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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ UECE CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA MESTRADO ACADÊMICO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - PROPGEO JUNIA DE CÁSSIA FERREIRA FIRMEZA REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA PAISAGEM SERRANA DE MARANGUAPE - CE FORTALEZA CE 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE

CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA

MESTRADO ACADÊMICO DE GEOGRAFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - PROPGEO

JUNIA DE CÁSSIA FERREIRA FIRMEZA

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA PAISAGEM SERRANA DE

MARANGUAPE - CE

FORTALEZA – CE

2015

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JUNIA DE CÁSSIA FERREIRA FIRMEZA

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA PAISAGEM SERRANA DE MARANGUAPE - CE

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado,

do Programa de Pós-Graduação em Geografia

– PROPGEO, do Centro de Ciências e

Tecnologia da Universidade Estadual do

Ceará, como requisito parcial para obtenção do

título de Mestre em Geografia.

Prof. Orientador: Dr. Otávio José Lemos

Costa.

FORTALEZA – CE

2015

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Estadual do Ceará

Sistema de Bibliotecas

Z

Firmeza, Junia de Cássia Ferreira.

Representações sociais da paisagem serrana de Maranguape

– CE [recurso eletrônico] / Junia de Cássia Ferreira

Firmeza. – 2015.

1 CD-ROM: il.; 4 ¾ pol.

CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho

acadêmico com 109 folhas, acondicionado em caixa de DVD

Slim (19 x 14 cm x 7 mm).

Dissertação (mestrado acadêmico) – Universidade Estadual

do Ceará, Centro de Ciências e Tecnologia, Programa de Pós-

Graduação em Geografia, Fortaleza, 2015.

Área de concentração: Análise Geoambiental e Ordenamento

de Territórios de Regiões Semi-áridas e Litorâneas.

Orientação: Prof. Dr. Otávio José Lemos Costa.

1. Representações sociais. 2. Fenomenologia. 3.

Percepção. 4. Paisagem. 5. Lugar. I. Título.

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AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da inteligência e da palavra e pela possibilidade de alcançar esta titulação.

Aos meus pais, Fernando da Penha (in memoriam) e Maria Cândido, pela presença constante

e apoio incondicional.

Ao meu esposo Airton Firmeza por me apresentar à Maranguape.

Ao professor Dr. Otávio José Lemos Costa pela disposição, paciência e ajuda intelectual ao

me orientar neste percurso.

Ao professor Dr. Edson Vicente da Silva, pela presteza de aceitar o convite para compor a

banca examinadora.

As professoras Dra. Cláudia Maria Magalhães Grangeiro e Dra. Tereza Maria de Jesus Ponte

Carvalho, pela amizade, incentivo e importantes contribuições acadêmicas.

A professora Denise Bomtempo pelo apoio nos momentos iniciais de grandes incertezas

acadêmicas para composição desta dissertação.

Aos inestimáveis professores Dr. Francisco José da Silva pelo incentivo nesta caminhada

acadêmica e Dr. Raimundo Santiago dos Santos pelas sábias palavras.

Aos meus queridos companheiros de turma: Adriana, Débora, Evelise, Francisco Leandro,

Graziele, Leandro Cavalcante, Luciano, Jáder Ribeiro, Rafael, Rafaela, Washington e Sahra.

Ao corpo docente e técnico-administrativo do Mestrado Acadêmico em Geografia, em

particular às secretárias Adriana e Júlia.

As pessoas que gentilmente participaram desta pesquisa.

Enfim, agradeço a todos que contribuíram direta e indiretamente para este trabalho

dissertativo.

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Dedico este trabalho aos meus pais, Fernando

(in memoriam) e Maria, pelo eterno e sincero

apoio, zelo e amor no decorrer da minha vida.

Às minhas filhas, Jordanya e Jocasya, e ao

meu neto João Victor, como contribuição para

um futuro melhor em que a intelectualidade

não sobrepuje o amor e o respeito ao homem e

à natureza.

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Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por

ciência, eu o sei a partir de uma visão minha

ou de uma experiência do mundo sem a qual

os símbolos da ciência não poderiam dizer

nada [...] Retornar às coisas mesmas é

retornar a este mundo anterior ao

conhecimento do qual o conhecimento sempre

fala. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 3).

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RESUMO

A Geografia é uma ciência que se preocupa em estudar a organização e a reorganização do

espaço pelo homem recorrendo a informações que sintetizem leituras das paisagens e seus

movimentos. A paisagem por sua vez, apresenta-se como resultado de um movimento

temporal e espacial que vai construindo uma combinação dinâmica de elementos da natureza

e da sociedade nos quais vão se transformando ao longo de um processo histórico. Nessa

perspectiva, o objetivo geral desta pesquisa foi compreender o fenômeno das representações

sociais inseridas no contexto da paisagem serrana de Maranguape (CE). Os objetivos

específicos foram: caracterizar a paisagem serrana de Maranguape em seus aspectos

socioambientais e inserir a problematização das representações sociais no processo

investigativo em que se formularam as bases naturais e sociais da paisagem em estudo.

Analisar os conceitos do senso comum através das representações sociais da paisagem

possibilita pensar o espaço geográfico com a aproximação dos conhecimentos elaborados

pelas experiências e vivências da realidade local. Estabelecer relações entre sociedade e

paisagem é entender que esta interação constrói o espaço vivido. O método empregado na

pesquisa foi o fenomenológico-hermenêutico, pois possibilita a experiência íntima do sujeito

com o objeto de estudo. Para obtenção de dados utilizou-se além da pesquisa bibliográfica, a

técnica verbal, baseada em entrevistas abertas com roteiro mínimo. Na avaliação dos

resultados foi observado o conteúdo das entrevistas e o comportamento do entrevistado

considerando os momentos em que expressaram as emoções, que não puderam ser captadas

nas palavras. A análise do discurso possibilitou o entendimento do sentido que os moradores

locais deixam explícito nas falas numa aproximação de como se constrói ou se reconstrói a

paisagem do lugar, interpretada pelas palavras que expõem também, as contradições e

conflitos dessa realidade. Os resultados da pesquisa possibilitaram a compreensão da

construção das práticas cotidianas nas representações sociais da paisagem. Pôde-se concluir

que, as diferenças afetivas dos indivíduos com o lugar provocam uma diferenciação quanto ao

uso que se faz da serra, que tem íntima relação com as formas de uso e ocupação do solo. Para

aqueles moradores antigos a paisagem serrana é um complemento de suas vidas, é a sua

própria casa, pois os remete a lembranças de momentos felizes da infância e da juventude.

Esse sentimento é semelhante aos das crianças que veem à serra como um quintal, com

brincadeiras e frutas abundantes. Para entrevistados jovens e adultos a paisagem serrana de

Maranguape os esconde da vida, pois não lhes dá outra perspectiva que não seja a agricultura,

segundo estes a paisagem natural não serve se não for bem aproveitada com outras formas de

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renda para os residentes locais. Estes aspectos permitem observar como a paisagem pode ter

significados e interesses diversos que merecem atenção especial para implantação de políticas

públicas conciliadas à proteção ambiental que atendam as perspectivas dos indivíduos ali

residentes.

Palavras chave: Representações sociais. Fenomenologia. Percepção. Paisagem. Lugar.

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ABSTRACT

The Geography is a science that is concerned to study the organization and reorganization of

space by man using information to summarize readings of landscapes and their movements.

The landscape in turn, is presented as a result of temporal and spatial movement that builds a

dynamic combination of elements of nature and of society in which are transformed over a

historical process. From this perspective, the objective of this research was to understand the

phenomenon of social representations within the context of the mountainous landscape of

Maranguape (CE). The specific objectives were: to characterize the mountainous landscape of

Maranguape in its social and environmental aspects and insert the questioning of social

representations in the investigative process in which formulated the natural and social bases of

the landscape under study. Observing, understanding and analyzing the concepts of common

sense through the social representations of the landscape allows thinking the geographical

space with the approach of the knowledge produced by the experiments and experiences of

the local reality. Establishing relations between society and landscape is to understand that

this interaction builds living space. The method used in the study was the phenomenological-

hermeneutic because it enables the intimate experience of the subject to the object of study.

For data collection was used in addition to literature, verbal technique, based on open

interviews with minimum script. In assessing the results noted the contents of the interviews

and the respondent's behavior considering the times that expressed the emotions that could not

be captured in words. A discourse analysis allowed the understanding of the direction that the

locals leave explicit in speeches in approaching how to build or rebuild the landscape of the

place, interpreted by the words that expose too, the contradictions and conflicts that reality.

The survey results enabled the apprehension of the meaning of words as the understanding of

the construction of their daily practices in the social representations of the landscape. It could

be concluded that the emotional differences of individuals with the place cause a

differentiation as to the use made of the mountain, which has a close relationship with forms

of land use and occupation. For those who own vacation homes the natural landscape is a

magnet for leisure and idleness. As for former residents of the mountain landscape is a

complement of their lives, it's your own home, because refers to memories of happy times of

childhood and youth. This feeling is similar to children who come to saw as an amusement

park only with jokes and abundant fruit. for adults interviewed the mountainous landscape of

Maranguape small mountain hide from life, is that it gives them another perspective other

than agriculture, according to this point, the natural landscape is of no use if it is not

propperly good in use with other forms of income for local residents. These aspects allow us

to observe how the landscape can have different meanings and interests that deserve special

attention to implementation of public policies reconciled with environmental protection that

meet the perspectives of individuals living there.

keywords: Social representations. Phenomenology. Perception. Landscape. Place.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Foto 1 - Vista panorâmica da Serra de Maranguape ........................................................... 30

Foto 2 - Foto de casa de veraneio no alto da serra .............................................................. 75

Foto 3 - Guabiraba ............................................................................................................ 78

Foto 4 - Conversa embaixo de uma árvore na Estrada do Pirapora. .................................... 78

Foto 5 - A Comunidade dos Marianos ............................................................................... 79

Foto 6 - Lixo que se mistura com a água do rio no Salto dos Peixes .................................. 80

Foto 7 - Entrada da comunidade Salto dos Peixes .............................................................. 81

Foto 8 - No Salto dos Peixes presença de encanação clandestina despejando água servida

no rio ................................................................................................................... 82

Foto 9 - Rua da comunidade do Salto dos Peixes .............................................................. 83

Foto 10 - Sr. Luiz orgulhoso do lugar em que vive ............................................................ 84

Foto 11 - Bananeiras plantadas em meio à vegetação nativa da serra ................................. 85

Foto 12 - Laura em meio às fruteiras que plantou .............................................................. 86

Foto 13 - Laura e seu avô cuidando da pequena lavoura .................................................... 87

Foto 14 - Crianças brincando no rio Pirapora .................................................................... 88

Foto 15 - Pousada de propriedade da Sra. “Ana” ............................................................... 89

Foto 16 - Vista lateral da pousada a 400 m de altitude na Serra de Maranguape. Estrada

do Gavião......................................................................................................... 90

Foto 17 - Maranguape vista da Pousada na Estrada do Gavião........................................... 91

Foto 18 - Visão panorâmica do pátio interno da Pousada ................................................... 91

Foto 19 - Estrada do Pirapora. Local de devoção aos orixás .............................................. 92

Foto 20 - Carla e sua criança em meio à vegetação que circunda sua casa ......................... 93

Mapa 1 – Mapa de localização de Maranguape – CE ......................................................... 24

Mapa 2 – Mapa político de Maranguape – CE ................................................................... 25

Quadro 1 – Categorias principais encontradas nas entrevistas ............................................ 96

Quadro 2 - Subcategorias encontradas da paisagem serrana de Maranguape ...................... 96

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 12

2. CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIOESPACIAL DE MARANGUAPE ....................... 24

2.1 MARANGUAPE: COMPREENDENDO A HISTÓRIA DO LUGAR ......................... 26

2.2 PADRÃO FISIOGRÁFICO DA PAISAGEM SERRANA DE MARANGUAPE ........ 29

3. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: UMA ABORDAGEM CONCEITUAL ............... 40

3.1. CONCEITO DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ...................................................... 40

3.2. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A GEOGRAFIA .................................................. 55

4. DISCUTINDO PAISAGEM, PERCEPÇÃO E LUGAR ............................................... 60

4.1. PAISAGEM ENQUANTO CONCRETUDE DO ESPAÇO ........................................ 60

4.2. PERCEPÇÃO ............................................................................................................ 68

4.3 PAISAGEM, PERCEPÇÃO E LUGAR ...................................................................... 71

5. O OBJETO DA PESQUISA ....................................................................................... 74

5.1. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA PAISAGEM SERRANA DE

MARANGUAPE.. ............................................................................................................ 74

5.2 ANÁLISE E RESULTADO DAS ENTREVISTAS..................................................... 76

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 99

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO............................................................................. 102

APÊNDICE A- GUIA DE ENTREVISTAS COM PALAVRAS GATILHO ............... 109

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1. INTRODUÇÃO

Compreender as representações sociais enquanto elementos simbólicos significa

verificar a maneira pela qual os indivíduos através de palavras e gestos se identificam e se

relacionam com seu entorno. Dessa forma, objetos, pessoas, símbolos e por extensão a

paisagem refletem possibilidades para compor o quadro das representações sociais. Nas

palavras, as representações sociais se utilizam da linguagem oral ou escrita para expressar

seus pensamentos, suas opiniões sobre determinado fato ou objeto. As mensagens daí

originadas passam a ser construídas socialmente, a partir de situações reais e concretas

vivenciadas por aqueles que as emitem.

Para que se possa utilizar o termo “representações sociais” é imprescindível a

análise contextual em que os indivíduos estão inseridos, sendo necessário entender como estas

representações sociais são construídas ao longo do tempo pelas mensagens deixadas pelos

indivíduos e suas diferenças culturais, socioeconômicas, étnicas que compõem uma paisagem.

Sabe-se que estudar o fenômeno das representações sociais da paisagem exige

mais do que a percepção simplista da visualização. Exige também, uma ampliação desta

percepção, numa procura da compreensão de mensagens deixadas numa determinada

realidade, observando suas diferenças, dificuldades e até o entendimento crítico acerca da

realidade.

A compreensão das representações sociais permite então, entender o discurso do

indivíduo e confrontá-lo com a prática cotidiana. A paisagem que se discute é vista sob a ótica

de que tem íntima relação com os sujeitos que a compõem, tendo em vista que são eles, que

de certa forma, a constroem e a reconstroem num dinamismo que pode justificar o valor que

dão ao lugar.

O recorte empírico desta pesquisa foi a Serra de Maranguape situada no município

homônimo nas comunidades de: Guabiraba, Riacho Pirapora, Salto dos Peixes, Marianos e no

alto da serra com moradores locais. A paisagem serrana abordada foi aquela a partir da cota

de 100 m. de altitude em relação ao nível do mar, tendo em vista que se trata de uma área

protegida por lei desde 1993, na qual as comunidades ali instaladas tiveram que se adaptar a

essa condição mudando hábitos e costumes.

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Cabe ao olhar geográfico, compreender a paisagem que ali se manifesta em seus

aspectos naturais e sociais pela formação cognitiva e pelo imaginário coletivo sobre a

paisagem como elemento da afetividade com o lugar e como reflexo da produção e

reprodução do espaço.

Nessa perspectiva de análise, entende-se que o sujeito ao formar sua própria

representação sobre um objeto, o adequa ao seu próprio comportamento, pela sua história e

seu contexto social. A partir da compreensão de que as representações sociais possibilitam

interpretar e pensar as posições dos indivíduos frente as suas realidades cotidianas, as ações

de um indivíduo não apenas nos permite concluir suas concepções de mundo, mas nos

permite também deduzir suas orientações para a ação. Isso nos permite formular a seguinte

problematização: como se constrói a base natural e social da paisagem através da percepção

das representações sociais como indicadores das práticas cotidianas?

As representações sociais são conhecimentos práticos, do senso comum, que

oferecem sentido aos objetos ou situações que representam a realidade pela atividade mental

dos indivíduos ou grupos, de modo a fixar suas posições acerca dos objetos e das situações

cotidianas que lhes dizem respeito. Neste direcionamento, constrói-se a hipótese pela qual os

moradores que vivem na Serra de Maranguape estabelecem uma relação com a paisagem,

delineando atitudes e percepções em seu contexto natural e social que orientam os elementos

que compõem a realidade das comunidades que ali residem.

Esta proposta de pesquisa teve como objetivo geral compreender o fenômeno das

representações sociais inseridas no contexto da paisagem na Serra de Maranguape (CE) a

partir do entendimento daquele espaço como lugar experienciado e vivido. Como objetivo

específico buscou-se caracterizar a paisagem serrana de Maranguape em seus aspectos

socioambientais; inserindo a problematização das representações sociais no processo

investigativo.

Observar, perceber e analisar conceitos, como o de paisagem, sob a perspectiva

das representações sociais oferece a possibilidade de refletir sobre o conhecimento do espaço

geográfico através do conhecimento da realidade local. Estabelecer relações entre sociedade e

paisagem é entender que esta interação constrói o espaço em que se vive. Por isso que neste

projeto se enfatiza o estudo da paisagem serrana de Maranguape a partir da compreensão das

estratégias de sobrevivência das comunidades levando em consideração tanto os aspectos

naturais quanto os sociais atrelados ao fenômeno das representações sociais.

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Na contextualização de seus conceitos chave a Geografia se preocupa em

compreender a organização e a reorganização do espaço pelo homem. Trabalha com

diferentes linguagens e imagens recorrendo a informações que sintetizem diversos tempos que

façam da espacialização uma referência da leitura das paisagens e seus movimentos. Para a

Geografia, a paisagem é um conceito chave, que identifica o espaço em um determinado

contexto histórico, pois quando se deseja abordar o pensar e o agir dessas comunidades

serranas refletidos na criação e recriação das paisagens, procura-se desvendar a subjetividade

que se esconde por traz de cada prática do homem na produção do espaço (PISSINATI;

ARCHELA, 2009).

Entende-se ser necessário observar que a paisagem. Não é um amontoado de

elementos naturais e culturais que se arranjam no espaço. A paisagem se apresenta como

resultado de um movimento temporal e espacial que vai construindo uma combinação

dinâmica de elementos da natureza e da sociedade, os quais vão se transformando ao longo de

um processo histórico.

A observação e a interpretação da ação da sociedade com relação à paisagem

possibilita a compreensão da trama que envolve as relações entre sociedade e natureza e que

estão objetivadas no espaço. Isso contribui para uma compreensão do mundo e configura,

portanto, uma representação socioespacial da paisagem na qual está vinculada à percepção.

Neste sentido:

A dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que chega aos

sentidos. Por isso, o aparelho cognitivo tem importância crucial nessa apreensão, pelo fato de que toda nossa educação, formal ou informal, é feita

de forma seletiva, pessoas diferentes apresentam diversas versões do mesmo

fato. (SANTOS, 1988, p. 62)

A percepção sobre o modo de vida do indivíduo é permeada de aspectos

comportamentais correlacionados com as emoções, pensamentos e ações, assim como

também, com as práticas ambientais traduzidas pelo equilíbrio dos elementos espaciais

dispostos no meio correspondendo à própria natureza e ações humanas que estão refletidas

nas paisagens.

Essa percepção contém uma linha de argumentação pautada na existência real do

indivíduo, que diz respeito não só à produção material de suas necessidades, mas também às

ideias, ambas provenientes de suas relações com a natureza e com seus entes sociais. É nessa

valorização da apropriação do espaço pela sociedade que reside a forma singular da

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interpretação geográfica da paisagem e outras áreas do conhecimento. Ao geógrafo cabe ler a

sociedade pela paisagem que esta produz, pois na paisagem está contida a história da relação

sociedade-natureza.

Este trabalho aborda a paisagem como concretude do espaço. É uma pesquisa de

caráter qualitativo fundamentado na metodologia fenomenológica. O método fenomenológico

permite “uma reflexão filosófica interpretativa ou compreensiva sobre os símbolos e os mitos

em geral” (SPOSITO, 2004, p. 25). Compreender as representações sociais da paisagem sob o

arcabouço metodológico fenomenológico-hermenêutico possibilita a experiência íntima do

sujeito com o objeto de estudo, além de ser o método que melhor se adéqua para se trabalhar

em recortes pequenos como na Serra de Maranguape.

Na perspectiva fenomenológica a materialidade do espaço é dotada de

significações específicas para cada indivíduo, que caracterizam a objetividade, mas que

também, são compartilhadas por vários indivíduos, configurando a subjetividade. Tentando

transpor o dualismo entre os modos subjetivo e objetivo de compreensão da experiência

encontra-se o método fenomenológico.

Muitos estudos fenomenológicos enfatizam a natureza dialógica das relações

entre as pessoas e os lugares ... Os fenomenologistas afirmam teoricamente que esses ambientes (environments) ("worldlt) têm um papel dinâmico na

experiência humana mas, inclusive na prática, eles implicitamente submetem

este dinamismo ao diálogo no qual aos agentes humanos atribuem

significado. (BUTTIMER, 1985: 284).

O método fenomenológico contribui para desvendar o diálogo entre os indivíduos

e a subjetividade do seu mundo que se refletem na paisagem serrana de Maranguape. As

características ambientais e culturais da serra provocam no morador experiências e vivências

que compõem essa subjetividade e que, tem a possibilidade de serem desvendadas pelo

método fenomenológico.

A diferença essencial deste método em relação a outros métodos de investigação

está pautada na distinção entre comportamento e experiência, isto é, na relação do corpo e da

mente e a relação da pessoa e o mundo, concordando com Buttimer (1982, p. 176-177) que

diz: “A pessoa (corpo, mente, emoção, vontade) e mundo estão engajados nos processos e

padrões observáveis no comportamento evidente”.

A leitura fenomenológica de mundo é entendida no contexto pelo qual a

consciência é revelada. O mundo se encontra ancorado num passado e direcionado para um

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futuro, é um horizonte compartilhado, no qual cada indivíduo o constrói de um modo

singular. Os indivíduos investigados nesta pesquisa, uma vez conscientes do mundo vivido e

experienciado apreendem os horizontes compartilhados do mundo de outras pessoas, como

nas comunidades serranas de Maranguape.

A Fenomenologia ao propiciar condições e forças que se unem na experiência

humana do mundo,convida os indivíduos a buscarem denominadores comuns nas

experiências uns com os outros a partir das suas próprias experiências. Estas condições são

encontradas nas facetas rotineiras da vida cotidiana, no conceito fenomenológico e

existencialista do mundo vivido, no vasto campo das vidas individual e coletiva do sujeito.

Para Husserl (1986) a Fenomenologia é uma volta ao mundo vivido, ao mundo da

experiência, o ponto de partida de todas as ciências e propõe-se a descrever o fenômeno, e não

explicá-lo ou buscar relações causais, volta-se para as coisas mesmas como elas se

manifestam.

Essa ideia de mundo vivido surge como faceta anterior a reflexão, que são dadas

como certas pela experiência diária, na qual os significados não são questionados e

determinantes do comportamento. Trata-se de um procedimento para descrever o mundo

cotidiano do homem, a partir da experiência imediata, suas ações, lembranças, desejos e

percepções. O espaço nesta concepção é um “[...] conjunto contínuo e dinâmico, no qual o

experimentador vive, desloca-se e busca um significado. É um horizonte vivido ao longo do

qual as coisas e as pessoas são percebidas e valorizadas” (SCHRAG apud BUTTIMER, 1982,

p. 174).

A partir deste contexto de experiência de sujeitos cognoscentes organizados em

sociedade, o espaço social, torna-se o palco material e objetivo das relações sociais, que é

construído subjetivamente, na região, no lugar, na paisagem da serra de Maranguape, como

exemplos.

