dos artigos 241, 265 e 306, todos do CPC, aquele Sodalício permaneceu silente;
b) violação aos artigos 241, 265 e 306 do CPC, por entender que a propositura da exceção de incompetência suspende o próprio processo, até que seja definitivamente julgada;
c) que a intimação somente se perfectibiliza com a juntada aos autos do mandado de intimação devidamente cumprido.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): Faz-se oportuno breve rememoração.
A recorrida ajuizou ação indenizatória em abril de 1999.
O DNER foi citado em 15 de setembro de 1999 (fls. 54).
Em 21 de setembro de 1999 o DNER peticionou para que sua citação fosse efetuada através da expedição de carta precatória a Brasília.
Assim, o Juízo da ação indenizatória determinou que a citação fosse realizada através de carta precatória.
Antes de efetivada a nova citação, foi oposta exceção de incompetência pelo DNER/União. A citação da ré União para apresentação de contestação ficou, assim, adiada para momento posterior à decisão em exceção de incompetência, tendo em vista que tal exceção suspende o processo (art. 265, III e 306 do CPC).
Em decisão monocrática o juízo da 10ª Vara da Seção Judiciária do Paraná declinou da competência em favor do Juízo Federal de Brasília-DF.
Às fls. 65, encontra-se petição da União, apresentada após a decisão na exceção, na qual se dá por citada e declara que apresentará contestação no prazo legal.
Não obstante, contra a decisão encimada foi interposto agravo de instrumento, no qual, em reforma àquele decisum, entendeu-se que o Juízo era mesmo aquele onde fora ajuizada a ação, ou seja, a Seção Judiciária do Estado do Paraná.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
O Tribunal a quo então entendeu que a ora recorrente, ao ser cientificada da primeira decisão na exceção de incompetência e ter-se dado por citada, dispensou a citação formal, sendo intempestiva a contestação apresentada fora do prazo tomado a partir da petição da recorrente tomando ciência daquela primeira decisão.
Após o trânsito em julgado da exceção não houve citação da União.
A controvérsia se dessume em saber se a suspensão do processo principal em face do artigo 265, III, do CPC (oposição de exceção de incompetência) se encerra com a decisão da exceção de incompetência proferida em primeiro grau ou somente após o trânsito em julgado da exceção, com o julgamento do agravo de instrumento.
Há que se definir ainda se é válido como citação o comparecimento espontâneo da União tomando ciência da decisão e declarando que apresentará contestação no prazo legal.
O artigo 306 do CPC, expressamente estabelece que:
Recebida a exceção, o processo ficará suspenso (art. 265, III), até que seja
definitivamente julgada.
A doutrina majoritária entende que a expressão definitivamente julgada deve ser entendida como se referindo ao julgamento do juiz de primeiro grau na exceção de incompetência, porquanto o agravo de instrumento não tem efeito suspensivo, devendo o processo retomar seu curso.
Antônio Carlos Marcato, ao comentar o artigo 306, do CPC, in Código de Processo Civil Interpretado, ed. Atlas, 2004, p. 951, leciona, verbis:
Já a locução definitivamente julgada empregada pelo art. em pauta merece
reparo: como a exceção de incompetência é julgada por decisão do juiz perante o
qual foi oposta (art. 309) e, as demais, por acórdão do órgão superior competente
(art. 309) - e sem que tal julgamento represente a apreciação do objeto do processo
em virtude delas suspenso -, não se pode ligar tal locução ao fenômeno da coisa
julgada e nem mesmo ao da preclusão, segundo a melhor doutrina.
E ainda Calmon de Passos, apud Antônio Carlos Marcato, op. cit.:
Porquanto o recurso interponível não tem efeito suspensivo, devendo o
processo retomar o seu curso. E nos casos de suspeição e de impedimento, a partir
da decisão oferecida pelo Tribunal, na hipótese de recurso do juiz, ou a partir da
aceitação por ele, da exceção, o processo retoma o seu curso (Comentários ao
Código de Processo Civil, V. 3, n. 215. 1, p. 390 e 391).
150
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
No mesmo entendimento, cito a doutrina de Nelson Nery Júnior, in CPC comentado, 2006, p. 504:
A suspensão do processo cessa com o julgamento da exceção pelo seu mérito.
A de incompetência é definitivamente julgada quando o juiz de primeiro grau a
acolhe ou rejeita;
Nesse mesmo sentido, destaco julgado do Supremo Tribunal Federal, verbis:
Contrato de promessa de compra e venda. Rescisão. Improcedência da ação de
consignação. Posta exceção de incompetência, suspende-se o prazo para contestação,
que recomeça a fluir do julgamento da exceção, pelo tempo restante. Exame de
prova e interpretação de contrato são matérias que fogem ao âmbito do recurso
extraordinário. Recurso extraordinário não conhecido (RE n. 85.712-RJ, Rel. Min.
Cunha Peixoto, DJ de 12.12.1997, p. 9.040).
Definido o termo a quo do prazo para contestação, remanesce a questão sobre a aplicação do artigo 214, § 1º, do CPC, para a União e suas autarquias.
O dispositivo legal não faz qualquer restrição à pessoa jurídica a que deve ser dirigido o dispositivo. Nesse panorama, o comparecimento da União para se dar por intimada da decisão singular proferida na exceção supre a falta de citação (art. 214, § 1º, do CPC).
Do acima exposto, contando o prazo para apresentação da contestação a partir da ciência da União da decisão proferida na exceção de incompetência, tem-se como intempestiva a contestação, devendo ser mantido o acórdão recorrido.
Recurso especial improvido.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 881.249-RS (2006/0193312-8)
Relator: Ministro Francisco FalcãoRecorrente: Cooperativa Vinícola Aurora LtdaAdvogado: Laércio Marcio Laner e outrosRecorrido: Fazenda NacionalProcurador: Deysi Cristina Da'rolt e outros
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
EMENTA
Processual Civil. Execução de honorários advocatícios em favor da Fazenda Pública. Prazo prescricional. Certeza, liquidez e exigibilidade do título. Provimento da apelação. Inversão automática dos ônus sucumbenciais.
I - Tendo em vista o princípio da especialidade, nas execuções dos honorários advocatícios, deve prevalecer o prazo qüinqüenal estabelecido no artigo 25, II da Lei n. 8.906/1994, em detrimento do prazo ânuo inserto no artigo 178, § 6º, inciso X, do Código Civil de 1916.
II - Tal entendimento também é de rigor quando se tratar de honorários em favor da Fazenda Pública, porquanto o Estatuto da Ordem não estabelece qualquer restrição aos procuradores, sendo que a verba de sucumbência deve integrar o patrimônio da entidade.
III - A reforma integral da sentença implica na inversão do ônus sucumbencial, mesmo que não haja pronunciamento da instância revisora sobre o ponto, sendo cabível a cobrança da verba em sede de execução sem que se cogite de violação à coisa julgada. Precedentes: REsp n. 649.402-SP, Rel. Ministro Castro Meira, DJ de 1º.08.2006; REsp n. 650.203-RN, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 21.02.2005 e AgRg no Ag n. 479.969-SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 19.12.2003.
IV - Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Os Srs. Ministros Luiz Fux, Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e José Delgado votaram com o Sr. Ministro Relator. Custas, como de lei.
Brasília (DF), 27 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro Francisco Falcão, Relator
DJ 29.03.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de recurso especial interposto por Cooperativa Vinícola Aurora Ltda, com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas a e c,
152
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que restou assim ementado, verbis:
Embargos à execução de sentença. Prescrição. Ação de cobrança. Honorários.
Inversão dos ônus sucumbenciais.
Prescreve em cinco anos a ação para cobrança de honorários de advogado, de
acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
Tendo o acórdão dado provimento ao recurso de apelação para reformar
a sentença de primeiro grau, a inversão dos ônus sucumbenciais é conseqüência
lógica dessa reforma. A ausência de menção expressa no julgado a respeito dessa
inversão não infirma o título executado, porquanto se considera implícita essa
alteração. (fl. 94)
Sustenta a recorrente violação aos arts. 178, § 6º, inciso X, do CC/1916 e 586 do CPC, bem como divergência jurisprudencial, aduzindo, em síntese, que encontra-se prescrita a ação para a cobrança de honorários, tendo em vista já ter se passado mais de um ano do trânsito em julgado da decisão que os fixou e que o título carecia de certeza, liquidez e exigibilidade, na medida em que a sentença não menciona a condenação da recorrente em ônus sucumbenciais.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso especial.
Quanto ao termo prescricional para se realizar a execução da verba honorária, deve prevalecer o prazo qüinqüenal estabelecido no artigo 25, II da Lei n. 8.906/1994, em detrimento do prazo ânuo inserto no artigo 178, § 6º, inciso X, do Código Civil de 1916, tendo em vista o princípio da especialidade.
Tal entendimento também é de rigor quando se tratar de honorários em favor da Fazenda Pública, porquanto o Estatuto da Ordem não estabelece qualquer restrição aos procuradores, sendo que a verba de sucumbência deve integrar o patrimônio da entidade.
Sobre o assunto confira-se: REsp n. 181.880-RS, DJ de 1º.07.1999, p. 126 e REsp n. 190.460-SP, DJ de 09.08.2004, p. 281.
No que tange à ausência de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo em questão, também não procedem as alegações da recorrente.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
153
RSTJ, a. 20, (210): 45-154, abril/junho 2008
A reforma integral da sentença implica na inversão do ônus sucumbencial, mesmo que não haja pronunciamento da instância revisora sobre o ponto, sendo cabível a cobrança da verba em sede de execução sem que se cogite de violação à coisa julgada.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes, litteris:
Processual Civil. Honorários. Inversão. Natureza da ação. Creditamento.
1. A reforma in totum do acórdão ou da sentença acarreta inversão do ônus da sucumbência, ainda que não haja pronunciamento explícito sobre esse ponto.
2. Não pode ser considerado simplesmente declaratório o pedido de reconhecimento do direito à repetição do indébito tributário, por creditamento.
3. Recurso especial improvido. (REsp n. 649.402-SP, Rel. Ministro Castro Meira, DJ de 1º.08.2006, p. 403)
Processual Civil. Ônus da sucumbência. Inversão. Conseqüência lógica e por imposição legal do acórdão que reforma a sentença. Inclusão no quantum da execução.
1. A inversão dos ônus da sucumbência é conseqüência lógica e por imposição legal do acórdão que reforma a sentença, e ainda que não haja expressa manifestação a respeito os valores respectivos devem ser incluídos na execução do julgado. Precedentes do STJ.
2. Recurso especial improvido. (REsp n. 650.203-RN, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 21.02.2005, p. 157).
Processual Civil. Apelação. Provimento. Sucumbência. Inversão automática. Correção monetária. Créditos fiscais. Fazenda Paulista. UFESP. Aplicabilidade. Recurso não conhecido.
1. Provido o apelo para reformar in totum a sentença, têm-se por invertidos os ônus da sucumbência, não obstante o silêncio do aresto acerca da questão. Precedentes.
2. Pacífica a jurisprudência no sentido da aplicabilidade da UFESP, atualizada pelo IPC, na correção monetária dos créditos ou débitos fiscais relativos à Fazenda do Estado de São Paulo.
3. Recurso especial não conhecido. (REsp n. 86.647-SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 04.11.2002, p. 176)
Processual Civil. Agravo regimental. Agravo de instrumento. Execução. Honorários advocatícios. Omissão do julgado que inverteu dispositivo da sentença. Condenação implícita. Inexistência de ofensa à coisa julgada. Precedentes jurisprudenciais.
154
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. A inversão dos ônus de sucumbência no caso de provimento integral da
apelação é medida que se impõe, ainda que omissa a decisão colegiada e não tenha
a parte interessada oposto os devidos embargos declaratórios para o fim de sanar
a omissão.
2. Não há que se falar em afronta ao princípio da coisa julgada, porquanto
a sentença contemplou os honorários e o acórdão, apenas, omitiu-se quanto à
inversão. Deveras, consoante doutrina pacífica, os honorários compõem pedido
implícito, passível de ser contemplado, ainda que não formulado, posto decorrer
da sucumbência. Em conseqüência é lícito, em fase de execução, requerer a parte
interessada a imputação ao vencido dos ônus sucumbenciais, se estes resultam da
simples inversão, ainda que implícita, dos encargos sucumbenciais. Precedentes
jurisprudenciais.
3. Atribuído a causa valor irrisório, os honorários advocatícios devem ser
fixados com apoio no art. 20, § 4º, do CPC, que prevê a possibilidade de se
ultrapassar o montante da causa, arbitrando-se a verba honorária em função dos
trabalhos desenvolvidos pelo advogado da parte vencida, observados o grau de zelo
do profissional, o lugar de prestação do serviço e a natureza e importância da causa,
o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
4. Agravo Regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag n. 479.969-SP,
Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 19.12.2003).
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 746.230-PB (2006/0031844-7)
Relator: Ministro Herman BenjaminAgravante: Estado da ParaíbaProcurador: Irapuan Sobral Filho e outrosAgravado: Paulo Roberto Jacques Coutinho FilhoAdvogado: Carlos Frederico Nóbrega Farias e outros
EMENTA
Processual Civil. Agravo regimental em agravo de instrumento. Ausência de comprovação de tempestividade do recurso especial. Autenticação mecânica ilegível. Falta de interposição de recurso extraordinário, sendo que o fundamento constitucional é suficiente para manter o acórdão recorrido.
1. É ônus do agravante diligenciar para que a cópia da petição de Recurso Especial seja legível, incluindo a autenticação mecânica, ou, sendo ilegível o original, solicitar certificação da data de interposição.
2. Incidência da Súmula n. 126-STJ.
3. Agravo Regimental não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao Agravo Regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Eliana Calmon, João Otávio de Noronha, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 21 de setembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Herman Benjamin, Relator
DJ 20.08.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Herman Benjamin: O Estado da Paraíba interpõe Agravo Regimental contra decisão (fls. 194/196) que negou seguimento a Agravo de Instrumento. A decisão agravada segue transcrita:
158
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Trata-se de agravo de instrumento interposto à decisão denegatória de seguimento a recurso especial manifestado com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão unânime do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, resumido nos termos da seguinte ementa (fl. 21), verbis:
Constitucional e Administrativo. Desapropriação. Decreto Estadual que visa, de forma disfarçada, uma reforma agrária, por interesse social. Impossibilidade. Competência exclusiva da União. Arts. 22, I e II, e 184, § 2º, da Constituição Federal de 1988. Ato administrativo, ademais, ausente de motivação. Vício insanável. Direito líquido e certo presentes. Concessão da ordem.
O ato acoimado de ilegal trata-se, na realidade, de uma forma disfarçada de desapropriação para fins de reforma agrária, eis que a pretensão do Estado consiste em transformar a propriedade do impetrado numa colônia de povoamento agrícola.
Sendo assim, e considerando que a Constituição Federal conferiu, com exclusividade, à União, competência para desapropriar, por interesse social, imóveis rurais, com a finalidade de promover a reforma agrária, qualquer ato do ente federado que tenha o mesmo objetivo nasce eivado de nulidade.
E a despeito de o decreto expropriatório que se ataca, quanto à sua forma e conteúdo, esteja dentro da legalidade, não o está, frente à sua motivação, porquanto incoerente com a sua finalidade, eis que se encontra em flagrante afronta à aludida competência da União.
No recurso especial, cujo seguimento foi denegado na instância ordinária, o ora agravante alega violação aos arts. 5º, XXIV, da Carta Magna e ao art. 2º, III, da Lei n. 4.132/1962, bem como divergência jurisprudencial com julgados de outros tribunais.
O Tribunal de origem negou seguimento ao recurso especial por entender que tal não é a via adequada para apreciar eventual violação a dispositivos constitucionais, assim como por entender que não foi demonstrada a alegada contrariedade ao art. 2º, III, da Lei n. 4.132/1962, além do que, no tocante ao dissídio jurisprudencial, "o recorrente limitou-se a transcrever a ementa de um julgado, desacompanhado, todavia, da juntada de cópia do acórdão indicado como paradigma, bem como, da realização do imprescindível confronto analítico, mediante a apresentação minudente das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados."
No agravo de instrumento que ora se analisa, o agravante, após impugnar os fundamentos da decisão agravada, reitera as razões do recurso especial.
Tenho que o agravo de instrumento não merece prosperar.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
159
RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
Com efeito, compulsando os autos, verifica-se a impossibilidade de aferir a tempestividade do recurso especial (fl. 223) face à ilegibilidade da autenticação mecânica lançada na petição recursal, fundamento suficiente para a negativa de seguimento ao agravo de instrumento.
De outra parte, ainda que superado esse óbice, melhor sorte não assistiria ao agravante, pois o acórdão recorrido possui fundamentos constitucionais suficientes para mantê-lo, não tendo a parte interposto recurso extraordinário quanto a tais fundamentos. Incide, na espécie, o enunciado n. 126-STJ.
No particular, cumpre esclarecer, inclusive, que após o acórdão recorrido ter concedido a segurança pleiteada pela parte, o agravante intentou duas suspensões de segurança, uma neste Tribunal (SS n. 1.496-PB) e outra no STF (SS n. 2.721-PB), obtendo êxito apenas no pretório excelso, onde o em. Min. Nelson Jobim concedeu a suspensão requerida e, posteriormente, julgou prejudicada aquela ação, nos seguintes termos:
(...)
A suspensão perdeu o seu objeto.
Houve preclusão da matéria constitucional.
É que o Estado não interpôs recurso extraordinário do acórdão que quer ver suspenso.
E a suspensão visa justamente resguardar a eficácia de um futuro RE.
(...)
Ante o exposto, julgo prejudicado o pedido de suspensão e revogo a suspensão do acórdão proferido no MS n. 999.2005.000282-6/001 e da ordem de despejo deferida nos autos da Ação n. 2004.001535-7.
Diante do exposto, nego seguimento ao agravo (RISTJ, art. 34, XVIII).
A agravante, em sua peça, propõe-se a "detalhar a questão jurídica controvertida, especialmente no que tange à condição legível do carimbo de protocolo do recurso especial, bem como da não aplicação da Súmula n. 126-STJ, com vistas a permitir a submissão do mesmo à egrégia Turma" (fl. 200).
Quanto à tempestividade, a agravante procura suprir a incontestável ilegibilidade da autenticação mecânica lançada na petição de Recurso Especial (fl. 32) lançando mão da data da juntada da peça aos autos (fl. 201).
Quanto à não aplicação da Súmula n. 126-STJ, entende que "todos os fundamentos da decisão agravada foram devidamente atacados, não sendo, pois, o caso de incidir o enunciado sumular do 126-STJ" (fl. 204).
É o relatório.
160
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Não merece reparo a decisão agravada.
Quanto à insurgência em relação ao não reconhecimento da tempestividade do Recurso Especial, é ônus do recorrente diligenciar para que a cópia da petição seja legível, incluindo a autenticação mecânica.
Caso o próprio original esteja ilegível, cabe ao recorrente solicitar certidão quanto à data de interposição, o que não ocorreu.
Ainda que se apreciasse o registro da juntada da peça, no verso da fl. 31, restaria não comprovada a tempestividade, já que a data lá constante é 1º de setembro de 2005, sendo que o prazo final de interposição do recurso esgotou-se no dia anterior.
O recorrente sustenta, ainda, que todos os fundamentos da decisão agravada foram devidamente atacados (fl. 204).
Sem razão, no entanto, pois a decisão do Relator, ora agravada, não trata de inexistência de impugnação, mas sim de falta de interposição de Recurso Extraordinário, quando a matéria constitucional, por si só, é bastante para manter o acórdão do Tribunal a quo.
De fato, aplica-se ao caso a Súmula n. 126-STJ: "É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário".
Tal fato é incontestável, como demonstrado na decisão recorrida e, reitere-se, não foi impugnado pelo presente Agravo Regimental.
Diante do exposto, nego provimento ao Agravo Regimental.
É como voto.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL N. 710.505-RN (2004/0177257-1)
Relator: Ministro Herman BenjaminEmbargante: Fazenda NacionalProcurador: Rodrigo Pereira Silva Frank e outrosEmbargante: Fábrica de Artefatos Metálicos Ltda - FAM - Massa Falida
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
Repr. por: Brazilio BacellarAdvogado: Rodrigo Shirai e outrosEmbargado: Os Mesmos
EMENTA
Processual Civil e Tributário. Embargos de declaração. Omissão e contradição não configuradas. Taxa Selic. Termo inicial. Erro material. Correção da decisão embargada, sem efeitos modificativos.
1. São cabíveis Embargos de Declaração nas hipóteses de obscuridade, contradição ou omissão da decisão atacada.
2. A taxa Selic aplica-se aos tributos arrecadados pela Secretaria da Receita Federal desde 1º de abril de 1995, nos termos do art. 13, da Lei n. 9.065/1995.
3. Apenas nos casos de repetição de indébito, regulados pela Lei n. 9.250/1995, a taxa Selic incide a partir de 1º de janeiro de 1996.
4. A caracterização de erro material enseja o acolhimento dos Embargos de Declaração para retificação do voto condutor do acórdão embargado.
5. Embargos de Declaração opostos por Fábrica de Artefatos Metálicos Ltda - FAM - Massa Falida rejeitados.
6. Embargos de Declaração da União acolhidos, sem efeitos modificativos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, rejeitar os Embargos de Declaração da Fábrica de Artefatos Metálicos Ltda - FAM e acolher os embargos de declaração da União, sem efeitos modificativos, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Eliana Calmon, João Otávio de Noronha, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 26 de setembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Herman Benjamin, Relator
DJ 20.08.2007
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Embargos de Declaração opostos tanto por Fábrica de Artefatos Metálicos Ltda. - FAM - Massa Falida, quanto pela União (Fazenda Nacional).
Em seus Embargos, a massa falida sustenta que o acórdão apresenta "contradição/omissão no ponto em que reconheceu a possibilidade da cobrança do encargo legal em seu percentual de 20% e deixou de aplicar os dispositivos da Lei de Falências" (fl. 342). Pretende, ainda, ver suprida suposta omissão "no que diz respeito ao condicionamento do (sic) juros anteriores a (sic) quebra às forças do ativo" (fl. 343).
A União, por seu turno, aponta erro material do acórdão, no ponto em que a decisão afirma a incidência da taxa Selic a partir de 1º de janeiro de 1996.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Inicialmente, a empresa recorrente pleiteia a redução do encargo previsto no Decreto-Lei n. 1.025/1969, sob o argumento de que é necessário esclarecimento de "contradição referente aos fundamentos que motivaram a decisão pela manutenção do percentual aplicado ao encargo legal".
Há que se destacar, contudo, que o Recurso Especial interposto pela parte sequer ventilava a hipótese de redução do encargo legal. Com efeito, a recorrente pleiteava "excluir o valor referente ao encargo legal do Decreto-Lei n. 1.025/1969" (fl. 197), alegando que se tratava de condenação em honorários advocatícios, que, por sua natureza, não seriam devidos pela massa falida.
Verifica-se que o acórdão embargado determinou a aplicação do disposto no art. 1º, do Decreto-Lei n. 1.025/1969 e, após, afirmou, com base em entendimento da Primeira Seção, a impossibilidade de sua redução. Não é lícito à parte, em sede de Embargos de Declaração, inovar em relação ao Recurso Especial anteriormente interposto. A decisão embargada manifestou-se sobre a questão levantada no Recurso Especial, decidindo pela aplicação do encargo legal.
Ademais, é pacífico o entendimento da 1ª Seção quanto à aplicação do encargo legal à massa falida, no percentual de 20%:
A jurisprudência da Seção de Direito Público deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de ser exigível da massa falida o encargo de 20% previsto no Decreto-Lei n. 1.025/1969. (AgRg nos EREsp n. 554.470-RS, DJ 18.09.2006, p. 257, 1ª Seção, Relator Ministro João Otávio de Noronha).
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
163
RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
Assim, não assiste razão à embargante.
No que diz respeito à aplicação incondicional dos juros anteriores à quebra, não há qualquer omissão no acórdão embargado. Com efeito, está expresso na decisão que os juros são devidos "até a decretação da quebra e, após esta data, na forma do art. 26 da Lei de Falências" (fl. 325). Acresça-se que o próprio acórdão colaciona uma série de decisões em que somente o pagamento dos juros posteriores à data da quebra fica condicionado às forças do ativo. A questão, portanto, foi enfrentada pelo acórdão e decidida conforme jurisprudência pacificada dessa Corte.
Desse modo, não há qualquer omissão a ser suprida.
Por fim, passa-se ao julgamento dos Embargos opostos pela União.
Defende a embargante a existência de erro material, que consistiria na indicação do dia 1º de janeiro de 1996 como termo inicial para a incidência da taxa Selic. Aduz que a data referida no acórdão constitui o termo inicial para aplicação da taxa Selic apenas nos casos de repetição de indébito, regulados pela Lei n. 9.250/1995. No caso de cobrança de tributos arrecadados pela Secretaria da Receita Federal, aplica-se o disposto no art. 13 da Lei n. 9.065/1995, norma que assim dispõe:
Art. 13. A partir de 1º de abril de 1995, os juros de que tratam a alínea c do parágrafo único do art. 14 da Lei n. 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com a redação dada pelo art. 6º da Lei n. 8.850, de 28 de janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei n. 8.981, de 1995, o art. 84, inciso I, e o art. 91, parágrafo único, alínea a.2, da Lei n. 8.981, de 1995, serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - Selic para títulos federais, acumulada mensalmente
Vale transcrever a passagem do acórdão a que se imputa erro:
... a incidência da referida taxa deve seguir a orientação no sentido de que a mesma flui a partir de 1º de janeiro de 1996 até a decretação da quebra e, após esta data, contudo, a incidência desta pressupõe ativo suficiente para o pagamento do principal, na forma do art. 26 da Lei de Falências. (fl. 325)
Da análise dos autos, constata-se que a discussão suscitada no Recurso Especial em relação à taxa Selic limitou-se à possibilidade de sua aplicação (constitucionalidade), bem como a sua incidência (incondicionada) até a data da decretação da quebra. Não há, nos autos, qualquer debate acerca do termo inicial da referida taxa, com o fito de afastar a aplicação da Lei n. 9.065/1995.
Ademais, é pacífica a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que a taxa Selic aplica-se a partir de 1º de abril de 1995, como se extrai do julgamento da 1ª Seção no EREsp n. 419.670:
164
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Tributário. Embargos de divergência. Certidão de Dívida Ativa. Débito fiscal.
Juros de mora. Taxa Selic. Lei n. 9.065/1995. Aplicação. Precedentes.
1. Embargos de divergência opostos em face de acórdão segundo o qual 'a
Taxa Selic para fins tributários é, a um tempo, inconstitucional e ilegal. Como não
há pronunciamento de mérito da Corte Especial deste egrégio Tribunal que, em
decisão relativamente recente, não conheceu da argüição de inconstitucionalidade
correspectiva (cf. Incidente de Inconstitucionalidade no REsp n. 215.881-PR),
permanecendo a mácula também na esfera infraconstitucional, nada está a empecer
seja essa indigitada Taxa proscrita do sistema e substituída pelos juros previstos no
Código Tributário (artigo 161, § 1º, do CTN)'.
2. O art. 13, da Lei n. 9.065/1995 dispõe que 'a partir de 1º de abril de 1995,
os juros de que tratam a alínea c do parágrafo único do art. 14 da Lei n. 8.847, de
28 de janeiro de 1994, com a redação dada pelo art. 6º da Lei n. 8.850, de 28 de
janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei n. 8.981, de 1995, o art. 84, inciso I, e o art.
91, parágrafo único, alínea a 2, da Lei n. 8.981, de 1995, serão equivalentes à taxa
referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - Selic – para títulos
federais, acumulada mensalmente'.
3. Havendo legislação específica determinando a cobrança dos juros de
acordo com a referida Taxa e não havendo limite para os mesmos, devem eles ser
aplicados ao débito exeqüendo e calculados, após tal data, de acordo com a referida
lei, que inclui, para a sua aferição, a correção monetária do período em que ela foi
apurada.
4. A aplicação dos juros, in casu, afasta a cumulação de qualquer índice de
correção monetária a partir de sua incidência. Este fator de atualização de moeda
já se encontra considerado nos cálculos fixadores da referida taxa. Sem base legal
a pretensão do Fisco de só ser seguido tal sistema de aplicação dos juros quando o
contribuinte requerer administrativamente a compensação. Impossível ao intérprete
acrescer ao texto legal condição nela inexistente. Precedentes desta Corte Superior.
5. Embargos de divergência acolhidos.
Assim, a ausência de qualquer discussão quanto ao termo inicial de aplicação da taxa Selic, estabelecido no art. 13 da Lei n. 9.065/1995, e o fato de a data fixada no acórdão corresponder à do termo inicial para aplicação da taxa Selic apenas nos casos de repetição de indébito, regulados pela Lei n. 9.250/1995, tornam evidente a ocorrência de erro material, passível de correção por meio de Embargos de Declaração. Nesse sentido já se manifestou a Primeira Seção:
Processual Civil. Embargos de declaração. Erro material.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
1. A existência de erro material na decisão recorrida enseja provimento dos
embargos para retificação do voto condutor do acórdão embargado, para que dele
se faça constar que a embargada é empresa prestadora de serviços de telefonia
mediante "autorização" da Anatel.
2. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos modificativos. (EDcl no AgRg
no CC n. 47.497-PB, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 22.06.2005)
Ante o exposto: a) rejeito os Embargos de Declaração opostos por Fábrica de Artefatos Metálicos Ltda - FAM - Massa Falida, por não vislumbrar qualquer omissão ou contradição no acórdão; b) acolho os Embargos de Declaração opostos pela União (Fazenda Nacional), sem conferir-lhes efeitos modificativos, para sanar erro material verificado na decisão recorrida quanto ao termo inicial da incidência da taxa Selic, para que se leia "1º de abril de 1995" onde consta "1º de janeiro de 1996" (fl. 325).
É o voto.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 22.806-AM (2006/0209037-6)
Relator: Ministro Humberto MartinsRecorrente: Francisco de Oliveira RochaAdvogado: Francisco Arnoldo de AssisT. Origem: Tribunal de Justiça do Estado do AmazonasImpetrado: Juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública do Município de Manaus-AMRecorrido: Miguel Barrella FilhoAdvogado: Emerson Luiz Teixeira Santana
EMENTA
Civil. Processual Civil. Mandado de segurança. Terceiro interessado. Súmula n. 202-STJ. Juntada de documentos após o protocolo da inicial. Possibilidade em hipóteses excepcionalíssimas. Arresto de quantia a ser paga a título de honorários advocatícios. Ato coator caracterizado. Crédito do advogado destituído de privilégio. Não-inobservância do devido processo legal. Ressalva das vias ordinárias.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. A questão de fundo diz com o arbitramento de honorários advocatícios após extinta uma lide por força de transação judicial realizada com Município, na qual se deixou liquidado o valor da indenização merecida pelo recorrente e constatada a não-atuação do advogado nos autos.
2. O impetrante, ora recorrente, é terceiro na nova relação jurídica instaurada entre o advogado e o Município, até porque, como comprovado nos autos, o recorrente nunca foi sequer citado para integrar a lide. Incidência do enunciado n. 202 da Súmula do STJ.
3. É possível a excepcional juntada de documento após a impetração em casos de relevância e urgência, como o dos autos. Posição doutrinária e jurisprudencial.
4. A certidão que confirma a não-participação do advogado nos autos do processo restou formada por quem goza de fé pública, sendo impossível ilidir a presunção de legitimidade do ato administrativo sem prova concreta.
5. O advogado, mesmo diante da Lei n. 8.906/1994 ou do art. 20 do Código de Processo Civil, não tem a favor de si crédito privilegiado, não podendo a autoridade apontada como coatora arrestar os bens do suposto devedor para entregar, de imediato e sem o devido processo legal, ao suposto credor-advogado. Precedentes (REsp n. 329.519-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha).
6. A liquidez e certeza do direito do recorrente, dentre outros fundamentos, cifra-se na existência de notória irregularidade formal e teratologia manifesta no ato coator, uma vez que o impetrante, em nenhum momento, foi citado para participar de qualquer procedimento judicial.
Recurso ordinário provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Eliana Calmon, a Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Eliana Calmon (voto-vista), João Otávio de Noronha e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
Brasília (DF), 08 de maio de 2007 (data do julgamento).
Ministro Humberto Martins, Relator
DJ 23.05.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Martins: Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança ajuizado por Francisco de Oliveira Rocha em face de Miguel Barrella Filho, originário de um mandamus impetrado contra o Juízo de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública do Município de Manaus-AM.
O recorrente ajuizou ação ordinária contra o Município de Manaus, a qual foi extinta com resolução de mérito, por força de transação realizada entre as partes.
Posteriormente, segundo a deambular de fls. 2/6, o então advogado do recorrente, Dr. Miguel Barrella Filho, ora recorrido, atravessou petição nos autos daquela ação extinta e requereu fossem liquidados seus honorários advocatícios.
A despeito do trânsito em julgado, o Juízo de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública do Município de Manaus-AM deferiu o pedido, convertendo-o em ação executiva de verba honorária, ao cabo do que mandou expedir ordem de depósito judicial em prol do causídico, no valor de 10% (dez por cento) do quantum a ser pago a título de acordo judicial. O Município de Manaus foi o destinatário da referida ordem.
Na segurança, o recorrente postulava a nulidade do ato judicial, esforçando-se em que: a) o recorrido jamais atuou na ação movida contra a Fazenda Pública de Manaus; b) a fixação dos honorários deu-se à revelia do art. 20, CPC, pois não se teria como aferir o zelo do profissional ante sua inércia no patrocínio da causa; c) é inadmissível a execução de honorários em processo já extinto; d) a execução deveria ter sido manifestada na vara cível e não na vara fazendária.
Em votação por maioria, o Tribunal de Justiça do Estado de Amazonas denegou a ordem, cuja liminar já havia sido indeferida, sob o color de que: a) não é cabível mandado de segurança contra ato judicial, dês que haja espécie recursal apropriada; b) a prova não é pré-constituída; c) "não há cogitar em segurança para desconstituir execução respaldada em contrato escrito de honorários na mesma ação em que atuou o advogado exeqüente". (fls. 78/80)
Nas razões do ordinário, que se fundamenta no art. 105, II, alínea b, CF/1988, o recorrente assinala que: a) o meio processual utilizado para a
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
execução dos honorários foi inadequado; b) o advogado, aqui recorrido, não comprovou sua atuação na ação ordinária em que fora patrono do recorrente; c) a certidão de que o recorrido não peticionara na mencionada ação ordinária deveria ter sido aceita como prova pré-constituída; d) a execução não pode ocorrer em autos de processo extinto; e) o recorrente não foi citado na ação executiva de honorários. (fls. 84/88)
Decisão admitindo o recurso ordinário em fls.90.
O recorrente, contra essa decisão, manejou agravo retido (fls. 89/90), o qual foi apreciado pela Presidência do Tribunal a quo, rejeitando-o por inadmissível. (fls. 101/105)
Manifestação da douta Procuradoria-Geral da República pelo improvimento do ordinário. (fls. 110/111)
É, no essencial, o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Conheço do recurso, por entender que ocorrem os respectivos pressupostos.
Quanto à petição de fls. 89/90, não a aprecio, pois é destituída de forma e feição de juízo. É inadmissível a figura de um agravo retido para desafiar ato da Presidência do Tribunal a quo, aspecto devidamente salientado na decisão de fls. 101/105.
No mais, o recurso não merece prosperar.
A questão de fundo diz com o arbitramento de honorários advocatícios após extinta uma lide por força de transação judicial, na qual se deixou liquidado o valor da indenização merecida pelo recorrente e constatada a não-atuação do advogado nos autos.
Primeiramente, mister faz-se rechaçar a alegação registrada no parecer da Subprocuradoria-Geral da República (fls. 220/221) no sentido de que "a r. Decisão do MM. Juiz de Primeiro Grau é de natureza interlocutória" e que "não poderia ter contra ela impetrado Mandado de Segurança, máxime quando era claramente cabível outro recurso, de resto consoante dispõe a Súmula n. 267 do STF."
O impetrante, ora recorrente, é terceiro na nova relação jurídica instaurada entre o advogado e o Município de Manaus, até porque, como comprovado nos autos e rebatido no recurso ordinário, o recorrente nunca foi sequer citado para integrar a lide.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
Basta verificar o documento de fls. 08, onde consta um "mandado de intimação" somente dirigido ao Município, como também a própria petição do advogado (fls. 9/12), no qual não se constata qualquer requerimento de citação do impetrante.
Assim, na hipótese, incide perfeitamente o verbete n. 202 da Súmula do STJ: "A interposição de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona a interposição de recurso."
Também a questão de ordem pública levantada no parecer da Subprocuradoria-Geral da República (fls. 111), em repetição ao fundamento utilizado no acórdão recorrido pelo voto-vencedor, no sentido de que impossível a análise da certidão juntada como comprovante de que o advogado não atuou nos autos do processo, na medida em que o impetrante o fez posteriormente à inicial, não se coaduna com a garantia do writ insculpida na Constituição Federal, notadamente no inciso LXIX do art. 5º.
O documento foi obtido na própria Secretaria do Juízo onde teve curso o processo judicial que restou extinto por acordo das partes, bem como emitido por quem goza de fé pública.
Como preleciona o insigne Sérgio Ferraz, "...a segurança deve ser admitida em certos casos, mesmo quando o impetrante não pode acostar à peça inicial, de plano, documentos que comprovem os fatos alegados, sobre os quais se assenta seu direito subjetivo." (Mandado de Segurança: Individual ou coletivo – aspectos polêmicos. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.30).
E acrescenta, após tecer outras hipóteses sobre a possibilidade de juntada de documento posteriormente à impetração:
Realmente, com freqüência, ocorre que só a Administração tem a comprovação
dos elementos fáticos que embasam a postulação. Sempre que isso suceda,
o interessado ver-se-ia a braços com dificuldades de grande monta, às vezes
insuperáveis, se devesse, de plano, efetuar tais comprovações. Pense-se nos casos
em que inexistisse tempo para obtenção de certidões antes do sacrifício do direito.
Ou em que a exibição de livros e documentos administrativos permitiria conclusões
induvidosas. Não há como negar, então, por exemplo, o cabimento da requisição do
processo administrativo pertinente (em contrário, mas inconvincente, data venia,
José de Moura Rocha, ob. cit., p. 120). (p. 31)
Note-se que a certidão foi juntada dois meses após a impetração, antes de qualquer juízo cognitivo do Tribunal de Justiça do Amazonas. É bem razoável supor que houve remora no fornecimento da certidão, algo que não é pouco usual na vida real, mormente quando o ato certificador destinava-se a produzir
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
prova contra ato do titular da vara respectiva. Essa ilação baseia-se nas regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (art. 335, CPC).
O retardo no atendimento do direito de petição ou na prática de atos judiciários não pode ser imputada à parte, prejudicando-lhe o exercício de suas pretensões, ao exemplo de remoras em citações ou intimações (Súmula n. 106-STJ).
Ato de semelhante natureza, em que o juiz forma uma relação processual cível em vara fazendária, com base em processo extinto e submetido ao trânsito em julgado e, o mais grave, com um réu que nem sequer foi mencionado na vestibular, exigiria de seu autor alguma explicitação. No entanto, ocorreu algo diverso. Com efeito, é de ser destacada a postura indiferente do magistrado que proferiu a decisão impugnada, ante o pedido de informações do relator do Tribunal de Justiça. De modo pouco cooperativo com a formação da verdade processual, limitou-se, em suas informações, a dizer que não havia qualquer "esclarecimento adicional para efeito do julgamento do Mandado de Segurança".
Ultrapassadas essas questões, que tecnicamente dizem respeito ao próprio mérito recursal, tenho que a irresignação deve ser provida.
Dou as complementares razões.
Em primeiro lugar, não poderia o documento de fls. 53 receber a pecha, como feito no acórdão recorrido pelo voto-vencedor, de inidôneo ou falso.
Como muito bem visado no voto-vista (fls. 68), a certidão que confirma a não-participação do causídico nos autos do processo em tela foi formada por quem goza de fé pública. Vale lembrar que todo ato administrativo tem como pressupostos ou requisitos, a depender da corrente doutrinária seguida, a presunção de legitimidade que só pode ser infirmada mediante prova concreta da inidoneidade do ato, o que não ocorreu no caso dos autos.
De mais a mais, o advogado, mesmo diante da Lei n. 8.906/1994 ou do art. 20 do Código de Processo Civil, não tem a favor de si crédito privilegiado, não podendo, assim, a autoridade apontada como coatora arrestar os bens do suposto devedor para entregar, de imediato e sem o devido processo legal, ao suposto credor-advogado. Nesse conspecto, os precedentes são fartos (RMS n. 17.536-DF; REsp n. 653.864-SP; REsp n. 608.028-MS; REsp n. 86.297-RS; EDcl no REsp n. 435.111-SP; REsp n. 261.792-MG; REsp n. 550.389-RJ).
A esse respeito, transcrevo um primoroso aresto da lavra do Ministro João Otávio de Noronha, que situa mui adequadamente os honorários advocatícios na esfera exterior às verbas alimentares e aos créditos privilegiados:
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Tributário. Processo Civil. Execução. Concurso de credores. Credito fiscal.
Honorários advocatícios. Arts. 186 do CTN e 24 da Lei n. 8.906/1994.
1. Os honorários advocatícios sucumbenciais, arbitrados pelo juiz em favor
do vencedor, têm retribuição aleatória e incerta, razão pela qual não podem ser
caracterizados como verba de natureza alimentar.
2. A teor do disposto no art. 186 do CTN, o crédito tributário prefere a
qualquer outro, à exceção dos créditos decorrentes da legislação trabalhista.
3. Em sede de concurso de credores de devedor comum, os honorários
advocatícios não preferem aos créditos fiscais. Precedentes.
4. Recurso especial provido. (REsp n. 329.519-SP, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, Segunda Turma, RDDP 35/207).
Para afastar de vez qualquer argumento contrário ao direito líquido e certo do recorrente, basta verificar que existe patente irregularidade formal no ato coator, uma vez que o impetrante em nenhum momento foi citado para participar de procedimento judicial algum, sendo relevante ainda destacar que a petição do ilustre causídico foi protocolada nos autos de processo onde a sentença, que homologou o acordo, já tinha transitado em julgado há 5 (cinco) meses.
Dessa forma, se muito embora possa ser considerado existente o ato coator, ele não passa pelo teste do plano da validade até pela ausência da forma prescrita em lei: qual seja, no mínimo, a observância do devido processo legal, garantia de todo e qualquer cidadão, há muito firmada por todo Estado Democrático de Direito e de observância obrigatória da autoridade coatora, magistrado que é.
Não poderia a autoridade coatora, sem a participação do impetrante, expropiar-lhe valor em dinheiro para a entrega a seu advogado, mesmo porque este não goza de crédito privilegiado e deve discutir tal questão nas vias ordinárias.
As circunstâncias presentes neste fascículo impressionaram-me pela sucessão de teratologias. É dever do Superior Tribunal de Justiça, como derradeiro cenáculo de esperança do cidadão com a adequada hermenêutica do direito federal, corrigir esses desvios jurisdicionais e nada melhor para esse fim que a via constitucional e nobilíssima do mandado de segurança.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário, ressalvando ao recorrido as vias ordinárias para a discussão de seu crédito.
É como penso. É como voto.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO-VISTA
A Sra. Ministra Eliana Calmon: O presente recurso ordinário em mandado de segurança tem como relator o Ministro Humberto Martins, que concluiu por seu improvimento.
Pedi vista por ter estranhado a inusitada hipótese de estar sendo impugnada, por via mandamental, decisão interlocutória.
Na base fática, temos, em princípio, como fato gerador da incidência originária, uma ação ordinária que o ora recorrente, Francisco de Oliveira Rocha, moveu contra o Município de Manaus, na qual constituiu como advogado o Dr. Miguel Barrella Filho.
A ação foi extinta por transação entre as partes, da qual não participou o advogado, sendo homologada por sentença o acordo.
Cinco meses depois da homologação, pediu o advogado do impetrante arbitramento de seus honorários, no que foi imediatamente atendido, sendo estimado o percentual de 10 % (dez por cento) do valor da transação, expedindo-se mandado de intimação ao Município de Manaus para pagamento. Esclareça-se que o ora recorrente não foi intimado da reabertura do processo, ignorando inteiramente o que se passava nos autos.
Inconformado, o cliente do advogado favorecido com os honorários impetrou a presente ação de segurança, negada pelo Tribunal, ao argumento da inadequabilidade da via eleita, ausência de prova pré-constituída e existência de contrato escrito de honorários.
De referência ao primeiro fundamento do acórdão impugnado, verifica-se que o acórdão está em testilha com a jurisprudência desta Corte, que entende pode o terceiro defender o seu direito por recurso ou por mandado de segurança se, como na hipótese dos autos, não foi intimado para a ação. Com efeito, reaberto o processo, extinto por sentença homologatória para contemplar o pedido do causídico, não foi o ora recorrente intimado, o que lhe impossibilitou de recorrer, sendo certo que é o mandado de segurança instrumento constitucional de defesa de direito.
Quanto ao segundo fundamento do julgado, não se tem como aceitar a alegação, na medida em que a questão invocada pelo impetrante é de índole processual, não dependendo de prova, por se tratar de matéria eminentemente de direito.
Por último, de referência ao contrato escrito exibido pelo advogado, não poderia o mencionado documento ensejar a reabertura de um processo já findo
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por sentença homologatória. Afinal, o contrato escrito garante ao contratado cobrança judicial pela via própria e ordinária. O voto do Relator destacou de forma cristalina:
Não poderia a autoridade, sem a participação do impetrante, expropriar-lhe valor em dinheiro para a entrega a seu advogado, mesmo porque este não goza de crédito privilegiado e deve discutir tal questão nas vias ordinárias.
Diante das circunstâncias fáticas bem trabalhadas pelo Ministro Humberto Martins, acompanho Sua Excelência, dando provimento ao recurso.
Verifico, entretanto, que o Relator não se manifestou de forma explícita sobre a concessão da segurança, muito embora possa ser deduzido que Sua Excelência concedeu a ordem, eis que ressalvou para o advogado as vias ordinárias. Vou além, para deixar expresso o que, no meu entender, pode ser enfrentado, aplicando-se a teoria da causa madura do art. 515 do CPC, por se tratar de recurso ordinário em mandado de segurança, o que equivale à apelação, mesmo que não tenha o Tribunal examinado o mérito.
Se foi indevida a reabertura da execução, não há resíduo a ser examinado se o Tribunal afirma que deve ser desconsiderada a reabertura da execução, após a homologação.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 528.165-SC (2003/0073464-5)
Relator: Ministro João Otávio de NoronhaRecorrente: Confecções Roscel Ltda e outrosAdvogado: Marcellus Augusto Dadam e outrosRecorrido: União
EMENTA
Administrativo. Recurso especial. Matéria constitucional. Acordo coletivo. Trabalho nos feriados. Registro na DRT. Desnecessidade. Precedentes.
1. Não cabe ao Superior Tribunal de Justiça intervir em matéria de competência do STF, tampouco para prequestionar questão constitucional, sob pena de violar a rígida distribuição de competência recursal disposta na Lei Maior.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. O STJ firmou entendimento de que a formalidade de registro do acordo coletivo na Delegacia Regional do Trabalho não é condição essencial à validade e eficácia do ajuste firmado, servindo, apenas, como condição de prova e como instrumento de fiscalização e controle do acordo por parte do órgão do Ministério do Trabalho.
3. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, conhecer parcialmente do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 15 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro João Otávio de Noronha, Relator
DJ 06.03.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Trata-se de recurso especial interposto por Confecções Roscel Ltda. e outros com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e assim ementado:
Administrativo. Autos de infração. Trabalho em dias de feriados. Acordo
coletivo não-registrado na DRT. Ineficácia.
Nos termos dos artigos 70 e 614, § 1º, da CLT, o registro e arquivamento na
Delegacia Regional do Trabalho de acordo coletivo autorizando a utilização de
trabalhadores em dias feriados, não constitui mera formalidade destinada a dar
conhecimento da avença à Administração, mas sim condição de validade e eficácia
de seu conteúdo.
Os recorrentes alegam que o acórdão recorrido, ao negar a validade e eficácia de acordo coletivo autorizando o trabalho em dias de feriado, violou o art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, além de divergir de julgados de outros Tribunais. Para tanto, defendem a tese de que o acordo não pode deixar de ser
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
conhecido apenas em razão da falta do depósito a tempo na Delegacia Regional do Trabalho.
Diante dessa argumentação, pugnam pelo provimento do presente recurso para que seja reconhecido o acordo coletivo celebrado e declarada a nulidade do auto de infração lavrado.
Admitido o recurso, com as contra-razões, vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator): Inicialmente, constato que a suposta ofensa do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal não tem o condão de ensejar o êxito do apelo, dado que o exame dessa questão, inclusive para efeito de prequestionamento, refoge dos limites da estreita competência outorgada ao Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso especial.
Todavia, o dissídio jurisprudencial suscitado, cujo cerne é a discussão sobre a necessidade de registro na DRT dos acordos coletivos que autorizam o trabalho em dias de feriado, enseja o conhecimento e provimento do apelo, visto que a tese adotada no acórdão recorrido diverge da orientação desta Corte.
Sobre o tema, o STJ já firmou entendimento de que a formalidade de registro do acordo coletivo na Delegacia Regional do Trabalho não é condição essencial à validade e eficácia do ajuste firmado, servindo, apenas, como condição de prova e como instrumento de fiscalização e controle do acordo por parte do órgão do Ministério do Trabalho. Nesse sentido, cito os seguintes julgados:
Administrativo. Trabalho nos domingos e feriados. Supermercados. Possibilidade. Acordo coletivo de trabalho. Registro na DRT. Desnecessidade.
I - Esta Corte já se manifestou acerca da matéria em debate, tendo pacificado entendimento no sentido de que é legal o funcionamento dos supermercados aos domingos e feriados. Precedentes: REsp n. 297.358-PR, Rel. Min. José Delgado, DJ de 30.04.2001; REsp n. 276.928-SP, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 04.08.2003; e REsp n. 530.111-PR, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 03.11.2003.
II - 'A disciplina legislativa aplicável aos acordos coletivos, em especial o artigo 614 da Consolidação das Leis Trabalhistas, evidencia que a mens legis é pela prevalência das soluções convencionadas, desde que não afrontem as relações de direito protegidas, materialmente, pelas leis laborais. Daí, parece-nos correta a solução adotada no r. acórdão combatido, quando prestigia a celebração do acordo, em que pese o descumprimento de simples filigrana formal, o arquivamento na Delegacia do Trabalho' (fls. 227).
176
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
III - Viável, portanto, o trabalho nos supermercados aos domingos e feriados,
ainda que o acordo coletivo de trabalho, que pactuou tal determinação, esteja
desprovido de registro junto à Delegacia Regional de Trabalho.
IV - Recurso especial improvido. (Primeira Turma, REsp n. 569.235-SC,
Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 13.12.2004.)
Processual Civil e Trabalhista. Violação ao art. 535. Omissão. Inexistência.
Acordo coletivo. Trabalho nos feriados. Ausência de registro na Delegacia Regional
do Trabalho. Multa. Auto de infração. Insubsistência. Equívoco da DRT na imposição
da penalidade.
1. Quando a questão de direito discutida nos autos é apreciada com base em
fundamentos claros e suficientes à solução da lide, não há violação à regra do art.
535 do CPC. Ao Juiz cabe apreciar a controvérsia segundo o seu livre convencimento,
não estando obrigado a analisar todos os pontos suscitados pelas partes.
2. A matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo colegiado de origem,
que sobre ela emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em
sentido contrário à pretensão da Fazenda Nacional.
3. A existência de acordo coletivo versando sobre o trabalho no comércio
varejista em dia feriado, ainda que não registrado na Delegacia Regional do
Trabalho, torna insubsistente o auto de infração lavrado contra os estabelecimentos
comerciais que operaram naquela data.
4. O fato de o acordo coletivo não ter sido oportunamente registrado na DRT
constitui mera formalidade, exigida apenas para fins de controle, não servindo de
suporte à imposição de multa por infringência às regras da CLT.
5. Recurso Especial improvido. (Segunda Turma, REsp n. 572.452-SC, Relator
Ministro Castro Meira, DJ de 1º.03.2004.)
Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial e dou-lhe provimento nos termos do voto acima explicitado.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 529.340-SC (2003/0054426-0)
Relator: Ministro João Otávio de NoronhaRecorrente: Farah Gasparino Gomes e Silva Advogados Associados S/CAdvogado: Rycharde Farah e outros
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
Recorrido: Fazenda NacionalProcurador: Danilo Theml Caram e outros
EMENTA
Processual Civil. Honorários advocatícios. Sociedade de advogados. Mandato outorgado aos sócios. Alvará de levantamento em nome da sociedade. Possibilidade. Lei n. 8.906/1994, art. 15, § 3º. Violação ao art. 535 do CPC. Não-ocorrência.
1. Inexiste violação do art. 535, II, do CPC na hipótese em que todas as questões suscitadas, ainda que implicitamente, foram examinadas no acórdão recorrido.
2. Sociedade de advogados tem legitimidade para levantar ou executar honorários quando a procuração é outorgada a advogado que dela faz parte.
3. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 06 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro João Otávio de Noronha, Relator
DJ 07.03.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Interpõe Farah Gasparino Gomes e Silva Advogados Associados S/C recuso especial fundado nas alíneas a e c da norma autorizadora, contra acórdão proferido pela Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região e cuja ementa tem o seguinte teor:
Agravo contra decisão denegatória de agravo de instrumento.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. Fonte no disposto no art. 557 do CPC, possível ao Relator negar seguimento
a recurso em confronto com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, como
no caso dos autos. 2. Agravo improvido. (fl. 117).
Diante desse desate, foram opostos embargos de declaração, os quais restaram acolhidos parcialmente para fins de prequestionamento dos arts. 557, 165 c.c. 458, II, do CPC, e 93, IX, da CF/1988.
Sustenta a parte recorrente contrariedade ao art. 535 do CPC em face do provimento parcial dos embargos de declaração por ela opostos, incorrendo o acórdão em negativa de prestação jurisdicional. Aponta, ainda, ofensa ao art. 557 do CPC, sustentando que não se evidencia na espécie nenhum dos requisitos previsto no referido dispositivo legal para a negativa de seguimento do agravo de instrumento. No mérito, alega violação dos arts. 15, § 3º, da Lei n. 8.906/1994, e 1.034 do Código Civil, e divergência com julgados do Superior Tribunal de Justiça, asseverando que os honorários advocatícios devem ser liberados em nome da sociedade de advogados.
As contra-razões foram apresentadas às fls. 155/156.
O apelo foi admitido à fl. 158.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator): Inicialmente, afasto a alegada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem adotou fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, atentando-se aos pontos relevantes e necessários ao deslinde do litígio, ainda que suas conclusões não tenham merecido a concordância da parte recorrente.
Quanto à questão de fundo, entendo que o apelo merece prosperar.
O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça restou uniformizado no julgamento do REsp n. 654.543-BA, afetado à Corte Especial pela Primeira Turma, e EREsp n. 723.131, ambos da minha relatoria, no sentido de que sociedade de advogados tem legitimidade para levantar ou executar honorários quando a procuração é outorgada a advogado que dela faz parte.
Naquela oportunidade, deixei consignado em meu voto:
O cerne da questão está no § 3º do art. 15 da Lei n. 8.906/1994: se é
obrigatória ou não a inserção do nome da sociedade na procuração e qual o
propósito dessa inserção.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
Durante doze anos fui conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, por
seis anos com assento no Conselho Federal, e essa questão sempre restou tratada
pelo referido Conselho no sentido de que a exigibilidade da inserção do nome da
sociedade era apenas, e tão-somente, para controle de questão de ética, ou seja,
impedir que o advogado de uma sociedade militasse em prol de clientes com
interesses conflitantes. Esse foi o grande objetivo da reforma do Estatuto da Ordem
dos Advogados, qual seja, preservar esse dispositivo, que já estava na antiga lei que
regulava a Ordem.
Entendo que temos que dividir a questão: um ponto é o levantamento pelos
advogados, e outro é a questão fiscal. Parece-me que o juiz de Primeiro Grau fez do
Poder Judiciário uma coletoria, com preocupação de cobrar tributos. Se o próprio
advogado diz que o dinheiro é da sociedade e se não há impugnação, presume-se
que o credor é a sociedade, até porque a sociedade não se nega a qualidade de
credora. Ademais, se o próprio advogado está dizendo que o credor dos honorários
é a sociedade, não compete à Justiça dizer: "Não, o credor é você".
Penso que se há de fazer uma separação entre a questão fiscal e aquela
relacionada com o levantamento da verba honorária. Caberá ao Fisco, se assim o
entender, verificar a existência de irregularidade na declaração de rendimentos e até
mesmo na contabilidade da sociedade, autuando-a, mas dando-lhe o direito à ampla
defesa e ao contraditório.
Por oportuno, transcrevo trecho dos votos-vistas dos Ministros Nilson Naves
e Carlos Alberto Menezes Direito que, acompanhando a divergência por mim
inaugurada, apresentaram argumentos que reforçaram a tese consagrada pela
Corte, in verbis:
– 'Em segundo lugar, eu não compreendi a posição assumida pelo Juiz Federal,
isso porque o pedido de expedição de alvará não fora impugnado, e a União
preocupou-se, apenas e tão-somente, com a sucessão de advogados. (...)
Em terceiro lugar, impondo-se como se quer que aqui se imponha, declaração
a propósito de normas constantes das Leis n. 4.215 e 8.906, de 1963 e 1994
respectivamente, o meu entendimento é o de que, para fins de destinação de
honorários, é-me indiferente se trata de procuração outorgada a advogado com
indicação da sociedade da qual faça parte. É-me indiferente porque a compreensão
que tenho é a de que tal norma jurídica tem como principal objetivo evitar que
advogados de uma mesma sociedade representem clientes de interesses opostos,
conforme o que rezava o § 2º do art. 77 da Lei n. 4.215: 'Os advogados sócios de
uma mesma sociedade profissional não podem representar em juízo clientes de
interesses opostos'.
180
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Por fim, se existente, a questão que há de vir à tona é de ordem tributária, e a
relação jurídica que se estabelecerá haverá de ser suscitada noutro momento' (voto-
vista do Ministro Nilson Naves).
– 'Há precedentes da Terceira Turma, em caso específico, entendendo ser
'correta a conclusão de que cabe ao advogado e não à sociedade o direito de
cobrar judicialmente os honorários convencionados considerando que a procuração
ad judicia foi conferida exclusivamente ao causídico, sem qualquer menção à
sociedade de advogados da qual participe' (REsp n. 298.882-RJ, relatora Ministra
Nancy Andrighi, DJ de 25.06.2001). Ainda na Terceira Turma, relator o Ministro
Antônio de Pádua Ribeiro, há decisão em que a 'sociedade de advogados tem
legitimidade para executar os honorários advocatícios devidos em processo para
o qual foi outorgado mandato a um de seus integrantes' (REsp n. 651.157-SP, DJ
de 03.11.2004). O objetivo, em ambos os casos, foi preservar a possibilidade do
advogado ou sua sociedade cobrar honorários de advogado, não se examinando
no primeiro precedente especificamente a hipótese de que tratou o segundo. No
segundo precedente estão indicados outros que seguem a mesma trilha (REsp n.
166.332-SP, Relator Ministro Bueno de Souza, DJ de 22.03.1999; REsp n. 426.301-
SP, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 14.04.2003).
Daí, na minha compreensão, o fato de estar a procuração em nome de um dos
advogados da sociedade não retira desta a legitimidade para levantar os honorários
ou executá-los, ...' (voto-vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito).
Menciono, ainda, nessa linha de entendimento, o acórdão proferido pela Primeira Turma no julgamento do REsp n. 706.778-SC (relatado pelo Ministro José Delgado, DJ de 1º.02.2006), cuja ementa, no ponto em debate, ficou assim, redigida:
Processual Civil. Recurso especial. Levantamento de honorários advocatícios
por sociedade de advogados. Art. 15, § 3º, da Lei n. 8.096/1984. Possibilidade.
Entendimento da Corte Especial do STJ.
(...)
4. O art. 15, § 3º, da Lei n. 8.906, de 04.07.1994 (Estatuto dos Advogados)
determina que, em se tratando de serviços advocatícios prestados por sociedade
constituída, as procurações devem ser outorgadas individualmente aos advogados e
indicar a sociedade de que façam parte.
5. Não se caracteriza como tendo sido prestados serviços por sociedade de
advogados quando, expressamente, a procuração foi outorgada, de modo individual
ao advogado, sem nenhuma referência a qualquer vínculo com sociedade.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
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6. Precedentes: ROMS n. 9.067-SP, desta Relatoria, DJ 17.08.1998, REsp n.
437.853, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 07.06.2004, REsp n. 543.481, Rel. Min.
Luiz Fux, DJ 30.09.2004.
7. A Corte Especial, por ocasião do julgamento do REsp n. 654.543-BA, em 29
de junho de 2005, relator p/ acórdão, o eminente Ministro João Otávio de Noronha,
decidiu, por maioria, que a sociedade de advogados tem legitimidade para levantar
ou executar honorários quando a procuração é outorgada a advogado da qual é
integrante.
8. Em homenagem à função uniformizadora desta Casa Julgadora, no âmbito
de interpretação do direito federal, sigo o posicionamento firmado pela Corte
Especial, embora com ressalva do meu ponto de vista.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
Ante o exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 530.905-DF (2003/0071241-7)
Relator: Ministro João Otávio de NoronhaRecorrente: Atlântica Seguranca Técnica LtdaAdvogado: Francisco Coutinho Chaves e outrosRecorrido: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDEProcurador: Roberto Cebrian Toscano e outros
EMENTA
Processual Civil e Tributário. Recurso especial. Violação do art. 535, II, do CPC. Não-ocorrência. Salário-educação. Inclusão no Refis. Possibilidade.
1. Inexiste violação do art. 535, II, do CPC na hipótese em que o Tribunal de origem examina, de modo claro e suficiente, as questões submetidas à sua apreciação.
2. O salário-educação é uma contribuição arrecadada e fiscalizada pelo INSS.
182
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido da possibilidade de inclusão dos débitos referentes ao salário-educação no Programa de Recuperação Fiscal (Refis). Precedente.
4. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 13 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro João Otávio de Noronha, Relator
DJ 05.03.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Cuida-se de recurso especial interposto por Atlântica Segurança Técnica Ltda. e outra com fulcro no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, em face de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado:
Tributário. Salário-educação. Leis n. 9.424/1996 e 9.766/1998. Programa de
Recuperação Fiscal - Refis. Lei n. 9.964/2000.
1- A legislação que rege a contribuição social do salário-educação é peculiar,
bastante singular, no que toca ao procedimento de sua arrecadação e fiscalização,
uma vez que tem legitimidade para tal mister tanto o Instituto Nacional do Seguro
Social - INSS, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE
(Lei n. 9.766/1998, arts. 1°, 4° e 5°, e Decreto n. 3.142/1999). Os recursos
arrecadados, no entanto, claro, são gerenciados pelo FNDE, pois ao INSS cabe
apenas a importância equivalente a 1% (um por cento) do que ele arrecadar, a título
de taxa de administração (Lei n. 9.766/1998, art. 4°, parágrafo único).
2- Por conseguinte, em face dessa especificidade, penso que não é de bom
alvitre incluir os débitos referentes ao salário-educação no Programa de Recuperação
Fiscal - Refis, até porque, in casu, a fiscalização e a notificação para recolhimento
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
183
RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
dos débitos estão sendo realizadas pela Fundação Nacional de Desenvolvimento
da Educação - FNDE, que tem legitimidade para tanto e é uma Fundação. Logo, à
evidência, seus créditos não são alcançados pela suspensão prevista pelo muita vez
citado Programa - Refis (Lei n. 9.964/2000, art. 1°, § 3°, I).
3- Recurso improvido.
4- Sentença mantida (fl. 134).
Subseqüentemente, foram opostos embargos de declaração, os quais restaram ementados nos seguintes termos:
Processual Civil. Embargos de declaração. Salário-educação. Ausência dos vícios
processuais elencados no artigo 535 do Código de Processo Civil. Desnecessidade
de análise de todos os dispositivos legais e constitucionais invocados pelas partes.
Intuito de prequestionamento. Embargos rejeitados.
1. São incabíveis embargos de declaração opostos sem a demonstração
da ocorrência de quaisquer dos vícios enumerados no artigo 535, do Código de
Processo Civil.
2. Os fundamentos que levaram à manutenção da sentença apelada foram
deduzidos no voto condutor do acórdão embargado, que tratou expressamente
de toda a matéria abordada nos presentes embargos de declaração, utilizando-se,
porém, de motivação desfavorável aos interesses da parte embargante.
3. Cabe ao Juiz, ou ao Tribunal, ao apreciar a demanda, ou o recurso, solver o
litígio em toda a sua inteireza, fundamentando suas decisões, mesmo que de forma
sucinta ou sob enfoque próprio, revestindo-as, sim, de conteúdo. "Tal raciocínio não
origina, contudo, a obrigação de dar respostas a todas as questiúnculas formuladas
em Juízo, principalmente quando os dispositivos assinalados não comportam
maiores esclarecimentos, em face da conclusão lógico-sistemática adotada pelo
decisum..." (STJ - EAGRAR n. 1.354-CE, Rel. Min.Gilson Dipp, DJ/I de 23.05.2001,
p. 101).
4. O prequestionamento da matéria, por si só, não viabiliza o cabimento dos
embargos de declaração. É necessária a demonstração inequívoca da ocorrência dos
vícios enumerados no artigo 535, do Código de Processo Civil.
5. Embargos rejeitados. (fl. 156).
Sustentam as recorrentes, nas razões do apelo extremo, contrariedade aos arts. 535, II, do Código de Processo Civil, 3° e 151, I, do Código Tributário Nacional, 1° da Lei n. 9.964/2000, 15 da Lei n. 9.424/1996 e 1°, 4° e 5° da Lei n. 9.766/1998.
184
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Aduzem, ainda, que "... demonstrado o direito líquido e certo das Recorrentes, pede-se a este egrégio Tribunal que confira total provimento ao presente recurso, reformando-se, in totum, o douto acórdão recorrido e a sentença monocrática, no sentido de assegurar-se às Recorrentes seu direito líquido e certo de consolidação dos créditos referentes à contribuição para o salário-educação no Refis, ainda que cobrados pelo FNDE" (fl. 170).
Contra-razões apresentadas às fls. 190/235.
Admitido o recurso, vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator): O apelo merece prosperar.
Inicialmente, afasto a alegada violação do art. 535, II, do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem, no acórdão recorrido, adotou fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, atentando-se aos pontos relevantes e necessários ao deslinde do litígio, ainda que suas conclusões não tenham merecido a concordância da parte recorrente.
Quanto ao mérito, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o salário-educação é uma contribuição arrecadada e fiscalizada pelo INSS, ao qual compete reter 1% (um por cento) do montante recolhido da referida exação, a título de taxa de administração, e repassar o restante ao FNDE.
Não há, portanto, nenhum óbice para adesão das recorrentes ao Programa de Recuperação Fiscal (Refis) em relação à contribuição social do salário-educação.
Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado desta Corte Superior de Justiça:
Tributário. Salário-educação. Inscrição no Programa de Recuperação Fiscal (Refis). Finalidade do programa. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário parcelamento dos débitos fiscais. Função social.
1. As disposições que regem o ingresso da empresa devedora junto ao Refis prevêem que as exações em débito sejam administradas pela Secretaria da Receita Federal ou pelo Instituto Nacional do Seguro Social.
2. O salário-educação é uma contribuição arrecadada e fiscalizada pelo INSS. Compete à autarquia previdenciária a retenção de 1% (um por cento), à título de taxa de administração, do montante recolhido de referida exação incumbindo-lhe o repasse do restante ao FNDE.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
185
RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
3. O parcelamento do débito tributário é modalidade de suspensão do crédito tributário, a teor do novel inciso VI, do art. 151, do CTN, introduzido pela LC n. 104/2001.
4. Interpreta-se literalmente a legislação que verse sobre a suspensão do crédito tributário (art. 111, I, do CTN), motivo pelo qual, dentre as interpretações gramaticais possíveis o hermeneuta deve escolher pela mais razoável, a que se coadune com a finalidade da norma.
5. A ratio essendi das disposições que disciplinam o Refis têm natureza dúplice no sentido de que fomentam o adimplemento das obrigações tributárias e permitem ao Estado o recebimento, mesmo que parcelado, de seus créditos fiscais.
6. Deveras, é preciso atentar que toda e qualquer estratégia que propicie o ingresso de fundos na tão deficitária Receita Pública é sobremodo superior ao sacrifício patrimonial dos devedores, cujo patrimônio expropriado, em regra, não suporta a satisfação das obrigações tributárias.
7. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 490.685-PR, Relator Ministro Luiz Fux, DJ de 24.11.2003).
Ante o exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 636.302-DF (2004/0007075-3)
Relator: Ministro Herman BenjaminRecorrente: Ronaldo Lázaro TiradentesAdvogado: Osmar Velloso Tognolo e outroRecorrido: Sociedade de Televisão Manauara LtdaAdvogado: Alexandre Kruel Jobim e outrosRecorrido: UniãoInteres.: Benjamin Bursztejn
EMENTA
Administrativo. Recurso especial. Concessão de serviços públicos de radiodifusão. Transferência de cotas. Alteração na gerência. Omissão do Poder Público. Impossibilidade de autorização tácita em razão de mudanças na administração da sociedade. Lei n. 4.117/1962 e Decreto n. 52.795/1963.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. Por se tratar de atividade estratégica aos interesses nacionais, a exploração dos serviços de radiodifusão, exercida mediante concessão do Poder Público, é objeto de especiais controle e fiscalização pelo Estado, inclusive e principalmente, em relação às pessoas que exercem o comando econômico e gerencial das empresas concessionárias.
2. Licença-tácita e autorização-tácita configuram anomalia no quadro jurídico do Estado Social, instaurado pela Constituição Federal de 1988, pois implicariam delegação ou privatização indireta do poder de polícia, monopólio estatal.
3. Nesse sentido, a autorização tácita da transferência de cotas de sociedades concessionárias de serviços de radiodifusão, prevista na redação original do art. 38, parágrafo final, da Lei n. 4.117/1962, deve ser interpretada cum grano salis.
4. No presente caso, verificando-se que as mudanças promovidas na sociedade concessionária importavam alteração em seu controle e gerência, impossível afastar a exigência de autorização expressa por parte do poder concedente.
5. Recurso Especial a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Eliana Calmon, João Otávio de Noronha, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 26 de setembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Herman Benjamin, Relator
DJ 06.08.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recurso Especial interposto por Ronaldo Lázaro Tiradentes (fls. 647/654), admitido no feito como assistente litisconsorcial de Benjamin Bursztejn (autor da ação ordinária). O recorrente pleiteia o reconhecimento da aprovação tácita de que cuida o art. 38, c, do Código Brasileiro de Telecomunicações, "tanto no que diz respeito à nova composição societária, quanto à indicação de novo gerente" (fl. 654).
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
187
RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
Para melhor compreensão do caso em tela, faz-se necessária pequena digressão.
O presente Recurso Especial foi interposto nos autos de ação ordinária proposta por Benjamin Bursztejn em face da União e da Sociedade de Televisão Manauara Ltda., em que requer o reconhecimento da validade de alteração contratual que admitira o autor como sócio e gerente da referida sociedade. Postula, ainda, a anulação dos atos praticados pelos outros sócios sem a anuência do autor, especialmente das alterações contratuais celebradas à sua revelia.
Alega o autor que, em 9 de dezembro de 1992, a Sociedade de Televisão Manauara Ltda. promoveu a "Quinta Alteração Contratual" (fls. 46/49). Por este ato, Benjamin Bursztejn era admitido na sociedade, sendo indicado para exercer o cargo de sócio-gerente, juntamente com o cotista Abdul Rasac Hauache Neto. Destaque-se que Benjamin Bursztejn passou a deter 50% das cotas sociais.
Em razão de se tratar de sociedade comercial concessionária de serviço de radiodifusão, as alterações contratuais sujeitavam-se à autorização do poder concedente, por meio do Ministério das Comunicações. Desse modo, foi solicitada, em 3 de fevereiro de 1993, autorização do Ministério para a admissão de novo sócio, transferência de cotas de capital e indicação de novo dirigente (fls. 51/52).
Narra o autor que, em 25 de setembro de 1995, o sócio-gerente Abdul Rasac Hauache Neto solicitou o arquivamento do processo que requeria a autorização da alteração contratual pelo poder concedente. Alega, porém, que o decurso do prazo de 90 dias sem manifestação do Ministério das Comunicações implicaria autorização tácita, nos termos do disposto no art. 38, c, da Lei n. 4.117/1962, em sua redação original.
Art. 38. Nas concessões e autorizações para a execução de serviços de
radiodifusão serão observados, além de outros requisitos, os seguintes preceitos e
cláusulas:
a) os diretores e gerentes serão brasileiros natos e os técnicos encarregados
da operação dos equipamentos transmissores serão brasileiros ou estrangeiros
com residência exclusiva no País permitida, porém, em caráter excepcional e com
autorização expressa do Conselho de Telecomunicações, a admissão de especialistas
estrangeiros, mediante contrato, para estas últimas funções.
b) a modificação dos estatutos e atos constitutivos das empresas depende,
para sua validade, de aprovação do Governo, ouvido previamente o Conselho
Nacional de Telecomunicações;
188
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
c) a transferência da concessão, a cessão de cotas ou de ações representativas
do capital social, dependem, para sua validade, de autorização do Governo após o
pronunciamento do Conselho Nacional de Telecomunicações.
(Vetado).
O silêncio do Poder concedente ao fim de 90 (noventa) dias contados da
data da entrega do requerimento de transferência de ações ou cotas, implicará na
autorização.
Em maio de 2000, o juízo de primeiro grau julgou procedentes os pedidos, "decretando a validade da 5ª alteração contratual da Ré Sociedade de Televisão Manauara Ltda. e a nulidade das alterações posteriores, firmadas sem a presença do autor" (fls. 257/266).
Após, sobreveio acórdão do Tribunal Regional da 1ª Região (fls. 364/378) que, por maioria, deu provimento à Apelação, julgando improcedentes os pedidos formulados na inicial. Posteriormente, a Turma, por maioria, negou provimento aos Embargos Infringentes opostos por Benjamin Bursztejn (fls. 436/451) e, em seguida, acolheu os Embargos Declaratórios para consignar que a autorização expressa do poder concedente é necessária apenas para que a alteração possa ser válida em relação a terceiros, não sendo alcançados pela decisão embargada os fundamentos e a validade do negócio jurídico particular celebrado entre as partes (fl. 597).
No dia 7 de junho de 2002, Benjamin Bursztejn atravessa petição (fls. 514/517) em que narra que negociara com Ronaldo Lázaro Tiradentes, em maio de 2000, a transferência das cotas sob litígio. Afirma que, apesar de o negócio ter sido celebrado com cláusulas de irretratabilidade e irrevogabilidade, houve quebra de confiança por parte do cessionário, por ter "exorbitado exageradamente dos poderes que lhe foram outorgados" (fl. 515). Informa, ainda, ter notificado o mandatário da revogação de todas as procurações anteriormente outorgadas. Na mesma petição, Benjamin Bursztejn requer a desistência do recurso interposto em seu nome, afirmando ter praticado ato incompatível com a vontade de recorrer, qual seja, a aceitação do valor depositado em sede de ação consignatória em que a Sociedade de Televisão Manauara Ltda. pretendia restituir-lhe as importâncias pagas pela aquisição das cotas, desfazendo o negócio jurídico.
Ocorre que, em 12 de junho de 2002, Ronaldo Lázaro Tiradentes ingressa no feito, afirmando ter celebrado com Benjamin Bursztejn contrato particular irretratável e irrevogável pelo qual adquiriu a totalidade de suas cotas do capital da Sociedade de Televisão Manauara Ltda, e requerendo sua admissão como assistente litisconsorcial (fls. 22/26 do apenso).
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
189
RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
Em 13 de junho, a Ilustre Desembargadora Relatora admitiu a assistência litisconsorcial, sem a oitiva das rés (fl. 509).
Em 14 de junho, a Terceira Seção, por maioria, acolheu parcialmente os Embargos de Declaração já mencionados neste relatório, sem analisar o pedido de desistência formulado por Benjamin Bursztejn (fls. 592/595).
O Tribunal, após impugnação das partes, confirmou, em 28 de maio de 2003, a decisão que admitira Ronaldo Tiradentes como assistente litisconsorcial (fls. 72/78 do apenso).
O pedido de desistência foi julgado prejudicado, em decisão proferida em 29 de maio de 2003 (fl. 686).
Por derradeiro, registre-se que o presente Recurso Especial foi interposto pelo assistente litisconsorcial em 23 de setembro de 2002 (fl. 647), tendo como fundamento a negativa de vigência ao art. 38, c, da Lei n. 4.117/1962.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Inicialmente, cumpre transcrever a ementa do acórdão do Tribunal Regional da 1ª Região, desafiado pelo presente Recurso Especial:
Processual Civil. Administrativo. Comercial. Direito Societário. Embargos
infringentes. Concessão de serviços públicos de telecomunicações. Transferência
de cotas. Omissão do Poder Público. Impossibilidade de autorização tácita em
razão de mudanças na administração da sociedade. Lei n. 4.117/1962 e Decreto n.
52.795/1963.
I - A autorização tácita, por parte do Poder concedente, em razão do transcurso
de prazo legal sem manifestação (Lei n. 4.117/1962, art. 38, alínea c), não se aplica
à presente hipótese, uma vez que a transferência de cotas acarretou modificação
substancial na administração da empresa, com a inclusão de novo gerente.
II - A tese segundo a qual a indicação de gerente não passa de mera conseqüência
da alteração das cotas, não prevalece in casu, em que se trata de concessão de
serviços de telecomunicações.
III - A legislação atinente à espécie e o próprio instituto jurídico da concessão
de serviços públicos privilegiam o controle, por parte do concedente, das mudanças
ocorridas na administração da empresa concessionária, em prol do interesse público.
Tal controle, que chega a aferir condições pessoais dos novos dirigentes, há que ser
efetivamente exercido, de forma expressa.
190
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
IV - Embargos infringentes improvidos.
A decisão atacada não merece reparos.
Por se tratar de atividade estratégica aos interesses nacionais, a exploração dos serviços de radiodifusão, exercida mediante concessão do Poder Público, é objeto de especiais controle e fiscalização pelo Estado, inclusive e principalmente, em relação às pessoas que exercem o comando econômico e gerencial das empresas concessionárias. Esse, no meu sentir, é o espírito que permeia a legislação pertinente à matéria. Tal convicção encontra amparo na redação do § 5º, do art. 222, da CF/1988, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 36/2002, que preconiza que “as alterações de controle societário das empresas de que trata o § 1º serão comunicadas ao Congresso Nacional”.
Sob essa ótica deve ser interpretado o que dispunha, em sua redação original, o art. 38 da Lei n. 4.117/1962 (Código Brasileiro de Telecomunicações), que trata dos efeitos dos atos constitutivos das concessionárias junto ao Poder concedente. Transcrevo-o:
Art. 38. Nas concessões e autorizações para a execução de serviços de
radiodifusão serão observados, além de outros requisitos, os seguintes preceitos e
cláusulas:
a) os diretores e gerentes serão brasileiros natos e os técnicos encarregados
da operação dos equipamentos transmissores serão brasileiros ou estrangeiros
com residência exclusiva no País permitida, porém, em caráter excepcional e com
autorização expressa do Conselho de Telecomunicações, a admissão de especialistas
estrangeiros, mediante contrato, para estas últimas funções.
b) a modificação dos estatutos e atos constitutivos das empresas depende,
para sua validade, de aprovação do Governo, ouvido previamente o Conselho
Nacional de Telecomunicações;
c) a transferência da concessão, a cessão de cotas ou de ações representativas
do capital social, dependem, para sua validade, de autorização do Governo após o
pronunciamento do Conselho Nacional de Telecomunicações.
O silêncio do Poder concedente ao fim de 90 (noventa) dias contados da
data da entrega do requerimento de transferência de ações ou cotas, implicará na
autorização.
Na linha do acima exposto, observa-se que "licença tácita” e "autorização tácita" (inclusive aquela de que tratava o parágrafo final do artigo 38) configuram verdadeira anomalia no quadro jurídico do Estado Social, instaurado pela Constituição Federal de 1988, pois implicaria delegação ou privatização indireta
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
do poder de polícia, monopólio estatal. No caso dos autos, a dispensa de autorização expressa do poder concedente poderia, contudo, ser explicada pelo fato de que meras transferências de ações ou cotas sociais não teriam repercussão nos desígnios da pessoa jurídica. Vale frisar que esse dispositivo, por encerrar exceção à autorização expressa (positiva), deve ser interpretado restritivamente, não abrangendo, pois, situações outras que venham burlar a necessidade da correspondente atuação estatal.
Nos autos, a situação narrada não enseja aplicação do dispositivo invocado, uma vez que não implica mera transferência de quotas, mas compra de metade da concessionária, inclusive com alteração de gerência. Torna-se evidente, até pela composição societária apresentada à autorização estatal, a mudança no controle da empresa, pois somente o sócio admitido deteria 50% por cento do capital social, enquanto os demais, quatro ao total, dividiriam as quotas restantes.
Ademais, como bem demonstrado no acórdão atacado, o Regulamento dos Serviços de Telecomunicações (Decreto n. 52.795/1963) trazia, em seus artigos 14, 99 e 100, uma série de exigências a serem cumpridas pelos gerentes e administradores das empresas de radiodifusão, que visavam a aferir as condições pessoais dos novos dirigentes. Trata-se de mais uma evidência de que o controle estatal não poderia ser suprido pelo mero decurso do prazo, sob pena de se atribuir a particulares uma espécie de "autocontrole" ou "autofiscalização".
Constatada, portanto, a alteração substancial nos atos constitutivos da concessionária em face da nova composição societária, que denota mudança nos seus controles econômico e administrativo, necessária a expressa autorização do poder concedente.
Ante o exposto, nego provimento ao Recurso Especial.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 840.864-SP (2006/0078247-0)
Relatora: Ministra Eliana CalmonRecorrente: Companhia Paulista de Energia ElétricaAdvogada: Ana Paula Cazarini Ribas de Oliveira e outrosRecorrido: Antonio Honorato dos SantosAdvogado: Fernando Tavares Simas
192
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA
Administrativo. Serviço público. Concedido. Energia elétrica. Inadimplência.
1. Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica.
2. Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei n. 8.987/1995, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços públicos.
3. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio.
4. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como previsto no art. 6º, § 3º, II, da Lei n. 8.987/1995. Exige-se, entretanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na Lei n. 9.427/1997, que criou a Aneel, idêntica previsão.
5. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts. 42 e 71 do CDC, em interpretação conjunta).
6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com a Sra. Ministra Relatora.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
193
RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
Brasília (DF), 17 de abril de 2007 (data do julgamento).
Ministra Eliana Calmon, Relatora
DJ 30.04.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: Trata-se de recurso especial interposto, com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão do TA-SP que concluiu no sentido de que o inadimplemento do usuário não autoriza o corte de fornecimento de energia elétrica por parte da concessionária.
Inconformada, a Companhia Paulista de Energia Elétrica aponta, além de dissídio jurisprudencial, violação do art. 6°, III, b, da Lei n. 8.987/1995, dos arts. 91 e 94 da Resolução n. 456/2000 da Aneel e do art. 476 do Código Civil, defendendo a legalidade do corte de fornecimento de energia elétrica.
Sem contra-razões, subiram os autos, por força de agravo de instrumento.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): Preliminarmente, não conheço do recurso no que se refere à violação dos dispositivos da Resolução n. 456/2000 da Aneel, porque não se enquadram no conceito de "Lei Federal" de que trata o permissivo constitucional. Também não conheço do presente recurso quanto à suposta afronta ao art. 476 do Código Civil, visto que o referido dispositivo não foi objeto de exame do Tribunal de origem, incidindo, portanto, o teor da Súmula n. 211-STJ. Ultrapassado este ponto, passo ao exame do mérito.
O tema encontra divergências nesta Corte, embora hoje, majoritariamente, colham-se depoimentos em favor da legalidade do corte de fornecimento, em razão do inadimplemento.
Pela divergência e incompreensão do problema, especialmente pelas novidades do Direito Administrativo, convém se faça uma digressão sobre os diferentes ângulos de visão que vêm servindo de apoio para o entendimento daqueles que consideram não ser permitida a interrupção do serviço, quando se tratar de serviços públicos essenciais, como por exemplo, fornecimento de água, energia elétrica, telefonia, transporte, etc.
Segundo a CF/1988, cabe ao Poder Público a prestação de serviços públicos, entendendo-se como tais, os prestados pela Administração ou por seus delegados,
194
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
sob normas e controles estatais, para satisfazerem necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado.
Além dos serviços públicos da competência exclusiva de cada ente estatal da Administração direta, União (art. 21, CF/1988), Municípios (art. 39, inciso V, CF/1988), Estados (art. 25, § 1º, CF/1988), há uma competência comum para a titularidade de tais serviços, destacando-se aqueles próprios e gerais, prestados pelo Poder Público, sem possibilidade de identificação dos destinatários, chamados de serviços UTI Universi. Esses serviços são financiados pelos impostos, como são os serviços de segurança pública, os de saúde e outros.
Diferentemente, há os serviços públicos impróprios e individuais, cujos usuários são determinados ou determináveis, os quais permitem a aferição do quantum utilizado por cada consumidor, o que ocorre com os serviços de telefone, água e energia elétrica. Tais serviços, em contraposição aos UTI Universi, são chamados de UTI Singuli.
Para a consecução dos serviços públicos diretos ou indiretos, criaram-se os entes da chamada Administração indireta, cujo modelo veio com o DL n. 200/1967, criando-se, ao lado da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas.
O esgotamento do modelo interventor do Estado ocorreu na década de 90, demonstrando o Poder Público sua incapacidade para financiar os serviços de utilidade pública, o que o levou a firmar parcerias com a iniciativa privada, por via de delegação de serviços públicos ao particular, como previsto no art. 175 da CF/1988, não sendo demais transcrever o texto:
Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
O parágrafo único do artigo em destaque diz que a lei disporá sobre o regime jurídico da delegação dos direitos dos usuários e da política tarifária.
Em obediência à norma constitucional, veio a Lei n. 8.987/1995, prequestionada neste recurso, a regular a concessão e a permissão dos serviços públicos. Essa lei foi alterada posteriormente, em alguns artigos, pela Lei n. 9.074/1995, que, por seu turno, regulou a concessão dos serviços de energia elétrica. Assim, os serviços UTI Singuli podem ser prestados pelo próprio Estado, ou por delegação, tendo-se como traço de identificação a remuneração.
Os serviços UTI Universi, também chamados de próprios, são remunerados por espécie tributária específica, a taxa, cujo pagamento é obrigatório, porque
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decorre da lei, independentemente da vontade do contribuinte. A espécie tem por escopo remunerar um serviço público específico e divisível, posto à disposição do contribuinte.
Esse serviço caracteriza-se pela obrigatoriedade, pois o contribuinte não tem opção, porque, mesmo que dele não se utilize, é obrigado a remunerá-lo, e pela continuidade, mesmo ocorrendo a inadimplência. Trava-se, então, entre o contribuinte e o Poder Público, uma relação administrativo-tributária, solucionada pelas regras do Direito Administrativo.
Com esses serviços não se confundem os UTI Singuli ou impróprios, prestados pelo Estado via delegação, por parceria com entes da Administração descentralizada ou da iniciativa privada.
Diferente daqueles, esses serviços são remunerados por tarifas ou preços públicos, e as relações entre o Poder Público e os usuários são de Direito Privado, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, ao identificarem-se os usuários como consumidores, na dicção do art. 3º do CDC.
A tarifa é, portanto, remuneração facultativa, oriunda de relação contratual na qual impera a manifestação da vontade, podendo o particular interromper o contrato quando assim desejar.
Assim, não se há confundir taxa com tarifa ou preço público, como aliás advertido está na Súmula n. 545-STF. Se o serviço público é remunerado por taxa, não podem as partes cessar a prestação ou a contraprestação por conta própria, característica só pertinente às relações contratuais, na esfera do Direito Civil.
Verifica-se, portanto, que, a partir do sistema de remuneração, é que se define a natureza jurídica da relação do serviço público prestado.
Doutrinariamente, não há unidade. Uma corrente defende a aplicação do CDC somente aos serviços remunerados por tarifa, estando dentre os adeptos dessa corrente, Cláudio Bonolo e Paulo Valério Del Pai Moraes ("Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor", 4ª ed., Porto Alegre – Livraria do Advogado).
Uma segunda corrente, menos ortodoxa, entende que o CDC é aplicável, indistintamente, a todos os serviços, remunerados por taxa ou tarifa. Dentre os adeptos estão Cláudia Lima Marques e Adalberto Pasqualotto.
Filio-me à primeira corrente, para a qual só os serviços remunerados por tarifa podem ser regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, em razão do direito de escolha do usuário, um dos direitos básicos para o reconhecimento da condição de consumidor (art. 6º do Código).
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O art. 22 do CDC faz menção expressa aos serviços públicos essenciais, embora não os caracterize, defina ou sequer indique as atividades assim consideradas. Por outro ângulo, a CF/1988 apenas sinaliza que a lei definirá os serviços ou atividades essenciais (art. 9º, § 1º).
Somente na Lei n. 7.783/1989, a Lei de Greve, é que se encontra a definição das atividades essenciais, como aquelas que atendem às necessidades inadiáveis da comunidade, trazendo, no art. 10, a relação dos serviços ou atividades essenciais e definindo, no art. 11, as necessidades inadiáveis como aquelas que, não atendidas, colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
Tem entendido a doutrina que a Lei de Greve supre o CDC com a relação do seu art. 10, embora os consumeiristas não o considerem como absoluto, porque, para eles, todo serviço público é, em princípio, essencial. Lamentavelmente, o impasse doutrinário não foi ainda solucionado pela jurisprudência, extremamente vacilante nesse especial aspecto, inclusive nesta Corte de Justiça.
As definições até aqui propostas, longe de mero exercício doutrinário, são de importância fundamental para definir não só a classificação de quais sejam os serviços essenciais, os quais para mim estão na listagem do art. 10 da Lei de Greve, como também para definir qual a natureza jurídica da relação, entendendo-se que, se o serviço essencial é remunerado por taxa, temos um serviço regido pelo Direito Público, Tributário e Administrativo. Se remunerado por tarifa, temos uma relação regida pelo CDC.
Mas não é só, porque é importante também o estabelecimento das conseqüências da inadimplência.
No estudo das regras norteadoras do serviço público, tem-se como obrigatório o atendimento ao princípio da adequação (art. 175, parágrafo único, inciso IV, CF/1988). O mesmo princípio está na Lei n. 8.987/1995, que regulamentou as condições para a prestação dos serviços públicos sob o regime da concessão ou permissão, havendo o mencionado diploma definido, no art. 6º, § 1º, o que seja serviço adequado:
Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade nas tarifas.
Conclui-se, pelo teor do dispositivo transcrito, que a continuidade consiste na indispensabilidade do serviço público essencial, devendo ser prestado sem interrupções. O já citado art. 22 do CDC é expresso ao indicar a continuidade como característica do serviço, impondo a reparação de dano em caso de descumprimento.
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A leitura apressada e literal do dispositivo pode levar a crer que em nenhuma hipótese é possível a interrupção do serviço: entretanto, há na Lei n. 8.987/1995 a expressa previsão de interrupção, em determinados casos, como se depreende da leitura do seu art. 6º, § 3º, inciso II:
Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em
situação de emergência ou após prévio aviso, quando por inadimplemento do
usuário, considerando o interesse da coletividade.
A seu turno, a Lei n. 9.427/1997, ao criar a Aneel e disciplinar o regime de concessão e permissão dos serviços de energia elétrica, previu expressamente a possibilidade de corte, assim como a Resolução n. 456, de 29.11.2000 (arts. 90 e 94).
A aplicação das normas indicadas, especialmente em confronto com o art. 22 do CDC, vem causando profundos embates doutrinários e jurisprudenciais, com divergências entre autores e nos tribunais do País.
Tenho posição já manifestada em alguns julgados, dentre os quais o leading case da Segunda Turma, assim ementado:
Administrativo. Serviço de fornecimento de água. Pagamento à empresa
concessionária sob a modalidade de tarifa. Corte por falta de pagamento:
legalidade.
1. A relação jurídica, na hipótese de serviço público prestado por concessionária,
tem natureza de Direito Privado, pois o pagamento é feito sob a modalidade de
tarifa, que não se classifica como taxa.
2. Nas condições indicadas, o pagamento é contra prestação, e o serviço pode
ser interrompido em caso de inadimplemento.
3. Interpretação autêntica que se faz do CDC, que admite a exceção do
contrato não cumprido.
4. A política social referente ao fornecimento dos serviços essenciais faz-se
por intermédio da política tarifária, contemplando eqüitativa e isonomicamente os
menos favorecidos.
5. Recurso especial improvido.
(REsp n. 337.965-MG, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, por maioria,
julgado em 02.09.2003, DJ de 20.10.2003)
Na oportunidade em que proferi o voto condutor, deixei claro que, na interpretação do art. 22 do CDC, Lei n. 8.078/1990, não se pode ter uma visão individual, considerando-se o consumidor que, por algum infortúnio está
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inadimplente, pois o que importa é o interesse da coletividade, que não pode ser onerada pela inadimplência.
Os serviços essenciais, na atualidade, são prestados por empresas privadas que recompõem os altos investimentos com o valor recebido dos usuários, através dos preços públicos ou tarifas, sendo certa a existência de um contrato estabelecido entre concessionária e usuário, não sendo possível a gratuidade de tais serviços.
Assim como não pode a concessionária deixar de fornecer o serviço, também não pode o usuário negar-se a pagar o que consumiu, sob pena de se admitir o enriquecimento sem causa, com a quebra do princípio da igualdade de tratamento das partes.
A paralisação do serviço impõe-se quando houver inadimplência, repudiando-se apenas a interrupção abrupta, sem o aviso, como meio de pressão para o pagamento das contas em atraso. Assim, é permitido o corte do serviço, mas com o precedente aviso de advertência.
À prestadora do serviço exige-se fornecimento de serviço continuado e de boa qualidade, respondendo ela pelos defeitos, acidentes ou paralisações, pois é objetiva a sua responsabilidade civil, como claro está no parágrafo único do art. 22 do CDC. Como então aceitar-se a paralisação no cumprimento da obrigação por parte dos consumidores? Tal aceitação levaria à idéia de se ter como gratuito o serviço, o que não pode ser suportado por quem fez enormes investimentos e conta com uma receita compatível com o oferecimento dos serviços.
Essa é a interpretação que dou ao art. 22, e não consigo visualizar a chancela legislativa para a tolerância da inadimplência, com a manutenção do serviço.
Por outro ângulo, diz o art. 42:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto
a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único - O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à
repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido
de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Procurei a interpretação autêntica desse dispositivo na palavra do Dr. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim, visto ter ele trabalhado na elaboração legislativa, buscando o real alcance da norma:
O preceito não constava do texto original da Comissão de Juristas. Foi novidade
trazida pelo Substituto do Ministério Público - Secretaria de Defesa do Consumidor.
Na defesa de sua adoção, assim escrevi na justificativa juntada ao Substituto:
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"A tutela do consumidor ocorre antes, durante e após a formação da relação de
consumo. São do conhecimento de todos os abusos que são praticados na cobrança
de dívidas de consumo. Os artifícios são os mais distintos e elaborados, não sendo
raros, contudo, os casos de ameaças, telefonemas anônimos, cartas fantasiosas e até
a utilização de nomes de outras pessoas. No Brasil, infelizmente, não há qualquer
proteção contra tais condutas. O consumidor - especialmente o de baixa renda - é
exposto ao ridículo, principalmente em seu ambiente de trabalho, tendo, ainda, seu
descanso no lar perturbado por telefonemas, muitos deles em cadeia e até em altas
horas da madrugada. (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos
autores do anteprojeto, 7ª edição, p. 334)
Aí está, portanto, o entendimento da norma transcrita, o que, em nenhum passo, impede a cobrança corriqueira e legítima, só reprimindo os abusos.
Segundo os comentários dos autores do anteprojeto, o art. 42 tem de ser lido em conjunto com o art. 71, dispositivo assim redigido:
Art. 71 - Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento
físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas, ou de qualquer outro
procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira
com seu trabalho, descanso ou lazer.
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
Observe-se, portanto, que nenhum dos dois artigos autoriza a continuidade do serviço de forma gratuita.
Admitir o inadimplemento por um período indeterminado e sem a possibilidade de suspensão do serviço é consentir com o enriquecimento sem causa de uma das partes, fomentando a inadimplência generalizada, o que compromete o equilíbrio financeiro da relação e a própria continuidade do serviço, com reflexos inclusive no princípio da modicidade. Sim, porque o custo do serviço será imensurável a partir do percentual de inadimplência, e os usuários que pagam em dia serão penalizados com possíveis aumentos de tarifa.
A política tarifária do setor de fornecimento de energia elétrica, fortemente regulado, é estabelecida pelo Poder Público. As tarifas têm valores diferenciados, sendo classificadas por faixa, distintas, conforme a atividade ou o nível sócio-econômico do consumidor, estando fora de questão admitir-se a prestação gratuita dos serviços.
Modernamente, não há mais espaço para que desenvolva o Estado políticas demagógicas, de cunho assistencialista. O papel do Estado é o de criar condições para que seus cidadãos assumam a responsabilidade pelos seus atos.
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A propósito, adverte Celso Ribeiro Bastos para a importância do regime tarifário:
Da mesma forma as tarifas não podem deixar de ser justamente remuneratórias do capital investido. Caso assim não fosse, estar-se-ia quebrando a justa expectativa de todo aquele que desempenha a atividade econômica no regime capitalista, qual seja a de auferir lucros no fim do exercício. É certo, por outro lado, que o Poder Público não está obrigado a cobrir as despesas decorrentes de uma administração perdulária ou mesmo desarrazoadamente incompetente.
A justa remuneração deve ser apurada considerando-se os custos do serviço, levados a efeito de forma eficiente e econômica. O concessionário não pode beneficiar-se de um lucro certo, independente da forma por que administrou a concessão. Cumprida a sua parte, consistente na geração do serviço de estrita economicidade, não pode também o concessionário deixar de fazer jus a tarifas que lhe assegurem uma lucratividade normal, sob pena de a concessão converter-se numa forma sub-reptícia de confisco.
(Curso de Direito Econômico, Celso Bastos, Editora 2003, p. 314)
Embora seja permitida a suspensão do serviço público objeto das reclamações de consumo, ela não se constituiu em direito absoluto.
Em primeiro lugar, o fornecedor tem o dever de colaborar para que o consumidor possa adimplir o contrato. Ou seja, deve criar condições para o regular pagamento. Aliás, o pequeno inadimplemento do consumidor se confunde com a mera impontualidade, sem gerar as conseqüências de um corte de fornecimento. Daí a obrigatoriedade de o fornecedor estabelecer ao usuário datas opcionais para o vencimento de seus débitos (art. 7º-A, Lei n. 8.987/1995); além de prazo para proceder-se à interrupção quando houver inadimplência.
Na hipótese dos autos, ocorreu a suspensão do fornecimento de energia elétrica em virtude do inadimplemento do recorrido no pagamento de suas contas.
Diante do exposto, concluo não existir respaldo para impedir a paralisação do serviço, se houve a inadimplência e estava o consumidor avisado de que seria interrompido o fornecimento.
Sob o aspecto da norma específica, estão as concessionárias autorizadas a suspender os serviços, quando não pagas as tarifas (art. 6º, § 3º da Lei n. 8.987/1995); sob o aspecto ontológico, não se conhece contrato de prestação de serviço, firmado com empresa pública, cujo não-pagamento seja irrelevante para o contratado; sob o ângulo da lógica capitalista, é impossível a manutenção de serviço gratuito por parte de grandes empresas que fazem altos investimentos.
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Assim e em conclusão, conheço em parte do especial e, nessa parte, dou-lhe provimento.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 876.777-SC (2006/0149391-5)
Relatora: Ministra Eliana CalmonRecorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSProcurador: Luiz Cláudio Portinho Dias e outrosRecorrido: José Antônio BongiolloAdvogado: Carlos Vicente da Rosa Góes e outroInteres.: Embalita Embalagens Itajai LtdaAdvogado: Sem representação nos autos
EMENTA
Processo Civil. Falta de pronunciamento da Corte de segundo grau sobre omissão presente no acórdão impugnado. Infringência ao art. 535 do CPC.
1. Em nosso sistema processual, o juiz não está adstrito aos fundamentos legais apontados pelas partes. Exige-se, apenas, que a decisão seja fundamentada. Aplica o magistrado ao caso concreto a legislação por ele considerada pertinente.
2. Há que se identificar, entretanto, as teses jurídicas levantadas pelas partes potencialmente influentes, cuja apreciação, em tese, poderia modificar o resultado do julgamento da causa.
3. Nesse diapasão, deve o Tribunal de Apelação pronunciar-se sobre as questões devolvidas nas razões ou nas contra-razões do recurso, sob pena de obstacularizar o acesso à instância extraordinária.
4. À luz do princípio do devido processo legal, não é suficiente a afirmativa de que possuem os embargos declaratórios caráter infringente, ao argumento de que não existe omissão, obscuridade ou contradição na decisão embargada, eis que a prestação jurisdicional deve ser completa, clara e precisa.
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5. Omissão sobre a tese de que os requisitos previstos no art. 21 da MP n. 1.542-22/1997 restaram preenchidos, haja vista que não houve depósito neste processo. Ponto relevante para a solução do litígio, suscitado oportunamente e que não foi examinado nos embargos declaratórios.
6. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 03 de maio de 2007 (data do julgamento).
Ministra Eliana Calmon, Relatora
DJ 11.05.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: - Trata-se de recurso especial interposto, com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão do TRF da 4ª Região assim ementado:
Tributário. Execução fiscal. Embargos. Responsabilidade do sócio. Honorários
advocatícios.
O mero não recolhimento de tributos não se caracteriza como infração à lei
para fins de responsabilização pessoal dos diretores, gerentes e representantes de
pessoas jurídicas de direito privado pelas obrigações tributárias não recolhidas
pela empresa, nos termos do art. 135 do CTN, conforme precedentes do STJ. A
responsabilidade do administrador depende de comprovação da prática de ato
ilícito que tenha encoberto a obrigação tributária ou diminuído as garantias do
crédito tributário.
A fixação dos honorários advocatícios deve atender aos princípios elencados
no § 4º do art. 20 do CPC.
(fl. 136)
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Opostos embargos declaratórios, foram os mesmos rejeitados pela Corte a quo, sob o fundamento de que inexistia omissão no julgado embargado (fl. 142/144).
Inconformado, o INSS aponta, preliminarmente, violação do art. 535 do CPC, sob o argumento de que o Tribunal de origem não se manifestou quanto à tese em torno da possibilidade do redirecionamento da execução fiscal em razão do nome do sócio figurar na CDA.
No mérito, alega, além de dissídio jurisprudencial, afronta ao art. 2°, § 5°, I e IV, ao art. 3°, ambos, da Lei n. 6.830/1980 e ao art. 202 do CTN, defendendo o redirecionamento em virtude do nome do sócio constar da CDA. Aponta, ainda, negativa de vigência ao art. 13 da Lei n. 8.620/1993, aduzindo que a existência de débitos junto à Seguridade Social autorizam o redirecionamento da execução. Por fim, alega violação do art. 135 do CTN, afirmando que o inadimplemento de obrigação tributária viabiliza o pretendido redirecionamento.
Após as contra-razões, subiram os autos, por força de agravo de instrumento.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): - Depreende-se que o recorrente suscitou, via embargos de declaração, o pronunciamento da Corte a quo sobre a tese de que o redirecionamento da execução fiscal pode ser autorizado nos casos em que o nome do sócio constar da CDA.
O Tribunal de origem, então, rejeitou os declaratórios, sob o fundamento de que não havia nenhuma omissão a ser sanada.
De fato, a tese delineada nos embargos de declaração não foi objeto de análise pela Corte de origem, motivo pelo qual enseja o provimento do recurso especial por violação ao art. 535 do CPC, eis que a prestação jurisdicional deve ser completa, clara e precisa.
Confira-se à propósito a jurisprudência desta Corte a respeito do tema:
Processual Civil. Embargos de declaração. Motivação deficiente. Não
enfrentamento das questões postas a julgamento. Rejeição pura e simples. Violação
de lei federal configurada (art. 535, I e II, do CPC). Nulidade existente.
1. A entrega da prestação jurisdicional buscada em juízo tem natureza
de direito subjetivo pertencente às pessoas físicas e jurídicas pelo que deve ser
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entregue de modo preciso, claro, seguro e por completo. Deve ela ser feita após
o órgão julgador apreciar e decidir as questões suscitadas pelas partes e que, pela
essencialidade possuída, são capazes de influenciarem a conduta do julgado.
2. As razões do acórdão devem explicitar o dispositivo legal regulador da
posição assumida ou a matéria jurídica nele contida, para que as partes possam
apresentar os seus recursos com segurança.
3. Se, em sede de embargos de declaração, o Tribunal se nega a apreciar
fundamentos que se apresentam nucleares para a decisão da causa e tempestivamente
interpostos, comete-se ato de entrega de prestação jurisdicional imperfeito. As
decisões judiciais devem ser motivadas, sob pena de nulidade, e conter explicitação
fundamentada quanto aos temas suscitados pelas partes.
4. É sabido que as partes têm direito subjetivo constitucional a que a entrega da
prestação jurisdicional se faça de modo completo e com fundamentação enfocando
os temas levantados oportunamente no curso da lide. É dever, conseqüentemente,
da decisão judicial, apreciar e decidir as alegações dos litigantes, enfrentando-os de
modo direto e determinando posicionamento claro, objetivo e definido a respeito.
Na hipótese, o acórdão dos embargos declaratórios estão limitados aos
aspectos puramente teóricos do mencionado recurso. Há de ser anulado para
que seja explicitado se existe ou não, de modo concreto, omissão, contradição ou
obscuridade, situando-se na análise do proposto pelo embargante.
5. Reconhecida essa precariedade no acórdão dos embargos, via recurso
especial, decreta-se a sua nulidade, para que seja proferido novo julgamento com
o exame obrigatório das questões suscitadas pelo embargante, apreciando-se e
decidindo-se como melhor for construído o convencimento a respeito. Inteligência
do art. 535, I e II, do CPC.
6. Recurso Especial provido para anular-se o acórdão proferido em sede de
embargos de declaração, a fim de que o Tribunal a quo examine e julgue, suprindo
omissão existente no aresto, como melhor entender as questões jurídicas levantadas
pela parte recorrente, nos termos do presente voto-condutor.
(REsp n. 153.714-SP; Rel. Min. José Delgado; Primeira Turma; Unânime; DJ
03.11.1999)
Processual Civil. Recurso especial. Violação ao art. 535, II do CPC. Questões
remetidas em razões de apelação e não apreciadas pelo tribunal. Princípio processual
do tantum devolutum quantum appellatum. Inobservância. Embargos de declaração.
Omissão configurada.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
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1. A instância revisora deve ser pronunciar acerca de todas as questões que lhe
são devolvidas pelas partes, através de suas razões ou contra-razões de recurso. Em
não o fazendo, incumbe à parte manifestar os embargos declaratórios visando sanar
os pontos tidos como omissos no julgado.
2. Quedando-se o tribunal silente, mesmo após o manejo da via declaratória,
resta caracterizada a ofensa ao art. 535, II do Código de Processo Civil.
3. Recurso especial conhecido e provido. Decisão unânime.
(REsp n. 169.729-SP; Rel. Min. Demócrito Reinaldo; Primeira Turma; Unânime;
DJ 14.06.1999)
Processual Civil. Recurso especial em que se alega violação ao art. 535 do CPC.
Omissão: constatada. Recurso conhecido e provido.
I - A parte-recorrente faz jus à prestação jurisdicional em sua totalidade,
ou seja, tem direito a ver todos os seus argumentos autônomos e independentes
apreciados pelo tribunal.
II - Se o tribunal do segundo grau não emitiu juízo explícito acerca de ponto
suscitado pelo recorrente em embargos declaratórios, o acórdão deve ser cassado,
determinando-se o retorno dos autos ao tribunal de origem, a fim de que seja
proferido novo julgamento dos embargos.
III - Precedentes do STJ e do STF: REsp n. 114.083-MG, REsp n. 133.169-SP,
REsp n. 151.514-AL, REsp n. 153.354-GO, ACO n. 348-MT - EDcl e RE n. 163.581-
RJ - EDcl.
IV - Recurso especial conhecido e provido, cassando-se o acórdão proferido no
julgamento dos embargos declaratórios. Retorno dos autos ao tribunal de origem, a
fim de que seja proferido novo julgamento.
(REsp. n. 170.433-GO; Rel. Min. Adhemar Maciel; Segunda Turma; Unânime;
DJ 22.02.1999)
Entendo que, na espécie, efetivamente, era imprescindível o exame do aspecto questionado, o que inocorreu, tendo em vista que o Tribunal, no julgamento dos embargos declaratórios, limitou-se a dizer que inexistia omissão ou contradição no acórdão.
Com estas considerações, dou provimento ao recurso especial, por entender que houve infringência ao art. 535 do CPC, determinando o retorno dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que seja sanada a omissão apontada nos embargos de declaração, examinando-se por completo o litígio, conforme acima explicitado.
É o voto.
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RECURSO ESPECIAL N. 878.032-RN (2006/0180538-9)
Relatora: Ministra Eliana CalmonRecorrente: Caixa Econômica Federal - CEFAdvogado: Maria das Graças de Oliveira Carvalho e outrosRecorrido: Carlos Antônio da SilvaAdvogado: Lindocastro Nogueira de Morais
EMENTA
Processo Civil e Administrativo. FGTS. Competência da Justiça Federal. Contrato de trabalho declarado nulo. Levantamento.
1. Compete à Justiça Federal processar e julgar demandas relativas ao FGTS em que a CEF se nega a promover o levantamento dos saldos das contas vinculadas.
2. Pedido de levantamento dos depósitos da conta vinculada do FGTS por titular cujo contrato de trabalho, firmado com o Município de Mossoró-RN, foi declarado nulo posteriormente.
3. O TST tem entendimento consolidado no sentido de que, nos casos de contrato declarado nulo por falta de concurso público, fica ressalvado o direito a salário pelo serviço prestado, sob pena de enriquecimento ilícito por parte do empregador. Se é devido o pagamento de salário, conseqüentemente nasce para o ente público a obrigação de proceder ao depósito na conta vinculada do empregado (art. 15 da Lei n. 8.036/1990).
4. O STJ, equiparando a hipótese de nulidade do contrato de trabalho à demissão do trabalhador decorrente de culpa recíproca, tem considerado devida a liberação do saldo da conta vinculada do FGTS. Situação que foi positivada posteriormente com o advento da MP n. 2.164-41/2001, que inseriu os arts. 19-A e 20, II, na Lei n. 8.036/1990.
5. Ressalva do direito da CEF de reaver, em ação própria os valores indevidamente devolvidos ao Município de Mossoró (REsp n. 724.289-RN).
6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, improvido.
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RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 17 de abril de 2007 (data do julgamento).
Ministra Eliana Calmon, Relatora
DJ 30.04.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: - Trata-se de recurso especial interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região assim ementado (fl. 94):
Administrativo. FGTS. Levantamento. Competência da Justiça Federal.
Admissão no serviço público sem concurso. Nulidade do contrato. Valores do FGTS
devolvidos ao município-empregador. Ilegalidade. Honorários. Art.29-C da Lei n.
8.036/1990.
- Compete à Justiça Federal o julgamento das causas relativas à movimentação
do FGTS, excluídas apenas às decorrentes de litígio envolvendo relação de
emprego.
- Precedentes STJ.
- Devolução dos valores do FGTS ao empregador, em virtude da anulação de
contrato de trabalho.
- Ilegalidade da devolução, em face do entendimento consolidado na
jurisprudência do STJ, mesmo antes da MP n. 2.164/40-2001, de que tais valores
integram o patrimônio do trabalhador.
- Tendo em vista o disposto no art. 29-C da Lei n. 8.036/1990, com a
redação dada pela MP n. 2.164-40, de 27.07.2001, descabe condenação da CEF em
honorários advocatícios.
Defende a recorrente, preliminarmente, competência da Justiça do Trabalho para o caso, entendendo, com base no art. 114 da CF, tratar-se de demanda de natureza trabalhista, uma vez que os valores foram devolvidos à integralidade
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ao município, não cabendo falar em depósitos em contas vinculadas de FGTS. Nesse sentido, invoca conflito de competência de minha relatoria (CC n. 38.780-MG).
Ainda em preliminar, pugna pela declaração de nulidade da sentença em face da não-citação do Município de Mossoró-RN para compor a lide, uma vez que a ele foram devolvidos os valores das contas vinculadas.
Aduz, quanto ao mérito, que o ato foi legal, pois ocorreu antes da vigência das normas que proibiam a restituição dos valores ao empregador em caso de nulidade do contrato de trabalho, havendo, inclusive, à época, previsão nos Manuais Normativos da CEF para assim agir.
Sustenta que houve violação do art. 19-A, parágrafo único, da Lei n. 8.036/1990 (alterada pela MP n. 2.164-40, de 26 de julho de 2001), visto que agiu em conformidade com a legislação pertinente à época, tendo o município requerido a restituição dos valores em 14.10.1998 e a CEF efetuado as últimas restituições em 14.09.1999, antes portanto do prazo fixado na legislação, não restando por esse motivo valores em favor da autora, cabendo-lhe buscar junto ao banco gestor administrativamente apenas os saldos restantes.
Afirma, ao final, que foi afrontado o art. 37, II, e § 2º, da Constituição Federal, por não ter sido realizado concurso público, condição sine qua non para ingresso no serviço público, razão pela qual não havia direito ao pagamento das verbas trabalhistas.
Sem contra-razões, subiram os autos, admitido o especial na origem.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): - Preliminarmente, advirto que não compete a esta Corte, em sede de especial, analisar possível afronta a dispositivo constitucional.
No que tange à competência, esta Corte já sedimentou o entendimento de que, em se tratando tão-somente de saque do saldo do FGTS, a competência é da Justiça Estadual. Entretanto, se há resistência da CEF em proceder ao levantamento, deve ser ela demandada perante a Justiça Federal, haja vista o teor da Súmula n. 82-STJ.
Vejamos os julgados:
Processual Civil. Recurso ordinário em mandado de segurança. Alvará judicial.
FGTS e PIS/Pasep. Levantamento. Competência. Justiça Federal. Súmula n. 82-
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STJ. Titular vivo. Mandado de segurança contra ato judicial. Terceiro prejudicado.
Possibilidade. Súmula n. 202-STJ. Precedentes.
1. Formulado o pedido de levantamento do FGTS e do PIS/Pasep pelo próprio
titular da conta, compete à Justiça Federal processar e julgar a demanda, tendo em
vista o interesse da CEF. Súmula n.82-STJ.
2. "A impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se
condiciona à interposição de recurso" (Súmula n. 202-STJ).
3. Recurso ordinário provido.
(RMS n. 18.355-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma,
julgado em 1º.09.2005, DJ 07.11.2005, p. 166)
Processual Civil, Civil e Administrativo. FGTS. Levantamento. Possibilidade.
Contrato de trabalho declarado nulo por ausência de aprovação em concurso
público (art. 37, II, CF/1988). Culpa recíproca. Art. 29-C da Lei n. 8.036/1990.
Medida provisória n. 2.164-40/2001. Honorários advocatícios. Isenção da CEF.
1. Ação em que se pleiteia a liberação do saldo do FGTS de ex-empregado
do Município de Mossoró-RN em face da declaração de nulidade do contrato de
trabalho por ausência de concurso público (art. 37, II, CF/1988). Acórdão do
Tribunal a quo que, reformando a sentença, admitiu a procedência do pedido
exordial. Recurso especial da CEF que alega: 1) incompetência da Justiça Federal;
2) nulidade pelo não-acolhimento do chamamento do Município ao processo; 3)
ausência de vedação legal quanto à devolução dos valores do FGTS ao ente público
e 4) violação dos arts. 29-C da Lei n. 8.036/1990 e 21 do CPC.
2. Quanto à interposição do recurso pela alínea c do permissivo constitucional,
a parte não cumpriu os requisitos recursais de modo a comprovar, analiticamente, o
dissídio jurisprudencial, nos termos da Lei e do RISTJ.
3. No que tange à alegada necessidade de integração do pólo passivo da
lide pelo Município de Mossoró, a recorrente não apontou, em nenhum momento,
a legislação federal que entendeu violada, tampouco a eventual divergência
jurisprudencial entre os tribunais pátrios. Não cumpriu, portanto, os requisitos
constitucionais autorizadores do recurso, não merecendo o conhecimento também
neste ponto.
4. Relativamente à competência e à determinação de pagamento dos valores
fundiários, irretorquível o acórdão recorrido. Nas ações em que se questiona a
movimentação de conta do FGTS, a CEF é parte legítima para integrar o pólo passivo,
devendo haver o processamento perante a Justiça Federal. As contas vinculadas do
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS compõem a esfera patrimonial dos
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
empregados, estando em seus nomes os respectivos créditos porventura existentes.
Uma vez depositados os valores em favor do empregado titular da conta em razão de
sua prestação laboral, incorporam-se ao seu patrimônio, devendo estar protegidos
contra ingerências de terceiros.
5. Condutas inadequadas do Município de Mossoró ao requerer o estorno dos
valores depositados em favor da autora e da CEF ao proceder à referida entrega dos
valores, intervindo no patrimônio do titular da conta sem sua anuência, previsão
legal ou mesmo autorização do Poder Judiciário.
6. Quanto à aplicação dos arts. 29-C da Lei n. 8.036/1990 e 21 do CPC, a
Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça já firmou seu entendimento no
sentido de que, nas lides relativas ao FGTS, a CEF fica exonerada do pagamento de
honorários advocatícios desde que o ajuizamento das referidas demandas tenha se
dado sob os auspícios do supramencionado art. 29-C da Lei n. 8.036/1990.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido parcialmente
para excluir a condenação da CEF em honorários advocatícios.
(REsp n. 729.694-RN, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em
24.05.2005, DJ 27.06.2005, p. 288)
Processo Civil. FGTS. Levantamento. Competência: Justiça do Trabalho ou
Justiça Federal (Súmula n. 82-STJ).
1. Discussão em torno de questão prejudicial representada pelo não-
acertamento da relação de trabalho entre o empregado e o empregador (Município
de Mossoró), da qual teria surgido o direito ao depósito nas contas vinculadas do
FGTS, que, em princípio, atrairia a competência da Justiça do Trabalho.
2. Tratando-se, não obstante, de pedido de pagamento das quantias que
haviam sido depositadas na conta vinculada e que foram posteriormente devolvidas
pela CEF ao Município, a pedido deste, em razão da nulidade do contrato de
trabalho, e, partindo-se do pressuposto que o entendimento pacificado pelo Tribunal
Superior do Trabalho é no sentido de que o salário pelas horas de trabalho realizado
é a única parcela devida em razão de contrato de trabalho firmado com ofensa à
regra do concurso público (art. 37, II, da CF/1988) (Enunciado n. 363-TST), tem-se
a incidência da regra do art. 20, da Lei n. 8.036/1990, sendo obrigatório o depósito
dos valores correspondentes na conta vinculada.
3. Situação que se assemelha à hipótese em que o levantamento encontra
resistência por parte do Conselho Curador ou da gestora, a Caixa Econômica
Federal, cuja competência para processar e julgar a ação é da Justiça Federal, a teor
da Súmula n. 82-STJ.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
4. Na ausência de julgamento em última ou única instância pelo Tribunal de
origem quanto à matéria de fundo, conforme exigência do art. 105, III da CF/1988,
impossível o julgamento do mérito do recurso especial, devido à sua natureza
eminentemente técnica, que inviabiliza a aplicação do art. 515, § 3º, do CPC nesta
instância superior.
5. Recurso especial provido parcialmente.
(REsp n. 723.918-RN, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma,
julgado em 17.05.2005, DJ 20.06.2005, p. 248)
Assim, enquadrando-se a demanda na segunda hipótese, fica mantido o julgado.
Não conheço da tese quanto à nulidade da sentença, pelo não-chamamento da Municipalidade a integrar a lide, uma vez que não apontou a recorrente qual dispositivo de lei federal teria sido violado, a fim de embasar seu pleito, restando deficientemente fundamentado o recurso. Aplica-se, nesse aspecto, o teor da Súmula n. 284-STF.
Passo, pois, ao exame do restante do recurso.
Observa-se que os recolhimentos à conta vinculada foram efetuados pelo Município de Mossoró na vigência do contrato, tendo sido, após a declaração de sua nulidade, devolvidos ao depositante pela CEF, atendendo a pedido daquele. A presente demanda foi ajuizada objetivando o levantamento do saldo inicialmente depositado pelo Município de Mossoró.
Lembro que, nos casos de contrato declarado nulo por falta de concurso público, o próprio TST tem entendimento consolidado no sentido de que fica ressalvado o salário pelo serviço prestado, para que não haja enriquecimento ilícito por parte do empregador, gerando a nulidade efeitos ex nunc.
Ora, havendo pagamento de salário por serviço prestado por trabalhador regido pela CLT, não se discute que tal fato gera a obrigação do ente público, na qualidade de empregador, proceder ao depósito na conta vinculada, por força do art. 15 da Lei n. 8.036/1990.
No que diz respeito ao saldo do FGTS, está pacificada a jurisprudência desta Corte no sentido da possibilidade do seu levantamento porque equiparada essa situação à demissão do trabalhador decorrente de culpa recíproca. Nesse sentido são os seguintes arestos:
Mandado de segurança. Liberação de saldo do FGTS. Contrato de trabalho
declarado nulo. Possibilidade.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. O contrato de trabalho declarado nulo dá ensejo à liberação do saldo do FGTS, nos termos do artigo 20, I da Lei n. 8.036/1990. Precedentes.
2. Recurso especial improvido.
(REsp n. 405.066-GO, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 05.08.2004, DJ 06.09.2004, p. 199)
Mandado de segurança. Liberação de saldo do FGTS. Contrato de trabalho declarado nulo. Culpa recíproca. Art. 20, I, da Lei n. 8.036/1990.
1. Se o contrato de trabalho firmado com empresa pública foi considerado nulo porque não prestado concurso público, houve culpa recíproca da Administração e do contratado. Sendo assim, tem o empregado despedido direito ao levantamento do saldo do FGTS, em aplicação o teor do art. 20, I da Lei n. 8.036/1990. Precedente da 1ª Turma desta Corte (REsp n. 284.250-GO).
2. Recurso especial improvido.
(REsp n. 460.083-GO, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 20.02.2003, DJ 31.03.2003, p. 208)
Administrativo. Agravo regimental. Recurso especial. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Levantamento do saldo da conta vinculada. Contrato de trabalho nulo. Possibilidade. Precedentes.
1. Nos casos em que o contrato de trabalho foi declarado nulo judicialmente, o trabalhador tem direito ao levantamento do saldo do FGTS, ainda que tal hipótese não esteja de forma expressa na Lei n. 8.036/1990.
2. In casu, a admissão do trabalhador em cargo público sem a realização de concurso se configura caso de culpa recíproca, previsto no artigo 20, inciso I da aludida lei, uma vez que a empregadora contratou o agravado de forma irregular e este anuiu a tal situação.
3. Precedentes.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 267.858-GO, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 03.09.2002, DJ 25.11.2002, p. 189)
Mandado de segurança. Contrato de trabalho com sociedade de economia mista. Declaração de nulidade, por ausência de concurso público. Direito ao levantamento dos saldos do FGTS.
- A declaração de nulidade do contrato de trabalho celebrado com sociedade de economia mista, por inobservância do art. 37, II, da CF (ausência de concurso público), gera para o trabalhador o direito ao levantamento das quantias depositadas na sua conta vinculada ao FGTS.
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- Aplicação dos princípios da boa-fé, da primazia da realidade, e o de que a
nulidade, no Direito do Trabalho, não retroage para prejudicar o empregado.
- Recurso especial desprovido.
(REsp n. 391.324-GO, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em
04.04.2002, DJ 29.04.2002, p. 190)
Sendo assim, não é lícito à CEF proceder à devolução dos depósitos ao Município de Mossoró, como também assentado nestes arestos:
Processual Civil e Administrativo. FGTS. Divergência jurisprudencial.
Litisconsórcio passivo com o Município de Mossoró. Ausência de indicação do
dispositivo tido por violado. Súmula n. 284-STF. Honorários advocatícios. Artigo
29-C da Lei n. 8.036/1990. Falta de prequestionamento. Movimentação de depósitos
do FGTS. Competência da Justiça Federal. Empregado público. Nulidade do contrato
de trabalho.
1. No que respeita à alínea c do inciso III do art. 105 da CF/1988, a recorrente
deixou de cumprir as formalidades exigidas pelos artigos 541, parágrafo único,
do Código de Processo Civil e 255 do RISTJ no que concerne à comprovação da
divergência jurisprudencial.
2. Quanto à necessidade de citação do município para que integrasse o pólo
passivo da demanda, a recorrente deixou de indicar qual o dispositivo de lei federal
teria sido violado pelo acórdão recorrido, o que faz com que o conhecimento do
recurso esbarre no óbice da Súmula n. 284-STF.
3. A matéria relativa à impossibilidade de condenação da CEF ao pagamento
de honorários advocatícios em ações que versem sobre o FGTS não foi objeto de
análise pela Corte regional, pelo que se constata a falta do prequestionamento.
4. O cerne da discussão posta nos autos diz com a eventual ilegalidade do
ato administrativo da CEF de devolução dos depósitos de FGTS ao município de
Mossoró, em virtude da declaração de nulidade dos contratos de trabalho celebrados
em desobediência aos ditames do art. 37, II, da CF/1988, sendo de competência da
Justiça Federal.
5. À Caixa Econômica Federal incumbe gerir a movimentação dos depósitos
do FGTS, não lhe sendo dado liberá-los senão nos casos previstos em lei, o que,
decididamente, não era a hipótese dos autos.
6. Esta Corte sempre admitiu a movimentação pelo empregado dos valores
depositados em sua conta vinculada do FGTS em casos de nulidade do contrato de
trabalho por inobservância do art. 37, II, da CF/1988, porquanto equiparava essa
situação à demissão do trabalhador decorrente de culpa recíproca.
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7. Recurso especial conhecido em parte e improvido.
(REsp n. 727.769-RN, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 18.08.2005, DJ 12.09.2005, p. 301)
Civil e Administrativo. Recurso especial. FGTS. Levantamento. Contrato de trabalho declarado nulo por ausência de aprovação em concurso público (art. 37, II, CF/1988). Culpa recíproca.
1. Ação em que se pleiteia a liberação do saldo do FGTS de ex-empregado do Município de Mossoró-RN em face da declaração de nulidade do contrato de trabalho por não-atendimento ao concurso público (art. 37, II, CF/1988). Sentença procedente. Acórdão do Tribunal a quo que excluiu a responsabilidade da CEF em face de a mesma ter repassado os valores ao Município. Recurso especial que alega violação do art. 20, I da Lei n. 8.036/1990 e divergência jurisprudencial.
2. Ainda que declarado nulo o contrato de trabalho, o mesmo produz efeitos que se exaurem no mundo dos fatos, como o pagamento de salários, a prestação de serviços, a validação de atos praticados pelo empregado enquanto agia em nome do empregador, dentre tantos outros. As contas vinculadas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS compõem a esfera patrimonial dos empregados, estando em seus nomes os respectivos créditos porventura existentes. Uma vez depositados os valores em favor do titular da conta em razão de sua prestação laboral, incorporam-se ao seu patrimônio, devendo estar protegidos contra ingerências de terceiros.
3. Condutas inadequadas do Município de Mossoró ao requerer da CEF o estorno dos valores depositados em favor da autora e da CEF ao proceder à referida entrega desses valores, intervindo no patrimônio do titular da conta sem sua anuência, previsão legal ou autorização do Poder Judiciário.
4. Recurso especial provido para reformar o acórdão do Tribunal a quo e admitir o levantamento dos saldos do FGTS por parte da ex-empregada, restabelecendo-se a sentença em seus termos. Resguardado, no entanto, o direito da CEF de reaver os valores indevidamente devolvidos à municipalidade.
(REsp n. 724.289-RN, Relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 04.08.2005, DJ 29.08.2005, p. 206)
Esse entendimento, inclusive, foi posteriormente positivado em nossa legislação por intermédio da Medida Provisória n. 2.164-41/2001, com a inserção dos arts. 19-A e 20, II, na Lei n. 8.036/1990.
Por fim, como bem lembrou o Ministro José Delgado em precedente acima transcrito (REsp n. 724.289-RN), deve ficar resguardado o direito da CEF de reaver, em ação própria, os valores indevidamente devolvidos ao Município de Mossoró.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
Com essas considerações, conheço em parte do recurso especial e, nessa parte, nego-lhe provimento.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 902.737-RS (2006/0252360-1)
Relator: Ministro Castro MeiraRecorrente: Comec Comércio de Máquinas LtdaAdvogado: Nelson Lacerda da Silva e outrosRecorrido: Estado do Rio Grande do SulProcurador: Luciana Mabilia Martins e outrosInteres.: Orfeu Francisco Fauri e outro
EMENTA
Tributário e Processual Civil. Precatório. Substituição de bem penhorado.
1. Não se admite a troca do bem indicado em penhora por precatório. Precedentes.
2. Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Eliana Calmon e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 27 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro Castro Meira, Relator
DJ 09.03.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Castro Meira: Cuida-se de recurso especial fundado nas alíneas a e c do permissivo constitucional e interposto contra acórdão proferido
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
em agravo de instrumento pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado:
Tributário. Processual Civil. Execução fiscal. Penhora. Substituição. Crédito tributário. Compensação. Inviabilidade.
Em execução fiscal, o objeto da penhora pode ser substituído por depósito em dinheiro ou fiança bancária. Inteligência do art. 15, inciso I, da Lei n. 6.830/1980.
O artigo 170 CTN não consagra direito à compensação; o verbo utilizado ('A lei pode'), revela, inequivocadamente, que a regra apenas conferiu, ao legislador, a faculdade de 'autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública', 'nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa'.
No âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, a Lei Estadual n. 11.472/2000, que previa a utilização de precatórios para a compensação de créditos inscritos em dívida ativa, foi revogada pela Lei Estadual n. 12.209, de 29.12.2004.
Agravo parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido (fl. 396).
Nas razões do especial, a recorrente aponta, além de dissídio pretoriano, violação aos artigos 620 e 668 do Código de Processo Civil - CPC e 112 do Código Tributário Nacional - CTN, sob o argumento de que deve ser aceita a substituição do bem penhorado por precatório do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul - IPERGS, mesmo sendo o Estado do Rio Grande do Sul o exeqüente.
Contra-razões às fls. 436/449.
Os autos vieram a esta Corte em face de provimento que dei a agravo de instrumento.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo.
Discute-se a respeito da possibilidade de substituição de bem penhorado por precatório de autarquia do exeqüente.
O acórdão atacado assentou:
Consoante assentado em exame liminar, 'A teor do artigo 15 da Lei n. 6.830/1980, 'Em qualquer fase do processo, será deferida pelo Juiz: I - ao executado, a substituição da penhora por depósito em dinheiro ou fiança bancária.'
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
'Da literalidade da norma, não remanesce nenhuma dúvida quanto ao objeto
hábil à substituição da penhora por iniciativa do executado: 'depósito em dinheiro
ou fiança bancária'.
'Esta exegese restritiva foi sufragada pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça,
a exemplo do julgamento do REsp n. 474.748-SP, através de sua Primeira Turma,
em 07.12.2004, conduzido por voto do Senhor Ministro Francisco Falcão, assim
resumido:
1 - Realizada a penhora sobre créditos vencidos, somente pode haver
substituição, independentemente da anuência do exeqüente, por dinheiro
ou fiança bancária. Inteligência do art. 15, inciso I, da Lei n. 6.830/1980.
Precedentes: AGREsp n. 331.242-SP, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 20.10.2003;
e REsp n. 446.028-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 03.02.2003.
2 - Sendo assim, não tendo o pedido de substituição sido aceito pela
exeqüente e não se enquadrando na previsão legal, deve ser mantida a
constrição sobre os bens do ativo fixo da empresa.
3 - Recurso especial improvido (fls. 399/400).
Agiu com acerto o Tribunal de origem, pois a troca de bem penhorado somente pode ser feita por dinheiro ou fiança bancária, não se admitindo a substituição por precatório. Admite-se, por outro lado, a penhora de precatório, contudo, nos autos discute-se fato diverso, qual seja a mudança do bem oferecido para garantir a dívida.
Confira-se o REsp n. 157.913-RS, da relatoria do Min. Franciulli Netto, DJU de 31.03.2003:
Recurso especial. Alínea a. Execução fiscal. Substituição da penhora por
crédito contra o exeqüente. Impossibilidade. Pretensa violação ao artigo 15, inciso
I, da LEF. Inocorrência. Alegada ofensa aos artigos 397 e 668 do CPC. Ausência de
prequestionamento.
Em execução fiscal, não é defesa a substituição de um bem penhorado por
outro; daí, não há inferir que tal substituição possa ocorrer entre um bem que
poderá ir à praça pública em condições de satisfazê-la com outro como aquele
apresentado pela executada, i. e., crédito seu contra a Fazenda, uma vez que este
não pode de pronto, tal qual se encontra, ser praceado.
Um crédito sujeito a precatório não atende ao fim teleológico da praça pública.
A pretensão do devedor menos não fora que, por vias oblíquas, efetuar compensação
entre duas obrigações heterogêneas, sem se perder de vista que, se aceita, poderia
fulminar o princípio constitucional da ordem cronológica dos precatórios.
218
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A compensação de créditos na seara tributária consiste em poder discricionário da Administração, sendo vedado ao magistrado deferi-la sem expressa vênia legal (cf. § 3º do artigo 16 da LEF).
Não há razão que justifique a condenação do ente político, vencedor na demanda, por litigância de má-fé.
Recurso especial não conhecido.
A Primeira Seção, no julgamento do EREsp n. 434.722-SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 24.05.2004, corroborou essa tese, transcreve-se o seguinte trecho:
Ao abraçar a tese da equiparação do crédito a numerário, aceitável indistintamente pela flexibilidade, dissentiu o aresto do entendimento constante do paradigma invocado, da Segunda Turma, Relator Ministro Franciulli Netto, para quem não se pode substituir penhora de um bem, plenamente vendável por intermédio de praça, por um crédito sujeito a precatório. Enfim, o aresto paradigma entende como diferentes os bens, não sendo possível equipará-los.
Entendo que a razão está com o paradigma, o qual deixa claro:
a) há flexibilização no rol dos bens penhorados, a critério do juiz;
b) é perfeitamente possível incidir a penhora sobre crédito;
c) não há que se equiparar penhora de crédito a penhora em dinheiro.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 903.029-SP (2006/0246374-2)
Relator: Ministro Castro MeiraRecorrente: Companhia Nacional de Frigoríficos - ConfrioAdvogado: Andreia Gascon e outrosRecorrido: Fazenda NacionalProcurador: Humberto Gouveia e outros
EMENTA
Tributário. Imposto de Renda. Atividade pesqueira. Art. 80 do Decreto-Lei n. 221/1967. Isenção.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
219
RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
1. A isenção do imposto de renda pessoa jurídica contemplada no art. 80 do Decreto-Lei n. 221/1967 abarca apenas as receitas auferidas com o exercício da própria atividade pesqueira, não se incluindo no benefício os rendimentos decorrentes de aplicações no mercado financeiro.
2. Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Eliana Calmon e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 17 de abril de 2007 (data do julgamento).
Ministro Castro Meira, Relator
DJ 26.04.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Castro Meira: O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao examinar apelo interposto pela Companhia Nacional de Frigoríficos - Confrio, entendeu que a isenção do Imposto de Renda concedida pelo art. 80 do Decreto-Lei n. 221/1967 restringe-se "aos resultados obtidos em função da atividade da empresa, ligada a seu objeto social, no caso, a pesca e não a rendimentos auferidos com aplicações no mercado financeiro".
Concluiu também que, tendo sido "a matéria de fundo analisada em sede de mandado de segurança, mesmo que em relação a apenas um dos períodos em cobrança, tem-se como presente o instituto da coisa julgada, que obsta a reapreciação da questão, trazida com os mesmos fundamentos anteriormente apresentados".
No recurso especial, alega a recorrente contrariedade ao art. 80 do Decreto-Lei n. 221/1967. Defende que a isenção concedida pelo dispositivo "não estabeleceu restrição ou delimitação, circunstância que impede o intérprete e o aplicador do direito de diminuir o seu conteúdo e alcance" (fl. 184).
Sustenta, com base na Súmula n. 304-STF, que o aresto recorrido também se equivocou quanto à impossibilidade de rediscussão da matéria.
220
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A União ofertou contra-razões às fls. 188/196.
Admitido o apelo na origem (fl. 209), subiram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): O dispositivo de lei indicado no recurso como malferido foi expressamente examinado no acórdão, razão porque conheço do recurso especial.
Passo ao exame do mérito.
A discussão dos autos consiste em definir se a isenção concedida pelo art. 80 do Decreto-Lei n. 221/1967 abarca apenas as receitas auferidas com a atividade pesqueira ou se inclui os rendimentos decorrentes de aplicações no mercado financeiro.
A norma em debate dispõe:
Art. 80. Na forma da legislação fiscal aplicável, as pessoas jurídicas que
exerçam atividades pesqueiras, gozarão até o exercício financeiro de 1972, de
isenção do Imposto de Renda e quaisquer adicionais a que estiverem sujeitas, com
relação aos resultados financeiros obtidos de empreendimentos econômicos, cujos
planos tenham sido aprovados pela Sudepe.
O benefício fiscal foi sucessivamente prorrogado pelos Decretos-Leis n. 1.594/1977, 1.898/1981 e 2.134/1984 e, por fim, pela Lei n. 7.450/1985, tendo vigorado até o ano de 1988.
A partir do Decreto-Lei n. 1.730/1979 passou a existir regra expressa de que a isenção veiculada no art. 80 do Decreto-Lei n. 221/1967 somente abrangia o lucro da exploração relativo à própria atividade pesqueira.
Como a execução proposta pela Fazenda Nacional recai sobre os exercícios de 1977 e 1978, portanto, anteriores ao Decreto-Lei n. 1.730/1979, conclui a recorrente que não há base legal que legitime os créditos em cobrança.
Já o acórdão recorrido entendeu que o Decreto-Lei n. 1.730/1979 ostenta natureza interpretativa, o que legitima sua aplicação retroativa nos termos do art. 106, I, do CTN.
Embora não tenha sido citado nos autos, em nenhum momento, o Decreto n. 62.458/1968, que regulamentou o Decreto-Lei n. 221/1967, equaciona a questão de modo satisfatório.
O art. 9º, parágrafo único, do Decreto determina o seguinte:
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
221
RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
Para os efeitos deste regulamento, consideram-se pessoas jurídicas que exercem atividades pesqueiras:
a) as legalmente registradas que tenham alguns dos seguintes objetivos exclusivos no seu contrato social, a captura, a conservação, o beneficiamento, transformação, industrialização, transporte ou comercialização dos seres animais e vegetais que tenham na água o seu natural ou mais freqüente meio de vida.
b) as que além dos objetivos antes mencionados, também incluam no contrato social fins não vinculados à indústria pesqueira.
Parágrafo único - Os benefícios e isenções do Decreto-Lei n. 221, de 28 de fevereiro de 1967, no que se refere às pessoas jurídicas mencionadas na alínea b supra, somente serão concedidos sobre suas atividades pesqueiras, sendo obrigatória sua manutenção de contas distintas no ativo e no passivo.
Da leitura do dispositivo acima transcrito, parece claro que a lei somente quis contemplar com a isenção as rendas auferidas no exercício da própria atividade pesqueira, não se estendendo o benefício aos rendimentos decorrentes de aplicações no mercado financeiro.
Segundo o normativo, as pessoas jurídicas que não se dedicassem exclusivamente à pesca, somente poderiam auferir o benefício nos limites dessa atividade, sendo obrigatória a escrituração das contas em separado.
Dessa forma, o Decreto-Lei n. 1.730/1979 apenas ratificou o que anteriormente já estava previsto no Decreto n. 62.458/1968, não tendo carga normativa capaz de modificar o ordenamento jurídico.
Nada obsta, portanto, que se lhe reconheça feição meramente interpretativa, de modo a legitimar a sua aplicação retroativa, nos termos do art. 106, I, do CTN.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 904.761-RS (2006/0258685-0)
Relator: Ministro Castro MeiraRecorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSRepr. por: Procuradoria-Geral FederalRecorrido: Associação Hospitalar Moinhos de VentoAdvogado: Fábio Brun Goldschmidt e outros
222
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA
Processual Civil. Execução contra a Fazenda Pública. Exceção de pré-executividade. Verba honorária.
1. Não se mostram exorbitantes os honorários advocatícios fixados em 1% do valor atualizado da execução em exceção de pré-executividade julgada procedente.
2. Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Eliana Calmon e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 1º de março de 2007 (data do julgamento).
Ministro Castro Meira, Relator
DJ 13.03.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Castro Meira: Ao julgar os recursos de apelação manejados em face de sentença que acolheu exceção de pré-executividade e extinguiu a execução movida pelo recorrente, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região proferiu acórdão assim ementado:
Execução fiscal. Exceção. Pré-executividade. Honorários. Quantum. Art. 20,
§ 3º do CPC.
1. São cabíveis os honorários advocatícios, na hipótese em que a exceção de
pré-executividade, acarreta a extinção do executivo fiscal, ainda que o exeqüente,
ciente das razões veiculadas na exceção, e mesmo antes da decisão judicial, requeira
a sua extinção, tendo em vista que a parte foi obrigada a contratar advogado
para exercitar sua defesa, que evidentemente não pode ser feita gratuitamente.
Inaplicável o art. 26 da LEF, quanto aos honorários advocatícios, porquanto tal
dispositivo pressupõe que a iniciativa do Fisco em requerer a extinção da execução,
seja feita anteriormente à manifestação da parte autora nos autos ao pugnar pela
improcedência da demanda.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
223
RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
2. Nas causas em que vencida a Fazenda Pública, os honorários advocatícios
devem ser fixados com base no art. 20 § 4º do CPC, atendido o exame do trabalho
realizado pelo advogado e da complexidade da causa (fl. 74).
Os embargos infringentes opostos foram rejeitados às fls. 311/312, prevalecendo o voto vencedor no julgamento da apelação, que fixou os honorários advocatícios em 1% sobre o valor atualizado da execução. O aresto encontra-se sintetizado nos seguintes termos:
Embargos infringentes. Execução fiscal. Exceção de pré-executividade
exitosa. Honorários advocatícios fixação. Circunstâncias a serem consideradas
razoabilidade.
1 - São devidos os honorários advocatícios decorrentes do êxito da executada
na exceção de pré-executividade apresentada em breve petição acompanhada
da cópia integral de volumoso processo de mandado de segurança no qual foi
reconhecida a sua imunidade tributária, cuja complexidade exigiu dos advogados
grande trabalho.
2 - É certo que no mandado de segurança não cabe a condenação em honorários
advocatícios. E é certo, também, que o INSS não seria obrigado a pagar um
centavo de honorários se houvesse respeitado a decisão do mandado de segurança,
cancelando desde logo os autos de infração.
3 - Se imprudentemente ajuizou a execução fiscal e forçou a executada a
promover sua defesa em exceção de pré-executividade para, só então, reconhecer
seu direito, a essa defesa se agrega todo o trabalho desenvolvido nos autos de
mandado de segurança, que não pode ser desconsiderado na fixação dos honorários
advocatícios.
4 - Honorários advocatícios fixados de acordo com o art. 20, § 4°, do CPC
e levando em consideração o valor que estava sendo cobrado, indevidamente, da
executada (fl. 316).
Irresignada, a autarquia interpôs recurso especial, com fulcro na alínea a do permissivo constitucional, sustentando violação ao artigo 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil. Afirma ser exorbitante o montante da verba honorária fixada na instância de origem, "porquanto representa quantia superior a R$ 850.000,00 (oitocentos e cinqüenta mil reais) para remunerar exceção de pré-executividade apresentada em duas laudas (fls. 19/20), na qual foi informado simplesmente que o débito executado havia sido cancelado por decisão liminar" (fl. 324).
224
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Alega, outrossim, ser "equivocado o fundamento utilizado no voto-vista (fls. 311/312) no sentido de que na fixação dos honorários advocatícios deve ser levado em conta, também, 'o trabalho desenvolvido nos autos do mandado de segurança, por certo também não pode ser considerado quando do julgamento da exceção de pré-executividade" (fl. 324). Busca, assim, o restabelecimento dos honorários advocatícios fixados pelo magistrado de primeiro grau.
A título de ilustração transcrevo excertos de suas razões:
No caso dos autos, os patronos da empresa executada limitaram-se a apresentar
uma petição de exceção de pré-executividade, em apenas duas laudas (fls. 19/20),
informando da liminar que havia sido obtida em mandado de segurança ajuizado
na 2ª Vara Federal do Distrito Federal, sobrevindo a seguir a sentença que extingui
o feito.
Assim sendo, o acórdão recorrido, ao fixar a verba honorária em 1% (um
por cento) sobre o valor atualizado da execução, acabou por negar vigência ao
referido dispositivo legal (artigo 20, §§ 3° e 4° do CPC), propiciando, com isso,
enriquecimento injustificado aos patronos da empresa executada, porquanto o valor
da condenação, atualizado monetariamente, representa a quantia superior a R$
850.000,00 (oitocentos e cinqüenta mil reais), sendo, portanto, exorbitante.
Cabe ressaltar que a jurisprudência do e. STJ é no sentido de que, quando
os honorários advocatícios, fixados com base no artigo 20, § 4°, do CPC, são
exorbitantes, ou irrisórios, é possível o manejo de recurso especial, porquanto,
em hipóteses tais, não implica reexame dos fatos, sendo esse o caso dos autos (fl.
323).
A Associação Hospitalar Moinhos de Vento apresentou contra-razões às fls. 339/347, aduzindo, ao contrário da autarquia, que "o valor dos honorários advocatícios não apenas não se revelou exorbitante, como, inclusive, se mostrou irrisório" (fl. 345).
Assevera, ainda, "que o trabalho foi elaborado pelos procuradores da recorrida com o maior zelo possível, o que restou evidenciado pelo fato de que a exceção de pré-executividade foi prontamente acolhida pelo magistrado. Houvesse atuado, em nome da recorrida, profissional menos zeloso, por exemplo, haveria o risco de o resultado ser diverso - com prejuízos incalculáveis para a excipiente" (fl. 346).
Os autos subiram a esta Corte em face de provimento que dei ao Agravo de Instrumento n. 770.684-RS (fl. 162 - apenso).
É o relatório.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
225
RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
VOTO
O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): Não obstante os precisos fundamentos proferidos pela Corte a quo, esclareço que dei provimento ao agravo de instrumento em razão da complexidade e importância da matéria.
Para a melhor compreensão da controvérsia, passo a narrar a seqüência de fatos que originou a demanda.
A executada, ora recorrida, impetrou mandado de segurança contra o INSS, por meio do qual buscava anular o ato da autoridade impetrada que tornou subsistentes as Notificações Fiscais de Lançamentos de Débitos - NFLD contra si lavradas, enquanto pendente de julgamento ação de rito ordinário proposta pela impetrante contra o cancelamento da imunidade que lhe favorecia.
Argumentou que seria imune relativamente aos impostos incidentes sobre sua renda, serviços ou patrimônios e às contribuições para a seguridade social, nos termos do artigo 195, § 7º, da Constituição Federal.
O juízo singular concedeu a segurança para anular os débitos lançados (fl. 671 - apenso). A autarquia, entretanto, ajuizou execução fiscal embasada nas NFLD's anuladas.
Inconformada, a recorrida apresentou exceção de pré-executividade que foi acolhida pelo juiz de piso para extinguir a execução. A verba honorária foi estabelecida em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) (fl. 35).
O contribuinte apelou pretendendo majorar a verba honorária fixada para 10% sobre o valor atualizado da causa (fl. 49). A autarquia também apresentou recurso voluntário, alegando ser "descabida a condenação da exeqüente ao pagamento da verba sucumbencial, em razão de que a execução fiscal, ora apelada, foi extinta por força do art. 26 da Lei de Execuções Fiscais" (fl. 57).
A Corte regional, por maioria, acolheu o apelo e aumentou a verba para 1% sobre o valor atualizado da execução, o que totaliza aproximadamente R$ 70.000,00 (setenta mil reais).
Os embargos infringentes interpostos foram rejeitados, prevalecendo o voto vencedor no julgamento da apelação.
A autarquia interpôs recurso especial, afirmando, em síntese, ser exorbitante o montante da verba honorária fixada na instância de origem, "porquanto representa quantia superior a R$ 850.000,00 (oitocentos e cinqüenta mil reais) para remunerar exceção de pré-executividade apresentada em duas laudas (fls. 19/20), na qual foi informado simplesmente que o débito executado havia sido cancelado por decisão liminar" (fl. 324). Pleiteia o restabelecimento dos honorários advocatícios fixados pelo magistrado de primeiro grau.
226
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Devidamente preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo.
Na sessão do dia 17.10.2006, acompanhei a Ministra Eliana Calmon, em voto-vista proferido no Recurso Especial n. 604.049-RS, ocasião em que se concluiu que se tratando de verba honorária, somente é possível o afastamento o enunciado de n. 7-STJ quando a Corte de origem abstrair as circunstâncias fáticas pertinentes.
O mesmo entendimento foi acolhido nesta Turma, no julgamento do Recurso Especial n. 542.249-SC, também da relatoria da Ministra Eliana Calmon, quando, por maioria, prevaleceu o entendimento:
Alguns recursos especiais vêm trazendo para demonstrar que os honorários
são irrisórios, uma comparação entre o valor da causa e o valor da verba de
sucumbência. Essa hipótese poderia até ensejar o reexame do quantum por esta
Corte desde que tais aspectos fáticos tenham sido abstraídos pelo Tribunal a quo.
O que o Superior Tribunal de Justiça não pode, em sede de recurso especial,
é refazer o juízo de eqüidade de que trata o art. 20, § 4º, do CPC, levando em conta
as alíneas a, b e c do § 3º do mesmo dispositivo legal, sem que o acórdão recorrido
deixe delineada a especificidade de cada caso, porque isso, necessariamente,
demanda o reexame do contexto fático-probatório e, conseqüentemente, encontra
óbice na Súmula n. 7-STJ.
No caso vertente, a sentença de primeiro grau tratou dessa matéria nos seguintes termos:
Por tudo, e dada a existência de anulação das NFLD's ainda antes do
ajuizamento da execução, há que sucumbir o INSS ao pagamento de honorários à
executada.
Ante o exposto, com fundamento no art. 26 da Lei n. 6.830/1980, por
sentença, declaro extinta esta execução fiscal, para que produza seus jurídicos e
legais efeitos.
Condeno o exeqüente, nos termos acima expostos, ao pagamento de honorários advocatícios à executada, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), fixado com base no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, por ser elevado o valor da dívida (fl. 35).
Em segundo grau, o tema da sucumbência recebeu o seguinte tratamento:
Tratando-se na espécie, de hipótese em que é vencida a Fazenda Pública,
aplicável o art. 20, § 4º do CPC. Assim, considerando-se que o trabalho realizado pelo advogado está consubstanciado unicamente na singela peça da exceção de pré-
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
227
RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
executividade, bem como da pouca complexidade da causa, na medida em que a extinção operou-se ante a demonstração da coisa julgada, com a juntada de cópia dos autos do mandado de segurança impetrado em Brasília-DF, fixo os honorários advocatícios em 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da execução (fl. 72).
No julgamento dos embargos infringentes, restou assentado:
Peço vênia para divergir do ilustre Relator. Ao contrário do que consignado em seu voto, o trabalho do advogado, cujos honorários estão em debate, não ficou limitado 'unicamente na singela peça da exceção de pré-executividade', nem se pode falar em 'pouca complexidade da causa'.
É certo que a exceção de pré-executividade conta apenas duas páginas em que a executada postulava fosse extinta a execução fiscal, em virtude da anulação das NFLDs que lhe davam suporte. No entanto, essa breve petição foi acompanhada da cópia integral do volumoso processo de mandado de segurança impetrado pela executada contra o Presidente do Conselho de Recursos da Previdência Social, em Brasília, para o reconhecimento de sua imunidade às contribuições objeto da execução. Uma breve leitura das principais peças desse processo bastaria para atestar sua complexidade e o grande trabalho que exigiu dos procuradores da impetrante para, ao final, ser obtido o reconhecimento do direito de sua cliente e a anulação daquelas NFLDs.
Dir-se-á que isso tudo é irrelevante, porque não se está a arbitrar os honorários advocatícios daquele mandado de segurança - até porque incabível tal verba na impetração - e sim na execução fiscal, onde o trabalho desenvolvido pelo profissional foi singelo.
Não penso seja razoável tal raciocínio. É certo que no mandado de segurança não cabe a condenação em honorários advocatícios. E é certo, também, que o INSS não seria obrigado a pagar um centavo de honorários se houvesse respeitado a decisão daquele mandado de segurança, cancelando desde logo os autos de infração. No entanto, não agiu assim. Imprudentemente, ajuizou a execução fiscal e forçou a executada a promover sua defesa em exceção de pré-executividade para, só então, reconhecer seu direito. E a essa defesa se agregou todo aquele trabalho desenvolvido nos autos de mandado de segurança, que não pode ser desconsiderado no julgamento deste incidente recursal.
O art. 20, § 4°, do CPC, estabelece que 'nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não haja condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior' (ou seja, 'o grau de zelo do profissional', 'o lugar de prestação do serviço' e 'a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço').
228
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Parece-me evidente que todo o trabalho desenvolvido pelo advogado no
mandado de segurança anterior - que foi enorme, em foro diverso do de seu
domicílio, e com alto grau de zelo profissional - não pode ser desconsiderado no
arbitramento dos honorários na execução, à qual se agregou.
Além disso os honorários devem guardar um mínimo de pertinência com o
valor que estava sendo cobrado, indevidamente, da executada. E não é absolutamente, despropositado o percentual de 1% sobre o valor da execução (...) (fls. 311/312).
A Súmula n. 7-STJ não impede, na hipótese, a análise dos honorários fixados com base na eqüidade, pois a solução da lide independe da análise do suporte fático-probatório.
Cuida-se, apenas, de definir se os honorários arbitrados em 1% sobre o valor da execução que perfaz o montante de R$ 6.911.560,00 (seis milhões novecentos e onze mil e quinhentos e sessenta reais) atualizado em setembro de 2001, seriam irrisórios ou aviltantes.
A Corte de origem, ao estabelecer a verba honorária na execução considerou que o árduo trabalho desenvolvido pelo advogado no mandado de segurança deveria ser agregado ao da exceção de pré-executividade para majorar a verba honorária.
Dessarte, cabe a abertura da via especial para exame da razoabilidade do valor fixado, superando-se o óbice da Súmula n. 7-STJ.
Nos casos em que, vencida a Fazenda Pública, os honorários não se sujeitam aos parâmetros estabelecidos no § 3º do art. 20 do CPC, entre 10% e 20%, podendo, ainda, ter como base de cálculo tanto o valor da causa ou como o da condenação ou ainda valor certo. Nesse sentido, transcrevo, respectivamente, precedente da Segunda e Primeira Turma:
Tributário. Contribuição previdenciária incidente sobre a remuneração de
administradores, autônomos e avulsos. Art. 3º, I, da Lei n. 7.787/1989 e art. 22,
I, da Lei n. 8.212/1991. Tributo declarado inconstitucional. Correção monetária.
Índices. Repetição de indébito. Restituição. Verba honorária. Art. 20, § 4º, do CPC.
(...)
3. A teor do disposto no art. 20, § 4º, do CPC, nas causas em que a Fazenda
Pública for vencida, como no caso em comento, não está o magistrado adstrito aos
limites indicados no art. 20, § 3º, do CPC – mínimo de 10% e máximo de 20% –,
porquanto a alusão feita no § 4º do art. 20 do CPC é concernente, apenas e tão-
somente, às alíneas do § 3º, e não a seu caput. Com efeito, pode a verba honorária
ser fixada além ou aquém dos parâmetros percentuais referidos, assim como pode o
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 155-230, abril/junho 2008
juiz adotar como base de cálculo dos honorários advocatícios o valor dado à causa
ou à condenação.
4. Recurso especial parcialmente provido (REsp n. 591.498-DF, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, DJU de 07.03.2005);
Tributário. Repetição de indébito. Tributo sujeito a lançamento por
homologação. Correção monetária. Honorários advocatícios. Art. 20, §§ 3º e 4º, do
CPC. Base de cálculo.
(...)
2. Conforme dispõe o art. 20, § 4º, do CPC, nas causas em que for vencida
a Fazenda Pública os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa
do juiz, que levará em conta o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do
serviço, a natureza da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido
para o seu serviço.
3. Nessas hipóteses, não está o juiz adstrito aos limites indicados no § 3º do
referido artigo (mínimo de 10% e máximo de 20%), porquanto a alusão feita pelo
§ 4º do art. 20 do CPC é concernente às alíneas do § 3º, tão-somente, e não ao seu
caput. Precedentes da Corte Especial, da 1ª Seção e das Turmas. Por essa mesma
razão, e como decorrência dela, não está o julgador obrigado a adotar como base de
cálculo dos honorários advocatícios o valor dado à causa ou à condenação.
4. Recurso especial a que se dá parcial provimento (REsp n. 728.572-SP, Rel.
Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 06.06.2005).
Como se sabe, esta Corte admite a revisão do patamar dos honorários nos casos em que se afigure irrisório ou exorbitante. Nessa linha, confira-se o AGA n. 464.511-SP, da relatoria do Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 16.05.2005, assim ementado:
Processo Civil. Agravo regimental. Honorários advocatícios. Art. 20 do CPC.
Valor irrisório. Afastamento da Súmula n. 7-STJ. 1 - O Tribunal a quo fixou os
honorários advocatícios em R$ 100,00 (cem reais), valor este irrisório, há violação
aos parágrafos 3º e 4º do artigo 20 do CPC. 2 - Conheço do agravo para convertê-lo
em recurso especial e dar-lhe provimento, restabelecendo a parte da sentença em
que fixou o valor dos honorários advocatícios.
Assim, a majoração dos honorários advocatícios para o patamar de aproximadamente R$ 70.000,00 (setenta mil reais) mostrou-se razoável, pois o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), fixado na primeira instância (fl. 35), mostra-se irrisório para remunerar o trabalho desempenhado pelo causídico em execução de expressivo valor.
230
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Simples operação aritmética demonstra que se equivoca a autarquia previdenciária, ao asseverar que o valor dos honorários fixados em 1% sobre o valor da execução - R$ 6.911.560,00 (seis milhões novecentos e onze mil e quinhentos e sessenta reais) - corresponderia a R$ 850.000,00 (oitocentos e cinqüenta mil reais).
Outrossim, o fato de o requerimento da exceção possuir apenas duas laudas não torna singelo o trabalho desenvolvido pelo advogado que, para comprovar a veracidade das suas alegações, juntou as peças do mandado de segurança em que ficou reconhecida a invalidade do tributo, conforme acentuou o acórdão recorrido.
Por fim, se na execução fiscal os honorários foram fixados em favor da autarquia em 1% para pagamento imediato do débito, não é justo que a mesma verba seja arbitrada em montante inferior para o trabalho desenvolvido pelo causídico na exceção de pré-executividade, instruída com prova documental que demonstrava o cancelamento anterior do crédito previdenciário em decisão proferida na via mandamental.
Portanto devem ser mantidos os honorários advocatícios fixados no julgamento dos embargos infringentes (fl. 312).
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 45.583-RJ (2004/0107135-3)
Relator: Ministro Fernando GonçalvesAutor: Justiça PúblicaRéu: Sérgio Augusto NayaAdvogado: Luiz Vicente Cernicchiaro e outro(s)Suscitante: Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de JaneiroSuscitado: Juízo de Direito da Vara de Registros Públicos do Distrito Federal
EMENTA
Conflito de competência. Registro público. Registro de hipoteca legal. Cancelamento pelo juiz corregedor. Impossibilidade.
1. Não deve o juiz correicional, em atividade administrativa, recusar cumprimento de ordem expedida por juiz no exercício de sua jurisdição, sob pena de usurpar-lhe a competência.
2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, o suscitante.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do Conflito de Competência e declarar competente a 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro-RJ, a suscitante. Os Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Aldir Passarinho Junior, Nancy Andrighi, Hélio Quaglia Barbosa, Massami Uyeda, Humberto Gomes de Barros e Ari Pargendler votaram com o Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.
Brasília (DF), 27 de junho de 2007 (data de julgamento).
Ministro Fernando Gonçalves, Relator
DJ 06.08.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Fernando Gonçalves: Trata-se de conflito positivo de competência entre o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do
234
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Estado do Rio de Janeiro-RJ, suscitante, e o Juízo de Direito da Vara de Registros Públicos do Distrito Federal, suscitado, em ação criminal movida pelo Ministério Público Federal em face de Sergio Augusto Naya.
Em síntese, o 8º Oficial de Registro de Imóveis do Distrito Federal, em dúvida quanto à possibilidade de dar cumprimento à ordem judicial emanada do Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, determinando a inscrição de hipoteca legal sobre bens do réu, formula consulta ao Juízo de Direito da Vara de Registros Públicos do Distrito Federal, respondida nos seguintes termos, no que interessa:
Conforme consta das certidões de ônus expedidas pelo serviço imobiliário (fls.
07; fls. 11), denota-se que há anotação de ordem de indisponibilidade por prazo
indeterminado, sendo certo que a indisponibilidade cerceia atributo essencial à
propriedade, ou seja, a faculdade do titular dispor do bem, bem como acarreta a
inalienabilidade que, por sua vez, abrange a impenhorabilidade.
Assim, a indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e
impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, como
é o caso da hipoteca.
Havendo ordem de indisponibilidade de bens por força de específica decisão
judicial (determinada pelo Juízo da 4ª Vara de Falências do Estado do Rio de Janeiro-
RJ – esclarecimento nosso), não pode o registrador recepcionar para registro título
que onere ou transfira o domínio do bem declarado indisponível.
(...)
No caso em apreço, o ônus hipotecário recaiu sobre dois bens. Há necessidade
de prévia regularização da descrição desses dois bens, com abertura de matrícula
para cada um, através de prévio processo de retificação judicial, previsto no artigo
213, § 2º, da Lei n. 6.015/1973, para posterior registro das hipotecas nos assentos
imobiliários saneados.
(...)
Outrossim, como medida correcional administrativa, a fim de salvaguardar
eventuais interesses e evitar prejuízos a terceiros de boa-fé, determino a extração
de cópias para formalizar procedimento em apartado visando determinar ordem
de Bloqueio Administrativo das Matrículas números 9.512 e 9.693 do 3º Ofício
de Registro de Imóveis do DF, sustando a prática de novos registros e averbações,
evitando eventual alienação fraudulenta pelos atuais proprietários, até que seja
promovida a devida retificação das matrículas.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA SEÇÃO
235
RSTJ, a. 20, (210): 231-241, abril/junho 2008
Ante o exposto, nos termos do art. 203, I, da Lei n. 6.015/1973, julgo
procedente a dúvida, determinando o cancelamento da prenotação n. 2.250, do 8º
Ofício de Registro de Imóveis do DF, expedindo-se o devido mandado após o trânsito
em julgado. (fls. 1.229/1.239)
Em face dessa decisão, cancelando a prenotação determinada por sua ordem, o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro suscita o conflito positivo de competência (fls. 1.292).
A Subprocuradoria-Geral da República opina pelo não conhecimento do conflito, com os seguintes argumentos:
De início, não se tem como configurado o conflito positivo de competência,
que somente ocorre quando dois ou mais juízos se declaram competentes para o
julgamento da mesma ação, manifestada essa divergência nos mesmos autos. Ora,
no caso em exame, não existe causa única em relação a qual os juízos envolvidos se
declaram competentes para o julgamento. Em verdade, existe o processo criminal,
processado e julgado exclusivamente pelo Juízo Federal, e o proferido extra
processo pelo Juízo de Direito, respondendo a uma Dúvida formulada pelo Oficial
de Registro de Imóveis.
Cabe frisar que a controvérsia refere-se apenas à efetivação de um ato
administrativo, determinado judicialmente, e não sobre o julgamento de uma mesma
causa. Nem se poderia alegar, in casu, a existência de duas decisões em confronto a
ensejar o conflito de atribuições uma vez que, após a verificação das irregularidades
o Juízo competente ordenou o bloqueio administrativo das atuais matrículas dos
imóveis justamente para preservar a determinação do Juízo deprecante, até que se
proceda a retificação exigida. (fls. 1.301/1.302)
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Fernando Gonçalves (Relator): A matéria não é nova no Superior Tribunal de Justiça, mas como nos casos analisados anteriormente, não deixa de causar perplexidade.
De início, é preciso decidir acerca da possibilidade de se instaurar conflito de competência entre autoridade judiciária e autoridade administrativa, na verdade entre duas autoridades judiciárias, mas uma delas investida de função administrativa, in casu, o Juízo da Vara de Registros Públicos do Distrito Federal.