Diante da escolha de tal método, a abordagem qualitativa é a mais adequada nesta

dissertação. A metodologia qualitativa teve origem nos estudos antropológicos e sociológicos

da década de 1930, pelos ingleses Sidney e Beatrice Webb, com a obra Methods of social

study, na qual fazem investigações empíricas sobre a história laboral e as condições da vida

dos pobres em Londres.

No entanto, já se observava a presença desta metodologia na “Escola de Chicago”

(1910), nos Estados Unidos, na década de 1910 por iniciativa de sociólogos preocupados em

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compreender os problemas enfrentados pela cidade, devido a uma rápida expansão urbana e

crescimento demográfico provocado pelo acelerado desenvolvimento industrial das grandes

cidades do Centro-Oeste norte americano (AGUIAR, 2011).

Somente a partir da década de 1960, quando um contexto de mudanças sociais

iniciadas na Europa ao se espalharem pelo mundo, fez surgir a mobilização de grupos

minoritários reivindicando direitos sociais, políticos, sexuais e de gênero o que contribuiu

para que a abordagem qualitativa nas pesquisas sociais se tornasse uma metodologia

apropriada para essa compreensão.

A escolha da abordagem qualitativa foi motivada pela possibilidade de

interatividade entre sujeito/objeto, pois ao ir à busca das representações sociais da paisagem

num determinado espaço é necessário que haja integração entre pesquisado e pesquisador. No

caso da serra em estudo, esta abordagem permitiu o entrosamento da pesquisadora com a

população das comunidades locais, favorecendo a confiança e consequentemente, a fluidez

das informações a respeito do objeto da pesquisa. Porém, com o devido cuidado para que a

pesquisadora não se tornasse apenas o sujeito que foi recolher dados daqueles que estão ali

dispostos a fornecê-los, de modo que se evite o esquema estímulo-resposta. Daí porque se ter

escolhido também a associação de livres palavras.

Segundo Spink (2004), existem três formas de obtenção de dados que são mais

usuais: as técnicas verbais, baseadas usualmente em entrevistas abertas e com roteiro mínimo;

as de associação livre a partir de palavras-estímulo, de caráter menos hermenêutico; e as

técnicas projetivas, ou não verbais, como o desenho. Nesta pesquisa foi utilizada a entrevista

aberta com roteiro mínimo, e a de livre associação, não se limitando às perguntas, podendo

envolver outros assuntos relacionados à pesquisa de acordo com o entrevistado e os fatos que

têm a revelar.

A associação livre de palavras é uma técnica projetiva desenvolvida por Jung e

adaptada para a Psicologia Social por Di Giacomo. É uma investigação aberta utilizada

atualmente com o intuito de evidenciar universos semânticos, por meio da evocação de

respostas procedente de estímulos indutores (NÓBREGA; 2003). Os estímulos indutores

serra, paisagem e lugar foram utilizados neste estudo para evidenciar o universo dos sujeitos.

Nesse sentido, deve-se atentar para dois aspectos importantes para uma avaliação

mais eficiente dos resultados da entrevista: o conteúdo da entrevista e o comportamento do

entrevistado. O conteúdo da entrevista é formado pelo conjunto de dados relatados sobre o

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objeto pesquisado. Já o comportamento constitui a maneira como o entrevistado age durante a

entrevista, são considerados os momentos que expressam as emoções, que não podem ser

captadas em palavras.

Para Sá (1998, p. 71/72):

A quantidade e a forma das informações sobre o objeto, assim como o meio

pelos quais elas se tornam acessíveis para o sujeito, o grau de interesse

intrínseco ou externo que o objeto desperta e a necessidade mais ou menos premente de seu conhecimento para o grupo são variáveis que certamente

afetarão – e por isso poderão explicar, pelo menos parcialmente – o conteúdo

e a estrutura da representação.

A partir desse entendimento, os métodos de estudo em representações sociais se

apresentam de forma diversa, cabe destacar as duas perspectivas mais comuns que são a

ênfase nas condições de produção e o uso de material espontâneo. A ênfase nas condições de

produção do resultado do material coletado diz respeito ao entendimento ou não do

conhecimento apenas no âmbito cognitivo e procura compreender as condições sociais que o

engendram, o contexto de onde ele surge, circula e se transforma.

O uso de material espontâneo se volta para a manifestação das informações

dialógicas que formam e reformam as representações, sejam aquelas introduzidas por

questões, expressas livremente em entrevistas ou já cristalizadas em produções sociais, como

livros, documentos e mídia escrita, por exemplo (SÁ, 1998).

As entrevistas ocorreram no período de fevereiro de 2014 a março de 2015, com

pequenos intervalos ocasionados pelo período chuvoso que dificultou a visita a alguns

trechos, como na comunidade dos Marianos, Salto dos Peixes e nas porções mais altas da

serra, devido aos desmoronamentos de encostas.

O contato com os sujeitos se deu em suas próprias residências, ao ar livre nos

momentos de lazer e trabalho. As entrevistas realizadas com os moradores da Serra de

Maranguape possibilitaram tanto a apreensão do sentido das falas quanto à compreensão da

construção de suas práticas cotidianas através das observações da ancoragem e da objetivação

propostas por Moscovici (2009) nas representações sociais da paisagem.

De acordo com Nóbrega (2002), a associação livre de palavras é uma técnica

projetiva desenvolvida por Jung e adaptada para a Psicologia Social por Di Giacomo. É uma

investigação aberta utilizada atualmente com o intuito de evidenciar universos semânticos,

por meio da evocação de respostas procedente de estímulos indutores (NÓBREGA; 2003). Os

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estímulos indutores serra, paisagem e lugar foram utilizados neste estudo para evidenciar o

universo dos sujeitos.

Nesse sentido, deve-se atentar para dois aspectos importantes para uma avaliação

mais eficiente dos resultados da entrevista: o conteúdo da entrevista e o comportamento do

entrevistado. O conteúdo da entrevista é formado pelo conjunto de dados relatados sobre o

objeto pesquisado. Já o comportamento constitui a maneira como o entrevistado age durante a

entrevista, são considerados os momentos que expressam as emoções, que não podem ser

captadas em palavras.

Para Sá (1998, p. 71/72):

A quantidade e a forma das informações sobre o objeto, assim como o meio pelos quais elas se tornam acessíveis para o sujeito, o grau de interesse

intrínseco ou externo que o objeto desperta e a necessidade mais ou menos

premente de seu conhecimento para o grupo são variáveis que certamente afetarão – e por isso poderão explicar, pelo menos parcialmente – o conteúdo

e a estrutura da representação.

Para compreensão das informações a partir das falas dos indivíduos escolheu-se a

análise de conteúdo, que se resume na descrição de dados simbólicos a partir de unidades de

registro do texto. Na análise de conteúdo há uma reunião dos dados segundo um significado

comum de primeira ordem (dados brutos) e sua associação a categorias de análise relativas,

concordantes com a problemática da pesquisa (SOUZA FILHO, 2004). O autor articulando a

análise de conteúdo com a teoria moscoviciana.

A análise do discurso nesta argumenta que:

Em Psicologia Social, a abordagem das representações sociais adota a

Análise de Conteúdo aberta para observar o conhecimento informal em

relação a objetos específicos. Neste último caso, o analista não só procura inferir elementos de conteúdo isolados e combinados, como se faria em

qualquer análise de comportamento e estrutural, mas, igualmente, considera-

os como expressão da autonomia cognoscitiva do sujeito, que também procura transformar a realidade social e natural. (SOUZA FILHO, 2004, p.

322)

A dissertação possibilitou o entendimento do sentido que os moradores da Serra

de Maranguape deixam explícito ou implícito em seus discursos numa aproximação de como

se constrói ou se reconstrói a paisagem do lugar, interpretados pelas palavras que expõem

também, as contradições e conflitos dessa realidade, como nos diz Minayo (2004). A

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explicação de fenômenos e conceitos dessa paisagem através das falas pode ser considerada

um modo puro e sensível das ideologias dentro das relações sociais que deixam à mostra essa

construção coletiva da paisagem.

As falas mostram a cultura que permeia o contexto social, as intenções e as

práticas dos indivíduos nas relações sociais, daí o reconhecimento de que isso não é tarefa

fácil, mas ao realizar a análise em si, pretende-se interpretar e captar o sentido não aparente

das falas. Para isso, pretende-se criar um conjunto de categorias das palavras que surgirem

com maior frequência. Segundo Abric (1994) essa categorização possibilitará a verificação

de que realmente se tratam de elementos que fazem parte da representação social em estudo.

Bardin (1992) sugeriu seis etapas sucessivas que em relação à estratégia de

observação de material simbólico a partir de dados brutos: a pré-análise, a codificação, a

categorização, o tratamento de dados, a inferência e a interpretação dos dados.

A pré-análise, em que o analista intui quais seriam os parâmetros e variáveis de

relevância para a existência de uma dada problemática social, fazendo as considerações

básicas para a obtenção do material que constituirá uma amostra; a codificação, ou escolha do

tipo de recorte ou unidade de registro simbólico às quais se adequarão o material levantado,

incluindo-se nesse momento a definição de categorias e a quantificação destas; a

categorização, atividade de classificar os conjuntos de elementos diferenciados de acordo com

características simbólicas definidas através de analogias genéricas; o tratamento de dados,

basicamente estatístico; a inferência, em que se sintetiza o resultado do tratamento.

Rey (2002) aponta que muitos dados são produzidos por meio do contato entre

campo/sujeitos/objeto, havendo interação entre estes elementos, se rompe o esquema

estímulo-resposta, principalmente ao se trabalhar com sujeitos, pois, a singularidade é

marcada pela subjetividade social e pessoal destes.

É justamente esta subjetividade que, em momentos pode até se mostrar

contraditória, possibilita observar como os indivíduos veem o mundo, como criam e

transformam o espaço, como produzem e como se apropriam da terra, que vão se refletindo na

paisagem permeada pela realidade que vai se concretizando e se exteriorizando de cada

indivíduo. Diante deste enfoque, a abordagem qualitativa possibilita que se compreenda

aquilo que o indivíduo diz, mas principalmente, como ele o faz, considerando, neste caso dos

moradores da Serra de Maranguape, tanto as emoções quanto os significados que dão ao seu

mundo, ao seu lugar.

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Neste tipo de abordagem o trabalho empírico é tido como o momento da

construção teórica e não somente da coleta de dados, da classificação e análise destes para que

somente após se transformarem em teoria. Na abordagem qualitativa tanto a teoria quanto a o

trabalho empírico são processos dinâmicos, continuamente construídos. De acordo com Rey

(2002, p. 65): “A teoria não representa uma dimensão supra-individual capaz de tornar algo

sagrado, mas uma ferramenta do pensamento a ser questionado, o que por sua vez conduz a

novas ideias”. Dessa forma os dados coletados podem se tornarem constructos teóricos.

O estudo de caso de acordo com Yin (2001, p. 19), “é a estratégia ideal para o

pesquisador que tem pouco controle sobre os fatos e quando o foco se encontra em fenômenos

contemporâneos inseridos em algum lugar da vida real”. Assim, a opção pelo estudo de caso

surgiu do desejo de se compreender fenômenos sociais complexos, pois permite que na

investigação se preservem as características e significâncias dos fenômenos da vida real.

Nesse sentido, a Serra de Maranguape, não foi vista como foco em si, mas como referência

para se detectar o fenômeno das representações sociais da paisagem, numa espacialização do

objeto de estudo.

A dimensão do espaço vivido, do lugar, através da valoração subjetiva do afetivo

representada na paisagem sob a ótica fenomenológica permite a descrever o objeto e suas

relações a partir do ponto de vista individual. Para Bourdieu (1979) é através da capacidade

de produzir práticas e objetos passíveis de classificação e capacidade de apreciar e diferenciar

essas práticas e objetos que se origina o mundo social das representações, o espaço dos estilos

de vida.

Nesta pesquisa seguiram-se os seguintes procedimentos metodológicos:

- Levantamento bibliográfico, que foi realizado sempre que necessário no decorrer

da pesquisa em bibliotecas, sites oficiais da CAPES, CNPq e em publicações que tratem do

assunto. Os procedimentos do trabalho de gabinete foram: análise e catalogação do material

escolhido; elaboração do roteiro de pesquisa, juntamente com o orientador, assim como a

escolha da população e elaboração do guia de entrevista; busca de material fotográfico

anterior a esta pesquisa, assim como a elaboração de novos materiais; análise dos dados

obtidos; diagnóstico da pesquisa; elaboração preliminar dos resultados da pesquisa.

- O trabalho empírico se constituiu de fases ou momentos: no primeiro momento

foi realizado contato com os 30 (trinta) indivíduos escolhidos aleatoriamente e como critério

de inclusão foi que o indivíduo seja morador da serra. Em um segundo momento se deram as

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entrevistas com as devidas anotações buscando a produção de dados nas percepções dos

indivíduos. Alguns equipamentos também auxiliaram na coleta de dados como: de áudio

(gravadores) e de imagens (câmera fotográfica) de modo a possibilitar melhor captação de

informações e a compreensão das formas de pensar e agir destes indivíduos.

Os procedimentos do método fenomenológico de acordo com Martins (1992) são

a descrição fenomenológica e a redução fenomenológica. A descrição fenomenológica terá

início com uma descrição da situação vivida no cotidiano. O pesquisador obterá depoimentos sobre o

que está diante dos seus olhos, tal como aparece. Esses depoimentos descrevem “a presença do

dado”, não a sua existência (Husserl, 1986). É importante a atitude fenomenológica adotada

pelo pesquisador, que lhe permite abertura para viver a experiência de uma forma tal qual

como ele se mostra pelo entrevistado, ou seja, de forma gestáltica. Assim, se buscará a

compreensão do significado das palavras e gestos na sua totalidade, apresentada pelos

indivíduos da Serra de Maranguape tentando isolar todo e qualquer julgamento pré-

estabelecido que interfira na descrição do fenômeno pesquisado, a representação social da

paisagem.

Esse procedimento teve como objetivo deixar de lado todo e qualquer

pensamento, concepções, julgamentos pré-concebidos para ressaltar aqueles dos sujeitos da

pesquisa. Dessa forma, ao se trabalhar com a descrição do fenômeno, pode-se captar sua

essência, a parte mais invariável da experiência entre os indivíduos, contextualizada na Serra

de Maranguape, o que se persegue nesta pesquisa.

A redução fenomenológica diz respeito a análise crítica das informações colhidas.

A partir da descrição no seu formato original, que será devidamente indicada como a fala do

sujeito para análise da experiência vivida, sem interferência de pensamentos pessoais ou

teóricos que no momento interferem no rigor do ouvir a descrição. Feito isto, será realizada

uma categorização dos dados da descrição, identificando no discurso do sujeito palavras

significativas e mais prevalentes buscando a compreensão do significado que nelas estão ou

não contidos.

Para melhor organização das informações esta dissertação encontra-se dividida em

quatro partes. A primeira parte compreende a parte introdutória na qual é justificado o

arcabouço teórico que irá compor o objeto, bem como será evidenciado a problematização,

hipótese, objetivos e justificativa, faz-se também, a abordagem do método e dos

procedimentos metodológicos da pesquisa que guiaram os trabalhos de gabinete e de campo.

Justifica-se a abordagem do método fenomenológico, que se mostrou adequado e apresenta-se

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o instrumento de coleta de dados, a entrevista aberta, enfocando a importância da escuta das

falas dos sujeitos, e ainda aponta a análise do discurso para a compreensão das informações

colhidas nestas falas.

Na segunda parte faz-se a apresentação do lócus da pesquisa através de uma

abordagem contextualizada de Maranguape numa incursão a sua história, abordando o início

do seu povoamento, seus aspectos demográficos e a influência da industrialização na sua

urbanização, com enfoque na Serra que tem o mesmo nome do município. No que diz respeito

à serra, mostra-se seus aspectos ambientais e humanos apresentando as comunidades que se

inserem nesta.

Na terceira parte busca-se realizar uma prospecção teórica sobre a Teoria das

Representações Sociais, no esteio teórico a partir de autores como Serge Moscovici (2009,

1994, 1984, 1978 e 1961), das ideias de psicologia coletiva de Durkhiem (1983) e a

abordagem geográfica das representações sociais com autores como Tuan (1980, 1983), Kozel

(2002), Bailly (1986). Discute-se a categoria geográfica paisagem, desde sua ligação com a

pintura de lugares até a paisagem cultural nos dias atuais através dos estudos de autores como:

Bertrand (1971), Ab’Sáber (2005), Sauer (1998), dentre outros.

Na quarta discute-se o objeto da dissertação, no qual através da análise do real,

procura-se projetar os resultados da pesquisa no bojo das representações sociais da Serra de

Maranguape. Nesta parte evidencia-se o que foi colhido das falas dos indivíduos sobre as

representações sociais da paisagem do lugar a partir das suas vivência e experiências

cotidianas de pertencerem a um ambiente tão rico pelos seus dotes naturais, ao mesmo tempo

em que se observa a pobreza financeira e material local.

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2. CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIOESPACIAL DE MARANGUAPE

O presente capítulo apresenta o município de Maranguape (Mapa 1) em seu

contexto socioespacial. Maranguape está situada no nordeste do Estado do Ceará, no sopé da

serra homônima, a 30 km distante de Fortaleza. Possui uma área de 654,8 km².

MAPA 1 - Localização de Maranguape na Região Metropolitana de Fortaleza, com

destaque para a Serra de Maranguape

Ao norte, Maranguape limita-se com Caucaia e Maracanaú; ao sul com Caridade,

Palmácia e Guaiúba; a leste com Guaiúba, Maracanaú e Pacatuba e a oeste com Pentecoste e

Caridade. O município tem 120.405 habitantes distribuídos nos distritos de Amanari,

Tanques, Cachoeira, Ladeira Grande, Lagoa do Juvenal, Papara, Manoel Guedes, Penedo,

Itapebussu, Sapupara, Jubaia, Antônio Marques, Vertentes do Lajedo, Umarizeiras, Lages e

São João do Amanari (BRASIL/IBGE, 2013). (Mapa 2)

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MAPA 2 – Mapa político do município de Maranguape – CE.

Fonte: IPECE. 2002.

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2.1 MARANGUAPE: COMPREENDENDO A HISTÓRIA DO LUGAR

Segundo o historiador cearense Juarez Leitão (2008) existem controvérsias sobre

a denominação Maranguape, havendo concordância apenas quanto a sua origem ser tupi-

guarani. A primeira versão, a que tem menos adeptos, argumenta que o vocábulo seria mara

(árvore), angai (de nenhuma maneira) e guape (comer). Dessa forma o resultado seria: árvore

que não se come. Uma segunda versão diz que a palavra Maranguape se origina da expressão

indígena maramonhang, que quer dizer guerreiro, sabedor de guerra. Uma terceira, que é a

defendida por José de Alencar, diz que Maranguape ou maraguaba quer dizer: árvore ou fruto

que se come. De acordo com Leitão (2008), o historiador João Brígido, após analisar todas as

versões anteriores, conclui que Maranguape é a unção de mara e goá, que quer dizer vale da

batalha.

A tradição local diz que Maranguape teria sido um chefe indígena, grande

guerreiro que, após liderar por muitos anos sua tribo da nação Potiguara, velho e cego,

abandonou o litoral e recolheu-se ao sopé da serra, até que um dia se deixou devorar por

formigas pretas e seu corpo foi encontrado posteriormente completamente deteriorado.

As origens civilizadoras do município datam do século XVII, quando a frota de

Matias Beck, composta de três iates e outras embarcações menores, chegou ao Ceará,

conduzindo aproximadamente 298 homens, entre soldados, índios e negros escravos. O

capitão holandês fundou na baía de Mucuripe, construindo o Forte Schoenenborch, na foz do

rio Pajeú, em cujo entorno se desenvolveu o povoado que mais tarde seria a vila de Fortaleza

de Nova Bragança (MARANGUAPE, 2014).

Ao tomarem conhecimento da existência de minas de prata na região, mais

exatamente no monte Itarema, atual Serra da Aratanha, que ficava nas proximidades de onde

acampavam e também da Serra de Maranguape, se aproveitaram da hostilidade dos índios

locais, os potiguaras, para com os portugueses, por meio de promessas e presentes,

conseguiram o apoio dos indígenas para conseguir indicação precisa do local exato onde se

encontravam as cobiçadas jazidas e assim explorar o que se anunciava como uma riqueza da

terra. Dessa forma, no período de 1649 a 1654, período da permanência dos holandeses no

Ceará, se deu a extração da prata de modo a compensar os gastos com a mineração. No

entanto, o baixo valor da prata, o volume extraído e os gastos em reagentes que se tinha para

apurá-la não compensava pelo baixo valor de venda na Europa (LEITÃO, 2008).

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Com a expulsão dos holandeses do Brasil, a presença do homem branco nas terras

do atual município de Maranguape, foi suspensa por um longo período, para recomeçar

somente no início do século seguinte com as primeiras concessões de sesmarias feitas pela

Coroa Portuguesa. Segundo Leitão (2008), os beneficiários foram: Pedro da Silva e Antônio

Moraes (1707), Jorge Silva (1711), Capitão Soares de Oliveira (1717) e José Gonçalves

Ferreira Ramos e Felipe Lourenço (1790). Apesar das concessões, nem todos assumiram as

terras coo foi o caso de José Paes de Sousa, que em 1731, recebeu do Coronel José Vitoriano

Borges da Fonseca, então governador da Província do Siará-Grande, a sesmaria de três léguas

de terra no serrote de Gereraú e nunca a assumiu.

Revisitando ando a história do Ceará encontram-se registros de que em 1707,

Gabriel da Silva Lago concedeu aos índios de Parangaba a exploração das sobras de terra que

existiam desde a Lagoa do Caracu (Aracuzinho), passando pela Serra de Sapupara até as

encostas da Serra de Maranguape. Em 1718, o Capitão-Mor Manuel da Fonseca Mota

concedeu a posse de terras na Serra de Maranguape aos índios de Parangaba. Em 1722,

Manuel Fonseca concedeu terras para o cultivo na Serra de Pitaguari, Pacatuba e Sapupara ao

chefe e moradores da Aldeia Nova. Curioso na história do Estado, melhor dizendo, não

somente na história do Ceará, mas no país todo, que essas concessões foram dadas aos

verdadeiros donos da terra, os indígenas, como uma benevolência a estes. (BRASIL, 2014)

O povoamento de Maranguape se deve ao emigrante português Joaquim Lopes de

Abreu, com o pedido à Capitania do Siará-Grande de três léguas de terra, no que hoje é a

cidade de Maranguape, para erguer um engenho de açúcar. Assim, já casado e com uma

numerosa família, nos primórdios do Século XIX, em concordância com a Coroa Portuguesa,

entrou no domínio de algumas sesmarias incorporando-as a outras anteriormente compradas,

acrescentando ao cultivo da cana de açúcar, o de café.

Maranguape surgiu do arruamento à margem do riacho Pirapora, no que hoje se

chama de Outra Banda, local em que construiu uma capela para atender aos anseios religiosos

dos moradores (convocados por Joaquim Lopes de Abreu para trabalhar nas atividades

agrícolas, especialmente na cultura do café).

A qualidade natural de suas terras passou a interessar as autoridades da Província,

até que em 1760, João Baltazar Homem de Magalhães, Capitão-Mor, criou o Distrito de

Maranguape, pertencente aos domínios de Fortaleza. Já no período de 1851 a 1852 a produção

de café da Província era obtida quase toda nas serras de Maranguape.

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Em 1875, Maranguape tem forte impulso econômico com a inauguração da linha

férrea da Estrada de Ferro Baturité, que funcionou até sua desativação em 1963. Na segunda

metade do século XIX, mais uma leva de portugueses iniciam mais uma atividade econômica,

a plantação de cana-de-açúcar e a produção de cachaça.