236
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Na opinião do Ministério Público, não se faz possível a existência de conflito de competência nessas hipóteses, uma vez que: a) no caso em exame, não existe causa única em relação a qual os juízos envolvidos se declaram competentes para o julgamento e b) a controvérsia cinge-se à efetivação de um ato administrativo.
Outro caminho a ser trilhado é classificar a questão como conflito de atribuições e nesse sentido decidir o caso.
Entretanto, percebe-se que a hipótese não se amolda bem ao disposto na alínea g do inciso I do art. 105 da Constituição Federal, pois o que se vê, de fato, é um conflito entre juízes de direito, sendo que a atuação de um impede a efetivação de ordem emanada pelo outro, mostrando-se a situação bem mais afeita ao disposto na alínea d do mesmo dispositivo legal.
De toda forma, qualquer que seja o enquadramento que se dê, decidir pelo não conhecimento do conflito acaba por deixar a situação sem solução, tumultuando feito já entremeado de percalços, além de ferir o princípio da segurança jurídica, ante uma decisão judicial em desamparo, ainda que se reconheça o acerto do ato do Oficial de Registro que, em estrito cumprimento de suas atribuições, suscita dúvida ao juízo competente, cuja decisão inegavelmente preza pela regularidade dos registros públicos, conforme lhe exige a Lei n. 6.015/1973.
Em razão do exposto, curvo-me ao entendimento de que há realmente um conflito de competência entre os suscitantes, como já decidido por esta colenda Segunda Seção em outras ocasiões, conforme se depreende das seguintes ementas:
Conflito de competência. Juiz do Trabalho. Juiz Corregedor de cartório
extrajudicial.
I – Não deve o juiz corregedor, em atividade administrativa, recusar
cumprimento de mandado expedido por juiz no exercício de sua jurisdição, sob
pena de invadir-lhe a competência. Precedentes.
II – Conflito conhecido para se declarar competente o MM. Juízo suscitante. (CC n. 30.820, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 29.10.2001)
Competência. Conflito. Juiz de Direito no exercício da atividade administrativa
correcional dos registros públicos que recusa o cumprimento do mandado de
cancelamento de registro. Tribunal Regional do Trabalho que exercendo atividade
jurisdicional determina o cancelamento do registro por arrematação declarada nula
por ter sido realizada por preço vil, invasão da competência do órgão jurisdicional
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA SEÇÃO
237
RSTJ, a. 20, (210): 231-241, abril/junho 2008
pelo órgão correcional. Conflito conhecido para declarar a competência in casu do
órgão jurisdicional.
1 - Não é dado ao juiz correcional, o exercício de sua função administrativa,
recusar cumprimento ao mandado de cancelamento do registro da arrematação,
declarada nula por decisão proferida em feito jurisdicionalizado.
2 - Ocorrendo tal circunstância, caracteriza-se a invasão da competência
do órgão jurisdicional, cuja decisão somente pode ser desconstituída pelas vias
próprias, sob pena de vulnerar-se o devido processo legal (CC n. 14.750-RS, Rel.
Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 03.06.1996)
Conflito de competência. Juízos do Trabalho e Corregedor de cartório
extrajudicial.
Não deve o Juiz Corregedor, em atividade administrativa, recusar cumprimento
de mandado expedido por Juiz no exercício de sua jurisdição, invadindo-lhe a
competência. (CC n. 40.924-MS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de
26.05.2004)
Assim, analisando o caso concreto, e fazendo novamente a ressalva da regularidade com que se houve o Oficial de Registros e o Juízo da Vara de Registros Públicos, competente para decidir o procedimento de dúvida (CC n. 4.840-RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 04.10.1993), penso que não deve o juiz correicional, em atividade administrativa, recusar cumprimento de ordem expedida por juiz no exercício de sua jurisdição, no encalço dos julgados acima citados.
Vale transcrever neste ponto, porém, a observação feita pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar no julgamento do CC n. 30.820:
Confesso que não deixo de encontrar defeito na orientação adotada, pois as
ordens judiciais expedidas em processos de execução muitas vezes não levam na
devida conta os princípios do registro público, cuja rigorosa formalidade é fator de
segurança social. Daí a conveniência de que somente seja ordenado o registro de
documento hábil.
No entanto, mais difícil será submeter a decisão de um Juízo à revisão do
outro, criando infinitas disputas.
Assim, parece mais conveniente autorizar o cumprimento da decisão do
Juízo da execução, ficando reservado à parte prejudicada, que tenha ou não tido
oportunidade de se defender no curso do processo, exercer seu direito nas vias
judiciais. Fica, ainda ressalvado a qualquer interessado o direito de discutir os efeitos
do ato praticado com ofensa ao sistema registral e sua legislação específica. Confia-
238
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
se em que o juiz da execução, ao expedir mandados dessa natureza, previamente
atenderá ao disposto na Lei dos Registros Públicos. E, uma vez observada a
dificuldade pelo Oficial Público, não tomará isso como ofensa à autoridade, mas
sim como boa oportunidade para regularizar o registro e assim evitar futuras
demandas, com grave prejuízo aos interessados que confiam na correção dos
registros, especialmente naqueles ordenados pelo juiz.
Nessa trilha, ressalto a possibilidade dos interessados de buscar na via judicial
salvaguardar seus eventuais direitos ante a prática de ato ofensivo ao sistema
registral.
Ante o exposto, conheço do conflito e declaro competente o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, o suscitante.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 58.908-SP (2006/0034461-2)
Relator: Ministro Fernando GonçalvesAutor: Cooperativa Habitacional de ArarasAdvogado: João Francesconi FilhoRéu: Izabel de Fátima Estevão Pereira e outroAdvogado: Maximiliano TrasmonteSuscitante: Juízo Federal da 7ª Vara de Campinas – SJ-SPSuscitado: Juízo de Direito da 3ª Vara Judicial do Foro Regional de Vila Mimosa – Campinas-SP
EMENTA
Conflito de competência. Juízos Estadual e Federal. Conexão. Ação de rescisão contratual cumulada com reintegração de posse. Ação de usucapião. Participação de ente federal em apenas uma das ações conexas. Competência da Justiça Estadual. Suspensão do processo. Prejudicialidade.
1. Não há prorrogação de competência absoluta.
2. Se em uma das causas conexas não figura algum dos entes federais previstos no art. 109, inciso I, da Carta Constitucional, não pode ser prorrogada a competência da Justiça Federal, vez que absolutamente incompetente para julgar ação entre particulares.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA SEÇÃO
239
RSTJ, a. 20, (210): 231-241, abril/junho 2008
3. Suspensão do processo em trâmite perante a Justiça Federal nos termos em que dispõe o art. 265, inciso IV, alínea a, do Código de Processo Civil.
4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 3ª Vara Judicial do Foro Regional de Vila Mimosa - Campinas-SP, o suscitado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do Conflito de Competência e declarar competente a 3ª Vara Judicial do Foro Regional de Vila Mimosa – Campinas-SP, a suscitada, determinando a suspensão do processo em trâmite no Juízo Federal. Os Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Aldir Passarinho Junior, Nancy Andrighi, Hélio Quaglia Barbosa, Massami Uyeda, Humberto Gomes de Barros e Ari Pargendler votaram com o Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.
Brasília (DF), 27 de junho de 2007 (data de julgamento).
Ministro Fernando Gonçalves, Relator
DJ 06.08.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Fernando Gonçalves: Trata-se de conflito negativo de competência entre o Juízo da 7ª Vara Federal de Campinas-SP, suscitante, e o Juízo de Direito da 3ª Vara Judicial do Foro Regional de Vila Mimosa-SP, suscitado, em ação de rescisão contratual cumulada com reintegração de posse e ressarcimento de perda e danos movida por Cooperativa Habitacional de Araras em face de Izabel de Fátima Estevão e Edson Pereira Filho.
Afirma a autora ser proprietária de imóvel integrante do “Parque Residencial Vila União”, loteamento financiado pela Caixa Econômica Federal, cuja posse precária foi cedida aos réus por conta de “termo de compromisso de cooperativado”, sob a condição de os mesmos firmarem contrato de financiamento junto à CEF para obtenção da posse definitiva. Como os réus permanecem inertes há mais de quatro anos, pretende a autora a retomada do bem.
O feito foi originalmente distribuído para o Juízo da 3ª Vara Judicial do Foro Regional de Vila Mimosa. Posteriormente foram a ele anexados os autos da ação
240
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de usucapião especial de imóvel urbano, proposta por Izabel de Fátima Estevão e Edson Pereira Filho em face da autora, em trâmite perante a 2ª Vara Judicial do mesmo foro, em virtude do reconhecimento de conexão entre as ações, com as mesmas partes e envolvendo o mesmo imóvel. Ocorre, no entanto, que a Caixa Econômica Federal - CEF foi chamada a integrar o pólo passivo da ação de usucapião especial, havendo, com isso, deslocamento da competência para a Justiça Federal. Desta feita, foi determinada a remessa das duas ações, vez que apensadas à Justiça Federal, para os fins a que alude o art. 105 do Código de Processo Civil.
O Juízo da 7ª Vara Federal, suscitante, aduz, em síntese, ser incompetente para o julgamento da ação de rescisão contratual já que nela não constam como partes quaisquer dos entes enumerados no art. 109, inciso I, da Constituição Federal. Afirma, ademais, que a competência funcional é absoluta, não admitindo prorrogação por conexão (fls. 03/07).
Aduz o magistrado suscitado, em síntese, haver conexão entre a ação de rescisão contratual e a de usucapião especial, salientando que decisão proferida naquela terá repercussão nesta, o que por si só justifica a reunião das ações perante a Justiça Federal (fls. 29).
A Subprocuradoria-Geral da República opina pela competência do juízo estadual (fls. 42/44).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Fernando Gonçalves (Relator): Com razão o Juízo suscitante.
A competência fixada no art. 109, inciso I, da Constituição Federal é absoluta, não admitindo prorrogação por conexão, o que só é possível na chamada competência relativa, isto é, fixada por critério territorial, ou objetivo em razão do valor da causa.
Nesse passo, é firme nesta Corte a tese de que se em uma das causas conexas não figura algum dos entes federais previstos no art. 109, inciso I, da Carta Constitucional, não pode ser prorrogada a competência da Justiça Federal, vez que absolutamente incompetente para julgar ação entre particulares.
A propósito:
Agravo. Conflito positivo de competência. Ação ordinária na Justiça Federal
(União assistente) questionando a nulidade de contrato e monitória na Justiça
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA SEÇÃO
241
RSTJ, a. 20, (210): 231-241, abril/junho 2008
Estadual querendo o cumprimento do mesmo. Conexão. Incompetência absoluta.
Impossibilidade da reunião dos processos.
Somente os juízos determinados pelos critérios territorial ou objetivo em
razão do valor da causa, chamada competência relativa, estão sujeitos à modificação
de competência por conexão (art. 102, CPC).
A reunião dos processos por conexão, como forma excepcional de modificação
de competência, só tem lugar quando as causas supostamente conexas estejam
submetidas a juízos, em tese, competentes para o julgamento das duas demandas.
Sendo a justiça federal absolutamente incompetente para julgar ação monitória
entre particulares, não se permite, na hipótese, a modificação de competência
por conexão. Agravo improvido. (AgRg no CC n. 35.129-SC, Rel. Min. Cesar Asfor
Rocha, DJ de 24.03.2003).
No mesmo sentido: CC n. 67.038-SP, Rel. Min. Massami Uyeda, DJ de 16.03.2007 e no AgRg no CC n. 43.922-RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 13.09.2004.
É de se reconhecer, entretanto, a existência de prejudicialidade entre as demandas, tendo em vista que com a declaração de existência da relação jurídica discutida na ação de rescisão contratual cumulada com a reintegração de posse, restará prejudicada a ação de usucapião. Assim, deve ser aplicada a regra prevista no art. 265, inciso IV, alínea a, do Código de Processo Civil, verbis:
Art. 265. Suspende-se o processo:
IV – quando a sentença de mérito:
a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou
inexistência da relação jurídica, que constitua objeto principal de outro processo
pendente;
Ante o exposto, conheço do conflito e declaro competente o Juízo de Direito da 3ª Vara Judicial do Foro Regional de Vila Mimosa-SP para o processamento e julgamento da ação de rescisão contratual cumulada com reintegração de posse e determino a suspensão do processo de usucapião especial, com fundamento no art. 265, inciso IV, alínea a, do Código de Processo Civil até o julgamento final do processo 2005.61.05.001207-0.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 233.111-SP (1999/0088530-9)
Relator: Ministro Ari PargendlerAgravante: Dirce Aparecida Negrao Elias e outroAdvogado: José Antônio Elias Agravado: Novo Hamburgo Companhia de Seguros GeraisAdvogado: Maria Regina Dantas de Alcântara Mosin e outros
EMENTA
Civil. Responsabilidade. Acidente de trânsito. O proprietário responde solidariamente pelos danos causados por terceiro a quem emprestou o veículo. Agravo regimental não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi, Castro Filho e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 15 de março de 2007 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Relator
DJ 16.04.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ari Pargendler: O agravo regimental ataca a seguinte decisão:
O proprietário responde solidariamente pelos danos causados por terceiro a
quem emprestou o veículo.
Os artigos 1.533 e 1.535 do Código Civil de 1916 carecem de
prequestionamento.
Nego, por isso, seguimento ao recurso especial (fl. 337).
246
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A teor das razões, in verbis:
Não se trata de responsabilidade solidária do proprietário por danos causados
por terceiro a quem emprestou o veículo.
No caso dos autos o recorrente José Antonio Elias foi responsabilizado
solidariamente por reembolso de danos em veículo segurado pela autora, que
teriam sido causados por sua mulher, Dirce Aparecida Negrão Elias, contrariando o
disposto no artigo 263, inciso VI, do Código Civil de 1916, que vigorava no dia dos
fatos.
Não houve prequestionamento dos artigos 1.533 e 1.535 do Código Civil de
1916 porque referidos artigos foram violados no julgamento da apelação, por ter
o venerando acórdão recorrido acolhido valor da reparação exigido pela autora
recorrida como quantia líquida, certa e incontestável pelos agravantes.
(...)
Houve também violação ao artigo 515 do Código de Processo Civil, porque
decidir que não pode ser questionado o quantum devido da reparação de danos
exigida via reembolso da sub-rogada equivale a omissão do julgado por não
enfrentar questão que fez parte específica da apelação.
A veneranda decisão recorrida, data venia, é omissa quanto ao cabimento
pela letra c do artigo 105 da Constituição, sendo certo que está comprovada
a divergência de julgado, com acórdãos antigos em face das inexistências de
demandas decorrentes de violação da regra jurídica que impedia a comunicação do
ilícito entre os cônjuges (fls. 341/343).
VOTO
O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): O tema já foi suficiente e proficientemente examinado pelo tribunal a quo, in verbis:
O co-réu José Antônio Elias permaneceu, acertadamente, no polo passivo da
demanda, em virtude de ser proprietário do veículo, e não na qualidade de marido
de Dirce. O veículo está registrado em seu nome. E, em que pese a jurisprudência
de outros Tribunais, trazida à colação pelos réus, não vingam os argumentos. O
proprietário de veículo responde solidariamente pelos danos que terceiro, na sua
condução, vier a causar a outrem, seja quem for que o estiver conduzindo (fl.
247).
Voto, por isso, no sentido de negar provimento ao agravo regimental.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
247
RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 511.120-MG (2003/0006905-0)
Relator: Ministro Ari PargendlerAgravante: Banco do Progresso S/A - Massa FalidaRepr. por: Osmar Brina Corrêa Lima - SíndicoAdvogado: Sérgio Mourão Corrêa LimaAgravado: Kleber de Jesus da SilvaAdvogado: Roberto Marques de Souza Agravado: Banco Central do BrasilProcurador: Francisco Siqueira e outros
EMENTA
Comercial. Falência. Depósito bancário. Restituição. "No contrato de depósito bancário o depositante não tem a cobertura do art. 76 da Lei de Falências" (REsp n. 501.401-MG, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 03.11.2004). Agravo regimental não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Castro Filho e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília (DF), 22 de março de 2007 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Relator
DJ 23.04.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ari Pargendler: O agravo regimental ataca a seguinte decisão da lavra do Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, in verbis:
Trata-se de recurso especial interposto pelas letras a e c do permissivo
constitucional pelo Banco Central do Brasil contra acórdão assim ementado:
248
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Falência. Depósito. Bancário. Restituição. Possibilidade.
No contrato de depósito bancário, o banco não tem plena disponibilidade
sobre o dinheiro dos seus depositantes, pois obriga-se a devolvê-lo, tão-logo
lhe seja solicitado pelo depositante, o que torna possível a sua restituição na
falência, conforme expressa o artigo 76 do Decreto-Lei n. 7.661/1945.
V.v.:
Pedido de restituição de dinheiro. Falência bancária. Impossibilidade.
Tratando-se de depósito ou aplicação em dinheiro, em banco falido, o
crédito devido deve se submeter à concorrência prevista na Lei de Falência
(Votos vencidos - Des. Francisco Lopes de Albuquerque e Des. Eduardo
Andrade).
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.
Alegou o recorrente negativa de vigência ao disposto nos arts. 535, II, do CPC;
1.256, 1.257 e 1.280 do Código Civil; 6º, III e IV; 54, § 4º da Lei n. 8.078/1990;
3º da Lei de Introdução ao Código Civil; 76 do Decreto-Lei n. 7.661/1945 (Lei
de Falência); 480 do CPC e 28, parágrafo único, da Lei n. 9.868/1999, além de
divergência jurisprudencial.
Nesta instância, manifestou-se a douta Subprocuradoria-Geral da República
pelo provimento parcial do recurso.
Dada a relevância da matéria, o eminente Ministro Carlos Alberto Menezes
Direito decidiu submetê-la à apreciação da egrégia 2ª Seção, salientando
preliminarmente:
Parece-me necessário, desde logo, assinalar que não se deve expandir
o tema além do objeto do pedido. Com isso, quero acentuar que se aprecia,
apenas, a questão do cabimento da restituição do valor reclamado na inicial,
considerando a existência de depósito bancário, tendo em vista o que dispõe
o art. 76 da Lei de Falências.
Assim aquela Seção, ao apreciar o Recurso especial n. 501.401-MG, decidiu
pelo conhecimento e provimento do recurso para julgar improcedente a ação
de restituição de importância depositada em conta bancária junto ao Banco do
Progresso S.A., falido. Entendeu este Tribunal que no contrato de depósito bancário
o depositante não tem a cobertura do art. 76 da Lei de Falências.
A matéria, portanto, já foi apreciada pelo órgão competente desta Corte, pelo
que, com base no art. 557, § 1º-A, do CPC, conheço do recurso e lhe dou provimento
para julgar improcedente a ação. As custas e os honorários fixados em 10% sobre
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
249
RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
o valor da causa serão suportados pela autora, com ali também decidido (fls.
518/519).
A teor das razões:
O presente Recurso Especial também merece ser afetado à 2ª Seção do
consciencioso Superior Tribunal de Justiça porque:
- o REsp n. 501.401-MG foi provido por maioria; e
- a ausência, o impedimento e as alterações de diversos Ministros integrantes
da 2ª Seção podem implicar modificação do resultado do julgamento proferido no
REsp n. 501.401-MG (fl. 565).
Requer, ao final, o provimento do agravo para:
- afetar o presente recurso especial à conscienciosa 2ª Seção do Superior
Tribunal de Justiça, em função de sua nova composição;
- em função do acórdão proferido pelo Juízo da 1ª Vara de Falências de Belo
Horizonte na Ação Revocatória (fato novo), reconhecer a ilegitimidade e a falta de
interesse de agir do Banco Central do Brasil para a interposição do presente recurso
especial;
- que esta abalizada turma julgadora enfrente a questão objeto do presente
recurso especial à luz do disposto nas normas constitucionais referidas na sentença,
no acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e neste Agravo (art. 170, II, III e
V; art. 192 da Constituição Federal) - fl. 573.
VOTO
O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): O agravo regimental é tempestivo porque a Massa Falida do Banco do Progresso S/A não foi regularmente intimada da decisão de fls. 518/519, tendo tomado ciência somente com o retorno dos autos à origem.
No julgamento do REsp n. 501.401-MG, a Segunda Seção, por maioria, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento para julgar improcedente a ação de restituição de importância depositada em conta bancária junto ao Banco do Progresso S/A, tendo em vista que "no contrato de depósito bancário o depositante não tem a cobertura do art. 76 da Lei de Falências" (DJ de 03.11.2004).
As Terceira e Quarta Turmas vêm adotando o entendimento do REsp n. 501.401, sendo desnecessária nova afetação de julgamento à Segunda Seção.
250
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
No julgamento dos EDcl no REsp n. 501.401, a Segunda Seção afastou a ilegitimidade e a falta de interesse do Banco Central do Brasil nos seguintes termos:
Sobre estar caracterizado fato superveniente capaz de ensejar a ilegitimidade
e o desinteresse recursal do Banco Central do Brasil, qual seja, a procedência, em
1º grau, de ação revocatória onde se discute a eficácia do pagamento feito pela
autarquia federal à Caixa Econômica Federal, trata-se de tema alheio aos presentes
autos, além do que não restou demonstrada a definitividade da sentença e dos
respectivos efeitos em relação a eventuais pagamentos feitos pelo Banco Central do
Brasil à Caixa Econômica Federal - CEF (DJ de 06.04.2005).
Por fim, não compete ao Superior Tribunal de Justiça examinar eventual contrariedade a dispositivo constitucional que diz respeito ao mérito da causa.
Voto, por isso, no sentido de negar provimento ao agravo regimental.
RECURSO ESPECIAL N. 472.733-DF (2002/0109935-6)
Relator: Ministro Ari PargendlerRecorrente: Círculo Estudantil PindoramenseAdvogado: Adriana Arantes Ramos Fonseca de Souza e outrosRecorrido: Companhia Imobiliária de Brasília - Terracap Advogado: Eladyr Pimentel e outrosAdvogada: Juliana Amorim de Souza
EMENTA
Civil. Prescrição. A ação para tornar sem efeito a doação por motivo de inexecução do encargo prescreve em vinte anos. Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
251
RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
Humberto Gomes de Barros e Nancy Andrighi. Pelo recorrente, Dra. Adriana Arantes Fonseca.
Brasília (DF), 06 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Relator
DJ 16.04.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ari Pargendler: Tramitando ação de usucapião proposta por Eugênio Ferreira Santos contra Círculo Estudantil Pindoramense, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – Novacap ajuizou oposição (fls. 02/16, 1º vol.), e também ação ordinária de revogação de doação contra o Círculo Estudantil Pindoramense (fl. 448, 3º vol.).
O MM. Juiz de Direito Dr. Alfeu Gonzaga Machado decidiu, primeiro, a ação ordinária de revogação de doação, julgando procente o pedido; depois, em única sentença, a ação de usucapião, julgando improcedente o pedido, e a oposição, julgando procedente o pedido (fls. 335/339, 2º vol.).
O tribunal a quo, Relatora a Desembargadora Ana Maria Duarte Amarante, reuniu os autos das três ações, negando provimento às apelações (fls. 446/469, 3º vol.).
Círculo Estudantil Pindoramense opôs embargos de declaração (fls. 471/475, 3º vol.), e interpôs recurso especial, com base no art. 105, inc. III, letras a e c, da Constituição Federal, por violação dos arts. 178, § 6º, inc. I e 1.184 do Código Civil– restrito o respectivo objeto à ação de oposição e à ação de revogação da doação (fls. 496/531, 3º vol.).
Contra-razões (fls. 564/567, 3º vol.).
Originariamente não admitido (fls. 612/616, 3º vol.), o recurso especial foi processado por força de agravo de instrumento provido pelo Ministro Antonio de Pádua Ribeiro (fl. 619, 3º vol.).
VOTO
O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): Os autos dão conta de que, por meio de escritura pública lavrada em 24 de setembro de 1969 (fl. 34, 1º vol.), a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – Novacap doou o lote de terreno “C” situado na Entre-Quadra 711/911 do Setor de Edifícios de Utilidade Pública Sul (SEP/SUL), nesta Capital (fl. 34, 1º vol.), à Casa do Estudante
252
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Secundário de Brasília, “com a obrigação de construir no lote doado, no prazo de 02 (dois) meses e 02 (dois) anos, para início e término das obras respectivamente sob pena de revogação da presente doação” (fl. 36, 1º vol.).
Em 30 de julho de 1971, as partes permutaram o aludido imóvel pelo lote “A” da Entre-Quadra 713/913, do Setor de Edifícios de Utilidades Públicas Sul (fls. 37/38, 1º vol.).
Posteriormente, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – Novacap propôs ação de revogação de doação por descumprimento de encargo contra a Casa do Estudante Secundário de Brasília, tendo o MM. Juiz de Direito Dr. Romildo Bueno de Souza decretado a respectiva prescrição (fl. 120/127, 1º vol.), sentença que foi confirmada pelo tribunal a quo, Relator o Desembargador Luiz Vicente Cernicchiaro (fls. 131/133, 1º vol.).
A 05 de dezembro de 1995 (fl. 01, autos em apenso), o aludido imóvel foi objeto de uma ação de usucapião proposta por Eugênio Ferreira Santos (fls. 04/06, autos em apenso), iniciativa que induziu a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – Novacap a propor, (a) em 05 de agosto de 1997 nova ação de revogação de doação contra o Círculo Estudantil Pindoramense, desta feita tendo outra causa petendi, a alteração da destinação do imóvel (fls. 02/13, autos em apenso), e (b) em 06 de agosto de 1997 ação de oposição contra as partes litigantes na ação de usucapião.
O MM. Juiz de Direito Dr. Alfeu Gonzaga Machado afastou a preliminar de prescrição da ação ordinária de revogação de doação, julgando procedente o pedido com “a reintegração da autora na posse do referido imóvel” (fl. 290, autos em apenso) – e julgou simultaneamente numa só sentença a ação de usucapião e a ação de oposição, decretando a procedência desta e a improcedência daquela (fls. 227/231, autos em apenso).
No 2º grau de jurisdição, o tribunal a quo reuniu os autos das três ações e manteve as sentenças, destacando-se no voto condutor o seguinte trecho:
... no contrato de permuta celebrado não constou a vedação de qualquer
transformação. Todavia, não se pode descaracterizar que o primeiro ato gracioso foi
vinculado a finalidades de assistência a estudantes secundaristas, com aceno de lhes
fornecer acomodações, refeitórios, cursos profissionalizantes, dentre outros, do que
se arredou inteiramente.
Não se poderiam arredar essas finalidades do segundo contrato celebrado,
pena de nulificá-lo, já que se tratava de doação de um imóvel público (fl. 460, 3º
vol.).
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
253
RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
O principal tema ativado no recurso especial é o da prescrição, estando ele intimamente relacionado com o termo inicial do respectivo prazo; subsidiariamente, é o da subsistência da destinação originária do imóvel.
Para o efeito de afastar a prescrição, o tribunal a quo aplicou o art. 177 do Código Civil e valorizou a alteração do Estatuto do Círculo Estudantil Pindoramense consumada em 31 de outubro de 1992 (fls. 19/30, 3º vol.), in verbis:
É bem de ver que, conforme observou o douto Procurador de Justiça, ao
prestigiar a r. sentença, na parte em que repeliu a prejudicial em tela, que a
averbação da alteração do nome datou de 13 de março de 1979. Tenho, todavia,
que não poderia ser este o termo inicial do prazo extintivo, pois não seria a mudança
da razão social, averbada, conforme o documento de fl. 39, na data de 13 de março
de 1979, apta, por si só, a configurar a mudança de finalidade aludida, e sim, a
alteração de seus estatutos, que só ocorreu em 31 de outubro de 1992 (fl. 457, 3º
vol.).
O prazo prescricional, na espécie, é mesmo de 20 (vinte) anos, tal como sustentado pelo Ministro Eduardo Ribeiro no voto que proferiu no REsp n. 2.725-SP, in verbis:
Não há dúvida de que a prescrição brevis temporis se justifica, e até mesmo
recomenda-se, quando se cogite de revogar doação por ingratidão do donatário.
Agindo este, em relação ao doador, na forma prevista em algum dos incisos do artigo
1.183 do Código Civil, por certo que suscitará justa indignação de quem praticou
a liberalidade. Não é razoável admitir-se que deixe passar prazo superior a um
ano para pleitear seja efetivada a sanção a que se expôs o donatário. Quedando-se
inativo, dará ensejo à suposição de que perdoou o que se houve com ingratidão.
A situação é bastante diversa, tratando-se de revogação por inexecução do
encargo. Na doação modal, embora subsista sempre a liberalidade, existe também
um caráter oneroso. Planiol-Ripert afirmam mesmo que se tem aí um contrato
sinalagmático (Traité Pratique de Droit Civil Français – Libraire Générale de Droit et
de Jurisprudence – 1933 – Tomo V – p. 500. O donatário assume uma determinada
obrigação, cujo cumprimento pode ser-lhe exigido, salvo quando estabelecida
em seu próprio benefício (Código Civil, artigo 1.180). Freqüentemente, aliás, o
encargo atende a um interesse geral, podendo sua execução, morto o doador, ser
postulada pelo Ministério Público. Não se percebe porque se haveria de estabelecer
prazo prescricional tão curto para o caso, equiparando situações nitidamente
dessemelhantes (DJ, 10.12.1990).
254
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Já a questão de saber se e quando a destinação do imóvel foi alterada escapa ao âmbito do recurso especial. Trata-se de matéria que se resolve pela interpretação dos Estatutos do Círculo Estudantil Pindoramense, afeta exclusivamente às instâncias ordinárias (STJ – Súmula n. 5). No caso, o acórdão foi expresso no sentido de que foi dada nova destinação ao imóvel e de que resultou da alteração efetivada em 31 de outubro de 1992, nada importando que o tribunal a quo tenha definido como termo inicial da prescrição data que não tenha sido lembrada no 1º grau de jurisdição; a apelação devolve na plenitude as matérias debatidas no curso da ação.
Voto, por isso, no sentido de não conhecer do recurso especial.
RECURSO ESPECIAL N. 493.927-DF (2002/0168907-8)
Relator: Ministro Humberto Gomes de BarrosRecorrente: Companhia Imobiliária de Brasília - TerracapAdvogado: Rodrigo Fernandes de Moraes Ferreira e outrosRecorrido: Silvana Maria Nunes de Almeida e outrosAdvogado: Sérgio Antonino Fonseca e outros
EMENTA
Processo Civil. Intervenção de terceiros. Oposição.
- Mesmo que se trate de bem público, ação possessória não admite oposição louvada em propriedade de imóvel.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 07 de dezembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Humberto Gomes de Barros, Relator
DJ 18.12.2006
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
255
RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: Companhia Imobiliária de Brasília - Terracap interveio, mediante oposição, em ação de reintegração de posse promovida por Silvana Maria Nunes contra Paulo Roberto Duarte Costa.
Em síntese, a opoente, ora recorrente, afirmou ser a legítima proprietária do imóvel objeto da ação possessória entre os opostos, ora recorridos.
O MM. Juízo de Direto da 5ª Vara da Fazenda Pública de Brasília julgou procedente a oposição e determinou a expedição de mandado de restituição da área litigiosa em favor da opoente (fls. 108/112).
Vieram apelações dos opostos (fls. 115/119 e 122/129), as quais foram providas pelo TJDFT. Eis a ementa do acórdão:
Civil e Processual Civil. Ação de reintegração de posse. Intervenção da Terracap na modalidade oposição. Não cabimento. Discussão restrita ao direito de posse.
Em ação de reintegração de posse onde não se discute o domínio do bem, deve-se confrontar apenas a situação dos litigantes (direito de posse) e não a de um ou outro frente ao legítimo titular (direito de propriedade), sendo certo que este poderá reaver o bem, a qualquer momento, daquele que o possua sem o seu consentimento. (fl. 147).
Daí este recurso especial, em que a recorrente reclama de negativa de vigência aos Arts. 56 do CPC, 485 e 505 do CC/1916. Também aponta divergência jurisprudencial. Afirma, em resumo que:
- "a oposição, nas ações possessórias, pode se fundar em domínio ou posse, até porque toda essa discussão se mostrava imprescindível à comprovação e demonstração de que a Recorrente seguia sendo a efetiva possuidora da área, dada a sua natureza pública" (fl. 166);
- os opostos só exerceram mera detenção, porque não é possível posse de bem público;
- "não se deve julgar a posse em favor daqueles que não detém o domínio do imóvel, ainda mais quando se trata de bem público." (fl. 171).
Não houve contra-razões (fl. 228v.).
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do il. Subprocurador Washington Bolívar Júnior, opinou pelo provimento do recurso (fls. 236/241).
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros (Relator): Inicialmente, quero reafirmar o meu entendimento de que os imóveis da Terracap não são de natureza pública.
256
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Peço vênia para transcrever trecho do voto-vencedor que proferi no julgamento do REsp n. 79.399-DF, quando ainda integrava a 1ª Turma:
(...) Por aproximadamente trinta anos, fui Procurador do Distrito Federal.
Conheço, assim, a questão.
Quando se cogitou em mudar a Capital do Brasil, imaginou-se um sistema a
que se denominou "auto financiamento", que funcionaria assim:
a) a União Federal desapropriaria toda a área reservada para a implantação
da nova unidade federada;
b) os terrenos expropriados passariam, a título de integralização de capital,
ao patrimônio de uma empresa pública, voltada para as atividades de lotear e
urbanizar as terras expropriadas;
c) os lotes resultantes do parcelamento, seriam vendidos a particulares;
d) o dinheiro proveniente das vendas seria empregado na construção da nova
Cidade. Assim, Brasília seria construída sem qualquer despesa para o Estado.
A instituição da Novacap (a Empresa pública a que me referi acima) tornou-
se necessária, porque, atuando no âmbito do direito privado, uma empresa pública
teria muito mais agilidade que o próprio Estado.
Tal desenvoltura se manifestaria, sobretudo, na alienação dos lotes. Explica-
se: a venda de imóveis públicos é difícil e complicada.
Ora, transferidos ao patrimônio da Novacap, os imóveis deixaram de ser bens
públicos.
Passaram - como sua nova proprietária - à regência do direito privado.
Ao longo do tempo, a Novacap sofreu cisões parciais, com o nascimento de
novas empresas públicas dedicadas à prestação dos vários serviços públicos. A
Novacap é a mãe de várias empresas, verbi gratia:
a) Telebrasília, gerada a partir do DTUI (Departamento de Telefones Urbanos
e Interurbanos);
b) CEB, surgida do DFL (Dep. de Força e Luz);
A Terracap - Companhia Imobiliária de Brasília é uma empresa resultante do
DI (Departamento Imobiliário).
No ato de sua criação, a Novacap transferiu-lhe, a título de integralização de
cotas, todo o patrimônio imobiliário.
Como se percebe, os imóveis da Terracap, longe de serem públicos, integram-
se na categoria dos bens particulares, destinados ao comércio (...).
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
257
RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
Ora, se o Estado optou por privatizar parte de seu patrimônio imobiliário, para integralizar o capital de empresa pública (pessoa jurídica de direito privado) e agilizar alienações, tais bens deixaram de ser públicos.
A pergunta já traz, em si mesma, a resposta: os bens pertencentes à Terracap são públicos ou privados?
Data vênia, se os bens pertencem à Terracap, só podem ser privados, porque os bens pertencentes a empresas pública exploradora de atividade econômica sujeitam-se ao mesmo regime jurídico daqueles de propriedade das pessoas jurídicas de direito privado. Trata-se, sobretudo, de tratamento isonômico a fim de evitar privilégios ao Estado-empresário em relação aos particulares, garantindo o Princípio da livre concorrência no mercado.
Veja-se a situação do imóvel no Registro Imobiliário. O registro está em nome de quem? Do Distrito Federal? Da União? Não: está em nome da Terracap, empresa pública, que atua na compra e venda de imóveis. Nada importa a circunstância de o Distrito Federal ser o maior sócio (cf. Art. 2º e respectivo § 1º da Lei n. 5.861/1962).
Além disso, a Terracap (Companhia Imobiliária de Brasília) é empresa pública exploradora de atividade econômica de comercialização de bens imóveis (Lei n. 5.861/1972, Art. 2º), cujo estatuto jurídico deve ser conformado às determinações constitucionais da Ordem Econômica e Financeira (CF, Art. 173, § 1º - com redação e incisos da EC n. 19/1998).
A leitura e interpretação da Lei n. 5.861/1972 devem conformação aos incisos do § 1º do Art. 173 da CF.
A Constituição Federal é clara ao determinar que a Lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública exploradora de comercialização de bens, dispondo sobre "a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direito e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários" (CF, Art. 173, § 1º, II).
A meu sentir, a EC n. 19/1998 extirpou qualquer dúvida sobre a natureza dos bens de propriedade de empresa pública exploradora de atividade econômica. Deu-lhes, expressamente, natureza privada sujeita ao mesmo regime jurídico das demais pessoas jurídicas de direito privado.
Em síntese: os imóveis pertencentes à Terracap (empresa pública exploradora de comercialização de imóveis) sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas. Vale dizer: os bens da Terracap são particulares.
258
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Fixada essa premissa, a questão central do recurso é definir se a propriedade de imóvel (público ou privado) pode ser levantada em oposição interveniente em ação de reintegração de posse.
O voto condutor do acórdão recorrido diz:
Com a devida vênia, tenho que não foi colocada com acerto essa premissa.
A disputa não se trava em razão de domínio (direito de possuir), mas em face do
próprio direito de posse, não se podendo invocar regras acerca da titularidade do
domínio, como o fez o ilustre sentenciador.
(...)
Ora, a disputa em julgamento não envolve a proprietária, Terracap, que, a
qualquer momento, poderá reaver o bem daquele que, sem o seu consentimento,
mantém-se na posse de terras públicas. Interessa, portanto, no caso, apenas
confrontar a situação dos litigantes, e não um ou o outro frente à proprietária, mais
se da petição inicial e da contestação se verifica que as partes não disputam a posse
com título de proprietárias. (fl. 151).
O Art. 56 do Código Buzaid tem a seguinte redação:
Art. 56. Quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que
controvertem autor e réu, poderá, até ser proferida a sentença, oferecer oposição
contra ambos.
Nesse sentido, a oposição não pode introduzir discussão de direito não controvertido na lide desenvolvida entre os opostos.
Portanto, a oposição interveniente em ação possessória deve ser atinente apenas à posse controvertida entre os opostos. Não se pode admitir a discussão de propriedade, que não é o direito controvertido pelos opostos (CPC, Art. 56).
Vou além...
Ainda que a intervenção do terceiro seja amparada em suposta propriedade de imóvel público, a oposição "petitória ou reinvidicatória" não pode ser admitida contra opostos que controvertem sobre posse, porque a propriedade do imóvel não está sendo controvertida na lide intervinda e a posse amparada no domínio deve ser discutida em via adequada pelo (a) opoente (CPC, Art. 56).
Portanto, no caso, mesmo que se entenda que os bens da Terracap são de natureza pública, a oposição não seria admissível.
Noutras palavras: não cabe "oposição petitória ou reinvidicatória" interveniente em ação possessória. Vale dizer: mesmo que se trate de bem público, ação possessória não admite oposição louvada em propriedade de imóvel.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
Por fim, a divergência jurisprudencial não está demonstrada com as formalidades exigidas pelo Art. 541, parágrafo único, do CPC. Não houve confronto analítico entre os paradigmas e o julgado recorrido para demonstração de semelhança entre os casos, que, na hipótese, efetivamente, não existe. Simples transcrições de ementas e trechos não bastam. Vejam-se: EAG n. 430.169/Humberto, REsp n. 338.747/Peçanha, REsp n. 251.340/Noronha, AgRg no Ag n. 552.760/Gonçalves, AgRg no Ag n. 569.369/Pádua, AgRg no Ag n. 376.957/Sálvio, dentre outros. Além disso, parte dos paradigmas são do próprio Tribunal de origem, o que atrai a incidência da Súmula n. 13-STJ.
Nego provimento ao recurso ou, na terminologia da Turma, dele não conheço.
RECURSO ESPECIAL N. 766.703-SP (2005/0117340-1)
Relator: Ministro Humberto Gomes de BarrosRecorrente: Ricardo Maciel de Gouveia Roldão e outroAdvogado: João Joaquim Martinelli e outrosRecorrido: Democratino Crata Nene Dornelles e outrosAdvogado: Tadeu Antônio Siviero e outro
EMENTA
Recurso especial. Suspensão do processo em decorrência da oposição de exceção de incompetência. Atos praticados. Nulidade. Sentença transitada em julgado. Impossibilidade de declaração incidental. Ação rescisória.
1. Os atos praticados pelo juiz durante o período em que o processo deveria estar suspenso, pela oposição de exceção de incompetência, são nulos.
2. A sentença com trânsito em julgado só pode ser desconstituída em ação rescisória, se cabível. Não é possível a declaração incidental de nulidade, nos próprios autos, pelo juízo efetivamente competente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça na
260
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 07 de dezembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Humberto Gomes de Barros, Relator
DJ 18.12.2006
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: Democratino Crata Nene Dornelles e outros exerceram ação de reintegração de posse, visando recuperar automóveis de sua propriedade que estavam em poder de Ricardo Maciel de Gouveia Roldão.
Ao mesmo tempo, foi proposta ação de rescisão contratual cumulada com pedido liminar de reintegração de posse, pelos mesmos autores contra os mesmos réus.
Posteriormente, os autores intentaram nova ação. Desta feita, reclamando indenização por perdas e danos em decorrência de descumprimento contratual.
As três ações foram propostas, originalmente, na Comarca de Mundo Novo-MS.
Ao contestarem a segunda demanda - rescisão contratual com pedido liminar de reintegração de posse -, os réus opuseram exceção de incompetência, por ter sido eleita no contrato a Comarca de São Paulo como foro competente para a discussão do contrato.
Ocorre que a exceção de incompetência não foi autuada em separado e permaneceu inerte nos autos durante algum tempo. Só então o magistrado de Mundo Novo dela tomou conhecimento e a julgou improcedente.
Desta decisão, os réus interpuseram agravo de instrumento para o TJMS. Lá, por decisão unipessoal, o recurso foi provido, para declarar a competência do Juízo de Direito do Foro Central da Comarca de São Paulo, nos termos do contrato (fl. 109).
Em atendimento à determinação de seu Tribunal, o juiz de Mundo Novo remeteu os três processos, que estavam apensos, à Comarca de São Paulo.
Enquanto se processava o incidente de exceção de incompetência, o juiz de Mundo Novo deu andamento às outras duas ações - reintegratória e indenizatória -, tendo inclusive julgado o pedido da primeira procedente.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
261
RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
Na Comarca de São Paulo, os réus, ora recorrentes, requereram àquele Juízo que declarasse a nulidade dos atos praticados pelo juiz de Mundo Novo, desde a data em que oposta a exceção de incompetência, por entenderem que os processos deveriam ter permanecido suspensos, conforme os Arts. 265, 266 e 306 do CPC.
Assim decidiu o Juízo paulista: indeferiu o pedido por não se considerar competente para desconstituir sentença transitada em julgado (fl. 117).
Seguiu-se a interposição de agravo de instrumento para o 1º TACiv-SP. Assim decidiu aquele Tribunal, no que importa:
(...) Apesar do alegado andamento irregular do processo, que deveria ficar
suspenso em face da oposição de exceção de incompetência, o fato é que na
realidade o feito teve prosseguimento, e inclusive com a prolação da sentença.
Por outro lado, os recorrentes admitem que a sentença transitou em julgado,
não obstante isto tenha ocorrido após a oposição da exceção de incompetência (fl.
13).
Em tais circunstâncias, tem-se que, em face ao trânsito em julgado, a eventual
desconstituição da sentença, somente poderá ocorrer em sede de competente ação
rescisória (...). (fls. 131/133)
Embargos de declaração opostos e rejeitados.
Os réus, então agravantes, interpuseram recurso especial (alíneas a e c), alegando ofensa aos arts. 265, 266 e 306 do CPC, além de divergência jurisprudencial.
Afirmam que o juiz de Mundo Novo não poderia ter dado andamento às ações que estavam conexas, porquanto todas estariam suspensas pela oposição de exceção de incompetência em uma delas.
Dizem que os atos praticados durante o período de suspensão devem ser considerados nulos de pleno direito, para que o Juízo competente, de São Paulo, profira nova sentença.
Requerem a reforma do acórdão recorrido, para que sejam anulados todos os atos ordenados e praticados pelo juiz de Mundo Novo desde 12.04.2000 - data em que foi oposta a exceção de incompetência - especialmente a sentença, transitada em julgado, proferida nos autos da primeira ação, de reintegração de posse dos automóveis.
Não houve contra-razões. Juízo negativo de admissibilidade às fls. 172/173.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Determinei a conversão do AG n. 593.357-SP em recurso especial, o que possibilitou este julgamento colegiado.
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros (Relator): As três ações propostas têm um importante ponto em comum: todas decorrem do contrato de compra e venda da Laticínios Mundo Novo Ltda., firmado entre as partes litigantes.
Todas as relações jurídicas se formaram pelo suposto descumprimento deste contrato. Pelo menos em princípio, a conexão era evidente.
Assim sendo, o ideal era que o juiz de Mundo Novo houvesse determinado a suspensão de todas as três ações até que fosse decidida, definitivamente, a exceção de incompetência.
Mas isso não ocorreu. Infelizmente.
A questão a ser resolvida é: de que defeito padecem os atos praticados pelo juiz durante a suspensão do processo decorrente da oposição de exceção de incompetência?
Se entendermos que tais atos são nulos, o trânsito em julgado da sentença terá sanado qualquer vício. Assim, sua desconstituição só poderá ser pleiteada em ação rescisória, se cabível, e perante o Tribunal competente.
De outra banda, se considerarmos tais atos como juridicamente inexistentes, o vício poderá ser declarado incidentalmente nos próprios autos, como desejam os recorrentes, sem a necessidade do tormentoso caminho da rescisória.
Não ignoro que a solução mais econômica, e que melhor atenderia ao princípio da instrumentalidade, seria declarar a inexistência jurídica dos atos praticados pelo juiz de Mundo Novo desde 12.04.2000.
Contudo, duas razões me convenceram do contrário.
A primeira diz com todo o sistema de invalidades processuais, assentado em doutrina, senão unânime, suficientemente extensa e profunda.
Nenhum dos pressupostos justificadores da declaração de inexistência jurídica estão presentes. As condições da ação foram preenchidas e os pressupostos de constituição e desenvolvimento regular da demanda estavam, pelo menos em princípio, atendidos. O juiz sentenciante estava investido de jurisdição (porque a incompetência, ainda que absoluta, não importa em falta de jurisdição) e a relação processual se formou com perfeição.
Dito isto, parece-me impossível declarar a inexistência jurídica da sentença e dos demais atos praticados.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
O caso, então, leva a uma outra conclusão: os atos praticados eram nulos. E, desta forma, sanaram-se com a formação da coisa julgada. A desconstituição da sentença será admissível apenas em ação rescisória, se cabível for.
A segunda razão, mais prática, consiste na inércia dos ora recorrentes ao deixarem de interpor o recurso de apelação perante o TJMS. Todo o problema teria sido evitado. Evidentemente, o juiz poderia ter evitado todo este problema. Contudo, a situação só chegou a este ponto diante da inexistência de impugnação adequada, que deveria ter sido provocada pelos ora recorrentes. A eles, em grande parte, podem ser imputadas as conseqüências processuais negativas ocorridas nestes autos. Nada mais justo que suportem os efeitos de sua desídia.
Por todo o exposto, e com a ressalva da terminologia, não conheço do recurso especial.
RECURSO ESPECIAL N. 805.252-MG (2005/0210531-3)
Relatora: Ministra Nancy Andrighi
Recorrente: Volkswagen do Brasil Ltda
Advogado: Stanley Martins Frasao e outro
Recorrido: Carlos Rogério Vieira Cordeiro
Advogado: Geraldo Magela S. Freire e outros
EMENTA
Processo Civil. Destituição de perito após a apresentação do laudo pericial, com fundamento em desídia na prestação de esclarecimentos. Nomeação de novo perito e apresentação de laudo completo a respeito da matéria, abrangendo, inclusive, a matéria já tratada no primeiro laudo pericial. Conclusões opostas, no primeiro e segundo laudos. Decisão do Tribunal que, não obstante a destituição do perito, acolhe o laudo que ele havia preparado, em detrimento do trabalho do segundo perito. Possibilidade.
- A destituição do perito oficial por desídia ocorreu, não por qualquer motivo relacionado ao trabalho que ele originariamente desenvolveu, mas por falta de emprenho manifestada apenas por
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ocasião da prestação de esclarecimentos suplementares. Não há menção de má fé ou impedimento do primeiro perito, a invalidar seu trabalho original.
- Com isso, a perícia inicialmente elaborada não é inválida, mas incompleta, demandando a nomeação de novo perito para complementa-la. Não obstante o segundo perito entenda, por um critério técnico, que seria necessário repetir todo o exame da causa, produzindo novo laudo pericial completo, o juiz responsável, bem como o respectivo Tribunal, não ficam vinculados a essa medida. Assim, podem, nos expressos termos do art. 439, parágrafo único, do CPC, apreciar livremente os dois laudos periciais preparados e acolher, tanto o primeiro, como o segundo, conforme seu livre convencimento.
- Não havendo ilegalidade no procedimento adotado pelo Tribunal, não é possível rever, no Superior Tribunal de Justiça, a conclusão a que ele chegou. A lei possibilita expressamente que o primeiro laudo seja adotado como fundamento para a decisão. Apurar se ele está correto ou equivocado implicaria revolvimento do contexto fático-probatório do processo, o que é vedado pela Súmula n. 7-STJ.
Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ari Pargendler.
Brasília (DF), 27 de março de 2007 (data do julgamento).
Ministra Nancy Andrighi, Relatora
DJ 16.04.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Trata-se de recurso especial interposto por Volkswagen do Brasil Ltda. com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
Ação: redibitória, cumulada com indenização por danos moral e material, proposta por Carlos Rogério Vieira Cordeiro, ora recorrido, em face de Volkswagen do Brasil Ltda., ora recorrente.
O autor é motorista de praça e alega que adquiriu, para utilização profissional, em 12.12.1995, um veículo da marca Volkswagen, modelo Vw-Pointer GLI 1.8. Segundo a versão exposta na inicial, esse automóvel teria apresentado inúmeros defeitos, obrigando o autor a submetê-lo constantemente a manutenção. Com base nisso, pleiteia seja a ré compelida admitir a devolução do veículo, com a conseqüente restituição do valor pago, bem como a indenizar-lhe o dano material (por força dos dias em que se viu impedido de trabalhar), e moral experimentados.
Durante a fase de instrução processual, o engenheiro Francisco Guatimozim Vidigal foi incumbido da realização da perícia, tendo entregue o laudo de fls. 383 a 414. A conclusão a que chegou o perito foi de que o veículo sub judice era defeituoso.
Após a entrega do laudo, as partes formularam quesitos suplementares para esclarecimento do trabalho realizado. O perito oficial, entretanto, retirou o processo para prestar os esclarecimentos e o reteve por mais de sete meses, sem responder aos quesitos suplementares, não obstante tivesse sido reiteradamente provocado a fazê-lo pelo juiz da causa. Em função disso, o perito foi destituído e, em seu lugar, foi nomeado o engenheiro Francisco Campelo Martelleto (fl. 517).
A fls. 520 a 521, o novo perito esclarece que não seria possível complementar a perícia anterior porquanto os eslcarecimentos requeridos pelas partes tinham caráter subjetivo. Portanto, reiniciou os trabalhos e preparou um novo e completo laudo pericial (fls. 530 a 540). Nele, concluiu, por critérios técnicos diferentes dos utilizados na primeira perícia, que o automóvel não apresentava os vícios que lhe atribuiu o autor da ação.
Sentença: julgou improcedente o pedido, com fundamento no segundo laudo pericial elaborado.
Acórdão: deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pelo autor. O Tribunal, baseando-se no primeiro laudo pericial, concluiu, por maioria, ser defeituoso o bem sub judice, condenando a ré a admitir a sua devolução, a restituir o valor pago e, ainda, a indenizar o dano moral experimentado pelo autor, este fixado no valor de R$ 10.000,00. Eis a ementa:
Ação de indenização. Produção de prova. Segunda perícia. Livre convencimento
do juiz. Dano moral. Ocorrência. Automotor. Paralisação em concessionária. Lucros
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
cessantes. Antecipação de tutela. Indeferimento. Compra e venda. Veículo novo.
Responsabilidade do fabricante e do fornecedor. Temperatura interna inaceitável
- A apuração dos fatos que geraram a lide e a pesquisa do direito a eles
aplicáveis é uma atividade oficial, atribuída ao Juiz, que é o destinatário da prova,
pois é ele quem deverá se convencer da verdade dos fatos para dar uma solução
jurídica ao litígio.
- A fixação do dano moral, o Julgador deve atentar sempre para as circunstâncias
fáticas, para a gravidade objetiva do dano, seu efeito lesivo, sua natureza e extensão,
as condições sociais e econômicas da vítima e do ofensor, de tal sorte que não haja
enriquecimento do ofendido, mas que a indenização corresponda a um desestímulo
a novas agressões.
- Se o consumidor não logrou demonstrar de forma inequívoca a existência do
fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, impõe-se o indeferimento
da tutela antecipada. (Juiz José Amancio)
- É objetiva a responsabilidade do fabricante de veículo vendido ao primeiro
comprador com defeito que o torna inadequado ao uso - Inteligência dos artigos 12
e 18 do Código de Defesa do Consumidor.
- Considera-se inadequado ao uso e leva à rescisão do contrato o veículo zero
km que apresenta temperatura no seu habitáculo de 8º a 10º acima da temperatura
ambiente. (Juiz Pereira de Souza)
- V.v. Faz jus o autor à indenização relativa ao período em que seu veículo ficou
paralisado na concecionária.
Embargos Infringentes: Após a prévia oposição de Embargos de Declaração para esclarecimento do julgado, o ora recorrente opôs Embargos Infringentes, visando a que prevalecesse o voto vencido do I. Des. Relator, que não considerara defeituoso o automóvel vendido ao autor. O Tribunal, porém, por maioria, negou provimento aos Embargos mediante acórdão assim ementado:
Embargos infringentes. Ação de cobrança. Provas. Apreciação e valoração.
Perícia técnica. Defeitos e vícios. Lapso de tempo. Relação de consumo. Fabricante.
Veículo automotor. Responsabilidade objetiva. Dever de indenizar existente.
- Diante do conjunto probatório, deve prevalecer o laudo técnico pericial
que se apresenta mais coerente com os argumentos do autor/consumidor e com os
documentos produzidos pelas partes.
- A responsabilidade do fabricante de veículo, vendido ao primeiro comprador,
com defeito que o torna inadequado ao uso, é objetiva, conforme preceitos insculpidos
nos artigos 12 e 18 do Código de Defesa do Consumidor.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
Embargos de declaração: opostos, foram rejeitados pelo Tribunal a quo.
Recurso especial: interposto pela ré, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional. Alega-se violação aos seguintes dispositivos:
(i) art. 535, inc. II, do CPC, pela rejeição dos Embargos de Declaração que haviam sido opostos com a finalidade de prequestionamento;
(ii) arts. 146, 335, 424, inc. II e 439, parágrafo único, todos do CPC. A idéia sustentada pela recorrente, quanto a este ponto, é que a destituição do primeiro perito traz, como conseqüência lógica, a invalidade do laudo por ele apresentado, de modo que agiu mal o Tribunal a quo ao tomá-lo em consideração no momento de decidir o processo.
Quanto à divergência, a recorrente traz à colação dois acórdãos, ambos deste Superior Tribunal de Justiça. O primeiro deles (REsp n. 445.804-RJ, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 19.05.2003), é invocado para questionar a condenação da montadora em indenizar os danos morais experimentados pelo recorrido. O segundo (REsp n. 286.202-RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 19.11.2001), é invocado para questionar o montante da indenização fixada a esse título.
O recurso não foi admitido na origem (fls. 838 a 843), motivando a interposição do Agravo de Instrumento n. 710.413-MG, a que dei provimento para melhor análise da controvérsia (fl. 846).
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): I - Objeto da controvérsia
Cinge-se a controvérsia a estabelecer se é possível ao Tribunal considerar válida a primeira perícia elaborada neste processo, tendo em vista que: (i) o perito que a elaborou foi posteriormente destituído pelo Juízo, em função de sua negativa de esclarecer os quesitos apresentados pelas partes, não obstante fosse constantemente provocado a fazê-lo; e, (ii) o perito que foi nomeado em seu lugar, considerando impossível a complementação do primeiro laudo apresentado, reelaborou completamente a perícia, chegando a resultados opostos aos de seu antecessor.
II - Inexistência de violação ao art. 535, inc. II, do CPC
Não há a violação ao art. 535 do CPC. Toda a matéria submetida à apreciação do Tribunal foi devidamente decidida, ainda que em sentido desfavorável à pretensão do recorrente. Mesmo com o fim de prequestionamento, os embargos
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de declaração devem ser opostos tendo em vista as hipóteses do art. 535, incs. I e II, do CPC, não sendo possível utilizá-los para veicular a irresignação do recorrente quanto ao mérito da questão decidida.
III - Normas controvertidas e prequestionamento
Neste recurso especial não se está a discutir se foi correta ou incorreta a destituição, pelo Juízo de Primeiro Grau, do perito que havia sido inicialmente nomeado para trabalhar no processo. Ao contrário, o recorrente toma como pressuposto de sua irresignação o fato de aquele perito ter sido corretamente substituído. Por isso, não há sentido em se analisar este recurso sob a ótica da violação dos arts. 146, 422 ou 424 do CPC.
Por outro lado, também a norma do art. 335 não pode ser invocada nesta sede, uma vez que o Tribunal não decidiu este processo com base em regras de experiência. Em vez disso, tomou como fundamento, de maneira expressa, o primeiro laudo pericial, elaborado pelo perito que foi posteriormente substituído.
Disso decorre que o cerne da controvérsia diz respeito, exclusivamente, à interpretação do art. 439, parágrafo único, do CPC. Essa norma foi abordada pelo recorrente nos itens 38 e seguintes de seu recurso, e, em que pese não ter sido mencionada de maneira expressa pelo acórdão recorrido, foi tomada em consideração de maneira implícita pelo Tribunal. Destarte, não se impõe, neste processo, o óbice das Súmulas n. 282 e 356, do STF.
IV - A destituição do perito e a validade de seu laudo.
Na hipótese dos autos, houve, por parte do juízo de primeiro grau, a destituição do perito que inicialmente trabalhara no processo. Tal destituição está disciplinada nos art. 424 do CPC e pode ocorrer nas hipóteses em que, (i) ele demonstrar não possuir os conhecimentos técnicos necessários; (ii) ele for desidioso no desempenho de sua função, não cumprindo os encargos no prazo para tanto assinalado; ou (iii) em qualquer outra hipótese em que se quebre o elo de confiança estabelecido entre o juiz da causa e esse profissional (RMS n. 12.963-SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 06.12.2004).
A hipótese dos autos é de destituição por desídia. Há, todavia, uma particularidade: A desídia do perito se deu, não por ocasião da elaboração de seu laudo, mas, em vez disso, no momento em que se solicitaram esclarecimentos adicionais. Ou seja: a primeira perícia foi efetivamente elaborada e concluída e o respectivo resultado final, consubstanciado no laudo de fls. 384 a 414, foi apresentado pelo Perito. Tanto que o levantamento de seus honorários foi deferido pelo Juízo a fl. 469.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
Diante disso, resta definir o destino do trabalho que já havia sido desenvolvido pelo perito até o momento de sua substituição e estabelecer se ele deve ser descartado, de modo a que a perícia posteriormente realizada seja considerada a única do processo, ou se estamos, aqui, diante da hipótese de realização de uma segunda perícia independente da primeira.
O Código de Processo Civil, em seu art. 437, dispõe ser possível ao juízo "determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida". Os motivos que podem levar o juízo a determinar essa nova perícia são inúmeros. Conforme sustentam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. 5: Do processo de conhecimento, arts. 364 a 443, tomo II - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 358), "seja porque o resultado é duvidoso e não esclarecedor, seja porque o subscritor do laudo é pessoa não confiável, nova perícia, com o mesmo objetivo daquela já realizada, deve ser efetivada".
Na hipótese dos autos, o que motivou a destituição do primeiro perito e a nomeação de um novo não foi qualquer circunstância que objetivamente influa no trabalho que ele até então desempenhou. Não há qualquer indício ou menção de má-fé; não há exceção de suspeição ou de impedimento; nem há qualquer percalço na execução da perícia, até a apresentação do laudo original. O que motivou substituição do perito, em vez disso, foi a sua ineficiência para responder os quesitos suplementares, o que tornou o laudo que apresentara carecedor de esclarecimentos. Estamos, portanto, exatamente na esfera dos arts. 437 e seguintes do CPC.
Ora, sendo assim, não há como afastar a incidência do art. 439, parágrafo único, do CPC que dispõe que "a segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de uma e outra".
O fato de a primeira perícia ter sido considerada incompleta pelo juízo de primeiro grau não vincula o Tribunal, que, naturalmente, é livre para apreciar integralmente o conjunto probatório. Não há qualquer incompatibilidade entre a destituição do perito pelo juízo monocrático, segundo seu prudente arbítrio, e o acolhimento do laudo que ele já havia apresentado antes, pelo Tribunal, a quem tal trabalho não pareceu incompleto.
A irresignação do recorrente, na verdade, não repousa sobre qualquer impossibilidade objetiva de o primeiro laudo pericial ser apreciado. Sua inconformidade, em vez disso, recai sobre o fato de ele reputar incoerente que um laudo que fora considerado incompleto a ponto de motivar uma nova perícia
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
pelo Juízo de Primeiro Grau, ter sido considerado regular e correto pelo Tribunal. Ainda que lhe assistisse razão, todavia, a correção de sua perplexidade escaparia do mero controle de legalidade do processo e ingressaria no âmbito apreciação subjetiva da prova pelo Tribunal, o que é vedado nesta sede pelo óbice da Súmula n. 7-STJ. Do ponto de vista estritamente legal, o art. 439, parágrafo único, do CPC, é expresso em manter a validade do primeiro laudo na hipótese de renovação da perícia. Não há, portanto, como acolher esta irresignação.
V - Divergência jurisprudencial - O dano moral
A impugnação apresentada pela recorrente quanto à parcela do acórdão que concedeu ao recorrido indenização por dano moral está fundamentada, exclusivamente, na alínea c do permissivo constitucional. Não há, com efeito, qualquer menção de violação de uma norma jurídica, mas apenas a afirmação de que a interpretação do Tribunal de origem é oposta à jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça. São trazidos à colação dois precedentes, formados a partir do julgamento do REsp n. 445.804-RJ, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 19.05.2003, e do REsp n. 286.202-RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 19.11.2001.
Em que pese terem sido selecionados e invocados acórdãos para cotejo, porém, o recorrente não promoveu, conforme determina o art. 255, § 2º, do RISTJ, a efetiva demonstração da divergência, mediante transcrição de trechos do acórdão recorrido e dos acórdãos selecionados como paradigmas. Com efeito, o REsp n. 445.804-RJ é apenas citado nas razões recursais, sem que tenha sido feita sequer a transcrição de sua ementa. O REsp n. 286.202-RJ, por sua vez, teve um pequeno trecho transcrito a fls. 797 mas sem que a ela se seguisse também a transcrição do acórdão impugnado, para comparação.
Destarte, não é possível acolher a irresignação da parte também em relação a este aspecto da controvérsia.
Forte em tais razões, não conheço do recurso especial.
RECURSO ESPECIAL N. 812.209-SC (2006/0016507-8)
Relator: Ministro Humberto Gomes de BarrosRecorrente: Banco Bradesco S/AAdvogados: Lino Alberto de Castro e outros Milton Baccin e outros
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
Recorrido: Sérgio Roberto Omizolo e outro Advogado: Pedro José dos Santos e outro
EMENTA
Processo Civil. Apelação interposta na instância ordinária e subscrita por advogado com procuração vencida.
- A circunstância de, no curso do processo, a procuração haver atingido seu termo final não implica a revogação do mandato que credencia o advogado. Entende-se que a procuração ad judicia é outorgada para que o advogado represente o constituinte, até o desfecho do processo.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Castro Filho.
Brasília (DF), 16 de novembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Humberto Gomes de Barros, Relator
DJ 18.12.2006
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: Recurso Especial (alíneas a e c) desafia acórdão assim ementado:
Expirado o prazo contratualmente delimitado para o exercício dos poderes
de representação resultantes de instrumento procuratório, não acostado nos autos
novo mandato, tem-se como inexistentes juridicamente todos os atos processuais
praticados após o tempo previsto para a vigência daquele instrumento. (fl. 60).
Embargos declaratórios opostos e rejeitados.
O recorrente queixa-se de ofensa aos arts. 13, 37, 283 e 284 do CPC. Aponta divergência jurisprudencial.
272
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Alega, em síntese, que o defeito na representação processual poderia ser sanado pelas instâncias ordinárias.
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros (Relator): Para melhor compreensão, torna-se necessário um breve relato do processo.
O recorrente nomeou os Drs. Roberto Francisco Musiello, José Francisco Pinha, para patrocinar suas causas, outorgando-lhes a procuração válida por um ano, contado de 24.01.2000. A procuração foi substabelecida aos Drs. Moacir Tramontin e Claudia Regina Bortoli Tramontin, que subscreveram a apelação protocolada no dia 22.06.2001.
O Tribunal de origem não conheceu do recurso, porque o prazo de validade da procuração outorgada aos advogados Roberto Francisco Musiello e José Francisco Pinha já estava esgotado há mais de quatro meses, sem que fosse renovada.
Daí o recurso especial.
O STJ tem entendimento pacífico de que a regra inserta no art. 13 do CPC incide no primeiro e segundo grau de jurisdição, sendo viável a concessão de prazo para que seja sanado o defeito na representação processual. Precedentes nesse sentido: REsp n. 402.198/Direito; REsp n. 200.210/Ari; REsp n. 111.063/Cesar Rocha.
No entanto, o caso destes autos é peculiar. A procuração foi outorgada para que o advogado patrocinasse o recorrente no processo. A circunstância do processo, independentemente da vontade das partes, prolongar-se além do termo final do mandato não pode acarretar a extinção do mandato. A jurisprudência do STJ entende que a revogação tácita ocorre quando a parte constitui novo procurador nos autos (AgRg no EREsp n. 222.215), o que não ocorreu neste caso.
Se o recorrente não revogou expressamente os mandatos outorgados aos advogados no início do processo, nem constituiu novo patrono, é porque quer continuar sob o patrocínio dos Drs. Moacir Tramontin e Claudia Regina Bortoli Tramontin.
Dou provimento ao recurso especial para que o Tribunal de origem prossiga no julgamento da apelação do recorrente.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
RECURSO ESPECIAL N. 841.090-DF (2006/0079948-6)
Relatora: Ministra Nancy AndrighiRecorrente: Francisco Fernandes de AraújoAdvogados: Thais Safe Carneiro Jordana Castro Ramos e outroRecorrido: Hotel Mirage - Primus Hotel LtdaAdvogado: Cláudia Ladeira Ornelas e outros
EMENTA
Direito Civil. Assalto à mão armada no interior de hotel. Hipótese em que, durante a noite, os recepcionistas do estabelecimento foram rendidos pelos criminosos, que invadiram o quarto do autor e lhe roubaram jóias que portava consigo, para venda em feira de artesanato. Caso fortuito configurado.
- De acordo com as regras do Código Civil de 1916, a responsabilidade do hotel por roubo à mão armada no interior do estabelecimento somente se caracteriza caso fique comprovado que agiu com culpa, facilitando a ação dos criminosos ou omitindo-se de impedi-la.
- Comprovado que os recepcionistas do hotel agiram de maneira correta, procurando barrar a entrada dos criminosos, e que a chave mestra dos quartos somente foi entregue aos assaltantes mediante ameaça de morte com arma de fogo, resta caracterizado caso fortuito.
- Na hipótese, o hóspede portava quantidade considerável de jóias, que expunha para venda em público em feira livre. Desempenhava, portanto, atividade de risco, que não declarou ao hotel no check in. Também não se utilizou do cofre conferido pelo estabelecimento para guarda de objetos de valor.
Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Castro
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Filho, Humberto Gomes de Barros e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Ari Pargendler. Pelo recorrente, Dra. Thais Safe Carneiro.
Brasília (DF), 24 de outubro de 2006 (data do julgamento).
Ministra Nancy Andrighi, Relatora
DJ 12.02.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Trata-se de recurso especial interposto por Francisco Fernandes de Araújo, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional.
Ação: de indenização por perdas e danos, proposta pelo ora recorrente em face de Hotel Mirage - Primus Hotel Ltda.
O recorrente alega que desempenha, na cidade do Rio de Janeiro, a atividade de comerciante de jóias antigas de pequeno e grande porte. Nessa qualidade, viajou, em 13 de dezembro de 2002, para a cidade de Brasília, na qual participaria de uma feira de antiguidades realizada em um Centro Comercial, nos dias 14 e 15 daquele mês. Hospedou-se no Hotel Mirage, de propriedade da ré.
Após sua participação no primeiro dia da feira, retornou para o Hotel com todo o material que expusera para venda guardado em duas malas que carregava consigo. Durante a madrugada do dia 14 para o dia 15, porém, alega que o apartamento em que se hospedara foi invadido por dois assaltantes, que se faziam passar por policiais civis em cumprimento de um mandado de busca e apreensão.
Tendo inicialmente reagido ao assalto, o autor alega que foi algemado e severamente agredido pelos invasores, que golpearam-lhe a cabeça com a coronha do revólver que portavam, bem como o sufocaram com o lençol de sua cama. Coagido pelos assaltantes, o autor indicou-lhes o local onde deixara as duas maletas repletas de mercadorias. Todo o material foi roubado.
Após a partida dos criminosos, o autor alega que gritou por socorro, não tendo sido atendido por nenhum dos funcionários do hotel. Mesmo algemado e machucado, conseguiu se dirigir até a recepção, que estava vazia. Caminhou até a rua, onde, finalmente, foi socorrido por uma viatura policial.
Por esses motivos, pleiteia a responsabilização do hotel pelo dano moral e material causados. Sustenta que a responsabilidade do hotel, na hipótese,
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independe de culpa. Para o autor, "os fornecedores e prestadores de serviços têm a obrigação de colocar no mercado produtos e serviços de qualidade e seguros, que não imponham risco à saúde e à incolumidade física das pessoas, fato este que deixou de ser observado pelo hotel em comento, vez que, sequer havia um porteiro, um segurança ou um sistema de câmaras de filmagens que assegurassem ao requerente um mínimo de segurança durante seu repouso".
A indenização pelos danos materiais incorridos foi requerida no montante de R$ 317.373,59. Pelo dano moral, pleiteia reparação de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Em contestação, o réu alega que a matéria tem de ser regulada à luz do CC/1916, uma vez que o assalto ocorreu no ano de 2002. Essa norma, em seu art. 1.285, inc. II, dispõe sobre a cessação da responsabilidade do estabelecimento hoteleiro em caso de danos causados aos hóspedes por "força maior, como nas hipóteses de escalada, invasão da casa, roubo à mão armada, ou violências semelhantes". Invoca precedente exarado por ocasião do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do RE n. 94.948-8-RJ e, menciona, ainda, que os bens de alto valor que alegadamente foram roubados do autor não haviam sido declarados por ocasião de seu ingresso do hotel, nem conferidos à guarda do estabelecimento, que para esse fim dispõe de cofres.
Argumenta também que o assalto no interior do hotel não poderia ter sido evitado, uma vez que os ladrões invadiram o estabelecimento vestidos como policiais civis e renderam os recepcionistas mediante ameaça com arma de fogo. Em nenhum momento teria havido negligência dos funcionários, que tudo fizeram para evitar o incidente. O evento, portanto, não poderia ser caracterizado de outra forma que não como força maior. Subsidiariamente, o réu impugna a pretensão a título de danos materiais e morais. Os primeiros, além de não restarem suficientemente comprovados, são pleiteados em montante que não seria sequer verossímil. Os segundos, teriam sido pleiteados em patamar exagerado.
Sentença: julgou o pedido improcedente. O MM. Juízo de primeiro grau considerou que não houve facilitação da entrada dos assaltantes no hotel, uma vez que "não há como concluir que os prepostos do Hotel requerido tenham facilitado o ingresso dos assaltantes em suas dependências. Ao contrário, pelo que se abstraiu dos autos (...) os meliantes ameaçaram os funcionários que naquela noite estavam trabalhando, os colocaram sobre (sic) a mira de um revólver e só então conseguiram obter a chave-mestra que os permitiu adentrar nos aposentos dos hóspedes a procura de jóias que, certamente, sabiam existir". Além disso, pondera que "nem mesmo os funcionários do estabelecimento sabiam o que o
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autor carregava em sua bagagem, eis que o mesmo não declarou seus pertences nem utilizou o serviço de cofre à sua disposição. Nesse sentido, vislumbra-se a culpa do consumidor."
Acórdão: por maioria de votos, negou provimento à apelação interposta pelo autor, de modo que a sentença foi integralmente mantida. Restou vencido o Desembargado-Relator, que dava provimento parcial ao recurso, exclusivamente para conferir ao autor indenização por dano moral, no montante de R$ 100.000,00. Eis a ementa:
Direito Civil. Reparação de danos morais e materiais. Hóspede vítima de
roubo à mão armada nas dependências de hotel. Força maior. Fato de terceiro.
Inevitabilidade. Responsabilidade de indenizar. Exclusão.
I - Não tendo sido possível aos empregados da empresa demandada evitar
o assalto à mão armada perpetrado contra o autor, cujo fato constitui motivo de
força maior, somado ao fato de que o hóspede não cuidou de depositar os objetos
substraídos no cofre do hotel, não é lícito responsabilizar a ré pelo evento danoso.
II - Negou-se provimento. Maioria. Vencido o relator.
Não houve a interposição de embargos de declaração ou de embargos infringentes.
Recurso especial: interposto por Francisco Fernandes de Araújo, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional. Alega-se violação aos arts. 8 e 14 do CDC, bem como aos arts. 932, IV, do CC/2002 e 1.285, II, do CC/1916, porquanto a responsabilidade, in casu, é objetiva e o assalto não pode ser considerado evento de força maior.
Também foi requerido, ainda que não se pudesse acolher a pretensão à indenização por dano material, a condenação do hotel à indenização do dano moral em que incorreu a parte, na esteira do voto vencido.
O recurso foi admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Cinge-se a controvérsia a definir se é possível responsabilizar um hotel pelos danos causados a hóspede assaltado dentro de suas dependências, na hipótese em que os assaltantes invadiram o estabelecimento mediante emprego de violência e ameaça com arma de fogo.
I - Prequestionamento
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A pretensão do recorrente é aduzida, na petição inicial, sob dois enfoques. Em primeiro lugar, o de que ele seria consumidor dos serviços prestados pelo hotel, de modo que incidiria, na hipótese, as normas dos arts. 8º e 14 do CDC, que dispõem ser objetiva a responsabilidade do fornecedor de bens e de serviços sempre que tais serviços são prestados sem a segurança que deles se espera. Em segundo lugar, o recurso é interposto com vistas a afastar a incidência da excludente fixada pelo art. 1.285, inc. II, do CC/1916, reproduzido pelos arts. 932, IV, 649 e 650 do CC/2002.
No acórdão recorrido não há nenhuma menção à circunstância de ter sido o processo julgado com base nos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, tanto no que diz respeito à responsabilidade subjetiva do hotel, como no que diz respeito à sua responsabilidade objetiva. Destarte, ausente qualquer discussão pautada no CDC, não é possível conhecer deste recurso com base na violação de seus arts. 8º e 14, por falta de prequestionamento.
Quanto aos dispositivos relativos à responsabilidade do hotel pela bagagem e segurança do hóspede, trata-se da questão principal abordada pelo acórdão recorrido. Assim, ainda que os dispositivos do art. 1.285, inc. II do CC/1916, ou 932, IV, 649 e 650 do CC/2002 não tenham sido expressamente citados no aresto, é possível conhecer do recurso especial quanto à sua violação.
II - Violação ao art. 1.285, inc. II do CC/1916, equivalente ao art. 650 do CC/2002.
II.a) Incontrovérsia quanto aos fatos
Não há controvérsia quanto aos fatos da causa. A versão estabelecida pelo acórdão recorrido é a de que, durante a noite, três assaltantes se apresentaram como policiais civis na recepção do hotel. Não recebendo autorização para entrar no quarto do recorrente nessa qualidade, ameaçaram com arma de fogo os dois únicos recepcionistas que estavam trabalhando durante a madrugada e invadiram o quarto do recorrente, enquanto ele dormia. Lá, espancaram-no, roubaram-no e fugiram.
O que resta decidir é se, numa hipótese como essa, pode o hotel ser responsabilizado, ou se há algum excludente dessa responsabilidade. A idéia do recorrente é a de que o hotel não ofereceu serviços com a segurança que deles se espera: Sequer trava interna havia na porta dos quartos, não havia sistema de câmeras ou vigias armados. Já o hotel argumenta que os recepcionistas que estavam a trabalho na noite do crime em momento algum facilitaram a ação dos assaltantes. A chave mestra só lhes foi entregue sob grave ameaça. Além disso,
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o recorrente não informou que portava objetos alto de valor e não depositou as mercadorias que portava no cofre do hotel, o que poderia ter evitado todo o incidente.
II.b) Fato de terceiro
A regra geral é a de que não há responsabilidade do prestador de serviços em hipóteses de assalto à mão armada. Esse evento, caracterizado como um fato de terceiro alheio à vontade do prestador, atua como excludente do nexo de causalidade. Nesse sentido, por exemplo, pode-se citar a pacífica jurisprudência deste Tribunal no sentido de que o transportador de carga não responde pelo roubo ocorrido durante o transporte (AgRg no REsp n. 703.866-SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 13.09.2005; REsp n. 222.821-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 1º.07.2004; REsp n. 110.099-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 09.12.1997) ou de que não há responsabilidade do prestador de serviços na hipótese de assalto à mão armada em veículo de transporte coletivo de passageiros (REsp n. 783.743-RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 1º.02.2006; REsp n. 714.728-MT, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 1º.02.2006).
O fato de terceiro, nessas hipóteses, equipara-se aos conceitos de caso fortuito ou de força maior, atuando como um excludente do nexo de causalidade. Tanto que, conforme reiterados precedentes, o assalto somente atua como excludente do nexo causal nas hipóteses em que não poderia ser evitado (REsp n. 685.662-RJ, de minha relatoria, DJ de 05.12.2005).
A questão da evitabilidade, portanto, assume um papel essencial para a definição da controvérsia. O caso fortuito, ou de força maior, são conceitos cuja definição é eminentemente negativa. Vale dizer, não é possível estabelecer, de maneira geral e abstrata, hipóteses em que se está diante dessa figura jurídica, sendo necessário estabelecê-la caso a caso. Conforme observa Ruggiero, "Quando, na verdade, se recorre, para a determinação positiva do conceito, à idéia de imprevisibilidade e da inevitabilidade do evento, não se enuncia uma qualidade intrínseca e objetiva do mesmo; a imprevisibilidade e a inevitabilidade são em si e por si essencialmente relativas e apenas se podem avaliar quando considerem em face de dada relação, do dever da previsão que nela tinha o obrigado, da possibilidade que este tinha de evitar a eventualidade." (Instituições de Direito Civil, 2ª edição, Campinas, Bookseller, 2005, Trad. e Atual. por Paolo Capitanio. No mesmo sentido, Orlando Gomes, Obrigações, Forense, 2002, p. 148)
Na hipótese sob julgamento, a obrigação principal do hotel é a de fornecer abrigo e outros serviços, conforme se dispuser em contrato, a seus hóspedes. Inerente ao abrigo, está a segurança, que se espera do estabelecimento. Não
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há, porém, um consenso, um denominador comum, sobre o que seja conferir ao hóspede segurança. Não há uma relação de serviços mínimos que possa ser tomada como base para dizer se houve, ou não, omissão do recorrido na hipótese dos autos. Cada hotel se obriga a oferecer um diferente rol de serviços da espécie, variando essencialmente de acordo com a categoria e o preço de cada hotel. Naturalmente, não se pode exigir de um hotel de pequeno porte o mesmo nível de serviços de um hotel de alto padrão.
O hotel recorrido dispunha, pelo que se depreende dos autos, de dois recepcionistas durante a noite e de cofre, para guarda de valores. O recorrente, por outro lado, estava ciente do risco inerente à atividade que exercia. Expor, em público, numa feira aberta, uma quantidade considerável de jóias (o recorrente alega que trazia consigo mais de R$ 300.000,00 em mercadorias), naturalmente comporta alto risco.
Não obstante tudo isso ele optou por não informar o hotel sobre sua atividade, e também por não utilizar o cofre disponibilizado. Ou seja: nem mesmo os serviços de segurança que estavam à disposição do hóspede foram utilizados. Não é possível argumentar, diante disso, a falta de serviços adicionais.
É importante notar que a questão se modificaria completamente se houvesse inadimplemento quanto aos serviços efetivamente prestados pelo hotel. Todavia, pelo que se apurou neste processo, não houve facilitação à entrada dos assaltantes. Ao contrário, os funcionários do hotel negaram-lhes o acesso, inicialmente, mesmo tendo os bandidos se identificado como policiais. O assalto, inclusive, somente foi anunciado no momento em que um dos recepcionistas, por precaução, tomou o telefone para consultar a gerência do hotel acerca de sua entrada. Naquele instante é que o revólver foi sacado e apontado na direção dos funcionários, para prevenir a comunicação com qualquer pessoa de fora do estabelecimento. Ou seja: todas as cautelas passíveis de serem exigidas dos funcionários do hotel, foram tomadas. Não seria razoável esperar dos recepcionistas que, com um revólver apontado em sua direção, impedissem a entrada dos assaltantes.
Exigir que o hotel oferecesse serviços adicionais, como vigias armados, cuja inexistência era do conhecimento do contratante no momento do check in, é exagerado. Não se pode exigir, de uma das partes, o adimplemento de prestações que não foram contratadas. Para exigir um rol de serviços mais completo, deveria o recorrente ter procurado um hotel que efetivamente os oferecesse, ainda que com o correspondente aumento do valor das diárias.
Nesse sentido, confira-se a opinião de Goldschmidt, citado por Alvino Lima na já clássica obra A responsabilidade civil pelo fato de outrem (2ª ed., revista e atualizada por Nelson Nery Junior, RT, 2000, p. 126):
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Surge, portanto, a questão de se saber se o hoteleiro assume também a
obrigação absoluta de segurança da pessoa de seu cliente, vítima, por exemplo, em
seus aposentos, de ladrões que ali se ocultaram e o feriram?
Goldschmidt, citando Camerbynck e Mazeaud-Tunc, apóia o referido julgado,
apenas em se tratando de estabelecimentos de primeira ordem, nos quais, em
virtude do preço pago, o hóspede tem o direito de ser protegido, de dia e à noite, por
um serviço de guarda suficientemente eficaz; tal não seria justo no caso de pequenos
e modestos hotéis, os quais não podem manter aquele serviço de guarda.
No mesmo sentido pode-se citar ainda, em monografia específica sobre o tema, a opinição de Mario César Gianfelici (Caso Fortuito y Caso de Fuerza Mayoror em el sistema de responsabilidad civil, Abeledo Perrot: Buenos Aires, p. 172).
A situação poderia ser diferente, como bem observado pelo recorrido, caso o recorrente tivesse ao menos informado o hotel sobre os elevados valores que portava, e se os tivesse depositado no cofre oferecido pelo estabelecimento para esse fim. Nessa hipótese, os bens estariam sob a responsabilidade do hotel e há precedente deste Tribunal no sentido de que, ainda que haja furto à mão armada, o estabelecimento responderia pelo prejuízo (AgRg no Ag n. 249.826-RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 03.04.2000).
Da forma como se desenvolveu o incidente, nos termos do que foi fixado pelo acórdão recorrido, não há como se responsabilizar o estabelecimento hoteleiro.
III - Dano Moral
Não se reconhecendo, pelos fundamentos aduzidos acima, o nexo de causalidade entre a conduta do hotel e o prejuízo material experimentado pelo recorrente, naturalmente nada pode lhe ser concedido também a título de dano moral. A ausência de nexo de causalidade impede o reconhecimento do direito, tanto a uma, como a outra modalidade de reparação.
IV - Quanto à divergência
A divergência é argüida com relação à mesma questão abordada no capítulo relativo à violação da legislação federal. Tendo isso em vista, uma vez reconhecida a inexistência de violação, fica prejudicada a apreciação do recurso quanto a esse aspecto.
Forte em tais razões, não conheço do recurso especial.
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VOTO
O Sr. Ministro Castro Filho: Infelizmente é muito difícil, realmente, em situação de tal natureza, chegar a outra conclusão.
A questão foi muito bem posta pela Dra. Thaís - mas já não é culpa do advogado, que não pode fazer milagres. Esta é a linha doutrinária e temos precedentes nesse sentido, razão pela qual estou acompanhando a ilustre Relatora, no sentido de não conhecer do recurso especial.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Acompanho o voto da Senhora Ministra Relatora, ressalvando que não me filio à corrente que afirma, peremptoriamente, que o hotel não tem o dever de ter elementos mínimos de segurança.
Penso que esta tese, e pediria à Senhora Ministra Nancy que, antes de redigir o acórdão, refletisse a respeito, é extremamente perigosa, porque pode impedir a Corte de estabelecer algum critério quanto ao caso concreto. Falo isso porque Sua Excelência teve a cautela de destacar a opinião de Ruggiero - que não é uma opinião isolada, diga-se de passagem, mas um pouco a opinião da corrente italiana, do Direito Civil no campo da responsabilidade - de que a excludência se dá não em tese, mas no caso concreto.
Então, seria prudente que não afastássemos a responsabilidade porque o hotel não dispunha de elementos suficientes de segurança ou porque isso seria absolutamente impertinente. Estamos dando, pelo menos no meu caso, porque as circunstâncias, de fato, destacadas pela Senhora Ministra Relatora, foram que havia elementos mínimos e que esses elementos mínimos reagiram, mas, diante da arma de fogo, a reação foi insuficiente. Como o hotel não é empresa de transporte de valores, não se obriga à exigência de ter segurança reforçada e, portanto, não se violenta o precedente mais recente desta Corte com relação ao transporte coletivo.
Portanto, com essas razões, acompanho a eminente Relatora.
RECURSO ESPECIAL N. 841.361-PA (2006/0081128-7)
Relatora: Ministra Nancy AndrighiRecorrente: Joaquim da Costa PereiraAdvogado: Edison Messias Almeida e outros
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recorrido: Francisco Silva QuincóAdvogado: Elias César da Silva Queiroz
EMENTA
Direito Civil e Processual Civil. Recurso especial. Embargos de terceiro à execução. Fraude contra credores. Embargos de declaração. Dissídio. Súmula n. 195-STJ.
- Não é possível a apuração e o reconhecimento de fraude contra credores no âmbito dos embargos de terceiro à execução, notadamente porquanto existente ação própria para tanto.
Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ari Pargendler.
Brasília (DF), 03 de abril de 2007 (data do julgamento).
Ministra Nancy Andrighi, Relatora
DJ 23.04.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Recurso especial interposto por Joaquim da Costa Pereira com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional.
Ação: embargos de terceiro opostos pelo recorrente em face de Francisco Silva Quincó, ora recorrido, aduzindo, em síntese, que teve seus bens penhorados por força de execução proposta pelo recorrente em desfavor de Tapajós Veículos Ltda -Tave.
Aduziu que os bens penhorados foram a ele reservados com exclusividade, consoante escritura pública de doação (fl. 8-verso), por meio da qual fora transferido ao Sr. Nivaldo Pereira e sua mulher apenas direito sobre as ações da referida empresa. Por conseguinte, alegou que os bens imóveis penhorados e os
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veículos incorporados ao capital imobilizado da empresa devedora lhe pertencem, sendo que somente não efetivou a transferência imobiliária oportunamente em razão de existência de débito previdenciário que impossibilitou a empresa devedora de obter a certidão negativa de débito, documento indispensável para a lavratura da transcrição imobiliária.
Invocou a posse dos bens penhorados, requerendo que fossem restituídos mediante justo levantamento da penhora.
Impugnação aos embargos: o recorrido refutou as alegações deduzidas pelo recorrente, considerando fraude contra credores o referido instrumento público de doação com encargo, por ter como escopo a subtração do patrimônio da empresa devedora a garantias de dívidas preexistentes.
Sentença: julgou improcedentes os embargos.
Acórdão: negou provimento ao recurso de apelação interposto pelo recorrente, com a seguinte ementa:
(fl. 109) - Apelação cível. Ação de embargos de terceiro.
1. É necessária a posse de boa-fé, para que o possuidor possa protegê-la em
embargos de terceiro, o que não é o caso dos autos.
2. No caso dos autos, o negócio feito entre parentes configura má-fé, o que é
confirmada através da própria escritura pública, caracterizando fraude a credores.
3. Em embargos de terceiro, o juiz pode reconhecer a fraude contra credores,
não desconstituindo o negócio, mas declarando-o ineficaz perante o credor
exeqüente.
4. Recurso conhecido e improvid. Unanimidade.
Embargos de declaração: rejeitados (fl. 141).
Recurso especial: interposto sob alegação de ofensa aos arts. 106, parágrafo único, e 178, § 9º, inc. V, alínea b, do CC/1916 (158, § 2º, e 206, § 3º, inc. VIII, do CC/2002); 458, incs. II e III, 460, 535, inc. II, do CPC; e dissídio jurisprudencial com julgados de outros Tribunais e com a Súmula n. 195 do STJ, aos seguinte argumentos:
i) houve negativa de prestação jurisdicional;
ii) não cabe alegação de fraude contra credores em âmbito processual de embargos de terceiro, por se tratar de relação jurídica material que desafia a ação revocatória;
iii) houve "anterioridade do ato alienatório em relação à constituição do crédito demandado na ação de execução embargada" (fls. 202/203);
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
iv) houve decurso do prazo prescricional quadrienal para a propositura da ação revocatória.
Assim, propalou que "já se achando prescrita a ação decorrente do direito material, não poderia o apelado revitalizá-la noutra via de tutela jurisdicional, pois, interdito lhe é obter pela via indireta o que a lei civil lhe nega pela via direta" (fl. 211).
À fl. 331-verso, certidão de não apresentação de contra-razões.
Por meio de provimento de agravo de instrumento contra decisão que inadmitiu o recurso especial, subiram os autos (fl. 340).
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): A questão principal trazida a debate consiste em saber se em âmbito de embargos de terceiro à execução é possível a análise de alegação de fraude contra credores.
- Da violação aos arts. 458, incs. II e III, 460, 535, inc. II, do CPC
Sustenta o recorrente que houve negativa de prestação jurisdicional, porque o Tribunal de origem deixou de apreciar as seguintes questões suscitadas em apelação e reproduzidas em sede de embargos declaratórios:
i) não cabimento de alegação de fraude contra credores em âmbito processual de embargos de terceiro;
ii) "anterioridade do ato alienatório em relação à constituição do crédito demandado na ação de execução embargada" (fls. 202/203);
iii) decurso do prazo prescricional quadrienal para a propositura da ação revocatória.
O delineamento fático do processo e a fundamentação do acórdão proferido em apelação foram vertidos nos termos a seguir reproduzidos:
(fls. 111/112) - Constata-se pelo que foi demonstrado nos autos, principalmente pela escritura pública em cópia às fls. 8 e verso, que várias pessoas integrantes da mesma família eram sócios cotistas da firma comercial Tapajós Veículos Limitada - TAVE, e pela escritura pública ora mencionada os sócios Joaquim da Costa Pereira, o apelante, Vera Soares Pereira, Joaquim da Costa Pereira Filho, Vera Ilma Pereira Leal e Vânia Suely Soares Pereira, na qualidade de outorgantes, resolveram doar todas as suas cotas aos outorgados donatários Nivaldo Soares Pereira, que fazia parte da sociedade e de sua mulher Maria Fernanda Salgueiro da Silva Pereira, que passou, então, a integrar o quadro social, ambos membros da família outorgante.
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Pela mesma escritura, ficou decidido que os bens imóveis e veículos incorporados
ao capital imobilizado da empresa, passariam a pertencer exclusivamente ao
sócio doador que vem a ser o apelante Joaquim da Costa Pereira, que lhe seriam
transferidos oportunamente, como consta da escritura.
Ocorre que o apelante não conseguiu transferir os bens imóveis para o seu
nome, perante o registro imobiliário, porque não apresentou a Certidão Negativa
de Débito - CND, do INSS, documento indispensável para a lavratura do ato
translativo, porque a empresa apresentava débito junto ao órgão previdenciário,
como está declarado no documento de fl. 21, oriundo do 1º Cartório do Registro de
Imóveis da Comarca de Santarém.
Desta forma, o apelante não conseguiu a propriedade dos imóveis, mantendo
tão-somente a posse sobre os mesmos, e ante esta posse é que ajuizou os embargos
de terceiro contra o apelado Francisco Silva Quincó, tendo por fundamento o § 1º do
art. 1.046 do CPC, que permite na última parte, ao terceira apenas possuidor propor
os embargos de terceiro.
E é nesta hipótese de apenas possuidor, que o apelante embasa sua tese para
desconstituir a penhora sobre bens, havida na ação de execução ajuizada pelo
apelado contra a empresa Tapajós Veículos Limitada - TAVE.
(...)
(fls. 112/113) - Como se vê, é necessário que a posse seja de boa-fé, para que
o possuidor possa protegê-la, em embargos de terceiro, o que não é o caso dos autos
em que a posse do embargante/apelante não é de boa-fé, haja vista que, ao tempo
da escritura em que os bens da sociedade lhe foram transferidos existiam débitos da
empresa, entre os quais, o da previdência social, daí porque os bens não lhe foram
transferidos perante o registro imobiliário.
Para confirmar a hipótese de má-fé, eis o que consta da escritura supra
mencionada:
que nessa condição declaram os outorgantes perante mim tabelião
e as testemunhas, a decisão unânime à qual foram conduzidos depois de
examinados todos os aspectos relativos à continuação da existência da
referida sociedade comercial, diante da dimensão de dificuldades que afetam
a economia brasileira, notadamente, desta região, decisão esta que se firmou
no propósito de doarem, como efetivamente doado têm, aos outorgados,
respectivamente, filho, irmão, nora e cunhada...
(...)
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(fls. 113/114) - Por outro lado, diz o apelante que a fraude a credores não
é suscetível de discussão nos embargos de terceiro, citando jurisprudência nesse
sentido, como se vê às fls. 71.
Entretanto, Nelson Nery Júnior, no seu Código de Processo Civil Comentado,
7ª edição, p. 1.187, citando jurisprudência do 2º Tribunal de Alçada Civil de São
Paulo, diz:
Discussão de fraude contra credores em embargos de terceiro. Nada
impede que se apure e reconheça a fraude contra credores nos embargos de
terceiro, desde que a sentença não desconstitua o negócio, mas só a declare
ineficaz perante o credor exeqüente.
No caso em exame, o juiz monocrático em sua sentença, agiu exatamente
como se refere Nelson Nery Júnior, ou seja, na sua sentença apurou e reconheceu
a fraude contra credores, sem desconstituir o negócio realizado entre os parentes
através da pré-falada escritura pública, mas declarando-o ineficaz perante o credor
exeqüente, que vem a ser o apelado.
A despeito da existência de possíveis omissões no acórdão recorrido, no que se refere à alegada anterioridade do ato reconhecido como fraudulento em relação à constituição do crédito demandado na ação de execução embargada, bem como ao decurso do prazo prescricional para a propositura da ação revocatória, que dariam ensejo ao provimento do recurso especial pela violação ao art. 535, inc. II, do CPC, verifica-se que o cerne da discussão neste processo foi devidamente tratado e é suficiente para o deslinde da controvérsia, pelo que passo a analisar o dissídio jurisprudencial, devidamente comprovado, porquanto notório.
- Do dissídio jurisprudencial
O Tribunal Estadual entendeu ser possível a apuração e o reconhecimento de fraude contra credores no âmbito dos embargos de terceiro à execução, desde que não haja anulação do ato fraudulento, mas apenas declaração de sua ineficácia perante o credor exeqüente.
No entanto, não é esse o posicionamento da jurisprudência reiterada deste Tribunal, que, inclusive, deu ensejo à edição da Súmula n. 195 do STJ, assim redigida: "Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores".
Os precedentes que deram origem à aludida Súmula, bem assim os julgados mais recentes do STJ entendem que "a fraude é discutível em ação pauliana, e não em embargos de terceiro" (EREsp n. 46.192-SP, Rel. Min. Nilson Naves, Corte Especial, DJ de 05.02.1996).
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
287
RSTJ, a. 20, (210): 243-287, abril/junho 2008
Nesse mesmo sentido, dentre muitos, os seguintes precedentes:
Embargos de terceiro. Doação de ascendente para descendentes. Posse.
Honorários. Súmulas n. 195 e 303 da Corte.
1. Os donatários têm legitimidade para ajuizar embargos de terceiro,
reconhecido nas instâncias ordinárias que residiam nos bens objeto da constrição.
2. Não é possível argüir fraude contra credores em embargos de terceiro
(Súmula n. 195 da Corte)
(...) (REsp n. 671.296-PR, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de
05.02.2007)
Civil. Fraude contra credores. A fraude contra credores não pode ser
reconhecida em embargos de terceiro; requer o ajuizamento de ação própria (STJ -
Súmula n. 195). Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 140.954-MG, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 17.03.2003)
Processual Civil. Embargos de terceiro. Fraude contra credores.
A discussão sobre a ocorrência ou não de fraude contra credores não pode ser
deslindada em sede de embargos de terceiro, que não é meio processual adequado
para anular o ato jurídico que da referida fraude possa eventualmente ser resultante,
devendo operar-se no âmbito da ação paulina.
Precedentes.
Recurso conhecido, mas improvido.
(REsp n. 8.139-PR, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 10.03.1997)
Como se pode depreender, dos precedentes acima colacionados, deve ser reformado o acórdão recorrido, porquanto destoa da jurisprudência desta Corte, que entende não ser possível a apuração e o reconhecimento de fraude contra credores no âmbito dos embargos de terceiro à execução, notadamente porquanto existente ação própria para tanto.
Forte em tais razões, conheço do recurso especial, pela alínea c do permissivo constitucional, e dou-lhe provimento, para reformar o acórdão recorrido, declarando que a fraude contra credores não pode ser apurada e reconhecida no âmbito dos embargos de terceiro à execução, e determinar a remessa do processo ao Tribunal de origem, para que prossiga no julgamento dos embargos de terceiro, tendo como base a jurisprudência do STJ, nos moldes do devido processo legal.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 693.768-MS (2005/0119313-9)
Relator: Ministro Fernando GonçalvesAgravante: Banco Banestado S/AAdvogado: Nilza Ramos e outro(s)Agravado: Indústria e Comércio de Móveis Tarumã Ltda e outroAdvogado: Paulo Roberto Neves de Souza
EMENTA
Processual Civil. Execução. Desídia exeqüente. Extinção. Possibilidade.
1 - É perfeitamente cabível a extinção do processo de execução se o exeqüente, devidamente cientificado, queda-se inerte, não promovendo os atos e diligências a seu cargo, notadamente quando, como no caso em análise, o réu (executado), após mais de nove anos de tramitação, nunca compareceu ao processo. Inaplicabilidade da Súmula n. 240-STJ.
2 - A falta de intimação pessoal do exeqüente não é empecilho bastante se, por outro meio, tomou ciência. Aplicação da instrumentalidade das formas.
3 - Agravo regimental não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Ministros Aldir Passarinho Junior e Massami Uyeda votaram com o Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, o Ministro Hélio Quaglia Barbosa e, ocasionalmente, o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.
Brasília (DF), 02 de agosto de 2007 (data de julgamento).
Ministro Fernando Gonçalves, Relator
DJ 20.08.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Fernando Gonçalves: Trata-se de agravo regimental interposto pelo Banco Banestado S/A contra decisão monocrática assim redigida:
292
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto contra decisão denegatória de
admissibilidade de Recurso Especial (art. 105, III, alíneas a e c, da Constituição
Federal), objetivando a análise, por esta Corte, de afronta aos arts. 267, III e § 1°,
557 e 794 do Código de Processo Civil, além de divergências jurisprudenciais.
Compulsando-se os autos, verifico que a cópia da procuração do agravado
não foi juntada aos autos. Dessa forma, as peças essenciais para a formação do
agravo de instrumento não foram integralmente trasladadas. Sem a existência nos
autos das peças obrigatórias, cuja incumbência de apresentá-las é do recorrente,
conforme redação dada ao artigo 544, § 1°, do CPC e artigo 253, parágrafo único,
do RISTJ, bem como, a teor da Súmula n. 223 desta Corte, não há como prosperar
a irresignação. Nessa esteira:
Processo Civil. Agravo de instrumento. Negativa de provimento.
Agravo regimental. Responsabilidade civil. Indenização. Traslado obrigatório.
Ausência de peças. Art. 544, § 1º, do CPC. Justiça gratuita. Lei n. 1.060/1950.
Não isenção no acompanhamento da formação.
1 - As peças elencadas no art. 544, § 1°, do Código de Processo Civil,
são de traslado obrigatório, sob pena de não conhecimento do Agravo de
Instrumento. Assim, a cópia do v. acórdão recorrido; da certidão de intimação
do acórdão recorrido; da petição de interposição, com as razões, do REsp:
das contra-razões do REsp; da decisão que indeferiu o REsp: da certidão
de intimação da decisão denegatória do REsp; das procurações dadas aos
advogados do agravante e do agravado; e das peças processuais que sejam
necessárias para a compreensão da controvérsia, deve figurar na formação de
tal recurso.
2 - Ademais, cumpre observar que a Lei n. 1.060/1950 concede ao seu
beneficiário, apenas, o direito da gratuidade, não o eximindo de acompanhar
a formação do instrumento, porquanto não cabe ao serventuário da Justiça
fazê-lo, sendo obrigação do Defensor Público ou do advogado.
3 - Precedentes (AgRg no AG n. 549.980-RJ e AgRg no AG n. 547. 234-
SP).
4. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no AG n. 641.5610-RJ,
Relatoria Minha, DJ 28.03.2005)
Por tais fundamentos, não conheço do agravo, nos termos do artigo 34, incisos
VII e XVIII, do RISTJ.
Intimem-se. Cumpra-se. (fls. 71/72)
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
293
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
Afirma o recorrente não existir procuração outorgada aos advogados dos recorridos, daí a total impossibilidade de juntar aquela peça.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Fernando Gonçalves (Relator): Tem razão o recorrente, porquanto às fls. 17 consta certidão da secretaria do Tribunal de origem informando a inexistência de procuração outorgada ao advogado dos recorridos.
No mérito, a mesma sorte não socorre a súplica.
A hipótese é de agravo de instrumento contra decisão indeferitória de recurso especial fundado no art. 105, inciso III, letras a e c da Constituição Federal contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, assim ementado:
Agravo regimental. Apelação cível. Ação de execução. Intimação pessoal do
exeqüente para dar continuidade ao feito. Inércia do autor. Desinteresse comprovado.
Extinção da execução. Possibilidade. Recurso improvido.
Mantém-se decisão que negou seguimento à apelação cível quando se mostrou
incontroverso nos autos o total desinteresse do exeqüente, que deixou paralisada
a ação de execução por mais de quatro anos, sem tomar as providências que lhe
competiam, apesar das inúmeras intimações para dar seguimento ao feito (fls. 22).
Afirma o recorrente violação aos arts. 267, III, § 1º, 557, caput e 794 do CPC, argumentando com impossibilidade de decisão monocrática resolvendo a apelação, porque a espécie não é de aplicação de jurisprudência pacífica.
Por outro lado, afirma que a execução não pode ser extinta de ofício e fora dos casos enumerados no art. 794 do CPC, além disso, na espécie, não houve desinteresse pela causa, notadamente porque encontrava-se envolvido na procura e identificação de bem imóvel (gleba de terra) para constrição judicial.
Suscita dissídio com a Súmula n. 240-STJ e com julgado desta Corte (REsp n. 125.246-SP).
A jurisprudência iterativa desta Corte, pelas duas turmas que compõem a Segunda Seção, orienta-se no mesmo sentido preconizado pelo acórdão recorrido, ou seja, é perfeitamente cabível a extinção do processo de execução se o exeqüente, devidamente cientificado, queda-se inerte, não promovendo os atos e diligências a seu cargo, notadamente quando, como no caso em análise, o réu (executado), após mais de nove anos de tramitação, nunca compareceu ao processo.
294
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Confira-se as seguintes ementas:
Processual Civil. Extinção do processo por abandono (art. 267, III, § 1º,
CPC). Impossibilidade de extinção de ofício. Precedentes da Corte. Inexistência.
Possibilidade de extinção de ofício. Interesse predominantemente público do
processo. Precedente da Turma. Recursos desacolhido.
I – Nos termos da orientação deste Tribunal, não se faculta ao juiz, na hipótese
do inciso III do art. 267, CPC, extinguir o processo de ofício, sendo imprescindível
o requerimento do réu, dado ser inadmissível presumir-se desinteresse do réu no
prosseguimento e solução da causa.
II – Diversa é a situação, no entanto, quando se trata de execução não-
embargada.
III – O processo, em sua visão contemporânea, é instrumento de realização
do direito material e de efetivação da tutela jurisdicional, sendo de feição
predominantemente pública, que não deve prestar obséquios aos caprichos de
litigantes desidiosos ou de má-fé. (REsp n. 297.201-MG, 4ª Turma, Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, DJ 02.09.2002)
Processual Civil. Execução não embargada. Extinção. Art. 267, III e § 1º do
CPC. Aplicabilidade. Requerimento do executado. Desnecessidade.
A extinção do processo por abandono da causa (CPC, art. 267, III e § 1º)
aplica-se subsidiariamente ao processo de execução. A execução não embargada
pode ser extinta independentemente de requerimento do executado.
Recurso especial não conhecido. (REsp n. 576.113-ES, 4ª Turma, Min. Cesar
Asfor Rocha, DJ 25.10.2004)
Processo Civil. Agravo de instrumento. Negativa de provimento. Agravo
regimental. Execução. Suspensão deferida por 90 dias. Intimação pessoal do credor.
Ausência de manifestação. Extinção por abandono (art. 267, III, do Código de
Processo Civil). Desprovimento.
1 - Irretocável a r. decisão no sentido da extinção do feito por abandono (art.
267, III, do Código de Processo Civil), tendo em vista a falta de manifestação do
exeqüente, após devidamente intimado a fazê-lo.
2 - Precedentes (REsp n. 440.813-ES e 205.177-SP).
3 - Agravo Regimental conhecido, porém, desprovido. (AgRg no Ag n. 524.148-
SP, 4ª Turma, Min. Jorge Scartezzini, DJ 16.11.2004)
Vale transcrever, neste passo, os fundamentos do acórdão do Tribunal de origem:
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
295
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
Colhe-se dos autos que o Banco Banestado S.A. ajuizou ação de execução contra Indústria e Comércio de Móveis Tarumã Ltda. e Joselito Golin, objetivando o recebimento de um crédito representado pelo título que acompanha a inicial.
O feito teve tramitação normal, até que, expedida a precatória (fls. 189/205) e efetuadas a penhora e a avaliação, o exeqüente não tomou as providências que lhe competiam para o prosseguimento do feito, ensejando com isso a intimação, através de seu procurador, para dar prosseguimento ao feito, sob pena de extinção. (fls. 209/211).
Decorrido o prazo sem manifestação do exeqüente, o juiz da causa determinou a intimação pessoal do credor/apelante, que, entretanto, quedou-se inerte (fls. 262/264). Estando os autos paralisados há mais de trinta dias, por falta das providências que lhe incumbiam, foi extinta a ação de execução.
Extrai-se dos autos que foi procedida uma verdadeira via sacra de intimações a autora/recorrente, para que desse prosseguimento ao processo, mas aquela manteve-se inerte, demonstrando o total desinteresse no feito, a saber:
1) à fl. 173, em data de 06 de maio de 2002, constata-se a devolução da Carta Precatória da Comarca de Campo Novo do Parecis - Mato Grosso, com a seguinte manifestação da juíza deprecada:
Em cumprimento ao art. 5º do provimento n. 003/99 – CGC, devolvo a Vossa Excelência os autos de Carta precatória n. 195/2001, extraída dos autos de Ação de Execução n. 1995.4997-0, promovida por Banco do Estado do Paraná S/A contra Indústria de Móveis Tarumã Ltda e Outro, por estar aguardando em cartório há mais de 6O (sessenta) dias, a manifestação da parte interessada quanto a certidão subscrita pela Sra. Avaliadora. (grifei)
2) À fl. 182 dos autos, em data de 6 de maio de 2002, foi intimada a autora apelante para manifestar-se sobre a juntada da Carta Precatória de fls. 173/181, quedando-se inerte, conforme se constata da certidão de fl. 185 da Escrevente Judicial do Cartório da 3ª Vara Cível.
3) Em razão da omissão do autor/recorrente em dar andamento ao feito, na data de 05 de fevereiro de 2003, o juiz da causa determinou que os autos aguardassem em arquivo, até provocação do interessado. (fl. 186)
4) Em 8 de maio de 2003, foram intimadas as partes, para se manifestarem sobre o retorno da Carta precatória de origem de Campo Novo do Parecis-MT (fl. 206), tendo decorrido o prazo sem nenhuma manifestação. (fl. 208)
5) Em 26 de junho de 2003, determinou o juiz singular a intimação do exeqüente/apelante para se manifestar sobre o seu interesse no prosseguimento do feito, no prazo de 10 dias, sob pena de extinção. (fl. 209/211)
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
6) Em 12 de fevereiro de 2004, foi determinada a intimação do exeqüente por
carta, por todo o teor do despacho de fl. 209.
Contrariamente à afirmativa do agravante, a decisão monocrática foi lançada
tendo em vista o posicionamento uniforme desta Egrégia Turma em relação a
matéria discutida nos autos.
É inquestionável que a extinção do feito nestas circunstâncias se impunha, por
não ter o recorrente promovido os atos e diligências que lhe competiam.
Basta observar que, da carta precatória de fl. 194, datada de novembro de
2000 até 15 de junho de 2005 (fl. 214), decorreram 4 anos e três meses, sem que o
autor exeqüente tivesse se manifestado nos autos.
Como bem salientei na decisão, embora não prevista no art. 794 do diploma
processual pátrio, a inércia da parte exeqüente constitui causa extintiva da execução,
por aplicação analógica do art. 267, III, do CPC.
Todavia, por expressa determinação do art. 267, § 1º, a extinção do feito por
desídia do autor depende de sua prévia intimação pessoal: "O juiz ordenará, nos
casos dos n. II e III, o arquivamento dos autos, declarando a extinção do processo, se a
parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em 48 (quarenta e oito) horas. “Foi o
que ocorreu na espécie.” (fls. 18/19)
E mais:
Com relação à irresignação do agravante, em que alega ter havido omissão
desta relatoria na análise da imprescindibilidade do requerimento do réu para
a extinção do processo, tal assunto deveria ter sido alegado em embargos de
declaração. Como não o fez, encontra-se preclusa tal matéria.
A interposição do agravo regimental esgotou para o exeqüente agravante o
direito de impugnar a citada omissão por meio de embargos de declaração, pelo que
não conheço desta alegação.
Por outro lado, verifica-se que a empresa executada Indústria e Comércio de
Móveis Tarumã Ltda., desde que se iniciou o processo de execução em data de 20 de
março de 1995 (há mais de 9 anos e oito meses), em nenhum momento compareceu
aos autos de execução, nem mesmo para oferecer bens a penhora.
Dessa maneira, a postura do agravante ao alegar a indispensabilidade do
requerimento da ré para caracterizar abandono da causa, que comprovadamente
nunca compareceu aos autos, é simplesmente eternizar o processo e, sobretudo,
impedir que a caracterização de sua inércia venha a ocorrer, apesar de o feito já
estar paralisado há mais de quatro anos e três meses.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
Dessa maneira, é incontestável que existe entendimento pacífico neste Tribunal de Justiça sobre a matéria, e que pelos fatos expostos se impõe a manutenção da decisão deste relator que negou seguimento ao recurso de apelação em face da inércia do agravante, que, embora intimado, não atendeu à determinação judicial. (fls. 21)
Nem se diga da falta de intimação pessoal, porque já decidiu esta Corte pela sua prescindibilidade, em homenagem à instrumentalidade das formas:
Processual Civil. Recurso especial. Extinção do processo sem julgamento de mérito. Abandono da causa. Intimação pessoal do autor.
- É imprescindível a intimação pessoal do autor para dar andamento ao feito no prazo de 48 horas, antes de extinguir o processo sem julgamento de mérito, por abandono da causa.
- Supre-se a exigência de intimação pessoal pela intimação realizada por carta registrada, quando resta comprovado que, deste modo, o autor foi devidamente cientificado da necessidade de promover o andamento do processo, em determinado prazo, sob pena de sua extinção.
Recurso Especial conhecido e provido. (REsp n. 205.177-SP, 3ª Turma, Min. Nancy Andrighi, DJ 25.06.2001)
Processual Civil. Intimação por carta postal.
I - A intimação da parte pode ser feita por carta (art. 238), com as mesmas formalidades da citação postal (art. 223, parágrafo único, CPC), mas não por simples publicação na imprensa oficial.
II - O ato de intimatório será valido, quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerara valido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade (art. 244, CPC); ainda que se queira considerar a forma processual adotada como inadequada, tecnicamente.
III - Recurso não conhecido. (REsp n. 896.774-PR, 3ª Turma, Min. Waldemar Zveiter, DJ 16.12.1996)
Nego provimento ao agravo regimental.
RECURSO EM HABEAS CORPUS N. 20.661-RS (2007/0001884-5)
Relator: Ministro Massami UyedaRecorrente: I. R. B.
298
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Advogado: Vinícius Marques BoeiraRecorrido: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
EMENTA
Recurso ordinário. Habeas corpus. Execução de alimentos Inadimplemento das prestações. Pendência de ação revisional. Prisão civil do devedor. Possibilidade. Alegada justificativa pelo não pagamento. Impossibilidade de dilação probatória pela via do presente remédio heróico. Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 06 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro Massami Uyeda, Relator
DJ 26.02.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Massami Uyeda: Cuida-se de recurso ordinário interposto pelo advogado Vinícius Marques Boeira em favor de I R B, contra o v. acórdão de fls. 31/32, da lavra do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que denegou ordem de habeas corpus.
Na espécie, pelo que se depreende das razões de recurso ordinário, restou ajuizada ação de execução de alimentos em face do ora recorrente perante o MM. Juízo da 8ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central da Comarca de Porto Alegre (RS), que, por sua vez, determinou a citação daquele para pagar ou justificar a impossibilidade de fazê-lo. Assim, o recorrente apresentou justificativa para comprovar a impossibilidade do pagamento da pensão alimentícia, que, porém, não foi aceita pelo r. Juízo de primeiro grau, entendendo o Magistrado a quo pela inadmissibilidade de dilação probatória, determinando, por conseqüência, a prisão civil do devedor da pensão. Interpostos sucessivamente os recursos de
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
299
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
agravo de instrumento e agravo interno perante o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o primeiro não foi conhecido, e o último restou denegado, ensejando a interposição de recurso especial perante este egrégio Sodalício. Concomitantemente, o recorrente ajuizou ação de revisão de alimentos, visando comprovar a impossibilidade de arcar com o pagamento da pensão. Ademais, foi impetrada ordem de habeas corpus preventivo, objetivando impedir o recolhimento do recorrente à prisão, que restou denegada, ensejando, por fim, a interposição do presente recurso ordinário.
Busca o recorrente a reforma do r. decisum, sustentando, em síntese, que a decisão que decretou a sua prisão civil pende de julgamento de agravo interno. Aduz, ainda, que apresentou justificativa razoável para o não pagamento dos alimentos nos autos da ação de execução, que, entretanto, não foi aceita, por entender o Magistrado de origem que não cabe dilação probatória no processo de execução. Assevera, outrossim, que não possui condições financeiras suficientes para arcar com o pagamento da pensão alimentícia, requerendo, por fim, a expedição de salvo conduto em seu favor (fls. 38/44).
Anota-se o parecer da ilustre representante do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul às fls. 50/52.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): O recurso não merece provimento.
Com efeito.
Inicialmente, é oportuno deixar assente, na espécie, que a jurisprudência pacífica e atual do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a propositura de ação revisional não obsta a execução de alimentos com base no art. 733 do Código de Processo Civil, admitindo-se a prisão civil do devedor nessa hipótese (ut HC n. 55.606-SP, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 13.11.2006; RHC n. 19.468-RS, Relator Ministro Castro Filho, DJ de 18.09.2006; e RHC n. 17.031-SC, Relator Ministro Jorge Scartezzini, DJ de 03.04.2006).
É de se observar, ainda, que o presente remédio constitucional, conforme orientação consolidada pelas Turmas que compõem a egrégia Segunda Seção desta c. Corte, não constitui a via adequada para o exame aprofundado de provas indispensáveis à aferição da incapacidade financeira do paciente para pagar a verba alimentar no montante fixado judicialmente ou mesmo a necessidade da alimentada, devendo ater-se, indubitavelmente, a legalidade da prisão civil.
300
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nesse sentido, confira-se os seguintes precedentes:
Habeas corpus. Recurso ordinário. Prazo. Prisão civil. Execução. Prestação alimentícia. Prova. Débito pretérito. Súmula n. 309-STJ. Ação revisional. I - Intempestivo é o recurso interposto após o qüinqüídio previsto pelo artigo 30 da Lei n. 8.038/1990. II - Pelo habeas corpus, a apreciação limita-se à legalidade da decretação da prisão, não se mostrando via hábil à análise de questão fática, dependente de dilação probatória, como a verificação quanto à condição financeira do alimentante e à necessidade da alimentanda. III - Comprovado o descumprimento da prestação alimentícia na forma judicialmente estipulada, não constitui constrangimento ilegal a imposição de prisão por débito referente às três parcelas anteriores à propositura da execução e as vencidas no curso do processo. (Súmula n. 309-STJ, atual redação, DJ 05.04.2006). IV - A propositura de ação revisional não impede a prisão civil do devedor de alimentos. Recurso não conhecido. (RHC n. 19.468-RS, Rel. Min. Castro Filho, Terceira Turma, DJ 18.09.2006, p. 307). E ainda: ut RHC n. 14.754-MG, Rel. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, DJ 12.04.2004, p. 210.
Nega-se, pois, provimento ao recurso ordinário.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 218.749-RJ (1999/0051357-6)
Relator: Ministro Massami UyedaRecorrente: Thalmo Xavier Barbosa Filho e outroAdvogado: Dagmar Maria Sant'anna Martins (em causa própria) e outroRecorrido: Carvalho Hosken S/A Engenharia e ConstruçõesAdvogado: Antônio Ricardo Corrêa da Silva e outro(s)
EMENTA
Processual Civil. Recurso especial. Decreto-Lei n. 2.284/1986. Contrato de financiamento imobiliário. Ação de consignação em pagamento. Depósito insuficiente. Correção monetária. Dissídio. Inocorrência.
I – A regra do art. 4º do Decreto n. 92.592/1986 deve ser interpretada em conjunto com o art. 6º do Decreto-Lei n. 2.284/1986, quanto ao tema de conversão de prestações ajustadas em Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN. Precedentes.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
301
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
II – Seria incontornável e inevitável o exame de cláusulas de contrato de financiamento imobiliário celebrado diretamente com a empresa construtora, para se chegar a diferente conclusão daquela alcançada em 2º grau. O colendo Superior Tribunal de Justiça não pode adentrar na análise de contrato e de matéria fático-probatória (Súmulas n. 5 e 7-STJ). Precedentes.
III – Recurso Especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Fernando Gonçalves e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior.
Brasília (DF), 07 de agosto de 2007 (data do julgamento).
Ministro Massami Uyeda, Relator
DJ 27.08.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Massami Uyeda: Thalmo Xavier Barbosa Filho e Dagmar Maria de Sant'anna Martins interpuseram recurso especial (com fundamento na CF/1988, art. 105, inciso III, alíneas a e c, fls. 943/954, vol. 4), contra v. acórdão da colenda 5ª Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ementado nos seguintes termos:
Ação de consignação em pagamento. Os contratos de financiamento
imobiliário, celebrados anteriormente a 28 de fevereiro de 1986, que estavam
vinculados à Unidade Padrão de Capital (UPC), de que trata a Lei n. 4.380, de
21 de agosto de 1964, voltam a ser atualizados pela referida unidade, mantida a
periodicidade prevista no contrato.
Recusa no recebimento, ante a justificada insuficiência dos depósitos.
Improcedência do pedido consignatório, inocorrida a complementação a que se
refere o artigo 899 do Código de Processo Civil.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Provimento da apelação da demandada contra a sentença que julgou procedente
a pretensão formulada na petição inicial. (fls. 910/913; 916/920, vol. 4).
Alegam os ora recorrentes, em síntese, a ocorrência de vulneração aos arts. 82, inciso I, 165, 246, 420, parágrafo único, inciso I, 458, incisos I, II e III, 515, §§ 1º e 2º, e 899 do CPC; 6º e 9º do Decreto-Lei n. 2.284/86; 1º, 2º, 3º e 4º do Decreto n. 92.592/1986; Decreto-Lei n. 2.335/1987; 13, §§ 2º e 3º, do Decreto n. 94.548/1987; e à Lei n. 7.989/1989, além de sustentarem a caracterização de dissídio jurisprudencial, tendo colacionado trechos de julgados desta colenda Corte (fls. 943/954, vol. 4).
O recurso foi contra-arrazoado (fls. 963/967, vol. 4).
A douta Procuradoria de Justiça estadual emitiu parecer no sentido da inadmissão do recurso por quaisquer de seus fundamentos (fls. 969/971, vol. 4).
O Desembargador 3º Vice-Presidente do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro não admitiu o recurso especial (fls. 975/978, vol. 4).
O então Relator, Min. Barros Monteiro, determinou a subida do recurso especial (fl. 984, vol. 4).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): Os recorrentes, em suma, ajuizaram ação de consignação em pagamento, relativa a contrato de financiamento imobiliário celebrado diretamente com a empresa Carvalho Hosken S.A. Engenharia e Construções (ora recorrida), cujas prestações teriam valores vinculados à Unidade Padrão de Capital (UPC), conforme cláusula contratual. Em razão da extinção da UPC e URP, a unidade Obrigação do Tesouro Nacional - OTN foi o substituto introduzido. A empresa recorrida teria interpretado o art. 4º do Decreto n. 92.592/1986 de modo singular, ao aplicar nova correção ao valor das prestações, em desrespeito ao contrato (ut fls. 2/10, vol. 1).
A r. sentença julgou a ação procedente, tendo considerado subsistentes os depósitos realizados (fls. 450/452, vol. 2).
A colenda 5ª Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro deu provimento à apelação da empresa-ré, tendo rejeitado a preliminar de nulidade da sentença e provido o recurso para julgar improcedente o pedido, tendo sido determinado que cada autor pagasse custas e honorários de 10% sobre a respectiva prestação depositada (v.u., ut fls. 595/598, vol. 3).
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Os embargos de declaração foram rejeitados (v.u., ut fls. 618/620, vol. 3).
Em sede de recurso especial (n. 9.572-RJ), em voto da lavra do eminente Rel. Min. Bueno de Souza, a Quarta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, por votação unânime, decidiu que o art. 458, inciso II, do CPC, havia sido contrariado, tendo cassado o acórdão de apelação, tendo sido assim ementado:
Processual Civil. Consignação em pagamento. Acórdão. Falta de enfrentamento
de questões indispensáveis à decisão da causa. Ausência de necessária fundamentação.
Nulidade.
1. A mera encampação de cálculo efetuado pelo contador, sem a necessária
explicitação das razões de convencimento, conspira contra a fundamentação do
julgado.
2. Recurso especial conhecido e provido. (v.u., ut fls. 829/841).
Em novo acórdão, a colenda 5ª Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro deu provimento ao recurso, tendo julgado improcedente o pedido em relação aos autores remanescentes, assim como determinou o pagamento de custas e honorários de 10% sobre a quantia do respectivo depósito até a data da sentença (v.u., fls. 910/913; 916/920, vol. 4).
Foram opostos embargos de declaração por ambas as partes (ut fls. 922/924; 930/931, vol. 4), tendo sido rejeitados (v.u., ut fls. 927/928; 936/938, vol. 4).
Interposto recurso especial (ut fls. 943/954, vol. 4), este não foi admitido pela douta 3ª Vice-Presidência do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (ut fls. 975/978, vol. 4).
In casu, discute-se, fundamentalmente, sobre o critério de correção monetária do saldo do preço de imóvel vendido aos autores Thalmo Xavier Barbosa Filho e Dagmar Maria de Sant'anna Martins, que ingressaram com ação de consignação em pagamento, relativa a contrato de financiamento imobiliário, tendo prevalecido, ao final, decisão favorável à empresa-ré, no sentido da insuficiência dos depósitos realizados, segundo o índice de reajuste utilizado pelos autores.
No tocante à violação dos arts. 82, inciso I, 165, 246, 420, parágrafo único, inciso I, 458, incisos I, II e III, 515, §§ 1º e 2º, e 899 do CPC, 6º e 9º do Decreto-Lei n. 2.284/1986, 1º, 2º, 3º e 4º do Decreto n. 92.592/1986, do Decreto-Lei n. 2.335/1987, 13, §§ 2º e 3º, do Decreto n. 94.548/1987, e da Lei n. 7.989/1989, a alegação improcede, porquanto a matéria foi enfrentada pelo egrégio Tribunal a quo, apenas com conclusão adversa ao interesse dos recorrentes. Não há que se confundir ausência de fundamentação com decisão contrária, e, nesses termos,
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correta a rejeição dos aclaratórios, sem, com isso, atrair a nulidade do v. aresto de 2º grau.
Quanto ao cerne da controvérsia, assim se pronunciou o voto condutor do decisum atacado, de relatoria do eminente Des. Humberto de Mendonça Manes, in verbis:
A Câmara continua, no mérito, a entender que os depósitos efetuados até a
data da prolação da sentença recorrida são insuficientes e que, não se valendo os
autores remanescentes da faculdade que lhes confere o artigo 899 do Código de
Processo Civil, a conclusão só poderá ser uma: a improcedência da pretensão à
consignação, o que enseja o provimento recursal.
Os novos cálculos elaborados pela serventia, tal como o mesmo Contador
os apresentara anteriormente, afiguram-se corretos, e nem agora mereceram
impugnação de qualquer dos litigantes, especialmente dos apelados.
Em seu excelente parecer, já mencionado no relatório, a ilustre Procuradora
de Justiça, doutora Marija Yrneh Rodrigues de Moura, partiu acertadamente da
questão referente à aplicabilidade do Decreto n. 92.592/1986, e sua Tabela II.
Mostrou Sua Excelência ser inaceitável o entendimento dos Apelados quanto à
aplicação do referido Decreto e da pertinente Tabela: teve ele sua vigência limitada
à fase inicial do Plano Cruzado, com a duração de 12 meses. Tal como o corpo do
Decreto, sua Tabela II também não se presta à interpretação de vigência ilimitada:
não estipula essa Tabela fatores genéricos de deflação a perdurarem no tempo, mas a
depreciação diária da OTN, de Cz$ 106,40, a ser usada na conversão das obrigações
em cruzados. Logo, os valores da tabela só poderiam ser utilizados na apuração do
valor das obrigações vencidas durante o período em que a OTN se manteve no valor
acima, ou seja, até fevereiro de 1987.
À mesma conclusão chega-se da leitura do artigo 3º do referido Decreto.
Seguindo esse raciocínio, a eminente Procuradora de Justiça mostrou o acerto
do cálculo do Contador referente ao mês de junho de 1987, ao multiplicar o valor
expresso em UPC nos contratos pelo valor da OTN de abril/1987, primeiro mês do
trimestre.
Também no que concerne às prestações vencidas a partir de julho de 1987
até à data da sentença (março de 1988), da mesma forma, apontou aquela
eminente Procuradora de Justiça a ocorrência de dois fatores que concorrem para a
insuficiência dos depósitos.
O primeiro deles está em que os Apelados não utilizaram, em seus cálculos,
o novo índice editado pelo Decreto n. 94.458, de 02.07.1987, mas sim, a OTN do
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primeiro mês de cada trimestre, cujo valor, a partir do quarto trimestre de 87, era
inferior ao da UPC.
O segundo fator reside em que os Apelados continuaram, também, a aplicar,
em seus cálculos, o valor de conversão da Tabela II do Decreto n. 95.592/1986.
O fato de o Decreto n. 94.458/1987 haver sido editado após o ajuizamento
do feito não muda a situação, porque os demandantes procuraram alforriar-se,
igualmente, das prestações jungidas aos meses vincendos, aos quais, por isso, se
aplicava a nova regra jurídica. (ut fls. 918/919, vol. 4).
Nesses termos, portanto, a obrigação ajustada em ORTN e anterior a 28.02.1986, não resta dúvida que a conversão das prestações deverá obedecer a regra do art. 4º do Decreto n. 92.592/1986 c.c. o art. 6º do Decreto-Lei n. 2.284/1986, que assim, dispõem, respectivamente:
Art. 4º: As obrigações, anteriormente contratadas em ORTN ou em UPC, ou
vinculadas à variação do valor da ORTN ou UPC, passam a ser reajustadas com base
na variação do valor da ORTN na forma disposta pelo artigo 6º do Decreto-Lei n.
2.284, de 10 de março de 1986.
Art. 6º: A Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional – ORTN, de que trata a
Lei n. 4.357, de 16 de julho de 1964, passa a denominar-se obrigação do Tesouro
Nacional – OTN e a emitida a partir de 3 de março de 1986 terá o valor de Cz$
106,40 (cento e seis cruzados e quarenta centavos), inalterado até 1º de março de
1987.
Dessa forma, é injustificada a pretensão dos ora recorrentes, desde quando as prestações relativas a contrato de financiamento imobiliário celebrado diretamente com a empresa foram pagas a menos e, conseqüentemente, o contrato não foi devidamente cumprido.
No mais, seria incontornável e inevitável o exame de cláusulas do referido contrato de financiamento imobiliário, devendo ser destacado que o Superior Tribunal de Justiça não pode adentrar na análise de contrato e de matéria fático-probatória, em face da vedação posta nas Súmulas n. 5 e 7.
Ad argumentandum, não procederia, ademais, eventual assertiva dos recorrentes de que o art. 4º do Decreto n. 92.592/1986 teria “tacitamente” revogado o art. 9º do Decreto-Lei n. 2.284/1986, visto que dadas as múltiplas hipóteses em obrigações e aplicações financeiras então em curso, não elencadas uma a uma, ou mesmo especificadas por categoria na lei, remeteu-se o seu disciplinamento minucioso para o Decreto, e por expressa autorização e previsão do art. 43 do Decreto-Lei n. 2.284/1986.
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Assim já se decidiu:
Civil, Econômico e Processual. Acórdão estadual. Nulidade inexistente. Contrato de promessa de compra e venda de imóvel. Adjudicação compulsória. Reconvenção postulando a rescisão do contrato por inadimplência no pagamento do preço. Plano cruzado. Prestações. Reajuste. Quitação inexistente. Critério. Juros contratuais. Natureza. Matéria de fato e interpretação de cláusula. Reexame. Impossibilidade. Súmulas n. 5 e 7-STJ.
I. Não se configura nulo o acórdão que enfrenta as questões essenciais ao deslinde da controvérsia, apenas com conclusão adversa à pretensão da parte.
II. Estabelecidas as prestações em ORTN, aplicável a atualização, após a conversão, pelo disposto nos arts. 4º do Decreto n. 92.592/1986 c.c. 6º do Decreto-Lei n. 2.284/1986.
III. Pagamento efetuado sem observância das normas atinentes à espécie, obstando o pedido de adjudicação e, por outro lado, dando ensejo à procedência da reconvenção, por inadimplemento contratual.
IV. 'A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial' - Súmula n. 5-STJ.
V. 'A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial' - Súmula n. 7-STJ.
VI. Recurso especial não conhecido.
(STJ, REsp n. 39.119-BA, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, v.u., j. 02.12.2004, DJ 07.03.2005, p. 257); no mesmo sentido: STJ, REsp n. 15.663-RJ, Rel. Min. Cláudio Santos, Terceira Turma, v.u., j. 1º.09.1992, DJ 05.10.1992, p. 17.096; REsp n. 5.582-SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, Terceira Turma, v.u., j. 04.12.1990, DJ 04.02.1991, p. 575; REsp n. 219-SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, v.u., j. 19.06.1990, DJ 06.08.1990, p. 7.330.
Ação de consignação em pagamento. Depósito insuficiente. Questão de fato (Súmula n. 282 e 356-STF). Agravo regimental desprovido.
(STJ, AgRg no Ag n. 166.821-SP, Rel. Min. Nilson Naves, Terceira Turma, v.u., j. 19.03.1998, DJ 10.08.1998, p. 67); no mesmo sentido, mutatis mutandis: STJ, REsp n. 437.652-SC, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, v.u., j. 12.08.2003, DJ 29.09.2003, p. 242.
Na hipótese em tela, é o caso de aplicação do enunciado da Súmula n. 83-STJ.
Nesses termos, não se conhece do presente recurso especial.
É o voto.
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RECURSO ESPECIAL N. 332.944-MG (2001/0086268-7)
Relator: Ministro Aldir Passarinho JuniorRecorrente: Banco Fiat S/AAdvogado: Ivan Mercedo de Andrade Moreira e outrosRecorrido: Aloísio Silveira Moreira Soares e outroAdvogado: Hellen Dalva de Almeida Machado e outros
EMENTA
Civil e Processual. Contrato de repasse de empréstimo externo em moeda estrangeira, com previsão de pagamento em moeda nacional. Validade. Aval e hipoteca. Nota promissória. Execução corretamente dirigida contra os garantes. Súmula n. 27-STJ. Demonstrativo da dívida. Suficiência.
I. Válida a execução que tem como títulos contrato de repasse de empréstimo externo em moeda estrangeira, com previsão de pagamento equivalente em moeda nacional, acompanhado de nota promissória.
II. "Pode a execução fundar-se em mais de um titulo extrajudicial relativos ao mesmo negócio" (Súmula n. 27-STJ).
III. Correta a execução movida contra os garantes, seja em função de aval dado na nota promissória, seja em razão da hipoteca atrelada ao contrato.
IV. Instrução suficiente da execução.
V. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Hélio Quaglia Barbosa e Massami Uyeda. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.
Brasília (DF), 28 de novembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Aldir Passarinho Junior, Relator
DJ 12.02.2007
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Banco Fiat S/A interpõe, pelas letras a e c do art. 105, III, da Constituição Federal, recurso especial contra acórdão do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, assim ementado (fl. 86):
Embargos do Devedor.
Contrato de Repasse de Empréstimo Externo, com preço fixado e indexado em
dólares, para pagamento em real. Nulidade. Decreto-Lei n. 857/1969. É taxativamente
vedada a estipulação, em contratos exeqüíveis no Brasil, de pagamento em moeda
estrangeira, a tanto equivalendo calcular a dívida com indexação ao dólar norte-
americano, e não a índice oficial ou oficioso de correção monetária, lícito segundo
as leis nacionais. Ausência de demonstrativo de débito, em conformidade com o
art. 614, inc. II, do CPC, bem como ausência de liquidez e exigibilidade torna-se a
execução nula (art. 586 do CPC). A execução proposta contra avalista de contrato
é nula.
Recurso provido para reformar a sentença e decretar a extinção do processo de
execução, nos termos do art. 267, IV e VI, do Código de Processo Civil.
Sustenta o recorrente que ajuizou ação de execução contra os recorridos em face de inadimplemento de contrato de repasse de empréstimo externo baseado na Resolução n. 63-Bacen, com aditamento posterior, e nota promissória vinculada ao pacto. Embargada a execução sem êxito em primeiro grau, a sentença sofreu reforma em segunda instância, com a extinção do processo, ao argumento de impossibilidade de contratação em moeda estrangeira, ausência de demonstrativo de débito e inexistência de avalista no pacto celebrado.
Aduz que a decisão violou os arts. 614, II, 585, I, II e III, e 267, IV e VI do CPC, 1.481 do Código Civil anterior, e 30 e 31 da Lei Uniforme de Genebra, além de divergir de outros julgados, que invoca.
Afirma, mais, que o título é hígido, pois facultado aos bancos de investimento e desenvolvimento privados e aos bancos comerciais, pela Resolução n. 63-Bacen e Decreto n. 1.734, operar em câmbio a contratação direta de empréstimos externos destinados a repasse no país; que sendo o capital fruto de empréstimo tomado no exterior para repasse, natural a estipulação deste na correspondente moeda alienígena, preservando as obrigações de cada contratante; que no contrato há previsão de pagamento dos valores em moeda corrente nacional, com correspondência à estrangeira; que a nota promissória é em moeda nacional e está assinada pela devedora principal e avalistas; que a execução deveria ser direcionada, como o foi, contra os recorridos, pois prestadores de garantia
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RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
hipotecária; que bastante a demonstração do débito atualizado para instrução da inicial, dispensada a planilha, pois daquele, mediante simples cálculo matemático, pode-se chegar ao valor executado; que a nota promissória é título autônomo; que o contrato (cláusula 16) estabelece que os recorridos, avalistas da nota promissória, são também fiadores/garantidores do contrato e que o entendimento do aresto nega vigência ao art. 1.481 da lei substantiva civil; que o art. 267, IV e VI, do CPC, se refere ao processo de conhecimento, não ao de execução.
Contra-razões às fls. 127/130, apontando os óbices das Súmulas n. 7 do STJ e 400 do STF.
O recurso especial foi admitido na instância de origem pelo despacho presidencial de fls. 132/133.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): Trata-se de recurso especial, aviado pelas letras a e c do autorizador constitucional, contra acórdão do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais que extinguiu execução de nota promissória e contrato de repasse de empréstimo externo em moeda estrangeira.
É apontada ofensa aos arts. 614, II, 585, I, II e III, e 267, IV e VI do CPC, 1.481 do Código Civil anterior, e 30 e 31 da Lei Uniforme de Genebra, e divergência jurisprudencial.
A primeira questão refere-se à validade do empréstimo em comento.
A controvérsia restou pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que é possível a pactuação do empréstimo em moeda estrangeira, desde que o pagamento seja efetuado em moeda nacional, pela conversão cambial. Nesse sentido:
Agravo no recurso especial. Embargos do devedor. Penhora de parte do bem
de família. Possibilidade. Nulidade do contrato não reconhecida. Contratação em
moeda estrangeira. Pagamento em moeda nacional. Aplicação do CDC. Dissídio não
demonstrado. Multa e juros moratórios. Fundamento inatacado.
- Este Tribunal admite a possibilidade de penhora de parte de bem de família
quando, em razão das peculiaridades da hipótese, não implicar em descaracterização
do imóvel ou prejuízo para a área residencial. Precedentes.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
- O STJ considera viável a contratação em moeda estrangeira, desde que o
pagamento seja realizado em moeda nacional.
- Não se reconhece o dissídio jurisprudencial quando inexiste similitude fática
entre as hipóteses confrontadas.
- Inviável o recurso especial quando subsiste fundamento do acórdão recorrido
que se mostra suficiente para manter as conclusões apresentadas pelo Tribunal de
origem.
Negado provimento ao agravo.
(3ª Turma, AgRg no REsp n. 685.804-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, unânime,
DJU de 06.03.2006, p. 376)
Cédula de crédito industrial. Validade de contrato celebrado em moeda
estrangeira. Pagamento em moeda nacional mediante conversão. Correção
cambial.
- Legítimo é o pacto celebrado em moeda estrangeira, desde que o pagamento
se efetive pela conversão em moeda nacional. Precedentes do STJ.
- Obrigação do devedor de restituir, em moeda nacional, o equivalente em
dólares norte-americanos emprestados. Variação cambial que não constitui, a rigor,
correção monetária, mas a expressão do principal devido.
Recurso especial não conhecido.
(4ª Turma, REsp n. 57.581-SC, Rel Min. Barros Monteiro, unânime, DJU de
18.10.1999, p. 233)
Com efeito, no caso dos autos cuida-se de contrato que é tomado no exterior em dólares americanos, com repasse para o mutuário no Brasil (fl. 42), fato incontroverso, a quebra do parâmetro levará, fatalmente, ao desequilíbrio, se vinculado a padrão diverso. A situação é, pois, diferente daquela em que o mútuo é realizado unicamente com recursos nacionais, fonte e destinação, para cumprimento no país, sem compromissos assumidos pelo banco mutuante no exterior, que, assinale-se, não necessitam ser individualizados previamente em relação a cada tomador ulterior.
Assim, com a devida vênia da Corte estadual, estou em que a divergência, no particular, restou comprovada, sendo hígido o contrato.
II
Quanto ao segundo ponto atacado, também merece prosperar a irresignação.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
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Foram objeto da execução o contrato, o aditivo e a nota promissória (cf. fl. 2 do apenso), de sorte que o aval dado na cártula vinculada ao título é possível e legal, daí o cabimento da cobrança contra os avalistas.
De outro lado, há garantia hipotecária atrelada ao cumprimento do contrato, de modo que seja por uma, seja por outra forma, os co-réus podem ser executados, aliás de conformidade com o espírito da Súmula n. 27 do STJ, que reza:
Pode a execução fundar-se em mais de um título extrajudicial relativos ao
mesmo negócio.
Vale, ainda, trazer à colação julgado desta 4ª Turma, de relatoria do eminente Ministro Fontes de Alencar, verbis:
Devedor solidário. Contrato de financiamento. Avalista.
I - Responde também pelas obrigações decorrentes do contrato de financiamento
quem, além de dar o seu aval ao emitente de título de crédito dele decorrente,
assume a posição de devedor no aludido contrato.
II - Recurso especial atendido. Unânime.
(REsp n. 3.839-MG, unânime, DJU de 05.11.1990, p. 12.432)
III
Finalmente, no que pertine à instrução da execução, desnecessário que sejam apresentadas as parcelas atualizadas, posto que o são mediante simples cálculo matemático. Suficiente, pois, o demonstrativo da dívida original e sua evolução, como bem assinalado na sentença de primeiro grau, verbis (fl. 51):
A planilha demonstrativa do débito e sua evolução encontra-se às fls. 28, e é certo que os valores ali expressos não foram questionados de forma objetiva quanto à eventual irregularidade.
Não fora isso suficiente – e é – de toda sorte teria o Tribunal estadual, então, de oportunizar, previamente, a complementação da instrução ao exeqüente, nos termos do art. 616 do CPC, com o aproveitamento do processo, a saber:
Comercial e Processual Civil. Cédula de crédito industrial. Execução. Título executivo acompanhado de demonstrativo de evolução da dívida. Higidez. Despacho que impede a cobrança além do valor histórico constante da cédula. Descabimento. Decreto-Lei n. 413/1969, arts. 5º e 10. Exegese. CPC, arts. 661 c.c. 614, II.
I. A cobrança de dívida oriunda de cédula de crédito industrial se faz pelo valor originário constante do título, acrescido dos encargos contratuais admitidos em lei, montante esse que se tem como satisfatoriamente comprovado pelo demonstrativo de evolução da dívida.
312
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
II. Destarte, incabível despacho inicial exarado na ação de execução que
determina ao credor a redução da cobrança ao montante inicial da dívida, sem
considerar os acréscimos decorrentes do tempo e do contrato.
III. Direito, inclusive, de ao credor ser oportunizada a complementação da
instrução antes da extinção da execução, ao teor dos arts. 616 c.c. 614, II, do CPC.
Precedentes do STJ.
IV. Eventual excesso na cobrança de parcelas ilídimas deve ser decotado no
curso do processo.
V. Dissídio jurisprudencial insatisfatoriamente apresentado.
VI. Recurso especial conhecido em parte e provido.
(4ª Turma, REsp n. 65.904-MA, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime,
DJU de 05.09.2005, p. 409)
Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou provimento, para restabelecer a r. sentença monocrática.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 334.696-RJ (2001/0097208-5)
Relator: Ministro Aldir Passarinho JuniorRecorrente: Fernando Tristão FernandesAdvogado: Fernando Tristão Fernandes (em causa própria)Recorrido: Edulo Janes SantanaAdvogado: Antônio Walter Galvão e outros
EMENTA
Civil e Processual. Ação indenizatória. Desídia imputada a advogado por seu cliente. Não interposição de recurso ordinário ao TRT. Condenação em danos materiais e morais pela Justiça Estadual. Verba trabalhista tida como indevida pela jurisprudência uniformizada do c. TST. Embargos declaratórios que não enfrentaram o tema, influente na defesa do advogado. Omissão caracterizada. CPC, art. 535, II.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
313
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
I. Se a condenação do advogado por danos materiais e morais a seu cliente traz como um dos fundamentos principais a desídia pela não-interposição de recurso ordinário contra a sentença desfavorável na reclamatória trabalhista, imprescindível, então, a apreciação do argumento da defesa no sentido de que, àquela época, o c. Tribunal Superior do Trabalho já consolidara orientação jurisprudencial (OJ n. 21) contrária à tese do reclamante, a justificar o procedimento de seu causídico, de não recorrer desnecessariamente às instâncias superiores, ainda em face da vedação contida na Súmula n. 333 do mesmo TST.
II. Destarte, se o Tribunal de Justiça, embora provocado por dois embargos declaratórios, deixa de enfrentar o tema, incorre em omissão, pelo que se há de anular as decisões, determinando-se a apreciação dos aclaratórios, em toda a sua extensão.
III. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Hélio Quaglia Barbosa, Massami Uyeda. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.
Brasília (DF), 14 de novembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Aldir Passarinho Junior, Relator
DJ 05.02.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Fernando Tristão Fernandes interpõe, pela letra a do art. 105, III, da Constituição Federal, recurso especial contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado (fl. 453):
Responsabilidade civil. Mandatário que causa prejuízo ao mandante por não
praticar os atos de seu ofício e não comunicar o ocorrido. Danos moral e material
caracterizados. Correção do julgado. Desprovimento dos recursos.
314
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sustenta o recorrente que é especialista em ações que vindicam direitos devidos pelo Banco do Brasil a seus empregados; que nesse mister patrocina quase quatro mil processos; que não negligenciou no patrocínio da causa, e nem tem o dever de recorrer de todas as decisões quando, em certos casos, a questão já está decidida desfavoravelmente pelos tribunais.
Aduz que, no caso, o autor é aposentado do Banco do Brasil e buscava que as verbas denominadas AP e ADI integrassem o cálculo da complementação da aposentadoria, tendo sido avisado pelo causídico que a jurisprudência já vinha se posicionando contrariamente majoritariamente; que houve o ingresso da ação, mas antes do seu julgamento o TST, por seu órgão máximo de dissídios individuais, baixou a Orientação Jurisprudencial de n. 21, em 13.02.1995, no sentido da não-integração das ditas parcelas, com caráter praticamente vinculante, ante o Enunciado n. 333 da mesma Corte Superior; que, assim, ao não recorrer, evitou desnecessária procrastinação, inclusive punível nos termos dos arts. 14, 17, V, VI e VII, do CPC, que restaram violados.
Lembra o sentido do art. 34, VI, da Lei n. 8.906/1994 e salienta, mais, que não é verdade que a OJ 21 veio apenas muito tempo após a publicação da sentença singular que desfavoreceu o empregado, ora autor. Fala da ofensa ao art. 333 do CPC, sobre estar provada no processo a inexistência de negligência e desídia, e que o aresto objurgado restou omisso quanto à questão da OJ, também infringindo o art. 535 do CPC.
Diz, mais, que foram feridos os arts. 300 e 302, e o 515, não apenas em face da omissão, mas por não haver valorado as provas, reclamando da fixação do dano moral, que está inclusive ultrapassando o próprio dano material.
Contra-razões às fls. 519/520, apontando o óbice da Súmula n. 7 do STJ.
O recurso especial não foi admitido na instância de origem (fls. 525/528), subindo ao STJ por força de provimento dado ao AG n. 355.871-RJ.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais promovida por ex-cliente contra seu antigo advogado, sob alegação de negligência e desídia no patrocínio de seus interesses em ação trabalhista ajuizada em desfavor do Banco do Brasil S.A.
A ação foi julgada parcialmente procedente em primeiro e segundo graus, achando-se assim fundamentado o acórdão a quo, de relatoria do eminente Desembargador Adriano Celso Guimarães (fls. 455/456):
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
315
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
De fato, pelo documento de fls. 165, verifica-se que o Réu foi contratado pelo
Autor para promover ação contra o Banco do Brasil, na esfera trabalhista, prevendo-
se, inclusive, a hipótese do processo subir a qualquer Tribunal em Brasília, quando
os honorários devidos sofreriam um acréscimo.
O Réu, contudo, após o resultado de improcedência na Junta de Conciliação
e Julgamento e após ter interposto embargos de declaração, não ofertou o recurso
ordinário cabível, abandonando a causa, sem do fato dar conhecimento a seu
cliente, que do mesmo soube um ano após.
É certo que não se pode obrigar o profissional a interpor um recurso em cujo
sucesso não acredita mas é certo, também, que não sendo seu o direito, deveria
comunicar tal intento, com antecedência, ao cliente, no sentido de que, se assim
desejasse, constituísse outro patrono para a defesa de seus interesses, mormente
porque cumprida, pelo mandante, as obrigações contratadas.
Desta forma, não tendo o Réu ofertado o recurso cabível e nem informado ao
Autor sua intenção, causou-lhe evidente prejuízo, merecedor da reparação cabível.
E neste ponto, de igual forma, encontra-se correta a r. sentença proferida.
O dano moral, caracterizado pela enorme frustação de não ter sua postulação
examinada pelas instâncias superiores, vedado, por obra do Réu, o pleno acesso ao
Judiciário, foi adequada e moderadamente fixado em duzentos salários mínimos. Do
mesmo modo, a devolução ao Autor de tudo o que gastou com a propositura da ação
(custas, emolumentos, taxas e honorários) atende à necessidade de se quantificar,
objetivamente, o dano material, não se podendo obrigar o Réu a pagar ao Autor
o que obteria acaso fosse bem sucedido na ação proposta, já que a obrigação do
profissional é a de emprestar o seu conhecimento em prol dos interesses do seu
cliente, empregando a diligência necessária para tanto, mas não o de garantir o
resultado almejado.
Saliente-se, afinal, que a oposição do Réu aos pedidos formulados não
caracteriza a litigância de má-fé, pretensão que merece ser afastada.
No que se refere à reconvenção, improsperável a pretensão do Réu, já que o
exercício do direito de postular em Juízo não enseja dano moral.
Pelo exposto, é de se negar provimento a ambos os recursos.
É apontada ofensa aos arts. 300, 302, 14, 17, V, VI e VII, 535 e 515, do CPC, e 34, VI, da Lei n. 8.906/1994.
A condenação foi de ressarcimento das importâncias pagas a título de dano material, e 200 (duzentos) salários mínimos, pelos danos morais, com aplicação do art. 159 do Código Civil anterior.
316
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Tenho, no entanto, com a máxima vênia, que há omissão a ser reparada pela Corte estadual.
De efeito, o questionamento acerca da existência de Orientação Jurisprudencial do colendo TST, de n. 21, publicada alegadamente antes de proferida a sentença que julgou improcedente a reclamação trabalhista é consistente, merece ao menos ser concretamente enfrentada pelo Tribunal de Justiça, porque relevante o argumento sobre a pacificação de entendimento contrariamente à tese do empregado, a, eventualmente, não ensejar recurso desnecessário às instâncias superiores, em conjugação, inclusive, com a Súmula n. 333 do mesmo TST, sabendo-se que a condução jurídica da lide pertence ao advogado. É certo que o aresto a quo também consignou a falta de comunicação à parte sobre a decisão de não recorrer, porém inegável que um dos fundamentos, senão o principal, foi não ter "o Réu ofertado o recurso cabível" (fl. 455), pelo que, volto a frisar, importante o argumento de defesa apresentado pelo causídico.
Ocorre que, provocado o tema em dois embargos de declaração, não foi ele apreciado, contrariando o art. 535, II, do CPC.
Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou provimento, para anular os acórdãos de fls. 468/469 e 482/483 (primeiro e segundo embargos, respectivamente), inclusive, por conseqüência, a multa aplicada no último, para que as questões suscitadas sejam enfrentadas pelo Tribunal de Justiça.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 334.705-MG (2001/0097414-5)
Relator: Ministro Aldir Passarinho JuniorRecorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogado: Wanja Meyre Soares de Carvalho e outrosRecorrido: José Carlos de AndradeAdvogado: Haroldo da Costa Andrade e outros
EMENTA
Trabalhista. Procurador autárquico celetista. INSS. Pedidos alternativos de equiparação salarial ou revisão/correção de enquadramento funcional. Prescrição do fundo do direito (segundo
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
317
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
pedido). Quadro de pessoal organizado em carreira. CLT, art. 461, § 2º. Equiparação. Impossibilidade.
I. Prescreve em cinco anos, atingindo o próprio fundo do direito, do qual não se originam quaisquer parcelas subseqüentes, a ação que objetiva a revisão/correção de enquadramento funcional inicial decorrente de admissão em concurso público.
II. Existindo na autarquia reclamada quadro de pessoal organizado em carreira, disciplinado em legislação especial, inviável a pretensão à equiparação funcional, ante o óbice expresso previsto no art. 461, § 2º, da CLT. Precedentes do STJ.
III. Recurso especial conhecido e provido. Reclamatória improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Hélio Quaglia Barbosa, Massami Uyeda e Cesar Asfor Rocha.
Brasília (DF), 28 de novembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Aldir Passarinho Junior, Relator
DJ 12.03.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) interpõe, pela letra a do art. 105, III, da Constituição, recurso especial contra acórdão do egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado (fl. 242):
Trabalhista. Procurador autárquico. Regime CLT. INPS. INSS. Equiparação
salarial. Paradigma. Correção monetária.
1. É devida equiparação salarial a procurador autárquico se o paradigma,
apesar de exercer mesma função, na mesma localidade, ter sido admitido pelo
mesmo concurso, conta com menor tempo de serviço e foi posicionado em referência
mais elevada.
318
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. Súmula n. 202-STF, quanto ao tempo, e Enunciado n. 6-TST, quanto à
alegação de quadro de carreira.
3. Caso em que se dá predominância das regras da CLT, sobre as do Decreto-
Lei n. 1.445/1976, e sua regulamentação.
4. Na Reclamação Trabalhista prevaleceu, para fins de Correção Monetária dos
débitos trabalhistas, as regras do Decreto-Lei n. 75/1966, mesmo que ajuizada após
vigência da Lei n. 6.899/1981.
Alega o INSS que a pretensão do reclamante está prescrita, eis que ajuizou a reclamatória mais de seis anos após a sua admissão, ocorrida em 22.03.1976, quando firmou contrato com salário mensal correspondente à referência 37, da classe A, nos termos das disposições do Decreto-Lei n. 1.445/1976, não se tratando de mera prescrição das parcelas, mas do fundo do direito, nos termos do art. 11 da CLT.
Aduz que se cuida de reclamatória trabalhista objetivando a equiparação salarial do reclamante aos Procuradores Autárquicos do INPS, com base nos arts. 5º e 461, §§ 1º e 2º, da CLT, ao argumento de que outros, do mesmo certame, foram admitidos com vencimento superior.
Afirma que está provado nos autos que existe Quadro de Carreira e que a paradigma, Roselhes Reston, tem situação muito diversa, pois ela já era funcionária há muitos anos do INSS e foi incluída na categoria Procurador Autárquico por força de "Transformação", mediante opção manifestada quando da implantação de Plano de Classificação de Cargos pela Lei n. 5.645/1970, Decreto n. 1.341/1974 e legislação complementar. Assim, diz, imprestável a situação do paradigma.
Salienta, mais, que o art. 461 da CLT é inaplicável quando o empregador tenha quadro de carreira organizado, caso da situação do INSS, não se podendo sobrepujar a Consolidação ao Decreto-Lei n. 1.445/1976, eis que o próprio dispositivo da equiparação traça essa ressalva.
Acrescenta que o ingresso do recorrido se fez rigorosamente de acordo com as normas legais atinentes à classe inicial da carreira, portanto de conformidade com os Anexos III e IV e art. 9º do Decreto-Lei n. 1.445/1976, admitido que foi em 22.03.1976.
Acentua que os demais Procuradores incluídos no item três possuíam situação distinta, consoante "Transformação" e "Opção", e, além disso, foram admitidos para outra localidade, o que inviabiliza a equiparação pretendida.
Sem contra-razões (fl. 253).
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
O recurso especial não foi admitido na instância de origem pelo despacho presidencial de fls. 254/255, subindo ao STJ por força de provimento dado ao Ag n. 151.317-MG, pelo relator originário, Min. Edson Vidigal, da 3ª Seção.
Parecer da douta Subprocuradoria-Geral da República, pelo Dr. Francisco Adalberto Nóbrega, no sentido do desprovimento do recurso (fls. 263/268).
O processo foi redistribuído à 2ª Seção/4ª Turma, por força de decisão declinatória de competência da Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (fls. 271/272).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): Trata-se de recurso especial, aviado pela letra a do autorizador constitucional, contra acórdão do Colendo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que julgou procedente ação de equiparação salarial ou correção de enquadramento na referência 43 da Carreira de Procurador Autárquico, com os consectários da espécie, desde a sua admissão, em 22.03.1976.
Tenho que assiste razão ao INSS, ora recorrente.
A pretensão do reclamante é a de ingressar no cargo já em classe mais avançada que a inicial, portanto como se fosse antigo na carreira, o que não é, pois recém-admitido.
No caso dos autos, o reclamante, servidor celetista, foi admitido em 22.03.1976, na classe inicial da carreira de Procurador, de conformidade com o art. 9º e Anexos do Decreto-Lei n. 1.445, de 13.02.1976.
O pedido de correção de enquadramento se acha irremediavelmente prescrito, porquanto a prescrição, na espécie, não atinge apenas as parcelas, mais, inequivocamente, o próprio fundo do direito, eis que a remuneração deriva diretamente do enquadramento na carreira, e este, passado o lapso prescricional qüinqüenal, é imutável.
Se o enquadramento inicial, por força da prescrição, não pode mais ser alterado, ele não gera direito subseqüente dele derivado, portanto não há falar-se em prescrição apenas das parcelas.
Nesse sentido:
Trabalhista e Processual Civil. CEF. Auxiliares de escritório. Enquadramento
como escriturário intermediário A. Prescrição do fundo do direito. Desvio de função
reconhecido no Tribunal a quo. Prova. Reexame. Impossibilidade. Súmula n. 7-STJ.
320
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. Se os reclamantes alegam que a sua admissão na reclamada se deu em cargo
distinto daquele a que faziam jus, o lapso prescricional é computado a partir de
então, e não do posterior enquadramento como Escriturário Básico, que se limitou a
alterar a denominação do cargo antigo, sem alterar o contrato supostamente viciado
desde a origem. Incidência da Súmula n. 198 do TST.
II. Caracterizado o desvio de função segundo a prova dos autos, que não
tem como ser revista em sede especial, ante o óbice da Súmula n. 7 do STJ, é de
se aplicar a orientação firmada na Súmula n. 223 do saudoso TFR, que reza: 'O
empregado, durante o desvio funcional, tem direito a diferença salarial, ainda que o
empregador possua quadro de pessoal organizado em carreira'.
III. Recurso especial não conhecido.
(4ª Turma, REsp n. 62.646-SC, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime,
DJU de 24.03.2003)
Destarte, a pretensão inicial alternativa de "correção de enquadramento funcional" (fl. 7), se encontra prescrita.
Não fora isso, correto o enquadramento, que se faz no nível pertinente à admissão inicial e ingresso na carreira pública específica.
No tocante ao pedido de equiparação, melhor sorte não assiste ao reclamante-recorrido.
Reza o art. 461 da CLT, que:
Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado
ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem
distinção de sexo, nacionalidade ou idade.
(...)
§ 2º Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver
pessoal organizado em quadro de carreira, hipótese em que as promoções deverão
obedecer aos critérios de antiguidade e merecimento.
O INSS, autarquia federal, tem Quadro de Pessoal organizado em carreira legal, nos termos da Lei n. 5.645/1979, Decreto-Lei n. 1.341/1974 e Decreto-Lei n. 1.348/1974, de modo que a situação do reclamado é aquela prevista na exceção do § 2º, acima reproduzido.
Em tais circunstâncias, impossível a equiparação, consoante a reiterada orientação jurisprudencial do STJ, ressaltando-se aresto desta Turma, que apreciou caso em que também o mesmo INSS era o empregador:
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
321
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
Reclamação trabalhista. Reclamante contratada por autarquia federal sob a
égide da CLT. Equiparação salarial. Quadro de carreira organizado. Excludente do
art. 461, § 2º, da CLT.
A equiparação salarial, postulada com amparo no art. 461 da CLT, não
prevalece na hipótese, por possuir a empregadora, autarquia federal, quadro de
carreira organizado, incidindo, assim, a excludente do § 2º do referido dispositivo
legal. Recurso não conhecido.
(4ª Turma, REsp n. 150.500-SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, unânime, DJU
de 1º.02.1999)
Citem-se, ainda, os seguintes precedentes:
Recurso especial. Processual Civil e Trabalhista. Vícios do artigo 535 do
Código de Processo Civil. Inexistência. Julgamento extra petita. Inocorrência.
Violação à lei. Alegação genérica. Súmula n. 284-STF. Preparo recursal. Guia
imprópria. Deserção. Afastamento. Equiparação salarial. Existência de quadro de
carreira. Impossibilidade. Divergência jurisprudencial. Cotejo analítico dos julgados.
Indispensabilidade.
I - Inexistentes omissões, obscuridades ou contradições no acórdão embargado,
inocorre infringência ao artigo 535 do Código de Processo Civil.
II - Se o tribunal de origem, ao julgar o recurso ordinário, limitou-se a confirmar
a sentença de primeiro grau, que julgara parcialmente procedente a reclamatória,
assegurando aos empregados o direito a diferenças salariais, não houve julgamento
extra petita, nem ofensa aos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil, ao menos
ao ensejo da apreciação do recurso ordinário.
III - A alegação genérica de violação à lei, sem indicação precisa das normas
legais violadas, impede o conhecimento do recurso, à luz da Súmula n. 284 do
Supremo Tribunal Federal.
IV - O fato de ter sido o preparo recolhido por meio de guia imprópria não
implica deserção recursal.
V - A equiparação salarial, postulada com amparo no artigo 461 da CLT, não
prevalece na hipótese de possuir a empregadora quadro de carreira organizado,
incidindo, assim, a excludente do § 2º do referido dispositivo legal.
VI - O conhecimento do recurso especial com fundamento na alínea c do
permissivo constitucional requer a demonstração analítica da divergência, nos
moldes do que exigem o parágrafo único do artigo 541 do Código de Processo Civil
e o § 2º do artigo 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, com a
descrição da similitude fática e divergência de decisões.
322
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recurso não conhecido.
(3ª Turma, REsp n. 205.561-SP, Rel. Min. Castro Filho, unânime, DJU de
23.06.2003)
Reclamação trabalhista. Princípio da isonomia salarial. Art. 461, da CLT.
I- É assente na jurisprudência do STJ o entendimento no sentido de que, o
princípio da isonomia salarial, inserto no art. 461, da CLT, não se aplica nos casos
em que há quadro de carreira organizado (par-2.).
II- A equiparação salarial só será admitida quando a função exercida entre
o reclamado e o seu paradigma seja de igual valor, tanto qualitativa quanto
quantitativamente.
III- Recurso conhecido e provido.
(3ª Turma, REsp n. 29.933-SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, unânime, DJU de
18.10.1993)
Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou provimento, para julgar improcedente a reclamatória.
Custas pelo reclamante.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 668.682-MG (2004/0073296-9)
Relator: Ministro Hélio Quaglia BarbosaRecorrente: Macro Consultoria e Participações LtdaAdvogado: Eduardo Andrade Ribeiro de Oliveira e outrosRecorrido: Sendas S/AAdvogado: Fernando César Ramos Ferreira e outro
EMENTA
Recurso especial. Comercial. Títulos de crédito. Duplicata. Aceite. Teoria da aparência. Ausência de entrega das mercadorias. Exceção oposta a terceiros. Princípio da autonomia das cambiais. Impossibilidade.
1. Ainda que a duplicata mercantil tenha por característica o vínculo à compra e venda mercantil ou prestação de serviços
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
323
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
realizada, ocorrendo o aceite - como verificado nos autos -, desaparece a causalidade, passando o título a ostentar autonomia bastante para obrigar a recorrida ao pagamento da quantia devida, independentemente do negócio jurídico que lhe tenha dado causa;
2. Em nenhum momento restou comprovado qualquer comportamento inadequado da recorrente, indicador de seu conhecimento quanto ao descumprimento do acordo realizado entre as partes originárias;
3. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, em dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Cesar Asfor Rocha, Aldir Passarinho Junior e Jorge Scartezzini votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Jorge Scartezzini.
Brasília (DF), 13 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Relator
DJ 19.03.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa: Cuida-se de recurso especial interposto por Macro Consultoria e Participações Ltda, fundando nas alíneas a e c do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, contra acórdão proferido pela Segunda Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, que, negando provimento ao apelo manejado pela ora Recorrente, manteve a sentença primeva que julgou procedentes os embargos à execução opostos pelos ora Recorridos, em que se admitiu a oposição, em desfavor da empresa de factoring, das exceções pessoais derivadas do negócio subjacente.