Maranguape por ser uma das mais antigas cidades da Região Metropolitana de

Fortaleza tornou-se investidora de incentivos fiscais para absorção de novas indústrias. A

chegada de indústrias na sede do município contribuiu grandemente para a aceleração da

urbanização e expansão comercial. Segundo o IBGE (2013) o município conta com uma

população estimada de 120.405 habitantes, em 2010 era de 113.561, distribuídos numa aterá

de 590 km2, com uma densidade demográfica de 192.19 habitantes por km

2. O Atlas Brasil

2013 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento diz que seu Índice de

Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é de 0,659 em 2010.

O censo demográfico de 2010 aponta para uma população total de 113.561

habitantes, sendo que destes 56.619 são homens e 56.942 são mulheres. Dos habitantes do

sexo masculino encontram-se 3.866 crianças de 1 a 4 anos; e 6.242 com idade de 10 a 14

anos; são 6.033 homens de 15 a 19 anos de idade, de 20 a 34 anos de idade são 15.818 e de

70 a 99 anos somam 2.213 homens. De toda a população masculina predominam uma

população jovem na faixa escolar e outra adulta quase nos mesmos índices, sendo forte

indicador de demanda por emprego. Os índices apontam para outras demandas também, como

escolas e atendimento de saúde. Quanto à população feminina, o município conta com 56.942

mulheres, sendo que, 3.508 estão na faixa etária entre 1 a 4 anos; 5.599 de 10 a 14 anos de

idade; de 15 a 19 anos de idade são 5.858; de 20 a 34 anos são 15.751 e de 70 a 99 anos são

2.695. Da população feminina 12.827 da área rural e 44.115 da área urbana.

De acordo com estes dados estatísticos, se observa que a população feminina é

pouco superior à masculina. Prevalecem as mulheres na fase adulta, ficando logo atrás a

população jovem e infantil. As mulheres predominam nos empregos das indústrias locais,

como as do setor de peças íntimas femininas, confecções de roupas e bordados. A distribuição

populacional de Maranguape mostra um índice urbano maior que o rural. O aumento da

população urbana é justificado pela expansão industrial e do setor de serviços do município

desde os anos de 1970, quando são oferecidos mais empregos e surgem mais atrações na

cidade. No entanto, nas visitas preliminares desta pesquisa ao município e às comunidades

serranas em particular, percebeu-se que na população rural a pobreza predomina, bem como

os agrupamentos subnormais com a ocupação indevida de encostas.

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Em linhas gerais, deve-se às características geográficas e topográficas, o sítio de

Maranguape, localizado entre a serra, a oeste, e as fazendas, terras institucionalmente

indisponíveis, riachos e córregos, a leste, produz um tipo de desenvolvimento linear, sentido

norte-sul. O elemento ordenador deste desenvolvimento é a rodovia CE-065, que liga

Fortaleza ao município e, no sentido sul, vai conectando seus 17 distritos, chegando até

Canindé e Palmácia.

2.2 PADRÃO FISIOGRÁFICO DA PAISAGEM SERRANA DE

MARANGUAPE

Anteriormente à presença do homem a natureza já havia se manifestado em sua

plenitude caracterizando a paisagem natural, moldada pelos significativos processos naturais

os quais são responsáveis pela produção e distinção originais dessa paisagem pela superfície

terrestre. A cobertura vegetal é o que mais marca o aspecto visual de cada paisagem, é o

elemento natural mais frágil e dependente dos demais, assim como das atividades humanas de

produção e reprodução do espaço, daí porque a cobertura vegetal poder ser considerada a

síntese da paisagem. Ela depende do solo e do clima, que com seus vários elementos,

favorecem ou impedem o desenvolvimento de determinada cobertura vegetal. No entanto, a

vegetação não depende unicamente destes dois elementos, depende sim, dos vários elementos

que compõem o ambiente podendo adaptar-se a ele adquirindo características próprias, ou

sofrer danos irreversíveis, dependendo de suas particularidades, da força e da continuidade

das intervenções nela realizadas.

A descrição da paisagem física da Serra de Maranguape assume forma própria de

enclave úmido numa região semiárida. Um dos fatores que mais contribuem para seu desenho

é o clima, que é o Tropical Quente Úmido. As serras úmidas cearenses apresentam melhores

condições naturais no contexto semiárido, são consideradas área de exceção ou enclave

paisagístico. A Serra de Maranguape é composta por um pequeno maciço residual cristalino

que se destaca, topograficamente, entre a depressão sertaneja e a superfície dos tabuleiros pré-

litorâneos. Seu ponto mais alto é a Pedra da Rajada com 920 metros de altitude, nas

coordenadas 3°53'44,2"S e 38°43'20,8"W. Nessa área de farta vegetação tem-se um

verdadeiro remanescente de Mata Atlântica. A figura a seguir mostra uma visão panorâmica

da Serra de Maranguape.

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30

FOTO 1- Vista panorâmica da Serra de Maranguape. Outubro/2013

.

A Serra de Maranguape apresenta particularidades morfológicas e ambientais

semelhantes aos demais maciços úmidos e subúmidos do Ceará. Caracteriza-se por relevo

acidentado e declividades acentuadas. Sua superfície topograficamente elevada de relevo

serrano está submetida à influência de mesoclimas de altitude, contrastando com a paisagem

semiárida do interior cearense. Tem solos predominantemente argissolos, a boa fertilidade

destes são favorecidas pelas chuvas abundantes e regulares. Possui clima bem diferenciado do

conjunto do Estado do Ceará e as melhores condições de umidade atmosférica com

pluviometria mais alta. Estas condições favorecem a formação de florestas com espécies de

elevado porte no alto das encostas e no topo da serra favorecendo agricultura diferenciada,

porém com certo cuidado (CEARÁ/SEMACE, 2005).

A serra por reunir aspectos naturais próprios de maciços subúmidos possui uma

Área de Proteção Ambiental da Serra de Maranguape (APA da Serra de Maranguape) criada

pelo Poder Público Municipal a partir da Lei Nº 1168, de 08 de julho de 1993, visando um

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melhor controle sobre o ecossistema da serra. A APA tem por objetivos específicos proteger

as comunidades bióticas nativas, as nascentes, as vertentes e os solos além de proporcionar à

população da área métodos e técnicas apropriadas ao uso do solo, de maneira a não interferir

no funcionamento dos refúgios ecológicos e desenvolver junto a comunidade uma consciência

ecológica e conservacionista. Apesar de ter sido criada em 1993, somente a partir de 1998

iniciaram-se as ações para a implantação da referida APA com a criação do Comitê Gestor em

junho de 1999, que é responsável pelo seu gerenciamento.

De acordo com o Zoneamento Ambiental e Plano de Gestão da APA da Serra de

Maranguape (CEARÁ/SEMACE, 2002), as feições da paisagem serrana local mostra um

relevo montanhoso, entre 45 a 74% de declividade, cujo solo com gradiente textural

considerado alto, em que o teor de argila do B é elevado em relação ao do A, permitem

afirmar que os processos erosivos se mostram como maior fator de limitação. Dessa forma,

nas vertentes íngremes da serra não se deve utilizar agricultura, principalmente com culturas

anuais que favorecem a esses processos e em particular a bananeira. Isso ocorre devido a

dificuldade de mecanização do solo e sua alta susceptibilidade à erosão.

A fitoecologia da Serra de Maranguape, de acordo com Silva e Fernandes

(CEARÁ, 2002) recebe influência das brisas marinhas no sentido SE, ESE e E favorecendo a

umidade. O clima e o solo, dadas as variações altimétricas, estabelecem uma zonalidade

altitudinal que determina a fisionomia e a composição florística vegetacional e as formas de

uso e ocupação do solo. A fisionomia permite identificar três conjuntos florísticos: Arboreto

Climático Estacional Caducifólio representado pela Caatinga, Arboreto Climático Estacional

Semicaducifólio representado pela mata seca e o Arboreto Climático Perenifólio, representado

pela Mata úmida.

A serra possui um forte potencial ecológico e turístico, dadas suas características

naturais. Ao passo em que esta oferece um ambiente propício para moradia e lazer, estimulou

ocupações e práticas de uso do solo indevidas intervindo na paisagem natural da serra.

A Serra de Maranguape apresenta características morfológicas e ambientais semelhantes aos demais maciços úmidos e subúmidos do Ceará. [...] as

intervenções antrópicas, relacionadas com desmatamento das encostas e

chuvas torrenciais, originou movimentos de massa em diversos pontos das

vertentes, provocando a remobilização do solo, deslizamentos e desmoronamentos. (MEIRELES, 2007, p. 161)

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Nesta Serra predomina ainda o cultivo de banana. A intensificação desta cultura

acompanhada de queimadas e desmatamentos para outros fins acarretam sérios problemas

ambientais como erosão do solo e deslizamentos de encostas em períodos chuvosos. Esta

cultura se apresenta tanto em locais não indicados como nas vertentes, assim como também

em locais de terreno plano, onde a terra é bastante explorada também, com a agricultura de

subsistência contribuindo para a degradação ambiental.

Também faz parte desta paisagem serrana os sítios, pousadas e alguns

aglomerados humanos que formam pequenas comunidades ou núcleos como são chamados

administrativamente no município. Destas, as mais representativas são: do Alto dos Marianos

e os Estevãos, e como os nomes indicam, estes núcleos foram formados a partir da instalação

de antigas famílias que com o passar dos anos não se desfizeram de suas propriedades,

formando assim, um aglomerado de famílias conforme seu crescimento. Essas atividades

humanas deixam marcadas suas impressões em meio à paisagem natural como, por exemplo,

modificando o sistema de drenagem pela construção de pequenas barragens artificiais e

piscinas naturais, principalmente por pousadas e o clube Cascatinha.

SOUZA (2014, s/p.) ao falar da sistemática desestruturação dos macrodomínios

naturais, em particular nas serras úmidas, afirma que se pode observar a presença de:

Desmatamentos desordenados e sem critérios conservacionistas; ocupação de vertentes sem qualquer obediência ao Código Florestal; erosão dos solos;

degradação da vegetação de nascentes fluviais; colmatagem de fraturas e

comprometimento da recarga dos aquíferos; empobrecimento da biodiversidade; uso indiscriminado de agrotóxicos; descaracterização das

paisagens serranas, dentre outros.

Apesar desses aspectos negativos que, também caracterizam a paisagem serrana

de Maranguape, ela ainda se encontra em bom estado de conservação, graças à criação da

Área de Proteção Ambiental da Serra de Maranguape em 1993 e aos apelos das comunidades

mais antigas e ambientalistas frente aos problemas ambientais que já se observava.

O escritor maranguapense José Aurélio Saraiva Câmara registrou a paisagem da

Serra de Maranguape nas seguintes palavras:

A serra é fértil e bela. De Fortaleza ela é vista esbatendo ao longe seu perfil

anguloso, azulado no horizonte, inspiradora talvez da evocação romântica de

Alencar numa página que lembra todas as serras do Ceará. Cortada de

córregos que serpenteiam entre árvores seculares, está hoje entremeada de sítios aprazíveis onde se erguem belas vivendas da burguesia rica de

Fortaleza. A temperatura é amena e a vegetação é verde, há relativa

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abundância de água. Comoas outras serras do estado, é um hiato na

paisagem seca do Ceará. Sua floresta, no princípio do século, era vasta e

exuberante. Contudo, por sobre a serra e suas encostas, ainda avulta o verde das maçarandubas, dos jatobás, das canafístulas, das tatajubas, dos cedros

escassos e dos angicos frondosos, entre os quais se entremeiam o amarelo e

o roxo dos paus d’arco senhoriais. Esse império verde se derrama pelo sopé

da serra, balizando a zona formada pelas terras ricas dos aluviões que as águas arrastam das encostas. (CÂMARA, 1999, p.11)

A Serra de Maranguape, rica de natureza e inspiradora de poetas, possibilitou a

Catulo da Paixão inspiração para escrever a conhecida canção “Luar do Sertão” perpetuada na

voz do sanfoneiro Luiz Gonzaga. A explicação para tal canção segundo o autor (apud

LEITÃO, 2008) é esta:

“Quase todos os domingos ia à Maranguape, ao sítio do velho José de Moura,

sertanejo muito estimado e divertido, onde se reuniam grupos de moças e rapazes

em animados piqueniques. Foi nessas reuniões na casa do velho Moura que

aprendi a tocar violão. A natureza exuberante da Serra de Maranguape, com suas

matas verdejantes, com suas cascatas rumorejando, com seus pássaros em festa,

foi minha maior fonte de inspiração. O vulto azul daquela serra com seu dorso

arqueado fixou-se indelevelmente na minha retina. A cidade, nesse tempo, não

possuía iluminação e as suas noites de luar eram deslumbradas. Foi pensando nas

noites enluaradas de Maranguape que escrevi ‘Luar do Sertão’”.

LUAR DO SERTÃO

Não há, ó gente, ó não

Luar como esse do sertão

Não há, ó gente, ó não

Luar como esse do sertão.

Oh! que saudade do luar da minha terra

Lá na serra branquejando folhas secas pelo chão

Este luar cá da cidade tão escuro

Não tem aquela saudade do luar lá do sertão.

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Não há, ó gente, ó não

Luar como esse do sertão

Não há, ó gente, ó não

Luar como esse do sertão.

Se a lua nasce por detrás da verde mata

Mais parece um sol de prata prateando a solidão

E a gente pega na viola que ponteia

E a canção e a lua cheia a nos nascer do coração.

Não há, ó gente, ó não

Luar como esse do sertão

Não há, ó gente, ó não

Luar como esse do sertão.

Mas como é lindo ver depois por entre o mato

Deslizar calmo, regato, transparente como um véu

No leito azul das suas águas murmurando

E por sua vez roubando as estrelas lá do céu.

Não há, ó gente, ó não

Luar como esse do sertão

Não há, ó gente, ó não

Luar como esse do sertão.

Leitão (2008, p. 26) ainda registra a poesia de Pedro Mavignier, advogado e

boêmio da cidade:

MARANGUAPE

Na divisão das terras existentes

foi pródiga demais a Natureza,

legando rios, mares, ilhas, montes

e sol e mar distante na grandeza.

Porções de terra em desiguais partilhas

tanto ao poente como no levante,

destaca-se ganhando vulto em milhas

Mas sem a graça natural constante.

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A nossa Maranguape, com duas serras

que além se elevam, invejando as terras

que não lograram tão real beleza,

ficou lá nas alturas, soberana,

tendo no verde eterno de liana

os dois tronos iguais da natureza.

Merece destaque também, a palavras do trovador maranguapense Moreira Lopes:

MARANGUAPE

Estou cheio de lembrança

Do Maranguape querido

De meu tempo de criança,

Um feliz tempo vivido,

Lá de cima da colina

Posso ver meu Maranguape...

A beleza me fascina,

Não há nada que me escape.

É mais que um belo jardim

Nossa querida cidade...

E exala olor de jasmim

Pra nossa felicidade.

Pra nossa felicidade,

Esta terra fabulosa

Desnuda toda bondade

De sua gente garbosa.

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De sua gente garbosa.

Feliz e sempre a trovar

Oferecendo uma rosa

Para o trovador sonhar.

Lembro do banho nas piscinas

Em Maranguape, na serra,

E o sorriso das meninas

Com a alegria que ele encerra.

Maranguape, que beleza,

Sua serra é majestosa

E exprime toda grandeza

Sesta terra fabulosa.

Que a nós todos faz bem

É contente a beleza

Que só Maranguape tem

Por causa da sua natureza.

A nossa Mãe-natureza

Caprichou naquela serra

Dando-lhe intensa beleza

Jamais vista nesta terra.

É tão linda nossa serra,

Depois de chuvas intensas

Que até o verde que encerra,

A alimentar nossas crenças!

No leito do Gavião,

Em minha terra querida,

Inspirei meu coração

Pra fazer trova sentida.

Eis minha terra querida,

Maranguape, meu torrão,

Que faz feliz minha vida,

E alegra meu coração.

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A Maranguape querida

É perto de Fortaleza,

Sua serra consolida

Nosso amor à

natureza.

As condições ambientais, culturais e econômicas de Maranguape favorecem

também diversão para todos os gostos:

Trilha ecológica do Sítio São Paulo: são percorridos 5 km durante 6

horas pelos pontos: Parque Rio Gavião, cachoeira do Sítio Jenipapeiro,

espécies de Pau Alho, mirante do Sítio São Paulo, cachoeira da Pousada

Serra Verde, cachoeira do Sítio São Paulo, Cruzeiros (Militão e Gentil).

Trilha ecológica da Pedra da Rajada: está 900 m de altitude nesta trilha

percorrem-se 14 km em 8 horas pelos pontos: Cruzeiros (Militão e Gentil),

Orquidário Dr. Pompeu, Pousada Serra Verde, Mirante da Linha, mata

úmida, cachoeira dos Mouras, Mirante da Pedra da Rajada.

Fazenda Nazaré: oferece trilhas para passeios de charretes e/ou cavalos

marchadores; passeio de barco apreciando bucólica paisagem; Visita

externa à indústria de queijos, acompanhada por uma degustação na

lojinha da fábrica; visitas à horta caseira, criação de bovinos, ovinos e

suínos.

Pousadas: Pousada Maranguape (no Centro de Maranguape); Pousada

Encanto da Serra a 400 m de altitude, localiza-se na Estrada do Cruzeiro,

Serra do Gavião; Acampamento Vale do Vento (na Ladeira Grande);

Pousada Tom Feliz (ao pé da serra); Pousada Pirapora (na Estrada

Pirapora).

Clubes: Cascatinha Park Hotel (na Estrada Gavião, com chalés e parque

aquático com piscinas naturais); Clube de Voo Livre de Maranguape;

Selva Paintball (em Salto dos Peixes); Pesque - Pague Barreto (na Ladeira

Grande).

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Y-Park e Museu da Cachaça: onde funcionou a primeira unidade de

produção de cachaça Ypioca. Possui um acervo arquitetônico e cultural do

século XIX, oferece atrações como tirolesa, passeios de caiaque, arco e

flecha, escalada, entre outras.

Outro atrativo são os eventos culturais como: Festa de São Sebastião (20

de janeiro), Carnaval das Cinzas (fevereiro), Farinhada e Cavalgada -

Cachoeira (em março - sábado que antecede o dia 19 de março), Festival

do Feijão verde - Cachoeira (abril), Festival Nacional do humor (agosto),

Festival junino (junho), Festa de Santa Ana - Cacimbão (16 a 26 de julho),

Feira de Artesanato (agosto), Dia da Independência (7 de setembro), Festa

de Nossa Senhora da Penha (8 de setembro), Vaquejada - Itapebussu (fim

de setembro), Festa de São Miguel - Itapebuçu (29 de setembro), Festa de

Nossa Senhora do Rosário - Umarizeiras (7 de outubro), Dia do Município

(17 de novembro), Parada Pela Diversidade Sexual de Maranguape (último

domingo de novembro), Festa de Santa Luzia - Lages (3 a 13 de

dezembro), Corrida de Jumentos em Lages, Réveillon da cidade (31 de

dezembro), Festejos do Distrito de Tanques 11 á 21 de Setembro (Terceiro

Sábado do Mês de Setembro), Festa de Santa Terezinha - 1º de Outubro,

Festa de Nossa Senhora da Conceição (28 de Nov. a 08 de Dez) - Paróquia

de Tabatinga.

Maranguape hoje se apresenta multifacetada. Se, há algum tempo atrás somente a

beleza cênica das áreas urbanas e da serra, o clima ameno, a vida calma, seus belíssimos

artesanatos em barro e bordados chamavam atenção, na atualidade incorporaram-se a estes,

atrações esportivas, culturais e a presença de outras indústrias além da precursora Ypioca,

tem-se no setor calçadista a americana Dakota, a Liko – Nordeste e Paema embalagens, entre

outras dos setores eletroeletrônico e químico que dão ao município maior valor

socioeconômico com a empregabilidade da população local.

A estrutura origina-se das atividades econômicas ligadas aos períodos históricos

da cultura do algodão, do café e dos engenhos de cana-de-açúcar. Por conta do

desenvolvimento físico à margem da serra ocorre com frequência a presença de açudes

criados para armazenar águas das encostas. Estes açudes, Amanari, Vila Nova, Escorrego,

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Bragantino e Penedo têm muita importância em relação ao lazer das populações ao redor,

como também dos habitantes da sede. Cumprem também funções ligadas à pesca e à irrigação

de pequenas agriculturas. Hoje, Maranguape tem como atividades principais a cultura de

subsistência, pesca em açudes, além do cultivo da fruticultura e da floricultura.

A conservação da natureza é uma das prioridades destacadas nos Projetos

Estruturantes de Maranguape, com a proposição do Parque Ecológico do Rio Pirapora e a

implantação da Área de Proteção Ambiental de Maranguape. A sequência de povoados

residentes na serra faz parte da sua beleza paisagística além da recreação à margem dos

açudes e de alguns exemplos de arquitetura tradicional da região, originários do período

econômico do algodão, do café e dos engenhos. Podem ser citados também, o tradicional

Museu da Cachaça, o patrimônio cultural de Maranguape e das tradições do artesanato.

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3. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: UMA ABORDAGEM CONCEITUAL

Neste capítulo será discutida a Teoria das Representações Sociais que surgiu na

Psicologia Social de Durkheim. Sérge Moscovici, criador da teoria, buscou explicar os

fenômenos humanos a partir de uma perspectiva coletiva sem, no entanto, perder o enfoque da

individualidade. Mostra-se aqui que as representações sociais apresentam-se como uma

maneira de interpretar e pensar a realidade cotidiana através de dois processos: o da

objetivação e o da ancoragem.

3.1. O CONCEITO DE REPRESENTAÇÃO SOCIAL

As representações sociais são uma abordagem psicossocial do conhecimento que

busca uma compreensão do homem na sua totalidade, ou seja, enquanto ser pensante age e

sente por meio de uma relação dialética com o meio circundante. Sá (2004, p. 19) entende

representações sociais como um termo que: “[...] designa tanto um conjunto de fenômenos

quanto o conceito que os engloba e a teoria construída para explicá-lo, identificando um vasto

campo de estudo psicossociológicos”.

A Teoria das Representações Sociais na área da psicologia social foi proposta por

Serge Moscovici, tendo como ponto de partida o conceito de “representações coletivas” de

Durkheim. Pode-se separar em duas fases os estudos sobre Representações. Na primeira,

destacam-se: Simel, Weber e Durkheim. Para Simel, a representação possibilitava as ações

recíprocas entre os indivíduos; para Weber ela era o que impulsionava a ação dos indivíduos,

em um saber comum com poder de antecipar e prescrever o comportamento dos indivíduos

(OLIVEIRA, 2004).

Émile Durkheim, porém, foi o precursor do conceito de representações

coletivas. Para Durkheim (1978), a ciência ao estudar as representações, deveria separar o

indivíduo e o social, para compor um todo, entendia também, que as regras que

comandavam a vida individual não seriam as mesmas que regem a vida coletiva, isso é, a

regra das representações individuais não são as mesmas das representações coletivas.

Segundo ele, deveria se reconhecer a diferença entre o individual e o coletivo, tendo em

vista que, a base da representação individual seria a consciência própria de cada um. Daí ser

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ela subjetiva, flutuante e perigosa à ordem social. Porém, a base da representação coletiva

era a sociedade como um todo e, assim, seria impessoal e ao mesmo tempo permanente,

assegurando dessa forma, o elo inseparável entre os indivíduos e a harmonia da sociedade.