Restou o decisum assim ementado:
Execução. Duplicatas de venda mercantil. Comprovação da inexistência de
causa debendi. Embargos. Procedência.
324
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
- '... a acepção purista de que o título de crédito é autônomo, literal, cartular,
abstrato e independente colide com a vivência e encontra freios no processo civil,
quando e onde se tem de exercitar estas características firmadas no direito substantivo.
Assim, de um lado, para alcançar seu objetivo maior de possibilitar a livre circulação
de créditos, deve o título oferecer segurança e, portanto, abstratividade. Mas, de
outro, não é possível desvincular faticamente o título de sua causa, de sua origem,
de sua criação. Por essa razão, Tullio Ascarelli (Teoria Geral dos Títulos de Crédito,
Ed. Red. Livros, 1999, p. 90) cuida de advertir que o assumir da obrigação cambiária
pressupõe entre as partes uma relação fundamental anterior, cujo objeto não é
constituído pelo próprio título de crédito' (Izner Hanna Garcia, Títulos de Crédito e
Processo de Execução, Ed. Aide, Rio de Janeiro, 1ª edição, 2000, p. 94/95).
- Recurso não provido.
Embargos de declaração opostos e, ao final, rejeitados.
Sustenta a recorrente, a par da divergência jurisprudencial, preliminarmente, negativa de vigência aos artigos 128, 459, 460 e 535, todos do Código de Processo Civil. Aponta, outrossim, infração aos artigos 17 e 28 do Decreto n. 57.663/1966 c.c. artigo 25 da Lei n. 5.474/1968 e artigo 43 do Decreto n. 2.044/2008.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa (Relator): 1. Quanto às alegadas violações aos artigos do Código de Processo Civil, nenhuma irregularidade há.
Insiste a recorrente em tese que não se sustenta após uma breve análise dos autos.
Consta dos embargos à execução (fls. 2/12), pedido sucessivo de procedência da ação, por força da "ausência de título executivo (art. 583 do CPC), uma vez que, inexistindo protesto das duplicatas e prova da efetiva entrega e recebimento da mercadoria, não cabe o processo de execução".
Nesse sentido, argumentou-se no corpo da inicial dos referidos embargos, que "a jurisprudência é tranqüila em afirmar que o sacado tem, contra o endossatário, ou contra o portador das duplicatas, em virtude do contrato celebrado com o emitente, o direito de opor as mesmas defesas que tem contra o emitente, não escapando o endossatário, ou o portador, da investigação da causa que gerou a emissão do título, nem às exceções oponíveis ao emitente". E conclui, mais adiante: "assim, cabível em relação ao endossatário, ou ao portador, as mesmas defesas e discussões oponíveis ao emitente da duplicata".
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
325
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
Assim, porque evidente a pretensão de ver reconhecida a possibilidade de oposição das exceções pessoais ao atual portador dos títulos, não se há falar em violação aos artigos anteriormente mencionados.
2. No mais, contudo, melhor sorte assiste à insurgência.
3. Debate-se, in casu, a possibilidade de oposição à recorrente, empresa de factoring e atual portadora dos títulos (dezenove duplicatas aceitas por funcionário da empresa recorrida), da inexistência de lastro negocial entre os contratantes originários, como restou comprovado nas instâncias ordinárias.
A doutrina possui consolidado entendimento sobre o tema.
Observe-se, por exemplo, a lição de Luiz Emygdio F. da Rosa Jr:
(...)
A duplicata é titulo causal e,assim, o aceito é obrigatório, no sentido de
que o sacado só pode recusá-lo por qualquer das razões previstas em lei. O aceito
corresponde a uma declaração cambiária sucessiva e não necessária, e pode ser
expresso, presumido ou por comunicação. Ocorre o aceite expresso ou ordinário
quando o sacado apõe a sua assinatura na duplicata, reconhecendo a sua exatidão,
tornando líquida a obrigação dela constante e obrigando-se como devedor direto e
principal, podendo o título ser cobrado judicialmente mediante execução com base
em título extrajudicial, independente de protesto (LD, art. 15, I). Assim, aceitando a
duplicata, o sacado não mais poderá discutir a causa debendi porque o título liberta-se
de sua causa originária em razão de ter reconhecido a sua exatidão e ter assumido a
obrigação de pagá-lo no vencimento, tornando líquida a obrigação cambiária, ainda
mais porque o sacado poderia ter recusado o aceite no prazo do art. 7º e pelas razões
do art. 8º, e não o fez (in Títulos de Crédito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.
690, grifos nossos).
Assim, também, os comercialistas Amador Paes de Almeida e Fran Martins:
Título eminentemente causal, tem seu alicerce no contrato de compra e venda
mercantil ou na prestação de serviços. Sem estes, como adverte Carlos Fulgêncio
da Cunha Peixoto, é inexistente. Conquanto mantenha traços comuns com a letra
de câmbio, desta distingue-se por ter a sua origem necessariamente presa a um
contrato mercantil - disso decorrendo sua natureza causal. Daí só admitir, com
relação ao sacador, as exceções que se fundam na devolução da mercadoria, vícios,
diferenças de preços etc., exceções, entretanto, jamais argüíveis contra terceiros.
Todavia, de causal torna-se abstrato por força do aceite, desvinculando-se do negócio
subjacente sobretudo quanto se estabelece circulação por meio do endosso.
326
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Não sem razão lembra Roberto Barcellos de Magalhães que, 'com o ato do aceite e
devolução, imprime-se-lhe o caráter de liquidez e certeza cambiárias, insuscetível de ser
revogado ou restringido quanto aos seus efeitos pelo devedor comprador, nem atacado
com fundamento em falta de causa, posto que já reconhecida esta em virtude daquele
mesmo ato'.
Contudo, têm admitido os tribunais a discussão da causa debendi entre as
figuras intervenientes principais, ou seja, comprador e vendedor, fato esse, aliás,
plenamente aceito por Pontes de Miranda: 'Apenas entre os figurantes imediatos,
isto é, entre os que estiverem em contato, no negócio jurídico subjacente, é possível
trazerem-se esse e a sua causa, ou só a sua causa, à discussão. O título não deixou de
ser abstrato. O processo é que permite exceções de natureza pessoal ou causal, como
algo que emerge durante o processo ou durante o exercício da pretensão'.
A nosso ver, entretanto, redundando do aceite presunção favorável à existência
de causa, só excessivo liberalismo admitirá discussão da causa debendi, sobretudo por
se tratar de duplicata aceita, que é a que nos referimos, ponto de vista, aliás, de que
não discrepa Luiz de Freitas Lima, que afirma textualmente: 'Creio não ser mais viável
discussão sobre a causa debendi, pois os arts. 7º e 8º da Lei n. 5.474, de 1968, dão
ensejo à recusa justificada do aceite. Com efeito, desde que haja aceitação da duplicata,
esta se torna abstrata, não mais se admitindo oposição ao seu pagamento (Amador
Paes de Almeida in Teoria e Prática dos Títulos de Crédito. 25ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 186/187, grifos nossos);
(...)
Como no contrato de compra e venda o comprador assume a obrigação de
pagar (Código Comercial, art. 191; Código Civil, art. 1.122), sendo a duplicata
extraída em face da fatura que é o documento comprobatório da venda, a assinatura
no título [aceite] se torna obrigatória por parte do comprador para que, na época
do vencimento, possa o vendedor exigir o pagamento. Adquire, assim, importância
de destaque a declaração contida na duplicata e exigida como requisito essencial
do título pelo número VIII do § 1º do art. 2º. A duplicata, título causal, pois nascido
sempre de uma compra e venda a prazo, com a assinatura do comprador desprende-se
da causa que lhe deu origem já que o comprador não apenas reconheceu a exatidão
da mesma como a obrigação de pagá-la na época do vencimento. A obrigação torna-se
desse modo líquida, o que dá maior segurança de recebimento não apenas ao sacador-
vendedor como a qualquer outra pessoa a quem o título seja transferido (Fran Martins
in Títulos de Crédito. Vol. II. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 165, grifos
nossos).
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
327
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
4. As instâncias ordinárias, todavia, divergindo das lições acima reproduzidas, adotaram posicionamento diverso, que seria "fruto da evolução doutrinária e jurisprudencial a respeito".
Assim, o Tribunal mineiro, arrimado na trajetória comercial da empresa emitente dos títulos, manteve a sentença que julgara procedente os embargos opostos.
Destaco, do decisum, o seguinte excerto:
E sobre a alegada boa-fé da embargada, empresa de factoring, sem sombra
de dúvida com amplo cabedal de conhecimento a respeito das operações inerentes
às suas atividades, também merece registro a constatação do perito do Juízo,
demonstrando a pouca, para não dizer nenhuma credibilidade na praça da Capital,
da emitente dos títulos em comento, Luvicky Indústria e Comércio Ltda.
Assim, e opondo-se à argumentação da apelante, de que a investigação da
causa debendi da cambial pode se dar 'apenas entre os figurantes imediatos' (fls.
528) e que a duplicata, nos termos da Lei n. 5.474/1968, com o aceite, perante
terceiros de boa-fé, se separa da compra e venda, tornando-se abstrata, e que a
remessa e assinatura da duplicata supõe o recebimento da mercadoria (Lei n.
5.474/1968, art. 8º), tem-se que se tratava de títulos sem lastro, 'frios', emitidos por
pessoa jurídica com manifesta má-reputação na praça.
Observe-se que o acórdão vem arrimado na "manifesta má-reputação na praça" da empresa emitente dos títulos de crédito, a partir de onde se inferiu eventual má-fé da empresa ora recorrente, quando da aquisição das duplicatas, consubstanciando, pois, causa suficiente para decretação da nulidade dos títulos.
5. Doutra parte, nesta Corte Superior, quando do julgamento, por maioria, do REsp n. 612.423-DF, 3ª Turma (DJ de 26.06.2006), já destacava a em. Relatora, Min. Nancy Andrighi, as principais características do contrato de factoring.
In ipsis verbis:
O contrato de factoring não se resume à mera cessão de títulos de crédito por
endosso, mediante o pagamento de valor previamente acordado pelas partes. Esse
é apenas um aspecto dessa figura contratual, que é muito mais rica e complexa. O
art. 15, inc. III, da Lei n. 9.249/1995 define factoring como a 'prestação cumulativa
e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito,
seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos
creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços'.
328
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ou seja, pela definição legal, vê-se que a atividade de factoring compõe um
leque de serviços interligados. Segundo Luiz Lemos Leite, 'factoring é uma atividade
complexa, cujo fundamento é a prestação de serviços, ampla e abrangente, que
pressupõe sólidos conhecimentos de mercado, de gerência financeira, de matemática
e de estratégia empresarial, para exercer suas funções de parceiro dos clientes' ('O
contrato de factoring', in Revista Forense, 253/458-9, apud Arnaldo Rizzardo,
Factoring, 3ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004, p. 160.
Disso decorre que é fundamental para a caracterização do contrato de factoring,
um envolvimento entre a faturizadora e a faturizada bem mais profundo que a
mera transferência de títulos. Há também a prestação de serviços de consultoria
tendentes a, em última análise, otimizar a administração e o gerenciamento da
carteira de clientes e dos créditos da sociedade faturizada.
E, em consonância com o entendimento adotado pela Corte estadual, concluiu mais adiante:
Ora, sendo assim, não é razoável cogitar o completo desconhecimento, pela
faturizadora, da situação de inadimplemento da sociedade faturizada. Não seria de forma alguma infundado exigir que o faturizador, pela própria natureza dos serviços que deve prestar, perquira sobre a situação jurídica dos créditos que estão à base dos títulos que adquire por endosso. Por um lado, tal providência iria ao encontro da obrigação do faturizador de orientar seu cliente para a manutenção de uma gerência financeira eficaz; por outro lado, reduziria os riscos a que estaria exposta a sociedade faturizadora, na medida em que impediria que ela adquirisse créditos evidentemente inexistentes, como é a hipótese dos autos.
(...)
Disso tudo decorre que a indagação sobre a origem do crédito adquirido no âmbito de um contrato de faturização, longe de ser algo inusitado, faz parte da natureza do contrato de factoring. A inexistência, portanto, do crédito representado pelo cheque endossado à faturizadora também poderá ser oponível a ela, conforme
inclusive, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
Comercial e Processual Civil. Cheque. Investigação da causa debendi. Circunstâncias especiais, que o permitem. Lei n. 7.357/1985. Exegese.
Honorários. Fixação eqüitativa. CPC, art. 20, § 4º.
I. A autonomia do cheque não é absoluta, permitida, em certas
circunstâncias especiais, como a prática de ilícito pelo vendedor de mercadoria
não entregue, após fraude notória na praça, a investigação da causa subjacente
e o esvaziamento do título pré-datado em poder de empresa de factoring, que
o recebeu por endosso.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
329
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
II. (...) (REsp n. 434.433-MG, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de
23.06.2003). (grifos nossos).
Ainda que tenha o julgado supra cuidado de hipótese distinta da que ora se analisa - porquanto se cuidava da hipótese de cheques "pós-datados" -, verifica-se que o argumento decisivo para o deslinde da quaestio se fundou, de igual forma, na então reconhecida má-fé do terceiro adquirente da cambial, uma vez ciente da mácula no negócio jurídico que deu origem à sua emissão.
6. Contudo, no caso dos autos, em nenhum momento restou evidenciado qualquer comportamento irregular da recorrente, indicador de sua ciência do descumprimento do acordo realizado entre as partes originárias.
Repita-se: apenas se noticiou a aventada "manifesta má-reputação na praça" da empresa emitente dos títulos de crédito, o que, aliás, pouco significa, porque nenhuma inferência daí advém em relação ao comportamento da empresa recorrente.
Ademais, houve o aceite dos títulos, por parte de funcionários da empresa recorrida, cuja ausência de poderes bastantes para tanto, como registrado na sentença primeva, não constituiu empecilho à validade do ato; verbis:
(...)
Em relação aos aceites apostos às cártulas pelos ex-empregados Gilberto
Carlos Lopes e Hélio Ribeiro da Costa, respectivamente Gerente de Setor e Gerente
do Departamento de Bazar, tais subscrições não renderiam ensejo, por si só, à
invalidação do negócio, vindo em socorro à embargada, neste tópico, a Teoria da
Aparência nas relações mercantis, não lhe sendo exigível o prévio conhecimento
dos Estatutos Sociais da empresa para averiguação dos poderes conferidos aos
aceitantes das cártulas.
5. Pelo exposto, tenho que a solução se encontra na reforma dos julgados precedentes, isso porque, ainda que a duplicata mercantil tenha por característica o vínculo à compra e venda mercantil ou prestação de serviços realizada, ocorrendo o aceite - como verificado nos autos -, desaparece a causalidade, passando o título a ostentar autonomia bastante para obrigar a recorrida ao pagamento da quantia devida, independentemente do negócio jurídico que lhe tenha dado causa.
6. Dessarte, arrimado nos argumentos acima apresentados, dou provimento ao recurso especial para, reformando o acórdão proferido, julgar improcedentes os embargos à execução oferecidos, invertendo-se, pois, os ônus sucumbenciais.
É como voto.
330
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO-VOGAL
O Sr. Ministro Massami Uyeda: Sr. Presidente, cumprimento o eminente advogado pela sustentação oral, que bem elucidou a controvérsia.
Realmente, com o aceite do sacado, a incidência do art. 17 da Convenção de Genebra se faz presente. Então, não é possível a oposição de exceções pessoais contra terceiros.
Dou provimento ao recurso especial, acompanhando integralmente o voto do Sr. Ministro Relator.
RECURSO ESPECIAL N. 696.138-RJ (2004/0145196-1)
Relator: Ministro Hélio Quaglia BarbosaRecorrente: Clínica Santa Marta LtdaAdvogado: José Mendes Guerreiro Júnior e outrosRecorrido: Esmalde Assistência Internacional de Saúde LtdaAdvogado: Roderico Jorge Freitas Xavier e outros
EMENTA
Recurso especial. Processo Civil. Execução. Penhora. Faturamento. Empresa comercial. Substituição. Imóveis. Possibilidade.
1. Esta Corte Superior firmou entendimento quanto à possibilidade de penhora do faturamento de empresa comercial (EREsp n. 279.580-SP);
2. Não se concentra, pois, a questão, em mera obediência à ordem de preferência estabelecida no artigo 655 do Código de Processo Civil, visto que a medida só se mostra aplicável, quando inexistentes outros bens do devedor aptos a satisfazer a dívida, exigindo, ainda, a necessária nomeação de um administrador, bem como a apresentação de plano de administração, nos exatos termos dos artigos 677 e 678 do CPC;
3. Ao manter a substituição da penhora sobre o faturamento por imóveis indicados pelo devedor, o acórdão guerreado ressaltou a excepcionalidade da medida constritiva, destacando, outrossim, a
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
331
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
inexistência de óbices à indicação das salas comerciais, mesmo que em comarca distante, porquanto realizada nos termos do artigo 658 do CPC;
4. Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, em não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Cesar Asfor Rocha e Jorge Scartezzini votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior.
Brasília (DF), 05 de dezembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Relator
DJ 05.02.2007
RELATÓRIO
O. Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa: Cuida-se de recurso especial interposto por Clínica Santa Marta Ltda, com fundamento nas alíneas a e c do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, contra acórdão proferido pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que, negando provimento a agravo de instrumento, manteve o deferimento da substituição da penhora realizada sobre o faturamento da recorrida.
Embargos de declaração opostos e improvidos.
Sustenta a recorrente, a par da divergência jurisprudencial, violação aos artigos 183, 535, inciso II, 652, 655, 656 e 668, todos do Código de Processo Civil.
Contra-razões às fls. 176/84.
Recurso admitido no Tribunal de origem (fls. 186/187).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa (Relator): 1. Sem razão a recorrente.
332
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. Primeiramente, não se configura, na espécie, qualquer ofensa ao artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil, porquanto inexistente omissão ou contradição no acórdão proferido; aliás, como registrado, quando do julgamento dos declaratórios, o que se pretendia, então, era, tão-somente, a modificação do julgado objeto.
3. O que se trata, in casu, é de penhora realizada sobre o faturamento mensal da recorrida, com o conseqüente bloqueio de numerário depositado em diversas instituições financeiras, atingindo montante suficiente para o pagamento integral da dívida, o que se substituiu , em parte, por imóveis situados na cidade de Maceió (AL), mantido, porém, o bloqueio de 15% sobre as rendas, diante de eventual insuficiência dos valores dos imóveis nomeados.
Esta Corte Superior firmou entendimento quanto à possibilidade de penhora do faturamento de empresa comercial, quando do julgamento do EREsp n. 279.580-SP, da relatoria do em. Ministro Humberto Gomes de Barros.
Restou o decisum assim ementado:
Processual. Execução. Penhora da renda de empresa. Art. 678 do CPC.
- No processo executivo, a penhora da renda de empresa deve observar
as cautelas recomendadas pelos Arts. 677 e 678 do CPC. (Corte Especial, DJ de
19.12.2003).
Destaca-se elucidativo excerto, onde se descrevem as condições em que cabível a restrição:
(...)
Tenho, para mim que a penhora de renda gerada pela pessoa jurídica assemelha-
se à constrição de salários recebidos. Tanto como esta, atinge em profundidade a
própria vida do devedor.
Ora, o direcionamento do salário para a satisfação do devedor somente
pode ocorrer através de declaração da insolvência. Declarada a insolvência civil, o
administrador nomeado pelo Estado dirigirá o patrimônio do devedor, no sentido
de que, sem sacrifício de sua sobrevivência e dignidade, atenda-se ao interesse do
credor.
Em se tratado de pessoa jurídica, a necessidade de penhorar-se a renda de sua atividade pressupõe um estado econômico análogo à insolvência.
Por isto, é necessária a presença de administrador que - ao sabor das circunstâncias - dose as entradas e saídas de numerário, de modo a que - sem destruir o devedor - atenda-se o credor (grifei).
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
333
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
Esse o entendimento que vem sendo adotado por este Tribunal:
Execução. Penhora. Faturamento de empresa. Requisitos não satisfeitos.
– Indispensável à constrição judicial sobre o faturamento de empresa, segundo
a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a nomeação de administrador e a
apresentação por ele de plano de administração. Pressupostos não preenchidos na
espécie.
Recurso especial conhecido, em parte, e provido. (REsp n. 552.609-SP, 4ª
Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 25.10.2005);
Agravo regimental. Penhora. Indicação oportuna. Faturamento. Ausência de
argumentos capazes de infirmar os fundamentos da decisão agravada.
- Não merece provimento recurso que não apresenta argumentos capazes de
desconstituir a decisão agravada.
- Se o comerciante indicou bens à penhora, não faz sentido fazer com que a
constrição recaia sobre o faturamento. (AgRg no Ag n. 710.176-RJ, 3ª Turma, Rel.
Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 13.03.2006)
Não se concentra, pois, a questão, em mera obediência à ordem de preferência estabelecida no artigo 655 do Código de Processo Civil, visto que a medida restritiva sobre o faturamento só se mostra aplicável, quando inexistentes outros bens do devedor aptos a satisfazer a dívida, exigindo, ainda, a necessária nomeação de um administrador, bem como a apresentação de plano de administração, nos exatos termos dos artigos 677 e 678 daquele Codex processual.
Ora, ao manter a substituição da penhora sobre o faturamento por imóveis indicados pelo devedor, o acórdão guerreado ressaltou a excepcionalidade da medida constritiva, destacando, outrossim, a inexistência de óbices à indicação das salas comerciais, mesmo que em comarca distante, porquanto realizada nos termos do artigo 658 do Código de Processo Civil ("Se o devedor não tiver bens no foro da causa, far-se-á a execução por carta, penhorando-se, avaliando-se e alienando-se os bens no foro da situação").
4. Isso posto, com arrimo nos argumentos acima apresentados, não conheço do recurso especial.
É como voto.
334
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL N. 705.832-SP (2004/0167395-3)
Relator: Ministro Hélio Quaglia BarbosaRecorrente: Telesp Celular S/AAdvogado: Jorge Cléo Thomaz Amaral e outrosRecorrido: Alberto Pereira FortunaAdvogado: Laurindo Dias Minhoto Neto
EMENTA
Recurso especial. Agravo de instrumento. Artigo 525 do CPC. Certidão de intimação da decisão agravada. Peça obrigatória. Tempestividade verificada por outro meio inequívoco. Possibilidade. Instrumentalidade das formas. Conhecimento do agravo. Recurso especial não conhecido.
1. Conquanto a certidão de intimação da decisão agravada constitua peça obrigatória para a formação do instrumento do agravo, sua ausência pode ser relevada e não conduzir, necessariamente, ao não conhecimento do recurso, se for possível aferir, de modo inequívoco, a tempestividade do agravo por outro meio constante dos autos.
2. De fato, deve ser privilegiado o princípio da instrumentalidade das formas, admitindo-se suprida mera irregularidade formal, se a finalidade do ato for alcançada e se não houver prejuízo.
3. Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, em não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Cesar Asfor Rocha e Aldir Passarinho Junior votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa.
Brasília (DF), 27 de março de 2007 (data do julgamento).
Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Relator
DJ 23.04.2007
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
335
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa: Cuida-se de recurso especial, interposto por Telesp Celular S/A, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão do e. Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, que rejeitou embargos de declaração, opostos contra aresto assim ementado:
Recurso. Apelação. Assistência judiciária. Prazo em dobro para recorrer. Prazo de 30 dias. Tempestividade. Recurso deve ser recebido e processado. Agravo provido para este fim (fl. 64).
Exsurge dos autos que o recorrido, beneficiário da assistência judiciária gratuita, interpôs apelação, que não foi recebida pelo MM. Juiz de primeiro grau, já que o recurso tinha sido apresentado fora do prazo simples de quinze dias. Dessa decisão, foi interposto agravo de instrumento, que restou provido pelo Tribunal de origem, nos termos da ementa supra transcrita, a fim de que, reconhecido o direito ao benefício do prazo em dobro, fosse a apelação recebida e processada.
Antes de julgar o mérito do agravo de instrumento, a Corte a quo entendeu preenchidos os seus requisitos de admissibilidade, consignando expressamente:
Não juntou o agravante documento obrigatório para o processamento deste recurso, a cópia da certidão de sua intimação, apesar de afirmar na inicial que assim procedeu.
Ocorre, porém, que a decisão agravada foi proferida em 23.05.2003 (sexta-feira) e supondo, na pior das hipóteses para o agravante, tenha ocorrido neste dia a sua ciência, contado o prazo em dobro para recorrer a partir de 26.05.2003 (segunda-feira), o dies ad quem para a interposição deste recurso foi 16.06.2003, data em que o presente agravo foi apresentado neste Tribunal (fls. 2). Não há falha que determine o seu não conhecimento.
Nem mesmo o descumprimento do art. 526, do CPC, importa a inadmissibilidade do recurso, posto não argüido pela agravada, condição agora colocada na lei para o não conhecimento do agravo (cf. parágrafo único do art. 526) (fls. 64/65).
Interposto o presente recurso especial, aduz a recorrente violação do artigo 525 do Código de Processo Civil, sustentando que o agravo de instrumento do artigo 522 não deveria ter sido conhecido, diante da ausência de peça obrigatória, qual seja, a certidão de intimação da decisão agravada.
Não foram apresentadas contra-razões (fl. 99).
É o relatório.
336
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
O Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa (Relator): 1. Não merece prosperar o recurso especial.
Em linha de princípio, há de se ter sob mira que o intuito da norma que determina a instrução do agravo com peças do processo original visa permitir o julgamento da questão sem a necessidade de se requisitar os autos, por apreço à economia e à celeridade processuais. De fato, a exigência da juntada da certidão de intimação da decisão agravada objetiva possibilitar ao Tribunal ad quem verificar a tempestividade do recurso de agravo de instrumento.
Dessa forma, conquanto a certidão de intimação da decisão agravada constitua peça obrigatória para a formação do instrumento do agravo, sua ausência pode ser relevada e não conduzir, necessariamente, ao não conhecimento do recurso, se for possível aferir, de modo inequívoco, a tempestividade do agravo por outro meio constante dos autos. De fato, deve ser privilegiado o princípio da instrumentalidade das formas, admitindo-se suprida mera irregularidade formal se a finalidade do ato for alcançada e se não houver prejuízo.
Na espécie, observa-se que o Tribunal a quo concluiu, mediante confronto com a data da prolação da decisão agravada, que o agravo era tempestivo, qualquer que fosse a data da publicação.
Nesse sentido, proclama a jurisprudência:
Processual Civil. Agravo de instrumento. Negativa de prestação jurisdicional
não configurada. Ausência de comando capaz de infirmar o acórdão recorrido.
Súmula n. 284 do STF. Certidão de intimação. Peça obrigatória. Princípio da
instrumentalidade das formas.
[...] 3. O traslado da certidão de intimação da decisão agravada é necessário
para a verificação da tempestividade do agravo de instrumento interposto com base
no art. 525 do CPC. Porém, na sua falta, havendo outra maneira hábil à verificação
dessa tempestividade, deve ser levado em conta o princípio da instrumentalidade
processual, que viabiliza a validade dos atos processuais, mesmo quando realizados
de modo diverso, quando alcançado o objetivo almejado. Precedentes: REsp n.
162.599-SP, 2ª T., Min. Castro Meira, DJ de 21.02.2005 e REsp n. 492.984-RS, 1ª T.,
Min. Luiz Fux, DJ de 02.08.2004.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. (REsp n.
660.671, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 28.09.2006)
Processual Civil. Certidão. Publicação. Decisão agravada. Dispensa.
Tempestividade. Agravo de instrumento. Art. 525, CPC.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
337
RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
1. Embora a certidão de publicação da decisão agravada constitua peça obrigatória na instrução do agravo de instrumento (art. 525 do CPC), a sua ausência pode ser relevada quando patente a tempestividade do recurso, hipótese caracterizada na espécie. Precedentes.
2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp n. 573.065, Quarta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 26.04.2004)
Processual Civil. Artigo 525, I, CPC. Certidão de intimação da decisão agravada. Dispensa em razão da evidente tempestividade do agravo. Precedentes.
- A certidão de intimação da decisão interlocutória agravada, a fim de possibilitar o exame da tempestividade do recurso, é peça obrigatória na instrução do agravo, sob pena de não conhecimento.
- Todavia se, por outro meio, ficar evidenciado ser o agravo tempestivo, a ausência da peça deve ser relevada.
- As formalidades processuais não podem ser exaltadas como valores sagrados a serem adorados por si mesmos, sob o risco de se atribuir a inócuas filigranas formais insuperáveis empeços de acesso à Justiça. Ao contrário, a elas é conferido um limitado respeito, devendo ser preservadas enquanto sirvam de elemento ordenador para o desenvolvimento e a condução dos processos.
- Recurso especial conhecido e provido. (REsp n. 466.349, Quarta Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 10.03.2003)
2. Diante do exposto, não conheço do recurso especial.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 794.441-DF (2005/0183555-3)
Relator: Ministro Massami UyedaRecorrente: Associação das Pioneiras Sociais - APSAdvogado: Flávio Dickson Machado Ramos e outrosRecorrido: Maria Lúcia Carvalho do NascimentoAdvogado: Og Oliveira e Souza e outro
EMENTA
Recurso especial. Processual Civil. Acidente de trabalho. Ação de indenização. Estabelecimento de indexador de reajuste baseado
338
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
em salário mínimo. Possibilidade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Embargos de declaração. Ausência de prestação jurisdicional. Inocorrência.
I – O decisum e os embargos declaratórios não padecem de contradição nos termos em que redigidos, uma vez que tornado líquido o valor do pensionamento mensal (determinado este em salários mínimos pelo Juízo de 1º grau), o atrelamento do reajuste de tal valor ao mesmo índice que alterar o quantum do salário mínimo, em 2º grau, não incide em qualquer tipo de erro.
II – A circunstância de não mais existir relação de trabalho não retira da pensão mensal (como estabelecida) a sua finalidade de garantia à beneficiária (ora recorrida) das mesmas necessidades básicas asseguradas aos trabalhadores em geral (CF/1988, art. 7º, inciso IV) [nesse sentido: STF, RExt n. 140.940-SP; RExt n. 349.210-RJ; AgR RExt n. 200.642-RJ; AgR AI n. 198.232-GO].
III – A função dos embargos de declaração é tão-somente afastar do acórdão qualquer omissão necessária para a solução da lide, com o intuito de não permitir a obscuridade por acaso identificada e extinguir qualquer contradição entre premissa argumentada e conclusão, não sendo ambiente para a discussão do mérito da r. decisão, resumindo-se em complementar o v. acórdão, afastando-lhe eventuais vícios de compreensão, ausentes na hipótese em tela.
IV – Recurso Especial não-conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 13 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro Massami Uyeda, Relator
DJ 05.03.2007
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Massami Uyeda: De acordo com o relatório de fls. 321/323 (vol. 2), resumidamente, Maria Lucia Carvalho do Nascimento ajuizou ação de indenização em face de Associação das Pioneiras Sociais - Sarah, em que pretendeu reparação de danos materiais e morais sofridos em virtude de doença profissional decorrente de lesão por esforço repetitivo (LER/DORT), desenvolvida nas dependências da empresa requerida, em razão das condições e ambiente de trabalho no qual desenvolvia suas atividades.
Afirmou a autora que, embora suas tarefas implicassem movimentos repetitivos e o uso de produtos de limpeza altamente tóxicos, a ré não teria fornecido equipamento de proteção apto a diminuir o grau de insalubridade a que a demandante era exposta, e, por tais motivos, atribuiu à requerida culpa pela enfermidade adquirida que a impede de desenvolver tanto atividades laborais quanto domésticas, tendo pleiteado a condenação da ré em danos morais e no pensionamento previdenciário, ou, alternativamente, no pagamento de pensão vitalícia com base em seu último salário.
Conforme o r. acórdão, sobreveio sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, tendo condenado a ré a pagar à autora pensão mensal correspondente a 5,52 (cinco vírgula cinqüenta e dois) salários mínimos, vigentes à época da cada pagamento, devida desde a data da demissão (04.04.1997), em caráter vitalício abrangendo treze meses ao ano, para alcançar o décimo-terceiro salário; foi determinado, ainda, que sobre as parcelas vencidas incidiriam juros de mora de 6% (seis por cento) ao ano, desde a data da demissão, tendo sido observado não se haver falar em correção monetária, haja vista a fixação da pensão em salários mínimos, já com o objetivo de preservação do poder aquisitivo. Com o intuito de garantir o pensionamento mensal, foi determinado que a ré constituísse capital que assegurasse cabalmente o cumprimento da obrigação, nos termos do art. 602 do CPC.
Condenou-se, ainda, a ré ao pagamento da quantia de 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos, pelo dano moral, sobre os quais incidiriam correção monetária, a partir da data da decisão, com base no INPC, índice oficial da Corregedoria do TJ-DF e, desde o dia da demissão, juros de mora de 6% (seis por cento) ao ano. Por fim, em face da sucumbência mínima da parte autora, condenou-se a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais foram arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor total das prestações vencidas, na data da execução da sentença, acrescido do valor de doze prestações vincendas e da indenização por dano moral.
340
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Irresignada, a ré recorreu, tendo argumentado, em síntese, que não existiria relação de causalidade entre a utilização do material químico e a patalogia desenvolvida pela apelada, razão pela qual se imporia o afastamento da reparação indenizatória, e que não houve conduta dolosa ou culposa de sua parte, hábil a ensejar o alegado dano à recorrida. Postulou a redução do quantum arbitrado a título de reparação do dano moral, tendo também se irresignado quanto à fixação dos honorários advocatícios em 10% sobre o valor total das pensões vencidas e mais doze vincendas, afirmando que as verbas referentes ao dano moral não devem entrar no cômputo de incidência do percentual dos honorários advocatícios.
A colenda Terceira Turma Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios conheceu e deu provimento parcial à apelação de Associação das Pioneiras Sociais - APS, em v. acórdão unânime, ementado nos seguintes termos (fl. 320, vol. 2):
Civil e Processual Civil. Ação de indenização por danos morais e materiais.
DORT/LER. Ambiente de trabalho. Responsabilidade subjetiva do empregador.
Culpa configurada. Indenização procedente.
1 – Atestando o diagnóstico realizado por perícia médica ser a autora
portadora de patologia configurada como DORT/LER, advinda da atividade laboral
de serviços gerais, exercida pela pericianda, somado à constatação que descurou-se
a empregadora do dever de cuidado relativo ao cumprimento do que preceituam as
normas de segurança e medicina do trabalho, impõe-se a procedência da pretensão
quando ao direito de percepção de indenização por danos morais e materiais
decorrentes do infortúnio;
2 – Segundo precedente do egrégio Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, IV, da
Constituição, veda a vinculação ao salário-mínimo para qualquer fim.
3 – A verba honorária deve ser calculada sobre o valor das pensões mensais
vencidas e doze pensões vincendas, sendo incabível, em tal situação, a fixação da
verba, também sobre o valor dos danos morais, em face da sua não cumulatividade.
Precedentes do STF.
Opostos embargos declaratórios (fls. 332/333, vol. 2), o recurso foi rejeitado por unanimidade (fls. 336/338, vol. 2), sendo este o teor de sua ementa:
Embargos de declaração. Rejeitam-se quando ausentes os requisitos do
art. 535, do Código de Processo Civil. A via dos embargos não se mostra apta a
possibilitar o reexame de matérias já resolvidas pela mesma Corte julgadora.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
Inconformada, a Associação das Pioneiras Sociais - APS interpôs o presente recurso especial (CF/1988, art. 105, inciso III, alínea a, fls. 341/344, vol. 2), alegando, em síntese, que o v. acórdão violou o art. 535, inciso I, do CPC, postulando o saneamento da contradição relativa ao índice estabelecido para o reajuste da pensão mensal fixada pelo v. acórdão, tendo requerido a desvinculação material daquela em face do índice de reajuste do salário mínimo determinado pela r. decisão colegiada.
O recurso especial da ora recorrente teve seu processamento deferido (fls. 349/351, vol. 2).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): O recurso não comporta guarida.
Com efeito.
O presente recurso especial se insurge contra a fixação de índice de reajuste de pensão mensal atrelado ao índice de reajuste do salário mínimo, determinado pelo v. acórdão em favor de Maria Lucia Carvalho do Nascimento, nos termos da r. decisão colegiada ora vergastada:
[…] dou parcial provimento ao recurso interposto para desvincular as quantias
arbitradas a título de pensionamento decorrente dos danos materiais e dos danos
morais do salário mínimo, pelo que ora fixo o valor da pensão em R$ 618,24
(seiscentos e dezoito reais e vinte e quatro centavos), a qual deverá ser reajustada
todas as vezes e pelo mesmo índice que alterar o salário-mínimo, a partir do evento
danoso; […] (ut fl. 328, vol. 2).
Observe-se que, nos termos em que estabelecido, o r. decisum não padece de contradição e omissão, uma vez que tornou líquido o valor de 5,52 (cinco vírgula cinqüenta e dois) salários mínimos, determinados a título de pensionamento mensal em 1º grau, tendo sido atrelado o reajuste de tal valor ao mesmo índice que alterar o quantum do salário mínimo em 2º grau, não havendo qualquer tipo de erro a ser sanado.
Com efeito.
Não incorre em qualquer tipo de contradição o estabelecimento de reajuste do valor do pensionamento mensal fixado em 1º grau, e tornado líquido em 2º grau, tendo sido vinculado no Tribunal a quo o mesmo índice que alterar o quantum do salário mínimo para o benefício mensal ajustado, uma vez que o parâmetro determinado, muito embora não mais exista relação de trabalho, tal
342
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
circunstância não retira da pensão mensal (como estabelecida) a sua finalidade de garantia à beneficiária das mesmas necessidades básicas asseguradas aos trabalhadores em geral. Nesse sentido é a jurisprudência do Pretório Excelso:
Ação de indenização decorrente de acidente de veículo. Reparação de ganhos
que a vítima poderia auferir. Fixação da pensão com base no salário mínimo. Art. 7º,
inc. IV, da Constituição Federal.
É inaplicável a proibição da vinculação ao salário mínimo, prevista na parte
final do art. 7º, inc. IV, da Constituição Federal, como base de cálculo e atualização
de pensão em ação de indenização por ato ilícito.
Recurso extraordinário não conhecido.
(STF, RExt n. 140.940-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, v.u., j.
07.03.1995, DJ 15.09.1995, p. 29.513, Ementário 1800-4/683); no mesmo sentido:
STF, RExt n. 349.210-RJ [decisão monocrática], Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
j. 20.10.2003, DJ 17.11.2003, p. 75; AgR RExt n. 200.642-RJ, Rel. Min. Néri da
Silveira, Segunda Turma, v.u., j. 29.06.1998, DJ 11.12.1998, p. 6, Ementário 1935-
3/527; AgR AI n. 198.232-GO, Rel. Min. Nelson Jobim, Segunda Turma, v.u., j.
12.12.1997, DJ 27.03.1998, p. 10, Ementário n. 1904-5/1107.
Deve ser observado que os embargos de declaração são admissíveis apenas nas hipóteses do art. 535, incisos I e II, c.c. a parte final do art. 536, todos do CPC, que tratam dos pressupostos de admissibilidade desse tipo de recurso. Os embargos de declaração somente são cabíveis, portanto, quando “houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade, dúvida ou contradição”. Não é o que se constata aqui, dado que o v. aresto enfrentou as questões suscitadas ao longo da instrução, tudo em consonância com os ditames da Legislação Processual Civil.
Os fundamentos nos quais se suporta a r. decisão são claros e nítidos, não tendo dado lugar a omissões, obscuridades, dúvidas ou contradições. A matéria tratada nos autos encontra-se fundamentada e motivada. O não-acatamento das teses contidas no recurso não implica cerceamento de defesa. Ao Órgão Julgador cabe apreciar a questão de acordo com o que entender atinente à lide, não estando obrigado o Magistrado ou o Tribunal a julgarem a matéria posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento fundamentado (CPC, art. 131), utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto.
Nesses termos, a função dos embargos de declaração é, somente, afastar do acórdão qualquer omissão necessária para a solução da lide, não permitir a obscuridade por acaso identificada e extinguir qualquer contradição entre
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RSTJ, a. 20, (210): 289-343, abril/junho 2008
premissa argumentada e conclusão, não sendo ambiente para a discussão do mérito da r. decisão, resumindo-se em complementar o v. acórdão, afastando-lhe eventuais vícios de compreensão. “O propósito meramente infringente dos embargos de declaração opostos no Tribunal de origem, que buscavam a simples rediscussão da prova já apreciada pelo acórdão, levou, acertadamente, à sua rejeição naquela instância, sem acarretar nulidade por omissão.” (STJ, REsp n. 84.561-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, v.u., j. 19.04.2001, DJ 25.06.2001, p. 181); no mesmo sentido: STJ, EDcl no Ag n. 170.634-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, v.u., j. 10.11.1998, DJ 15.03.1999, p. 236; EDREsp n. 808.078-RS, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, v.u., j. 16.05.2006, DJ 08.06.2006, p. 144).
Nesses termos, não se conhece do presente recurso especial.
É o voto.
AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO N. 1.411-DF 2003/0116558-9)
Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia FilhoAgravante: Ministério Público do Distrito Federal e TerritóriosAgravado: Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos TerritóriosInteres.: Vasco Rodrigues da CunhaAdvogado: Dirceu de Faria
EMENTA
Agravo regimental em reclamação. Processo Penal. Nulidade absoluta da apelação decretada pelo Tribunal a quo, em face de o relator ter atuado como chefe do Parquet estadual e determinado o oferecimento da denúncia contra o réu. Inexistência de decisão proferida por esta Corte ou usurpação de competência. Substituição de recurso próprio pela reclamação. Impossibilidade. Agravo regimental. Repetição dos argumentos da inicial. Manutenção da decisão agravada por seus próprios fundamentos. Agravo improvido.
1. Inexistente decisão proferida por esta Corte ou usurpação de sua competência constitucional, a Reclamação deve ser julgada improcedente.
2. A interpretação do Tribunal a quo sobre a existência de nulidade absoluta, passível de ser declarada ex officio, em vista de o Relator da Apelação ter atuado como Procurador de Justiça e, nessa função, determinado o oferecimento de denúncia contra o acusado, deveria ter sido impugnada pela via recursal própria, sendo inadmissível a sua substituição pela formulação de Reclamação diretamente nesta Corte.
3. Merece subsistir a decisão agravada, por seus próprios fundamentos, ante a ausência de novos argumentos aptos a afastar sua conclusão.
4. Agravo improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental,
348
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região), Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), Nilson Naves, Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Maria Thereza de Assis Moura.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Gallotti.
Brasília (DF), 08 de agosto de 2007 (data do julgamento).
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator
DJ 20.08.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de Agravo Regimental interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios contra a decisão de fls. 149/152, da lavra do eminente Min. Paulo Medina, que julgou improcedente a presente Reclamação.
2. O ora agravante sustenta que se insurgiu, por meio desta Reclamação, contra o acórdão proferido pela Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que, ao apreciar os Embargos Infringentes interpostos nos autos da Apelação Criminal que confirmara, por maioria de votos, a condenação do réu Vasco Rodrigues da Cunha, por posse sexual mediante fraude, deu provimento ao recurso para declarar a nulidade do processo desde a distribuição da Apelação, ao argumento de ser vedado ao Relator, Des. Everards Mota e Matos, atuar na referida Ação Penal, por ter determinado o oferecimento de denúncia contra o acusado, à época em que chefiava a Procuradoria de Justiça do Distrito Federal.
3. Neste recurso, insiste o Parquet Estadual que houve inquestionável invasão da competência constitucional desta Corte, única que poderia anular ou modificar o acórdão proferido por ocasião do julgamento da Apelação. Alega ser restrito o âmbito dos Embargos Infringentes, limitados à prevalência do voto vencido, que, no caso, absolvia o réu com base no art. 386 do CPP.
4. Repisa a argumentação da inicial, aduzindo que eventual nulidade, ainda que absoluta, só poderia ser declarada por Tribunal com jurisdição sobre o órgão prolator da decisão impugnada, in casu, este Superior Tribunal de Justiça, por meio de Recurso Especial.
5. Por fim, afirma ser a Reclamação a medida prevista para resguardar a competência constitucional desta Corte, não se tratando de hipótese de substituição de recurso apropriado, como dito na decisão agravada.
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RSTJ, a. 20, (210): 345-369, abril/junho 2008
6. Era o que havia de relevante para relatar.
VOTO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. O inconformismo não merece prosperar.
2. O decisum impugnado aduziu os seguintes fundamentos, verbis (fls. 149/152):
Trata-se de Reclamação formulada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, contra decisão proferida pela Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios nos Embargos Infringentes 2000.01.5.001940-6.
A questão tem origem em denúncia ofertada pelo Parquet contra Vasco Rodrigues da Cunha, porque incurso nas sanções do art. 215, caput, c.c. art. 61, inciso II, alínea g do Código Penal.
Submetido a julgamento perante a 6ª Vara Criminal de Brasília, o réu foi condenado a 2 anos e 3 meses de reclusão em regime aberto.
Apelaram o Ministério Público e o Assistente de Acusação, cujos recursos foram, respectivamente improvido e não conhecido pela 1ª Turma Criminal do TJDFT, sob a relatoria do Des. Everards Mota e Matos.
O apelo da Defesa foi, por maioria, improvido.
Opostos embargos declaratórios, foram rejeitados.
O Ministério Público interpôs Recurso Especial, pugnando pela fixação de regime prisional semi-aberto.
A Defesa opôs Embargos Infringentes, para fazer prevalecer o voto vencido, proferido pelo Des. Pedro Aurélio Rosa de Farias, que absolvera o acusado, à míngua de prova da existência do fato (art. 386, II, do CPP).
Postos em mesa, suscitou a Relatora questão de ordem, atinente a hipótese de nulidade do julgamento da Apelação, decorrente de anterior manifestação do Relator, Des. Everards Mota e Matos, quando membro do MPDFT, porque aprovara parecer e designara Promotor de Justiça para oferecer denúncia contra o acusado.
A Câmara Criminal desconstituiu o acórdão, sob o argumento de nulidade absoluta, consistente na participação do Relator, conquanto impedido, no julgamento da Apelação.
Convenceu-se o Colegiado, por maioria, de que o Relator não poderia exercer a jurisdição porque não estaria eqüidistante dos fatos, com um mínimo de reprovação já intimamente formada, por ter determinado o oferecimento de denúncia, quando poderia ter insistido no arquivamento (fls. 125).
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Parquet opôs embargos de declaração, rejeitados por maioria (fls. 138/144).
O Des. Romão Cícero de Oliveira acolhera os embargos com efeito infringente, porque realmente, a Câmara não é órgão revisor das decisões das turmas, de sorte que, se nulidade houve, haveria de ser manejado o recurso adequado para o colendo STJ, que proclamaria esta nulidade (fls. 142).
Entende o Reclamante clara e inquestionável a invasão da competência constitucional do Superior Tribunal de Justiça pela Câmara Criminal do TJDFT, que subtraiu o julgamento da causa do Tribunal da Federação (fls. 10).
Sustenta que a partir do julgamento unânime de última instância, proferido na apelação, pelo Tribunal local – inexistindo qualquer dissonância ou mesmo deliberação sobre o impedimento do Relator, aspecto que, implicitamente, ao menos, significa ter o colegiado afastado eventual gravame – somente o E. Superior Tribunal de Justiça poderia anular ou modificar aquele decisum (...) nem mesmo mediante a concessão de Habeas Corpus de ofício (fls. 11).
Afirma que a atuação do Des. Everards Mota e Matos limitou-se, com efeito, a aprovar parecer que sufragara a inviabilidade de arquivamento do inquérito – não instaurada, ainda, portanto, a relação jurídico-processual – jamais havendo atuado no processo nem mesmo subscrito a denúncia (fls. 13).
Argúi que à Câmara Criminal do TJDFT cabia julgar embargos infringentes, devolvida àquele órgão, portanto, somente a matéria alcançada pelo voto vencido, a teor do que dispõe o art. 609, parágrafo único do CPP (fls. 15).
Infere que para reconhecer impedimento, é mister efetiva atuação no processo, com carga decisória, inexistente em decisão que determina o oferecimento de denúncia (fl. 19).
Requer o afastamento da nulidade declarada pela Câmara Criminal, de modo a prosseguir o julgamento dos embargos infringentes.
Alternativamente, pugna pela concessão de Habeas Corpus de ofício, para determinar a renovação do julgamento da Apelação, após a escolha de novo relator.
É o relatório. Decido.
Cabe Reclamação para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões, a ser formulada pela parte interessada ou pelo Ministério Público (art. 187 do RISTJ).
Na espécie, inexiste decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, de modo que, não cabe a Reclamação, sob o fundamento de garantir a autoridade de suas decisões.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO
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RSTJ, a. 20, (210): 345-369, abril/junho 2008
Do mesmo modo, não há falar em invasão de competência, porquanto,
havendo a Câmara Criminal divisado hipótese de nulidade absoluta, vinculada à
vedação, quanto ao Relator, de proferir jurisdição, decidiu com amparo no que
dispõe o art. 252 do Código de Processo Penal.
Nulidades absolutas são insanáveis e argüíveis a qualquer tempo, em qualquer
grau de jurisdição.
Ressalto, por fim, que a Reclamação não é sucedâneo de recurso apropriado,
quando cabível.
Neste sentido, destaco o seguinte precedente:
Processual Civil. Reclamação (art. 105, I, f, CF; RISTJ, arts. 187 e
seguintes). Transporte coletivo.
1. A Reclamação, pela sua natureza incidental e excepcional, fugidia de
razões apenas subjetivas, para o seu cabimento, destinando-se a preservação
da competência e garantia da autoridade dos julgados afetados por outro
Tribunal ou Juiz, depende de objetiva demonstração. Não pode ser animada
com a natureza de avocatória ou ser utilizada como via revisional pra substituir
leitos recursais disponíveis.
2. No caso, incabível ampliar-se o efeito de Reclamação para modificação
do alcance do julgado.
3. Reclamação sem procedência.
(RCL n. 826-DF, Relator o Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 16.12.2002,
p. 226)
Ausente hipótese de preservação de competência, bem como de garantia da
autoridade das decisões do STJ, a reclamação não deve prosperar.
A propósito, confira-se:
Reclamação. Inexistência de decisão da Corte cuja eficácia de deva
garantir. Artigo 187, RISTJ.
-Inexistindo decisão do Superior Tribunal de Justiça a exigir a
manifestação da Corte, no sentido de garantir sua autoridade, não é cabível a
reclamação prevista no artigo 187 do RISTJ.
(RCL n. 66-SP, Relator o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de
18.05.2002, p. 6.958)
Posto isso, julgo improcedente a reclamação (art. 34, XVIII, do RISTJ).
352
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. O agravante não trouxe qualquer novo fundamento apto a afastar a conclusão do decisum impugnado, limitando-se a repetir as alegações da inicial. Dest'arte, merece ser mantida a decisão, por seus próprios fundamentos.
4. Com efeito, verifica-se que, no caso concreto, não existe decisão proferida por esta Corte na referida Ação Penal que mereça ser preservada.
5. Ademais, posicionou-se o Tribunal a quo pela existência de nulidade absoluta, possível de ser declarada de ofício, em vista da atuação do relator da Apelação como Procurador de Justiça, responsável pela determinação do oferecimento de denúncia contra o réu. Dessa forma, eventual interpretação equivocada do art. 252, II do CPP deveria ter sido objeto de recurso próprio, sendo incabível a substituição deste pela formulação de Reclamação diretamente nesta Corte.
6. Ante o exposto, subsistentes os fundamentos da decisão agravada, nega-se provimento ao recurso.
CONFLITO DE ATRIBUIÇÃO N. 167-RJ (2005/0068079-0)
Relator: Ministro Arnaldo Esteves LimaAutor: Justiça PúblicaRéu: Adelson Medeiros Ferreira Filho (Preso)Réu: Ângelo Rogério Esteves (Preso)Suscitante: Ministério Público do Estado do Rio de JaneiroSuscitado: Ministério Público Militar do Estado do Rio de Janeiro
EMENTA
Penal. Conflito de atribuições. Ministério Público Estadual e Ministério Público Militar. Não-incidência de quaisquer das hipóteses previstas no art. 105, inciso I, alínea g, da Constituição Federal. Inexistência de conflito de atribuições. Conflito de atribuição não conhecido.
1. O dissenso entre representantes ministeriais implica hipótese de conflito não elencada no preceito constante do art. 105, inciso I, alínea g, da Carta da República.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO
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RSTJ, a. 20, (210): 345-369, abril/junho 2008
2. Tratando-se de matéria eminentemente processual, incumbe aos representantes do Parquet indicar suas razões e opinar pela competência jurisdicional, cabendo à autoridade judiciária perante a qual atuam decidir sobre a questão.
3. A manifestação precoce deste Superior Tribunal sobre as atribuições ministeriais, com evidente reflexo sobre a competência para o processo e o julgamento de determinada causa penal, em relevo a suposta economia processual, implicaria manifesta supressão de instância.
4. Conflito de atribuições não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do conflito de atribuição, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Nilson Naves, Felix Fischer, Paulo Gallotti e Laurita Vaz.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Gilson Dipp e Paulo Medina.
Brasília (DF), 13 de dezembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator
DJ 05.02.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de conflito negativo de atribuições entre o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, ora suscitante, e o Ministério Público Militar do Estado do Rio de Janeiro, ora suscitado, com fulcro no art. 105, inciso I, alínea g, da Constituição Federal.
O presente conflito versa sobre as atribuições dos órgãos ministeriais acerca de eventuais crimes cometidos por Adelson Medeiros Ferreira Filho e Ângelo Rogério Esteves, respectivamente, praças da Marinha do Brasil e da Aeronáutica.
O órgão ministerial oficiante perante o Juízo militar, à fl. 103, manifestou-se pela remessa do inquérito à Justiça estadual, entendendo inexistir crime militar a ser processado, sendo o parecer acolhido pelo juiz-auditor às fls. 105/106, que determinou a remessa dos autos ao Juízo apontado como competente.
354
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Parquet em exercício perante o Juízo estadual, às fls. 108/111, argüindo ser militar o delito noticiado nos autos, suscitou o presente conflito de atribuições.
O Ministério Público Federal, por meio do parecer exarado pela Subprocuradora-Geral da República Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, entendendo que a hipótese não é de conflito de atribuições, pois a irresignação do Parquet estadual refere-se à decisão em que o Juízo militar declinou da sua competência para processar e julgar o feito criminal, opinou pelo não-conhecimento do conflito (fls. 116/118).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): Prescreve o art. 105, inciso I, alínea g, da Constituição da República:
Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente:
g) os conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da
União, ou entre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou
do Distrito Federal, ou entre as deste e da União.
No caso, inexiste conflito de atribuição a ser dirimido. Com efeito, o dissenso entre os representantes ministeriais implica hipótese de conflito não elencada no preceito supratranscrito.
Além disso, tratando-se de matéria eminentemente processual, incumbe aos representantes do Parquet indicar suas razões e opinar pela competência jurisdicional, cabendo à autoridade judiciária perante a qual atuam decidir sobre a questão. No caso, entretanto, a matéria não foi apreciada pelo Juízo estadual perante o qual atua o órgão ministerial suscitante, mas apenas pelo Juízo militar, razão por que não há conflito de competência a ser dirimido.
Disso resulta que a manifestação precoce deste Superior Tribunal sobre as atribuições ministeriais, com evidente reflexo sobre a competência para o processo e o julgamento de determinada causa penal, em relevo a suposta economia processual, implicaria manifesta supressão de instância.
Nesse sentido, segue a jurisprudência desta Corte Superior:
Conflito de atribuição. Penal. Ministério Público Federal e Ministério Público
Estadual. Não-enquadramento no art. 105, I, g da Constituição Federal. Não
conhecimento.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO
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RSTJ, a. 20, (210): 345-369, abril/junho 2008
1. Nos termos do disposto na alínea g, inciso I, do art. 105, da Carta Magna,
ao STJ compete processar e julgar “os conflitos de atribuições entre autoridades
administrativas e judiciárias da União, ou entre autoridades judiciárias de um
Estado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e da
União”, afastada pois, a competência desta Corte na espécie, resultante do conflito
suscitado entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual, por não
se enquadrar em quaisquer das hipóteses mencionadas.
2. Supremo Tribunal Federal, por meio do seu Pleno, decidiu em recente
julgamento, ser aquela Corte Suprema competente para dirimir conflito de atribuições
entre os Ministérios Públicos Federal e Estadual, quando não configurado virtual
conflito de jurisdição que, por força da interpretação analógica do art. 105, I, d, da
CF, seria da competência do Superior Tribunal de Justiça.
3. Conflito de atribuições não conhecido.
(CAt n. 169, Rel. p/ acórdão Min. Hélio Quaglia Barbosa, Terceira Seção, DJ
13.03.2006, p. 177)
Conflito de atribuição. Penal. Ministério Público Federal e Ministério Público
Estadual. Representação formulada contra Prefeito. Não-enquadramento no art.
105, I, g da Constituição Federal. Não conhecimento.
Nos termos do disposto na alínea g, inciso I do art. 105 da Carta Magna,
ao STJ compete processar e julgar “os conflitos de atribuições entre autoridades
administrativas e judiciárias da União, ou entre autoridades judiciárias de um
Estado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e da
União.”
Afastada a competência desta Corte na espécie, resultante do conflito suscitado
entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual, por não se
enquadrar em quaisquer das hipóteses mencionadas.
Precedente.
Conflito não conhecido.
(CAt n. 155-PB, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Terceira Seção, DJ
03.11.2004, p. 130)
Processo Civil. Conflito de atribuições. Ministério Público Federal x Ministério
Público Estadual. Não-conhecimento. Precedentes.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de
que não se conhece de conflito de atribuições, por incompetência da Corte, em que
são partes o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual, por não se
enquadrar em quaisquer das hipóteses previstas no art. 105, I, g, da CF/1988.
356
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. Conflito de Atribuições não-conhecido.
(CAt n. 154-PB, Rel. Min. José Delgado, Primeira Seção, DJ 18.04.2005, p.
202)
Diante do exposto, não conheço do conflito.
É como voto.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 78.695-RJ (2007/0001637-0)
Relator: Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF
1ª Região)
Autor: Creonir Luiz Pinto de Castro
Advogado: Frederico Gama Portella e outro
Réu: Município de Nova Friburgo
Advogado: Willian Romão Marques e outro
Suscitante: Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Nova Friburgo-RJ
Suscitado: Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Nova Friburgo-RJ
EMENTA
Conflito de competência. Servidor público municipal. Contrato temporário. Continuação da prestação de serviços sem a prévia prorrogação. Natureza temporária do vínculo afastada. Competência da Justiça do Trabalho.
1. O conflito entre a Justiça Comum e a Especializada deve ser dirimido pela natureza do pedido e da causa de pedir, estabelecendo-se, via de conseqüência, a competência em razão da matéria.
2. Nos casos em que, o contrato temporário para o atendimento de necessidade de excepcional interesse público tenha atingido o seu termo final mas, no entanto, a prestação de serviços continua por tempo indeterminado e de forma habitual, com a anuência do Estado, o vínculo entre as partes passa a ser regido pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. (precedentes).
3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Nova Friburgo-RJ, ora suscitante.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO
357
RSTJ, a. 20, (210): 345-369, abril/junho 2008
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Suscitante, Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Nova Friburgo - RJ, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator a Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG) e os Srs. Ministros Felix Fischer, Paulo Gallotti, Arnaldo Esteves Lima, Maria Thereza de Assis Moura e Napoleão Nunes Maia Filho.
Ausentes, justificadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Nilson Naves.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.
Brasília (DF), 12 de setembro de 2007 (data do julgamento).
Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região), Relator
DJ 1º.10.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região): Trata-se de conflito negativo de competência, fundamentado no art. 105, I, d, da Constituição, instaurado nos autos de reclamação trabalhista, com vistas ao reconhecimento do vínculo empregatício com o Poder Público, assim como o pagamento de verbas rescisórias, decorrentes de contrato de trabalho temporário firmado com o Município de Nova Friburgo.
O pedido foi, de início, dirigido ao Juízo da Vara de Trabalho de Nova Friburgo-RJ, que declinou da competência em favor da Justiça Comum Estadual, sob o fundamento de que a EC n. 45/2004 não alterou a competência para julgamento das ações que tenham como partes a Administração Pública e seus servidores, conforme decisão em medida liminar proferida pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal na ADIN n. 3.395, de 27 de janeiro de 2005 (fls. 61).
Encaminhados os autos à Justiça Comum Estadual, o Juízo da 1ª Vara Cível de Nova Friburgo-RJ, suscitado, devolveu a ação, porquanto "o autor pretende, dentre outras, verbas rescisórias previstas na CLT, aviso prévio, FGTS, baixa da CTPS e danos morais" (fls. 65)
358
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Juízo Trabalhista suscitou o presente conflito negativo, em face da já mencionada decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIN n. 3.395.
O Ministério Público Federal, aos fls. 73/77, opina pela competência da Justiça do Trabalho, em parecer assim resumido:
Conflito negativo de competência. Reclamação trabalhista ajuizada por ex-
servidor público municipal contratado temporariamente. Relação de trabalho regida
pela CLT. Parecer pela competência da Justiça do Trabalho.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª região) (Relator): O reclamante foi admitido para o exercício da função de Motorista da Defesa Civil Municipal em 25.02.2002, por meio de contrato temporário, disciplinado pela Lei Municipal n. 3.140/2001, até 31.12.2002, podendo ser prorrogado por uma única vez. Entretanto, o servidor permaneceu prestando serviços ao Poder Público até 1º.03.2005, quando foi dispensado. Requer a baixa na CTPS, pagamento de verbas rescisórias, horas extras e indenização por dano moral.
A compreensão pacificada no âmbito desta Corte sobre o tema é que o conflito entre a Justiça Comum e a Especializada é dirimido pela natureza do pedido e da causa de pedir, estabelecendo-se, via de conseqüência, a competência em razão da matéria.
Inicialmente, a relação entre o poder público e o funcionário tem caráter administrativo, pois esta Corte consolidou o entendimento de que, nos casos de ingresso de servidor disciplinado por lei especial, considera-se estatutário o vínculo com o poder público, quando ocorre contratação temporária por prazo determinado.
Por outro lado, quando a prestação de serviços é continuada, de forma habitual, com a anuência do Estado, o primitivo contrato administrativo por tempo determinado é desvirtuado, passando o vínculo entre as partes a ser regido pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
Verifica-se, pela duração do vínculo, que a contratação do demandante não foi realizada com vistas ao atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal.
Assim, não se vislumbra a existência de relação estatutária entre as partes.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO
359
RSTJ, a. 20, (210): 345-369, abril/junho 2008
Destarte, eventuais direitos trabalhistas da reclamante, por se referirem a relação não-estatutária, devem ser processados e julgados pela Justiça do Trabalho. Nesse sentido é a jurisprudência deste Superior Tribunal, conforme segue, q.v., verbi gratia:
Conflito negativo de competência. Servidora municipal. Admissão mediante contrato administrativo por prazo determinado. Continuação da prestação de serviços sem a prévia prorrogação do pacto. Ausência de aprovação de concurso público. Contratação irregular. Regime celetista. Competência da Justiça do Trabalho.
1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a justiça comum é competente para o julgamento de lides que envolvam contratação temporária de servidor público por prazo determinado, disciplinada por lei especial, por ser estatutário o vínculo com a administração.
2. Na situação em apreço, todavia, a reclamante laborou para o Estado por aproximadamente 13 (treze) anos, de forma ininterrupta, sem que o contrato temporário primitivo fosse regularmente prorrogado.
3. Embora inicialmente a relação entre o poder público e a funcionária tenha cunho administrativo, a continuada prestação de serviços de forma habitual pela reclamante, com a anuência do Estado, desnatura o primitivo contrato administrativo por tempo determinado, passando o vínculo entre as partes a ser regido pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
4. Além disso, a admissão da servidora não foi precedida do necessário concurso público, a também evidenciar a irregularidade na sua contratação.
5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Santarém-PA, ora suscitado. (CC n. 70.226-PA, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 14.03.2007, DJ 26.03.2007 p. 204).
Administrativo. Processual Civil. Agravo regimental no conflito de competência. Servidor público estadual. Contratação irregular sem concurso público. Natureza temporária do vínculo afastada. Competência da Justiça do Trabalho. Agravo regimental improvido.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que as demandas que envolvem servidor público contratado irregularmente devem ser processadas e julgadas pela Justiça do Trabalho.
2. Agravo regimental improvido. (AgRg no CC n. 58.146-SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, julgado em 13.12.2006, DJ 05.02.2007 p. 199)
360
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ante o exposto, conheço do presente conflito negativo, para declarar competente o Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Nova Friburgo-RJ, para apreciar e julgar a reclamatória trabalhista.
MANDADO DE SEGURANÇA N. 7.083-DF (2000/0066520-7)
Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis MouraImpetrante: Rita Luiz de Barros OliveiraImpetrante: Neyde Augusta da SilvaImpetrante: Dilce Magalhães da SilvaImpetrante: Laura Reis MondainiRepr. por: Marcelo Monteiro BanhosImpetrante: Ana Maria Viana de FigueiredoImpetrante: Lúcia Maria Ramalho LeiteImpetrante: Helena Leitão de AlbuquerqueImpetrante: Juracy de Oliveira BragaImpetrante: Maria da Silva ValleAdvogado: Miguel Antônio de Oliveira HeuselerImpetrado: Ministro de Estado dos Transportes
EMENTA
Mandado de segurança. Administrativo. Ministro do Estado dos Transportes. Legitimidade passiva ad causam. Portaria n. 54/1992. Programa de assistência médica não-extensivo aos inativos e pensionistas. Ilegalidade. Precedentes.
1. O Ministro de Estado dos Transportes tem legitimidade para figurar no pólo passivo de mandado de segurança impetrado por pensionistas de ex-servidores do Ministério dos Transportes contra ato da lavra da referida autoridade.
2. Assegurado aos servidores em atividade e aos inativos o direito à assistência a sua saúde e de sua família, eventual exclusão, por Portaria Ministerial, de participação de pensionistas em programa de assistência médica implica em violação da Lei dos Servidores Públicos (art. 230) bem como em ofensa ao princípio constitucional da isonomia.
3. Segurança concedida.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO
361
RSTJ, a. 20, (210): 345-369, abril/junho 2008
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça: A Seção, por unanimidade, concedeu a segurança, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Votaram com a Relatora os Srs. Ministros Felix Fischer, Paulo Gallotti, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima.
Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp e, ocasionalmente, os Srs. Ministros Nilson Naves e Paulo Medina.
Brasília (DF), 28 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Relatora
DJ 26.03.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura: Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Rita Luiz de Barros Oliveira e outras, pensionistas de servidores vinculados à Delegacia do Ministério dos Transportes no Rio de Janeiro – DMT-RJ, contra ato do Ministro de Estado dos Transportes consubstanciado na ausência de extensão aos pensionistas de Plano de Assistência Médica.
Informam as impetrantes, em síntese, que a autoridade apontada como coatora, através da Portaria n. 054, de 11.12.1992, implementou um programa de assistência médica aos servidores, extensivo a seus dependentes, que teria como cota de reembolso o desconto “em folha de 1% (um por cento) do salário referência” (fl. 4). No entanto, aduzem, referido Plano de Assistência Médica tem aplicação apenas para os servidores em ativa, conforme expressa previsão daquela Portaria, que, por não ser extensiva aos inativos e pensionistas, ofenderia o princípio constitucional da isonomia.
Desse modo, requerem a concessão da segurança, para que seja reconhecido seu “direito de auferir os benefícios a que fazem jus, devendo o órgão mantenedor integrá-las nos planos de saúde existentes conveniados, mantendo-se os devidos descontos na mesma proporção dos servidores ativos e inativos” (fl. 7).
Em informações de fls. 111/113, manifesta-se o Ministro de Estado dos Transportes por sua ilegitimidade passiva ad causam, “uma vez que não depende da vontade desta autoridade a liberação de recursos orçamentários para implementar o plano de saúde dos inativos e pensionistas” (fl. 112). No mérito, sustenta que, nos termos do Decreto n. 2.383/1997, “as pensionistas somente
362
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
poderão ser beneficiadas pelos planos de assistência a saúde se contribuírem para tal fim” e que “o Ministério dos Transportes administra um orçamento bastante elevado para fazer face aos benefícios destinados aos pensionistas” (fl. 112).
Opina o Ministério Público Federal pela concessão da segurança (fls. 116/119).
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora): Inicialmente, cumpre afastar a alegação de ilegitimidade passiva ad causam do Ministro de Estado dos Transportes. Com efeito, conforme devidamente comprovado nos autos, as impetrantes são pensionistas de ex-servidores do Ministério dos Transportes e o ato ora atacado, qual seja, a Portaria n. 54, de 11.12.1992, que implementou um programa de assistência médica não-extensivo aos inativos e pensionistas, é da lavra da referida autoridade.
O artigo 230 da Lei n. 8.112/1990 dispunha, na redação vigente quando da impetração deste writ, que:
Art. 230. A assistência à saúde do servidor, ativo ou inativo, e de sua família,
compreende assistência médica, hospitalar, odontológica, psicológica e farmacêutica,
prestada pelo Sistema Único de Saúde - SUS ou diretamente pelo órgão ou entidade
ao qual estiver vinculado o servidor, ou, ainda, mediante convênio, na forma
estabelecida em regulamento.
Assegurado aos servidores em atividade e aos inativos o direito à assistência a sua saúde e de sua família, por prestação do SUS, do órgão ou entidade a que estiver vinculado ou mediante convênio, eventual exclusão, por Portaria Ministerial, de participação de pensionistas em programa de assistência médica implica em violação da Lei dos Servidores Públicos bem como em ofensa ao princípio constitucional da isonomia.
A esse respeito, confiram-se os seguintes precedentes desta Terceira Seção:
Administrativo. Servidores públicos inativos. Direito à assistência médica.
Exclusão dos planos de saúde dos servidores ativos. Direito líquido e certo.
Existência.
- O artigo 230, da Lei n. 8.112/1990 assegura aos servidores públicos ativos
e inativos a prestação de serviços de assistência à saúde por meio de sistema de
convênio, cujo atendimento deve fundar-se nos princípios de universalidade,
uniformidade e seletividade.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO
363
RSTJ, a. 20, (210): 345-369, abril/junho 2008
- A participação em programa de saúde que beneficiou os servidores ativos do
quadro funcional do Ministério dos Transportes deve ser estendido aos inativos e
pensionistas, mediante desconto de participação.
- Segurança concedida. (MS n. 4.570-DF, Rel. Min. Vicente Leal, Terceira
Seção, DJ 03.05.1999).
Constitucional e Administrativo. Proventos. Quintos incorporados. Reajuste
nos termos da Lei n. 9.030/1995. Art. 40, § 4º, CF/1988.
1. Os benefícios do programa de convênio médico implementado no âmbito
do Ministério dos Transportes para os servidores ativos, devem ser estendidos,
também, aos servidores inativos, a par de uma interpretação teleológica dos arts.
40, § 4º, da Constituição Federal, bem assim, do art. 230, da Lei n. 8.112/1990,
na medida em que os servidores aposentados e pensionistas devem ser estendidos
os benefícios e vantagens - quaisquer que sejam a sua natureza - concedidos aos
servidores em atividade, uma vez que a concessão de um plano de saúde mostra-se
passível de ser aferida monetariamente, vindo a representar, de conseguinte, um
ganho patrimonial para seus beneficiários, traduzindo um verdadeiro aumento na
contraprestação a que fazem jus pelos serviços prestados à União, mormente nos
dias atuais, em que a remuneração dessa parcela de trabalhadores vem sofrendo
uma crescente perda em seu poder aquisitivo.
2. Segurança concedida. (MS n. 4.572-DF, Rel. Min. Anselmo Santiago,
Terceira Seção, DJ 1º.02.1999).
Diante do exposto, concedo a segurança, para assegurar às impetrantes o direito de participarem no programa de assistência médica daquele Ministério, mediante desconto de participação.
É como voto.
MANDADO DE SEGURANÇA N. 11.294-DF (2005/0210297-5)
Relatora: Ministra Laurita VazImpetrante: Gilvan Romário Rigotti dos SantosAdvogado: João Vicente FeregueteImpetrado: Ministro de Estado da Defesa
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA
Mandado de segurança. Servidor público militar. Auxílio-invalidez. Alteração da forma de cálculo. Possibilidade. Direito adquirido a regime jurídico. Inexistência. Portaria n. 931-MD. Legalidade. Irredutibilidade de vencimentos. Art. 37, XV, da Constituição Federal. Observância. Vantagem pessoal nominalmente identificada.
1. A redução valor do auxílio-invalidez, sem a devida compensação sob a forma de vantagem pessoal, conforme previsto no art. 29 da Medida Provisória n. 2.215-10/2001, configura-se em afronta direta ao princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos, bem como ao princípio da legalidade.
2. O servidor público não tem direito adquirido a regime jurídico, sendo-lhe assegurado, apenas, pelo ordenamento constitucional pátrio, a irredutibilidade de vencimentos. Por conseguinte, não há impedimento que a Administração promova alterações na composição dos vencimentos dos servidores públicos, retirando ou alterando a fórmula de cálculo de vantagens, gratificações, reajustes etc, desde que não haja redução do montante até então percebido. Precedentes.
3. Deve o benefício do auxílio-invalidez ser calculado na forma estabelecida pela Portaria n. 931-MD, entretanto ao Impetrante deverá ser assegurada a percepção de eventual diferença entre o novo valor do auxílio-invalidez, calculado com base na Portaria n. 931-MD, e o valor anteriormente calculado na forma estabelecida pela Portaria n. 406-MD.
4. Ordem concedida para reconhecer, sob a rubrica de "vantagem pessoal nominalmente identificada", o direito do Impetrante à percepção da diferença dos valores do benefício do auxílio-invalidez, decorrente da alteração de sistemática de cálculo do referido benefício implantada pela Portaria n. 931-MD, em atendimento à irredutibilidade de vencimentos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, A Seção, por unanimidade, concedeu a segurança, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Votaram com a Relatora os Srs. Ministros Paulo Medina, Arnaldo Esteves Lima, Maria Thereza de Assis Moura, Nilson Naves, Felix Fischer, Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO
365
RSTJ, a. 20, (210): 345-369, abril/junho 2008
Brasília (DF), 22 de novembro de 2006 (data do julgamento).
Ministra Laurita Vaz, Relatora
DJ 05.02.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de mandado de segurança impetrado por Gilvan Romário Rigotti dos Santos, com pedido liminar, contra ato do Sr. Ministro de Estado da Defesa, visando sustar os efeitos da Portaria Normativa n. 931-MD, que reduziu o valor do seu auxílio invalidez de R$ 876,00, calculado com base na Portaria Normativa n. 406-MD, para R$ 313,50.
Alega o Impetrante, em síntese, que a Portaria Normativa n. 931-MD reduziu injustamente o valor da referida parcela e, por conseqüência, operou uma redução ao total dos seus proventos, em flagrante ofensa à garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos, prevista no art. 37, inciso XV, da Constituição Federal, bem como aos princípios do direito adquirido e da segurança jurídica.
Sustenta, ademais, a inconstitucionalidade parcial do art. 41 das Medidas Provisórias n. 2.131/2000 a 2.215-10/2001.
Requer, portanto, a concessão de medida liminar para restabelecer o pagamento do auxílio-invalidez, nos moldes preconizados pela Portaria Normativa n. 406-MD.
Solicitei as informações à autoridade apontada como coatora, para posterior manifestação sobre o requerimento liminar.
Nas informações prestadas às fls. 52/58, o Impetrado aduz, em síntese, que "reconhecendo a ilegalidade na forma de pagamento do auxílio-invalidez, e amparado no princípio da autotutela administrativa, cuidou o Ministério da Defesa de sanar a irregularidade, revogando a Portaria n. 406-MD-2004 e, por meio da Portaria n. 931-MD-2005, concedendo o tratamento adequado na forma de pagamento do auxílio-invalidez, nos exatos termos disciplinados pela Medida Provisória n. 2.215-10/2001". (fl. 58)
Deferi a liminar requerida, determinando o afastamento da aplicação da Portaria n. 931-MD, de modo a restabelecer a percepção do auxílio-invalidez no valor anteriormente percebido.
Foi interposto agravo regimental desta decisão, o qual não foi conhecido, com base no entendimento sufragado na Súmula n. 622-STF.
366
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Ministério Público Federal opinou pela concessão da segurança, em parecer ofertado às fls. 110/115, cuja ementa restou assim redigida, in verbis:
Constitucional, Administrativo e Processual Civil. Mandado de segurança.
Militar inativo. Auxílio-invalidez. Portaria Normativa n. 931/2005, do Ministério
da Defesa, que revogou a legislação anterior, Portaria Normativa n. 406/2004, que
determinava que o auxílio-invalidez seria equivalente ao valor do soldo do cabo
engajado. Redução do valor nominal dos proventos do Impetrante. Impossibilidade.
Afronta ao princípio da irredutibilidade dos vencimentos, art. 37, XV, da Constituição
Federal. Precedente do STF. Direito líquido e certo existente. Segurança que deve ser
concedida. (fl. 110)
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): A ordem deve ser concedida.
Com efeito, extrai-se dos documentos acostados aos autos que o Impetrante, em julho de 2005, percebia a título de auxílio-invalidez o valor de R$ 876,00 (oitocentos e setenta e seis reais), enquanto, em agosto de 2005, passou a perceber o valor de R$ 313,50 (trezentos e treze reais e cinqüenta centavos), sem que fosse assegurada a percepção da diferença entre ambos valores como vantagem pessoal nominalmente identificada, conforme estabelece o art. 29 da Medida Provisória n. 2.215-10/2001, que assim dispõe, litteris:
Art. 29. Constatada a redução de remuneração, de proventos ou de pensões,
decorrente da aplicação desta Medida Provisória, o valor da diferença será pago a
título de vantagem pessoal nominalmente identificada, sendo absorvido por ocasião
de futuros reajustes.
Parágrafo único. A vantagem pessoal nominalmente identificada prevista
no caput deste artigo constituirá parcela de proventos na inatividade, além das
previstas no art. 10 desta Medida Provisória, até que seja absorvida por ocasião de
futuros reajustes.
Como se vê, houve evidente inobservância aos ditames legais que disciplinam o pagamento do benefício, o que torna a redução, nos moldes como realizada pela Administração, inquestionavelmente ilegal.
Ademais, a afronta ao Princípio Constitucional que assegura a irredutibilidade de vencimentos dos servidores públicos também se mostra inquestionável.
Com efeito, é cediço que o servidor público não tem direito adquirido a regime jurídico, sendo-lhe assegurado, apenas, pelo ordenamento constitucional
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pátrio, a irredutibilidade de vencimentos. Nesse diapasão, não há impedimento que a Administração promova alterações na composição dos vencimentos dos servidores públicos, retirando ou alterando a fórmula de cálculo de vantagens, gratificações, reajustes etc, desde que não haja redução do montante até então percebido.
A propósito, confiram-se os seguintes precedentes:
Processual Civil. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental. Recurso especial. Reestruturação. Carreira. Militares. Medida Provisória n. 2.131/2000. Gratificação de inatividade. Manutenção. Impossibilidade. Coisa julgada. Direito adquirido. Regime jurídico. Inexistência. Garantia. Irredutibilidade de vencimentos.
I - O provimento judicial nos autos do mandado de segurança impetrado pelo ora agravante assegurou a manutenção da gratificação de inatividade enquanto existente no ordenamento jurídico. Assim, sucedendo posterior mudança no regime jurídico do servidor — in casu, a reestruturação da carreira dos militares — não pode ser mantido o recebimento de tal gratificação.
II - O direito do servidor público restringe-se à manutenção do quantum remuneratório, calculado em conformidade com a legislação. Se certa vantagem é reduzida ou extinta, mantendo-se o valor global dos proventos, e garantindo a irredutibilidade de vencimentos, isso é perfeitamente legal.
III - Garantir a manutenção da gratificação somente para o servidor que a obteve pela via judicial, sob o fundamento de existência de coisa julgada, ofenderia o princípio da isonomia, uma vez que com a reestruturação realizada pela Medida Provisória n. 2.131/2000 tal vantagem foi extinta para todos os outros servidores.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 614.145-RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 30.10.2006.)
Administrativo. Servidor público estadual. Adicional de função. Modificação na forma de cálculo. Redução dos vencimentos. Ausência. Inexistência de direito adquirido a regime jurídico. Recurso ordinário improvido.
1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, resguardada a irredutibilidade de vencimentos e proventos, não possuem os servidores públicos direito adquirido a regime de remuneração.
2. Hipótese em que as alterações introduzidas pela Lei Estadual n. 2.781/2003 e pelo Decreto n. 11.562 não violaram o princípio da irredutibilidade de vencimentos dos servidores do Estado de Mato Grosso do Sul, pois, em que pese haver redução no valor pago a título de adicional de função, o vencimento-base foi reajustado, de modo que houve majoração no valor da remuneração dos servidores. Precedentes.
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3. Recurso ordinário improvido. (RMS n. 19.749-MS, 5ª Turma, Rel. Min.
Arnaldo Esteves Lima, DJ de 30.10.2006.)
Administrativo. Servidor público. Gratificação. Vantagem pessoal. Regime
jurídico. Direito adquirido. Irredutibilidade de vencimentos assegurada. Agravo
interno desprovido.
I - O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência uniforme no sentido de
que o servidor não tem direito adquirido a imutabilidade do regime remuneratório,
desde que respeitado o princípio da irredutibilidade de vencimentos.
II - No caso dos autos, a gratificação considerada vantagem pessoal
nominalmente identificada, consoante disposição do Decreto n. 89.253/1983, não
pode ser suprimida sob pena de redução salarial e conseqüente maltrato ao direito
adquirido.
III - A mera transposição de regime trabalhista ao estatutário não tem o condão
de extinguir vantagens já incorporadas ao patrimônio jurídico dos recorrentes.
IV - Agravo interno desprovido. (AgRg no REsp n. 769.733-SP, 5ª Turma, Rel.
Min. Gilson Dipp, DJ de 21.08.006.)
No presente caso, todavia, do simples exame dos contra-cheques colacionados, constata-se a existência de redução da remuneração do Impetrante no mês de agosto de 2005, comparativamente ao mês de julho do mesmo ano, em face da alteração da forma de cálculo do auxílio-invalidez, o que, como dito, é inadmissível em face do princípio da irredutibilidade de vencimentos, previsto no art. 37, inciso XV, da Constituição Federal.
Diante de todo o exposto, e após a interpretação sistemática de todo o arcabouço normativo e jurisprudencial pertinente, ouso afirmar que a Portaria n. 931-MD não padece de qualquer ilegalidade, tampouco afronta eventual direito adquirido do Impetrante de perceber o auxílio-invalidez calculado com base no soldo do cabo engajado, pois, conforme ressaltado, inexiste direito adquirido do servidor público a regime jurídico.
Noutros termos, entendo que o benefício do auxílio-invalidez deve ser calculado na forma estabelecida pela Portaria n. 931-MD, entretanto deverá ser assegurada, sob a rubrica de "Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada", a percepção de eventual diferença o novo valor do auxílio-invalidez, calculado com base na Portaria n. 931-MD, e o valor anteriormente calculado na forma estabelecida pela Portaria n. 406-MD, para os beneficiários que lograram perceber o auxílio-invalidez antes do advento da Portaria n. 931-MD.
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Vê-se, portanto, que a ilegalidade do ato impugnado, em verdade, reside no fato de o Poder Público não ter assegurado a irredutibilidade de vencimentos, sob a forma de vantagem pessoal nominalmente identificada, conforme expressamente previsto no art. 29 da Medida Provisória n. 2.215-10/2001, e não no de ter sido alterada a sistemática de cálculo do auxílio-invalidez.
Aliás, nesse ponto, vale destacar que essa foi a orientação adotada pela i. Ministra relatora, Maria Thereza de Assis, quando do julgamento do MS n. 11.442-DF, na sessão do dia 25.10.2006, cujo acórdão encontra-se pendente de publicação (Informativo de Jurisprudência n. 302).
Ante o exposto, concedo a segurança, para reconhecer o direito do Impetrante à irredutibilidade de vencimentos, assegurando, sob a rubrica de "vantagem pessoal nominalmente identificada", a percepção da diferença dos valores do benefício do auxílio-invalidez, decorrente da alteração de sistemática de cálculo do referido benefício implantada pela Portaria n. 931-MD.
É como voto.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS N. 40.950-SP (2005/0003481-4)
Relator: Ministro Arnaldo Esteves LimaAgravante: José Gabriel MoysésAgravado: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São PauloPaciente: Helmir Francis
EMENTA
Penal. Agravo regimental em habeas corpus. Interposição contra decisão colegiada. Impossibilidade. Agravo não conhecido.
1. Conforme prevê o art. 258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, a interposição de agravo regimental somente é cabível de decisões monocráticas proferidas pelo Presidente da Corte Especial, de Seção, de Turma ou de relator.
2. Tratando-se de decisão colegiada, proferida por esta Quinta Turma no julgamento de habeas corpus, no qual foi denegada a ordem, incabível é a interposição do presente agravo regimental.
3. Agravo regimental não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do agravo regimental. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 13 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator
DJ 12.03.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de agravo regimental interposto por José Gabriel Moysés contra acórdão desta Quinta Turma, que, à unanimidade, denegou a ordem em habeas corpus impetrado em favor de Helmir Francis nos termos da seguinte ementa (fl. 261):
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Processual Penal. Habeas corpus. Penal. Crime contra a ordem tributária.
Parcelamento do débito anteriormente ao recebimento da denúncia. Extinção da
punibilidade. Não-ocorrência. Causa de suspensão da pretensão punitiva. Ordem
denegada.
1. O trancamento da ação penal justifica-se somente quando verificadas,
de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausência de
indícios de autoria e prova da materialidade, o que não ocorre na hipótese dos
autos. Precedentes.
2. O parcelamento de débito tributário é causa de suspensão da pretensão
punitiva estatal durante o período em que o devedor estiver incluído no programa
de parcelamento, à luz do art. 9º, caput, da Lei n. 10.684/2003 (Precedente do
STF), que não se confunde com causa de extinção da punibilidade.
3. Comprovado o inadimplemento do acordo firmado – que apenas suspendeu
a pretensão punitiva estatal enquanto o contribuinte estivesse honrando o
compromisso assumido –, não se pode impedir o recebimento da denúncia ou obstar
o andamento de ação penal instaurada em decorrência da prática de crime contra
a ordem tributária.
4. Ordem denegada.
Sustenta o agravante que o entendimento firmado no acórdão diverge da orientação pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, motivo pelo qual requer a concessão da ordem para que seja trancada a ação penal e reconhecida a extinção da punibilidade.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): O acórdão agravado deve ser mantido por seus próprios fundamentos, tendo em vista que, conforme prevê o art. 258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, a interposição de agravo regimental somente é cabível de decisões monocráticas proferidas pelo Presidente da Corte Especial, de Seção, de Turma ou de relator.
No caso, portanto, tratando-se de decisão colegiada, proferida por esta Quinta Turma no julgamento de habeas corpus, no qual foi denegada a ordem, incabível é a interposição do presente agravo regimental
Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes desta Corte:
Agravo regimental em recurso ordinário. Decisão colegiada. Incabimento.
1. Incabe agravo regimental contra decisão colegiada (RISTJ, artigo 258).
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2. Agravo regimental não conhecido. (AgRg no RHC n. 15.531-PR, Rel. Min.
Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 09.10.2006)
Criminal. Agravo regimental no agravo regimental no RHC. Interposição
contra decisão colegiada. Impossibilidade. Precedentes. Agravo não-conhecido.
I. A interposição do recurso de agravo regimental, a teor do que dispõe o art.
258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, somente é cabível das
decisões monocráticas, proferidas pelo Presidente da Corte Especial, da Seção, de
Turma ou de relator, e, não, contra decisão colegiada, proferida pela 5ª Turma desta
Corte.
II. Agravo regimental não-conhecido. (AgRg no AgRg no RHC n. 17.125-RJ,
Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 06.03.2006)
Ante o exposto, não conheço do agravo regimental.
É como voto.
HABEAS CORPUS N. 49.194-SP (2005/0177525-3)
Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia FilhoImpetrante: José Carlos Dias e outroAdvogado: Aldo de Campos CostaImpetrado: Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoPaciente: Maria Luiza Scarano Arantes Rocco Paciente: Maria Helena Junqueira da Veiga Serra Paciente: Paulo Francisco Vilela de AndradePaciente: Luís Carlos Gomes de SoutelloImpetrante: José Luiz de Oliveira Lima e outroPaciente: João Paulo Musa Pessoa Paciente: Francisco Roberto de Rezende Junqueira Paciente: Paulo Sebastião Gomes CardosoPaciente: Bernardo Luís Rodrigues de Andrade
EMENTA
Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Crime de sonegação fiscal e formação de quadrilha. Trancamento da ação penal.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Delito de quadrilha ou bando. Autonomia delitiva. Alegação de falta de justa causa. Inexistência. Ordem denegada.
1. O trancamento da ação penal é medida de todo excepcional, não se admitindo que substitua a ação de rito ordinário, consentânea com todos os meios de prova admitidos; na via estreita do Habeas Corpus, em regra, não comporta dilação probatória.
2. Não obstante a anulação do lançamento tributário, em razão da adesão da fundação ao simples, acarretar a suspensão da pretensão punitiva estatal no que tange aos delitos tributários, tal providência não implica a ausência de justa causa para o processo por crime formação de quadrilha.
3. O crime de quadrilha ou bando é autônomo ou formal, ou seja, sua consumação se dá com a convergência de vontades e independe da punibilidade ulterior dos delitos visados.
4. As informações trazidas na denúncia e consignadas no acórdão recorrido são suficientes, no caso em tela, para autorizar um juízo positivo de admissibilidade, propiciador da persecução penal pelos crimes imputados aos pacientes.
5. A peça acusatória trouxe a descrição clara dos fatos com todas suas circunstâncias e elementos, de forma a viabilizar, de maneira real e efetiva, a ampla defesa ao acusado, não havendo o que se falar em inépcia da denúncia.
6. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.
Sustentaram oralmente: Dr. José Luis de Oliveira Lima e Dr. Francisco Pereira de Queiroz (p/ pactes).
Brasília (DF), 26 de junho de 2007 (data do julgamento).
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator
DJ 06.08.2007
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RELATÓRIO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de Habeas Corpus, substitutivo de Recurso Ordinário, contra acórdão do egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, por unanimidade, trancou a ação penal quanto à imputação referida no item III da denúncia (atinente à NFLD n. 35.136.036-0) e, no mais, por maioria, denegou a ordem, determinando o prosseguimento do processo no tocante à imputação de formação de quadrilha, feita aos pacientes supra nominados.
2. Depreende-se dos autos que os ora pacientes foram denunciados como incursos nos delitos tipificados nos arts. 1º, II da Lei n. 8.137/1990 (crime contra a ordem tributária), por 110 vezes, em continuidade delitiva (art. 69 do CP) e art. 288 do CP (formação de quadrilha), por terem supostamente se associado em quadrilha estável e organizada, a fim de fraudar a fiscalização tributária previdenciária, no período compreendido entre os anos de 1997 e 1998, quando da administração da Fundação de Assistência Social Sinhá Junqueira. Segundo descreve a denúncia, os acusados teriam inserido elementos inexatos e omitido operações em documentos e livros exigidos pela legislação fiscal, com o intuito de fraudar o Fisco Previndenciário.
3. Em face do recebimento da denúncia, foi impetrado Habeas Corpus perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que, em relação ao crime tributário, concedeu a ordem para trancar a ação penal quanto à imputação constante no item III da denúncia, porquanto referente à autuação que havia sido anulada pelo próprio INSS. Por outro lado, quanto ao crime de formação de quadrilha, a ordem foi denegada, cassando-se a liminar anteriormente deferida e determinando, consequentemente, o imediato prosseguimento do processo para apuração do referido delito.
4. Impetra-se o presente Habeas Corpus sustentando a ausência de justa causa para a ação penal, uma vez que não há qualquer elemento de prova a demonstrar a materialidade do delito, bem como as autuações efetuadas pelo INSS, de cobrança retroativa de contribuições no período em que vigeu a imunidade tributária da entidade, são objeto de processo administrativo-fiscal ainda não encerrado. Sustentam, ainda, ser inepta a denúncia, porquanto não descreve os fatos de sorte a inviabilizar o exercício da ampla defesa.
5. A medida liminar foi deferida pelo anterior Relator do feito às fls. 667/669.
6. Notificada, a autoridade apontada como coatora prestou as informações de estilo às fls. 675, oportunidade na qual juntou cópia do v. acórdão recorrido.
378
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
7. Em parecer, a douta Subprocuradora-Geral da República, Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, às fls. 719/722, opina pela denegação da ordem.
8. É o que havia de relevante para relatar.
VOTO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. A finalidade precípua do Habeas Corpus, constitucionalmente prevista, consiste em fazer cessar violência ou coação na liberdade de locomoção em virtude de ilegalidade ou abuso de poder. Diz-se que a coação é ilegal quando (A) não houver justa causa para tanto; (B) perdurar por mais tempo do que o permitido em lei; (C) for ordenado por agente incompetente; tiver cessado o motivo que autorizou a coação; (D) não for admitida a prestação de fiança, a despeito da autorização legal; (E) caso o processo seja manifestamente nulo ou, ainda, (F) quando extinta a punibilidade (art. 648 do CPB).
2. Com efeito, a ausência de justa causa desdobra-se em dois aspectos: justa causa para a ordem proferida, que resultou em coação contra o paciente, ou justa causa para a persecução criminal (investigatória ou processual), sem que haja lastro indiciário ou probatório suficiente para tanto.
3. Na hipótese vertente, os impetrantes sustentam a ocorrência de constrangimento ilegal em razão da ausência de justa causa para persecução penal, tendo em vista que o que há é um conjunto de acusações criminais extemporâneas e arbitrárias, apresentadas sem a instauração de inquérito policial para a efetiva apuração dos fatos e das responsabilidades subjetivas (fls. 15).
4. Tem-se, pois, que a alegação de falta de justa causa ora suscitada baseia-se na carência de provas a sustentar a existência e manutenção do processo criminal. Além disso, sustentam que os impetrantes respondem no momento por 3 ações penais pelo mesmo crime de formação de quadrilha, o que torna mais evidente a ilegalidade perpetrada.
5. Ora, consoante depreende-se da denúncia, às fls. 37/38,
... os denunciados na administração da Fundação Sinhá Junqueira, em tese,
instituição civil de fins caritativos e sociais, criada em 1950, reconhecida como
de utilidade pública federal pelo Decreto n. 63.242, de 12 de setembro de 1968,
utilizavam-se de tal natureza jurídica com a finalidade exclusiva de fraudar a
fiscalização tributária, não recolhendo tributos e desrespeitando as normas que
regem as entidades fundacionais.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
(...).
Ocorre que, sem a necessária permissão estatutária, ou seja, além de seus objetivos institucionais, a Fundação participa do capital social de várias outras empresas de fins lucrativos, chamadas de coligadas ou controladas, transferindo, inclusive, a tais pessoas jurídicas recursos financeiros a título de adiantamentos.
Ademais, as chamadas empresas coligadas foram instituídas pelos representantes legais da Fundação, ora denunciados, as quais também possuem como dirigentes os ora denunciados.
(...).
Assim, os denunciados transformaram a Fundação Sinhá Junqueira, ao arrepio dos mandamentos legais que regem as entidades sem fins lucrativos, em uma empresa controladora e administradora de outras pessoas jurídicas de cunhos econômicos, pois, além de possuir a maioria do controle acionário destas, quando não a exclusividade, os escritórios coincidiam no mesmo endereço, consoante fls. 12, do anexo 01, volume 01.
6. O Tribunal a quo, no julgamento do Habeas Corpus originário, concedeu parcialmente a ordem mas apenas para trancar a ação penal e suspender a prescrição da pretensão punitiva estatal em relação à suposta prática de supressão de contribuição tributária, em razão do cancelamento do lançamento que serviu de suporte para a denúncia por se tratar de empresa optante pelo sistema do Simples, mantendo, por outro lado, o prosseguimento da ação no tocante à imputação do delito de formação de quadrilha, sob o seguinte fundamento:
Dizer que incorre crime de concurso necessário, envolvendo pessoas que segundo a denúncia se envolveram para perpetrar crimes, assim afastando desde logo o reconhecimento do dolo específico referido no artigo 288, para reconhecer apenas liame psicológico que caracteriza o concurso de agentes do artigo 29, é postura não vocacionada para a estreita via do conhecimento do habeas corpus porque, para realizar aquele reconhecimento haveriam os julgadores de adentrar no exame do elemento anímico, subjetivo, dos pacientes; pior ainda é fazê-lo quando a instrução criminal, no Juízo de origem, apenas está para se iniciar, vale dizer, o Tribunal estaria sendo açodado em afastar imputação de crime grave apenas com base na argumentação tecida na impetração, sem qualquer lastro.
Ora, havendo indícios seguros - descritos na denúncia - de que os pacientes compunham o rol de diretores e conselheiros remunerados de uma entidade que se diz filantrópica, a qual em tese teria sonegado contribuições sociais no montante aproximado de R$ 12.120.635,21, na pior das hipóteses desde o ano de 1997, é açodado afastar a acusação de que teriam se conluiado voluntariamente para a prática de tais infrações (fls. 655).
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
7. Consoante referido acima, a acusação é suficiente para autorizar um juízo positivo de admissibilidade, propiciador da persecução penal pelo mencionado crime. Verifica-se das informações trazidas pela denúncia, bem como consignadas no acórdão recorrido, que a conduta perpetrada pelos pacientes subsume-se, em tese, ao delito sancionado pelo art. 288 do CP, tudo a depender do que vier a ser apurado no curso do processo criminal, com base nos elementos fáticos-probatórios a serem devidamente analisados.
8. Nesse contexto, é de se ter bem claro que o trancamento da ação penal é medida de todo excepcional, não se admitindo que substitua o procedimento de rito ordinário, consentânea com todos os meios de prova admitidos, na qual os elementos de convicção serão apresentados e submetidos ao crivo do contraditório; a via estreita do Habeas Corpus, em regra, não se admite dilação probatória. Assim, a medida somente pode ser admitida quando evidente a ausência de justa causa, o que não ocorre nas hipóteses em que a denúncia descreve conduta que configura crime em tese.
9. Frise-se, por oportuno, que, não obstante a ausência de constituição definitiva do crédito tributário, em razão da existência de procedimento administrativo ainda em curso ou, ainda, em virtude da imunidade tributária da Fundação estar sub judice, acarretar, sem dúvida, a suspensão da pretensão punitiva estatal no que tange aos delitos tributários, tal providência não implica a ausência de justa causa para o crime de quadrilha.
10. Ademais, é pacífico o entendimento de que, sendo a quadrilha ou bando crime autônomo ou formal, sua consumação se dá com a convergência de vontades e independe da realização ulterior do fim visado; conforme lição assentada pelo eminente Ministro Felix Fischer, no julgamento do HC n. 49.470-PB, em 11.09.2006, o aperfeiçoamento do delito de quadrilha ou bando não depende da prática ou da punibilidade dos crimes a cuja comissão se destinava a associação criminosa.
11. Confiram-se, ainda, os seguintes precedentes do colendo Pretório Excelso:
Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Crime de sonegação fiscal. Adesão ao Refis. Parcelamento do débito. Suspensão do processo. Delito de quadrilha ou bando. Falta de justa causa. Ausência. Crime formal.
1. A suspensão do processo relativo ao crime de sonegação fiscal, em conseqüência da adesão ao Refis e do parcelamento do débito, não implica ausência de justa causa para a persecução penal quanto ao delito de formação de quadrilha ou bando, que não está compreendido no rol taxativo do artigo 9º da Lei n. 10.684/2003.
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2. O delito de formação de quadrilha ou bando é formal e se consuma no momento em que se concretiza a convergência de vontades, independentemente da realização ulterior do fim visado.
Ordem denegada. (HC n. 84.223-2-RS, Rel. Min. Eros Grau, DJU 27.08.2004).
Habeas corpus. Falsidade ideológica (art. 299 do CP). Fraude em licitação.
Preenchimento fictício de propostas, com a utilização de máquina de datilografia do setor de licitações da Prefeitura de Bebedouro-SP, mediante a inserção, nas respectivas cartas-convites, de dados relativos às empresas participantes, com exceção da empresa do paciente, vencedora do certame.
Ausência, na denúncia, de descrição de qualquer conduta do paciente destinada à prática do crime de falsidade ideológica, inviabilizando o exercício da defesa. Denúncia inepta quanto a esse crime. Crime de responsabilidade (art. 1º, § 1º do Decreto-Lei n. 201/1967).
(...).
Denúncia que se reputa inepta no tocante a tal delito. Crime de bando ou quadrilha (art. 288 do CP). Infração permanente, que se consuma com a efetiva associação das pessoas visando ao cometimento de crimes, independentemente da prática de algum delito pelo grupo.
Denúncia que se volta contra 18 pessoas, incluindo o paciente, apontando indícios suficientes de que houve, de fato, associação entre elas com o objetivo de cometer crimes contra a Administração Pública municipal. Denúncia que descreve com clareza os fatos contra os quais deve se voltar a defesa.
Ausência de constrangimento ilegal a ser sanado. Habeas corpus deferido parcialmente (HC n. 81.295-SP, Rel. Min. Ellen Gracie, DJU 14.12.2001).
12. Tal orientação é igualmente perfilhada pelo magistério do Professor Guilherme de Souza Nucci, para quem “o delito do art. 288 tem prova autônoma dos diversos crimes que o bando puder praticar. Assim, nada impede que o sujeito seja condenado pela prática de quadrilha ou bando, porque as provas estavam fortes e seguras, sendo absolvido pelos crimes cometidos pelo grupo, tendo em vista provas fracas e deficitárias” (Código Penal Comentado, São Paulo, RT, 2006, p. 949).
13. Esse mesmo entendimento é registrado pelo ilustre Jurista Cezar Roberto Bitencourt, cuja doutrina também reconhece que “consuma-se o crime com a simples associação de mais de três pessoas para a prática de crimes, colocando em risco a paz pública, sendo desnecessária, pois, a prática de qualquer crime” (Código Penal Comentado, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 1.021)
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
14. Vê-se, pois, que o delito tipificado no art. 288 do CPB “não está diretamente vinculado ao resultado material visado pela organização criminosa”, já que seu aperfeiçoamento se dá no momento associativo, cujo perigo é causa suficiente para reclamar a tutela penal por parte do Estado. Caso assim não fosse, a associação para a prática de ilícitos penais não passaria de mero ato preparatório, tornando-se penalmente irrelevante.
15. Dest'arte, resta patente a impropriedade da via estreita do Habeas Corpus para a análise do constrangimento ilegal invocado, uma vez que, conforme delineado, somente o revolver dos elementos factuais conduzirá à formação de um juízo acerca da existência, ou não, de justa causa para o prosseguimento da Ação Penal quanto ao crime de quadrilha ou bando.
16. A propósito, este entendimento encontra respaldo na doutrina especializada dos festejados Juristas Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes, para quem o Habeas Corpus “constitui remédio mais ágil para a tutela do indivíduo e, assim, sobrepõe-se a qualquer outra medida, desde que a ilegalidade possa ser evidenciada de plano, sem necessidade de um reexame mais aprofundado da justiça ou injustiça da decisão impugnada” (Recursos no Processo Penal, São Paulo, RT, 2001, p. 353), o que não se dá na hipótese vertente.
17. Aliás, outra não é a orientação pacificada nesta Corte acerca da excepcionalidade do uso da garantia constitucional do Habeas Corpus a fim de obter o trancamento da Ação Penal, como se vê nestas paradigmáticas decisões:
Habeas corpus. Artigos 213 e 214, c.c. 224 e 226, inciso I, todos do Código Penal. Inépcia da denúncia. Crime de autoria coletiva. Inocorrência de constrangimento ilegal. Ordem denegada.
1. O trancamento da ação penal é medida excepcional, somente admitida quando constatada, prima facie, a atipicidade da conduta ou a negativa de autoria.
2. Narrando a denúncia fatos configuradores de crime em tese, de modo a possibilitar a defesa dos acusados, não é possível o trancamento da ação penal, na via do habeas corpus.
3. A doutrina e jurisprudência são acordes ao lecionarem que nos crimes de autoria coletiva não há a necessidade da denúncia ser detalhada, haja vista a natureza do crime. Assim, não há como se definir, prima facie o modus operandi de cada um dos participantes do delito.
4. Ordem prejudicada, com relação ao paciente José Félix de Souza, e denegada quanto aos demais pacientes. (HC n. 47.697-PI, 6T, Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJU de 26.02.2007).
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
Recurso ordinário em habeas corpus. Processo Penal. Falsidade ideológica. Crime de sonegação fiscal. Extinção de punibilidade. Absorção. Análise fática incabível na via eleita. Inquérito policial. Trancamento. Impossibilidade. Justa causa evidenciada.
1. A teor do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento de inquérito policial pela via estreita do habeas corpus é medida de exceção, só admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca e sem a necessidade de valoração probatória, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.
2. O tipo do art. 1º, inc. I, da Lei n. 8.137/1990 é crime especial, que engloba a falsidade cometida unicamente com a intenção de suprimir ou reduzir tributo. A falsidade ideológica tem, em princípio, existência própria e volta-se contra a fé pública, fazendo-se necessária incursão na seara probatória, impossível na via estreita do habeas corpus, para reconhecê-la como crime-meio do delito de sonegação fiscal.
3. In casu, extinta a punibilidade do crime de sonegação fiscal, e havendo indícios de que persiste a materialidade lesiva da falsidade ideológica, torna-se possível o indiciamento do Paciente, já que as excepcionais circunstâncias que o impedem não se evidenciam de plano.
4. Recurso desprovido. (RHC n. 14.635-PR, 5ª T, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 02.05.2005).
18. Outrossim, em relação à alegação de inépcia da peça acusatória, cumpre esclarecer que o art. 41 do CPP prevê quais são os elementos da denúncia ou queixa: (I) exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias; (II) qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo; (III) classificação do crime e (IV) rol de testemunhas. Nesse ponto, é de se ter claro que o principal dever do órgão acusatório é trazer na denúncia a descrição clara dos fatos com todas suas circunstâncias e elementos, para que seja viabilizada, de forma real e efetiva, a ampla defesa ao acusado.
19. Conclui-se, portanto, que eventual inépcia da peça acusatória somente pode ser declarada, pela via excepcional do presente writ, quando demonstrada, de plano, manifesta deficiência de seu conteúdo a ponto de impedir o exercício da defesa real pelo acusado.
20. In casu, a denúncia preenche os requisitos elencados no ordenamento jurídico, uma vez que descreve, em tese, fato típico, com suas respectivas circunstâncias, qualificação dos acusados, tipificação do ilícito penal, descrição das provas carreadas, além do rol de testemunhas, ao ponto de viabilizar a defesa de fato dos ora pacientes.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
21. Nesse sentido, cabe trazer à baila alguns julgados desta Corte sobre a matéria:
Recurso em habeas corpus. Penal. Sonegação fiscal. Inépcia da denúncia. Narrativa genérica: não caracterizada. Não necessidade da pormenorização das condutas. Precedentes deste STJ. Inteligência do art. 569 do Código de Processo Penal. Recurso não provido.
1. Não há falar em inépcia formal da acusatória, quando presentes os pressupostos do artigo 41 do CPP, propiciando ao denunciado o exercício da ampla defesa, quanto mais em se tratando, como na espécie, de crime coletivo e societário. Precedentes deste STJ.
2. A denúncia que atende, suficientemente, às exigências legais, permitindo uma adequação típica, o reconhecimento do nexo causal e a delimitação e a especificação de condutas, basta ao desencadeamento da persecutio criminis.
3. Eventual omissão pode ser suprida a qualquer tempo, antes da sentença final, nos termos do art. 569 do Código de Processo Penal .
4. Recurso não provido. (RHC n. 16.331-MG, 6ª T, Rel. Min. Helio Quaglia Barbosa, DJU 18.06.2007).
Processual Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Crimes contra o sistema financeiro nacional e art. 288 do Código Penal. Ausência de dolo. Atipicidade da conduta. Supressão de instância. Inépcia da denúncia. Inocorrência
I - Tópicos que não foram apreciados pelo e. Tribunal a quo, não podem ser apreciados por esta Corte sob pena de supressão de instância.
II - A denúncia, a princípio, não se afigura inepta quando, atendendo ao disposto no art. 41 do CPP, descreve, em tese, fato típico, com as suas respectivas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do ilícito penal e o rol das testemunhas, possibilitando, assim, o exercício da defesa (Precedentes).
Recurso parcialmente conhecido e, neste ponto, desprovido. (RHC n. 19.490-MA, 5ª T, Rel. Min. Felix Fischer, DJU 18.06.2007).
22. Forte nesses fundamentos, impõe-se a denegação da ordem, cassando-se a liminar anteriormente deferida.
HABEAS CORPUS N. 49.512-RS (2005/0183825-5)
Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia FilhoImpetrante: Ivo dos Santos Rocha
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do SulPaciente: Arlindo Antonio Peres (Preso)
EMENTA
Habeas corpus. Processual Penal. Atentado violento ao pudor. Vítima menor de 14 anos. Interrogatório judicial. Ausência de defensor. Nulidade absoluta. Inexistência. Art. 187 do CPP, alterado pela Lei n. 10.792/2003. Denegação da ordem.
1. Somente após a entrada em vigor da Lei n. 10.792/2003, que modificou o art. 187 do CPP, é que passou a ser exigida a presença do Advogado quando do interrogatório judicial.
2. Precedentes desta Corte.
3. Tendo sido o interrogatório realizado em 24 de setembro de 1999, não há que se falar em qualquer nulidade a ser sanada.
4. Ordem denegada, conforme parecer do MPF.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.
Brasília (DF), 14 de junho de 2007 (data do julgamento).
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator
DJ 06.08.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Cuida-se de Habeas Corpus impetrado por Ivo dos Santos Rocha, em favor de Arlindo Antonio Peres, contra o acórdão proferido pela Oitava Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, objetivando a decretação da nulidade do Processo n. 072/2.03.0001817-2, desde a fase de interrogatório, renovando-se todos os atos subseqüentes.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. Sustenta, para tanto, a ocorrência de nulidade absoluta, face à ausência de defensor na referida fase, contrariando o disposto no art. 564, do Código Penal.
3. Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado a 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, pela infração aos artigos 214, c.c. 224, a, do Código Penal e artigo 9º, caput, da Lei n. 8.072/1990 (tendo repetido a prática por três vezes, com a mesma vítima - atentado violento ao pudor); e incurso nas sanções previstas no artigo 214, c.c. artigo 224, a e art. 14, II, na forma do artigo 71, caput, todos do CP. Ademais, compulsando os autos, verifica-se que, recebida a denúncia em 30 de julho de 1999, o interrogatório foi designado para o dia 24 de setembro seguinte (fls. 06) e, conforme consta do Termo de Interrogatório às fls. 13/14, o réu prestou seus esclarecimentos sem a presença de seu defensor.
4. Em face dessa decisão, foram interpostos apelos defensivo e ministerial perante o Tribunal a quo, que rejeitou a preliminar de nulidade e redimensionou a pena para 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a ser cumprida em regime integralmente fechado.
5. Daí o presente Habeas Corpus, em que requer o impetrante a anulação do Processo n. 072/2.03.0001817-2, da Primeira Vara Criminal da Comarca de Torres-RS, determinando-se, ainda, a soltura imediata do ora paciente e a renovação de todos os atos a partir do interrogatório, inclusive.
6. Não houve pedido liminar.
7. Foram dispensadas as informações por decisão do anterior relator do feito (fls. 80).
8. Em parecer da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral da República Delza Curvello Rocha, o MPF opina pelo indeferimento da ordem, porquanto, anteriormente à entrada em vigor da Lei n. 10.792/2003, que modificou o art. 187, do Código de Processo Penal, não era exigível a presença do advogado no interrogatório do acusado. Sendo assim, a anulação do processo só seria possível face à comprovação de prejuízo causado ao interrogado, o que não restou demonstrado no presente caso. Desta forma, assevera inexistir qualquer constrangimento ilegal a ser sanado.
9. É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. A questão cinge-se à nulidade do interrogatório realizado sem a presença do defensor do ora paciente.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
2. Em que pese a irresignação do impetrante, esta matéria encontra-se pacificada no âmbito desta Corte, no sentido de que, somente após a entrada em vigor da Lei n. 10.792/2003, que modificou o art. 187 do CPP, é que passou a ser exigida a presença do advogado quando do interrogatório judicial.
3. Confiram-se, por oportuno, os seguintes precedentes deste Superior Tribunal:
Recurso especial. Penal e Processual Penal. Porte ilegal de arma. Art. 10 da Lei
n. 9.437/1997. Ausência de defensor no interrogatório. Inexistência de nulidade.
Ato personalíssimo do magistrado. Nulidade do laudo pericial. Irrelevância para a
caracterização do delito. Recurso conhecido e provido.
1. Anteriormente à entrada em vigor da Lei n. 10.792/2003, o interrogatório
– art. 187 do CPP – prescindia da presença do defensor, uma vez que, sendo ato
personalíssimo do magistrado, com as características da judicialidade e da não-
intervenção da acusação e da defesa, não estava sujeito ao contraditório. Destarte,
não há nenhuma nulidade a ser sanada. Precedentes.
(...). (REsp n. 845.914-RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU 19.03.2007,
p. 390)
Processual Penal. Habeas corpus. Art. 213 do Código Penal. Interrogatório
judicial. Ausência do defensor constituído. Audiência de inquirição das testemunhas
de defesa. Nomeação de defensor ad hoc.
I - A realização do interrogatório do réu, antes da entrada em vigor da Lei
n. 10.792/2003, sem a presença do defensor, como tal, não constituía nulidade,
porquanto, a teor do art. 187 do CPP, tratava-se de ato personalíssimo, com as
características da judicialidade e da não-intervenção da acusação e da defesa
(Precedentes).
(...)
Habeas corpus denegado. (HC n. 62.817-RN, Rel. Min. Felix Fischer, DJU
26.02.2007, p. 623)
Interrogatório. Lei n. 10.792/2003 (aplicação). Defensor (ausência). Nulidade
(caso).
1. Com a alteração do Cód. de Pr. Penal pela Lei n. 10.792/2003, assegurou-
se, de um lado, a presença do defensor durante a qualificação e interrogatório do
réu; de outro, o direito do acusado de entrevista reservada com seu defensor antes
daquele ato processual.
388
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. Por consistirem tais direitos em direitos sensíveis – direitos decorrentes de
norma sensível –, a inobservância pelo juiz dessas novas regras implica a nulidade
do ato praticado.
3. Caso em que o réu foi interrogado sem a assistência de advogado, tendo
dispensado a entrevista prévia com o defensor nomeado pelo juiz.
4. Recurso provido a fim de se anular o processo penal desde o interrogatório
do acusado. (RHC n. 17.679-DF, Rel. Min. Nilson Naves, DJU 14.03.2006, p. 362)
4. No caso em tela, verifica-se que a denúncia foi recebida em 30 de julho de 1999 e o interrogatório foi realizado no dia 24 de setembro do mesmo ano (fls. 06), portanto, muito antes da entrada em vigor da Lei n. 10.792/2003.
5. Sendo assim, inexiste qualquer constrangimento ilegal a ser sanado.
6. Diante do exposto, denego a ordem impetrada.
7. É como voto.
HABEAS CORPUS N. 53.505-SP (2006/0020228-0)
Relatora: Ministra Laurita VazImpetrante: João Manoel Armôa JuniorImpetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Paciente: Jéferson Candido Rosa
EMENTA
Habeas corpus. Suspensão condicional do processo. Beneficiário processado por outro crime no período de prova. Absolvição. Irrelevância. Revogação após o término do período de prova. Possibilidade.
1. Constatado que o beneficiário da suspensão condicional do processo respondeu a outra ação penal durante o período de prova, a revogação do benefício é automática, sendo irrelevante sua posterior absolvição, ou o fato da decisão ser proferida após o término do período de prova.
2. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
3. Ordem denegada.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 12 de dezembro de 2006 (data do julgamento).
Ministra Laurita Vaz, Relatora
DJ 12.02.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado por João Manoel Armôa Júnior, em favor de Jéferson Candido Rosa, denunciado pela prática, em tese, do crime de receptação, contra o acórdão denegatório proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Infere-se dos autos que, após o oferecimento da denúncia, o Paciente foi agraciado com o benefício da suspensão condicional do processo.
Após o decurso do prazo de suspensão, o Ministério Público requereu a folha de antecedentes do Paciente e, em razão da superveniente notícia de que o denunciado havia praticado nova infração penal, no período de prova, requereu ao juízo processante a revogação do sursis processual, o que foi deferido pelo Juízo processante.
O Impetrante alega, em suma, que após o cumprimento das condições impostas na suspensão do processo, esta não mais poderia ser revogada, mormente porque o Paciente foi absolvido na ação penal que respondeu durante o período de prova.
Requer, assim, liminarmente, o reconhecimento da extinção da punibilidade e, no mérito, a concessão em definitivo da ordem ora postulada.
O pedido de liminar foi indeferido nos termos da decisão de fl. 18.
As judiciosas informações foram prestadas às fls. 23/57, com a juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito.
O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 59/63, opinando pela denegação da ordem.
É o relatório.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): A ordem não comporta concessão.
De início, a jurisprudência desta egrégia Corte e do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, constatado o descumprimento de condição imposta durante o período de prova do sursis processual, pode haver a revogação do benefício, ainda que a decisão venha a ser proferida após o término do período de prova.
A propósito:
Processual Penal. Recurso especial. Sursis processual (art. 89 da Lei n.
9.099/1995). Revogação após transcurso do período de prova.
A suspensão condicional do processo pode ser revogada, mesmo após o termo
final do seu prazo, se constatado o não cumprimento de condição imposta durante
o curso do benefício, desde que não tenha sido proferida a sentença extintiva da
punibilidade (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ).
Recurso Especial provido. (REsp n. 770.646-RS, 5ª Turma, Rel. Min. Felix
Fischer, DJ de 02.10.2006.)
Recurso especial. Processual Penal. Lei n. 9.099/1995. Suspensão condicional
do processo. Revogação durante o período de prova. Recurso provido.
1. O descumprimento de qualquer das condições legais implica a imediata
revogação da benesse processual da Lei n. 9.099/1995, ainda que a autoridade
judicial somente venha a obter tal ciência após o término do período de prova.
2. Recurso provido para cassando o acórdão objurgado, determinar o
prosseguimento do processo crime. (REsp n. 759.032-SP, 6ª Turma, Rel. Min. Hélio
Quaglia Barbosa, DJ de 28.08.2006.)
Penal. HC. Suspensão condicional do processo. Descumprimento das condições.
Réu processado por novo crime no curso do período de prova. Revogação automática
do sursis. Decisão proferida depois de expirado o prazo. Admissibilidade. Ordem
denegada.
I - A suspensão condicional do processo é automaticamente revogada, se, no
período probatório, o réu vem a ser processado pela prática de novo crime.
II - Sendo a decisão revogatória do sursis meramente declaratória, não importa
que a mesma venha a ser proferida somente depois de expirado o prazo de prova.
III - Ordem denegada. (HC n. 27.227-SP, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ
de 02.08.2004.)
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
Outrossim, ressalte-se que o fato da suspensão condicional do processo ter sido revogada porque o Paciente foi processado por outro crime no período de prova e, "cerca de noventa dias após, o paciente foi absolvido da imputação criminal desta novo processo" (fl. 04), não tem o condão de afastar a revogação do benefício.
Com efeito, nos termos do § 3º, do art. 89 da Lei n. 9.099/1990, "a suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime", sendo irrelevante a sua posterior absolvição.
Confira-se:
Recurso especial. Processual Penal. Suspensão condicional do processo (art.
89 da Lei n. 9.099/1995). Proposta. Iniciativa do Ministério Público. Acusado que
responde a outro processo criminal no momento da denúncia. Impossibilidade de
concessão do benefício.
1. É prerrogativa exclusiva do Ministério Público a iniciativa da proposta de
suspensão condicional do processo.
2. "Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do
processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo,
remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do
Código de Processo Penal" (Súmula n. 696-STF).
3. A teor do disposto no art. 89 da Lei n. 9.099/1995, a suspensão condicional
do processo é incabível quando o acusado responde a outro processo criminal no
momento do oferecimento da denúncia, sendo, portanto, irrelevante a sua posterior
absolvição.
4. Recurso especial provido para afastar a parte do acórdão que determinou
a conversão do julgamento em diligência a fim de que se procedesse, de ofício,
à suspensão condicional do processo. (REsp n. 704.254-SP, 5ª Turma, Rel. Min.
Arnaldo Esteves Lima, DJ de 09.05.2005.)
Penal. Recurso especial. Suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n.
9.099/1995). Processo criminal em curso.
O benefício do sursis processual, nos termos do art. 89, caput, da Lei n.
9.099/1995, não alcança o acusado que está sendo processado criminalmente (fato
que por si só já inviabilizaria a formulação da proposta de suspensão condicional
do processo), pouco importando que posteriormente venha a ser absolvido desta
imputação (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso).
Recurso desprovido. (REsp n. 615.589-SP, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer,
DJ de 16.08.2004.)
392
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ante o exposto, denego a ordem.
É o voto.
HABEAS CORPUS N. 56.972-SP (2006/0069556-4)
Relator: Ministro Felix FischerImpetrante: Eugênio Carlo Balliano Malavasi e outroImpetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São PauloPaciente: Clíssia da Costa Lima
EMENTA
Processual Penal. Habeas corpus. Demora no julgamento da apelação criminal. Constrangimento ilegal. EC n. 45/2004. Razoável duração do processo.
I - O excesso de prazo no julgamento de apelação criminal, quando injustificado, consubstancia-se em constrangimento ilegal sanável via habeas corpus (Precedentes).
II - Na espécie, o impetrante interpôs apelação criminal em 19.03.2004, aguardando, até a presente data, julgamento. Flagrante, portanto, o constrangimento ilegal.
Ordem concedida, para que o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgue a Apelação Criminal n. 965.598.3/6.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 24 de outubro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Relator
DJ 26.02.2007
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
393
RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Felix Fischer: Cuida-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário impetrado em favor de Clíssia da Costa Lima, contra alegada omissão do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no writ n. 874.630.3/5.
Depreende-se dos autos que a paciente foi condenada como incursa nas sanções do art. 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal, à pena de 13 (treze) anos de reclusão, a serem cumpridos em regime integralmente fechado.
Irresignada, apelou a defesa, estando o recurso pendente de julgamento.
Alega o impetrante, em síntese, que a paciente está sofrendo constrangimento ilegal em razão da demora no julgamento do recurso de apelação criminal interposta em 19.03.2004. Requer, assim, o relaxamento da prisão cautelar.
Informações às fls. 52/53, acompanhadas dos documentos de fls. 54/397.
A douta Subprocuradoria-Geral da República se manifestou pela denegação da ordem. (fls. 399/402)
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): O excesso de prazo no julgamento de apelação criminal, quando injustificado, consubstancia-se em constrangimento ilegal sanável via habeas corpus.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:
Processual Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Julgamento da apelação criminal. Demora injustificada de mais de dois anos. Constrangimento ilegal. Direito de apelar em liberdade. Supressão de instância.
I - O excesso de prazo no julgamento de apelação criminal, quando injustificado, consubstancia-se em constrangimento ilegal sanável via habeas corpus (Precedentes).
II - Na espécie, a apelação criminal foi distribuída no e. Tribunal a quo em 19.01.2004 e, até a presente data, aguarda a manifestação do Parquet. Flagrante, portanto, o constrangimento ilegal.
III - Tendo em vista que a tese referente ao direito do paciente de apelar em liberdade não foi submetida à apreciação do e. Tribunal a quo, fica esta Corte impedida de examinar tal alegação, sob pena de supressão de instância (Precedentes).
Writ parcialmente conhecido e, nessa parte, concedido, para que o e. Tribunal de Justiça do Estado do Pará julgue a Apelação Criminal n. 200430001881.
(HC n. 48.624-PA, 5ª Turma, de minha relatoria, DJU de 05.06.2006).
394
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Processual Penal. Habeas corpus. Demora no julgamento da revisão criminal
que sequer foi distribuída. Demora injustificada de quase dois anos. Constrangimento
ilegal.
I - O excesso de prazo no julgamento de revisão criminal, quando
injustificado, consubstancia-se em constrangimento ilegal sanável via habeas corpus
(Precedentes).
II - Na espécie, o ora impetrante interpôs revisão criminal em 19.02.2002 e,
desde 25.06.2002, aguarda distribuição. Flagrante, portanto, o constrangimento
ilegal.
Ordem concedida para que o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
julgue a Revisão Criminal n. 379.725.3.0-00.
(HC n. 33.884-SP, 5ª Turma, de minha relatoria, DJU de 07.06.2004).
Habeas Corpus. Revisão criminal. Demora na distribuição. Constrangimento
indemonstrado. Falta de elementos. Ordem não conhecida com recomendações.
A demora no julgamento da revisão criminal causa, se injustificável,
constrangimento ilegal à pessoa do condenado.
Contudo, para que a matéria possa ser bem sugerida no âmbito do remédio
heróico exige-se dos autos um mínimo de dados, comprovador do reclamado
excesso, porquanto meras presunções desautorizam a concessão da ordem em favor
do Paciente.
Ordem não conhecida, com recomendação de celeridade no julgamento da
revisão pelo Tribunal de Justiça.
(HC n. 27.604-SP, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de
29.09.2003).
In casu, o impetrante interpôs apelação criminal em 19.03.2004. Conforme informações prestadas pelo e. Tribunal a quo (fls. 52/53), o recurso, presentemente, se encontra aguardando a apresentação de suas razões pela defesa, consoante o art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal.
Patente o constrangimento ilegal, afinal, há mais de dois anos que a apelação criminal interposta aguarda para ser julgada.
Diante dessas ponderações, concedo a ordem, tão-somente, para que o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgue a Apelação Criminal n. 965.598.3/6 .
É o voto.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
395
RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
HABEAS CORPUS N. 57.872-SP (2006/0084860-5)
Relatora: Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG)Impetrante: Eduardo Nunes de AraújoImpetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São PauloPaciente: Eduardo Nunes de Araújo (Preso)
EMENTA
Habeas corpus. Exame aprofundado do mérito e da prova no writ. Continuidade delitiva entre estupro e atentado violento ao pudor. Regime integralmente fechado. Ordem parcialmente concedida para admitir a continuação delitiva entre estupro e atentado violento ao pudor e retirar óbice à eventual progressão de regime de cumprimento de pena.
1 - O habeas corpus não comporta exame aprofundado da prova e do mérito da imputação.
2 - É possível a continuação delitiva entre estupro e atentado violento ao pudor, pois os crimes em questão ofendem o mesmo bem juridicamente tutelado pelo atual ordenamento jurídico, ou seja, os costumes.
3 - O regime inicial fechado que possibilita eventual progressão, deve ser estabelecido como medida individualizadora da pena, na fase de execução, mostrando-se não só favorável ao réu, como também para garantir a sociedade, a ela restituindo-se pessoa que contribuiu com seu comportamento para a sua liberdade e foi rigorosamente observado durante o cumprimento da pena, através dos estágios de progressão por ela conquistados, mostrando-se capaz de viver na sociedade da qual se alijou e foi alijado.
4 - Restituir à sociedade o apenado, tão só pelo cumprimento de dois terços da pena, sem qualquer progressão anterior que possa ensejar uma melhor observação de sua conduta, é contribuir para o aumento da violência social.
5 - Inadmissível a imposição de regime integralmente fechado quando o Supremo Tribunal Federal declarou a sua inconstitucionalidade, estendendo os seus efeitos a todas as penas em execução.
6 - A aplicação da Lei n. 11.464/2007, que modificou o parágrafo 1º do artigo 2º da Lei n. 8.072/1990, substituindo a expressão
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
“integralmente” por “inicialmente”, deve retroagir para alcançar os fatos criminosos ocorridos antes de sua vigência, por se tratar de lex mitior, segundo comando constitucional (Artigo 5º, XL da Constituição da República).
Ordem parcialmente concedida para admitir a continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor e substituir o regime integralmente fechado pelo inicialmente fechado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatos e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem e, por maioria, denegar o habeas corpus com relação à continuidade delitiva, nos termos do voto da Srª Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 07 de agosto de 2007 (data do julgamento).
Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), Relatora
DJ 08.10.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG): Trata-se de habeas corpus impetrado por Eduardo Nunes de Araújo, em seu próprio benefício, dizendo estar sofrendo coação ilegal por parte do Tribunal de Justiça de São Paulo que, por maioria de votos, deu parcial provimento ao seu recurso, reduzindo a sua pena pelo crime de roubo, mas recusando a tese da continuação delitiva entre o crime de estupro e atentado violento ao pudor, passando-lhe a pena para os referidos crimes para 12 anos de reclusão, no regime integralmente fechado, diminuindo a pena para o crime de roubo para quatro anos de reclusão e dez dias-multa em regime inicialmente fechado.
Nega o impetrante à autoria dos crimes pelos quais foi condenado, dizendo não haver provas suficientes para a sua condenação. Diz que ela foi feita apenas com base no reconhecimento feito pela vítima, mas tal prova não pode prevalecer, porquanto não está amparada na prova pericial.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
Pretende que lhe seja concedida ordem para absolvê-lo e, alternativamente, o reconhecimento da continuidade delitiva, citando farta jurisprudência sobre a matéria, bem como sobre a insegurança probatória.
Foram requisitadas e prestadas informações pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
O Ministério Público Federal, por meio do Subprocurador Eugênio Guilherme de Aragão, opina pela denegação da ordem.
Vistos e exposto, coloco o feito em mesa para julgamento.
VOTO
A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG) (Relatora): Examinei com o devido cuidado as razões da impetração e vejo que, em parte, assiste razão ao impetrante.
No que se refere à negativa de autoria e insuficiência de provas para a condenação, entendo que os autos não trazem elementos suficientes para que a primeira seja reconhecida, nem possibilita o exame das provas que conduziram à condenação do paciente, além de não ser o presente remédio legal o indicado para o exame do mérito, que demanda aprofundado exame da prova, o que não é permitido fazer em sede de habeas corpus e, ao que parece já foi ajuizada Revisão Criminal, que é a via adequada para o exame de decisões condenatórias transitadas em julgado, sendo abundante a jurisprudência deste Tribunal sobre a matéria, razão pela qual abstenho-me de transcrevê-la.
Por outro lado, a palavra da vítima é coesa e aliada aos demais elementos probatórios trazidos Aos autos, não há dúvida de que realmente foi o réu o autor dos crimes pelos quais foi condenado.
Todavia, entendo que lhe assiste razão no que se refere à possibilidade da continuação delitiva entre o crime de estupro e atentado violento ao pudor, sendo que em outro pedido do mesmo réu, já por nós colocado em mesa para julgamento, o de n. 58.150-SP, o Tribunal de Justiça de São Paulo substituiu-lhe o concurso material entre os referidos delitos pela continuação delitiva, reduzindo-lhe a pena imposta.
Não desconheço a orientação contrária, porém tenho adotado o entendimento dos que acham que tais crimes são da mesma espécie, porquanto praticados contra a liberdade sexual, ofendendo, de forma ampla, a inviolabilidade carnal, que é o objeto da tutela jurídica e, assim, podem ser cometidos em continuidade delitiva.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A posição que adota o concurso material entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor não se ajusta à ordem estabelecida pelo Código Penal, que colocou seus artigos 213 e 214 no mesmo capítulo (“Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual”), com isto querendo dizer que são da mesma espécie, em um sentido absoluto, e ofendem o mesmo bem juridicamente tutelado pelo atual ordenamento jurídico, vigente desde 1940, ou seja, os costumes. A propósito, nos ensina Heleno Cláudio Fragoso:
Crimes da mesma espécie não são aqueles previstos no mesmo artigo de lei,
mas também aqueles que ofendem o mesmo bem jurídico e que apresentam, pelos
fatos que os constituem ou pelos motivos determinantes, caracteres fundamentais
comuns. (Lições de Direito Penal – A Nova Parte Geral – Editora Forense).
Não se pode deixar de lembrar que o crime continuado é modalidade do concurso material e que foi criado, historicamente, com o objetivo de evitar as injustiças decorrentes de aplicação das penas.
Hoje, mais do que nunca, as elevadíssimas reprimendas estabelecidas para alguns crimes, dentre os quais o atentado violento ao pudor e o estupro devem ser levadas em consideração para os efeitos de se dar ao crime continuado o conceito indicado pela Política Criminal que o instituiu, evitando-se as grandes distorções e injustiças que estão ocorrendo em relação a dosimetria da pena.
Aliás, o atual regime adotado em relação à continuação delitiva pelo nosso Estatuto Penal eliminou séria divergência doutrinária e jurisprudencial para autorizar o seu reconhecimento, mesmo em se tratando de crimes que atingem bens personalíssimos e vítimas diversas, bastando que estejam presentes os requisitos objetivos previstos no seu artigo 71. Vejamos a jurisprudência:
A teor do art. 71, parágrafo único, do Código Penal, é possível a continuidade
delitiva em crimes que lesam interesses jurídicos pessoais, ainda que cometidos
contra vítimas diferentes, pois em face da Lei n. 7.209/1984, a pluralidade de
vítimas não é mais óbice ao reconhecimento da continuidade, que pode ser admitida
até em homicídios. (TJSP RT 766/588).
Assim, entendo que a ordem deve ser concedida para admissão da continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor praticados pelo réu contra a vítima, notadamente por estarem presentes os demais requisitos para o seu reconhecimento.
Verifico também que está o réu a sofrer coação ilegal por outro motivo, ainda que não argüido, ou seja, está sendo submetido ao regime integralmente fechado, ainda que dois dos delitos praticados sejam hediondos.
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O sistema brasileiro no que tange ao regime de cumprimento das penas privativas de liberdade é o progressivo, grande arma para o executor das reprimendas, pois a gradual liberdade passa a ser uma conquista do condenado que, por ela estimulado, desenvolve esforço pessoal para ter bom comportamento carcerário e adquirir novos princípios de vida com reflexos sociais em sua conduta posterior à prisão. Se não o faz, jamais obterá a almejada progressão, e nem mesmo o livramento condicional, pois tais requisitos subjetivos são exigidos para a concessão dos aludidos benefícios.
Tal sistema foi inteiramente recepcionado pela Constituição da República de 1988, pois esta consagrou o princípio da individualização das penas, da qual faz parte à dos regimes de seu cumprimento, consoante o disposto no artigo 59, III do Código Penal e repetido na Lei de Execução Penal, não podendo ser menosprezado.
A imposição de regime integralmente fechado implica em determinação de pena cruel, pois retira do condenado o estímulo e a esperança necessária para o cumprimento das reprimendas impostas, o que igualmente o legislador constituinte reprimiu ao estabelecer o princípio da humanidade das penas.
Assim, a questão há de ser interpretada conforme o princípio de individualização da pena estabelecido na Constituição da República, da qual faz parte à dos regimes de seu cumprimento, que, por sua vez, se faz de modo progressivo, conforme estabelecido no Código Penal e na Lei de Execução Penal, repita-se, inteiramente recepcionados pela Carta Magna.
Não se está agindo em desfavor da sociedade, mas sim para sua própria proteção, visto que o regime progressivo de cumprimento da pena permite uma melhor observação da pessoa do condenado, que, repita-se uma vez mais, só obterá a almejada progressão se a conquistar, enquanto que colocá-lo em liberdade depois do cumprimento de dois terços da pena, através do livramento condicional é levar para o seio social uma pessoa que não foi testada para ser ali inserida ou reinserida, voltando rapidamente à marginalidade e colocando em risco toda a população já tão atemorizada.
Entendo que, antes do livramento condicional, que não é fase de progressão do cumprimento da pena, mas liberdade antecipada, a individualização da reprimenda e do seu regime, que também é feita na fase de execução, deve ser cuidadosamente examinada, com passagem para regimes diversos, até que, ao final dos dois terços de pena, se verifique se o apenado realmente contribuiu para o alcance de sua própria liberdade e se têm condições de obtê-la sem colocar em risco a segurança social.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A progressão não é um presente, mas uma conquista feita diuturnamente durante o cumprimento da pena.
Impõe-se, portanto, a modificação do regime integralmente fechado para o inicialmente fechado, compatível com as normas recepcionadas pela Constituição da República, ainda que não se possa afastar a hediondez do crime praticado, principalmente agora, quando o Tribunal Maior concluiu que a impossibilidade da potencial progressão fere a Carta Magna e, não obstante ter sido feito através do controle difuso deu-se, ao que se sabe, pela primeira vez, uma amplitude maior a tal decisão, alcançando os mesmos efeitos da decisão feita através do controle concentrado, pois por unanimidade se entendeu que ela se estende ex nunc, alcançando todas as penas ainda em execução.
Ressalte-se que os efeitos de tal decisão devem ser interpretados como erga omnes, pois o Supremo Tribunal Federal, após decidir pela referida inconstitucionalidade, concedeu, por unanimidade, tal efeito à decisão, tendo posteriormente o mesmo Tribunal entendido que a questão nem mesmo precisava mais ser levada ao plenário, podendo os Ministros afastar o óbice por simples despacho.
Finalmente, no dia 28 de março do corrente ano, 2007, a Lei n. 11.464 suprimiu do artigo 2º, § 1º da Lei n. 8.072/1990, que de modo infeliz, ao arrepio da Constituição da República, havia criado o malsinado regime integralmente fechado, a expressão “integralmente”, substituindo-a por “inicialmente”.
Como a aplicação retroativa da lex mitior é imperativo constitucional (artigo 5º, XL da Constituição da República), a discussão sobre a matéria em questão é inócua, nada mais tendo feito o legislador que adaptar a legislação ao reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da inconstitucionalidade do referido dispositivo, impondo-se, portanto, a concessão parcial da ordem para alteração do regime de cumprimento da pena imposta para os crimes de estupro e atentado violento ao pudor em continuação delitiva, de ofício, posto que o constrangimento ilegal pode ser conhecido em qualquer fase do processo.
Posto isto, concedo parcialmente a ordem para considerar que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor foram praticados em continuação delitiva, nos termos do disposto no artigo 71, do Código Penal e para substituir o regime integralmente fechado, determinado para os referidos crimes para o inicialmente fechado, cabendo ao Juiz de primeiro grau verificar se o paciente já reúne os requisitos objetivos e subjetivos para a devida progressão.
Como a pena isolada para cada um dos crimes em concurso material foi fixada no mínimo legal, assim a mantenho na continuação delitiva e, como são iguais, tomo uma delas e desprezo à outra, fazendo incidir o aumento de um
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
sexto, pois só dois crimes a integram, fixando-a finalmente em sete anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, mantendo a multa, ainda que fixada equivocadamente, por não se admitir reformatio in pejus.
Façam-se as devidas comunicações.
É como voto.
HABEAS CORPUS N. 60.589-RN (2006/0122942-8)
Relator: Ministro Felix FischerImpetrante: João Cabral da SilvaImpetrado: Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do NortePaciente: Roberto Moura do Nascimento (Preso)
EMENTA
Processual Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Art. 121, § 2º, I, III e IV, do CP. Prisão preventiva. Excesso de prazo na formação da culpa. Demora na realização do exame de insanidade mental. Constrangimento ilegal configurado.
Restando caracterizado o evidente excesso de prazo, desprovido de justificativa razoável, encontrando-se o feito no aguardo da realização do exame de insanidade mental há mais de 01 (um) ano e 5 (cinco) meses, deve o réu ser posto em liberdade (Precedentes).
Ordem concedida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 17 de outubro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Relator
DJ 26.02.2007
402
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido de liminar, impetrado em benefício de Roberto Moura do Nascimento, contra v. acórdão prolatado pelo e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, assim ementado:
Ementa: Processo Penal. Habeas corpus liberatório. Decretação de prisão temporária convertida em preventiva. Alegação de excesso de prazo para a formação da culpa. Complexidade do processo. Extenso rol de acusados. Existência de incidentes processuais. Princípio da razoabilidade. Inexistência de constrangimento ilegal. Ausência dos requisitos da preventiva. Não configuração. Testemunhas ameaçadas pelos acusados. Custódia cautelar para garantia da ordem pública. Decisão devidamente motivada. Condições pessoais favoráveis. Irrelevância.
1. Diante do princípio da razoabilidade, tem-se como justificado o excesso de prazo quando a demora para a conclusão da instrução criminal não se deve a atos do magistrado ou da máquina judiciária, mas em razão da complexidade da causa, como, por exemplo, a existência de vários réus e de incidentes processuais.
2. Justifica-se a prisão preventiva para garantia da ordem pública, em razão da periculosidade do agente, a fim de prevenir a reprodução de fatos criminosos, bem como acautelar o meio social e a credibilidade da justiça.
3. As condições pessoais favoráveis, desde que presentes os pressupostos e requisitos da prisão preventiva, não são garantidoras de eventual direito à liberdade provisória.
4. Habeas Corpus denegado (fls. 89/90).
Retratam os autos que o paciente, juntamente com outros co-réus, teve a prisão preventiva decretada e foi denunciado pela suposta prática do delito previsto no art. 121, § 2º, I, III e IV do CP.
Nas razões do presente writ, sustenta o impetrante constrangimento ilegal em razão do excesso de prazo para o fim da instrução criminal uma vez que o paciente, preso preventivamente desde 29.03.2005, aguarda a realização do exame de insanidade mental requerido por ocasião do interrogatório judicial.
Liminar indeferida à fl. 78.
Informações prestadas às fls. 128/129.
A douta Subprocuradoria-Geral da República, às fls. 117/121, se manifestou pela denegação da ordem em parecer assim ementado:
HC. Excesso de prazo. Princípio da razoabilidade. Demora justificada.
Complexidade do feito. Súmula n. 64 do STJ.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
- O constrangimento ilegal por excesso de prazo só pode ser reconhecido
quando a demora for injustificada. Precedentes.
- Justifica-se eventual dilação do prazo para conclusão da instrução criminal
na hipótese de feito complexo, com vários réus e vários incidentes processuais, por
aplicação do princípio da razoabilidade.
- Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução
provocado pela defesa. Súmula n. 64 do STJ.
- Pela denegação da ordem (fl. 117).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Nas razões do presente writ, sustenta o impetrante constrangimento ilegal em razão do excesso de prazo para o fim da instrução criminal uma vez que o paciente, preso preventivamente desde 29.03.2005, aguarda a realização do exame de insanidade mental requerido por ocasião do interrogatório judicial.
A irresignação merece ser acolhida.
Compulsando os autos verifica-se que o paciente, preso preventivamente desde 29.03.2005, foi denunciado, juntamente com outros co-réus, pela suposta prática do delito previsto no art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do CP.
Em 04.05.2005, por ocasião do seu interrogatório judicial, foi deferido a instauração do incidente de insanidade mental requerido pela defesa, determinando-se o desmembramento do feito em relação ao paciente.
Conforme informações prestadas pela autoridade apontada como coatora, nos autos principais, a instrução criminal está encerrada, aguardando-se diligência requerida pelo Ministério Público. Em relação ao processo desmembrado, onde o paciente figura como réu, o feito aguarda, ainda, a realização do exame de insanidade mental (fls. 128/129).
Observa-se que decorridos mais de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses o exame de insanidade mental ainda não foi realizado. Evidencia-se, portanto, no presente caso, injustificável excesso de prazo na instrução criminal em razão da inércia do Estado-Administração na realização do exame de insanidade mental no paciente.
Trago à colação o seguinte precedente:
404
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Criminal. HC. Homicídio qualificado. Excesso de prazo. Exame de insanidade
mental. Diligência requerida pela defesa e deferida pelo juiz ainda na fase
instrutória. Necessidade de designação de perito habilitado. Inércia do Tribunal
a quo. Demora não atribuível ao réu. Inaplicabilidade da Súmula n. 52 deste STJ.
Ordem concedida.
I. Hipótese na qual o paciente foi preso em flagrante e denunciado pela suposta prática do delito de homicídio qualificado, tendo sido deferido o pleito defensivo de exame de insanidade mental no réu, o qual ainda não foi realizado.
II. A demora na realização da diligência é atribuível exclusivamente ao Estado-Juiz, não podendo o paciente suportar, preso, a inércia do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que, até a presente data, não atendeu o pleito de envio de profissional habilitado à comarca.
III. O Supremo Tribunal Federal já decidiu não ser determinante o fato de o
processo estar na fase do art. 499 do CPP, pois, se o excesso de prazo estiver configurado
de maneira concreta, pode, mesmo assim, ser reconhecido. Precedentes.
IV. O constrangimento ilegal por excesso de prazo deve ser reconhecido
quando a demora é injustificada, hipótese verificada no caso.
V. Inaplicabilidade da Súmula n. 52-STJ.
VI. Deve ser determinada a soltura do paciente, se por outro motivo não
estiver preso, permanecendo em liberdade provisória, mediante condições a serem
estabelecidas pelo Juízo de primeiro grau.
VII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.
(HC n. 60.563-MS, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU de 11.09.2006).
Ante o exposto, concedo o writ para relaxar a prisão preventiva do paciente, em razão do injustificável excesso de prazo na formação da culpa, caracterizado pela demora na realização do exame de insanidade mental, e determino, por conseguinte, a expedição de alvará de soltura, salvo se por outro motivo estiver preso.
É o voto.
HABEAS CORPUS N. 75.025-SP (2007/0011533-0)
Relatora: Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG)Impetrante: Luís César Rossi Francisco - Defensor Público
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São PauloPaciente: Rogério Santana da Costa (Preso)
EMENTA
Latrocínio tentado. Réu primário. Pena-base fixada no mínimo legal. Regime fechado. Impossibilidade. Ordem concedida.
- O regime inicial de cumprimento da pena deve considerar a quantidade de pena imposta e a análise das circunstâncias judiciais.
- A escolha do regime fechado, mesmo no caso de latrocínio tentado deve ser concretamente fundamentada, principalmente se a dosagem final da pena permitir , em tese, regime menos grave.
- A gravidade abstrata do crime, por si só, não pode levar à determinação do regime fechado inicialmente, pois esta já foi considerada na escala penal a ele cominada.
Ordem concedida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatos e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 07 de agosto de 2007 (data do julgamento).
Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), Relatora
DJ 08.10.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG): Luís César Rossi Francisco, Defensor Público, impetrou o presente habeas corpus em benefício de Rogério Santana da Costa, devidamente qualificado nestes autos, processado e condenado a seis anos e oito meses de reclusão, pelo delito de latrocínio tentado, artigo 157, § 3º, c.c. o artigo 14, II, todos do Código Penal, tendo o Juiz de primeiro grau fixado o seu regime de cumprimento de pena como integralmente fechado.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Interposto o competente apelo este foi provido pelo Tribunal de Justiça do Paraná modificando-se o regime integralmente fechado para o inicialmente fechado.
Inconformado, o Defensor Público aviou o presente pedido nele pretendendo a modificação do regime de cumprimento de pena para o semi-aberto.
Não foi concedida a liminar pleiteada, ao entendimento de que o pleito se confundia com o próprio mérito da impetração, cuja análise caberá, oportunamente, ao Órgão Colegiado, determinando-se pedido de informação à autoridade apontada como coatora.
O Subprocurador-Geral de Justiça, Doutor Antônio Carlos Pessoa Lins, em seu lúcido parecer, opina pela concessão da ordem, fazendo referência a precedentes deste Tribunal.
Relatados, em mesa para julgamento.
VOTO
A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), (Relatora): Verifiquei com cuidado as razões da impetração, assim como a documentação juntada, comparando-as com a sentença e o acórdão atacados e vejo assistir razão ao impetrante, posto que estava o paciente cumprindo pena no regime fechado, enquanto deveria fazê-lo no pleiteado regime aberto.
Os precedentes desta Turma reiteradamente condenam a imposição do regime fechado ante a gravidade abstrata do crime, por si só, porquanto ao fazer a cominação para o delito o legislador já a considerou, por isso é inadmissível, em princípio, a determinação de regime mais severo que o correspondente, em princípio à pena aplicada, critério adotado pelo Magistrado que fixou a pena, confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, não obstante a análise de todas as circunstâncias judiciais tenha sido considerada em favor do paciente, tanto que a sua pena-base ficou no mínimo legal.
Acrescente-se que a matéria já se encontra sumulada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal (Súmula n. 718).
A análise das circunstâncias judiciais serve não só para a fixação da pena-base, mas também para determinação do regime de cumprimento da reprimenda privativa de liberdade imposta, sendo que, reiteradamente, este Tribunal tem considerado que sendo o réu primário e a pena fixada em seu mínimo legal, não se pode fixar regime mais rigoroso que o previsto para a sua quantidade.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
Não resta dúvida que a atual disposição sobre os crimes hediondos determina o cumprimento da pena no regime inicialmente fechado, mas não se permite a retroatividade da norma penal para prejudicar o réu.
Deixo de transcrever os precedentes por já tê-lo feito o culto Subprocurador-Geral de Justiça.
Ante tais fundamentos, concedo a ordem impetrada para que o paciente cumpra a sua pena, desde o início, no regime semi-aberto, devendo o Juiz de primeiro grau fixar-lhe as condições, consoante as normas legais atinentes à espécie.
Oficie-se na forma da lei.
Sem custas.
É como voto.
HABEAS CORPUS N. 84.146-SP (2007/0126954-5)
Relatora: Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG)Impetrante: Letícia de Carli Oliveira Faria Lopes (Assistência Judiciária)Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São PauloPaciente: Edson Firmino dos Reis (Preso)
EMENTA
Criminal. HC. Crime hediondo. Regime integralmente fechado. Concedida a ordem para retirar o óbice a eventual progressão de regime.
1. - O regime inicial fechado que possibilita eventual progressão, deve ser estabelecido como medida individualizadora da pena, na fase de execução, mostrando-se não só favorável ao réu, como também para garantir a sociedade, a ela restituindo-se pessoa que contribuiu com seu comportamento para a sua liberdade e foi rigorosamente observada durante o cumprimento da pena, através dos estágios de progressão por ela conquistados, mostrando-se capaz de viver na sociedade da qual se alijou e foi alijado.
2. - Restituir à sociedade o apenado, tão só pelo cumprimento de dois terços da pena, sem qualquer progressão anterior que possa
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ensejar uma melhor observação de sua conduta, é contribuir para o aumento da violência social.
3. - Inadmissível a imposição de regime integralmente fechado quando o Supremo Tribunal Federal declarou a sua inconstitucionalidade, estendendo os seus efeitos a todas as penas em execução.
4. - A aplicação da Lei n. 11.464/2007, com a modificação de seu artigo 2º, parágrafo 1º, que substituiu a expressão “integralmente” por “inicialmente”, deve retroagir para alcançar os fatos criminosos ocorridos antes de sua vigência, por se tratar de lex mitior, segundo comando constitucional (Artigo 5º, XL da Constituição da República).
Ordem concedida para substituir o regime integralmente fechado pelo inicialmente fechado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatos e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto da Srª Ministra Relatora.Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 07 de agosto de 2007 (data do julgamento).
Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), Relatora
DJ 03.09.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG): Trata-se de habeas corpus contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou o writ ali impetrado em favor de Edson Firmino dos Reis, visando à concessão do benefício da progressão de regime.
O paciente foi condenado à pena de 03 anos de reclusão, em regime integralmente fechado, como incurso nas sanções do art. 12, caput, da Lei n. 6.368/1976.
Após o desconto de 1/6 da pena, a defesa ajuizou pleito de progressão de regime, que restou indeferido pelo Juízo da Vara das Execuções Criminais.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante a Corte de origem, cuja ordem foi denegada, mantido o regime integralmente fechado para o desconto da reprimenda.
Daí o presente writ, no qual se busca, em síntese, a concessão do benefício da progressão de regime prisional, afastando-se o óbice do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990.
Liminar inferida à fl. 19.
Informações prestadas às fls. 26/27.
A Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pela concessão da ordem (fls. 63/64).
É o relatório.
Em mesa para julgamento.
VOTO
A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), (Relatora): Examinei com cuidado as razões do impetrante, comparando-as com a documentação juntada nos autos e com a sentença e o acórdão que teriam causado constrangimento ilegal ao ora paciente e vejo que lhe assiste razão.
O sistema brasileiro no que tange ao regime de cumprimento das penas privativas de liberdade é o progressivo, grande arma para o executor das reprimendas, pois a gradual liberdade passa a ser uma conquista do condenado que, por ela estimulado, desenvolve esforço pessoal para ter bom comportamento carcerário e adquirir novos princípios de vida com reflexos sociais em sua conduta posterior à prisão. Se não o faz, jamais obterá a almejada progressão, e nem mesmo o livramento condicional, pois tais requisitos subjetivos são exigidos para a concessão dos aludidos benefícios.
Tal sistema foi inteiramente recepcionado pela Constituição da República de 1988, pois esta consagrou o princípio da individualização das penas, da qual faz parte à dos regimes de seu cumprimento, consoante o disposto no artigo 59, III do Código Penal e repetido na Lei de Execução Penal, não podendo ser menosprezado.
A imposição de regime integralmente fechado implica em determinação de pena cruel, pois retira do condenado o estímulo e a esperança necessária para o cumprimento das reprimendas impostas, o que igualmente o legislador constituinte reprimiu ao estabelecer o princípio da humanidade das penas.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Assim, a questão há de ser interpretada conforme o princípio de individualização da pena estabelecido na Constituição da República, da qual faz parte à dos regimes de seu cumprimento, que, por sua vez, se faz de modo progressivo, conforme estabelecido no Código Penal e na Lei de Execução Penal, repita-se, inteiramente recepcionados pela Carta Magna.
Não se está agindo em desfavor da sociedade, mas sim para sua própria proteção, visto que o regime progressivo de cumprimento da pena permite uma melhor observação da pessoa do condenado, que, repita-se uma vez mais, só obterá a almejada progressão se a conquistar, enquanto que colocá-lo em liberdade depois do cumprimento de dois terços da pena, através do livramento condicional é levar para o seio social uma pessoa que não foi testada para ser ali inserida ou reinserida, voltando rapidamente à marginalidade e colocando em risco toda a população já tão atemorizada.
Entendo que, antes do livramento condicional, que não é fase de progressão do cumprimento da pena, mas liberdade antecipada, a individualização da reprimenda e do seu regime, que também é feita na fase de execução, deve ser cuidadosamente examinada, com passagem para regimes diversos, até que, ao final dos dois terços de pena, se verifique se o apenado realmente contribuiu para o alcance de sua própria liberdade e se têm condições de obtê-la sem colocar em risco a segurança social.
A progressão não é um presente, mas uma conquista feita diuturnamente durante o cumprimento da pena.
Impõe-se, portanto, a modificação do regime integralmente fechado para o inicialmente fechado, compatível com as normas recepcionadas pela Constituição da República, ainda que não se possa afastar a hediondez do crime praticado, principalmente agora, quando o Tribunal Maior entendeu que a impossibilidade da potencial progressão fere a Carta Magna e, não obstante ter sido feito através do controle difuso deu-se, ao que se sabe, pela primeira vez, uma amplitude maior a tal decisão, alcançando os mesmos efeitos da decisão feita através do controle concentrado, pois por unanimidade se entendeu que ela se estende ex nunc, alcançando todas as penas ainda em execução.
Ressalte-se que os efeitos de tal decisão devem ser interpretados como erga omnes, pois o Supremo Tribunal Federal, após decidir pela referida inconstitucionalidade, concedeu, por unanimidade, tal efeito à decisão, tendo posteriormente o mesmo Tribunal entendido que a questão nem mesmo precisava mais ser levada ao plenário, podendo os Ministros afastar o óbice por simples despacho.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
Finalmente, no dia 28 de março do corrente ano, 2007, a Lei n. 11.464 suprimiu da Lei n. 8.072/1990, do seu artigo 2º, parágrafo 1º, que de modo infeliz, ao arrepio da Constituição da República, havia criado o malsinado regime integralmente fechado, a expressão “integralmente”, substituindo-a por “inicialmente”.
Como a aplicação retroativa da lex mitior é imperativo constitucional (artigo 5º, XL da Constituição da República), a discussão sobre a matéria em questão é inócua, nada mais tendo feito o legislador que adaptar a legislação ao reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da inconstitucionalidade do referido dispositivo, impondo-se, portanto, a concessão parcial da ordem para alteração do regime de cumprimento da pena imposta para os crimes de estupro e atentado violento ao pudor em continuação delitiva.
Ante tais fundamentos, concedo a ordem para substituir o regime integralmente fechado para o pelo inicialmente fechado, recomendando ao Juiz que verifique se o réu já reúne os requisitos objetivos e subjetivos para obtenção de progressão de regime.
É como voto.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 20.432-PE (2005/0125862-0)
Relator: Ministro Arnaldo Esteves LimaRecorrente: José Francisco Cavalcante - InterditoRepr. por: Maria Elza Cavalcante da Silva - Curadora Advogado: Rodolfo Domingos de Souza e outroT. Origem: Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco Impetrado: Secretário de Administração e Reforma do Estado de Pernambuco e outroRecorrido: Estado de PernambucoProcurador: Renata dos Santos Diniz e outros
EMENTA
Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Militar inativo do Estado de Pernambuco. Auxílio-invalidez.
412
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Manutenção da forma de cálculo conforme a lei anterior. Precedente. Recurso provido.
1. A Lei Complementar Estadual n. 32/2001, embora tenha majorado o soldo dos militares do Estado de Pernambuco, nada dispôs quanto ao auxílio-invalidez, que, por conseguinte, deve continuar a ser devido conforme o disposto na Lei Estadual n. 10.426/1990.
2. Hipótese em que não se aplica a orientação do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual servidor público não tem direito adquirido a determinado regime remuneratório, desde que observado o princípio da irredutibilidade salarial. Precedente.
3. Recurso ordinário provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 15 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator
DJ 12.03.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por José Francisco Cavalcanti, representado por sua curadora Maria Elza Cavalcante da Silva, em desfavor do Estado de Pernambuco, com fundamento no art. 105, inc. II, letra b, da Constituição Federal, em que se insurge contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, segundo o qual servidor público não tem direito adquirido à imutabilidade do regime remuneratório, razão por que seria válido o valor do auxílio-invalidez pago, tendo em vista que o impetrante, ora recorrente, tivera aumento na totalidade de seus proventos, conforme a Lei Complementar Estadual n. 32/2001.
O recorrente, militar inativo da Polícia Militar do Estado de Pernambuco, que aufere o auxílio-invalidez em razão de doença mental, sustenta que o valor correspondente à referida parcela não pode ser reduzido, congelado ou subtraído,
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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havendo o acórdão recorrido subestimado o direito adquirido e os princípios da legalidade e da irredutibilidade de vencimentos. Requer seja julgada válida a lei que determinou o recebimento do auxílio-invalidez no valor nunca inferior ao soldo de Cabo PM (fls. 125/127).
O Estado de Pernambuco apresentou contra-razões (fls. 134/146).
O Ministério Público Federal, pelo Subprocurador-Geral da República José Flaubert Machado Araújo, opina pelo provimento do recurso (fls. 156/166).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): Narram os autos que o ora recorrente, José Francisco Cavalcanti, integrante da Polícia Militar do Estado de Pernambuco, passou para a inatividade no posto de Soldado de 1ª Classe. Em razão de doença mental, aufere auxílio-invalidez, que correspondia ao percentual de 35% (trinta e cinco por cento) incidente sobre o soldo, mas nunca em valor inferior ao soldo de Cabo PM, nos termos da Lei Estadual n. 10.426, de 27.04.1990, que dispõe:
Art. 92. O Servidor Militar considerado inválido, impossibilitado total e
permanentemente para qualquer trabalho, não podendo prover os meios de sua
subsistência, fará jus a um auxílio-invalidez, no valor de 35% (trinta e cinco
por cento) do respectivo soldo, desde que satisfaça a uma das condições abaixo
especificadas, devidamente declaradas por Junta Militar de Saúde:
(...)
§ 5º O Auxílio-Invalidez não poderá ser inferior ao valor do soldo de Cabo.
Diante da superveniência da Lei Complementar Estadual n. 32, de 27.04.2001, o soldo de Cabo PM passou, a partir de abril de 2001, para R$ 231,82 (duzentos e trinta e um reais e oitenta e dois centavos), e, partir de julho de 2001, para R$ 253,62 (duzentos e cinqüenta e três reais e sessenta e dois centavos).
No entanto, a autoridade impetrada, desde maio de 2001, vem pagando o auxílio-invalidez em valores menores, ao argumento de que a referida Lei Complementar preservou os valores nominais do mês de março, ao assim dispor:
Art. 1º Todas as parcelas remuneratórias, compreendidas como tais
as gratificações, os adicionais, as indenizações, e quaisquer outros acréscimos
pecuniários, a qualquer título, percebidos pelo membro da Polícia Militar do Estado,
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Casa Militar e Corpo de Bombeiros Militar do Estado, sejam ativos, reformados, da
reserva remunerada ou ainda as parcelas ou acréscimos que compõem as pensões
dos pensionistas, passam a corresponder aos valores nominais referentes ao mês de
março de 2001, sendo reajustáveis por lei específica ou por lei que disponha sobre
revisão geral de remuneração dos agentes públicos estaduais, ficando expressamente
vedada a vinculação de quaisquer vantagens remuneratórias, parcelas ou acréscimos
pecuniários ao soldo.
O acórdão recorrido consignou que há direito líquido e certo a ser tutelado, ao fundamento de que servidor público não tem direito adquirido a determinado regime jurídico, desde que observado o princípio da irredutibilidade de vencimentos, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (RE n. 346.655-PR, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ de 08.11.2002, p. 42).
Ocorre que essa orientação jurisprudencial não se aplica ao caso. Não se trata de discussão a respeito da manutenção de determinado regime de remuneração, porquanto a Lei Complementar Estadual n. 32/2001, embora tenha majorado o soldo dos militares estaduais, nada dispôs quanto ao auxílio-invalidez, que, por conseguinte, deve continuar a ser pago conforme o disposto na Lei Estadual n. 10.426/1990, não revogada quanto a esse aspecto.
Nesse sentido, transcrevo a seguinte ementa:
Administrativo. Agravo regimental. Decisão agravada mantida por seus
próprios fundamentos. Servidor público militar. Novo regime remuneratório. Auxílio-
invalidez não disciplinado pela nova lei. Diploma legal anterior não revogado.
Manutenção do critério remuneratório.
1. O Agravante não trouxe argumento capaz de infirmar as razões
consideradas no julgado agravado, razão pela qual deve ser mantido por seus
próprios fundamentos.
2. Conquanto firme o entendimento no sentido da inexistência de direito
adquirido a regime remuneratório, resguardada a irredutibilidade de vencimentos,
tal concepção não se aplica ao caso sub examine, tendo em vista que, ao contrário do
salientado, a nova Lei (LC n. 32/2001) não procedeu à pretendida desvinculação,
nada dispondo acerca dos valores remuneratórios relativos ao auxílio-invalidez.
3. A instituição, tão-só, de novo sistema remuneratório – com a implementação
de valores nominais de parcelas remuneratórias – não tem o condão de revogar a
previsão legal anterior (Lei n. 10.426/1990), que vinculou o auxílio-invalidez aos
vencimentos de cabo.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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4. Agravo regimental desprovido. (RMS n. 20.164-PE, Rel. Min. Laurita Vaz,
Quinta Turma, DJ de 02.05.2006, p. 342)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário. Concedo a segurança para determinar que a autoridade impetrada proceda ao pagamento mensal da parcela relativa ao auxílio-invalidez, devida ao ora recorrente, no valor correspondente ao do soldo de Cabo PM, segundo as majorações introduzidas pela Lei Complementar Estadual n. 32/2001, desde a impetração do mandamus, conforme requerido. Custas ex lege. Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos da Súmula n. 105-STJ.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 819.738-SC (2006/0008584-8)
Relatora: Ministra Laurita VazRecorrente: Ministério Público do Estado de Santa CatarinaRecorrido: Marcos Leal NunesAdvogado: Olavo Rigon Filho
EMENTA
Recurso especial. Penal. Prefeito Municipal. Crime de responsabilidade. Perda do cargo e inabilitação para exercício de cargo ou função pública. Penas autônomas em relação à pena privativa de liberdade. Prazos prescricionais distintos.
1. As penas previstas no § 2º, do art. 1º, do Decreto-Lei n. 201/1967 são autônomas em relação à pena privativa de liberdade, sendo distintos os prazos prescricionais. Precedentes do Pretório Excelso e desta Corte Superior.
2. Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 12 de dezembro de 2006 (data do julgamento).
Ministra Laurita Vaz, Relatora
DJ 12.02.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, com fundamento na alínea c do permissivo constitucional, em face de acórdão do Tribunal de Justiça local, proferido nos autos de processo crime de competência originária.
Informam os autos que o ora Recorrido Marcos Leal Nunes, Prefeito Municipal de Monte Carlo-SC, foi condenado pela Corte a quo às penas de 03 anos de detenção, como incurso no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, e de 02 anos de reclusão, como incurso no art. 1º, inciso II, do Decreto-Lei n. 201/1967, tendo sido reconhecida a prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal em relação ao crime de responsabilidade.
Os embargos de declaração opostos, aduzindo omissão sobre as penas acessórias de perda de cargo e inabilitação para o exercício de função pública, pelo prazo de cinco anos, foram providos, nos seguintes termos, litteris:
O art. 1º, § 2º, do Decreto-Lei n. 201/1967 prevê, como efeitos da condenação,
"a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de
cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil
do dano causado ao patrimônio público ou particular", que prescrevem no mesmo
lapso estabelecido para a pena privativa de liberdade.