Serge Moscovici, psicólogo social francês, trouxe uma discussão que dava outro

valor ao conceito de representações coletivas proposto por Durkheim. Moscovici substituiu o

termo representações coletivas por representações sociais. Tinha a preocupação em

compreender como os grupos sociais, seus atos e ideias (ou imagens) constituíam e

transformavam a sociedade. Essa relação passou a ser perseguida por ele desde 1961, com a

publicação de sua tese de doutorado, reeditada e revisada em 1976, intitulada “Psychanalyse,

son image et son publique”.

Nesse estudo Moscovici, parte do princípio de que o conhecimento tanto é

produto quanto processo de construção do indivíduo que se transforma com o tempo. Existem

também as resistências em aceitar novos conhecimentos no que se chama de círculos fechados

de algumas ciências, assim como para a sua aceitação em domínio público mais amplo. A

diferença está no contexto de sua produção, a resistência a novas concepções encontra seu

embate pelos pressupostos teóricos e metodológicos, que em função destes mesmos

conseguem ser superados nos domínios públicos.

Segundo Moscovici (1961) essa resistência ocorre de acordo com os critérios

culturais, daí o porquê da existência das diferenciações de um grupo e outro, fazendo com que

o conhecimento se apropriasse de formas e significados multifacetados, observando-se o

modo pelo qual ocorre o processo de difusão, propaganda e renovação temática, teórica e

metodológica da psicologia social.

Moscovici passava a estudar as várias maneiras pelas quais a psicanálise era

percebida ou representada, difundida na sociedade parisiense através de uma rica discussão

sobre a relação entre linguagem e representação, entre o individual e o social. As conclusões

deste trabalho tiveram novos adeptos.

A segunda fase de estudos sobre as representações coletivas se deu com as

pesquisas de Lewy-Bruhl, Piaget e Freud, nas quais se valorizava mais à dinâmica dessas

representações do que ao seu caráter coletivo. Piaget seguiu Durkheim concordando que há

evolução nas formas de representação; Levy-Bruhl entendia que propagação entre os variados

segmentos culturais da sociedade. É justamente esse conhecimento que passa a ser criado e

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recriado graças aos sistemas próprios de valor que Moscovici chamou de representações

sociais.

Essa era a discussão da socialização da psicanálise através de uma psicologia do

conhecimento, na qual os fenômenos, o conceito e a teoria das Representações Sociais só

podem ser bem apreendidas, no contexto de um processo em que uma mesma cultura pode

criar diferentes representações, logo não existiriam empréstimos ou substituições entre elas,

mas sim, saltos ou revoluções.

Para Lewy-Bruhl o que importava era a coerência dos sentimentos, raciocínios e

movimentos da vida mental coletiva, assim os indivíduos sofriam influências da sociedade na

qual se inserem daí por que demonstram sentimentos comuns, entendidos como

representação. Na concepção de Lewy-Bruhl a diferença entre uma sociedade e outra não é o

grau de inteligência de seus membros, mas sim o tipo de lógica de que cada uma se utiliza

para pensar sua realidade concreta. As representações coletivas dele obedecem leis da

participação e ele não acreditava que as explicações puramente lógicas, mas si Apesar de

seus estudos de certa forma, superarem Durkheim, acabou por criar outra oposição que seria

entre os mecanismos lógicos e psicológicos das representações (OLIVEIRA, 2004).

No que diz respeito aos estudos de Piaget em suas pesquisas as diferenças entre

as crianças e os adultos não se tratavam de competência, mas de diferentes formas de pensar.

Quanto às diferenciações lógicas das formas de pensar entre diferentes tipos de sociedades.

Transfere para o indivíduo o princípio de Lewy-Bruhl, contribuindo assim, para o

entendimento acerca dos aspectos psíquicos da representação social. Piaget preocupou-se com

os aspectos lógicos e biológicos do desenvolvimento da criança (MOSCOVICI, 1989).

Já quanto aos estudos de Freud, ao desenvolver pesquisas sobre paralisia histérica

e tratamento psíquico, preocupava-se em como as representações passam do coletivo para o

individual, assim como também, em como o social intervém na representação individual. Para

Moscovici Freud foi o responsável por trazer à tona a interiorização que transforma o

resultado coletivo em dado individual e marca o caráter da pessoa. Dessa forma, o caráter

seria a expressão de teorias geradas pelas crianças, começando na família sendo,

paulatinamente, substituídas por outras, ao passo em que as crianças vão ampliando suas

relações sociais.

Estes estudiosos preocupavam-se mais com o caráter coletivo das representações

do que propriamente com seu conteúdo ou sua dinâmica. Com a negação das explicações

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essencialmente sociais de Durkheim e das essencialmente cognitivistas, de Piaget passava a se

firmar as ideias sobre Representações Sociais de Moscovici (FARR, 1994).

As ideias de Moscovici sobre o assunto não pairavam num consenso de aceitação.

Um dos mais importantes seguidores desse pensamento renovador da psicologia social de

Moscovici sobre a Teoria das Representações Sociais foi o inglês Robert Farr, que a

considerava como crítica da natureza individual de alguns estudos ingleses e americanos da

época. Foi o estudo conjunto de Moscovici e Farr em 1984 que possibilitou maior propagação

dessa teoria.

Leme (2004, p. 48) explica que:

A divulgação um tanto tardia da obra de Moscovici em língua inglesa despertou dois tipos de reação: críticas mais ou menos severas a diferentes

aspectos da teoria e tentativas seja de assimilação seja de contraste com

outras teorias e conceitos que vinham sendo desenvolvidos paralelamente, como cognição social, protótipo, esquema, atitudes, atribuição, etc.

Ao estudar a epistemologia do fenômeno das representações, Moscovici (1989)

considera que, apesar das contribuições dos estudos realizados por outras ciências como a

sociologia, a antropologia, a psicologia clínica e a social, mostram resultados fragmentados

por pertencerem a outros domínios específicos, que por vezes passavam do caráter coletivo

das representações à sua dinâmica, em outras vezes passavam dos fundamentos psíquicos às

origens e interiorização dos mesmas. Porém, não havia preocupação com a comunicação e

esta é que possibilita os indivíduos dirigirem-se a algo de individual passando a se tornar

social e vice-versa.

As limitações da inflexibilidade da própria concepção de representação e o caráter

disperso das pesquisas realizadas pelas diferentes ciências fizeram com que Moscovici (1989)

afirmasse que, assim como a sociologia, a antropologia e a psicologia social, contribuem

sobremaneira com o estudo das representações, pois para ele, se as representações são criadas

no social e reelaboradas pelo indivíduo, não são seus fundamentos que merecem interesse,

mas sim as interações entre o individual e o social.

Farr (1994) aponta as diferenças entre a forma sociológica de psicologia social,

que caracteriza a Teoria das Representações Sociais de Moscovici, e as predominantes nos

Estados Unidos da América, sintetizando os níveis de teorização em psicologia social, a partir

das contribuições de Wundt, Durkheim, Le Bon, Freud, Saussure, Mead, Mac Dougall e F. H.

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Allport. De acordo com Farr (1994) foram as pesquisas destes estudiosos que contribuíram

para a modernização da psicologia social através da Teoria das Representações Sociais.

Moscovici (1994), afirma que o social coexiste com o sujeito e que o sujeito só

existe no social. Esse foi o ponto inicial dos seus estudos para a formulação da Teoria das

Representações Sociais. O novo nesta teoria, porém, não estaria em reconhecer a interação

entre o indivíduo e o meio, mas sim a interface dessa relação. Segundo ele, a representação é

uma construção individual, mas de origem social, com destino social.

Isso posto, o ponto da questão não era estudar um ou outro viés da relação entre

sujeito e meio social, nem constatar que, nessa relação o indivíduo vai ampliando suas

capacidades cognitivas e motoras, por exemplo. Era importante entender o dinamismo

existente nessa relação, entender como o social interfere na elaboração das representações

sociais dos indivíduos e como estas interferem na elaboração das representações sociais do

grupo ao qual pertencem.

A compreensão acerca da paisagem da serra que tem um indivíduo local pode

influenciar e se cristalizar em um grupo social, mas como as representações que se possam

fazer acerca disso, podem também modificar-se por se tratar de um processo dinâmico, o

pensamento social interfere no individual e vice-versa. A resistência ao que se mostra novo

ocorre no campo individual através de suas experiências práticas cotidianas, mas no campo da

coletividade, ela ocorre por outros motivos como a diversidade cultural, por exemplo. Nessa

compreensão, pode-se dizer que, pelo o entendimento e a percepção da paisagem expressos

nas representações sociais pode diferenciar de indivíduo para indivíduo e de grupo para

grupo, num embate à resistência ou aceitação de novas concepções acerca dessa mesma

paisagem de acordo com o valor que dão a ela.

A discussão sobre o indivíduo e o individual do coletivo com abordagem

sociológica que pautaram os estudos de Moscovici acerca das Representações Sociais foi o

diferencial considerado como avanço, em relação às abordagens unilaterais da psicologia e da

sociologia que predominavam até meados do século XX.

Denise Jodelet ao se interessar pelo fenômeno das representações tornou-se uma

das principais colaboradoras e difusora das ideias de Moscovici. Jodelet (1989) considera que

a representação social refere-se à maneira como os sujeitos sociais apreendem os

acontecimentos da vida cotidiana, as informações do contexto em que vivem, os

acontecimentos, as pessoas, como exemplos. Dizem respeito aos conhecimentos do senso

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comum que são acumulados a partir das experiências, das informações, saberes e modelos de

pensamento que o indivíduo recebe e transmite através da tradição, da educação e da

comunicação social.

Provavelmente, esse pensamento de Jodelet possa explicar o porquê das diferentes

formas de pensar e agir de indivíduos de diferentes contextos sócio, culturais e ambientais

acerca da compreensão da paisagem, tendo em vista que os conhecimentos apreendidos e

disseminados sobre a realidade cotidiana tem íntima ligação com o processo de socialização

dos indivíduos. Dessa forma, explicaria também, se as representações sociais da paisagem da

Serra de Maranguape pelos moradores locais diferem daquelas que não moram no lugar. O

trabalho empírico mostrará ou não.

As representações sociais são parte da realidade entendida como grupal.

Funcionam coletivamente pelas interações e comportamentos e as novas e velhas

representações surgem mediadas pelo que Moscovici chama de “flutuação de sistemas

unificadores”, que nada mais são que as ciências, as religiões e as ideologias sociais. “Em

outras palavras, existe uma necessidade contínua de re-constituir o ‘senso comum’ ou a forma

de compreensão que cria o substrato das imagens e sentidos, sem a qual nenhuma coletividade

pode operar” (MOSCOVICI, 2009, p. 48, destaque do autor).

As variadas formas de perceber a paisagem da Serra de Maranguape pertencem

aos conhecimentos acumulados, transmitidos cotidianamente pelo senso comum, que passam

a ser apropriadas, assimiladas e refletidas pelos sujeitos sociais, transformando-as ou somente

reproduzindo-a. Assim, as representações sociais dessa paisagem se inserem num dinâmico

processo, no qual prevalece tanto a perspectiva coletiva, quanto a interação cognitiva, que

permitem a comunidade local perceber e interpretar a paisagem, de acordo com seus

conhecimentos.

Entende-se que os fenômenos de representação social espalham-se pela cultura,

nas instituições, nas práticas sociais, nas comunicações interpessoais e de massa e nos

pensamentos individuais. São, por natureza, difusos, fugidios, multifacetados, em constante

movimento e presentes em inúmeras instâncias da interação social. Esses fenômenos são

construídos nos universos consensuais de pensamento, que por sua vez são regidos pela lógica

natural ou senso comum, nos quais a participação é livre.

A hipótese central das Representações Sociais de Moscovici é de que estas se

desenvolvem justamente com o propósito de transformar algo não familiar em familiar, por

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meio de dois processos: a objetivação e a ancoragem. Estes processos mostram a

interdependência entre atividade psicológica e as suas condições sociais de exercício, isto é,

como o social se transforma em representação e como esta transforma o social.

Moscovici (2009) aponta dois mecanismos, baseados na memória e conclusões

passadas, responsáveis em transformar o não familiar em familiar, ou seja, por criar as

representações sociais nesse processo é a objetivação e a ancoragem.

Chama-se de objetivação a função de duplicar um sentido por uma figura,

materializar um objeto abstrato e naturalizá-lo. Para Sá (2004) Ela é o processo que torna

concreto, por intermédio de uma figura, a ideia de um objeto. Já a ancoragem é o processo de

incorporação do aspecto não familiar dentro de uma rede de categorias que permita que ele

seja comparado com elementos típicos dessas categorias. Assim, ancorar tem o significado de

classificar, que ocorre de acordo com as escolhas de paradigmas existentes com os quais se

compara o objeto em processo de representação. Porém, Sá (2004, p. 39) chama atenção:

[...] não se trata observe-se de uma operação lógica de análise da proporção de características que o novo objeto tenha em comum com os objetos de

classe. O que se põe em jogo é uma comparação generalizadora ou

particularizadora, pelas quais se decreta que o objeto se inclui ou se afasta da categoria com base na coincidência/divergência em relação a um único ou

poucos aspectos salientes que definem o protótipo. A lógica natural em uso

nos universos consensuais preside o processo.

Nesse sentido, ao construir e reconstruir a ideia de paisagem na Serra de

Maranguape os sujeitos sociais os fazem a partir das práticas e conhecimentos cotidianos

ligados a um processo no qual existe uma interação entre o individual e o social, entre o

indivíduo e a sociedade que rejeita ou aprova as representações sociais que se fazem da

paisagem, a partir da compreensão social e histórica destas mesmas representações, tendo em

vista que estas são processos percebidos de forma plural e não de maneira única.

Transformar algo não familiar em algo familiar refere-se às novas descobertas ou

teorias, invenções e desenvolvimento técnico-científico, inovações, entre tantas outras coisas.

Nas sociedades modernas o novo é comumente criado pelos universos reificados da ciência,

da tecnologia ou das profissões especializadas.

Pela objetivação se tenta reabsorver um excesso de significações, materializando-

as. A quantidade de significantes e indícios que um determinado grupo utiliza pode se tornar

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de tal maneira abundante que os sujeitos, frente a esta situação, procuram combatê-la tentando

ligar as palavras a coisas. É a dimensão imagética da Representação Social.

As representações sociais tratam do universo de opiniões construídas,

reelaboradas e redimensionadas pelos indivíduos, sobre um determinado objeto social, de

acordo com a história de vida de cada um. Para Moscovici (1978, p. 65):

[...] a estrutura de cada representação aparece desdobrada; possui duas faces tão pouco dissociáveis como o verso e o reverso de uma folha de papel: a

cara figurativa e a cara simbólica. Dizemos que:

Representação = Figura/Sentido, o que significa que a representação faz com que à figura corresponda um sentido e a todo sentido corresponda uma

figura.

É através do esclarecimento da ligação entre a objetivação e a ancoragem que se

pode compreender determinados comportamentos, tendo em vista que, o núcleo figurativo da

representação depende da relação que o sujeito mantém com o objeto e da finalidade da

situação. Assim, no interior de uma comunidade, de acordo com suas experiências e tradição,

a veiculação das concepções acerca de objetos da realidade se torna tão íntima em todos os

seus membros que acabam por se deixarem levar e a se comportarem, diante de determinados

objetos, de acordo com as representações atribuídas pelo grupo àquele objeto.

Jodelet (1989) aponta outra característica advinda da relação entre ancoragem e

objetivação, é o fato de que ao materializar mentalmente um objeto, na forma de

representação social, esse se cristaliza e é traduzido em operações de pensamento e ação na

interação cotidiana com o mundo. Entretanto, é preciso considerar que o fato das

representações sociais terem origem nas condições socioestruturais e sociodinâmicas de um

grupo, não impede que os indivíduos deem a essas representações um toque singular, uma vez

que cada um está sujeito a experiências particulares, embora faça parte de um mesmo grupo

social, o que, por sua vez, possibilita percepções e apreensões diferenciadas de um objeto, em

relação a outros indivíduos de seu grupo.

Sendo assim, cada indivíduo vai formando um sistema de pensamento

diferenciado acerca da paisagem da Serra de Maranguape, ao mesmo tempo, coerente com o

sistema de pensamento do grupo ao qual pertence. Esse sistema de pensamento é utilizado,

tanto pelo indivíduo quanto pelo grupo, como referência para a interação positiva, ou

negativa, de um novo objeto. Daí a afirmação de Jodelet de que há sempre um sistema de

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representação antigo, algo já pensado, latente ou manifesto, que em contato com outros

sistemas de pensamento sofre seus efeitos mudando seu conteúdo e suas percepções.

As representações sociais acerca da paisagem serrana de Maranguape vão além da

ideia distorcida de achar que esta é somente a expressão objetiva da natureza, como se os

indivíduos não fizessem parte dela construindo-a e reconstruindo-a, os pensamentos acerca da

paisagem local podem ser modificados pela influência de grupos ou pessoa com perspectivas

e compreensão de vida bem diferenciadas das suas, principalmente se estes se encontrarem

em um outro patamar de conhecimentos, sob uma nova ótica impregnada de ideologias.

A ancoragem assegura a ligação entre a função cognitiva, base da representação, e

a sua função social, bem como fornece à objetivação os elementos imaginativos para servir na

elaboração de novas representações. A ancoragem, assim, é o outro lado da moeda em relação

à objetivação. Ajusta o objeto representado à realidade da qual ele foi tirado, promovendo a

constituição de uma rede de significações em torno do objeto e orientando as conexões entre

ele e o meio social. Assim, o objeto, via representação social, passa a ser um instrumento

auxiliar para a interpretação da realidade.

A objetivação é um processo de construção formal de um conhecimento, pelo

indivíduo. Fazem parte desse processo: a seleção e descontextualização, a formação do núcleo

figurativo e a naturalização (JODELET, 1989).

A seleção e descontextualização é um fenômeno que ocorre pelos critérios

culturais, tendo em vista que em uma sociedade de classes, nem todos os grupos têm o mesmo

acesso às informações. Logo, as mesmas são apreendidas pelo público de forma fragmentada,

distorcida da sua origem, porém acessível ao conhecimento popular.

O núcleo figurativo está relacionado ao processo psíquico interno pelo qual o

indivíduo vai a busca de tornar um fato, objeto ou até o conhecimento novo, em algo familiar,

que faça sentido ao referencial que traz consigo, mas através da criação de uma visão do

objeto que também faça sentido com sua visão de mundo.

A naturalização surge da formação do núcleo figurativo possibilitando ao indivíduo

materialização dos elementos das ciências em elementos da sua realidade de senso comum.

Ao naturalizar os esquemas conceituais o indivíduo lhes dá uma realidade própria, com

significado próprio de acordo com as suas capacidades de compreensão e suas necessidades

de descartar qualquer contradição que possa enfraquecer a base de suas representações sociais

que já estão formadas e enraizadas.

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No entendimento de Costa ( 2011, p. 158):

Embora, o processo de objetivação e ancoragem constitua formas antípodas, uma vez que o primeiro materializa uma abstração e o segundo atribui

significado a um determinado objeto, ambos têm em comum operarem

características do sujeito representando desta forma a posição social e as relações sociais em que estão inseridas bem como a forma de perceberem o

mundo.

Nesse entendimento, as Representações Sociais guiam o modo de pensar e de

definir os diferentes aspectos do cotidiano na Serra de Maranguape, pois no senso comum

encontra-se o conteúdo das representações sociais da paisagem local. É nesse conhecimento

vulgar que se revelam as formas de conhecimentos socialmente elaboradas e partilhadas pelos

indivíduos com objetivos práticos e que contribui entre outras coisas, para a construção de

uma realidade comum aos grupos das comunidades locais num conjunto social, orientando,

organizando e intervindo nas identidades pessoais e sociais.

Deve-se considerar que as representações sociais são especificações que se

representam de algo ou alguém é especificar a representação de alguma coisa ou de alguém

através de símbolos e interpretações em suas relações, nas formas de conhecimento, nas

linguagens, comportamentos e saberes em seus contextos e nas condições que são produzidos.

As representações sociais ultrapassam a ciência ou a filosofia, pois são elaboradas

coletivamente em um determinado contexto, possibilitando a familiarização com o novo,

passando a introduzi-lo no seu cotidiano, favorecendo a interação social. Elas passam a

identificar-se com a própria realidade social, que ao mesmo tempo em que se modifica e

evolui mostra-se muito segura para os sujeitos que nela atuam. As representações sociais não

são assim uma repetição do objeto, estão mais para uma atividade mental que reelabora

conceitos e entendimentos a partir das relações que o sujeito mantém com o objeto e com os

grupos sociais aos quais pertence.

Pode-se observar que tanto os estudos de Moscovici quanto os de Jodelet

conduzem ao entendimento de que as representações sociais são a construção formal do

conhecimento e a objetivação orienta as percepções e os julgamentos do indivíduo em uma

realidade socialmente construída. No entanto, somente a objetivação não garante a inserção

orgânica desse conhecimento, o processo de ancoragem, dialeticamente com a objetivação,

é que garante esta inserção, ao articular as três funções fundamentais da representação da

realidade: função cognitiva de integração da novidade; função de interpretação da realidade

e função de orientação das condutas e das relações sociais (JODELET, 1989).

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Jodelet pontua três fases nesse processo de objetivação: 1) a construção seletiva ou

seja, o processo, no qual, diante de um objeto, o sujeito busca informações e saberes a seu

respeito. (2) a esquematização estruturante, onde uma estrutura imaginante reproduz uma

imagem conceitual capaz de tornar-se uma imagem coerente e de fácil comunicação em que o

sujeito, nesse processo, consegue apreendê-lo, de forma individual, em seus sistemas de

relações; 3) a naturalização, com o resultado dos outros dois, temos o núcleo figurativo que

permite que cada um dos elementos seja concretizado, tornando-se um “ser da natureza”.

Para Moscovici (2009), no que se refere ao processo de ancoragem não se pode

deixar de falar que ele se decompõe em duas modalidades: como consignação de sentido e

como instrumento do saber.

A ancoragem como consignação de sentido, diz respeito ao jogo de significações

externas que se manifestam sobre as relações estabelecidas entre os diferentes elementos da

representação. Os conteúdos de uma representação estão vinculados à significação que um

dado objeto, fato, fenômeno ou ideia tem para determinados grupos sociais (MOSCOVICI,

2009). Daí porque que a um mesmo objeto podem possuir registros de diferentes perspectivas,

com diferentes sistemas de valores ou de contravalores, dependendo da inserção social e

cultural dos indivíduos.

A ancoragem como instrumento do saber é uma modalidade que permite

compreender como os elementos da representação não só exprimem relações sociais, mas,

também contribuem para construí-las (MOSCOVICI, 2009). Isso ocorre porque a

representação criada no grupo serve a seus agentes como instrumento de referência. Permite

comunicar e influenciar todos que compartilham de seu grupo, tornando assim, elementos

da representação social para compreender a realidade daquele grupo.

A respeito da organização interna das representações sociais, Abric (1994) faz

considerações importantes ao dizer que, toda representação social organiza-se em torno de

um núcleo central unificador que dá sentido ao conjunto de uma representação e de alguns

elementos periféricos, que dão flexibilidade à mesma.

O núcleo central diz respeito às representações construídas a partir de condições

históricas particulares de um grupo social. As representações construídas pelo grupo em

função do sistema de normas ao qual o mesmo está sujeito que, por sua vez, estão

relacionadas às condições históricas, sociológicas e ideológicas desse grupo (ABRIC,

1994).

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Já os elementos periféricos dizem respeito às adaptações individuais destas

representações, em função da história de vida de cada membro desse mesmo grupo. Nesse

entendimento, o núcleo central atua como elemento que une e fixa as representações sociais

que foram construídas por determinado grupo; já os elementos periféricos são verdadeiros

sistemas permitem certa flexibilidade às mesmas diante de elementos novos, que por sua

vez, são acionados para realizar as devidas "adaptações". Dessa forma, pode-se evitar que o

significado central das representações, para aquele grupo, seja colocado em questão

(ABRIC, 1994).

Abric (1994, p. 4) argumenta que:

O sistema central é, portanto, estável, coerente, consensual e historicamente definido. O sistema periférico, por sua vez, constitui o

complemento indispensável do sistema central do qual ele depende. Isso

porque, se o sistema central é essencialmente normativo, o sistema periférico, por sua vez, é funcional. Isto quer dizer que é graças a ele que a

representação pode se ancorar na realidade do momento.

Essa compreensão é importante quando se busca descobrir caminhos possíveis

de provocar modificações das representações sociais de determinado grupo, por se entender

que representam um obstáculo para o desenvolvimento de práticas sociais alternativas às

que estão em vigor.

Na Serra de Maranguape os indivíduos criam suas representações sobre a

paisagem de acordo com as experiências que mantêm com ela, das comunicações às quais

estão expostos no lugar e de crenças particulares herdadas. Assim, para conhecê-las é

necessário identificar os elementos cognitivos que fundamentaram as representações

criadas, como os estereótipos, os protótipos e os scripts.

Para Moliner (1996, p.4) os estereótipos são: “Um conjunto de categorias

atribuídas aos membros de uma mesma categoria por uma grande proporção de membros de

outra categoria”. Os protótipos são consequência da organização categorial da informação

recebida por um grupo sobre determinado objeto, dizem respeito ao: “Um conjunto de

dimensões descritivas, uma categoria que agrupa objetos considerados como equivalentes

do ponto de vista destas dimensões” e os scripts são determinadas condutas que se

desenvolvem pelos grupos, frente a situações frequentes em seu meio, que se tornam

prescritivas do comportamento de seus membros, sempre que se encontrarem diante dessas

situações.

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Segundo estas condições de emergência de uma representação social apontada

por Moliner (1996), mesmo que os sujeitos se vejam cotidianamente diante de objetos que

lhes são desconhecidos, não quer dizer que sejam geradores do fenômeno representacional.

Apenas objetos que ele chama de "polimorfos", aqueles que podem aparecer sob diferentes

formas na sociedade, e que provocam a necessidade de ser representados. No entanto, essa

representação é sempre produzida pelo coletivo, não qualquer grupo, mas sim para aqueles

que criam objetos comuns ao seu cotidiano.

Para o estudo das representações sociais o grupo não é limitado a um conjunto

de indivíduos unidos pela interdependência ou por objetivos comuns, mas sim a um

conjunto de indivíduos que mantém determinada relação com o objeto de representação,

seja porque é parte de sua existência, ou porque não tem como ignorá-lo. No caso em

estudo, as representações sociais que os fazem moradores da Serra de Maranguape dizem

respeito não a objetivos comuns, mas pelas relações estabelecidas com a paisagem serrana,

que pode aparecer sob várias perspectivas como, por exemplo: ora pode aparecer como

lembrança de um passado agradável, ora como lembrança desagradável de um passado

longínquo ou não, mas que pode servir de referências comuns.

Isso justifica a necessidade de alguns grupos construírem sua própria

representação, ao serem colocados diante de determinados objetos, ancorando-os em

sistemas de normas e valores culturais próprios de sua cultura, de sua tradição (valor

d’enjeu social) nos quais se apoiam para garantir sua identidade enquanto grupo e a coesão

entre os seus membros. “Essa necessidade identitária encontra sua justificativa apenas na

interação do grupo com outros grupos [...] o valor utilitário do objeto se funda sobre a

inserção deste objeto em uma dinâmica social" (MOLINER, 1996, p.9).

Para o autor, só é possível compreender o valor de enjeu de determinado objeto

para determinado grupo, quando se examinam as relações que esse grupo estabelece com

outros grupos. Para Moliner, a emergência de uma representação social está diretamente

condicionada à existência de um objeto polimorfo e que tenha um valor de enjeu para um

determinado grupo, que por sua vez, está em constante interação com outros grupos.

Moliner (1996) chama atenção para grupos ortodoxos e/ou submetidos a

intervenções de instâncias superiores (como as políticas religiosas, por exemplo)que

controlam e regulam a conduta dos indivíduos de forma sistemática:

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[...] a presença e a ação eficaz de sistemas de controle e de regulação em

uma situação social [...] impede, a nosso ver, o aparecimento do processo

representacional, favorecendo a emergência da elaboração ideológica ou científica [...], portanto, a ausência do sistema ortodoxo é a quinta

condição de emergência da representação social. (MOLINER, 1996,

p.10)

Quanto à organização da representação e seus processos de transformação,

Abric (1994) nos dá importantes contribuições ao considerar que, quando atores sociais são

levados a desenvolver práticas sociais em contradição com o seu sistema de representação,

podem interpretar a situação de duas formas diferentes (cada uma aponta para um tipo de

transformação possível): 1) aqueles que podem considerar que o retorno às práticas antigas

é possível; 2) aqueles que podem considerar que o retorno às práticas antigas é impossível.

No que diz respeito à primeira forma Abric (1994, p.6) afirma: “os elementos

novos e discordantes vão ser integrados nas representações por uma transformação do

sistema periférico, enquanto o núcleo central da representação permanece estável e

insensível a estas modificações”. Quanto à segunda forma, Abric (1994, p.6) diz: “[...] três

grandes tipos de transformação são possíveis: transformação ‘resistente’; transformação

progressiva e transformação brutal”.

A transformação resistente, diz respeito ao surgimento no sistema periférico de

‘esquemas estranhos’ que permitem modificações, também periféricas, que não

comprometem o sistema central, esses esquemas só permitem uma mudança mais radical se

multiplicados várias vezes; já quanto à transformação progressiva, trata-se de uma mudança

progressiva do próprio núcleo da representação, é a construção de uma nova representação,

na medida em que as práticas novas não sejam totalmente contraditórias com o núcleo

central já cristalizado; e a transformação brutal refere-se à possibilidade de uma mudança

por meio de uma estratégia radical: nas palavras de Abric (1994, p. 6-7), “colocando em

questão diretamente a significação central da representação sem possibilidade de recorrer

aos mecanismos defensivos os quais o sistema periférico pode lançar mão”.

Guimelli (1994) também dá importantes contribuições sobre a dinâmica das

representações sociais ao argumentar a possibilidade de mudanças de uma representação

social sobre determinado objeto, segundo ele, isso tem íntima relação com o significado que

novas interpretações a respeito desse mesmo objeto tenham para determinado grupo. Um

grupo só vai sentir a necessidade de reconstruir a representação que criou sobre determinado

objeto, quando perceber que, se não o fizer, perderá o controle da situação, o que

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possibilitará o surgimento de novos eventos suscetíveis de ameaçar sua organização atual,

colocando em risco a identidade e a coesão entre seus membros.

Quando determinado grupo se vê forçado pelas circunstâncias, vai se adaptando

progressivamente, ajustando as novas práticas às anteriores, no entanto isso não significa

que o núcleo central de sua representação sobre um objeto seja, necessariamente,

transformado. Isso vai depender do grau de contradição que essas novas práticas estejam em

relação às práticas antigas do indivíduo e/ou grupo, bem como da forma como as mudanças

ocorridas são percebidas pelos sujeitos.

Nessa compreensão, quando os sujeitos entendem que são irreversíveis as

mudanças provocadas na Serra de Maranguape, seu ambiente considerado natural, em

função de novas práticas, o processo de transformação das representações torna-se

inevitável. Mas se forem consideradas mudanças passageiras, com probabilidades de

retornar às práticas antigas, depois de algum tempo, as representações são modificadas

apenas superficialmente.

Quando os moradores serranos compreendem que não se deve desmatar e

construir nas encostas porque experienciaram que, em períodos chuvosos pode haver

desmoronamentos causando sérios danos, entenderão que essa mudança de práticas será

permanente, pois o ambiente mostrou-se propício a isto, não há como mudar, Mas, se a

construção for em local mais propício, o local desmatado poderá ser compensado pelo

replantio de novas árvores, numa espécie de compensação ambiental, o “mal” será encarado

como passageiro.

Estas considerações sobre as representações sociais permitem perceber que,

embora uma representação se construa em torno de objetos precisos, reais ou imaginários,

não podem ser apreendidas no isolamento ou na dicotomia entre o que se pretende captar e

analisar e o viver concreto dos sujeitos. O ser humano caracteristicamente é dotado de

capacidades dentre as quais, a de criar e de sentir objetos, fatos, relacionamentos pessoais

repletos de imagens e significados. Esse processo em que ocorrem as imagens e os

significados forma as representações sociais. Dessa forma, as representações sociais se

apresentam como produto e como processo, ou seja, como conjunto de ideias, conceitos,

mitos, estereótipos e valores, por exemplo, e como também, um ato de conhecer, de criar e

recriar um dado objeto.

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3.2 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A GEOGRAFIA

As representações sociais são construídas à partir das práticas sociais no espaço

vivido pelos sujeitos, que vem a ser um objeto da representação. Este espaço, conhecido e

recriado torna-se um objeto social de debate na Geografia, tendo em vista que é considerado

um conjunto de espaços superpostos no território que engloba todos estes espaços. Assim,

todo o conjunto faz parte do objeto das representações sociais do espaço em geografia seja

como processo, que faz referência às representações simbólicas e imagéticas associando as

situações de aprendizagem, ou como produto traduzido pelas imagens estruturadas entre o

simbólico e o real.

As representações sociais são construídas a partir das práticas sociais no espaço

vivido pelos sujeitos, nos lugares. Todo lugar é valorizado de acordo com os atributos sociais

e espaciais que se refletem nas práticas e aspirações humanas, e o conhecimento geográfico se

inicia pela subjetividade que lhe permite a seleção de certos elementos dos lugares ou a

especialização da própria ciência geográfica.

Todos os lugares são pequenos mundos: o sentido do mundo, no entanto,

pode ser encontrado explicitamente na arte mais do que na rede intangível

das relações humanas. Lugares podem ser símbolos públicos ou campos de

preocupação (fields of care), mas o poder dos símbolos para criar lugares depende, em última análise, das emoções humanas que vibram nos campos

de preocupação. (TUAN, 1980, p. 421)

Na Geografia as representações sociais aparecem nos anos 80 nos trabalhos de

Guérin, (1985), Gummuchian, (1985, 1989) e Bailly, (1986) sob a influência de Kant, para

estes autores a Geografia consiste nas representações de objetos, de práticas e de processos

espaciais graças aos conceitos evolutivos (ROSADO, 2009). No entanto Kozel (2002) nos diz

que foi Audgier (1986) o primeiro geógrafo a aplicar as representações sociais no campo

educacional.

Kozel diz que as representações sociais para a Geografia são:

[...] um tipo de linguagem, portanto, uma construção sígnica, um produto

social oriundo da construção social. A inter-relação entre os indivíduos é perpassada pelos valores, cujos significados são construídos pelos discursos

ou “dialogismos” que, ao serem incorporados, se constituem em signos que

se transformam em enunciados ou representações. (KOZEL, 2002, p. 229)

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A partir dos estudos das representações sociais a Geografia busca nas ciências

afins servir-se de noções capazes de explicar a complexidade dos fenômenos, e esta

interdisciplinaridade não é nova nesta ciência, pois já dizia La Blache (1982, p. 37), “A

Geografia é considerada como se alimentando nas mesmas fontes de fatos da Geologia, da

Física, das Ciências naturais e [...] das Ciências Sociológicas”.

Na Geografia as representações sociais descrevem a experiência humana no

espaço, auxiliada pela Fenomenologia, considerando o mundo vivido como o substrato da

experiência. Essa concepção surgiu com a Geografia Humanística, a partir do

descontentamento de alguns geógrafos com o uso dos modelos mecanicistas e cientificistas da

Nova Geografia. Foi assim, na Fenomenologia que se encontrou diferentes modos de analisar

e conceitualizar que possibilitasse uma reflexão sobre o significado experiencial da ocupação

do espaço.

As representações na geografia voltadas para o comportamento humano surgiram

no início do século XX, com trabalhos sobre os deslocamentos dos homens no espaço. Sob

esta ótica, tratam-se de representações coletivas do espaço que explicam os laços criados com

os territórios e dando sentido aos lugares. No entanto, foi apenas na década de 1930 com os

estudos de Skinner sobre estímulo - resposta, que se passou a fazer relação entre o estímulo do

ambiente e o comportamento do homem. Dessa forma tomava forma o enfoque ambientalista,

tendo como base a análises do comportamento dos indivíduos vinculando os aspectos físicos

do ambiente natural e o ambiente vivido.

Kevin Lynch foi um dos representantes desse pensamento analisando o papel de

elementos externos e as propriedades geométricas utilizadas nas práticas humanas. Seus

estudos apontavam para uma valorização do processo de apreensão do indivíduo e dos

elementos visualizados e retidos na memória, recuperados através dos mapas mentais. Além

disso, Lynch foi o precursor ao estudar o espaço dentro do território representado e praticado

pelo homem tornando-se referência para a análise do espaço urbano, dadas as percepções e

representações socioespaciais dos seus usuários. Infelizmente faltou a esses estudos o

dimensionamento social, cultural e ideológica da percepção ambiental (BAILLY, 1986).

Outro referencial da Geografia Humanística no século XX foi Carl Sauer.

Desenvolveu uma abordagem simples para descrição da paisagem e negando o uso de

modelos científicos. Outro precursor foi David Lowenthal, com os estudos da percepção do

entorno, através da experiência subjetiva e a afetividade dos lugares. Essa nova forma de se

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observar a Geografia, através da Psicologia Comportamental e da Cultura a partir do conceito

de gênero de vida, explicava os lugares e não o homem na sua região cultural, ou seja, não

abordavam as relações sociais, apesar das paisagens refletirem a organização socioespacial.

Com o movimento de renovação de conceitos e filosofia na Geografia, na década

de 1970, houve a consolidação da Geografia Humanista, quando passou a ter identidade

própria. A territorialidade e o comportamento dos indivíduos com o meio ambiente passaram

a ser temas de pesquisas aproximando os fundamentos orgânicos, cognitivos, afetivos e

simbólicos da identificação dos indivíduos com o lugar. Neste contexto, cabe ressaltar os

estudos de Edward Relph, Yi-Fu Tuan, Anne Buttimer, esta última concebe o espaço na

seguinte expressão: “[...] constituído como um mosaico de lugares especiais, cada qual

estampado pela vontade, valor e memória humana” (BUTTIMER, 1982, p. 177). A Geografia

Humanista assim vai à busca da compreensão de como as atividades e os fenômenos

geográficos revelam a qualidade da conscientização humana e a compreensão do mundo real.

Deve-se a Anne Buttimer a ligação entre a Geografia e a fenomenologia. Seus

estudos voltados para a perspectiva fenomenológica indicavam que cada indivíduo teria um

lugar natural considerado, que seria o início de seu sistema de referências pessoais. Tal lugar é

definido pela associação de espaços circundantes, isto é por uma série de lugares que se

fundem em regiões significativas, cada qual com uma estrutura apropriada e orientada em

relação a outras regiões.

Conforme Holzer (1997), a fenomenologia passa a se achar um aporte para

estudos geográficos com aspectos subjetivos da espacialidade, a partir de Edward Relph,

sendo que o método fenomenológico teria utilizado para a descrição rigorosa do mundo

vivido da experiência humana e, através da intencionalidade, reconhecer as essências da

estrutura perceptiva.

Sob o viés humanista, deve-se interpretar a experiência dos indivíduos no seu

lugar sobre a paisagem na Serra de Maranguape desvendando suas elaborações de conceitos,

símbolos e desejos captando o valor que dão ao lugar e ao sentimento de pertencimento a este.

Considera-se então, que a abrangência dos fenômenos, assim como os acontecimentos e as

experiências humanas são assim transpostas nas paisagens. Daí o entendimento de que a

paisagem serrana não se refere somente aos elementos naturais, mas também, a um meio

humanizado, a um território vivido por grupos de pessoas, a um lugar de criação e recriação

que se renova permanentemente. As representações na Geografia através do caráter humanista

procuram compreender como as vivências dos indivíduos se relacionam com a elaboração das

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imagens mentais da paisagem, que influenciam as práticas socioespaciais que modificam o

espaço vivido do homem.

Segundo Bailly (1986), as imagens mentais são as representações das informações

conceituais (ligadas à memória) e da experiência perceptiva (ligada à percepção), Assim, as

representações são referências na reconstrução das percepções, e na elaboração de novas

relações e experiências anteriores. A Geografia das Representações procura ultrapassar as

análises das formas e funções do espaço e introduz a afetividade e o simbolismo na

interpretação das práticas cotidianas, a partir do uso das representações mentais e do

imaginário, nos estudos da densidade das relações tecidas entre o homem e o seu território.

Cabe lembrar os estudos de Moscovici (1978) que dizem que as relações entre

espaços e representações, só se tornam possíveis a partir da análise dos processos cognitivos,

que tratam dos mecanismos de aquisição, de representação dos objetos e suas transformações

em conhecimentos úteis para nossos julgamentos e decisões. O ato de representar um objeto,

então, não consiste em simplesmente reproduzi-lo, mas reconstituí-lo, transformando-o.

lembrando o conceito de Moscovici (1978, p. 28), a representação social é “um corpus

organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens

tornam inteligível a realidade física e social, inserem-se num grupo ou numa ligação cotidiana

de trocas, e liberam os poderes de sua imaginação”.

A Geografia das Representações, portanto, a partir da noção fenomenológica de

mundo vivido, procura revelar as experiências do vivido através de informações individuais e

subjetivas, considerando as noções de espaço vivido e espaço percebido. Assim, as

representações do espaço podem ir além da simples percepção do ambiente real, referindo-se

também a espaços não percebidos atualmente ou a espaços imaginários. As noções de espaço

envolvem um complexo de ideias, que se distanciam das concepções de espaços que abarcam

apenas a sua materialidade enquanto objeto das relações sociais, e aproxima-se da perspectiva de

um espaço social, que relaciona o objetivo e o subjetivo, a partir de uma análise intersubjetiva da

realidade.

Nesse sentido, o espaço traz consigo os sentidos de sua organização ao mesmo

tempo em que dá visibilidade aos indivíduos e suas memórias, culturas, classes sociais e

atitudes. Daí Sposito (2004) dizer que o espaço como fenômeno deve ser percebido como

objeto de manifestação do seu sentido e como estrutura que reúne existência e significação,

homem e mundo.

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As representações sociais passam então, a serem construídas à partir das práticas

sociais no espaço vivido pelos indivíduos, logo este espaço torna-se um objeto da

representação. Este espaço conhecido e recriado torna-se um objeto social considerado como

um conjunto de espaços que se encontram em espaços de vidas, representados e também, na

noção de território que engloba estes espaços. Tudo isso junto faz parte do objeto das

representações sociais do espaço na Geografia seja como processo, referindo-se às

representações mentais que unem as situações de aprendizagem, ou como produtos traduzidos

pelas imagens que se estruturam entre o simbólico e o real.

O espaço tem em si sentidos que organizam e dão visibilidade especificamente

aos indivíduos. Nessa perspectiva valoriza-se a experiência individual ou coletiva tentando

compreender as formas de sentir das pessoas em relação aos seus lugares, como nos diz

Christofoletti (1985, p.22):

[...] para cada indivíduo, para cada grupo humano, existe uma visão do

mundo, que se expressa através das suas atitudes e valores para com o

quadro ambiente. É o contexto pelo qual a pessoa valoriza e organiza o seu espaço e o seu mundo, e nele se relaciona] As noções de espaço e lugar

surgem como muito importantes para esta tendência geográfica. O lugar é

aquele em que o indivíduo se encontra ambientado no qual está integrado.

Ele faz parte do seu mundo, dos seus sentimentos e afeiçoes; é o "centro de significância ou um foco de ação emocional do homem.

Assim, a afetividade dá ao lugar outro significado que não seja a referência de

toda e qualquer localidade, mas significâncias afetivas para um indivíduo ou grupo de

indivíduos. Tuan (1980) ao tentar estruturar estudos relacionados com a percepção, atitudes e

valores ambientais, propôs o termo Topofilia, que segundo ele são “todos os laços afetivos

dos seres humanos com o meio ambiente material” (TUAN, 1980, p. 107). O autor chama a

atenção para as relações biológicas existentes entre os órgãos dos sentidos, os gêneros das

pessoas e os espaços destacando a influência fundamental das culturas sobre as percepções.

Assim, compreende-se que as pessoas, mesmo dotadas de órgãos sensoriais inerentes a todo

ser humano, têm percepções diferentes de mundo de acordo com a cultura na qual estão

inseridas.

Ao vislumbrar a paisagem serrana de Maranguape, encontram-se como exemplos

de topofilia diferentes formas de ver a serra. Ela pode ser vista pelo seu aspecto cênico de

belezas naturais para alguns possuidores de casa de veraneio, ou pela ótica de alguns

moradores locais que experimentam outros sentimentos como a afetividade com o lugar

vivendo seu cotidiano ali. São exposições de relações emocionais com seu lar.

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4. DISCUTINDO PAISAGEM, PERCEPÇÃO E LUGAR

Paisagem é um termo de significados múltiplos e de vários sentidos. Pode exprimir

tudo àquilo que os olhos alcançam, assim como também, pode exprimir a produção e a

representação do espaço. Nessa perspectiva, a paisagem não pode ser vislumbrada somente

sob os aspectos naturais e culturais que se materializam no ambiente, observados pelos

sujeitos ou pela coletividade, nela se inserem também, além do pictórico, os valores, as

crenças e as ideologias também fazem parte dela, mesmo que de forma implícita ou

explicitamente.

Estando inserida em um contexto socioespacial, a paisagem pode estar associada ao

fenômeno das representações sociais a partir do entendimento de que, as representações são

imagens construídas sobre o real, criadas a partir das relações do indivíduo no seu grupo

social, num determinado espaço. Nesta perspectiva, apresentamos este capítulo inserindo na

paisagem serrana de Maranguape no contexto da Teoria das Representações Sociais como

possibilidade de compreender como as comunidades locais criam e recriam a paisagem

cotidiana ao estabelecer suas estratégias de sobrevivência.

4.1 PAISAGEM ENQUANTO CONCRETUDE DO ESPAÇO

A definição simplista da paisagem não dá conta da complexidade que o termo

abrange. Chantal & Raison (1986, p.158) afirmam que: “em torno deste vocábulo, inçado de

tantas inspirações existenciais quando de significados científicos, se realize uma síntese eficaz

das relações dialéticas entre natureza e sociedade”. Para geografia a paisagem é um conceito-

chave, um dos temas clássicos da investigação, a partir do qual se pode construir

diversificadas abordagens, as mais ricas possíveis para a nossa ciência.

Paisagem conforme o interesse do que é objeto ou uma maneira como se encara a

própria noção de paisagem torna-se diferente. Um geógrafo ou outro profissional de ciências

distintas ao observar e discutirem diante da mesma paisagem, provavelmente cada um a

mostrará sobre diferentes abordagens, de acordo com a visão de cada um e seus preceitos

metodológicos.

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No decorrer do desenvolvimento da história da Geografia e da evolução do

pensamento filosófico que a envolve, em alguns momentos a paisagem foi relegada a segundo

plano dada a valorização dos conceitos de região, espaço, território e lugar, considerados mais

adequados às necessidades contemporâneas (CORRÊA e ROSENDAHL, 1998).