Se a pretensão punitiva concernente à reprimenda principal - privativa de
liberdade - prescreveu em decorrência do transcurso do prazo estabelecido em lei,
aquilo que se constitui em seu consectário não pode continuar sem ela existir. (fl.
344)
Sustenta o Recorrente, nas razões do especial, dissídio jurisprudencial com julgados dos Tribunais Superiores acerca da natureza acessória das sanções de perda de cargo e inabilitação para o exercício de cargo ou função pública. Aduz que essas penas possuem natureza independente e autônoma, prescrevendo à seu tempo.
Contra-razões às fls. 401/406.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
Admitido o recurso na origem, ascenderam os autos à apreciação desta Corte.
O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 415/420, opinando pelo desprovimento do recurso, ao argumento que, a despeito da posição deste Superior Tribunal de Justiça, a autonomia das penas "somente poderá ser exercida após o trânsito em julgado da sentença condenatória, hipótese em que o cálculo da prescrição é diferenciado para as penas prevista nos §§ 1º e 2º, do art. 1º, do Decreto-Lei n. 201/1967".
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): Como referido no relatório, o acórdão recorrido para acolher os embargos declaratórios, consignou a seguinte motivação, in verbis:
Procede a insurreição, pois o acórdão efetivamente silenciou a respeito da
incidência ou não dos efeitos secundários da condenação imposta ao acusado,
tornando-se imperativo o suprimento da omissão.
O efeito da condenação previsto no § 2º do art. 1º do Decreto-Lei n. 201/1967
"não é automático, nem depende tão-só desses elementos objetivos, ao motivar a
imposição da perda de cargo, função ou mandato, o juiz deve levar em consideração
o alcance do dano causado, a natureza do fato, as condições pessoais do agente,
o grau de sua culpa, etc., para concluir sobre a necessidade da medida no caso
concreto" (Franco, Alberto Silva; Ninno, Jefferson; Silva Júnior, José; Betanho, Luiz
Carlos; Moraes, Maurício Zanoide de; Podval, Roberto; Stoco, Rui; Feltrin, Sebastião
Oscar; e Ninno, Wilson, Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial,
volume 2, 7ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p.
2.768).
Diante disso, faz-se mister que sobre eles este órgão emita pronunciamento,
por se constituírem em sanções.
(...)
Nesse rumo, torna-se imperativa a imposição de reprimenda mais severa,
consistente na perda do cargo e na inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para
o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da
reparação civil do dano inflingido, ao patrimônio público ou particular.
Entretanto, constata-se que se operou a prescrição também quanto aos efeitos
da condenação agora imposta ao acusado.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O art. 1º, § 2º, do Decreto-Lei n. 201/1967 prevê, como efeitos da condenação,
"a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de
cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil
do dano causado ao patrimônio público ou particular", que prescrevem no mesmo
lapso estabelecido para a pena privativa de liberdade.
Se a pretensão punitiva no concernente à reprimenda principal - privativa de
liberdade - prescreveu em decorrência do transcurso do prazo estabelecido em lei,
aquilo que se constitui em seu consectário não pode continuar sem ela existir.
(...)
Portanto, evidenciando-se a apontada omissão, promove-se à respectiva
supressão, declarando-se que a prescrição atingiu também os efeitos extrapenais
específicos da condenação, quais sejam, a perda do cargo e a inabilitação, pelo
prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de
nomeação. (fls. 343/345)
Apesar da razoabilidade da motivação apresentada pelo acórdão recorrido - "aquilo que se constitui em seu consectário não pode continuar sem ela existir" - a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, embasada em um precedente do Supremo Tribunal Federal - AI n. 379.392 QO-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão -, posicionou-se no sentido de que as penas previstas no § 2º, do art. 1º, do Decreto-Lei n. 201/1967 são autônomas em relação à pena privativa de liberdade, sendo distintos os prazos prescricionais.
Confira-se o citado precedente do Pretório Excelso:
Processual Penal. Questão de ordem. Pedido de reconhecimento de ofício da
prescrição da pretensão punitiva da pena in concreto. Crime de responsabilidade de
prefeito municipal ao qual foram cominadas as penas de multa e de inabilitação para
exercício de cargo ou função pública. Reconhecimento da prescrição da pretensão
punitiva do réu em relação à pena de multa aplicada, que se tornou definitiva ante
a inexistência de recurso da acusação. Hipótese, entretanto, em que o processo deve
prosseguir em face da pena restritiva de direito cominada que, por possuir natureza
independente e autônoma em relação à pena de multa, prescreve a seu tempo, não
sendo alcançada pela prescrição desta. Questão de ordem que se resolve na forma
acima explicitada (DJ de 16.08.2002.)
No mesmo sentido, passou a decidir o Supremo Tribunal de Justiça, como esclarecem os seguintes precedentes:
Criminal. REsp. Crime de responsabilidade de Prefeito. Prescrição retroativa
da inabilitação para o exercício de cargo ou função pública. Natureza jurídica
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
diversa da pena privativa de liberdade. Extinção da punibilidade não caracterizada.
Recurso provido.
Hipótese em que o recorrido restou condenado, por crime de responsabilidade,
à pena privativa de liberdade e à inabilitação para o exercício de cargo ou função
pública, tendo sido decretada a extinção da punibilidade de ambas as punições.
A inabilitação para o exercício de função pública foi elevada ao status de pena
restritiva de direitos, sendo autônoma em relação à privativa de liberdade.
Tratando-se de penas de naturezas jurídicas diversas, distintos serão os prazos
prescricionais. Precedente do STF e do STJ.
Recurso que merece ser provido para cassar o acórdão recorrido na parte
em que reconheceu a prescrição da pena de inabilitação para o exercício de cargo
público.
Recurso conhecido e provido, nos termos do voto do relator. (REsp n. 784.680-
SC, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 02.05.2006.)
Penal. Recurso especial. Crime de responsabilidade de Prefeito. Inabilitação
para o exercício de cargo ou função pública. Pena autônoma em relação à pena
privativa de liberdade. Prescrição. Prazos distintos.
A pena de inabilitação para o exercício de função pública é autônoma em
relação à pena privativa de liberdade. Logo, tratando-se de penas de naturezas
jurídicas diversas, distintos, também, serão os prazos prescricionais, i.e., não sendo
a pena de inabilitação acessória da pena privativa de liberdade, cada uma prescreve
a seu tempo (Precedentes do STF e do STJ).
Recurso provido. (REsp n. 738.891-PR, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJ
de 19.02.2005.)
Criminal. HC. Crime de responsabilidade de Prefeito. Pena privativa de
liberdade. Prescrição retroativa. Ocorrência. Inabilitação para o exercício de cargo
ou função pública. Naturezas jurídicas diversas.
Suspensão do acórdão condenatório. Inexistência de interposição de recurso
de índole especial. Ordem parcialmente concedida.
Hipótese em que o paciente restou condenado, por crime de responsabilidade,
à pena privativa de liberdade e à inabilitação para o exercício de cargo ou função
pública.
Ultrapassado o lapso prescricional previsto no art. 109, inc. V do Código
Penal, entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, levando-se em conta a
pena concretamente estabelecida e mantida em 2º grau de jurisdição, assim como
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
a redução do prazo prescricional em função da menoridade do paciente à época do
crime, declara-se a sua extinção da punibilidade.
A inabilitação para o exercício de função pública foi elevada ao status de pena
restritiva de direitos, sendo autônoma em relação à privativa de liberdade.
Tratando-se de penas de naturezas jurídicas diversas, distintos serão os prazos
prescricionais. Precedente do STF.
O habeas corpus não é a via adequada para se atribuir efeito suspensivo a
recurso especial, pedido normalmente veiculado por medida cautelar inominada
e somente acolhido em casos excepcionalíssimos, condicionando-se, ainda, ao
recebimento do recurso na origem.
Hipótese na qual não há, sequer notícia da interposição de recurso de índole
especial.
Ordem parcialmente concedida, para declarar a extinção da punibilidade do
paciente, somente quanto à pena privativa de liberdade imposta pelo Tribunal a quo, pela ocorrência da prescrição retroativa. (HC n. 28.740-CE, 5ª Turma, Rel. Min.
Gilson Dipp, DJ de 28.06.2004.)
Recurso especial. Penal e Processo Penal. Dissídio jurisprudencial alínea c do
permissivo constitucional. Art. 1º, inciso II do Decreto-Lei n. 201/1967. Inabilitação
para o exercício de cargo público.
Prescrição da pretensão punitiva. Extinção da punibilidade.
“O Pretório Excelso, em situação semelhante, concluiu não ser a pena
de inabilitação acessória da pena privativa de liberdade, por possuir natureza
independente, prescrevendo, assim, cada qual a seu tempo.”
Recurso conhecido e provido (REsp n. 620.958-SC, 5ª Turma, Rel. Min. José
Arnaldo da Fonseca, DJ de 06.09.2004.)
No caso, o Tribunal catarinense, julgando os declaratórios, impôs ao Recorrido as reprimendas de "perda do cargo e inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano infligido ao patrimônio público ou particular" (fl. 344).
Em sendo assim, considerando-se a pena de inabilitação para a função pública aplicada ao recorrido, superior a 4 anos e não excedente a 8 anos, nos termos do precedente do Pretório Excelso, não se encontra extinta a punibilidade pela incidência da prescrição, porquanto transcorridos menos de doze anos entre a data da infração (29 de dezembro de 1994) e a data do recebimento da denúncia (20 de agosto de 2002), ou entre esta e a sentença condenatória.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
Ante o exposto, dou provimento ao recurso para, reconhecendo a autonomia das previstas no § 2º, do art. 1º, do Decreto-Lei n. 201/1967 em relação à pena privativa de liberdade, afastar a extinção da punibilidade em virtude da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, quanto às penas de perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública.
É o voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Consoante se verifica do voto proferido pela relatora, Ministra Laurita Vaz, trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea c, da Constituição Federal, contra acórdão proferido, nos autos de ação penal originária, pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça local (PCR n. 2002.020362-4).
Consta dos autos que o recorrido, Marcos Leal Nunes, prefeito municipal de Monte Carlo-SC, foi inicialmente condenado às penas de 3 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa, sendo substituída a pena corporal por duas restritivas de direitos, pela prática do delito previsto no art. 89, caput, da Lei n. 8.666/1993, e de 2 (dois) anos de reclusão, por infração ao art. 1º, II, do Decreto-Lei n. 201/1967. Em relação ao crime de responsabilidade, reconheceu a Corte a quo a prescrição retroativa da pretensão punitiva.
Alegando omissão quanto às penas acessórias de perda de cargo e inabilitação para o exercício de função pública, o Ministério Público opôs embargos de declaração, os quais restaram acolhidos nos seguintes termos (fl. 344):
Nesse rumo, torna-se imperativa a imposição de reprimenda mais severa,
consistente na perda do cargo e inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para
o exercício do cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da
reparação civil do dano infligido ao patrimônio público ou particular.
Entretanto, constata-se que se operou a prescrição também quanto aos efeitos
da condenação agora imposta ao acusado.
O art. 1º, § 2º, do Decreto-Lei n. 201/1967 prevê, como efeitos da condenação,
“a perda do cargo e a inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de
cargo ou função pública, efetivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil
do dano causado ao patrimônio público ou particular”, que prescrevem no mesmo
lapso estabelecido para a pena privativa de liberdade.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Se a pretensão punitiva no concernente à reprimenda principal - pena privativa
de liberdade - prescreveu em decorrência do transcurso do prazo estabelecido em
lei, aquilo que se constitui em seu consectário não pode continuar sem ela a existir.
Sobreveio, então, o presente recurso especial, em que alega o recorrente dissídio jurisprudencial com julgados desta Corte e do Supremo Tribunal Federal acerca da interpretação dos arts. 109 e 110 do Código Penal e 1º, § 2º, do Decreto-Lei n. 201/1967. Sustenta que as penas de perda do cargo e de inabilitação previstas no referido dispositivo legal são autônomas em relação à pena privativa de liberdade, motivo por que são distintos os prazos prescricionais.
Requer, desse modo, o provimento do recurso para que seja afastada a prescrição da pretensão punitiva estatal quanto à pena de perda do cargo e inabilitação para o exercício de cargo ou função pública.
Em voto proferido pela Ministra Laurita Vaz, foi dado provimento ao recurso, sob o fundamento de que “As penas previstas no § 2º do art. 1º do Decreto-Lei n. 201/1967 são autônomas em relação à pena privativa de liberdade, sendo distintos os prazos prescricionais”.
Após o voto proferido pela relatora, pedi vista dos autos.
Acolho, integralmente, como razões de decidir, os substanciosos fundamentos constantes no voto da lavra da ilustre relatora.
Com efeito, a jurisprudência deste Superior Tribunal e do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que "a pena de inabilitação para o exercício de função pública é autônoma em relação à pena privativa de liberdade. Logo, tratando-se de penas de natureza jurídica diversas, distintos, também serão os prazos prescricionais, i.e., não sendo a pena de inabilitação acessória à pena privativa de liberdade, cada uma prescreva a seu tempo" (REsp n. 738.891-PR, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 19.12.2005).
Assim sendo, considerando que a pena de inabilitação para o exercício do cargo ou função pública foi de 5 (cinco) anos, não se verifica a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, visto que, da data dos fatos (29.12.1994) à do recebimento da denúncia (20.08.2002) ou entre a última e à do acórdão condenatório (15.02.2005), transcorreu período inferior a doze anos (art. 109, inciso III, do CP).
Ante o exposto, acompanhando a eminente relatora, dou provimento ao recurso especial.
É como voto.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
RECURSO ESPECIAL N. 824.617-RN (2006/0048703-0)
Relator: Ministro Felix FischerRecorrente: Fundação Nacional de Saúde - FNSProcurador: Ricardo Santos e outrosRecorrido: José Carlos Soares Matos e outros Advogado: Osvaldo Reis Arouca Neto e outros
EMENTA
Recurso especial. Administrativo. Servidor público. Omissão. Inexistência. Valores recebidos. Sentença transitada em julgado. Ação rescisória julgada procedente. Devolução. Descabimento. Definitividade. Coisa julgada material. Boa-fé. Caráter alimentar.
I- O e. Tribunal a quo não se furtou de examinar a questão que lhe foi submetida, qual seja, sobre a possibilidade de restituição de valores recebidos em razão de sentença judicial posteriormente rescindida.
II- A omissão no julgado que desafia os declaratórios é aquela referente às questões, de fato ou de direito, trazidas à apreciação do magistrado e não a referente às teses defendidas pelas partes a propósito daquelas questões. Mesmo porque, as teses jurídicas podem ser rechaçadas implicitamente pelo julgador.
III- É incabível a devolução de valores recebidos por força de decisão judicial transitada em julgado, tendo em vista que o servidor teve reconhecido o seu direito de modo definitivo (coisa julgada material), sendo, portanto, inequívoca a sua boa-fé.
IV- Somado à existência da boa fé, há o fato de que as vantagens pecuniárias reconhecidas judicialmente e recebidas pelos recorridos possuem natureza alimentar, nos termos do art. 100, § 1º-A da Constituição da República. Estão presentes, portanto, os dois elementos indispensáveis para o não cabimento da devolução das vantagens pecuniárias recebidas anteriormente ao julgamento da ação rescisória: boa-fé e natureza alimentar.
Recurso especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
424
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
unanimidade, conhecer do recurso, mas negar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.
Brasília (DF), 20 de março de 2007 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Relator
DJ 16.04.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de recurso especial interposto pela Fundação Nacional de Saúde - FNS , com fulcro no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra v. acórdão do e. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, assim ementado:
Processual Civil. Diferenças de vencimentos percebidas por efeito de sentença. Superveniência de acórdão em ação rescisória cassando o título judicial e julgando improcedente a demanda originária. Natureza alimentar que implica em vedar-se a retroação dos efeitos da rescisão para alcançar valores percebidos em execução de obrigação de fazer. Improvimento da apelação e da remessa oficial (fl. 264).
Opostos embargos declaratórios, foram eles rejeitados (fl. 288).
Sustenta a recorrente que ao rejeitar os embargos declaratórios o e. Tribunal a quo ofendeu o disposto nos arts. 165, 458 e 535, II, do Código de Processo Civil, vez que deixou de se manifestar expressamente acerca de dispositivos tidos por violados.
Alega, no mérito, violação ao art. 46, § 3º, da Lei n. 8.112/1990, aduzindo que tal norma permite a restituição ao erário de valores recebidos em decorrência de decisão judicial posteriormente atacada por ação rescisória julgada procedente.
Não foram apresentadas contra-razões (certidão de fl. 310).
A douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento do recurso, vez que não teria sido interposto agravo de instrumento da decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário (fls. 322/331).
Admitido o recurso na origem, os autos foram remetidos a este c. Tribunal.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Inicialmente, verifico que a preliminar suscitada pelo d. Ministério Público Federal acerca da ausência de agravo
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
de instrumento contra decisão que inadmitiu o processamento do recurso extraordinário não procede, vez que, de fato, foi interposto agravo de instrumento da decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário, conforme certidão de fl. 316.
Rejeito a alegação de violação aos arts. 165, 458 e 535 do Código de Processo Civil, vez que o e. Tribunal a quo não se furtou de examinar a questão que lhe foi submetida, qual seja, sobre a possibilidade de restituição de valores recebidos em razão de sentença judicial posteriormente rescindida.
Ressalto que a omissão no julgado que desafia os declaratórios é aquela referente às questões, de fato ou de direito, trazidas à apreciação do magistrado e não a referente às teses defendidas pelas partes a propósito daquelas questões. Mesmo porque, as teses jurídicas podem ser rechaçadas implicitamente pelo julgador.
Dessa forma, não padece o julgado recorrido de qualquer omissão ou nulidade na sua fundamentação. É cediço que não pode a parte pechar o julgamento de nulo tão-somente porque contrário a seus interesses. A propósito:
Agravo regimental. Administrativo. Servidor público. Salário mínimo.
Abono complementar. Artigo 535 do CPC. Omissão. Contradição. Não ocorrência.
Prescrição. Trato sucessivo. Enunciado n. 85-STJ.
1. Não ocorre omissão quando o Tribunal de origem decide fundamentadamente
todas as questões postas ao seu crivo, assim como não há confundir entre decisão
contrária ao interesse da parte e ausência de prestação jurisdicional.
2. Nas demandas envolvendo prestações de natureza sucessiva, que se renovam
mês a mês, não ocorre a prescrição de fundo de direito.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp n. 832.680-RN, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de
18.12.2006).
Quanto ao mérito, melhor sorte não assiste à recorrente.
Discute-se, na espécie, a possibilidade de restituição ao erário de quantias recebidas pelo servidor em razão de sentença judicial posteriormente cassada por ação rescisória.
Esta c. Corte já decidiu que nas hipóteses em que o pagamento ao servidor é feito por força de decisão liminar e essa não é confirmada, deve haver restituição ao erário. Confirmo:
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Administrativo. Servidor público estadual. Valores percebidos por força de
liminar. Restituição. Desconto em folha. Possibilidade. Necessidade de obediência
aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Prescrição contra a Administração
Pública. Não-ocorrência. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido.
1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão
segundo a qual os atos administrativos praticados anteriormente ao advento da Lei
n. 9.784/1999 também estão sujeitos ao prazo decadencial qüinqüenal de que trata
seu art. 54. Todavia, nesses casos, tem-se como termo a quo a entrada em vigor de
referido diploma legal, ou seja 1º.02.1999.
2. No caso em exame, a Administração pretende reaver valores que haviam
sido indevidamente pagos aos recorrentes por força de liminar, concedida em
30.07.1992, no MS n. 592059141, cuja segurança foi denegada em 14.05.1993.
Por conseguinte, não há falar em decadência na espécie, já que o recorrido passou a
efetuar os descontos nos proventos dos recorrentes em novembro de 2002.
3. Assiste à Administração Pública o direito de efetuar o desconto no contracheque dos servidores de valores indevidamente pagos por força de liminar proferida em mandado de segurança em que a ordem foi posteriormente denegada, desde que observados os princípios da ampla defesa e do contraditório, assim como respeitado o limite máximo de desconto previsto em lei, no caso a quinta parte da remuneração ou provento dos recorrentes (art. 82 da Lei Complementar Estadual n. 10.098/1994). Precedentes.
4. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido. Segurança
parcialmente concedida para anular os descontos feitos nos contracheques dos
recorridos, ressalvado o direito de a Administração, após regular procedimento
administrativo, efetivar a restituição dos valores indevidamente pagos por força da
liminar proferida no MS n. 592059141.
(RMS n. 18.057-RS, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de
02.05.2006).
Administrativo. Servidor público. Valores recebidos em virtude de liminar
posteriormente cassada. Restituição. Possibilidade.
1. Valores pagos pela Administração Pública em virtude de decisão judicial provisória, posteriormente cassada, devem ser restituídos, sob pena de enriquecimento ilícito por parte dos servidores beneficiados.
2. A reposição de valores percebidos indevidamente possui expressa previsão
legal, artigo 46 da Lei n. 8.112/1990, não havendo falar em direito líquido e certo
a ser amparado pela via mandamental.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
427
RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
3. Precedente.
4. Recurso provido.
(REsp n. 725.118-RJ, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de 24.04.2006 p.
477)
Recurso especial. Administrativo. Servidor público. Valores indevidamente
recebidos por força de liminar. Desconto em folha. Possibilidade. Ausência de
errônea interpretação ou má aplicação da lei pela Administração Pública. Recurso
especial provido.
1. Prevalecia neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que os valores
indevidamente recebidos, ainda que de boa-fé, por servidores públicos sujeitam-se à
repetição, observado o limite máximo de dez por cento da remuneração.
2. Recentemente, entretanto, no julgamento do REsp n. 488.905, de relatoria
do ilustre Ministro José Arnaldo da Fonseca, a Egrégia Quinta Turma firmou
entendimento no sentido de que não será cabível a restituição de valores se estes
foram recebidos de boa-fé e se houve errônea interpretação ou má aplicação da lei
pela Administração Pública.
3. Não obstante, impende ter sob mira que, na hipótese dos autos, "o pagamento
indevido não foi resultado da interpretação equivocada da Lei pela Administração,
mas sim de decisão judicial de caráter liminar que compeliu a União a efetuar o
pagamento, sob pena de desobediência" (fl. 599). Dessa forma, verifica-se a ausência do
requisito da errônea interpretação ou má aplicação da lei pela Administração Pública,
não podendo esta ser onerada por ato do próprio servidor.
4. O desconto em folha dos valores indevidamente recebidos por força de decisão
liminar é cabível, desde que observado o princípio do contraditório e respeitado o
limite máximo de um décimo sobre a remuneração, nos termos do artigo 46 da Lei
n. 8.112/1990.
5. Recurso especial provido.
(REsp n. 651.081-RJ, 6ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de
06.06.2005).
A restituição ao erário de valores recebidos nesses casos justificou-se em razão da natureza precária do provimento liminar, conforme verifica-se do voto condutor proferido pelo e. Ministro Paulo Gallotti no Recurso Especial n. 725.118:
(...)
428
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
In casu, não se discute o recebimento indevido de verbas remuneratórias
decorrentes de interpretação equivocada de dispositivo legal, tampouco se cogita de
erro da Administração ou boa-fé do impetrante.
A Administração nada mais fez do que dar cumprimento a uma determinação judicial, cujo caráter provisório era conhecido pelos autores da primitiva ação ordinária.
Em razão dessa precariedade, como afirmado pelo representante do Parquet Federal junto ao Tribunal de origem, 'injusto seria que os impetrantes não restituíssem
o erário, uma vez que este procedimento caracterizaria enriquecimento sem causa
dos servidores beneficiários' (fl. 220) (REsp n. 725.118-RJ, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 09.12.2005, DJ 24.04.2006).
No entanto, as hipóteses acima não coincidem com o caso ora em apreço.
Na espécie, as quantias recebidas pelos recorridos decorreram de sentença judicial transitada em julgado, que veio a ser cassada por ação rescisória. Não se tratam, portanto, de efeitos decorrentes de decisão precária, mas sim definitiva.
Sendo assim, é incabível a devolução de valores recebidos por força de decisão transitada em julgado, tendo em vista que o servidor teve reconhecido o seu direito de modo definitivo (coisa julgada material), sendo, portanto, inequívoca a sua boa-fé.
Consideram-se, aqui, os comandos dos arts. 467 e 468 do Código de Processo Civil:
Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e
indiscutível a sentença, não mais sujeito a recurso ordinário ou extraordinário.
Art. 468. A sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas
A doutrina assim conceitua coisa julgada material:
Coisa julgada material (autorictas rei iudicatae) é a qualidade que torna
imutável e indiscutível o comando que emerge da parte dispositiva da sentença de
mérito não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário (CPC 467; LICC 6º,
§ 3º), nem à remessa necessária do CPC 475 (STF 423; Barbosa Moreira, Temas,
107).
(...) A coisa julgada material é um efeito especial da sentença transitada
formalmente em julgado (Nikisch, ZPR, § 104, I, p. 401). A característica essencial
da coisa julgada material se encontra na imutabilidade da sentença, que não se
confunde com sua eficácia.
JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 371-430, abril/junho 2008
(...) Somente a lide (pretensão, pedido, mérito) é acobertada pela coisa
julgada material, que a torna imutável e indiscutível, tanto no processo em que foi
proferida a sentença, quanto em processo futuro. Somente as sentenças de mérito,
proferidas com fundamento no CPC 269, são acobertadas pela autoridade da coisa
julgada; as de extinção do processo sem julgamento do mérito (CPC 267) são
atingidas apenas pela preclusão (coisa julgada formal) ("Código de Processo Civil
Comentado", Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, 9ª ed., 2006, p.
593/594).
Nesse contexto, a boa-fé merece total proteção. Lembro que esta c. Corte tem reconhecido a boa-fé até mesmo quando analisa o não cabimento da devolução de valores recebidos por erro da Administração. Confirmo:
Administrativo. Agravo regimental. Pagamento indevido efetuado pela
Administração e recebido de boa-fé pelo servidor. Restituição dos valores.
Inviabilidade. Nova orientação desta Corte.
Firmou-se o entendimento, a partir do julgamento do REsp n. 488.905-RS,
por esta Quinta Turma, no sentido da inviabilidade de restituição dos valores
erroneamente pagos pela Administração - em virtude de desacerto na interpretação
ou má aplicação da lei - quando verificada a boa-fé dos servidores beneficiados.
Precedentes.
Agravo regimental desprovido.
(AgRg nos EDcl no Ag n. 785.552-RS, 5ª Turma, de minha relatoria, DJ de
05.02.2007).
Administrativo. Servidor público. Pensão. Valores recebidos indevidamente.
Boa-fé. Restituição. Impossibilidade. Matéria pacífica.
1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de ser incabível a
restituição de valores recebidos indevidamente em razão de interpretação equivocada
ou má aplicação da lei, quando verificada a boa-fé dos servidores beneficiados.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp n. 597.827-PR, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de
25.09.2006).
Processual Civil e Administrativo. Servidor público. Valores indevidos pagos
pela Administração. Restituição dos valores recebidos de boa-fé. Inviabilidade.
Reexame de matéria fático-probatória. Inviabilidade. Súmula n. 7-STJ. Agravo
interno desprovido.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I - O Superior Tribunal de Justiça vinha se manifestando no sentido de que
a Administração Pública, após constatar que estava procedendo erroneamente o
pagamento de valores, podia efetuar a correção do ato administrativo, de forma a
suspender tal pagamento, bem como proceder ao desconto das diferenças recebidas
indevidamente pelo servidor.
II - Em recentes julgados a Eg. Quinta Turma, revendo o posicionamento
anterior, entendeu que diante da presunção de boa-fé no recebimento de valores
pelo servidor, incabível é a restituição do pagamento efetuado erroneamente pela
Administração. Precedentes.
III - É inviável, em sede de recurso especial o reexame de matéria fático-
probatória, tendo em vista o óbice contido no verbete Sumular n. 7-STJ: "A
pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial."
IV - Agravo interno desprovido.
(AgRg no Ag n. 722.105-RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de
06.03.2006).
De fato, o reconhecimento do direito por meio de sentença transitada em julgado deve repercutir na esfera jurídica dos recorridos, no que diz respeito à não devolução dos valores recebidos sob o pálio da decisão rescindida, do mesmo modo que ocorre no entendimento afirmado nos precedentes acima.
Ademais, somado à existência da boa fé, há o fato de que as vantagens pecuniárias reconhecidas judicialmente e recebidas pelos recorridos possuem natureza alimentar, nos termos do art. 100, § 1º-A da Constituição da República. Entendo, portanto, que estão presentes os dois elementos indispensáveis para o não cabimento da devolução das vantagens pecuniárias recebidas anteriormente ao julgamento da ação rescisória: boa-fé e natureza alimentar das vantagens.
Destaco, finalmente, que há duas decisões desta c. Corte em casos semelhantes: Recurso Especial n. 828.073, de relatoria do e. Ministro Paulo Medina, publicado no DJU de 30.06.2006 e Recurso Especial n. 679.479, de relatoria do e. Ministro Arnaldo Esteves Lima, publicado no DJU de 03.11.2005.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É o voto.
HABEAS CORPUS N. 26.035-BA (2002/0173813-3)
Relator: Ministro Paulo GallottiImpetrante: Antônio Pedro da Silva MachadoImpetrado: Tribunal de Justiça do Estado da BahiaPaciente: A. P. M. (Internado)Paciente: F. M. R. (Internado)
EMENTA
Habeas corpus. Ato infracional equivalente ao homicídio qualificado. Internação provisória. Artigo 108 do ECA. Excesso de prazo.
1. Em que pese cuidar-se de ato infracional grave, equivalente ao homicídio qualificado, não há como manter os pacientes internados provisoriamente por quase 90 dias, superado de muito o limite legal de quarenta e cinco dias estipulado pelo artigo 108 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
2. Habeas corpus concedido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Hélio Quaglia Barbosa, Nilson Naves e Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina.
Brasília (DF), 14 de setembro de 2004 (data do julgamento).
Ministro Paulo Gallotti, Presidente e Relator
DJ 05.03.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti: Cuida-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor dos menores A. P. M. e F. M. R., apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça da Bahia que denegou o writ ali manejado.
434
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Colhe-se do processado que os menores, detidos em flagrante, tiveram a internação provisória decretada porque praticaram, no dia 17.10.2002, junto com outras pessoas, ato infracional equiparado ao homicídio duplamente qualificado.
Busca a impetração ver reconhecido o direito de os pacientes aguardarem em liberdade o julgamento da Ação de Representação n. 102/2002, que tramita na Vara da Infância e da Juventude de Porto Seguro, na Bahia.
Alega-se que a internação dos pacientes ultrapassou os prazos legais, além do que estariam recolhidos em local inadequado, infringindo o disposto nos artigos 108, 111, V, 122, § 2º, 123, 183 e 185, todos da Lei n. 8.069/1990, e ainda preceitos constitucionais. Ademais, sustentam inexistirem indícios de autoria que justifiquem a decretação da medida de internação, bem como não ser razoável a sua manutenção em razão do clamor público.
Prestadas as informações, a liminar foi deferida, fls. 350/353.
A Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pela concessão da ordem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti (Relator): Realmente, o habeas corpus deve ser concedido.
Com efeito, a internação provisória dos pacientes extrapolou de muito o prazo máximo de 45 dias estipulado pelo artigo 108 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sem que para isso tenha contribuído a defesa, não havendo razão, como dito na decisão concessiva de liminar, para manutenção da segregação.
Nesse sentido:
Criminal. RHC. Menor. Sucessivas prorrogações do prazo de internação provisória. Período de internação superior ao permitido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Impossibilidade. Constrangimento ilegal caracterizado. Ordem concedida.
I - O prazo de internação provisória de menor infrator não pode ultrapassar aquele previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente - 45 dias - sob pena de se contrariar o propósito da legislação do menor, que pretende a celeridade dos processos e a internação como medida adotada apenas excepcionalmente.
II - Configura-se o constrangimento ilegal se verificado que, através de sucessivas prorrogações do período de internação provisória, este excede o prazo máximo permitido pela legislação especial. Precedente.
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
435
RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
III - Recurso provido para determinar a desinternação do menor.
(RHC n. 13.435-AC, Relator o Ministro Gilson Dipp, DJU de 24.03.2003)
Quanto aos outros dois fundamentos do writ, não os examino.
Aquele referente ao local de recolhimento dos pacientes pela evidente perda de objeto diante da concessão da ordem.
Já no que diz com a inexistência de indícios de autoria, cuida-se de matéria a ser enfrentada por ocasião do julgamento de mérito na origem.
Diante do exposto, confirmando a liminar, concedo o habeas corpus para permitir que os pacientes aguardem em liberdade o julgamento da Ação de Representação n. 102/2002, em trâmite na Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Porto Seguro, na Bahia, condicionado o benefício ao comparecimento a todos os atos processuais que se fizerem necessários.
É o voto.
HABEAS CORPUS N. 27.319-SP (2003/0033220-2)
Relator: Ministro Hamilton CarvalhidoImpetrante: Helena Rosa Rodrigues Costa - Defensora PúblicaImpetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São PauloPaciente: Andyara Joyce Santos
EMENTA
Habeas corpus. Direito Processual Penal. Suspensão condicional do processo. Desclassificação para uso de entorpecente. Cabimento do sursis processual.
1. Em se fazendo cabível a suspensão condicional do processo, por força de desclassificação ou procedência só parcial da denúncia, é dever do Juiz suscitar a manifestação do Ministério Público, a propósito da sua suficiência como resposta penal, excluindo, como exclui, a imposição da pena correspondente ao fato-crime.
2. Em casos tais, não se há de anular a denúncia e, tampouco, tudo mais do processo no primeiro grau de jurisdição, mas tão-só desconstituir a condenação decretada na sentença, para determinar
436
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
que seja ouvido o Ministério Público sobre a proposta de suspensão do processo referida no artigo 89 da Lei n. 9.099/1995. Precedentes.
3. Ordem concedida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Nilson Naves. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti.
Brasília (DF), 16 de junho de 2005 (data do julgamento).
Ministro Hamilton Carvalhido, Relator
DJ 20.11.2006
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido: Habeas corpus contra a Primeira Câmara Criminal de "Janeiro/2000" do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que ao dar provimento ao apelo ministerial tornou sem efeito a substituição, pela pena de multa, da pena privativa de liberdade de 6 meses de detenção imposta a Andyara Joyce Santos, tendo, contudo, sido suspensa a sua execução, por dois anos, no processo da ação penal em que a ora paciente foi condenada pela prática do delito tipificado no artigo 16 da Lei n. 6.368/1976.
A Procuradoria Geral do Estado sustenta que "o juiz não poderia ter proferido a sentença, mas que, após desclassificar a infração, deveria ter aberto vista às partes, notadamente ao Ministério Público para que fundamentadamente se manifestasse sobre a suspensão condicional do processo, a qual, em tese, a ré, ora paciente, fazia jus." (fl. 5).
Pugna, ao final, pela anulação do feito desde a sentença, devendo o Ministério Público manifestar-se sobre a suspensão condicional do processo.
Informações às fls. 26/27 dos autos.
O Ministério Público Federal veio pela concessão da ordem, em parecer assim sumariado:
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
Habeas Corpus. Porte ilícito de entorpecentes. Desclassificação ocorrida
após o recebimento da denúncia. Possibilidade de incidência do art. 89 da Lei n.
9.099/1995. Precedentes do STJ e do STF.
Parecer pela concessão da ordem. (fl. 59).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (Relator): Senhor Presidente, embora, na letra do artigo 89 da Lei n. 9.099/1995, deve a suspensão condicional do processo ter o seu exame no momento do recebimento da inicial acusatória, nos casos de desclassificação ou mesmo de procedência parcial, não há como suprimir ao réu a suspensão condicional do processo, se o delito que se tem como caracterizado e praticado, pela sua pena prisional mínima não superior a 1 ano, autoriza tal resposta penal alternativa.
Nesse sentido:
Penal e Processual Penal. Recurso especial. Art. 10, caput, da Lei n. 9.437/1997.
Pena. Desclassificação operada na sentença condenatória. Possibilidade de suspensão
condicional do processo.
É viável a suspensão condicional do processo no caso de desclassificação do
delito operada em sede de sentença condenatória (Precedentes do Pretório Excelso
e do STJ).
Recurso provido. (REsp n. 686.251-MG, Relator Ministro Felix Fischer, in DJ
04.04.2005).
Recurso especial. Processual Penal. Lei n. 9.099/1995. Artigo 89. Suspensão
condicional do processo. Desclassificação do crime na sentença. Conversão do
julgamento em diligência. Possibilidade.
1. Admissível se mostra a suspensão condicional do processo quando já houve prolação de sentença, mesmo que desclassificando o delito imputado na denúncia para outro, em que a pena mínima cominada é igual ou inferior a um ano.
2. Recurso conhecido e desprovido. (REsp n. 406.843-SP, Relator Ministro
Hélio Quaglia Barbosa, in DJ 13.09.2004).
Habeas Corpus. Processual Penal. Tribunal do Júri. Desclassificação. Homicídio
culposo. Suspensão condicional do processo.
1. Desclassificado o crime praticado pelo agente para outro que se amolde aos requisitos determinados pelo art. 89, da Lei n. 9.099/1995, deve o juízo processante
438
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
conferir oportunidade ao Ministério Público para que se manifeste sobre o oferecimento da suspensão condicional do processo. Precedentes do STF e do STJ.
2. Ordem concedida para, anulando a sentença e o acórdão que a confirma,
determinar a volta dos autos à instância monocrática, com o escopo de oportunizar
ao Ministério Público a possibilidade da proposta de suspensão condicional do
processo. (HC n. 32.596-RJ, Relatora Ministra Laurita Vaz, in DJ 07.06.2004).
Habeas corpus. Ação Penal. Denúncia oferecida pelo crime do art. 155, § 4º, I do
Código Penal. Desclassificação operada na sentença condenatória para o crime do art. 155, caput do mesmo diploma. Hipótese enquadrável no art. 89 da Lei n. 9.099/1995, que trata da suspensão condicional do processo. Nessas condições, impor-se-ía ao Juízo, ao concluir pela desclassificação, a oitiva do Ministério Público sobre a suspensão condicional do processo. Declaração de insubsistência da condenação imposta para
que, mantida a desclassificação operada pelo Juízo, seja ouvido o Ministério Público
quanto à proposta a que alude o caput do referido art. 89, tendo como parâmetro
a desclassificação da conduta delituosa para aquela prevista no art. 155, caput do
Código Penal. Precedente: HC n. 75.894-SP. Alegação de consumação da prescrição
não acolhida. Recurso ordinário parcialmente provido. (RHC n. 81.925-SP, Relatora
Ministra Ellen Gracie, in DJ 21.02.2003 - nossos os grifos).
Competência. Habeas-Corpus. Ato de Tribunal de Justiça. Na dicção da
ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), entendimento em relação ao
qual guardo reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo e qualquer
habeas-corpus impetrado contra ato de tribunal, tenha este, ou não, qualificação de
superior.
Processo. Suspensão. Artigo 89 da Lei n. 9.099/1995. Denúncia. Desclassificação
do crime. Uma vez operada a desclassificação do crime, a ponto de implicar o surgimento de quadro revelador da pertinência do artigo 89 da Lei n. 9.099/1995, cumpre ao Juízo a diligência no sentido de instar o Ministério Público a pronunciar-se a respeito. (HC n. 75.894-SP, Relator Ministro Marco Aurélio, in DJ 23.08.2002 -
nossos os grifos).
In casu, denunciada por tráfico ilícito de entorpecentes (denúncia - fls. 7/8), foi a paciente condenada por uso (sentença - fls. 14/18), apenado, no mínimo legal, com 6 meses de detenção, viabilizando-se-lhe a resposta penal alternativa, de modo a determinar a desconstituição da condenação imposta.
No entanto, cumpre observar que o deferimento da oportunidade de proposta do sursis processual não implica anulação da exordial acusatória, nem tampouco do trecho processual já percorrido no primeiro grau de jurisdição.
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
439
RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
Pelo exposto, concedo a ordem para declarar insubsistente a condenação imposta pela sentença e mantida em grau de apelação e determinar que seja ouvido o Ministério Público sobre a proposta de suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei n. 9.099/1995).
É o voto.
HABEAS CORPUS N. 39.277-RS (2004/0155854-8)
Relator: Ministro Nilson NavesImpetrante: Marcelo Caetano Guazzelli Peruchin e outroImpetrado: Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do SulPaciente: Mário César Terra Lima
EMENTA
Honra (crimes). Imunidade judiciária (limites). Divulgação de peça processual de natureza civil (calúnia, injúria e difamação). Queixa (exame/possibilidade). Tipicidade (ausência). Habeas corpus (cabimento). Queixa (rejeição).
1. A imunidade a que se refere o inciso I do art. 142 do Cód. Penal acoberta apenas as coisas que sucedem na economia doméstica do processo; fora daí e daí por diante, cobertura alguma haverá.
2. A despeito da indevida divulgação da contestação apresentada no juízo cível – processo em que se discutem obrigações contratuais –, o excesso de palavras nela constante não alcançou o campo penal; coisas próprias do cível – obrigações recíprocas de sócios, etc. Conduta penalmente atípica.
3. Não procedem censuras a que se faça, no habeas corpus, exame de provas. Fundado nas alegações de atipicidade e falta de justa causa, impõe-se sejam as provas verificadas.
4. Habeas corpus deferido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
440
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Paulo Medina e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Medina.
Sustentou oralmente o Dr. José Antônio Paganella Boschi pelo paciente.
Brasília (DF), 05 de setembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Nilson Naves, Relator
DJ 04.06.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Nilson Naves: Decidiu o Juiz da 8ª Vara Criminal de Porto Alegre, quando da oportunidade legal para a reconciliação das partes, pela rejeição da queixa. É de seguinte teor a decisão:
A presente ação penal privada foi intentada por Jaime Sirotsky contra Mário
César Terra Lima, atribuindo-lhe o cometimento dos delitos previstos nos artigos
138, 139 e 140 do Código Penal, isto é, injúria, difamação e calúnia, por que o
querelado, segundo a inicial divulgou e mostrou a duas outras pessoas os termos
da inicial e a contestação em ação cível que tramita nesta Comarca e, em razão das
manifestações ali contidas, o querelante entende ter sido ofendido em sua honra.
Do exame da documentação acostada verifico que a contestação na ação cível que
lhe foi intentada foi assinada tão-somente pelo advogado do querelado, portanto, as
eventuais ofensas ali contidas não lhe podem ser atribuídas e sim, tão-somente ao
advogado que teria firmado a peça contestatória. Por outro lado, analisando os termos
da contestação, a meu sentir, não vislumbro quaisquer das condutas delituosas que
lhe são atribuídas na inicial da queixa-crime, isto é, injúria, difamação e calúnia. De
qualquer sorte, mesmo que tivesse firmado aquela inicial, o que inocorreu, estaria
ao amparo do juris defendendi, porque ofensa eventualmente irrogada na discussão
da causa, portanto, ao abrigo da imunidade Judiciária. Por outro lado, o fato de o
querelado mostrar a terceiras pessoas peças do processo cível a que respondia na
Comarca, não se lhe pode atribuir cometimento de qualquer dos delitos cometidos
na inicial, portanto, a meu sentir, é atípico qualquer das condutas que lhe atribuídas.
Em tais condições, isso sem mencionar as questões relacionadas com o aspecto
processual da questão, se houve renúncia à responsabilização por parte da pessoa
que assina a petição de contestação, que é o advogado, há a indivisibilidade da ação
penal privada, e havendo renúncia em relação ao autor principal, aos demais co-
autores houve também a renúncia em relação a esses fatos. Portanto, entendo, com
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
base nestas considerações e porque atípica fundamentalmente a conduta atribuída
ao querelado, é que rejeito a queixa-crime.
O Tribunal de Justiça, todavia, proveu o recurso e recebeu a queixa, fê-lo assim:
Passo ao exame do mérito recursal.
A rejeição da queixa deveu-se ao reconhecimento da atipicidade da conduta,
somada a considerações sobre a imunidade judiciária e sobre a renúncia quanto a
um dos seus autores e o princípio da indivisibilidade.
Pedindo vênia ao ilustre colega de primeiro grau, tenho pensamento diverso.
Não resta dúvida que, ao oferecer a contestação, o querelado estava autorizado
a apresentar sua versão sobre os fatos de uma relação de amizade que evoluiu para
relação comercial, e, mais tarde, envoluiu para o confronto, disputa e inimizade. A
versão pessoal estava permeada de indissociáveis interpretações subjetivas, e não
poderia ser diferente. As interpretações envolviam juízos, adjetivações e toda a sorte
de acusações, pois o querelado sentia-se ludibriado, como bem demonstra trecho de
queixosa carta (fl. 73) que alegou ter endereçado ao querelante:
Mas não é só o problema dos números que me leva a esse registro.
O próprio modelo da proposta me soa algo chocante. Antes, eu tinha um
projeto e os Senhores eram investidores; depois, nos tornamos sócios; agora,
vocês tornam-se os donos e eu sou relegado à condição de mero prestador de
serviços.
Diga-se que a contestação hostilizava ação em que era buscada resolução
desse contrato de prestação de serviços.
Se a versão do então contestante, ora querelado, era expressão da verdade ou
não, é questão que não pode ser decidida aqui e será matéria de prova tanto na ação
cível quanto na ação penal.
O fato, porém, é que a versão é ofensiva à honra.
Enquanto limitada a uma expressão do direito de defesa, a versão poderia
ser deduzida, estava ao abrigo da imunidade judiciária. Mas o querelante imputou
fato novo e posterior. Ele disse que o querelado passou a disseminar cópias da
contestação no círculo de relações freqüentado por ambos. Ora, essa conduta não
está ao abrigo da imunidade judiciária e constitui fato diverso. Pouco importa que
o processo não estivesse ao abrigo do sigilo, mas interessa sobremaneira que ao
distribuir as cópias o querelado não estava ao abrigo da imunidade.
442
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Se o fato imputado não era a dedução em juízo da versão ofensiva, não há
razão para invocar a renúncia e o princípio da indivisibilidade da ação penal.
Em resumo, reconheço a tipicidade do fato e afasto as demais considerações
da decisão.
Se o fato é verdadeiro ou não, se houve dolo ou não, tudo isto deve ser
oportunizado ao querelante demonstrar. Não é matéria a ser decidida sumariamente
por ocasião do recebimento da queixa.
Como é visto, há justa causa para a ação penal.
Posto isso, rejeito as preliminares e dou provimento ao recurso e recebo a
queixa-crime.
Sustentam os impetrantes na petição de habeas corpus encaminhada ao Superior Tribunal:
1. A conduta indigitada ao paciente é manifestamente atípica, pois a hipótese
fática delimitada pelo aresto guerreado e com fulcro na qual foi recebida a queixa –
ou seja, a mera distribuição de uma contestação a terceiros, desprovida de conteúdo
ofensivo – é incapaz de ofender o bem jurídico honra do querelante;
2. Não fora isso, tanto a decisão de primeiro grau, quanto o acórdão atacado,
declararam e reconheceram que os termos da contestação estavam cobertos pela
imunidade judiciária, eis que constitutivos de animus defendendi.
3. Sem embargo disso, o colendo Tribunal de Justiça, em seu acórdão, não
indicou, como seria necessário, a base probatória (justa causa) capaz de permitir a
sustentação de existência de crimes contra a honra a punir.
4. Inexiste suporte à tentativa de responsabilizar o paciente pela distribuição
da contestação a terceiros porque, ante as afirmações de atipicidade nas narrativas
realizadas pela queixa, feitas pelo magistrado e pela colenda 6ª Câmara Criminal,
resulta, por inafastável conseqüência, que a distribuição de documento com
conteúdo lícito não pode encontrar correspondente tipicidade penal nos crimes
contra a honra.
5. Insta lembrar, ainda, que nas condutas imputadas ao Paciente não houve
dolo. As narrativas constantes da contestação – como dito acima – integraram o
animus defendendi.
Mesmo que, por argumento, a entrega da contestação pudesse ser vista como
fato novo – no dizer da respeitável Corte de Justiça gaúcha – nessa conduta também
não se vislumbra dolo, seja porque o conteúdo do documento era lícito, seja porque,
como disseram os autores das declarações de fls. 19 e 20, a eles também foi entregue,
pelo paciente, cópia da inicial da ação intentada pelo patrono do querelante.
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
6. De outra parte, o paciente comprovadamente não foi o autor da contestação,
como o próprio querelante reconheceu (razões de seu recurso de fl. 176), onde
admitiu que o autor desta peça foi o advogado Ruy Zoch Rodrigues, contradizendo
gravemente o que havia alegado na inicial acusatória (fl. 05);
Não tendo sido apontado, na exordial acusatória, o único autor da contestação,
o advogado Ruy Zoch Rodrigues, inarredável concluir-se que o direito de queixa
extinguiu-se pela renúncia, ante os dizeres dos artigos 48 e 49 do CPP, conforme
anotou, com percuciência, o Ministério Público gaúcho, em seu parecer.
Indeferi a liminar. Em seguida, reconsiderando, deferi-a, suspendendo, até o julgamento do habeas corpus pela Turma, a tramitação da ação penal.
Parecer de acordo com esta ementa:
Inviável o trancamento da ação penal privada, por ausência de justa causa,
quando a queixa narra fato que, em tese, constitui infração penal – calúnia,
difamação, injúria –, com todos os elementos indispensáveis ao exercício da ampla
defesa, havendo indícios de ser o acusado o autor do crime, tendo em vista os
elementos indiciários acostados aos autos.
Da mesma forma, a via de cognição sumária do habeas corpus não comporta o
trancamento da ação penal privada, quando a matéria envolve exame aprofundado
de prova.
Não se vislumbra, de outro lado, a pretendida imunidade, porquanto o fato
dito criminoso diz respeito à divulgação da contestação entre pessoas do círculo
de amizade do querelante e querelado, sendo certo que na peça processual eram
veiculadas ofensas à honra do querelante.
Enquanto se defendia em Juízo, o paciente poderia estar acobertado pela
imunidade, não, todavia, quando passa a divulgar o conteúdo ofensivo a terceiros.
Também não ocorre violação ao princípio da indivisibilidade, tendo em
vista que não há noticia de ter o advogado que firmou a contestação em nome do
querelado participado da divulgação dos fatos fora do Juízo.
Parecer pelo conhecimento da súplica como substitutivo de recurso ordinário,
denegando-se, contudo, a ordem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Nilson Naves (Relator): À vista do relatório, realmente há ponto comum – aliás, mais que comum – entre as resoluções judiciais de rejeição
444
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
e de recebimento da queixa (primeiro e segundo graus): em ambos os momentos, prevaleceu a compreensão de que se trata de caso ao abrigo da imunidade judiciária. Estão, porém, esses dois momentos, num ponto, em desarmonia, isso acontece quando pareceu ao acórdão ter outra feição o fato atinente à divulgação da contestação (de Terra Lima Construções e Incorporações Ltda. e Mário Cesar Terra Lima) apresentada à ação ordinária intentada por Terra Ville Participações Ltda. Assinalou o acórdão, como vimos de ver, que se trata de fato novo e posterior, e, a propósito disso, estatuiu: Ora, essa conduta não está ao abrigo da imunidade judiciária e constitui fato diverso.
A compreensão que o acórdão teve dos acontecimentos coincide com a feição a eles atribuída pela petição da queixa, confiramo-la nesta passagem:
Em contestação à referida ação, cuja cópia também segue em anexo (doc. 47/91), o querelado, aproveitando-se da chamada exclusão de crime, prevista no art. 142, inciso I, do Código Penal, fez graves e injustificáveis ataques contra a honra objetiva e subjetiva do querelante. Posteriormente, com o nítido propósito de dar publicidade às ditas ofensas – e aí não mais ao abrigo de qualquer excludente –, o querelado passou a distribuir cópia da referida peça processual a várias pessoas integrantes do grupo social de que participam. Assim agindo, através da distribuição da dita peça processual, o querelado praticou os seguintes fatos criminosos:
Então, a respeito da denominada imunidade, não há, praticamente, desarmonia; não incorreria eu em erro, ao que penso, deixando aqui afirmado que o que há mesmo é harmonia. Acontece, porém, referentemente à calúnia, que por ela responde quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga, e, referentemente ao caso do inciso I do art. 142, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade. É o que está escrito no § 1º do art. 138 e no parágrafo único do art. 142.
É-me aceitável, plenamente, e tal compõe, até, as minhas pessoais convicções, que a imunidade de que estamos cuidando acoberta apenas as coisas que sucedem na economia doméstica do processo. Fora daí e daí por diante, cobertura alguma haverá. Se houvesse, campearia injustificável impunidade. Dessarte, alternativa outra não me ocorre senão a de ser também impelido ao exame da queixa. Isso é possível – pergunto – aqui e agora? Sim, certamente que o é. Tive auspiciosa oportunidade de ementar da seguinte maneira:
Habeas corpus (cabimento). Matéria de prova (distinção).
1. Determina a norma (constitucional e infraconstitucional) que se conceda habeas corpus sempre que alguém esteja sofrendo ou se ache ameaçado de sofrer violência ou coação; trata-se de dar proteção à liberdade de ir, ficar e vir, liberdade induvidosamente possível em todo o seu alcance.
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
2. Assim, não procedem censuras a que nele se faça exame de provas. Quando
fundado, por exemplo, na alegação de falta de justa causa, impõe-se sejam as provas
verificadas. O que se veda em habeas corpus, semelhantemente ao que acontece no
recurso especial, é a simples apreciação de provas, em termos, digamos, da operação
de conta, peso e medida.
3. Admite-se, sem dúvida, habeas corpus que questione defeitos da sentença
relativos aos seus requisitos.
4. Pedido originário do qual não se conheceu. Ordem, porém, expedida de
ofício, a fim de que se julgue, na origem, o mérito da impetração. (HC n. 36.824,
DJ de 06.06.2005.)
Desse exame não existe escapatória; dele, creio eu, não haveremos de nos furtar pela razão, e boa, também creio eu, de que, fora dos palcos processuais, a saber, fora, tecnicamente, do juízo próprio, todos, sem nenhuma exceção, hão de responder criminalmente, porquanto, em casos que tais, a imunidade perde a sua razão de ser, obviamente.
Vimos que a instância ordinária, de um jeito ou de outro, procedeu a esse exame. Disse, a mais, o Juiz da ação penal que não vislumbrava, nos termos da contestação, “quaisquer das condutas delituosas, (...) atribuídas na inicial da queixa-crime, isto é, injúria, difamação e calúnia”. Já o Tribunal, se, de um lado, teve, em conclusão, por ofensiva à honra a versão então apresentada pelo contestante da ação ordinária, deixou escrito, de outro lado, que “o querelado estava autorizado a apresentar sua versão sobre os fatos de uma relação de amizade que evoluiu para relação comercial, e, mais tarde, involuiu para o confronto, disputa e inimizade. A versão pessoal estava permeada de indissociáveis interpretações subjetivas, e não poderia ser diferente. As interpretações envolviam juízos, adjetivações e toda a sorte de acusações, pois o querelado sentia-se ludibriado”.
Pois não é que as acima denominadas interpretações subjetivas – são, evidentemente, as constantes da contestação –, envolvendo, segundo o acórdão, “juízos, adjetivações e toda sorte de acusações”, dizem respeito, segundo o meu convencimento, a coisas próprias do Cível, por exemplo, a obrigações recíprocas de sócios, a inexecução de obrigações, a contrato não cumprido, etc., não alcançando o campo próprio do Penal, mesmo quando, na petição da queixa, entende-se lá configurada a calúnia pela expressa referência à usura.
Foi entre as folhas 9 e 13 da contestação que o querelante extraiu cinco fatos, três difamatórios, um calunioso e um injurioso, o primeiro deles de teor seguinte:
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
E foi assim que passaram a descumprir paulatinamente a sua parte, iniciando
uma fase de pressões econômicas que culminou com a transferência formal da Terra
Ville. As razões do descumprimento vão desde a falta de know how da Maiojama
(acostumada a construir edifícios), para compreender o ritmo e as variáveis de um
condomínio do tipo do Terra Ville, até o exercício da vantagem que o sócio com a
‘chave do cofre’ acaba tendo sobre o outro, com vista a uma posição mais vantajosa
na partilha dos lucros.
Observe-se, a propósito deste tópico da contestação, o que vem alegando o querelante:
A manifestação acima transcrita configura, indiscutivelmente, ofensa à honra
objetiva do querelante, subsumida a conduta do querelado no art. 139 do Código
Penal em razão de imputar ao querelante fato ofensivo à sua reputação, na medida
em que atribui à família do querelante o descumprimento de obrigações comerciais
assumidas em contratos firmados com o querelado, bem como teria aquele utilizado
‘pressões econômicas’ para se apoderar formalmente da empresa Terra Ville.
Assim agindo, o querelado atribui ao querelante, como membro da Família
Sirotsky, qualidade negativa de agir, que macula o excelente conceito e reputação
que o querelante goza perante a sociedade em geral, notadamente junto às pessoas
que o conhecem. Perante qualquer sociedade civilizada, não é moralmente aceitável
descumprir o que foi acordado, bem como usar meios reprováveis com o fim de
obter qualquer vantagem econômica.
Ora, ainda que seja o fato acima destacado fato determinado – apto, portanto, à difamação –, não se trata, ao que entendo, de fato criminoso. Acrescento: o fato narrado, a meu ver, não constitui crime de difamação. Vejam que, ali, bem como nas expressões antecedentes, porém ali não transcritas, as alegações giraram em torno de “aporte de recursos”, não-cumprimento de obrigações, aliás, o próprio querelante a isso se refere, só que sua conclusão é diversa da minha, porque entendo que discussão de tal feição, conquanto se aceite que nela se tenha empregado expressão um pouco mais rude, não adentrou o campo penal.
Sobre dois outros fatos também havidos por difamatórios, o meu entendimento é o de que não alcançaram, ambos, o campo penal. Foram eles recolhidos, respectivamente, das fls. 9 e 12 da contestação:
- ... os parceiros passaram a exigir que Terra Lima reduzisse sua parte para
17,5%. As explicações inconsistentes, vinculadas a um vezo incontrolável de
supervalorizar o seu ativo (dinheiro) eram repudiadas, por óbvio.
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
- Efetivamente as negociações reiniciaram, até que, como já explicado em
petição anterior, sobreveio clara a verdadeira intenção dos parceiros em tomar para
si o Terra Ville, excluindo definitivamente o seu criador. Daí a cadeia de fatos seguiu
seu curso já nesta demanda, dispensando referência.
Ao ver do querelante, trata-se, nesses tópicos, de propósito manifesto do querelado de lhe ofender a honra objetiva: quanto ao primeiro fato, porque “incompatível com as qualidades éticas e morais exigíveis de um honesto e exemplar empresário”; quanto ao segundo, porque lhe foi atribuída “qualidade negativa de agir, que denigre sua reputação”.
Realmente, a mim se me afigura tratar-se de acontecimentos próprios de área cível, principalmente aqueles inerentes a obrigações, aos quais fiz alusão.
Relativamente à calúnia, alegou-se lá na contestação o seguinte:
De resto, se o réu quisesse jogar o mesmo jogo dos representantes formais da
autora, poderia ter ido à Polícia. Afinal, a operação preenche o tipo penal da usura,
na parte relativa à cobrança de juros além do permitido em lei (art. 8º da Lei n.
7.492/1986)...
Conforme a Lei n. 10.192/2001, art. 2º, § 1º, é vedada a correção monetária
em contratos inferiores a um ano, como são os mútuos ora examinados. Então, o
mutuante pode, no máximo, cobrar juros no dobro da taxa legal, ou seja, juros de
1% ao mês. Isso conforme Decreto n. 22.626/1933, art. 1º, Lei n. 1.521/1951, art.
4º, alínea a, e art. 1.062, do Código de 1916 (que vigorava na época da assinatura
daquele contrato).
Ora, os 100% do CDI pagos a Jayme naquele contrato produziram uma taxa
média de juros de 1,34% ao mês, configurando o tipo penal da usura (art. 8º, da Lei
n. 7.492/1986), punida com reclusão de 1 a 4 anos, e multa.
Admite-se tenha lá havido algum excesso de palavras, até o admito eu das leituras que andei fazendo dos trechos acima transcritos; não obstante o excesso na transmissão das idéias, não creio tenha havido, também nesse momento, incursão no campo tipicamente penal, ocorrendo-me, ainda assim, tratar-se de discussões acerca das coisas do Cível, como, aliás, já disse linhas atrás – obrigações recíprocas de sócios, inexecução de obrigações, contrato não-cumprido, etc.
No que diz respeito ao último fato – injúria –, apontou o querelante o seguinte trecho da contestação:
Foi aí que surgiu a conversa de ele, Terra Lima, transferir a própria empresa
Terra Ville, até então em seu nome, para a Família Sirotsky. Confirmava-se um
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
alerta que vários lhe fizeram ao longo do tempo, sobre que a sociedade com eles naturalmente progrediria, mal ou bem, para a entrega do negócio.
Conclui o autor da queixa:
O querelado ofendeu a dignidade e o decoro do querelante, atribuindo a sua família opinião negativa quanto ao censurável comportamento de seus membros, os quais, na condução de seus negócios, segundo o querelado, buscariam a obtenção de vantagem indevida.
Foi o crime de injúria tipificado neste termos (Cód. Penal, art. 140): Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro.
Ora, é indispensável que a vítima da injúria seja pessoa determinada. Aqui, a imputação é dirigida à família Sirotsky. Em nenhum momento se aponta o nome do querelado – Jaime. Atípica a conduta, portanto.
São estas as razões que me levam, Srs. Ministros, a votar pela concessão da ordem com a intenção de restabelecer a primitiva decisão – a do Juiz da 8ª Vara Criminal de Porto Alegre.
HABEAS CORPUS N. 51.171-SP (2005/0207722-5)
Relator: Ministro Nilson NavesImpetrante: Orlando Gonçalves de Castro Júnior - Procuradoria da Assistência JudiciáriaImpetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São PauloPaciente: Givanildo da Silva Ferreira (Preso)
EMENTA
Pena privativa de liberdade (sentido e limites). Estudo (freqüência às aulas de telecurso). Remição (possibilidade).
1. As penas devem visar à reeducação do condenado. A história da humanidade teve, tem e terá compromisso com a reeducação e com a reinserção social do condenado. Se fosso doutro modo, a pena estatal estaria fadada ao insucesso.
2. A interpretação do art. 126 da Lei n. 7.210/1984 deve, portanto, considerar, no conceito de trabalho, o tempo dedicado ao estudo, para fins de remição da pena.
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
3. Habeas corpus deferido com o intuito de se restabelecer a decisão que possibilitou a remição.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido e Paulo Medina votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Gallotti.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Medina.
Brasília (DF), 20 de junho de 2006 (data do julgamento).
Ministro Nilson Naves, Relator
DJ 21.05.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Nilson Naves: Em execução, o Tribunal de Justiça deu provimento ao agravo ministerial, e o acórdão foi assim ementado:
Execução penal. Remição. Deferimento do benefício com base em dias de
estudo do sentenciado no cárcere. Inadmissibilidade. Hipótese não prevista em lei.
Somente pelo trabalho é possível ao sentenciado a remição de sua pena. Inteligência
do artigo 126, da Lei das Execuções Penais. Decisão reformada. Agravo provido.
Veio então ter ao Superior Tribunal este habeas corpus, no qual o Procurador do Estado alega o seguinte:
O v. acórdão prolatado que afastou o direito à remição pelo estudo, trouxe
constrangimento ilegal ao paciente, posto que deixou de conceder-lhe um benefício
previsto na Lei de Execução Penal, que proporcionaria uma diminuição das penas
que tem a cumprir.
Daí porque tal coação deverá ser sanada através do presente remédio
constitucional, destinado a corrigir a ilegalidade ou abuso de poder.
Face o exposto, requer seja concedida ordem de habeas corpus para deferir ao
paciente o direito de remir parte de suas penas pelo estudo, sanando-se, assim, a
coação ilegal que vem sofrendo.
Parecer segundo esta ementa:
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. Execução penal. Habeas corpus. Remição parcial da pena privativa de
liberdade por estar o paciente freqüentando aulas de Telecurso. Aplicação do art.
126 da LEP. Precedente do STJ no REsp n. 596.114-RS, Rel. Min. José Arnaldo da
Fonseca.
2. Parecer do MPF pela concessão da ordem, para reestabelecer a decisão
do juiz de Direito da Vara das Execuções Criminais da Comarca de São Vicente-
SP, que deferiu ao paciente Givanildo da Silva Ferreira a remição parcial de sua
pena privativa de liberdade pela freqüência às aulas do Telecurso de alfabetização,
transmitidas na penitenciária II de São Vicente-SP, onde o paciente cumpre pena.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Nilson Naves (Relator): Eis os fundamentos do parecer (Subprocurador-Geral Moacir Guimarães):
4. Entende o MPF, com base em jurisprudência do STJ, que a ordem de Habeas Corpus merece concessão, para reconhecer o direito do paciente à remição parcial da pena privativa de liberdade, pela freqüência às aulas do Telecurso, às quais o paciente assistiu na penitenciária onde cumpre a referida sanção penal.
5. A previsão dos arts. 28 e 126 da LEP autoriza a remição da pena privativa de liberdade pela realização de trabalho pelo condenado e este, segundo a lei, mostra-se dever social e condição de dignidade humana, tendo finalidade educativa e produtiva.
6. A ampliação do entendimento do trabalho para fins de remição parcial da pena, incluindo a atividade de educação escolar na concepção de trabalho intelectual, é construção da jurisprudência e esta tem sido, largamente, aplicada aos casos de condenados que estudam para beneficiá-los com a remição parcial da pena, por extensão do art. 126 da Lei n. 7.210/1984.
7. O STJ já apreciou a matéria e decidiu que a remição da pena do condenado que freqüenta aulas de alfabetização em curso televisivo (esforço intelectual) não ofende a disposição do art. 126 da LEP, consoante verifica-se do seguinte julgado resumido em sua ementa:
Penal. Recuso especial. Remição. Freqüência em aulas de alfabetização. Inteligência do art. 126 da LEP. Recurso provido.
O conceito de trabalho na Lei de Execução Penal não deve ser restrito tão somente àquelas atividades que demandam esforço físico, mas deve ser ampliado àquelas que demandam esforço intelectual, tal como o estudo desenvolvido em curso de alfabetização.
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A atividade intelectual, enquanto integrante do conceito de trabalho
trazido pela Lei n. 7.210/1984, conforma-se perfeitamente com o instituto da
remição. Precedentes.
Recurso conhecido e provido.
(5ª Turma do STJ; REsp n. 596.114-RS; Rel. Min. José Arnaldo da
Fonseca; DJU de 22.11.2004.)
8. Em razão do exposto, o MPF opina pela concessão da ordem, para
restabelecer a decisão do Juiz de Direito da Vara das Execuções Criminais da
Comarca de São Vicente-SP, que deferiu ao paciente Givanildo da Silva Ferreira
a remição parcial de sua pena privativa de liberdade pela freqüência às aulas do
Telecurso de alfabetização, transmitidas na Penitenciária II de São Vicente-SP, onde
o paciente cumpre pena.
A decisão é do Juiz da comarca de São Vicente, as conclusões são as seguintes:
Independente das sempre polêmicas 'teorias da pena', a finalidade da
Lei, disposta na exposição de motivos da Lei de Execução Penal, item 14, é a
reincorporação do reeducando à comunidade. Tal objetivo encontra respaldo logo
no art. 1º, que impõe à execução penal condições propícias para a harmônica
integração social do condenado.
Como se observa, a finalidade da Lei é viabilizar a reinserção do interno na
comunidade através da maior qualificação sócio-intelectual. A remição da pena
funciona como incentivo ao preso para que busque seu aprimoramento como forma
de facilitar o convívio sócio-econômico em liberdade.
(...)
Desta forma, não existe impedimento legal para que atividades dedicadas
ao estudo sejam contabilizadas para efeito de remição. Muito ao contrário. O
constituinte originário e o legislador impõem ao Estado o oferecimento do trabalho
latu sensu ao reeducando, como forma de estimular a educação, combater o ócio
perverso que a privação da liberdade acarreta, e facilitar a reinserção do interno no
meio social.
Cumpre frisar que não basta, no entanto, estar presente na sala de aula. É de
todo necessário que o reeducando participe das atividades, se aplique, por outras
palavras, 'produza'. Daí porque é preciso aferir-se o aproveitamento no estudo da
mesma forma que se computa a produção mínima no trabalho.
Inexistindo dúvidas quanto a legalidade da remição pelo estudo, passo a
quantificar o seu montante.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A remição pelo trabalho vem sendo concedida a razão de 03 (três) dias de trabalho para cada dia remido de pena, com jornada diária de seis a oito horas. Portanto fica remido 01 (um) dia de pena para cada 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) horas de trabalho.
Considerando a natureza do trabalho educacional e profissionalizante, que exige grande elaboração intelectual, torna-se dispensável a exigência de jornada mínima de 6 horas diárias. Nesse sentido, observo que o já referido anteprojeto da nova Lei de Execuções Penais não exige a jornada mínima diária para a remição por estudo.
Quer me parecer que, a cada quatro horas de estudo em sala de aula, haveria o equivalente à jornada de estudo de um dia. Tal montante é o normal nas escolas públicas e nas faculdades, inclusive nas de Direito.
Ora, três dias equivalem, portanto, a uma jornada de doze horas de estudo.
Utilizando o mesmo parâmetro da atual Lei de Execuções Penais, para cada doze horas de atividades escolares, haverá um dia de remição de pena.
Reforço, mais uma vez, que não se pode querer fazer equivaler, em número de horas, o trabalho braçal e o estudo. Qualquer pedagogo pode afiançar que, após 04 horas de aprendizado, o cérebro, mormente nos destreinados, não mais tem capacidade para absorver perfeitamente o que se está ensinando.
Tendo o reeducando estudado comprovadamente por 81 (oitenta e uma) horas, com aproveitamento bom, são remidos 06 (seis) dias de sua pena.
Isso posto, julgo remidos 06 (dias) da pena privativa de liberdade imposta a Givanildo da Silva Ferreira, RG. n. 51.047.074-9, decorrente da participação no curso oficial Telecurso, com aproveitamento bom, ministrado em estabelecimento prisional desta comarca, no período de 17.02.2003 a 31.07.2003.
Existem, a propósito do tema, precedentes da 6ª Turma, entre os quais o HC n. 43.668 (Ministro Quaglia Barbosa, DJ de 28.11.2005) e o REsp n. 595.858 (Ministro Hamilton Carvalhido, DJ de 17.12.2004):
Habeas corpus. Freqüência a curso oficial de alfabetização. Remição pelo estudo. Possibilidade. Ordem concedida.
1. Sendo um dos objetivos da lei, ao instituir a remição, incentivar o bom comportamento do sentenciado e a sua readaptação ao convívio social, a interpretação extensiva se impõe no presente caso, considerando-se que a educação formal é a mais eficaz forma de integração do indivíduo à sociedade.
2. Precedentes.
3. Ordem concedida.
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Recurso especial. Execução penal. Artigo 126 da Lei n. 7.210/1984. Remição pelo estudo formal. Interpretação extensiva. Possibilidade. Improvimento.
1. A remição, dentro de suas finalidades, visa abreviar, pelo trabalho, o tempo da condenação.
2. O termo trabalho compreende o estudo formal pelo sentenciado, servindo à remição o tempo de freqüência às aulas, como resultado da interpretação extensiva da norma do artigo à luz do artigo 126 da Lei de Execução Penal, inspirada em valores da política criminal própria do Estado Democrático de Direito.
3. Recurso especial improvido.
Sobre o alcance e a finalidade da pena privativa de liberdade, redigi a seguinte ementa (HC n. 47.468, DJ de 06.03.2006):
Pena privativa de liberdade (sentido e limites). Crimes denominados hediondos (Lei n. 8.072/1990). Execução (forma progressiva).
1. As penas devem visar à reeducação do condenado. A história da humanidade teve, tem e terá compromisso com a reeducação e com a reinserção social do condenado. Se fosse doutro modo, a pena estatal estaria fadada ao insucesso.
2. Já há muito tempo que o ordenamento jurídico brasileiro consagrou princípios como o da igualdade de todos perante a lei e o da individualização da pena. O da individualização convive conosco desde o Código de 1830.
(...)
5. Juridicamente possível, assim, a adoção, em casos que tais, da forma progressiva. Ordem de habeas corpus concedida a fim de se assegurar ao paciente a transferência para regime menos rigoroso.
Voto pela concessão da ordem com o intuito de restabelecer a decisão do Juiz da comarca de São Vicente.
HABEAS CORPUS N. 52.876-RN (2006/0010223-4)
Relator: Ministro Nilson NavesImpetrante: Bruno Macedo DantasImpetrado: Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do NortePaciente: Thiago Correia Barbosa Santos
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA
Lesão corporal gravíssima (ocorrência). Pena privativa de liberdade (regime de cumprimento). Condenado (não-reincidente). Pena inferior a 4 (quatro) anos (imposição). Elementos favoráveis (existência). Regime legal aberto (aplicação).
1. Em se tratando de pena inferior a 4 (quatro) anos imposta a réu não-reincidente e havendo critérios favoráveis ao condenado reconhecidos pela sentença, não é possível, como na espécie, escapar ao estabelecimento do cumprimento da pena em regime menos rigoroso.
2. Habeas corpus concedido em parte, a fim de se estabelecer o regime aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Paulo Medina e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Medina.
Brasília (DF), 19 de setembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Nilson Naves, Relator
DJ 04.06.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Nilson Naves: Questiona-se nestes autos a quantidade da pena-base, bem como o regime de seu cumprimento, a cujo respeito estabeleceu a sentença o seguinte:
Ante o exposto, julgo procedente em parte a denúncia para condenar, como
condeno, o réu Thiago Correia Barbosa Santos nas penas do art. 129, § 2º, incisos I
e III do Código Penal, e declarando extinta sua punibilidade em relação à infração
penal descrita no art. 21 da Lei n. 3.688/1941, com base no art. 107, IV, do Código
Penal.
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
Passo à aplicação da pena.
Antes de analisar as circunstâncias judiciais, registro que como o caso possui
duas qualificadoras, quais sejam a incapacidade permanente para o trabalho e a
perda ou inutilização de membro, sentido ou função, irei considerar uma como
qualificadora e a outra como circunstância judicial.
Considerando que restou evidenciada a culpabilidade do acusado, com a
verificação de grande intensidade do dolo; que o réu não possui antecedentes
desfavoráveis; que o réu tem uma boa conduta social; que não se pode afirmar
que o réu tenha personalidade voltada para o crime; que não houve motivo algum
para o crime, que as circunstâncias do delito foram de todo reprováveis, pois o
réu desferiu chutes na cabeça da vítima Wanderclei quando esta já estava caída ao
solo, e que houve conseqüências graves do delito, já que a vítima Wanderclei ficou
permanentemente incapacitada para o trabalho; que a vítima em nada colaborou
para a consumação do delito, posto que não provocou o réu.
Fixo a pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão.
Verifico a inexistência de agravante, incidindo, porém a atenuante da
menoridade, prevista no art. 65, I, do CP, devendo a pena ser reduzida de 06 (seis)
meses de reclusão, passando para 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, pena
que, à falta de causas de aumento ou de diminuição, e, considerando necessária e
suficiente para reprovação e prevenção do crime, torno definitiva.
Dessa forma, ao final, aplico ao réu Thiago Correia Barbosa Santos a pena de
03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
O regime inicial para cumprimento da pena será o semi-aberto, em atenção
às circunstâncias judiciais já elencadas, nos termos do art. 33, parágrafo 3º do CP, o
qual deverá ser cumprido na Penitenciária Dr. João Chaves, em Natal.
Foi a sentença confirmada por acórdão desta ementa:
1. Nos termos do art. 25 do Código Penal, entende-se em legítima defesa
quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual
ou iminente, a direito seu ou de outrem, não se configurando este instituto se quem
a alega foi quem iniciou a agressão.
2. Havendo circunstâncias judiciais desfavoráveis, a pena-base pode ser fixada
acima do mínimo legal.
3. O juiz, ao determinar o regime inicial de cumprimento da pena, deverá
examinar as circunstâncias judiciais constantes no art. 59 do Código Penal, e sendo
estas desfavoráveis, poderá fixar um regime mais severo do que previsto no art. 33,
§ 2º, alínea c.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
4. Recurso conhecido e improvido.
Embargos de declaração foram rejeitados, inadmitiram-se os recursos especial e extraordinário.
O que o impetrante requer é que o Superior Tribunal "anule a r. sentença e o v. acórdão, no ponto pertinente à dosimetria da pena, para que outra seja fixada pelo Primeiro Grau de Jurisdição, com nova e adequada motivação, nos termos do art. 59 do CP, sem a imposição de um regime mais gravoso do que o previsto em lei para a pena aplicada."
Ouvido, o Ministério Público Federal emitiu parecer assim ementado:
Quanto à dosimetria da penitência, verifica-se que a Magistrada singular, de fato, fixou a pena-base acima do mínimo legal cominado, que é de dois anos de reclusão, porém, delineando os motivos por que assim o fazia, tendo em vista que parte das circunstâncias judiciais foram consideradas desfavoráveis, como a intensidade do dolo; a reprovabilidade da conduta, devido à violência desmedida empregada, provocadora de conseqüências graves à vítima, causando-lhe incapacidade permanente para o trabalho e o fato de não ter contribuído para ação destemperada do paciente.
O Juízo sentenciante, fundamentadamente, segundo critérios contidos na lei de regência, afastou o regime aberto, para aplicar o semi-aberto, mais harmônico com as circunstâncias judiciais reconhecidas na fase do artigo 59, do Código Penal.
Situando a incapacidade permanente para o trabalho como conseqüência do crime, dentro do rol de circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal, e a perda ou inutilização de membro, sentido ou função como qualificadora específica do delito, a sentença condenatória promoveu a distinção adequada das agravações, não havendo que se falar em bis in idem na operação de dosagem da pena.
Parecer pela denegação da ordem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Nilson Naves (Relator): Em resumo, o fato criminoso foi o seguinte de acordo com a descrição da sentença:
A peça acusatória conta ainda que os acusados ingeriam bebida alcoólica no Espaço Municipal, no centro da cidade, quando chegaram as vítimas e que após alguns instantes iniciou-se uma discussão que levou à briga. Diz que o primeiro denunciado desferiu vários chutes e socos contra as vítimas e que em razão disso, Wandercley foi encontrado caído no chão, tendo entrado em estado de coma no
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dia seguinte em conseqüência das lesões sofridas, tidas por gravíssimas segundo boletim médico-hospitalar.
Trata-se, como se vê, vendo-se também do relatório, da denominada – pela doutrina e pela jurisprudência – lesão corporal gravíssima, dela resultando a incapacidade a que alude o inciso I e a perda ou inutilização a que alude o inciso III, ambos do § 2º do art. 129 do Cód. Penal.
A questão que nos está sendo apresentada é a falta de fundamentação, tanto no que diz respeito à fixação da pena quanto no que se refere ao estabelecimento do regime inicial. Vou acolher apenas o segundo ponto, dando-lhe, porém, outra feição.
Se não foi, na origem, bem-sucedida a Juíza quando, na fixação da pena-base, fez alusão à incapacidade permanente para o trabalho, a sentença, a propósito de tal pena, não se encontra, a meu ver, sem total cobertura, haja vista que, nela, há alusão a algumas das denominadas circunstâncias judiciais: culpabilidade, motivos, circunstâncias e conseqüências do crime. Como o fato é apenado entre 2 (dois) e 8 (oito) anos, não creio tenha a magistrada, ao calcular a pena-base em 4 (quatro) anos, ido, nas circunstâncias do caso, além dos limites próprios e legais de tão relevante tarefa.
Sobre o regime de cumprimento da pena privativa de liberdade, não há, na espécie, como escapar ao regime aberto, primeiro, porque se trata de pena inferior a 4 (quatro) anos – "passando para 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão" –; segundo, porque é caso de réu não-reincidente; terceiro, porque os critérios favoráveis ao condenado reconhecidos pela sentença – "que o réu não possui antecedentes desfavoráveis; que o réu tem uma boa conduta social; que não se pode afirmar que o réu tenha personalidade voltada para o crime" – são exatamente critérios conducentes a regime menos rigoroso.
Voto pela concessão em parte da ordem a fim de estabelecer o regime aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade.
HABEAS CORPUS N. 53.217-RS (2006/0015629-4)
Relator: Ministro Hamilton CarvalhidoImpetrante: Carlos Augusto RochaImpetrado: Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Paciente: Diego Moreira Palmeira (Preso)Paciente: Rogério Antônio da Rocha Meirelles (Preso)
EMENTA
Habeas corpus. Homicídio qualificado. Prisão em flagrante. Irregularidade do auto. Matéria que não se constituiu em objeto de decisão da Corte a quo. Incabimento. Liberdade provisória. Insuscetibilidade, em se cuidando de crime hediondo. Excesso de prazo. Enunciado n. 64 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Writ denegado.
1. Não se conhece de habeas corpus na parte em que a questão que lhe dá fundamento não se constituiu em objeto de decisão da Corte de Justiça Estadual, pena de supressão de um dos graus de jurisdição.
2. A excepcionalidade da prisão cautelar, no sistema de direito positivo pátrio, é necessária conseqüência da presunção de não culpabilidade, insculpida como garantia individual na Constituição da República, somente se a admitindo nos casos legais de sua necessidade, quando certas a autoria e a existência do crime (Código de Processo Penal, artigo 312).
3. Tal necessidade, por certo, sem ofensa aos princípios regentes do Estado Democrático e Social de Direito, pode ser presumida em lei ou na própria Constituição, admitindo ou não prova em contrário, segundo se cuide de presunção juris tantum, como nos casos de inafiançabilidade de que trata o artigo 323 do Código de Processo Penal, ou de presunção iuris et de iure, como no caso do inciso II do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos.
4. A inafiançabilidade do delito é, pois, expressão legal, no sistema normativo processual penal em vigor, de custódia cautelar de necessidade presumida, cuja desconstituição, quando admitida, como o é nos casos de necessidade presumida juris tantum, reclama prova efetiva da desnecessidade da medida, a demonstrar seguras a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal, sendo desenganadamente do réu o ônus de sua produção (Código de Processo Penal, artigo 310, parágrafo único).
5. Por certo, não oferecendo o auto de prisão em flagrante senão a notícia que lhe é própria, vale dizer, do crime flagrante
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que determinou a prisão do agente, não se há de exigir do juiz que demonstre a necessidade da preservação da constrição cautelar, até porque presumido em lei.