De acordo com Moraes (1993), o termo “paisagem” recebeu significados variados

ao longo de vários séculos. A paisagem foi alocada como lugar de contemplação. Na

Antiguidade Clássica, a paisagem aparecia nos estudos de Heródoto e Estrabão com a

descrição dos mundos naturais e sociais de suas andanças, que para eles seria a prática de uma

descrição da paisagem, necessária portanto, ao reconhecimento da Geografia do mundo

conhecido.

Foi nas discussões modernas da ciência geográfica, que o termo paisagem foi

delineando sua definição nesta ciência passando a ser um de seus objetos de estudo. Surgiu no

pensamento naturalista do século XIX, cujo primeiro método no estudo da paisagem consistia

no reconhecimento, na descrição e na classificação, contribuindo com as correntes teóricas e

escolas que valorizavam o Determinismo ou o Possibilismo. Incitado pela Revolução

Industrial e pela lógica capitalista, o conceito viveu a influência do materialismo histórico e

chega aos dias atuais como algo fluido, no sentido de não ser único, acabado e rígido, sem

necessariamente obedecer à lógica de uma única escola ou corrente teórica específica

(MENESES, 2002).

Atribui-se a Alexander von Humboldt, naturalista europeu, a difusão da ideia de

paisagem na Geografia, esta enquanto uma ciência de síntese da paisagem que deveria ser

descrita e representada. Para Humboldt o geógrafo deveria contemplar a estética da paisagem,

e o observador seria capaz de apreender todos os elementos desta paisagem, registrá-los e

representá-los filtrados pelo pensamento lógico. A paisagem assim era entendida como as

feições morfológicas, fitofisionômicas, topográficas, hídricas e geológicas nas quais o homem

atuava, sendo que ele não era elemento constituinte e importante na paisagem, mas apenas um

coadjuvante em meio à natureza (MORAES, 1993).

Ratzel, em meados do século XIX na Alemanha, surgiu com a Antropogeografia,

na qual a ciência geográfica incluiria o homem em seus estudos. Naquela obra, Ratzel definiu

como objeto da Geografia o estudo da influência que as condições naturais exerciam sobre o

homem. Para Ratzel, o território representaria as condições de trabalho e existência de uma

sociedade. A paisagem na Antropogeografia de Ratzel continuava a ser o ambiente natural,

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mas agora este ambiente incluía o homem, e todas suas reações e acontecimentos relacionados

a ele eram também naturalizados (MORAES, 1993).

Em oposição a essa teoria de Ratzel, ainda no século XIX, surgiu a teoria de Vidal

de La Blache, que concebia o homem como hóspede antigo de vários pontos da superfície do

planeta, que em cada lugar se adaptou ao meio que o envolvia através das técnicas, hábitos,

usos e costumes, que lhe permitiram utilizar os recursos disponíveis, que compunham o que

ele chamou de “gênero de vida” (MORAES, 1993).

A Geografia Humana foi entendida como uma geografia de paisagem, concepção

de relação entre homem e natureza e não de uma relação entre homens. As técnicas eram

entendidas como instrumentos, não como processo, de produção e o que interessaria à análise

seria o resultado da ação humana na paisagem. Paisagem assumia o significado de ambiente.

La Blache admitia que havia influência do meio sobre o homem, mas que o sucesso do

homem neste meio se relacionava à maneira e à medida que o homem conseguisse dominar e

administrar o ambiente, ou seja, a paisagem e o homem se relacionavam em um caráter

funcionalista.

No século XX, várias correntes teóricas surgiram na Geografia. Algumas

correntes, na tentativa de rompimento com as teorias anteriores consideradas tradicionais,

outras apenas buscavam complementar as antigas abordagens com conceitos revistos e

métodos novos. A ruptura proposta, no entanto, era vista muito raramente nas correntes

geográficas, mesmo com as críticas das escolas ditas modernas a suas antecessoras. O que se

observa é que neste momento não houve o rompimento definitivo com as antigas premissas,

não houve inovação, nem originalidade. Assim, a década de 1950 para Geografia foi

caracterizada por essa crise que exigia que o conhecimento geográfico não apenas descrevesse

o mundo, mas explicasse suas dinâmicas e configurações.

Ainda no século XX com o desenvolvimento da Geografia Humana continua a

discussão sobre as relações entre sociedade, ambiente natural e cultura, na qual o conceito de

paisagem humanizada passou a ser objeto de investigação da Geografia (ZANATTA, 2007).

Os estudos sobre a paisagem nesse momento tiveram expressiva contribuição de Carl Sauer,

fundador da Escola de Berkeley nos Estados Unidos e que propôs a chamada Geografia

Cultural, desenvolvida e trabalhada na Europa há trinta anos e surgida no Brasil a partir do

final da década de 1980.

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Carl Sauer propôs o estudo das paisagens culturais, defendendo ser de

competência da Geografia a “análise das formas que a cultura de um povo cria, na

organização de seu meio” (MORAES, 2001, p.86).

O foco dos estudos de Sauer eram principalmente as intervenções do homem

sobre a fauna e a flora. O homem, entendido como sujeito modificador do espaço, era o

delimitador de territórios, com capacidade de manipular o meio ambiente, através de seu

contexto cultural e histórico. Definiu paisagem ao escrever The Morfology of Landscape

(1925), como o conjunto das formas naturais e culturais associadas. Paisagem então seria o

resultado ao longo do tempo, de um agente, a cultura, sobre o quadro natural, daí por que ela

deveria ser entendida em sua totalidade, já que os objetos da paisagem se inter-relacionam e

que, a realidade não seria expressa no estudo isolado dos elementos que a compõem (SAUER,

1998).

Em meio a um contexto de grandes transformações sociais, culturais e econômicas

ocorridas nas décadas de 1960 a 1970 no Brasil e no mundo foram o cenário para o

surgimento de outras correntes geográficas e com elas, novos significados para a paisagem: a

Geografia Teorética, a Geografia Humanista e a Geografia Crítica.

A Geografia Teorética/Pragmática, ou a Nova Geografia, surgida no Brasil nas

décadas de 1960 a 1970, utilizava como método de análise modelos matemáticos e

estatísticos, que seriam representações das estruturas fundamentais da organização da

paisagem, que passava a ser entendida como resultado da integração entre os aspectos físicos

da paisagem e o uso que o homem faz deste espaço. As análises apresentavam-se ainda sob os

vieses positivista e também determinista. Nesta abordagem teórica, a Geografia passa a ser

considerada como ciência social e como uma ciência espacial, o que fez com que o conceito

de paisagem fosse subjulgado ao conceito de espaço, que alcançou o nível de conceito-chave

na Geografia (CORRÊA, 2008).

A Geografia Crítica baseia-se no método filosófico materialismo histórico e

dialético, com uma característica marcante: a preocupação em ser crítica e atuante. Busca a

superação quanto ao estudo dos padrões espaciais, analisando primeiramente os processos

sociais para associá-los com os espaciais, para isso interessa-se pelos modos de produção pois

as formações espaciais estão estreitamente relacionadas com o modo de produção. Teve como

representantes, além de outros, David Harvey, Yves Lacoste e Milton Santos.

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No contexto da análise crítica do espaço, Santos (2002, p.103), estabelece a

distinção epistemológica entre espaço e paisagem. Segundo ele: “A paisagem é um conjunto

de formas que, num dado momento, exprime as heranças que representam as sucessivas

relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são as formas mais a vida que as

anima”. O autor compara os dois conceitos afirmando que a paisagem é transtemporal, tendo

em vista que ela aproxima objetos do passado e do presente numa construção transversal.

Enquanto que o espaço é sempre o presente, trata-se de uma construção horizontal, uma

situação única: “A paisagem é história congelada, mas participa da história viva. São suas

formas que realizam, no espaço, as funções sociais”. (SANTOS, 2002, p. 107)

A paisagem é possuidora de um caráter histórico em suas distintas materialidades

presentes. Para Santos (2002), as contradições se realizam dialeticamente entre espaço e

sociedade,

Não existe dialética possível das formas enquanto formas. Nem a rigor entre

paisagem e sociedade. A sociedade se geografiza através das formas,

atribuindo-lhe uma função que vai mudando ao longo da história. O espaço é a síntese sempre provisória entre o conteúdo social e as formas espaciais. A

contradição é entre sociedade e espaço. (SANTOS, 2002, p.109)

Quando são atribuídos conceitos de boa, ruim e bela, por exemplo, à paisagem,

esta se transforma em espaço geográfico. A Serra de Maranguape tem certo valor para as

comunidades ali instaladas, ela não é vislumbrada somente pela sua forma ou beleza naturais,

nela está contida a história passada e presente dos indivíduos que ali vivem e convivem.

Nessa perspectiva, Corrêa e Rosendahl (1998) argumentam que o tempo é uma

variável fundamental para a análise da paisagem seja ela cultural ou geográfica, pois ela

resulta da ação, ao longo do tempo, da cultura sobre a paisagem natural. Assim, no decorrer

do tempo, as histórias individuais e coletivas que estão embutidas na paisagem, passam a

compor o conteúdo social da serra dando-lhe forma e conteúdo.

A cultura tem íntima relação com o sistema de representações, de significações,

de valores que dão origem a uma identidade manifestada por intermédio das construções

compartilhadas socialmente e expressas no espaço. A cultura em um sentido antropológico

mais amplo representa os modos de vida de uma sociedade, incluindo-se a produção de

objetos materiais (dentro de um sistema cultural de valores morais, éticos, hábitos e

significados expressos nas práticas sociais), um sistema simbólico (mitos e ritos unificadores)

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e um sistema imaginário, que serve de liame aos dois últimos, constituindo-se no locus da

construção da identidade espacial de um grupo. (ZANATTA, 2007).

Para Corrêa (2003, p.13), o conceito de cultura,

[...] é liberado da visão supra-orgânica e do culturalismo, na qual a cultura é vista segundo o senso comum e dotada de poder explicativo. É vacinado

também contra a visão estruturalista, na qual a cultura faria parte da

“superestrutura”, sendo determinada pela “base”. A cultura é vista como um

reflexo, uma mediação e uma condição social. Não tem poder explicativo, ao contrário, necessita ser explicada.

Na década de 1970, a discussão da noção de paisagem, sua evolução na Geografia

e a sistematização do conceito de geossistema para compor o método de análise da paisagem

foram a base, no Brasil, para os esforços de análises integradas na tentativa de articular o

maior número possível de correlações dos diferentes atributos na estrutura de uma paisagem.

O fato da análise integrada da paisagem considerar a dimensão natural e social dos sistemas

paisagísticos possibilita avaliar como acontece a interação sociedade-ambiente nos diferentes

espaços.

George Bertrand (1971) dá uma grande contribuição sobre o conceito de paisagem

através do estudo geossistêmico, no qual a paisagem é numa determinada porção do espaço, o

resultado da combinação dinâmica, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que reagem

dialeticamente uns sobre os outros, tornando-a um conjunto único e indissociável, uma análise

em várias dimensões em perpétua evolução. A partir deste estudo, a paisagem passou a ser

entendida de forma global e sistêmica. Neste período tentava-se um entendimento de que a

Geografia Humana e a Física deveriam trabalhar conjuntamente de modo que fosse possível

abarcar forma e conteúdo do espaço geográfico.

Outra importante contribuição foi a de Ab’Sáber ao tratar dos domínios

morfoclimáticos definindo paisagem como herança também com enfoque natural e social:

[...] paisagem é sempre uma herança. Na verdade, ela é uma herança em todo

o sentido da palavra: herança de processos fisiográficos e biológicos, e

patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação de suas comunidades. (AB’SÁBER, 2005, p.9)

Nas décadas de 1970 e 1980, paralelamente à Geografia Crítica, foi se

desenvolvendo a Geografia Humanista e Cultural, assentadas na fenomenologia e no

existencialismo, que deram outro enfoque aos estudos geográficos e ao conceito de paisagem.

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Ao retomar a matriz historicista, na subjetividade, intuição, nos sentimentos, na experiência,

no simbolismo e na contingência, privilegiou o singular e a compreensão como fundamento

de inteligibilidade do mundo real. Nessa fase, houve uma revalorização dos conceitos de

paisagem e de região. O lugar, no entanto, passou a ser o conceito-chave e o espaço, passou a

ser entendido como “espaço vivido” (CORRÊA, 2008, p.31-35).

A Geografia Humanista tem como base os trabalhos realizados por Yi-Fu Tuan,

Anne Buttimer e Edward Relph, entre outros. A perspectiva da Geografia Humanista prioriza

as relações subjetivas do homem com o espaço e o ambiente. Estuda o cotidiano para

compreender os valores e atitudes das pessoas sobre o espaço e o ambiente em que vivem. A

partir destas perspectivas a Geografia Humanista passava a encontrar aporte na

fenomenologia, pois tinham em comum o conceito de mundo como conjunto de vivências

individuais e subjetivas dos sujeitos.

Embora possuísse raízes mais antigas, em Kant e em Hegel, os significados

contemporâneos da fenomenologia são atribuídos à Edmund Husserl. A fenomenologia

permite à Geografia Humanística valorizar a percepção do indivíduo por meio de suas

experiências.

A fenomenologia passou a fazer parte nas discussões geográficas com o intuito de

traduzir os significados dos fenômenos dando conta da percepção e da visão cultural do

conceito de paisagem. Nessa perspectiva, a subjetividade tornou-se elemento fundamental na

relação entre o ser humano, seu espaço e a paisagem, demonstradores da experiência vivida

dos sujeitos como forma de configuração da realidade.

Segundo Castro (2002), a necessidade de uma Nova Geografia Cultural trouxe

novamente à discussão o conceito de paisagem. Passou a ser revestida de novos conteúdos,

graças à ampliação das explicações sobre ela ao ter incorporada as noções de percepção, de

representação, de imaginário e de simbolismo. Essa nova dimensão geográfica da cultura

recolocou o homem no centro de suas preocupações, como produtor e produto de seu próprio

mundo. É nesta perspectiva que o presente estudo sobre as representações sociais da paisagem

serrana de Maranguape serão analisadas, nas quais os pensamentos individuais e coletivos,

transformados em práticas cotidianas podem se apresentar explícita ou implicitamente nesta

paisagem.

Em termos metodológicos, após longos períodos de reformulação, a Geografia

Cultural propõe que a paisagem deve ser lida e interpretada, neste sentido a prática descritiva

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da paisagem é substituída por uma que é interpretativa. A paisagem é considerada como o

lugar e o produto em que as relações entre homens e entre homem/meio ocorrem. Nesta

abordagem, as paisagens falam dos homens que as modelam e que as habitam atualmente, e

daqueles que lhes precederam, informam sobre as necessidades e os sonhos de hoje, e sobre aqueles de

um passado muitas vezes difícil de datar (CLAVAL, 2001, 15).

Denis Cosgrove, ainda na década de 1970, dá interessante contribuição sobre os

aspectos culturais e simbólicos embutidos na paisagem, com uma nova abordagem aos

estudos geográficos substituindo os ideais positivistas anteriores. Segundo ele, caberia ao

geógrafo um esforço para mostrar que a Geografia existe para ser apreciada, pois:

[...] as paixões inconvenientemente, às vezes assustadoramente

poderosas, motivadoras da ação humana, entre elas as morais,

patrióticas, religiosas, sexuais e políticas. Todos sabemos quão

fundamentalmente estas motivações influenciam nosso

comportamento diário. [...] Contudo na geografia humana parecemos

intencionalmente ignorá-las ou negá-las. [...] Nossa geografia deixa

escapar muito do significado contido na paisagem humana tendendo a

reduzi-la a uma impressão impessoal de forças demográficas e

econômicas. (COSGROVE, 1999, p.97)

Nesse entendimento, o autor chama atenção para que ao fazer a interpretação das

paisagens humanas deveriam ser utilizadas as mesmas capacidades com as quais se analisar

um romance, um poema, um filme ou um quadro, numa compreensão de que a paisagem

expressa as ações e relações humanas. Esta por sua vez, composta por camadas de

significados, dando um caráter humano e social à ciência geográfica.

Ao trazer a cultura para os estudos geográficos Cosgrove argumenta que ela tem

íntima relação com o poder, pois revela as relações de dominação e de opressão. Nas palavras

do autor:

Um grupo dominante procurará impor sua própria experiência de mundo,

suas próprias suposições tomadas como verdadeiras, como a objetiva e válida cultura para todas as pessoas. O poder é expresso e mantido na

reprodução da cultura. Isto é melhor concretizado quando menos visível,

quando as suposições culturais do grupo dominante aparecem simplesmente como senso comum. Isto é as vezes chamado de hegemonia cultural. Há,

portanto, culturas dominantes e subdominantes ou alternativas, não apenas

no sentido político, mas também em termos de sexo, idade e etnicidade. (COSGROVE, 1999, p.104-105).

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As paisagens entendidas como verdadeiras da vida cotidiana são portadoras de

significados, e cabe à Geografia decodificá-las. As simbologias expressas na paisagem quase

sempre são reprodução de normas culturais que estabelecem valores de grupos dominantes na

sociedade. Esta é uma maneira crítica e original para se trabalhar a paisagem, incorporando a

dimensão simbólica.

.

4.2 PERCEPÇÃO

O termo percepção é originado do latim perception. Comumente encontram-se

várias definições sobre percepção, tais como: ato ou efeito de perceber; combinação dos

sentidos no reconhecimento de um objeto; recepção de um estímulo; faculdade de conhecer

independentemente dos sentidos; sensação; intuição; ideia; imagem; representação intelectual.

Assim, a partir dessas definições, pode-se dizer que seus conceitos vão desde a recepção de

estímulos até a intuição, a ideia e a imagem, que são categorias perfeitamente distintas no

discurso filosófico (SCHULTZ & SCHULTZ, 2009).

De acordo com os autores, um dos mais famosos estudiosos do processo de

percepção foi Kant e segundo ele, quando percebemos aquilo que chamamos de objeto,

encontramos os estados mentais que parecem compostos de partes e pedaços. Tais elementos

são organizados obedecendo a um sentido, e não meramente por meio de processos de

associação (SCHULTZ & SCHULTZ, 2009).

No processo de percepção, a mente cria uma experiência completa. Assim, pode-

se dizer que, a percepção não é uma impressão passiva e uma combinação de elementos

sensoriais, trata-se de uma organização ativa dos elementos, de modo a formar uma

experiência coerente, daí sua aproximação com a fenomenologia. Nessa perspectiva, a

experiência não é analisada, nem reduzida aos seus elementos, ou abstraída de alguma forma

artificial. Envolve uma experiência de senso comum, sem tendência.

A relação da percepção com a fenomenologia influenciou a renovação da

Geografia Cultural na qual natureza, sociedade e cultura passam a ser tratadas como

fenômenos complexos sobre os quais só se obtém respostas a partir de experiências que se

apresentam e conforme o sentido que as pessoas dão à sua existência. Para Holzer (1996),

essa renovação da Geografia Cultural, iniciou-se na década de 1960 com as discussões de

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John K. Wright, David Lowenthal sobre o fato de que a Geografia deveria abarcar os vários

modos de observação, o consciente e o inconsciente, o objetivo e o subjetivo, o fortuito e o

deliberado, o literal e o esquemático.

Em 1974, ao tentar estruturar o setor de estudos relacionados com a percepção,

atitudes e valores ambientais, Yi-Fu Tuan propôs o termo Topofilia definindo-o como "o elo

afetivo entre a pessoa e o lugar ou quadro físico".

Na década de 1970, de acordo com Holzer (1996), Yi Fu Tuan lança o livro

Topofilia, sob a influência do filósofo francês Gaston Bachelard e sua obra A Poética do

Espaço (1951), no qual propõe que a Geografia volte-se a um novo pensar sobre a relação do

homem com o mundo em que vive. Ao tentar estruturar o setor de estudos relacionados com a

percepção, atitudes e valores ambientais, Yi-Fu Tuan propôs o termo Topofilia definindo-o

como "o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou quadro físico". Nessa perspectiva, para Tuan o

lugar remete ao espaço do cotidiano, do vivido, do percebido. Desta forma, atribui grande

ênfase na experiência sensorial por parte dos habitantes do lugar. Na serra de Maranguape o

lugar poderia assim ser explicado somente pela percepção ou elos que os habitantes possuem

com o lugar.

Anne Buttimer também foi importante nessa discussão que, no entendimento de

Oliveira (2001) foi fundamental para a constituição da Geografia Humanista a partir de seu

olhar crítico de caráter sociológico na Geografia considerando o existencialismo e o

fenomenologismo.

Lívia de Oliveira, com seus estudos sobre percepção do meio ambiente e sua forte

ligação com os estudos de Tuan, foi a pioneira dos estudos sobre percepção no Brasil. Em

1996, Lívia organizou, junto com o arquiteto Vicente Del Rio, uma obra que marcou a

consolidação dos estudos sobre Percepção do Meio Ambiente no país. Na década de 1990 a

Geografia Humanista passa a ter maior atenção dos geógrafos no país, coincidindo com o

renascimento dos estudos culturais, de forma renovada. Embora a Geografia Cultural

mantenha uma individualidade em relação à Geografia Humanista, suas raízes são claramente

as mesmas e há uma coexistência profícua e íntima entre as disciplinas (HOLZER, 1992).

Foi nesse contexto que se deu o ressurgimento da perspectiva cultural na

Geografia, denominada como uma nova Geografia Cultural ou Geografia Fenomenológica,

como denominou Edward Relph a partir de suas reflexões em Merleau-Ponty e Bachelard, o

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que pode ser encontrado na sua obra Place and Placelessness, de 1976, Geografia da

Percepção, Geografia Humanística ou, enfim, Geografia Humanista (OLIVEIRA, 2001).

A Fenomenologia propõe o modo intersubjetivo ou modo fenomenológico,

visando transpor o dualismo entre os modos subjetivo e objetivo de compreensão da

experiência. Neste intuito, esforça-se para desvendar o diálogo entre os indivíduos e a

subjetividade do seu mundo. A diferença essencial em relação aos métodos convencionais de

investigação, centra-se na distinção entre comportamento e experiência, isto é, na crítica

fenomenológica de duas questões: a relação do corpo e da mente e a relação da pessoa e o

mundo.

Sob a ótica da fenomenologia no espaço de Merleau-Ponty, “[...] o sujeito é uma

subjetividade encarnada e o sujeito da experiência é o corpo fenomênico inseparavelmente

ligado ao mundo” (SANTAELLA, 1988, p.30). Esse enfoque de estudo da Geografia tem

como premissa que, cada indivíduo possui uma percepção do mundo que se expressa

diretamente por meio de valores e atitudes para com o meio ambiente.

Segundo Holzer (1996, p. 12), a inserção da fenomenologia nos estudos de percepção

ambiental é utilizada na intenção de se fazer uma descrição rigorosa do mundo vivido da

experiência humana. O espaço vivido é uma categoria fundamental nos estudos de geografia

humana. É somente na redescoberta desses modos de viver e de se relacionar com a natureza,

o lugar habitado e a coletividade que se pode ancorar uma postura sensível e pró-ativa e uma

discursividade enraizada, crítica, capaz de gerar o comprometimento das pessoas, focos das

metas da educação ambiental.

A dimensão da percepção ambiental destaca-se como um mecanismo de compreensão

da realidade considerando, inclusive, possíveis distorções de interpretação que envolvem os

sentimentos individuais quando se faz a leitura da realidade, num determinado tempo

histórico. Dessa forma, o que os sujeitos percebem pertence ao mundo ‘real’ compartilhado

pelo grupo; no entanto, independente da vontade individual o ambiente está sujeito a

mudanças e transformações.

Retomando os estudos do início da década de 1970 sobre percepção, é relevante

lembrar do grupo Man and Biosphere – 13 (MAB) na UNESCO, que neste período passa a

disseminar pesquisas sobre a Percepção do Meio Ambiente, enfatizando o estudo da

percepção do meio ambiente como fundamental para a gestão de lugares e paisagens que

tinham importância para a humanidade. O objetivo do MAB era o estudo das relações entre as

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populações e o meio ambiente em diversas cidades em torno do mundo, distribuídas em um

conjunto de 40 países, entre elas a cidade de Porto Alegre (MELO, 2005, p. 9150).

Oliveira (2001) chama atenção para as categorias espaço, lugar e paisagem, que

no decorrer da década de 1970, passam a ter uma abordagem centrada na dimensão humana: o

conceito de paisagem não se restringiria ao âmbito da natureza, mas envolveria o ser humano

com consciência, afetividade e conhecimento crítico; espaço seria definido como espaço

vivido e lugares, como dimensão existencial e perceptiva. Essas categorias redefinidas seriam

o cerne de uma geografia não positivista, que havia então se denominado Geografia

Humanística.

4.3 PAISAGEM, PERCEPÇÃO E LUGAR

O ambiente percebido assume diferentes formas, construídas a partir do que

usualmente chamamos de pontos de vista ou conteúdo cultural dos indivíduos e grupos

sociais. O significado e a importância atribuídos às coisas percebidas variam de pessoa para

pessoa e/ou de grupo para grupo, de acordo com sua experiência no espaço cotidiano, com a

vivência de um determinado lugar ou lugares.

Para Tuan (1983), o conceito de lugar passa a ser compreendido como uma

categoria da Geografia que transcende a delimitação espacial de uma porção de terra e está

contemplada numa dimensão subjetiva das mentes, memórias e histórias de vida onde existe

uma relação emocional entre sujeitos. O espaço transforma- se em lugar quando passa a

adquirir definição e significado. Assim, o espaço é um símbolo comum de liberdade no

mundo ocidental e o espaço fechado e humanizado é lugar. Nessa perspectiva, o homem

constrói referenciais afetivos com o lugar desenvolvidos ao longo da vida a partir da

convivência. Esses lugares, por sua vez, possuem um conjunto de sensações emotivas, daí

podem ser considerados seguros e/ou protegidos (TUAN, 1983).

Sob a ótica fenomenológica, o lugar é estudado a partir das relações e ligações

subjetivas que são estabelecidas entre o sujeito e o espaço. Para Tuan (1980), o espaço vem a

ser mais abstrato que o lugar à medida que se passa a conhecê-lo melhor e o dotar de valor e

significado. Lugar é o espaço de realização da vida como produção e reprodução das relações,

do espaço vivido, da afetividade, que segundo Carlos (2007, p. 15): “[...] o lugar guarda uma

dimensão prático-sensível, real e concreta que a análise, ao poucos, vai revelando”.

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O lugar encarna as experiências e aspirações das pessoas. O lugar não é só um

fato a ser explicado na ampla estrutura do espaço, ele é a realidade a ser esclarecida e

compreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe dão significado (TUAN, 2011).

A dimensão da paisagem, segundo Santos (1988), é dada pela dimensão da

percepção, daquilo que chega aos sentidos do homem, pois a paisagem é tudo aquilo que

nossa visão pode abarcar numa composição de volumes, cores, movimentos, sons, odores,

por exemplo, sendo no entanto, ao mesmo tempo, produto da materialização das ações dos

indivíduos no espaço. A paisagem configura-se então, como um conjunto heterogêneo de

formas naturais e artificiais no qual deve ser considerada a complexidade dos processos

sociais e a sucessão histórica dos modos de produção.

No estudo sobre a paisagem serrana de Maranguape, esta foi percebida pela

relação do indivíduo com o lugar e seu conteúdo cultural, e pelas contradições entre os

interesses dos grupos que compõem as comunidades residentes no lugar, independente das

diferentes posições sociais. No ambiente serrano de Maranguape a paisagem que se vê

degradada ou conservada, por exemplo, tem íntima relação com o coletivo, com a percepção e

o comportamento dos diferentes indivíduos, seus valores e experiências construídos no lugar.

O componente psicológico permeia a relação do homem e um lugar,

independentemente da extensão ou do tempo uma carga afetiva tem o efeito de aproximar ou,

ao contrário, de afastar. De acordo com Tuan (1983), essa relação do indivíduo com o lugar é

elaborada através da construção de uma relação sentimental que ele mantém nesse espaço,

colorindo-o e o sentido através das emoções derivadas de amor, orgulho, saudade, sensação

de riscos, de perigo devido à violência, consubstanciando-se na topofilia e topofobia.

Ao observar e ao interpretar a ação dos indivíduos na paisagem serrana de

Maranguape tem-se a possibilidade de decodificá-la nas relações entre sociedade e natureza

que se materializaram ali, permitindo uma aproximação do real através da compreensão de

mundo destes indivíduos. A representação socioespacial da paisagem vincula-se assim, à

percepção, à primeira impressão que se tem da realidade observada:

A dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que chega aos

sentidos. Por isso, o aparelho cognitivo tem importância crucial nessa

apreensão, pelo fato de que toda nossa educação, formal ou informal,

é feita de forma seletiva, pessoas diferentes apresentam diversas

versões do mesmo fato. (SANTOS, 1988: 62)

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A percepção sobre modo de vida dos indivíduos da serra de Maranguape refletida

na paisagem, traz consigo aspectos do comportamento destes, que se entrelaçam com suas

emoções, seus pensamentos e ações, assim como também, com as práticas ambientais

traduzidas pelo equilíbrio ou desequilíbrio dos elementos espaciais dispostos no lugar, que

correspondem à própria natureza e ações humanas. Essa percepção contém uma argumentação

fundamentada na existência real do indivíduo, na produção material de suas necessidades e

nas ideias que surgem de suas relações com a natureza, com o grupo social em que está

inserido, e até mesmo com seu pensamento sobre sua própria natureza.

Compreende-se que quando se analisa a paisagem no contexto cotidiano, ela

revela as representações da natureza e dos seus significados pelos indivíduos, passando a dar

vida a uma identidade socioespacial. Vitte (2007, p. 71) afirma que: “Por meio do conceito de

paisagem, o imaginário social transforma culturalmente a natureza, ao mesmo tempo, que os

sistemas técnicos agregam ao território as formas-conteúdo da paisagem constituída por

representações sociais”.

A percepção da paisagem que se tem hoje, depende de muitos elementos que se

juntam ao longo da vida. E, compreendendo que a percepção muda para cada indivíduo,

muitas construções que se fazem sobre paisagem podem ser representadas, seja a partir de

imagens, sons, leituras, como exemplos. Ela não é constituída somente por nossas memórias,

mas também por estratos de terra. Simon Schama ao escrever sobre a constituição da

paisagem enquanto formas de percepção humana e também de lembranças diz que:

[...] conquanto estejamos habituados a situar a natureza e a percepção

humana em dois campos distintos, na verdade eles são inseparáveis. Antes

de poder ser um repouso para os sentidos, a paisagem é obra da mente. Compõe-se tanto de camada de lembranças quanto de estratos de rochas.

(SCHAMA, 1996, p. 17).

Nessa perspectiva, a paisagem além de abarcar aspectos geográficos e territoriais,

passa de objeto de pura observação particular para além dos horizontes, pois ela amplia a

compreensão das formas de produção, reprodução e transformação do espaço.

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5. O OBJETO DA PESQUISA

Neste momento da dissertação encontram-se as entrevistas realizadas com os

residentes da serra de Maranguape, realizadas em seu meio natural. Na análise buscou-se o

confronto do real com o teórico, buscando evidências nos estudos de vários autores que

estabeleçam relações com as representações sociais destes moradores sobre a serra.

5.1 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA PAISAGEM SERRANA DE MARANGUAPE

A paisagem tem suas características em diferentes espaços e infinitas variações do

aspecto visível que, se olhada atentamente deixa perceber aquilo que se encontra camuflado a

olho nu. A primeira impressão acerca da paisagem serrana de Maranguape mostra uma visão

que encanta visitantes e residentes. Sua beleza natural parece uma explosão de verde com

diferentes matizes que, ao lado dos córregos de água transparente, das coloridas flores com

seus odores característicos, sem contar com os animais e suas sonorizações tornam-se convite

para deitar-se no solo e contemplar o misto que se forma de beleza e calmaria. Por isso, se vê

neste lugar sítios, casas e pousadas dispostos em locais estratégicos da serra tornando-se

também parte desta paisagem. (Figura 2)

Os indivíduos que residem nas comunidades presentes no lugar também fazem

parte desta paisagem ao deixarem suas marcas expressas nas construções, que vão se tornando

pequenas à medida que a família cresce. Suas marcas podem ser também observadas nas

pequenas lavouras que sustentam a família quer no consumo diário, quer na comercialização

do pouco que sobra. A reunião de familiares e amigos em frente de casa ao terminar o dia, é o

momento para conversa sobre vários assuntos, contação de histórias, anedotas, enfim, é o

momento de descontração e de discussão acerca dos problemas cotidianos.

O lugar nessa perspectiva aproxima-se do sentido que Sauer lhe deu. Ele superou

a ideia estritamente locacional de lugar para embutir o contexto subjetivo e cultural. A

paisagem serrana de Maranguape em suas particularidades naturais e sociais vai se

desvendando aos poucos nas palavras de seus moradores.

Foram entrevistados 30 moradores da serra nas localidades de Guabiraba,

Pirapora, Serra do Gavião, Salto dos Peixes e Marianos, indicadas no mapa 2 em anexo. São

locais predominantemente habitados por parentes. Guabiraba é o único lugar visitado

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considerado um bairro de Maranguape apesar de já estar na subida da serra. Trata-se de uma

vila na qual as pessoas adquiriram seus imóveis através de compra. Trata-se de um lugar de

clima agradável, boa vizinhança distribuída em 10 casas uma ao lado da outra; neste lugar os

moradores criaram um espaço social com banho natural e local para churrascos,

confraternizações ou simplesmente para contemplação da natureza na parte baixa do terreno

na qual passa uma pequena cachoeira.

FIGURA 2 – Foto de casa de veraneio no alto da serra em meio à vegetação

exuberante. Mar./2015

Na comunidade da Estrada do Pirapora foram visitadas sete casas em que

predominavam algum parentesco como pais, filhos, netos e bisnetos. Localiza-se logo após a

Guabiraba. É um local de fácil acesso, não possui saneamento básico, mas existe a coleta do

lixo duas vezes por semana. Nesta comunidade de casas simples, percebe-se uma preocupação

com o meio ambiente por praticarem algumas ações como, utilização de locais próprios para o

despejo dos resíduos sólidos, e limpeza ao redor da cachoeira sempre após o final de semana,

quando visitantes a utilizam, porém as águas servidas são despejadas no próprio quintal, longe

do rio.

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O Salto dos Peixes é formado por um pequeno núcleo de moradores também ligados

por parentesco, como também na comunidade dos Marianos. Estão localizados em uma

porção mais inclinada da serra, onde sofrem com deslizamentos, em períodos chuvosos. Não

contam com rede de saneamento básico, possuem coleta de lixo duas vezes por semana,

insuficiente para a quantidade de resíduos descartados pelas comunidades, o que dificulta a

salubridade do lugar.

Na Serra do Gavião situada a 500m de altitude foram visitados 2 sitiantes e os

donos de uma pousada. Neste lugar a vegetação é mais densa e em meio a elas se vêm poucas

residências e pousadas. Apesar de não haver saneamento básico municipal, os moradores se

responsabilizam pela destinação correta das águas servidas e dos resíduos sólidos.

5.2 ANÁLISE E RESULTADO DAS ENTREVISTAS

Foram entrevistados 30 moradores da serra de Maranguape, no entanto levou-se

em consideração somente as falas de 15 sujeitos, tendo em vista que foi percebido que se

iniciava uma saturação de informações. Nas entrevistas ou conversas, propriamente ditas, fez-

se a associação livre de palavras utilizando as palavras estímulos, como serra, paisagem e

lugar para deixar o entrevistado à vontade e as informações fluírem.

As verbalizações originadas das entrevistas foram transcritas e em seguida,

organizadas pela técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (1992), obedecendo as

seguintes etapas:

1a) A pré-análise, na qual se dá a organização dos dados. Iniciou-se com a

transcrição na íntegra das 30 entrevistas realizadas com moradores da serra, seguida da leitura

destas entrevistas.

2a) Exploração do material que consiste na codificação destas entrevistas que

Bardin (1992), descreve como a fase de transformação dos dados brutos do texto mediante

recorte, agregação e enumeração, com o objetivo de descrever as características contidas nas

entrevistas. O recorte ocorre para escolha das unidades de registro (a unidade escolhida foram

as palavras serra, paisagem e lugar) e unidade de contexto.

3a) A terceira fase compõe a categorização quando foram agrupadas as unidades e

posteriormente, realizou-se a descrição das categorias.

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Neste estudo, a partir das falas, sentimentos e percepções foram evidenciadas

quatro categorias principais, pois delas foram consideradas outras como secundárias: Casa,

Lugar, Vida e Natureza. As categorias secundárias foram, por exemplo, lar, lugar bonito,

sobrevivência e verde

A técnica de análise de conteúdo desenvolvida por Bardin (1992) tem como objetivo

compreender criticamente, o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as

significações explicitas ou ocultas. Nas visitas e conversas evidenciou-se que a Serra de

Maranguape assume o papel afetivo do conceito de lugar como no relato do Sr. Antunes,

morador da Guabiraba:

“A serra é o meu lugar, Olhe, nasci em Maranguape, mas despertei pra

vida aqui neste lugar. Tive uma vida muito agitada, trabalhando muito. Quando casei e

comprei esta casa, tive meus filhos e os criei aqui, amando este lugar. Vejo a serra como

minha casa. Confortava-me voltar do trabalho, sentar com a família no final da tarde e

admirar a natureza como se fosse um pedaço do paraíso. Hoje, ainda penso assim, este

cantinho que preparamos ali na cachoeira (figura 3) é como se fosse parte de nós mesmos, a

água que corre é como se fosse o sangue nas nossas veias e a paisagem que se vê é o reflexo

de nós mesmos. Ela é a porta do paraíso porque ela nos dá só o que é bom: a água, a

sombra, as frutas, o sossego, a alegria, não tem som de carro, nem a agitação da cidade. Só

ouço os sons dos bichos, o barulho da cachoeira, o ventinho frio antes de cair a noite mais

fresca ainda. Não tem lugar melhor no mundo inteiro. Me considero até um bicho do mato,

um bicho dessa serra. Aqui fiz um cantinho prá aproveitar melhor essa beleza, armo uma

rede e fico admirando meu paraíso”.

Sr. Cláudio, da Estrada do Pirapora, com 77 anos diz que:

“Sou natural de Maranguape, nasci na cidade, casei e decidi morar na

serra. Sempre fui apaixonado por este lugar e assim escolhi aqui para começar minha

família. Quando faltava o alimento em casa, era a serra quem me dava. Daqui também eu

tirava até lenha prá fazer o fogo. Nesse lugar brinquei nestas árvores com meus filhos, netos

e agora com os bisnetos, a água fria da cachoeira leva tudo de ruim que a gente tem. A serra

é meu aconchego, meu lugar. Juntamente com Deus ela é minha providência.” (Figura 4)

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FIGURA 3– Guabiraba. Outubro/2014

FIGURA 4– Conversa embaixo de uma árvore na Estrada do Pirapora. Fev./2015

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Sob esta ótica o lugar nos remete a Tuan (1979), ao dizer que o lugar é uma

entidade única, específica, possuidora de história e significado originadas pelas experiências e

aspirações das pessoas. O lugar não diz respeito somente à situação locacional, “ele é a

realidade a ser esclarecida e compreendida na perspectiva das pessoas que lhe dão

significado." (TUAN, 1980: 387).

O Sr. Cláudio retrata a serra como seu lugar. As experiências do morador serrano

preenchem o lugar lhe dando significação própria. Daí observar outra perspectiva acerca do

lugar, como nos disse Ana Maria, 31 anos, que nasceu e mora na serra, na comunidade dos

Marianos. (Figura 5):

“A natureza desse lugar parece que vai engolir a gente. Todas essas plantas

parece separar a gente do mundo. A serra prá mim é sinônimo de abandono, porque não

temos nada aqui. Tudo é sempre difícil, não se tem emprego, não se tem escola, transporte

então, é mais difícil ainda. Porque não se constrói escola pra gente de cima da serra? As

crianças correm perigo pra ir à escola, elas têm que atravessar um rio, que com as chuvas

fica mais perigoso. O sustento aqui em cima a gente só consegue se for plantando algo, sendo

empregado nos sítios ou com sorte, na cidade. Aqui pode ser bonito, mas é ruim prá viver.”

FIGURA 5 – A Comunidade dos Marianos

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Na mesma perspectiva, encontra-se nas palavras da Sra. Belinha, 67 anos,

moradora do Salto dos Peixes, uma concordância do não gostar de viver na serra:

“Nasci, me criei e envelheci aqui. Acho que também vou morrer aqui!

Minha infância foi difícil comecei a trabalhar criança. Enquanto meus irmãos e meus primos

tinham tempo prá correr, prá ir por rio, eu tinha que trabalhar. A serra me faz lembrar dos

tempos difíceis prá mim, quando precisava caçar e tirar frutas dela prá complementar a

comida que era pouca pra uma família de 11 pessoas. Nesse ponto, fazer isso não era só uma

obrigação, mas também um momento que eu aproveitava prá brincar um pouco. A serra

assim, é um lugar de lembranças, mais tristes do que alegres, por isso nada me agrada morar

aqui, minhas lembranças não são boas, sem contar com o lixo que vem dos moradores dessa

parte mais alta, é só sujeira tanto no quintal quanto na frente de casa. Até mesmo na entrada

da comunidade se pode ver a imundície. “Nem uma fruteira posso plantar quintal,no pouco

espaço que tenho planto um pezinho de acerola, uma bananeirazinha e o riacho que passa

aqui só traz sujeira dos parentes e dos outros que moram mais em cima, é esgoto, é lixo. Essa

é a paisagem da serra com a qual convivo, é feia, é poluição!.” (Figuras 6 e 7)

FIGURA 6 – Lixo que se mistura com a água do rio no Salto dos Peixes. Fev./2014

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FIGURA 7 – Entrada da comunidade Salto dos Peixes. Mar./2015

.

As experiências amargas desta moradora reforçam a ideia de lugar experienciado

e vivido de Hurssel (1986), na qual a compreensão do modo de vida do indivíduo está por

toda extensão dos aspectos comportamentais, que por sua vez, estão inter-relacionados com as

emoções, pensamentos e ações.

Nessa perspectiva, pode-se dizer que também têm íntima relação com as práticas

ambientais, que passam a ser traduzidas pelo equilíbrio ou não dos elementos espaciais,

arranjados fisionomicamente no meio correspondendo à própria natureza e às ações humanas

que estão refletidas na paisagem serrana de Maranguape.

Na perspectiva fenomenológica a materialidade do espaço é dotada de significações

específicas para cada indivíduo. No caso de Ana Maria e da Sra. Belinha as significações

caracterizam a objetividade individual de cada uma, mas que ao serem também

compartilhadas por outros indivíduos, passam a configurar a subjetividade tendo em vista que

cada um tem sua explicação própria para tal entendimento.

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Na serra, nos locais em que existem maior concentração humana, é comum os

moradores reclamarem da falta de saneamento básico tendo em vista problemas ambientais e

de saúde pública que passam a fazer parte do cotidiano dos indivíduos. A paisagem que se

apresenta na qual a vegetação exuberante circunda é a de esgotos clandestinos, crianças

brincam na rua como se fora a extensão de suas casas, em meio a águas servidas de forte odor.

(Figuras 8 e 9)

FIGURA 8– No Salto dos Peixes presença de encanação clandestina despejando água

servida no rio

É comum nas casas dos moradores de menor poder aquisitivo o despejo de suas

excreções nos fundos ou frentes das casas deixando-os a céu aberto e com o mau cheiro no ar,

como se pode ver o esgoto correndo ao ar livre na rua.

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FIGURA 9- Rua da comunidade do Saltos dos Peixes com água suja correndo a céu

aberto e crianças brincando ao redor

No entanto, moradores do riacho Gavião, como o Sr. Cláudio, apesar dessa prática

ser normal, ele, seus parentes (o parentesco é comum nestas comunidades serranas) e poucos

vizinhos amigos utilizam o que chamam de “garajau”, espécie de cercado montado pelo Sr.

Nêgo para descartar seus resíduos sólidos e aguardar o carro da coleta que vem duas vezes por

semana. Segundo eles, compreendendo a importância de cuidar da serra também estão

cuidando da saúde.

O Sr. Luiz Carlos, 53 anos (Figura 10), vizinho do Sr. Cláudio diz que:

Sou do sertão de Canindé, cresci vendo o chão e as plantas secas. Quando

surgiu a oportunidade de morar aqui na serra, não pensei duas vezes. Sonhava em viver num

lugar assim, rodeado de verde, ouvindo o canto dos passarinhos, da água caindo nas

corredeiras no quintal de casa. A vida aqui é muito diferente, é melhor. Aqui é um lugar

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sagrado pra mim porque daqui posso tirar meu sustento plantando, vendendo, como e bebo

dessa dádiva de Deus. A gente que vive aqui é abençoado porque de tudo tem se a gente

quiser [...]. A serra é para mim a realização de um sonho.

FIGURA 10–Sr. Luiz (orgulhoso do lugar em que vive)

Lembrando Corrêa e Rosendahl (1998, p. 29), que ao tratar da paisagem dizem

que seu conteúdo, “é encontrado, portanto, nas qualidades físicas da área que são importantes

para o homem e nas formas do seu uso da área, em fatos de base física e fatos da cultura

humana”. A serra de Maranguape para esses moradores assume uma expressão qualitativa,

quando são somados todos os recursos naturais que o homem tem a sua disposição, e no que

diz respeito à cultura, conforme o entendimento de Corrêa e Rosendahl (1998) percebe-se

uma paisagem cujas marcas deixadas pela ação do homem podem ser vistas também nas

plantações de banana, características da Serra de Maranguape. (Figura 11)

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FIGURA 11– Bananeiras plantadas em meio à vegetação nativa da serra

As formas de perceber e compreender os símbolos de uma paisagem tornam um

mesmo lugar diferente para qualquer observador, pois revelam percepções que vão do espaço

material ao imaginário, abrigando paisagens que se tornaram interiorizadas pela afetividade,

significando uma interrelação dos elementos naturais e os construídos. Dessa forma, pode ser

usada como exemplo a ação de uma garota de 10 anos, que será chamada de Laura, moradora

do Pirapora, que nas horas de folga, principalmente no final de semana, entra no verde da

serra com outras crianças e semeia árvores nativas ou não, fruteiras de preferência (Figura 12)

Segundo ela:

“[...] é pra dar mais beleza a serra, sem contar que é mais fruta para comer

quando elas crescerem”. Sua percepção sobre a paisagem tem íntima relação com sua

experiência vivida, com os exemplos e ensinamentos do avô. “Se a gente continuar a plantar

nunca vai acabar, nem as frutas, nem as outras plantas”.

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FIGURA 12– Laura em meio as fruteiras que plantou. Mar./2015

São fatos corriqueiros que mostram como os espaços vão se criando e envolvendo

o grupo social orientando-os para uma prática. Percebe-se que o lugar na concepção destes

moradores reveste-se de uma forte subjetividade tornando-o um espaço cognitivo e afetivo.