6. Como no magistério de Weber Martins Batista, “Para ser mais exato, o juiz não precisa verificar se a prisão é necessária, pois essa necessidade se presume juris tantum: o que deve fazer é examinar se ela não é desnecessária, ou seja, se há prova em contrário, mostrando que, no caso, inexiste o periculum in mora.” (in Liberdade Provisória, 2ª edição, p. 74, Forense, Rio).
7. Daí por que a liberdade provisória de que cuida o artigo 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal, no caso, pois, de prisão em flagrante, está subordinada à certeza da inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, decorrente dos elementos existentes nos autos ou de prova da parte onerada, bastante para afastar a presunção legal de necessidade da custódia.
8. A Lei n. 8.072/1990, que deu cumprimento ao inciso XLIII do artigo 5º da Constituição da República fez, de seu lado, insuscetíveis de "fiança e liberdade provisória" os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico de entorpecentes e o terrorismo, estabelecendo caso de prisão cautelar de necessidade presumida iuris et de iure, na hipótese de prisão decorrente de flagrante delito.
9. Mostra-se, assim, incompatível com a Lei e com a Constituição Federal a interpretação que, à luz do disposto no artigo 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal, conclui pela admissibilidade, no caso de qualquer desses crimes, da conversão da prisão cautelar decorrente de flagrante delito em liberdade provisória.
10. "Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa." (Súmula do STJ, Enunciado n. 64).
11. Writ denegado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti, Paulo Medina e Nilson Naves votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Brasília (DF), 12 de junho de 2006 (data do julgamento).
Ministro Hamilton Carvalhido, Relator
DJ 04.12.2006
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido: Habeas corpus contra a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que, julgando dois writs impetrados em favor de Diego Moreira Palmeira, Militar do Exército, e Rogério Antônio da Rocha Meirelles, Policial Militar, preservou-lhes as custódias cautelares, decorrentes de flagrante delito, nos autos da ação penal a que respondem como incursos nas sanções do artigo 121, parágrafo 2º, inciso II, combinado com artigo 29, ambos do Código Penal.
Alega o impetrante não restar caracterizada quaisquer das hipóteses de flagrante, eis que, além dos pacientes não mais se encontrarem no local do crime quando de suas prisões, pois teriam retornado ao interior da lanchonete para esperar o lanche encomendado, os policiais só voltaram do socorro à vítima uns 20 minutos depois, quando já interrompido o estado de flagrância.
Afirma, outrossim, que o auto de prisão em flagrante foi homologado com base em duas únicas testemunhas que, em juízo, na audiência de instrução, mudaram a versão dos fatos, inocentando pelo menos um dos pacientes, Diego Moreira Palmeira, e que é público e notório a rivalidade existente no Estado do Rio Grande do Sul entre a Polícia Civil e a Brigada Militar, sendo que, in casu, viu-se a parcialidade da autoridade policial na condução do inquérito policial, sobremaneira pelo fato do paciente Rogério Meirelles ser brigadiano, Policial Militar (fl. 10).
Aduz, de outro lado, ausência de fundamentação do decisum denegatório da liberdade sendo certo que, ainda nas hipóteses de flagrante em crime hediondo, como é a espécie dos autos, o indeferimento da liberdade provisória, tal como na jurisprudência recente dos tribunais superiores, reclama demonstração inequívoca dos requisitos e pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Sustenta, de outro lado, que, além da instrução criminal padecer de excessiva demora, são os pacientes primários e portadores de bons antecedentes, razões mais que suficientes a demonstrar a falta de justa causa para a manutenção da prisão cautelar.
Liminar indeferida à fl. 190 dos autos.
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
Informações prestadas às fls. 207/225.
O Ministério Público Federal veio pela concessão da ordem, em parecer assim sumariado:
Penal. Habeas corpus. Homicídio qualificado. Prisão provisória decretada
com base na ordem pública. Comoção social. Delito que causou abalo à pequena
comunidade. Liberdade provisória indeferida. Excesso de prazo na formação da
culpa. Expedição de cartas precatórias. Demora justificada. Constrangimento ilegal
não demonstrado. Parecer pela concessão da ordem. (fl. 227).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (Relator): Senhor Presidente, pugna-se, no presente writ, pela imediata revogação das prisões dos pacientes, alegando-se, em suma, irregularidade do flagrante, quer por não caracterizada quaisquer das hipóteses descritas no artigo 302 do Código de Processo Penal, que por não poder o mesmo subsistir diante da modificação de pronunciamento das testemunhas que o assinaram; ausência de fundamentação do decisum indeferitório da liberdade provisória; excesso de prazo na instrução criminal; e, favorabilidade das circunstâncias judiciais dos pacientes.
Lê-se no decisum de primeiro grau:
(...)
Os flagrados foram presos em flagrante delito, pelo que passo a analisar
a manutenção da segregação provisória destes, levando em consideração os
argumentos levantados pelo Ministério Público e pela defesa.
O delito perpetrado é extremamente grave, sendo que aduz o parquet eventual cometimento por motivo fútil, o que o transformaria em crime hediondo e
insuscetível de liberdade provisória.
Diante disto, inviável a liberação sumária dos flagrados antes da conclusão do
inquérito e da oferta de eventual denúncia.
No referente à materialidade e indícios de autoria já fora justificado no
despacho que homologou o flagrante.
Também não socorre aos flagrados o estabelecido no art. 310 § único do
Código de Processo Penal, tendo em vista que crimes desta natureza causam
evidente comoção social, quanto mais em cidades de médio para pequeno porte,
como São Gabriel, a qual detém baixos índices de criminalidade.
462
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Portanto, necessária a mantença da prisão provisória dos flagrados para a
garantia da ordem pública.
Por tais razões, Indefiro o pedido de liberdade provisória requerida pela
defesa dos flagrados.
(...) (fl. 76).
E também, nos dois acórdãos da Corte Estadual:
Em que pese as razões elencadas pela defesa dos réus tenho que, subsistem os
motivos que fundamentaram a manutenção da prisão, eis que não houve qualquer
modificação nas circunstâncias fáticas e jurídicas que justifiquem a determinação de
liberdade provisória aos requerentes.
Em primeiro lugar como já exarado na decisão de fls. 310/312, consigno que o
feito tramita regularmente, estando o término da instrução pendente do retorno de
duas precatórias expedidas para oitiva de testemunhas de defesa, não havendo que
se falar em excesso de prazo na formação da culpa.
Ainda, o prazo convencional de 81 dias não se aplica de forma absoluta a
processos com duplicidade de réus. Ainda, a conclusão da instrução criminal não é
peremptório, devendo ser examinado em cada caso concreto.
Depois, a prisão cautelar se faz necessária, para garantia da ordem pública,
pois o delito que em tese é imputado aos acusados é hediondo, insuscetível de
concessão de liberdade provisória, consoante artigo 2º, da Lei n. 8.072/1990 (...)
(fls. 176/177).
(...)
Também, se observa que o delito causou abalo à ordem pública, eis que a
comunidade de São Gabriel não está habituada com delitos, em princípio, praticados
com extrema violência, principalmente quando figura como acusado um policial
militar, agente público com o dever de prestar segurança aos cidadãos.
A própria espécie delitiva 'homicídio' já causa desassossego em cidades
pacatas como esta. Gize-se que para tanto não se faz necessário que haja passeatas
organizadas, protestos ou manifestações populares. Assim, embora não se tenham
registros de tais ocorrências pela Brigada Militar, consoante sustentado pela defesa,
resta caracterizado o abalo que tal delito causou na comunidade.
De outra feita, a efetiva participação dos dois acusados é matéria de mérito, a
ser enfrentada quando do exame da prova.
(...) (fl. 178).
(...)
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
463
RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
Conheço, em parte, do writ.
Faz ver, a informação da fl. 156, bem assim o acórdão das fls. 157/160, que
esta Câmara, em sessão realizada no dia 27 de outubro do ano em curso, analisou
a legalidade das prisões cautelares os pacientes, pelos mesmos argumentos ora
reiterados, denegando, ao fim, a ordem de habeas corpus.
Assim, por ser defeso à Corte rever suas próprias decisões, por ser ela a
própria autoridade coatora, conheço parcialmente do remédio heróico, apenas no
que diz com a alegação de excesso de prazo na formação da culpa, e a exclusão da
qualificadora.
No mérito, denego a ordem.
Não há falar em excesso de prazo na formação da culpa, pois, embora os
pacientes estejam presos desde o dia 22 de setembro deste ano, pelas informações
prestadas pela autoridade apontada como coatora, a instrução processual mostra-
se regular, faltando, tão-somente, o retorno de duas precatórias, expedidas para a
oitiva de duas testemunhas arroladas pela defesa.
Além disso, o prazo de oitenta e um dias previsto pela jurisprudência não é
fatal, podendo variar caso a caso, e sempre que as circunstâncias assim exigirem,
seja em razão da expedição de precatórias, ou outra causa que justifique a demora.
Dizente à qualificadora, impossível sua exclusão, pois, além de inapropriado o
meio utilizado - vez que o Habeas corpus não se presta para a análise probatória -, da
mesma forma o momento, tendo em vista que, para tanto, necessário o processar do
feito, objetivando que, ao término da colheita da prova, possa o Juízo decidir pela
pronúncia, impronúncia ou absolvição sumária dos pacientes.
Assim, inexistindo qualquer outra causa de ilegalidade nas segregações
provisórias, mantenho-as, por seus próprios fundamentos.
Tendo em vista informação fornecida na Tribuna, na sustentação oral,
recomendo ao Dr. Juiz de Direito busque agilizar o cumprimento da carta precatória
inquiritória que se encontra na Comarca de Porto Alegre, com audiência designada
para o dia 31.01.2006.
(...) (fls. 185/186).
As questões da alegada irregularidade do flagrante, quer por não caracterizadas quaisquer das hipóteses do artigo 302 do Código de Processo Penal, quer por retratados em juízo os pronunciamentos das testemunhas que assinaram o auto de prisão, por não terem se constituído em objeto de decisão da Corte Estadual, refogem ao âmbito de conhecimento deste Superior Tribunal de Justiça, pena de supressão de um dos graus de jurisdição.
464
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
De qualquer modo, quem é preso 20 (vinte) minutos após a prática do crime, no próprio estabelecimento comercial onde começou a discussão que culminou no homicídio da vítima, está, por óbvio, em situação de flagrante delito, não havendo falar em irregularidade qualquer da prisão, mormente porque efetivada logo após o infrutífero socorro da vítima e a imediata ciência da autoria do delito.
De igual forma, não socorre ao impetrante eventual retratação judicial das testemunhas que assinaram o auto de prisão em flagrante, nem também a mera alegação de parcialidade na condução do inquérito, eis que, em se cuidando de matéria de prova, descabe a sua discussão da via angusta do remédio heróico.
No mais, a excepcionalidade da prisão cautelar, no sistema de direito positivo pátrio, é necessária conseqüência da presunção de não culpabilidade, insculpida como garantia individual na Constituição da República, somente se a admitindo nos casos legais de sua necessidade, quando certas a autoria e a existência do crime (Código de Processo Penal, artigo 312).
Tal necessidade, por certo, sem ofensa aos princípios regentes do Estado Democrático e Social de Direito, pode ser presumida em lei ou na própria Constituição, admitindo ou não prova em contrário, segundo se cuide de presunção juris tantum, como nos casos de inafiançabilidade de que trata o artigo 323 do Código de Processo Penal, ou de presunção iuris et de iure, como no caso do inciso II do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos.
A inafiançabilidade do delito é, pois, expressão legal, no sistema normativo processual penal em vigor, de custódia cautelar de necessidade presumida, cuja desconstituição, quando admitida, como o é nos casos de necessidade presumida juris tantum, reclama prova efetiva da desnecessidade da medida, a demonstrar seguras a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal, sendo desenganadamente do réu o ônus de sua produção (Código de Processo Penal, artigo 310, parágrafo único).
Por certo, não oferecendo o auto de prisão em flagrante senão a notícia que lhe é própria, vale dizer, do crime flagrante que determinou a prisão do agente, não se há de exigir do juiz que demonstre a necessidade da preservação da constrição cautelar, até porque presumido em lei.
Como no magistério de Weber Martins Batista, “Para ser mais exato, o juiz não precisa verificar se a prisão é necessária, pois essa necessidade se presume juris tantum: o que deve fazer é examinar se ela não é desnecessária, ou seja, se há prova em contrário, mostrando que, no caso, inexiste o periculum in mora.” (in Liberdade Provisória, 2ª edição, p. 74, Forense, Rio).
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
Daí por que a liberdade provisória de que cuida o artigo 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal, no caso, pois, de prisão em flagrante, está subordinada à certeza da inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, decorrente dos elementos existentes nos autos ou de prova da parte onerada, bastante para afastar a presunção legal de necessidade da custódia.
A Lei n. 8.072/1990, que deu cumprimento ao inciso XLIII do artigo 5º da Constituição da República fez, de seu lado, insuscetíveis de "fiança e liberdade provisória" os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico de entorpecentes e o terrorismo, estabelecendo caso de prisão cautelar de necessidade presumida iuris et de iure, na hipótese de prisão decorrente de flagrante delito.
A propósito do tema, assim se manifestou o Supremo Tribunal Federal, no voto do ilustre Ministro Sepúlveda Pertence, condutor da decisão denegatória unânime do Habeas Corpus n. 83.468-ES, verbis:
Voto
(...)
Conheço, pois, da impetração.
Entendo, contudo, que o STJ decidiu corretamente a questão de fundo, à vista
do art. 2°, II, da Lei dos Crimes Hediondos e na linha da jurisprudência dominante do
Supremo Tribunal (HC n. 78.820, 16.03.1999, Pertence; HC n. 82.316, 11.02.2003,
Sanches).
A proibição legal de concessão da liberdade provisória seria inócua, se a
afastasse o juízo da não ocorrência, no caso concreto, dos motivos autorizadores da
prisão preventiva: precisamente porque a inocorrência deles é uma das hipóteses
de liberdade provisória do preso em flagrante (CPrPen, art. 310, parág. único cf. L.
n. 6.416/1977), o que a L. n. 8.072 a vedou, se se cuida de prisão em flagrante de
crime hediondo.
De outro lado, a proibição da liberdade provisória, nessa hipótese, deriva
logicamente do preceito constitucional que impõe a inafiançabilidade das referidas
infrações penais: como acentuou, com respaldo na doutrina, o voto vencido, no
Tribunal do Espírito Santo, do il. Desemb. Sérgio Teixeira Gama, seria ilógico que,
vedada pelo art. 5°, XLIII, da Constituição, a liberdade provisória mediante fiança
nos crimes hediondos, fosse ela admissível nos casos legais de liberdade provisória
sem fiança.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Conheço do habeas corpus, mas o indefiro: é o meu voto.
Mostra-se, assim, incompatível com a Lei e com a Constituição Federal a interpretação que, à luz do disposto no artigo 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal, conclui pela admissibilidade, no caso de qualquer desses crimes, da conversão da prisão cautelar decorrente de flagrante delito em liberdade provisória.
In casu, ademais, cuida-se de réus presos em flagrante pela prática de homicídio qualificado, de excepcional gravidade, decorrência de espancamento da vítima, que causou efetiva comoção na comunidade, submetendo-se, induvidosamente, à disciplina legal obstativa da liberdade provisória, cujo indeferimento, por conseqüência, não reclama qualquer outra motivação que não a indicação da disposição legal proibitiva do benefício.
Não fosse o bastante, in casu, repise-se, a necessidade da manutenção do encarceramento dos pacientes exsurge da própria gravidade do delito, praticado a socos e pontapés, e da comoção social efetivamente instaurada em pequena cidade interiorana, mormente por se cuidar, os seus agentes, de Policiais Militar e do Exército, a quem cumpre a segurança da população, o que, por certo, reclama efetiva atuação dos poderes constituídos.
No mais, segundo se infere dos acórdãos impugnados, bem assim das informações colhidas no Juízo da Comarca de origem, a instrução criminal tem tido trâmite regular, somente aguardando o cumprimento de cartas precatórias expedidas para oitiva de testemunhas arroladas pela defesa, o que, por certo, exclui possa falar em retardamento do feito atribuível à acusação ou ao Judiciário.
Incide, na espécie, o enunciado n. 64 da Súmula desta Corte Federal Superior, verbis:
Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução,
provocado pela defesa.
De resto, como é da jurisprudência dos tribunais superiores, a eventual favorabilidade das circunstâncias judiciais dos agentes, tais como primariedade, bons antecedentes, residência e emprego fixos, por si só, não se presta à desconstituição da custódia cautelar quando demonstradamente presente a justa causa para a manutenção da medida.
Pelo exposto, denego a ordem de habeas corpus.
É o voto.
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
HABEAS CORPUS N. 53.572-RJ (2006/0021342-6)
Relator: Ministro Hamilton CarvalhidoRelator para acórdão: Ministro Paulo GallottiImpetrante: Jorge Bissoli dos SantosImpetrado: Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de JaneiroPaciente: Dirceu Nolasco dos Santos (Preso)
EMENTA
Habeas corpus. Livramento condicional. Revogação após o término do período de prova. Inexistência de suspensão cautelar. Impossibilidade. Ordem concedida.
1. Não tendo sido suspenso, por medida cautelar, o livramento condicional durante o período de prova, impõe-se a declaração de extinção da pena imposta, não se mostrando possível a revogação do benefício, a teor do que disciplinam os artigos 90 do Código Penal e 145 da Lei de Execuções Penais.
2. A circunstância de ter o paciente sido preso em flagrante não suspende automaticamente o benefício, tendo em conta a inexistência de expressa previsão legal, além do que cumpre ao Estado aparelhar seu sistema de execução de penas, objetivando em tempo hábil a suspensão do benefício, sempre se valendo do mecanismo do art. 732 do Código de Processo Penal.
3. Ordem concedida, por maioria de votos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do Sr. Ministro Paulo Gallotti que lavrará o acórdão. Vencido o Sr. Ministro Relator, que a denegava.
O Sr. Ministro Nilson Naves votou com Sr. Ministro Paulo Gallotti.
Não participou do julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.
Brasília (DF), 18 de dezembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Paulo Gallotti, Relator
DJ 02.04.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido: Habeas corpus contra a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, denegando o writ impetrado em favor de Dirceu Nolasco dos Santos, preservou o decisum do Juízo da Vara das Execuções Criminais da Capital, que revogou-lhe o livramento condicional, em acórdão assim ementado:
Habeas corpus. Crime praticado na vigência do livramento condicional.
Sentença irrecorrível. Causa de revogação do benefício. Coação ilegal. Inocorrência.
Ordem denegada.
Descumprindo o liberado, condição obrigatória, uma vez que voltou a praticar
crime durante o período de prova, cuja sentença condenatória transitou em julgado,
como conseqüência natural, fica revogado o benefício, mesmo que isso ocorra
depois do prazo para o fim do livramento, pois, o acontecimento criminoso impõe a
sua suspensão. (fls. 20/21).
A ilegalidade da revogação do livramento condicional, após o período de prova, dá motivação ao writ.
Alega o impetrante que (...) a pratica de ilícito durante o período de prova é causa de revogação do LC; todavia, mesmo ante a ocorrência dessa causa 'obrigatória', incabível proceder-se com a revogação se expirado o prazo do período de prova, sem que tenha sido efetivada, durante o curso desse período, a cautelar de suspensão no referido art. 145 da LEP. (fl. 4).
Pugna, ao final, pela concessão da ordem (...) no sentido de ser cassado o Acórdão do Tribunal Coator, que denegou o HC interposto contra a decisão da VEP que revogou o livramento condicional do paciente, sendo declarada extinta a sua pena, nos moldes do art. 90 do Código Penal, relativamente a CES n. 2000/064819-9 (...) (fls. 6/7).
Informações prestadas (fls. 13/14).
O Ministério Pública Federal veio pela concessão da ordem, em parecer assim sumariado:
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
Habeas corpus. Livramento condicional. Novo delito cometido no período de prova.
Impossibilidade de se revogar o livramento condicional após o transcurso do prazo de prova, se não adotada nenhuma providência nesse sentido - notadamente a do art. 145 da LEP - durante o prazo citado.
Parecer pela concessão do habeas corpus. (fl. 24).
É o relatório.
VOTO VENCIDO
O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (Relator):
Habeas corpus. Direito Penal. Livramento condicional. Novo crime. Prisão do condenado. Período de prova. Interrupção. Revogação do benefício. Legalidade.
1. A interrupção do livramento condicional ou, em outros termos, do período de prova, em razão da prisão em flagrante do condenado pela prática de novo crime, que assim permaneceu durante todo o processo, em que tem lugar a nova condenação e também após o seu trânsito em julgado, exclui a incidência das normas dos artigos 145 da Lei de Execução Penal e 90 do Código Penal que pressupõem, respectivamente, o exaurimento e o curso do período de prova e determina a incidência da norma do artigo 89 do Código Penal (O juiz não poderá declarar extinta a pena, enquanto não passar em julgado a sentença em processo a que responde o liberado, por crime cometido na vigência do livramento.).
2. Em casos tais, não há falar em eficácia constitutiva do exaurimento do período de prova, precisamente porque restou interrompido.
3. Ordem denegada.
Senhor Presidente, habeas corpus contra a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, denegando o writ impetrado em favor de Dirceu Nolasco dos Santos, preservou o decisum do Juízo da Vara das Execuções Criminais da Capital, que revogou-lhe o livramento condicional, em acórdão assim ementado:
Habeas corpus. Crime praticado na vigência do livramento condicional. Sentença irrecorrível. Causa de revogação do benefício. Coação ilegal. Inocorrência. Ordem denegada.
470
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Descumprindo o liberado, condição obrigatória, uma vez que voltou a praticar
crime durante o período de prova, cuja sentença condenatória transitou em julgado,
como conseqüência natural, fica revogado o benefício, mesmo que isso ocorra
depois do prazo para o fim do livramento, pois, o acontecimento criminoso impõe a
sua suspensão. (fls. 20/21).
A ilegalidade da revogação do livramento condicional, após o período de prova, dá motivação ao writ.
Alega o impetrante que "(...) a pratica de ilícito durante o período de prova é causa de revogação do LC; todavia, mesmo ante a ocorrência dessa causa 'obrigatória', incabível proceder-se com a revogação se expirado o prazo do período de prova, sem que tenha sido efetivada, durante o curso desse período, a cautelar de suspensão no referido art. 145 da LEP." (fl. 4).
Denego a ordem.
A jurisprudência das Turmas que integram a 3ª Seção firmou-se, majoritariamente, em que, exaurido o período de prova do livramento condicional sem a suspensão do benefício de que cuida o artigo 145 da Lei de Execução Penal, não mais pode ter lugar a sua revogação, devendo, em casos tais, a despeito da prática de novo crime pelo liberado, ser julgada extinta a pena.
Há que se entender, por certo, que se sustenta, para tanto, a natureza constitutiva do tempo do período de prova do livramento condicional, não interrompido a despeito do novo crime, causa de revogação obrigatória do benefício na letra do artigo 86, inciso I, do Código Penal.
Leia-se, a propósito, Robert Vouin, verbis:
(...)
La Liberté Du Libéré Équivaut a l'Exécution De Sa Peine - Pendant sa libération conditionnelle, le condamné est encore, comme I'on dit, sub poena. La peine est réputée continuer de s'exécuter, et la libération conditionnelle n'est qu'un mode adouci d'exécution. (in, Manuel de Droit Criminel, Paris, 1949, p. 121/122 - nossos os
grifos).
In casu, obteve o paciente, no cumprimento da pena de 6 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, pela prática dos delitos tipificados nos artigos 157, parágrafo 2º, inciso I, 157, parágrafo 2º, inciso II, e 157, parágrafo 2º, inciso II, combinado com o artigo 14, inciso II, na forma do artigo 70, do Código Penal, livramento condicional em 02 de março de 2001, com término previsto para 15 de junho de 2004, vindo a praticar, no curso do período de prova, novo delito em 07 de abril de 2001, pelo qual foi preso em flagrante, permanecendo preso durante todo o
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
processo, antes e depois de sua condenação à pena de 7 anos de reclusão, pela prática do delito tipificado no artigo 157, parágrafo 2º, incisos I, II e V, do Código Penal, com trânsito em julgado em 08 de outubro de 2004 (fl. 13).
Em casos tais, não há falar em ilegalidade qualquer que esteja a gravar a revogação obrigatória do benefício, eis que a interrupção do livramento condicional pela prisão do condenado, exclui a incidência dos artigos 90 do Código Penal, que pressupõe o exaurimento do período de prova, e 145 da Lei de Execução Penal, que pressupõe o curso desse período de prova.
Para a certeza das coisas, vejam-se as letras dos referidos artigos:
Art. 90. Se até o seu término o livramento não é revogado, considera-se extinta
a pena privativa de liberdade.
Art. 145. Praticada pelo liberado outra infração penal, o Juiz poderá ordenar
a sua prisão, ouvidos o Conselho Penitenciário e o Ministério Público, suspendendo o curso do livramento condicional, cuja revogação, entretanto, ficará dependendo da
decisão final. (nossos os grifos).
Em havendo sido preso em flagrante e permanecido preso desde então, por certo não há falar em "curso do livramento condicional" a suspender, porque interrompido já fora pela prisão em razão de novo crime, pelo qual sem haver sido solto, foi condenado como réu reincidente.
A norma que incide, a nosso ver induvidosamente, é a do artigo 89 do Código Penal, título legal da revogação do benefício, que há de ser preservada, verbis:
Art. 89. O juiz não poderá declarar extinta a pena, enquanto não passar em
julgado a sentença em processo a que responde o liberado, por crime cometido na
vigência do livramento.
Pelo exposto, denego a ordem.
É o voto.
VOTO VENCEDOR
O Sr. Ministro Paulo Gallotti: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Dirceu Nolasco dos Santos, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Insurge-se contra a decisão do Juiz das Execuções que, após expirado o período de prova, revogou o livramento condicional em razão do cometimento de novo delito durante sua vigência.
472
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pela concessão da ordem.
O Ministro Hamilton Carvalhido, Relator, denegou a ordem, após o que pedi vista dos autos para melhor exame.
Verifica-se do processado que o paciente obteve o benefício do livramento condicional em 02.03.2001, com término previsto para 15.06.2004. Em 1º.09.2005, o Juiz das Execuções revogou o benefício, tendo em vista a constatação da prática de crime durante o período de prova, cuja prisão em flagrante ocorreu em 07.04.2001.
Diante desse quadro, não tendo sido suspenso, por medida cautelar, o livramento condicional durante o período de prova, impunha-se a declaração de extinção da pena imposta, não se mostrando possível a revogação do benefício, a teor do que disciplinam os artigos 90 do Código Penal e 145 da Lei de Execuções Penais.
Nesse sentido há inúmeros precedentes das duas Turmas que julgam matéria criminal nesta Corte:
A - Recurso ordinário em habeas corpus. Execução penal. Suspensão do
livramento condicional. Novo crime praticado, em tese, durante o período de prova.
Declaração de extinção da punibilidade. Artigo 90 do Código Penal.
1. 'A suspensão do curso do livramento condicional até a decisão definitiva
do processo resultante da imputação da prática do crime durante a sua vigência
é medida cautelar, dependente de decisão judicial específica. Não tendo havido
a suspensão cautelar, corre sem óbice o prazo do livramento, cujo termo, sem
revogação, implica extinção da pena.' (STF, HC n. 81.879-0-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 06.08.2002).
2. A suspensão ou a revogação do livramento condicional em período posterior
a seu término é, em regra, constrangimento ilegal, ainda que seu pedido tenha sido
efetivado pelo órgão ministerial em período anterior (artigo 90 do Código Penal).
3. A decisão de extinção da pena é ato meramente declaratório, ainda que
prolatado em data ulterior, tendo-se por extinta a punibilidade na efetiva data do
término do período de prova. Precedentes deste STJ.
4. Recurso provido para, anulado o acórdão recorrido, declarar extinta a
punibilidade do paciente.
(RHC n. 16.877-RJ, Relator o Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJU de
1º.07.2005)
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
B - Livramento condicional. Vigência. Novo crime. Fiscalização (omissão).
Pena (extinção).
1. Durante a sua vigência, o livramento pode ser revogado.
2. Se não o foi, conquanto devesse sê-lo, não se admite a sua revogação tardia.
Precedentes do STJ.
3. Ultimada a vigência do livramento sem revogação, considera-se extinta a
pena privativa de liberdade (Cód. Penal, art. 90; Lei de Execução Penal, art. 146).
4. Ordem concedida, declarando-se extinta a pena privativa de
liberdade.
(HC n. 31.668-RJ, Relator para acórdão o Ministro Nilson Naves, DJU de
27.06.2005)
C - Criminal. REsp. Execução. Livramento condicional. Prática de novos delitos
durante o período de prova. Ausência de manifestação contrária por parte do órgão
fiscalizador inércia. Situação já vencida pelo decurso de tempo. Impropriedade da
revogação. Incidência do art. 90 do CP. Extinção da pena. Recurso desprovido.
I. Hipótese em que o recorrido praticou novos delitos durante o
período de prova do livramento condicional, não tendo havido
qualquer manifestação por parte do Órgão fiscalizador.
II. Caberia ao Juízo das Execuções a suspensão cautelar do benefício
ainda durante o seu curso, para, posteriormente, e se fosse o caso, revogá-lo.
Precedentes.
III. Inteligência dos arts. 732 do Código de Processo Penal e 145 da Lei de
Execuções Penais.
IV. Permanecendo inerte o Órgão fiscalizador, não se pode restringir o direito
do réu, após o cumprimento integral do benefício, restabelecendo situação já
vencida pelo decurso de tempo.
V. Incidência do disposto no art. 90 do Código Penal.
VI. Recurso desprovido.
(REsp n. 792.056-RS, Relator o Ministro Gilson Dipp, DJU de 08.05.2006)
D - RHC. Execução penal. Livramento condicional. Expiração do prazo.
Crime praticado no período de prova. Condições cumpridas sem a suspensão
do benefício. Condenação posterior ao término do livramento. Retroatividade.
Revogação inadmissível. Provimento do recurso.
474
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Vencido o prazo de cumprimento do benefício, sem anotações de eventuais
embaraços, a declaração da extinção da pena era de ser conseqüência imperiosa
da decisão do juízo executório, não lhe permitindo a possibilidade de retroação ao
tempo do período de prova para revogar o benefício, tendo em vista a definitiva
condenação em crime praticado naquele momento e só depois percebido. Inteligência
do art. 90, do Código Penal.
Recurso provido para declarar extinta a pena.
(RHC n. 17.889-RJ, Relator o Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJU de
13.09.2005)
E – Processo Penal. Habeas corpus. Livramento condicional. Medida cautelar.
Suspensão. Extinção da punibilidade. Cometimento de novo delito no curso do
benefício.
I - Apesar de compulsória a revogação do livramento condicional, no caso de o
liberado ser condenado mediante sentença irrecorrível à pena privativa de liberdade
por crime cometido durante a vigência do benefício (art. 86, I, do Código Penal),
necessária se faz a suspensão do seu curso, por medida cautelar (art. 732 do CPP e
145 da LEP). (Precedentes do Pretório Excelso e desta Corte).
II - Não havendo qualquer óbice, suspendendo ou revogando o benefício,
deve ser declarada extinta a pena, nos termos do art. 90 do Código Penal.
Ordem concedida.
(HC n. 37.827-RJ, Relator o Ministro Felix Fischer, DJU 21.03.2005)
Do Supremo Tribunal Federal:
A - Recurso ordinário em habeas corpus. Livramento condicional revogação
após o período de prova. Impossibilidade.
Findo o período de prova estipulado para o livramento condicional, sem
suspensão ou interrupção, o paciente tem o direito à extinção da pena privativa de
liberdade. O conhecimento posterior da prática de crime no curso do lapso temporal
não autoriza a revogação do benefício. Conclusão que se extrai da interpretação dos
artigos 86, I, e 90 do Código Penal; 145 e 146 da Lei de Execução Penal e 732 do
Código de Processo Penal.
Ordem concedida.
(RHC 85.2874-RJ, Relator o Ministro Eros Grau, DJU de 15.03.2005)
B - Livramento condicional: extinção da pena com o termo final do prazo, se
antes dele, não suspenso o seu curso nem revogado o benefício.
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
1. É compulsória a revogação do livramento condicional, se o liberado é
condenado mediante sentença irrecorrível a pena privativa de liberdade por crime
cometido durante a vigência do benefício (C. Pen, art. 86, I).
2. Para obstar, não obstante, a extinção da pena, pelo término do prazo do
livramento condicional sem decisão judicial que o revogue, a solução legal exclusiva
é a medida cautelar de suspensão do seu curso (C. Pr. Pen., art. 732; LEP, art. 145).
3. Não tendo havido a suspensão cautelar, corre sem óbice o prazo do livramento
condicional cujo termo, sem revogação, implica a extinção da pena.
4. O retardamento de decisão, meramente declaratória, da extinção da pena -
ainda quando devido à falta de ciência da condenação intercorrente -, não autoriza
o juiz de execução a desconstituir o efeito anteriormente consumado do termo do
prazo fatal do livramento.
(HC n. 81.879-SP, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence. DJU de 20.09.2002)
Por último, a circunstância de ter o paciente sido preso em flagrante não suspende automaticamente o benefício, tendo em conta a inexistência de expressa previsão legal, além do que cumpre ao Estado aparelhar seu sistema de execução de penas, objetivando em tempo hábil a suspensão do benefício, sempre se valendo do mecanismo do art. 732 do Código de Processo Penal.
É da nossa jurisprudência:
A - Livramento condicional (vigência). Novo crime (ocorrência). Fiscalização
(omissão). Pena (extinção).
1. Durante a sua vigência, o livramento pode ser revogado.
2. Se não o foi, conquanto devesse sê-lo, não se admite a sua revogação tardia
ainda que, durante o período de prova, o liberado seja preso em flagrante, por novo
crime.
3. Ultimada a vigência do livramento sem revogação, considera-se extinta a
pena privativa de liberdade (Cód. Penal, art. 90; Lei de Execução Penal, art. 146).
4. Habeas corpus deferido.
(HC n. 42.944, Relator o Ministro Nilson Naves, DJU de 05.06.2006)
B - Penal. Habeas corpus. Livramento condicional. Prática de novo crime no
período de sua vigência. Inocorrência de suspensão no período de prova. Revogação.
Impossibilidade. Art. 90 do CP.
1. Embora em julgamentos anteriores a Relatora tenha entendido que, em
obediência ao comando do art. 89 do Código Penal, não há como se reconhecer a
extinção da pretensão punitiva estatal no caso de cometimento de novo crime pelo
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
condenado em liberdade condicional, sobretudo quando há prisão em flagrante, a
jurisprudência majoritária desta Quinta Turma é no sentido contrário, vedando a
revogação do benefício se o Juiz da Execução não determina a suspensão ainda no
período de prova. Precedentes.
2. Ordem concedida para declarar a extinção da punibilidade estatal quanto
aos crimes objeto de livramento condicional, ressalvado o entendimento pessoal da
Relatora.
(HC n. 37.672-RJ, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJU de 23.11.2004)
Pelo exposto, pedindo vênia ao relator, concedo o habeas corpus para declarar extinta a pena aplicada ao paciente relativamente ao Processo n. 2000/04819-9, da 23ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.
É como voto.
HABEAS CORPUS N. 77.155-SP (2007/0034402-2)
Relator: Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª
Região)
Impetrante: Emival Santos da Silva
Impetrado: Não Indicado
Paciente: Alexandre do Prado Rodrigues (Preso)
EMENTA
Processual Penal. Habeas corpus. Tráfico ilícito de entorpecentes, formação de quadrilha, porte ilegal de arma de fogo. Paciente pertencente à facção criminosa PCC - Primeiro Comando da Capital. Prisão preventiva. Revogação. Impossibilidade. Excesso de prazo na formação da culpa. Inexistência. Ordem denegada.
1. O excesso de prazo na formação da culpa legitima-se na medida em que o feito apresenta-se de alta complexidade, tanto no que tange à pluralidade de agentes quanto acerca da gravidade dos fatos sob apuração.
2. Ordem Denegada.
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Nilson Naves.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Brasília (DF), 20 de setembro de 2007 (data do julgamento).
Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região), Relator
DJ 08.10.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região): Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por Emival Santos da Silva, em benefício de Alexandre do Prado Rodrigues, contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Dessume-se que o Paciente foi preso em flagrante delito, em 20 de julho de 2006, em companhia de outros 25 (vinte e cinco) co-réus, e denunciado nos autos da Ação Penal n. 050.06.057864-5, em trâmite perante a Terceira Vara Criminal da Comarca de São Paulo, por suposta violação dos preceitos contidos nos artigos 12, caput, e 14, ambos da Lei n. 6.368/1976, artigo 288, parágrafo único, do Código Penal, artigo 8º, caput, da Lei n. 8.072/1990, e artigo 16, da Lei n. 10.826/2003, todos em concurso material.
Apresentada defesa preliminar, foi postulada pela defesa a concessão de liberdade provisória, mas o il. Magistrado singular indeferiu o pleito.
Irresignado, o Paciente impetrou habeas corpus, e a Colenda Sétima Câmara do Quarto Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, à unanimidade, denegou a ordem, em acórdão com esses fundamentos:
Diante do caso, de tamanha repercussão e magnitude, envolvendo número
grande de pessoas, testemunhas, atos e acontecimentos a serem apurados, verifica-
se estar a MM. Juízo dando normal andamento ao feito, não podendo ser imputado
a ela ou ao Ministério Público qualquer atraso em seu andamento. (fls. 231 -
apenso).
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Daí a impetração.
Sustenta a defesa excesso de prazo na formação da culpa, eis que ultrapassado o prazo de 81 (oitenta e um) dias de segregação sem que tenha findado a instrução criminal.
Requer o Paciente, em liminar e mérito, a concessão da ordem para que seja expedido alvará de soltura em seu benefício.
A liminar foi indeferida (fls. 15/16).
Informações nos autos (fls. 22/24).
O Ministério Público Federal opina pela denegação da ordem, em parecer nesses termos ementado (fls. 26/29):
Processual Penal. Prisão em flagrante. Excesso de prazo na formação da culpa. Ausência. Feito complexo.
É da jurisprudência dessa Corte Superior de Justiça o entendimento de que o prazo de 81 (oitenta e um) dias para a conclusão da instrução não é absoluto, tendo em vista que o constrangimento ilegal por excesso de prazo só pode ser reconhecido quando a demora for injustificada. In casu, trata-se de feito complexo, com envolvimento de vinte e sete réus e crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, porte ilegal de armas e formação de quadrilha.
Parecer pela denegação da ordem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região) (Relator): Trata-se de pedido de concessão de liberdade provisória, ao argumento de excesso de prazo na formação da culpa, eis que passados mais de 81 (oitenta e um) dias sem que tenha findado a instrução criminal.
A irresignação não merece prosperar.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo apontou, com clareza e robustez, os motivos para o elastecimento do prazo para formação da culpa, no pertinente (fls. 228/233 - apenso):
(...)
Acrescentou a referida autoridade que mantém o paciente preso uma vez que
consta ser ele pertencente a facção criminosa PCC, envolvido em diversos atentados,
com utilização, ainda, de armamento pesado, fatos que justificam a manutenção de
sua custódia preventiva.
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
(...)
É que, conforme se verifica dos autos, o paciente responde por processo
envolvendo vinte e cinco réus, conforme se depreende da inicial. Além disso, como
mencionado pelo culto Procurador de Justiça, subscritor do parecer de fls. 219/225,
responde ele por delitos gravíssimos, envolvendo a ocorrência de 'mega-rebeliões'
ocorridas em presídios; atentados em coletivos, assim como homicídios e incêndios,
com estrutura bem organizada, distribuindo-se tarefas, além de comunicação
através de celulares e 'centrais telefônicas', como mensagens que são transmitidas
por pessoas que tem acesso aos presídios (visitantes e advogados).
Diante do caso, de tamanha repercussão e magnitude, envolvendo número
grande de pessoas, testemunhas, atos e acontecimentos a serem apurados, verifica-
se estar a MM. Juíza dando normal andamento ao feito, não podendo ser imputado
a ela ou ao Ministério Público qualquer atraso em seu andamento.
Ademais, vê-se, dos documentos angariados nos autos em apenso, que a ação penal de que trata este writ, investiga a ação delituosa de múltiplos réus integrantes do PCC - Primeiro Comando da Capital, em organização criminosa de altíssima periculosidade, com outras inúmeras legítimas diligências perpetradas pelo Juízo e pelo Ministério Público.
Ressalte-se, por fim, que o excesso de prazo na formação da culpa legitima-se na medida em que o feito apresenta-se de alta complexidade, tanto no que tange à pluralidade de agentes quanto acerca da gravidade dos fatos sob apuração.
Por todo o exposto, denego a ordem de habeas corpus.
É o voto.
RECURSO EM HABEAS CORPUS N. 14.212-PE (2003/0038885-2)
Relator: Ministro Paulo GallottiRecorrente: José Augusto Branco e outroAdvogado: José Augusto BrancoRecorrido: Tribunal de Justiça do Estado de PernambucoPaciente: Silvio Celestino Gomes da Silva
480
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA
Recurso em habeas corpus. Audiência de inquirição de testemunha. Não comparecimento do advogado constituído. Nomeação de defensor ad hoc. Alegação de cerceamento de defesa. Prejuízo não demonstrado.
1. Não restando demonstrada a existência de prejuízo pelo não comparecimento do defensor constituído à audiência de ouvida de testemunha, na qual deu-se ao réu defensor ad hoc, não há falar em nulidade do ato.
2. Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Maria Thereza de Assis Moura, Nilson Naves e Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.
Brasília (DF), 14 de novembro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Paulo Gallotti, Relator
DJ 26.02.2007
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti: Cuida-se de recurso ordinário interposto por Sílvio Celestino Gomes da Silva contra o acórdão do Tribunal de Justiça de Pernambuco que denegou o habeas corpus ali manejado em seu favor, guardando o aresto a seguinte ementa:
Processual Penal. Habeas corpus. Audiência. Intimação de advogado constituído. Pedido de adiamento justificado. Indeferimento. Nomeação de defensor ad hoc. Ausência de nulidade. Inteligência do art. 265, parágrafo único, do CPP.
- Ainda que motivada e comprovada, a ausência do defensor constituído na audiência para inquirição de testemunha indicada pela acusação não gera nulidade, se ao réu foi dado defensor ad hoc.
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
- Em que pese seja comum o adiamento de atos processuais a pedido dos
advogados, tal solução é faculdade discricionária do juiz, nos termos que dispõe o
art. 138, parágrafo único, do CPP, e considerando a interpretação que lhe empresta
a doutrina e a jurisprudência majoritárias.
- Habeas corpus denegado, por decisão unânime. (fl. 59)
Sustenta-se que o defensor do recorrente requereu ao Juiz de primeiro grau o adiamento de audiência para a qual foi regularmente intimado, comunicando que era advogado em outro processo, tendo que neste comparecer no mesmo dia e horário, vindo o ato a se realizar sem a sua presença, nomeando-se defensor ad hoc, com evidente prejuízo para o acusado.
A Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti (Relator): Não há como reconhecer a alegada nulidade.
Disse o magistrado ao examinar o pedido de adiamento da audiência:
Em que pese o respeito que merece o causídico subscritor das petições acima
mencionadas, entendo que o pleito deve ser indeferido. É que o art. 265, parágrafo
único, do Código de Processo Penal, é muito claro ao disciplinar que: 'a falta de
comparecimento do defensor, ainda que motivada, não determinará o adiamento de
ato algum do processo, devendo o juiz nomear substituto, ainda que provisoriamente
ou para o só efeito do ato'. No caso dos autos, o acusado e seu defensor foram
intimados para comparecer à audiência de hoje desde o dia 02.07.2002, isto é, na
própria audiência em que foi o réu interrogado às fls. 75/76, de modo que não se
justifica o pedido de adiamento apresentado tão-somente em 16.08.2002, alegando
que havia sido anteriormente intimado para uma outra audiência. De mais a mais
seria um profundo desrespeito à testemunha, que aqui compareceu, fazê-la retornar
em outra ocasião, quando se sabe a ausência do advogado, ainda que motivada, não
poderá importar no adiamento da denúncia. (fl. 46)
Assim, além de satisfatoriamente motivado o indeferimento, não logrou o recorrente demonstrar em que consistiu o prejuízo que diz lhe ter sido causado, já que foi assistido por defensor ad hoc, não se justificando, desta forma, a anulação do ato processual (pas de nullité sans grief), a teor do contido no artigo 563 do CPP, in verbis:
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.
A propósito, vejam-se os seguintes precedentes:
A - RHC. Excesso de prazo para a formação da culpa. Superveniência de sentença penal condenatória. Prejudicialidade. Ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal. Impossibilidade de exame. Matéria fática. Nulidade processual. Falta de defesa. Inocorrência.
Encontrando-se o processo já sentenciado, fica superada a alegação de excesso de prazo para a formação da culpa. Aplicação do enunciado da Súmula n. 52-STJ: 'Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo'.
A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios que fundamentaram a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, hipóteses inocorrentes.
A via do habeas corpus é inadequada para a verificação de que o paciente não foi o autor do crime, haja vista a necessidade do revolvimento fático probatório.
Inviável a alegação de nulidade por cerceamento de defesa, em função da falta da presença do defensor constituído para audiência de instrução e manifestação quanto à oitiva de testemunhas, se não demonstrada a ocorrência de efetivo prejuízo ao paciente, que teve a assistência regular de defensor ad hoc para os atos.
Recurso improvido.
(RHC n. 13.879-SP, Relator o Ministro Paulo Medina, DJU de 09.06.2003)
B - Processual Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Tráfico. Audiência. Defensor constituído. Não comparecimento. Nomeação de advogado ad hoc. Nulidades. Ausência de prejuízo à defesa.
I – Ainda que motivada, a ausência da defesa constituída em audiência não gera nulidade se, ao réu, foi dado defensor ad hoc. (Precedentes).
II – Ademais, se a representação do réu naquele ato por advogado nomeado não acarretou qualquer prejuízo à defesa, incabível reconhecer tal nulidade (art. 563 do CPP).
Recurso desprovido.
(RHC n. 11.743-SP, Relator o Ministro Felix Fischer, DJU de 29.10.2001)
Diante do exposto, nego provimento ao recurso.
É como voto.
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 11.335-RS (1999/0102817-5)
Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura
Recorrente: Iracema Terezia da Cruz
Advogado: Warley dos Santos Farinatti e outros
T. Origem: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Impetrado: Governador do Estado do Rio Grande do Sul
Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul
Advogado: Melany Elisabetha Hamester e outros
EMENTA
Recurso ordinário. Mandado de segurança. Administrativo. Demissão por abandono de cargo. Prescrição da pretensão punitiva do Estado. Ocorrência.
1. Havendo cometimento por servidor público de infração disciplinar também tipificada como crime, somente se aplica o prazo prescricional previsto na legislação penal quando os fatos também forem apurados na esfera criminal (RMS n. 19.887-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma DJ 11.12.2006).
2. Aplicada a pena de demissão após o prazo legal de 18 (dezoito) meses, previsto na Lei Complementar Estadual n. 10.098/1994, contados do conhecimento do abandono do cargo pelo superior hierárquico da impetrante, deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva do Estado.
3. Recurso ordinário provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Paulo Medina votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Nilson Naves.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Medina.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Brasília (DF), 15 de março de 2007 (data do julgamento).
Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Relatora
DJ 09.04.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura: Cuida-se de recurso ordinário, interposto por Iracema Terezia da Cruz, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que denegou segurança impetrada contra ato do Governador daquele Estado, consubstanciado na demissão da ora recorrente por abandono de cargo público.
Informou a impetrante, professora estadual nomeada em 1980, que, em 24 de dezembro de 1995, requereu licença para acompanhar seu cônjuge. Indeferido seu pedido, e tendo em vista que "a impetrante afastou-se imediatamente de suas atribuições e transferiu residência, com a família, para o Estado do Paraná", foi declarada "sem efetividade" (fl. 4) de 22.12.1995 a 22.12.1996. Posteriormente, em 24.12.1996, foi-lhe permitida "a reassunção de suas atividades, havendo nelas permanecido até a data de sua demissão pelo ato publicado no Diário Oficial do Estado de 14.05.1998" (fls. 4/5).
Aduziu, em síntese, que, "havendo a Administração, pela chefia da impetrante, tomado inequívoco conhecimento dos fatos que induziam à tipificação da falta de 'abandono de cargo', em data de 07 de julho de 1996, é inegável que, quando da aplicação da penalidade em ato publicado no D.O.E. de 14 de maio de 1998, já haviam transcorridos mais de vinte e dois meses (22 meses), lapso temporal superior àquele exigido para a prescrição punitiva de parte da administração" (18 meses - artigo 197, III, da Lei Complementar Estadual n. 10.098/1994).
Desse modo, requereu a concessão da segurança "para o fim de ser cassado o ato manifestamente ilegal de demissão que teve como suporte ação administrativa prescrita, no cargo que ocupava de Professora Estadual" (fls. 11/12).
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul denegou a segurança em acórdão ementado nos termos abaixo:
Administrativo. Servidor público. Prescrição da ação disciplinar.
Conta-se o prazo de prescrição da data em que o superior hierárquico,
competente para determinar o procedimento administrativo para apuração da
falta e a conseqüente aplicação da pena, toma conhecimento do fato imputado ao
servidor. Mandado de segurança denegado por maioria (fl. 64).
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
Predominou naquela Corte o entendimento segundo o qual, "quando a autoridade competente para a aplicação da pena for o Governador do Estado, não se pode pretender a fluência do lapso prescricional a partir da data do fato ou do dia imediatamente posterior ao número de faltas consecutivas, mas, somente, a partir da determinação de que seja instaurado o procedimento administrativo, mesmo porque somente quando do seu encerramento é que se pode cogitar da demonstração do abandono de cargo ou da ausência excessiva ao serviço, permitindo-se, então, que seja aplicada a pena correspondente" (fl. 77).
Asseverou-se, nesse sentido, que, "mesmo não se considerando o encerramento do processo administrativo como marco inicial, mas a sua instauração (03 de setembro de 1997) ou a data em que foi publicada a portaria dessa providência determinante (16 de abril de 1997), não ocorreu o prazo prescricional pretendido, já que o ato demissório, como salientado, datado de 27 de abril de 1998, foi publicado no dia 14 de maio daquele ano" (fl. 77).
Por fim, ressaltou-se que "o abandono de cargo, ainda que por faltas consecutivas por prazo superior a trinta dias, configura infração penal, assim definida no artigo 323 do Código Penal, punida, em sua forma simples, com detenção de quinze dias a um mês e, quando resultar prejuízo público, de três meses a um ano. Ora, em assim sendo, mesmo que não tenha sido instaurado processo penal, a prescrição deve ser regulada pela lei penal, nos termos do artigo 197, § 2º, da LC n. 10.098/1994. Portanto, o lapso prescricional não seria se dezoito meses, mas de dois anos (artigo 109, inciso VI, do Código Penal). Assim, mesmo se considerando, para argumentar, o marco pretendido pela impetrante (07 de julho de 1996), ainda não havia transcorrido esse prazo quando da publicação do ato impugnado" (fls. 77/78).
Aduz a impetrante, nas razões do seu recurso ordinário, que o artigo 197, III, do Estatuto e Regime Único dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (Lei Complementar Estadual n. 10.098/1994), estabelece regra prescricional específica, de 18 meses, para abandono de cargo ou faltas sucessivas ao serviço.
Afirma, também, que o § 1º do artigo 197 daquele Estatuto dispõe que o prazo prescricional da pretensão punitiva do Estado "começa a fluir a partir da data do conhecimento do ato por superior hierárquico", que "só pode ser o chefe imediato, ou seja, aquele que, na vastidão da estrutura administrativa, tem condições de, antes de qualquer outro, detectar a irregularidade e promover as medidas aptas a saná-la" (fl. 87).
Por fim, sustenta que "a prescrição da pretensão punitiva do Estado contra seus servidores será regulada pela lei penal, (...), tão somente quando a falta
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
funcional, a que também corresponda tipificação penal, revele de parte do agente faltoso, pelo menos, fortes indícios de dolo, o que escancaradamente não se tem como vislumbrar no caso" (fls. 87/88) e que "a lei aplicável a esse procedimento, que é o Estatuto, não prevê nenhuma hipótese de suspensão ou de interrupção do prazo prescricional" (fl. 88).
Opina o Ministério Público Federal, em consonância com a manifestação do Parquet Estadual, pelo provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora): Cinge-se a controvérsia à ocorrência de prescrição da pretensão do Estado de punir, por meio de demissão, servidora pública estadual por abandono de cargo público.
Inicialmente, cumpre salientar que se firmou nesta Corte o entendimento de que, "havendo cometimento por servidor público de infração disciplinar também tipificada como crime, somente se aplica o prazo prescricional previsto na legislação penal quando os fatos também forem apurados na esfera criminal" (RMS n. 19.887-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ 11.12.2006).
No mesmo sentido, confiram-se os seguintes precedentes desta Corte:
Recurso ordinário. Mandado de segurança. Servidor público. Sanção
disciplinar. Prescrição. Não configuração de crime. Impossibilidade de aplicação do
prazo prescricional previsto na lei penal. Recurso provido.
I - Não configurando a falta cometida pelo servidor ilícito penal, seja
pela ausência de denúncia, seja pela ausência de pronúncia, aplica-se o prazo
prescricional previsto na lei para o exercício da competência punitiva administrativa.
Precedentes.
II - Recurso provido. (RMS n. 18.551-SP, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma,
DJ 14.11.2005).
Recurso ordinário em mandado de segurança. Administrativo. Processo
disciplinar. Demissão. Abandono de emprego. Prescrição. Prazo. Causa interruptiva.
Inexistência de direito líquido e certo.
O prazo de prescrição aplicável na espécie é a da lei administrativa. Para que
incida o prazo da lei penal faz-se necessário não só o ato disciplinar como também
a devida apuração criminal. Precedentes.
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
A instauração do processo disciplinar é, nos termos da lei, causa interruptiva
da prescrição administrativa, mesmo na incidência do prazo da lei penal. Prescrição
não consumada.
Recurso improvido. (RMS n. 13.134-BA, Rel. Min. Paulo Medina, Sexta Turma,
DJ 1º.07.2004).
In casu, não restou evidenciado nos autos que tenha sido apurada criminalmente a conduta da impetrante, demitida por abandono de cargo público. Destarte, ainda que seu ato seja tipificado como crime, diante da ausência de apuração na esfera criminal deve ser aplicado o prazo prescricional previsto na lei que regula a punição administrativa.
O artigo 191, inciso IV, da Lei Complementar n. 10.098/1994 (Estatuto e Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do Rio Grande do Sul), dispõe que:
Art. 191 - O servidor será punido com pena de demissão nas hipóteses de:
(...)
IV - abandono de cargo em decorrência de mais de 30 (trinta) faltas
consecutivas.
Por outro lado, estabelece o artigo 197 daquele Estatuto que:
Art. 197 - A ação disciplinar prescreverá em:
I - 6 (seis) meses, quanto à repreensão;
II - 12 (doze) meses, nos casos de suspensão ou multa;
III - 18 (dezoito) meses, por abandono de cargo ou faltas sucessivas ao
serviço;
IV - 24 (vinte e quatro) meses, quanto às infrações puníveis com cassação de
aposentadoria ou disponibilidade, e demissão.
§ 1º - O prazo de prescrição começa a fluir a partir da data do conhecimento
do ato por superior hierárquico.
§ 2º - Quando as faltas constituírem, também, crime ou contravenção, a
prescrição será regulada pela lei penal.
Da leitura dos dispositivos legais transcritos acima, observa-se que o legislador estabeleceu prazo prescricional específico para os casos de abandono de cargo ou faltas sucessivas ao serviço, qual seja, de 18 (dezoito) meses contados da data do conhecimento do ato por superior hierárquico.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Na espécie, deve ser considerado como superior hierárquico o chefe imediato da impetrante, que tomou conhecimento do abandono do cargo ao indeferir seu pedido de licença do serviço, pleiteado em 24.12.1995, para acompanhamento do cônjuge.
Consoante se verifica dos autos, em 06.06.1996 a impetrante foi comunicada do indeferimento do seu pedido de licença, tendo sido lhe concedido prazo de 30 (trinta) dias para apresentar-se na 2ª Delegacia de Ensino.
Desse modo, contado o termo inicial do prazo após o vencimentos desses 30 (trinta) dias, ou seja, do dia 07.07.1996, verifica-se que a Administração extrapolou o prazo máximo legal de 18 (dezoito) meses para aplicação da penalidade. Com efeito, tendo sido imposta a pena de demissão apenas em 14.05.1998, no caso ocorreu a pretensão punitiva do Estado.
Diante do exposto, dou provimento ao recurso para, reconhecida a prescrição punitiva do Estado, conceder a segurança.
É como voto.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 11.795-DF (2000/0029146-3)
Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis MouraRecorrente: Valmir Alves de CarvalhoAdvogados: Arlete Maria Pelicano e outro Sebastião José Lesa T. Origem: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios Impetrado: Governador do Distrito FederalRecorrido: Distrito FederalProcuradora: Maria Gorete Cosme
EMENTA
Recurso ordinário. Mandado de segurança. Delegado da Polícia Civil do Distrito Federal. Crime contra o patrimônio apurado em processo administrativo disciplinar. Demissão com justa causa. Lei n. 4.878/1965. Não-aplicação da vedação prevista no art. 73,V, da Lei n. 9.504/1997 (Lei Eleitoral).
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
1. De acordo com o artigo 73, inciso V, da Lei n. 9.504/1997 é vedado ao agente público em campanha eleitoral aplicar a pena de demissão sem justa causa ao servidor público nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos.
2. Na espécie, contudo, restou evidenciada a justa causa na demissão do impetrante, demitido do cargo de Delegado da Polícia Civil do Distrito Federal devido à prática de crime contra o patrimônio, apurado em processo administrativo disciplinar, consubstanciado na aquisição de veículo com alienação fiduciária e, mediante fraude, na retirada desse gravame da sua documentação, revendendo-o a terceiro, em prejuízo do alienante.
3. Recurso ordinário improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "Prosseguindo no Julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Nilson Naves acompanhando a Relatoria, sendo seguido pelos Srs. Ministros Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti, a Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Os Srs. Ministros Nilson Naves, Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.
Brasília (DF), 15 de fevereiro de 2007 (data do julgamento).
Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Relatora
DJ 26.03.2007
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura: Cuida-se de recurso ordinário, interposto por Valmir Alves de Carvalho, contra acórdão do colendo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, que denegou segurança impetrada contra ato do Sr. Governador do Distrito Federal consubstanciado na demissão do ora recorrente do cargo de Delegado da Polícia Civil do Distrito Federal.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Emerge dos autos que foi instaurado processo administrativo disciplinar contra o impetrante que "adquiriu, em 10.02.1995, da pessoa de Agamenon Martins Borges, o veículo Ford/F-1000, ano 1984, placa BW-3526-DF, alienado fiduciariamente ao ABN AMRO Financiamento Aymoré, e assumiu a responsabilidade pelo pagamento do saldo devedor, representado por seis prestações mensais, mediante contrato escrito, sendo que em 09.03.1995, ardilosamente, simulou a perda dos documentos originais do veículo, com o que induziu a erro o proprietário anterior, em cujo nome estava registrado no Órgão de Trânsito, que providenciou a emissão da 2ª via do DUT e o preencheu em seu nome, providenciando reconhecimento de firma, após o que procedeu à transferência do veículo para si próprio, sem reserva de domínio, vendendo-o em seguida a terceiro, como se quitado fosse, pelo que auferiu vantagem pessoal, mediante fraude, em prejuízo alheio, já que o correspondente débito do veículo recaiu sobre a pessoa do alienante, o qual se viu processado e compelido judicialmente, em face do inadimplemento das obrigações, a entregar a camioneta ao banco alienado, para o que teve de readquiri-la de quem a comprou de boa-fé, arcando com a respectiva despesa" (fl. 145).
Opinou a Comissão Disciplinante pela demissão do ora recorrente, em parecer (fls. 144/164) acolhido pelo Secretário de Segurança Pública, o que culminou na aplicação da referida pena pelo Governador do Distrito Federal (cf. DO de 10.12.1998 - fl. 23). A título de ilustração, confira-se a ementa do aludido parecer:
Delegado de Polícia. Crime infamante que incompatibiliza o servidor com o
cargo. Violação dos deveres de honestidade e lealdade à instituição. Improbidade
administrativa. Comprometimento da função.
- O Delegado de Polícia que adquire veículo com alienação fiduciária e,
mediante fraude, retira esse gravame da sua documentação, revendendo-o a
terceiro, em prejuízo do alienante, comete crime infamante contra o patrimônio,
assim considerado por sua natureza e configuração, que o incompatibiliza com o
exercício do cargo.
- A conduta, por si só, atenta contra princípios da Administração Pública (CF,
art. 37, caput), por violação dos deveres de honestidade e lealdade à Instituição
a que serve, ferindo-a em sua imagem e credibilidade perante a opinião pública,
caracterizando comprometimento da função e improbidade administrativa.
- Por essas condutas o infrator deve ser demitido do cargo, em resposta à
sociedade e aos demais policiais honestos e cumpridores de seus deveres, cuja
reputação fica comprometida em decorrência daquela censurável atuação (fl. 144).
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
Diante desse desate, o ora recorrente impetrou mandado de segurança, denegado pelo egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios em acórdão ementado nos seguintes termos:
Mandado de segurança contra ato disciplinar. Fundamentos da decisão.
Exigências. Pena de demissão. Período eleitoral. Inteligência do art. 15 da Lei n.
7.773/1989.
Se o Governador adotou os fundamentos constantes do relatório da comissão
disciplinar, com os adminículos lançados pelo Secretário de Estado e, a par desse
argumento, aplicou a penalidade, não há que se falar em decisão desfundamentada.
Enquanto o juiz somente sentencia lançando as premissas e a conclusão de mão
própria, o Administrador pode adotar os argumentos articulados pela sua assessoria
como razões de decidir.
A proibição de demissão de servidor público em período eleitoral (art. 15
da Lei n. 7.773/1989) só alcança os atos fundados em critério de conveniência ou
oportunidade, não os vinculados à prática de falta grave, cuja apuração e punição
constituem dever da autoridade (precedente jurisprudencial) (fl. 197).
Salientou a Corte a quo, em síntese, que "não se mostra desarrazoado asseverar que um Delegado de Polícia, que contra si pesa autos onde se noticia haver ele praticado fraude, certamente não terá a necessária credibilidade para lidar com pessoas que, inocentes ou devedoras, sejam igualmente apontadas como autoras da mesma conduta ou, ainda, com as vítimas da prática delituosa contra o patrimônio. Essa descrença certamente será transbordada para o Estado. Daí porque, em boa hora, o legislador estabeleceu a pena de demissão em hipótese desse jaez. E, para que essa sanção administrativa seja aplicada, basta que os fatos sejam candentes, como no caso que ensejou a demissão do impetrante. Querer mais é ir além do que a lei estabelece" (fl. 208).
Alega o recorrente, em síntese, que "não auferiu qualquer vantagem patrimonial" (fl. 218) e que foi demitido "sem nenhuma manifestação fundamentada acerca da forma e do mérito" (fl. 220). Aduz, outrossim, que "o ato do Excelentíssimo Senhor Governador do Distrito Federal, feriu frontalmente o resguardo contido no inciso V do art. 73 da Lei Eleitoral (Lei n. 9.504/1997), posto que demitiu o recorrente no período vedado pela legislação eleitoral, ou seja, nos três meses que antecedem a eleição e até a posse dos eleitos" (fl. 222).
Opina o d. Ministério Público Federal, em parecer de fls. 246/251, pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
492
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
A Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora): Inicialmente, cumpre asseverar que o recorrente não logrou demonstrar, no presente writ, que não auferiu qualquer vantagem patrimonial na operação mencionada, sendo incabível nesta via qualquer dilação probatória que o possibilite de provar o contrário.
Da mesma forma, tampouco pode prosperar sua alegação de que a decisão do Sr. Governador do Distrito Federal, que determinou sua demissão, não teria sido devidamente motivada. Consoante a jurisprudência pacífica desta Corte, "o ato que aplica penalidade a servidor público é integrado pelo acolhimento ou rejeição do relatório final elaborado pela Comissão Processante e pelo ato formalizador de imposição da sanção disciplinar, sendo regular a decisão que se fundamenta na motivação constante do relatório final daquela Comissão" (RMS n. 13.008-SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 02.02.2004).
A Lei n. 4.878/1965, que dispõe sobre o regime jurídico aplicável aos Policiais Civis da União e do Distrito Federal e, de acordo com o Excelso Supremo Tribunal Federal, não foi revogada pela Lei n. 8.112/1990 (MS n. 21.451-PR, Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ 18-06-1993), estabelece, em seu artigo 48, I, que:
Art. 48. A pena de demissão, além dos casos previstos na Lei n. 1.711, de 28
de outubro de 1952, será também aplicada quando se caracterizar:
I - crimes contra os costumes e contra o patrimônio, que, por sua natureza e
configuração, sejam considerados como infamantes, de modo a incompatibilizar o
servidor para o exercício da função policial.
Por outro lado, o artigo 73, inciso V, da Lei n. 9.504/1997, estabelece como conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais "nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito" (grifo não-original).
Destarte, de acordo com a Lei Eleitoral é vedado ao agente público em campanha eleitoral (no caso, o Governador do Distrito Federal) aplicar a pena de demissão sem justa causa ao servidor público no período disposto na lei.
Na espécie, contudo, restou evidenciada a justa causa na demissão do ora recorrente. Com efeito, o impetrante foi demitido do cargo de Delegado da
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
Polícia Civil do Distrito Federal devido à prática de crime contra o patrimônio, apurado em processo administrativo disciplinar.
Consoante asseverou a Comissão Disciplinar, em parecer de fls. 144/163, "o Delegado de Polícia que adquire veículo com alienação fiduciária e, mediante fraude, retira esse gravame da sua documentação, revendendo-o a terceiro, em prejuízo do alienante, comete crime infamante contra o patrimônio, assim considerado por sua natureza e configuração, que o incompatibiliza com o exercício do cargo."
Configurada a prática de crime que, de acordo com a legislação aplicável à Polícia Civil do Distrito Federal, determina a pena de demissão, não há que se falar em ausência de justa na causa.
No mesmo sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal:
Mandado de segurança contra ato disciplinar. Remédio cabível, em tese, por se tratar de argüição objetiva de ilegalidade, fundada exclusivamente em matéria de direito, extrínseca aos motivos da demissão impugnada e alheia à necessidade de revisão de critério político ou discricionário da autoridade. Proibição de demissão de servidor público, em período eleitoral (art. 15 da Lei n. 7.773/1989). Só alcança os atos fundados em critério de conveniência ou oportunidade, não os vinculados à prática de falta grave, cuja apuração e punição constituem dever da autoridade. Pedido indeferido (MS n. 21.001-DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, DJ 09.02.1990).
Diante do exposto, nego provimento ao recurso.
É como voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Nilson Naves: Pedi vista para meditar acerca da questão – "na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos". É que se alega que o Governador "demitiu o Recorrente no período vedado pela legislação eleitoral, ou seja, nos três meses que antecedem a eleição e até a posse dos eleitos".
Convenci-me, no entanto, de que a melhor das razões encontra-se com o acórdão recorrido, conforme bem enfatizou o Subprocurador-Geral Moacir Guimarães:
9. Sem nenhuma razão o recorrente Valmir Alves de Carvalho. O Acórdão do TJ-DF emprestou ao art. 73 da Lei n. 9.504/1997 o seu verdadeiro sentido e alcance, uma vez que o ato administrativo vinculado de caráter demissório não está albergado na hipótese impeditiva de editar-se no período eleitoral.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
10. O justo motivo para demissão do servidor faz prevalecer a regra
constitucional que consagra os princípios da moralidade, legalidade, impessoalidade,
publicidade e eficiência na administração pública direta e indireta, estabelecida no
art. 37, caput, da CF/1988.
11. Assim sendo, não está sob o resguardo da garantia constitucional da
proteção de direito líquido e certo contra abuso de poder e ilegalidade, a demissão
de servidor público precedida de procedimento investigatório e apurador da
conduta funcional infratora do servidor.
12. Trata-se de ato vinculado, cujos motivos determinantes encontram
embasamento no próprio texto constitucional que assegura aos acusados em geral o
direito de ampla defesa em qualquer procedimento administrativo ou judicial.
13. No caso não há demonstração com prova pré-constituída de nenhum
abuso ou ilegalidade, porque o art. 73 da Lei n. 9.504/1997 não conflita com a Lei
n. 8.112/1990, nem impede a instauração de processo administrativo disciplinar
contra o servidor, cuja pena expulsória encontrou suporte fático e jurídico na
investigação instaurada pelo administrador.
Ponho-me, pois, em conformidade com a Relatora. Aliás, em tal sentido, da Terceira Seção, confira-se o MS n. 7.275, Ministro Fischer, DJ de 23.04.2001. Também eu nego provimento no recurso ordinário.
RECURSO ESPECIAL N. 819.295-RJ (2006/0028463-9)
Relator: Ministro Hamilton CarvalhidoRecorrente: Maria Lúcia Coelho Caetano (Presa)Advogado: Clóvis Sahione de Araújo e outroRecorrido: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
EMENTA
Recurso especial. Homicídio duplamente qualificado. Desaforamento. Decisão que ressaltou a relevância social do Júri. Parcialidade do magistrado ou dos jurados. Inocorrência. Recurso improvido.
1. “Se o interesse da ordem pública o reclamar, ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do réu,
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
o Tribunal de Apelação, a requerimento de qualquer das partes ou mediante representação do juiz, e ouvido sempre o procurador-geral, poderá desaforar o julgamento para comarca ou termo próximo, onde não subsistam aqueles motivos, após informação do juiz, se a medida não tiver sido solicitada, de ofício, por ele próprio”. (Artigo 424 do Código de Processo Penal).
2. O despacho do magistrado de primeiro grau que reafirma a "relevância social" do julgamento, preservando sua data de realização, nada tem a ver com a imparcialidade dos jurados, nem enseja a afirmação de que "traduz em injusto pré-julgamento", a autorizar o desaforamento do julgamento do Júri popular para outra comarca.
3. Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti, Maria Thereza de Assis Moura e Nilson Naves votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.
Brasília (DF), 05 de outubro de 2006 (data do julgamento).
Ministro Hamilton Carvalhido, Relator
DJ 13.11.2006
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido: Recurso especial interposto por Maria Lúcia Coelho Caetano, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão da Oitava Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, indeferindo pedido de desaforamento, preservou o Juízo da Comarca de Natividade-RJ, como o competente para o julgamento da recorrente pela prática do delito tipificado no artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV, do Código Penal, assim ementado:
Desaforamento. Homicídio qualificado. Júri. Inexistindo motivo para suspeitar-
se da imparcialidade dos jurados ou ainda do Juiz, bem assim não estar a ordem
pública ou a segurança de quem quer que seja colocada em risco, não se concede o
desaforamento. (fl. 113).
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A insurgência está fundada na violação do artigo 424 do Código de Processo Penal, cujos termos são os seguintes:
Art. 424. Se o interesse da ordem pública o reclamar, ou houver dúvida sobre a
imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do réu, o Tribunal de Apelação,
a requerimento de qualquer das partes ou mediante representação do juiz, e ouvido
sempre o procurador-geral, poderá desaforar o julgamento para comarca ou termo
próximo, onde não subsistam aqueles motivos, após informação do juiz, se a medida
não tiver sido solicitada, de ofício, por ele próprio.
Está a recorrente em que, verbis:
(...)
Em virtude da Eminente Magistrada Simone de Freitas Moreira ter confessado
seu impedimento para presidir e processar este processo, por ser sobrinha de um
dos acusadores particulares foi designado o Dr. Juiz Marco Antônio Alves de Abreu
da Comarca de Porciúncula, que fez publicar no dia 22.03.2005 despacho no qual
afirma que:
(...) Mantenho a data já designada pois não obstante a importância de qualquer ato judicial, tenho que o presente julgamento é de maior relevância social do que qualquer outra audiência, até porque já adiado inúmeras vezes, inclusive pelo mesmo motivo. Tenho que não pode a prestação jurisdicional aqui invocada ficar a mercê da possibilidade do comparecimento de uma testemunha. (...)
Por certo, temos que o Eminente magistrado não poderia ter no despacho
afirmado que o presente julgamento é de maior relevância do que qualquer outra
audiência, tal afirmação traduz em um injusto pré-julgamento.
Vale lembrar que, conforme afirmado pelo antigo magistrado da comarca
de Natividade é uma Comarca tipicamente interiorana na qual a palavra de um
magistrado se reveste de um sentimento quase religioso, ou seja, a sociedade que
representará a Magistratura perante o Tribunal do Júri o tem como defensor das
causas públicas, ou seja, um homem que julga as causas desta sociedade de maneira
justa e imparcial.
(...)
Como se pode notar, o que se pede não é nada infundado, pois o Código
de Processo Penal em apenas um artigo regulou a matéria sobre o instituto
do desaforamento, merecendo dos operadores do Direito, sobretudo dos
Desembargadores e Ministros que compõem nossos Tribunais, a maior relevância
possível na questão da interpretação da norma e aplicação nos casos concretos
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
O art. 424 do Código de Processo Penal esclarece que para o fins de
desaforamento, basta a simples dúvida e não a prova cabal da imparcialidade
(...)
Portanto o acórdão da Oitava Câmara Criminal de forma clara e evidente
contrariou o artigo 424 do Código de Processo Penal.
(...) (fls. 133/138).
Pugna, ao final, pelo provimento do recurso, para "(...) desaforar o processo criminal que responde a Sra. Maria Lúcia Coelho Caetano para uma das Varas da Comarca da Capital que julgarão o caso sem a dúvida parcialidade" (fl. 146).
Recurso tempestivo (fl. 130), não respondido (fl.161) e inadmitido na origem (fls. 159/160).
Agravo de instrumento provido (fls. 169/171).
O Ministério Público Federal veio pelo não conhecimento do recurso, em parecer assim sumariado:
Recurso especial. Homicídio duplamente qualificado. Representação para fins
de desaforamento. Súmula n. 7 do STJ. Meras suposições acerca da falta de isenção
do magistrado. Ausência da parcialidade do júri.
Impossibilidade de conhecimento do recurso, em decorrência do disposto
na Súmula n. 7 do STJ, pois o recurso especial não se presta à revisão de fatos
assentados na segunda instância: tendo o TJRJ negado a tese da ré de que os atos
jurisdicionais do presidente do júri não repercutiram na cidade, onde se escolherão
os jurados, torna-se impossível afirmar o contrário nesta via.
O pedido de desaforamento não serve de sucedâneo à argüição de exceção de
suspeição do juiz.
As dúvidas sobre a isenção do júri exigem comprovação fundada; meras
suposições não se prestam a demonstrá-lo: jurisprudência pacífica do STJ.
Parecer pelo desprovimento do recurso. (fl. 180).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (Relator): Senhor Presidente, recurso especial interposto por Maria Lúcia Coelho Caetano, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão da Oitava Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, indeferindo pedido de desaforamento, preservou o Juízo da Comarca de
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Natividade-RJ, como o competente para o julgamento da recorrente pela prática do delito tipificado no artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV, do Código Penal, assim ementado:
Desaforamento. Homicídio qualificado. Júri. Inexistindo motivo para suspeitar-se da imparcialidade dos jurados ou ainda do Juiz, bem assim não estar a ordem pública ou a segurança de quem quer que seja colocada em risco, não se concede o desaforamento. (fl. 113).
A insurgência está fundada na violação do artigo 424 do Código de Processo Penal, cujos termos são os seguintes:
Art. 424. Se o interesse da ordem pública o reclamar, ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do réu, o Tribunal de Apelação, a requerimento de qualquer das partes ou mediante representação do juiz, e ouvido sempre o procurador-geral, poderá desaforar o julgamento para comarca ou termo próximo, onde não subsistam aqueles motivos, após informação do juiz, se a medida não tiver sido solicitada, de ofício, por ele próprio.
Está a recorrente em que, verbis:
(...)
Em virtude da eminente Magistrada Simone de Freitas Moreira ter confessado seu impedimento para presidir e processar este processo, por ser sobrinha de um dos acusadores particulares foi designado o Dr. Juiz Marco Antônio Alves de Abreu da Comarca de Porciúncula, que fez publicar no dia 22.03.2005 despacho no qual afirma que:
(...) Mantenho a data já designada pois não obstante a importância de qualquer ato judicial, tenho que o presente julgamento é de maior relevância social do que qualquer outra audiência, até porque já adiado inúmeras vezes, inclusive pelo mesmo motivo. tenho que não pode a prestação jurisdicional aqui invocada ficar a mercê da possibilidade do comparecimento de uma testemunha. (...)
Por certo, temos que o Eminente magistrado não poderia ter no despacho afirmado que o presente julgamento é de maior relevância do que qualquer outra audiência, tal afirmação traduz em um injusto pré-julgamento.
Vale lembrar que, conforme afirmado pelo antigo magistrado da comarca de Natividade é uma Comarca tipicamente interiorana na qual a palavra de um magistrado se reveste de um sentimento quase religioso, ou seja, a sociedade que representará a Magistratura perante o Tribunal do Júri o tem como defensor das causas públicas, ou seja, um homem que julga as causas desta sociedade de maneira justa e imparcial.
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
(...)
Como se pode notar, o que se pede não é nada infundado, pois o Código
de Processo Penal em apenas um artigo regulou a matéria sobre o instituto
do desaforamento, merecendo dos operadores do Direito, sobretudo dos
Desembargadores e Ministros que compõem nossos Tribunais, a maior relevância
possível na questão da interpretação da norma e aplicação nos casos concretos
O art. 424 do Código de Processo Penal esclarece que para o fins de
desaforamento, basta a simples dúvida e não a prova cabal da imparcialidade
(...)
Portanto o acórdão da Oitava Câmara Criminal de forma clara e evidente
contrariou o artigo 424 do Código de Processo Penal.
(...) (fls. 133/138).
Pugna, ao final, pelo provimento do recurso, para "(...) desaforar o processo criminal que responde a Sra. Maria Lúcia Coelho Caetano para uma das Varas da Comarca da Capital que julgarão o caso sem a dúvida parcialidade" (fl. 146).
Conheço do recurso especial, recusando, assim, o parecer do Ministério Público Federal.
É que a questão federal deduzida não reclama, para o seu deslinde, em última análise, senão o exame da letra do despacho judicial, objeto do acórdão que indeferiu o pedido de desaforamento formulado pela parte ré.
É esta a letra do despacho judicial em causa:
(...)
Oficie-se a autoridade policial local para que apresente em Juízo a testemunha
presa no dia do julgamento. Oficie-se a Penitenciária. Ciência às partes. ET. Fls.
2.146 (ofício da testemunha de defesa Dr. José Henrique Hingel, comunicando
que não comparecerá à Sessão do Julgamento do Tribunal do Juri. Dê-se ciência às
partes.
Mantenho a data já designada pois não obstante a importância de qualquer ato judicial, tenho que o presente julgamento é de maior relevância social do que qualquer outra audiência, até porque já adiado inúmeras vezes, inclusive pelo mesmo motivo. tenho que não pode a prestação jurisdicional aqui invocada ficar a mercê da possibilidade do comparecimento de uma testemunha. Ademais, a própria testemunha
já afirmou e reafirmou que nada sabe sobre os fatos. Intime-se.
Tem-se, assim, que a afirmação de que "o presente julgamento é de maior relevância social do que qualquer outra audiência", mormente no contexto em que
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
veio à luz nada tem a ver, em si mesma, com a imparcialidade dos jurados, nem enseja a assertiva de que traduz em injusto pré-julgamento, capaz de influir nos jurados.
Não há, pois, falar em violação do artigo 424 do Código de Processo Penal, que reza o seguinte:
Art. 424. Se o interesse da ordem pública o reclamar, ou houver dúvida sobre a
imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do réu, o Tribunal de Apelação,
a requerimento de qualquer das partes ou mediante representação juiz, e ouvido
sempre o procurador-geral, poderá desaforar o julgamento para comarca ou termo
próximo, onde não subsistam aqueles motivos, após a informação do juiz, se a
medida não tiver sido solicitada, de ofício, por ele próprio.
Não foi outro o entendimento em que se substancia o acórdão impugnado, assim lavrado:
Ementa: Desaforamento. Homicídio qualificado. Júri. Inexistindo motivo para suspeitar-se da imparcialidade dos jurados ou ainda do Juiz, bem assim não estar a ordem pública ou a segurança de quem quer que seja colocada em risco, não se concede o desaforamento.
(...)
No tocante a decisão do digno magistrado Marco Antônio Novaes de Abreu
reproduzida à fl. 13, nem denota atuação correta preocupação no julgamento mais
célere possível do feito.
Neste ponto, faz-se importante reproduzir trecho do voto do eminente
Desembargador Helio de Freitas, relator do anterior Desaforamento n. 8/2003 (fls.
58/59):
Efetivamente, manda o C.P.C., no artigo 125, aplicável por força do
artigo 3º do C.P.P, que o Juiz vele pela rápida solução do litígio e previna ou
reprima qualquer ato contrário à dignidade da justiça.
Alegou o advogado que não compareceu ao julgamento pelo fato de
uma de suas testemunhas, Juiz de Direito, ter oficiado ao Presidente do Júri
informando da impossibilidade de estar presente.
Por sua militância no foro criminal, é inaceitável que possa ignorar que o
artigo 222 do C.P.P. manda que a testemunha que more fora do jurisdição seja
inquirida pelo juiz do lugar de sua residência.
Por outro, o inciso I do artigo 33 da 'Loman' (Lei Complementar n. 35)
assegura ser prerrogativa do Juiz ser ouvido como testemunha, em dia, hora
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
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RSTJ, a. 20, (210): 431-501, abril/junho 2008
e local previamente ajustados com a autoridade ou juiz de instância igual ou
inferior.
Tivesse realmente a intenção de que o depoimento do Magistrado fosse
levado ao conhecimento dos Jurados, a defesa teria requerido, em tempo
oportuno, a inquirição através de carta precatória.
Na sua fundamentada decisão, o Juiz evidenciara que o pedido
de adiamento da sessão designada para aquela data fundara-se em
impossibilidade de comparecimento de uma testemunha, tendo esta declarado
que apenas poderia depor sobre conduta da ré, o que demonstra a sua não-
imprescindibilidade.
Beira à raia do absurdo entender-se que o despacho reproduzido à fl. 13 da
inicial, no trecho em que o seu prolator, mantendo a data designada para a sessão
plenária, destaca que 'não obstante a importância de qualquer ato judicial, tenho que o presente julgamento é de maior relevância social do que qualquer outra audiência, até porque já adiado inúmeras vezes, inclusive pelo mesmo motivo', significa injusto
pré-julgamento, conforme sustenta a requerente.
(...) (fl. 113).
Pelo exposto, nego provimento ao recurso.
É o voto.