Nessa perspectiva, a fenomenologia de Hussel favorece a compreensão das relações

estabelecidas entre o sujeito, o ambiente serrano de Maranguape e seu grupo social, que vão

se refletindo na paisagem. No entendimento de Laura:

“Paisagem é essa natureza. Amo viver aqui na serra, apesar da dificuldade

de ir para a escola, para a cidade. Gosto de subir no pé de seriguela e ficar só olhando as

plantas. Quando meu avô vai para o roçado, se puder, vou também, é legal plantar (Figura

13)! Gosto também do rio, a água e bem geladinha. Não gosto quando no final de semana

sempre vem gente de fora e faz a maior sujeira, não dá nem pra chegar perto do rio. É até

perigoso porque tem bebedeira. Mas, quando eles vão embora a gente vai e limpa tudo, tira

garrafa, copo e até resto de comida. As pessoas não entendem que além de sujar deixa feia a

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paisagem. A serra é tão importante prá mim, é como se fosse o quintal onde brinco, pego

fruta, tomo banho no rio, por isso que a gente cuida ”.

FIGURA 13– Laura e seu avô cuidando da pequena lavoura. Mar./2015

Ao descrever a paisagem segundo a concepção de Laura, percebe-ser como se

produz o sentido dos fenômenos facilmente entendido pela sua ligação com o ambiente, pela

manifestação mental dos problemas encontrados e a manifestação consciente voltada para a

ação criada a partir do senso comum. Essa descrição é própria, proporcionada pelo sentido

pessoal de mundo.

Nesta mesma concepção as palavras de duas crianças moradoras da serra, Joaquim

e Pedro, 10 e 9 anos respectivamente, no banho de cachoeira (Figura 14) diziam:

Joaquim: “A serra é só brincadeira. Subo nas árvores, brinco no rio, na

cachoeira. É muito bom. Aqui é só alegria. Gosto de ver as plantas, os passarinhos, a água.

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Nas brincadeiras finjo que sou um cavaleiro protegendo meu castelo. Quando tudo está seco

não é tão bom, porque as águas ficam só nas piscinas das casas ricas”.

Pedro: “Aqui na serra é muito bom prá mim, é o lugar onde eu e os outros

brincamos. Não quero sair daqui. Aqui é nosso quintal, aqui ficam nossos brinquedos, a

gente brinca, corre, pula, toma banho no rio, come manga, é bom demais! Muitas vezes a

gente foge de casa prá cá. Eu me sinto feliz por morar aqui. Só tem coisa boa”.

FIGURA 14- Crianças brincando no rio Pirapora

A paisagem para a Sra. Ana, proprietária de uma pousada, privilegiadamente

situada no alto da serra (Figura 15 e 16), embute sentimentos agradáveis pelo lugar, bem

como também como uma oportunidade de fonte de renda. Para ela a paisagem desse lugar é:

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“Como um espelho mágico que revela imagens presentes, mas com o poder

de relembrar situações que muito marcaram minha vida, o cheiro dessa vegetação se

confunde na memória com o dos banhos dos meus filhos. Se você me perguntar que cheiro

seria esse, posso até lhe dizer quais produtos usava, mas os que me vêm mais forte são os do

cheiro das plantas, das jaqueiras, mangueiras, dos ipês, do mato. Quando a neblina não

permite ver a paisagem, me lembra o aconchego dos cobertores e o mingau fervendo que os

meninos esperavam na cama. É isso que essa paisagem me traz, lembranças de um passado

bem longe”.

FIGURA 15– Pousada de propriedade da Sra. “Ana”. Mar./2015

Paisagem nesse contexto, não se limita aos aspectos visíveis, ela remete aos

aspectos relacionados aos sentidos. A reflexão vai surgindo entre pensamentos e sentimentos,

em fragmentos da memória. Continua a Sra. Ana:

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“Cada um de meus filhos plantou uma árvore perto de casa. Quando se

foram para Fortaleza, nas horas de saudade olho pra elas como se fossem eles. Hoje fiz da

minha casa uma pousada, foi uma forma de ter mais uma fonte de renda e de também estar

acompanhada de quem gosta de verde, sossego, cheiro de mato, neblina, cachoeira, enfim, de

quem gosta da serra como eu e meu filho Júnior”.

FIGURA 16– Vista lateral da pousada a 400 m de altitude na Serra de Maranguape.

Estrada do Gavião. 2014

Júnior, 47 anos, filho da Sra. Ana, diz que a serra é sua vida. A serra foi e ainda é

seu sustento. Segundo ele:

“Não me vejo fora daqui, a não ser para resolver alguma coisa. Gosto de

olhar a paisagem. Sinto-me personagem de uma história em que eu sou o rei e minha mãe a

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rainha. A serra é o meu reino onde as árvores são meus súditos que me dão na mão o que

preciso: comida, água e ar puro. Sempre foi assim, daqui meus pais vendiam bananas para

nos sustentar, meu pai faleceu, meus irmãos foram embora e eu fiquei com a mamãe,

continuando a vender bananas até a construção da pousada. Assim, a serra foi e ainda é meu

sustento”, provavelmente por isso que eu tenho tanto amor por este lugar”.

A visão que se tem a partir desta pousada é de profunda beleza (Figuras 17 e 18).

FIGURA 17- Maranguape vista da Pousada na Estrada do Gavião. Mar./2015

FIGURA 18- Visão panorâmica do pátio interno da Pousada, Mar./2015

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Outro aspecto da paisagem serrana foi captado na entrevista com Sr. Pedro, “Pai

de Santo”, 52 anos, morador da serra, segundo ele,

“A serra é onde eu me encontro com meus orixás. Essa calma e natureza

bela me chamaram atenção pra vir prá cá, pois me ajuda a receber orientações dos caboclos

e também a agradecer os pedidos alcançados fazendo os despachos, minhas obrigações, sem

ninguém para perturbar. Só saio daqui muito raramente, só quando falta alguma coisa em

casa. Não me sinto só, porque neste ambiente tenho certeza que estou bem com meus orixás e

com as pessoas que recorrem a mim e a eles (os orixás) para fazer algum trabalho, que pode

ser para arranjar emprego, para o marido não deixar a mulher e até mesmo para o marido

deixar a família para ficar com a ‘outra’. Eu digo que hoje a serra é minha sobrevivência

porque depois que mudei prá cá aumentaram meus clientes. Junto da natureza da serra,

encontro paz com meus orixás.” (Figura 19)

FIGURA 19- Estrada do Pirapora. Local de devoção aos orixás. 2015

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Carla, 20 anos, nasceu e viveu até o momento na serra. Para ela, a serra foi seu

berço e “parece que vai ser meu caixão”. O motivo dessa desilusão se dá pela falta de

perspectiva, pois ainda não terminou o ensino médio e já tem uma criança de 1 ano. Para ela:

“A serra é um lugar de lembranças boas, quando ainda era criança junto

com meus irmãos e primos. As árvores eram nossas casas. E hoje eu vejo a serra assim, como

meu berço onde nasci, como minha casa, onde ainda moro com minha família e

provavelmente meu caixão, porque não acredito que vou sair daqui prá cidade, por exemplo.

Infelizmente, a beleza da serra não dá prá sustentar agente aqui. Os mais novos como eu, não

querem viver só do pouco que a agricultura dá, e apesar daqui ser um lugar muito bom

porque é bonito e calmo é péssimo pra se viver porque até pra comprar um arroz ou uma

farinha que falte tem que descer a serra, geralmente a pé, porque não se tem dinheiro para

pagar táxi ou mototáxi. Tudo é muito difícil aqui: escola e médico principalmente. Por isso

que eu digo: a serra é meu berço, minha casa e será meu caixão, não tenho perspectiva de

sair daqui.”. (Figura 20)

FIGURA 20 - Carla e sua criança em meio à vegetação que circunda sua casa

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A paisagem de acordo com as qualidades simbólicas que a reproduzem e a

sustentam, passa a assumir um significado social pelos moradores. O locus desta pesquisa

situa-se dentro de uma área de Proteção Ambiental (APA) e pela ótica desta moradora

percebe-se um entendimento dual sobre esta APA: espaço social delimitado e definido por leis

e como lugar experienciado e vivido.

As palavras a seguir mostram o sentimento de Carla sobre o fato de morar em

uma área protegida por lei.

“Nos tempos do meu avô e de meus pais, ainda se plantava, se fazia um

carvão, as fruteiras davam mais frutas em lugar mais baixo, agora ficam na parte mais alta

da serra onde é mais difícil de pegar e isso porque agora aqui é uma área protegida. Pelo

que eu vejo, protegida só contra a gente pobre porque tem gente com mais dinheiro que

continua fazendo coisa errada, paga multa e pronto. A gente não tem dinheiro para pagar,

tem que viver assim, com mais dificuldade. Assim a serra prá mim é lugar de dificuldade para

o pobre e de facilidade para o rico.”

Nessa perspectiva, Pedro, 23 anos, morador do Salto dos Peixes, diz que:

“A serra é minha casa. Aqui é um lugar de paz, de amor, é o meu lugar.

Faço parte dessa natureza porque moro e convivo aqui. Desfruto da beleza da vegetação, do

ar puro, das frutas em abundância, do rio. Só não é felicidade total porque morando aqui

também vejo o rio represado nas piscinas dos donos de pousada e nas casas ricas, mais em

cima da serra. Já aqui embaixo, principalmente no período de seca, como passamos agora,

só nos resta doença trazida com os mosquitos que ficam nas águas enlamaçadas dos rios”.

Os moradores da serra, como atores sociais, fazem leituras de suas paisagens,

fazendo novas interpretações dela a cada experiência vivida, em novas percepções e

demonstrações de suas realidades espaciais. O discurso dos moradores Carla e Pedro deixa

claro suas percepções de desvantagem quanto à apropriação da terra, aquele que tem mais

recursos financeiros pode utilizá-la como melhor lhe convém, mesmo que contrariando a

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legislação para áreas protegidas, enquanto que o menos favorecido a respeitam por obrigação

de cidadania e por medo de pagar multas sem poder.

Nessa perspectiva Relph (1976) mostrava em seus estudos que a paisagem é um

modo especial de compor, estruturar e de dar significado a um mundo externo, cuja história

tem que ser entendida em relação à apropriação material da terra. Trata-se da territorialização

da natureza pelo homem como bem nos diz Henrique (2014, p. 21):

A modificação do mundo natural em território humano, legitimada pelas

necessidades, requerimentos, desejos e esperanças dos homens, pode ser vista tanto como um projeto de emancipação coletiva, como pela realização

do conforto na vida individual.

Genoíno, 38 anos, morador dos Marianos, ao falar da paisagem local diz que:

“[...] A serra mexe comigo, sua paisagem me traz sentimentos de alegria ao

mesmo tempo em que me dá tristeza. Alegria, porque me lembro do namoro às margens do

rio, da felicidade que eram as brincadeiras e os beijos na água. Tristeza pelo amor que se

acabou e que não botei outro no lugar. Sempre que volto ao rio ainda me dá vontade de

chorar. Assim, a serra prá mim é saudade!”

De acordo com os processos de ancoragem e objetivação de Moscovici,

compreende-se que a ideia de paisagem serrana, no processo de ancoragem, comumente se

confunde com a de natureza, de exuberância do verde, no entanto os sentimentos que a

envolve aponta para outras perspectivas que passam a redefinir a paisagem, no que se chama

de objetivação.

À medida que os moradores compreendem a serra como espaço da própria

identidade e cultura suas relações com ela vão se intensificando provocando processos de

construção e reconstrução da paisagem fazendo surgir as representações, tais como seu lugar,

sua casa, de natureza, de vida, demonstradas no quadro 1.

No entanto foi observado também nas falas mais representativas do grupo outras

palavras pertencentes ao sistema de representações de significados, de acordo com as

identidades que se manifestaram nas construções compartilhadas socialmente e expressas

espacialmente, conforme o quaro 2.

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QUADRO 1– Categorias principais encontradas nas entrevistas

PAISAGEM SERRANA DE MARANGUAPE Lugar

QUADRO 2– Subcategorias encontradas da paisagem serrana de Maranguape

CASA Lar - Berço - Aconchego - Quintal

Lugar bonito - de paz e de amor - lugar ruim prá viver

LUGAR protegido por lei - de abandono - de carência - de lembrança de

tempos difíceis - de realização de um sonho - lugar de encontro

com o religioso.

VIDA Sobrevivência - Fonte de Renda - Sustento - Morte.

NATUREZA Verde - Vegetação - Sujeira - Paisagem Poluída - Paraíso - Sossego -

Alegria - Amor.

Casa

Lugar

Vida

Natureza

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Nesse contexto, a cultura que permeia tais identificações representa todo o modo

de vida do grupo que inclui a produção de objetos materiais, seus valores morais, éticos,

hábitos e significados expressos nas práticas sociais, inclui também, mitos e ritos religiosos

além de um sistema imaginário, que serve de nexo para a construção da identidade espacial do

grupo.

Daí recorrermos a Corrêa (2003, p.13) para deixar claro o conceito de cultura:

[...] é liberado da visão supra-orgânica e do culturalismo, na qual a cultura é

vista segundo o senso comum e dotada de poder explicativo. É vacinado também contra a visão estruturalista, na qual a cultura faria parte da

‘superestrutura’, sendo determinada pela ‘base’. A cultura é vista como um

reflexo, uma mediação e uma condição social. Não tem poder explicativo, ao contrário, necessita ser explicada.

Tais categorias compõem neste estudo, a estrutura das representações sociais que

nada mais é do que a aproximação de toda imagem a uma ideia e vice versa (MOSCOVICI,

2003). A paisagem serrana de Maranguape passa a ser um conteúdo vivo, como uma visão

particular de seus moradores sobre o que veem, que desperta seus interesses, desinteresses,

sentimentos bons e ruins revelados em cada fala de acordo com o que a paisagem apresenta-se

e pela forma individual de interpretá-la: casa – berço, lugar protegido por lei – lugar de

carência, vida - morte, natureza – paisagem poluída.

As identidades são dinâmicas (HALL, 2001) construídas socialmente e assumem

um sentido para com o indivíduo através da linguagem e sistemas simbólicos representativos

e possuem relação direta com o ambiente. Nessa perspectiva, Moser (2005) ao discutir sobre

psicologia ambiental argumenta que o ambiente veicula significações, porquanto a visão da

natureza humana se exprime na maneira como o espaço é moldado, e a partir desse molde, o

espaço construído retorna para os indivíduos com identidades e papeis sociais ressignificados,

pois, “[...] uma vez que os lugares têm um passado que contribui para a sua interpretação

atual, e um futuro que é suscetível de nos guiar em nossas ações por meio de nossas

representações antecipatórias” (MOSER, 2005, p. 282).

No decorrer deste estudo um questionamento muito frequente se referia à

representatividade da fala do indivíduo em relação ao grupo. Nesse momento se faz

necessário lembrar Bourdieu (1972), quando na definição do conceito de habitus, dizia que a

identidade de condições de existência tende a produzir sistemas de disposições semelhantes,

através de uma harmonização objetiva de práticas e obras.

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Quando se buscou compreender as representações sociais da paisagem serrana na

Serra de Maranguape pôde-se ver que, por meio das particularidades das práticas sociais de

cada morador entrevistado, mesmo que sem saber ou querer os mostravam como produtor e

reprodutor de um modo de agir.

Ao discutir a teoria das representações sociais Abric (2006) elenca quatro funções:

a função de saber, a identitária, a de orientação e a função justificadora. A função de saber

relaciona-se às compreensões da realidade; a função identitária, além de definir os moradores

da serra como pertencentes ao lugar, também permite a proteção das características próprias

desse grupo. A função de orientação guia os comportamentos e práticas do grupo; e a função

justificadora justificam-se as posições e comportamentos do grupo.

Nessa perspectiva, as representações sociais dos moradores serranos de

Maranguape surgiram de suas reconstruções mentais elaboradas pautadas na consciência

expressas pelas palavras e atos ou pelas experiências, aos quais esses moradores atribuíam um

significado, de acordo com sua percepção sobre si e sobre o lugar que originavam

comportamentos e atitudes. A esse processo pode-se chamar de objetivação e ancoragem, pois

na ancoragem os objetos novos são classificados e alinhados com o conhecimento prévio. Na

objetivação, entendida como a materialização de um conceito, se reproduz uma ideia abstrata

em imagem.

Na ancoragem, fase simbólica das representações, é possível interpretar e

assimilar os elementos familiares, classificando-os e dando nomes a eles. Na objetivação, fase

figurativa das representações, encontram-se os resultados da capacidade que o pensamento e a

linguagem que os moradores têm de materializar o abstrato, possibilitando-lhes formular

novos conceitos baseados nas informações existentes.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As representações sociais são externalidades do visível que parecem invisíveis,

mas contextualizadas no espaço habitado por afetividade, por intimidade, por experiências de

vida. Daí porque se dizer que as representações sociais são construções de visão de mundo,

em que o espaço em diferentes temporalidades vai assumindo o sentido de lugar.

A visão fisionômica da paisagem é a primeira aproximação da realidade, é o que

nos aparece, e as paisagens assumem uma função de acordo com as condições que lhes são

propícias do lugar, que pode ser estética, política, econômica, histórica ou cultural, de modo a

determinar uma organização ou funcionalidade.

Nessa perspectiva a pesquisa permitiu obter elementos para responder à questão

de pesquisa formulada e para atingir os objetivos propostos. Possibilitou identificar outros

aspectos que poderão ser objetos de maior profundidade analítica, em futuras pesquisas.

Os resultados da pesquisa possibilitaram a apreensão do sentido das falas quanto à

compreensão da construção de suas práticas cotidianas nas representações sociais da

paisagem. As diferenças afetivas dos indivíduos provocam uma diferenciação quanto ao uso

que se faz do extrato físico da serra. Isso tem íntima relação com as formas de uso e ocupação

do solo.

Para aqueles que possuem casas de veraneio a paisagem natural é um atrativo para

o lazer e o ócio. Para moradores antigos da serra a paisagem é um complemento de suas vidas,

pois os remete a lembranças de momentos felizes da infância e da juventude, como banhos

nas cachoeiras e brincadeiras entre a vegetação mais abundante que na atualidade.

Para entrevistados adultos, o espaço serrano de Maranguape poderia ser mais

explorado com recursos para fonte de renda que não fosse a agricultura. Segundo estes a

paisagem natural não tem grande serventia se não for transformada com a criação de pousadas

além das existentes, clubes e outros que pudessem oferecer renda para os residentes locais.

Ao se estudar as representações sociais da paisagem serrana de Maranguape

pode-se perceber que no que diz respeito à paisagem existe uma interdependência ou

objetivos comuns entre seus moradores, pois fazem parte cotidianamente dela conscientes

ou não.

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Na perspectiva cultural a paisagem é sempre uma herança que se manifesta

como testemunho de uma objetividade que vai surgindo das subjetividades próprias do ser

humano, tendo em vista, que a realidade geográfica nos conduz às múltiplas dimensões do

vivido, que ultrapassam os limites territoriais para muito além das suas interações implícitas

relativas à matéria, à concretude do espaço. A paisagem assim assume o caráter de imagem

cultural, na qual se deixa representar ou simbolizar em tudo que circunda os moradores

serranos.

A paisagem não se restringe apenas como substrato e meio, mas expande-se em

significados ao incorporar o sentido de fonte de vida, de aconchego, de alegria, de religião,

como pensam os moradores entrevistados, estabelecendo relações existenciais entre o

indivíduo e o “seu” lugar.

Em alguns momentos das entrevistas a serra foi tratada como uma área

protegida por lei, a maioria dos entrevistados desconhecia o fato, mas dois dos entrevistados

comentaram que as exigências legais na serra somente eram para os pores, pois aqueles

moradores com mais recursos financeiros, ao serem confrontados com alguma

irregularidade, são multados e ao pagarem a multa resolvem o problema. Isso mostra que

algumas pessoas observam, percebem e cuidam menos de seu espaço de vida,

desconsiderando e desvalorizando-o. Enquanto que a minoria conhece e valoriza o espaço

em que se vive, compreendendo que isso é a base para uma relação mais sustentável com a

natureza, e consequentemente melhorando a qualidade de vida. Assim é importante que as

pessoas (re) conheçam o lugar em que vivem para que possam atribuir maior valor ao seu

espaço.

Ao analisar a paisagem ao seu redor, algo que se mostra tão comum e familiar já

não é atribuído tanta importância. No entanto, as vivências de cada um e as múltiplas

percepções quando compartilhadas, possibilitam um olhar crítico sobre os componentes

espaciais presentes na paisagem.

As peculiaridades da paisagem serrana de Maranguape mostram como certos

grupos atribuíram significados diferentes a cada elemento do ambiente. Um rio pode ser o

passado e o presente de brincadeiras, mas também é uma barreira que dificulta ou

impossibilita o acesso, principalmente em período chuvoso. A neblina que, ao mesmo tempo

em que representa o perigo na estrada, representa também a acolhedora lembrança do calor da

cama em tempos passados, Os arranjos de sentidos são feitos pelas culturas, em suas

singularidades individuais e coletivas. A paz e a beleza natural que enche os olhos e acalma a

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alma, também representam agradecimentos e súplicas com a espiritualidade representados por

deuses e orixás.

A coexistência dos aspectos naturais da serra com a presença do ser humano

produz diferentes objetivações e ancoragens através dos diferentes modos de vida, sem

desconsiderar suas relações íntimas com o lugar. Isso nas representações sociais é identificado

nos padrões gerais do imaginário dos indivíduos serranos através de atitudes, falas, símbolos

que traduzem suas condutas, seus desejos e necessidades, aceitações e reprovações a partir da

sua relação com a serra.

Essa identificação dá uma visão do espaço vivido numa desigualdade de tempos,

na qual se percebe uma superposição de ideias e sentimentos, que de acordo com cada

indivíduo, as aproximam ou as distanciam. Assim, o modo de vida, as emoções e

pensamentos dos indivíduos moradores da Serra de Maranguape se justificam pela paisagem

que se lhes apresenta.

A paisagem expressa nas falas dos indivíduos é mostrada sob vários aspectos que

não são somente os saudáveis, encontramos paisagens insalubres contrastando com as fontes

de água limpa e com a riqueza da fauna e até mesmo da beleza do relevo da serra. Essas

paisagens surgiram como os esgotos a céu aberto pela a falta de saneamento básico, o lixo

jogado nas margens dos rios e na estrada nas comunidades mais populosas, como o Salto dos

Peixes em particular.

Por fim, as falas e silêncios dos indivíduos entrevistados acerca da paisagem

serrana de Maranguape na perspectiva da fenomenologia e das representações sociais

mostraram a compreensão da paisagem local composta pelo imaginário e percepção dos

indivíduos aliados as suas práticas espaciais vivenciadas na relação com a natureza e uns com

os outros.

Essas dimensões da paisagem ultrapassaram o aspecto visual e as relações entre os

moradores e o ambiente, pois permitiram observar como a paisagem pode ter significados e

interesses diversos e que merecem atenção especial para implantação de políticas públicas que

atendam as perspectivas dos indivíduos ali residentes conciliadas à proteção ambiental que o

lugar exige.

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APÊNDICE

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APÊNDICE A- GUIA DE ENTREVISTAS COM PALAVRAS GATILHO

Comunidade:_______________________________________________

Dia:___________________

Nome: ____________________________________________________ Idade:____________

1. Há quanto tempo reside no local?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

______

2. Possui filhos? Todos moram no local?

___________________________________________________________________________

3. O que lhe chamou atenção para morar na Serra de Maranguape?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

4. O que o Sr. (a) entende por paisagem desse lugar?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

5. O que lhe chama atenção na paisagem desse lugar?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

6. O que considera positivo e negativo na paisagem da Serra?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

6. Já pensou ou pensa em sair daqui? Por que?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________