juizado da infância e juventude rio grande do sul 2011

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    Conselho de Superviso da

    Infncia e Juventude CONSIJ

    Corregedoria-Geral da Justia

    Porto Alegre, novembro de 2009.

    JUIZADODA INFNCIA

    E DA JUVENTUDE

    ANO VIIN 19

    Periodicidade: quadrimestralTiragem: 830 exemplares

    Impresso em janeiro de 2011

    ISSN 1807-0957

    PODER JUDICIRIOESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

    20

    DESETEMBRO

    DE18

    35

    RE

    PUBLI

    CA

    RIO GRAN

    DENSE

    TRIBUNAL DE JUSTIA

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    EXPEDIENTE

    Coordenao-Geral:Conselho de Superviso da Infncia e Juventude CONSIJ

    Elaborao:Dr. Joo Batista Costa Saraiva, Juiz de Direito do Juizado Regionalda Infncia e da Juventude de Santo ngelo

    Diagramao, Reviso e Impresso:Departamento de Artes Grficas do Tribunal de Justia

    Capa: Paulo Guilherme de Vargas Marques DAG/TJRS

    Catalogao na fonte elaborada pelo Departamento de Biblioteca e de Jurisprudncia do TJRS

    Juizado da Infncia e Juventude / [publicado por] Tribunal de Justi-a do Estado do Rio Grande do Sul, Corregedoria-Geral da Jus-tia. n. 1 (nov. 2003)-. Porto Alegre : Departamento de ArtesGrficas do TJRS, 2003-

    Quadrimestral.

    ISSN 1807-0957

    1. Menor Juizado da Infncia e Juventude Peridico I. RioGrande do Sul. Tribunal de Justia. Corregedoria-Geral daJustia.

    CDU 347.157(05)

    J93

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    TRIBUNAL DE JUSTIA DO ESTADODO RIO GRANDE DO SUL

    Desembargador LEO LIMAPresidente

    Desembargador JOS AQUINO FLRES DE CAMARGO1 Vice-Presidente

    Desembargador VOLTAIRE DE LIMA MORAES2 Vice-Presidente

    Desembargadora LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO

    3 Vice-Presidente

    Desembargador RICARDO RAUPP RUSCHELCorregedor-Geral da Justia

    CONSELHO DE SUPERVISODA INFNCIA E JUVENTUDE CONSIJ

    Desembargador RICARDO RAUPP RUSCHEL

    Corregedor-Geral da Justia Presidente

    Dr. LUS FRANCISCO FRANCOJuiz-Corregedor Vice-Presidente

    Dr. LEANDRO FIGUEIRA MARTINSJuiz-Corregedor Vice-Presidente Suplente

    Dra. ELISA CARPIM CORRA1 Juzo do Juizado Regional da Infncia e da Juventude de Porto Alegre

    Dr. JOS ANTNIO DALTO CEZAR2 Juzo do Juizado Regional da Infncia e da Juventude de Porto Alegre

    Dra. VERA LCIA DEBONI3 Juzo do Juizado Regional da Infncia e da Juventude de Porto Alegre

    Dra. CONCEIO APARECIDA CANHO SAMPAIO GABBARDOJuizado Regional da Infncia e da Juventude de Osrio

    Dr. BRENO BRASIL CUERVOJuizado Regional da Infncia e da Juventude de Santa Cruz do Sul

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    Dr. DALMIR FRANKLIN DE OLIVEIRA JNIORJuizado Regional da Infncia e da Juventude de Passo Fundo

    Dr. JOO BATISTA COSTA SARAIVAJuizado Regional da Infncia e da Juventude de Santo ngelo

    Dr. JOO CARLOS CORRA GREYJuizado Regional da Infncia e da Juventude de Novo Hamburgo

    Dra. LILIAN PAULA FRANZMANNJuizado Regional da Infncia e da Juventude de Santa Maria

    Dra. MARIA DO CARMO MORAES AMARAL BRAGAJuizado Regional da Infncia e da Juventude de Pelotas

    Dra. ANA BEATRIZ ROSITO DE ALMEIDA FAGUNDESJuizado Regional da Infncia e da Juventude de Uruguaiana

    Dr. SRGIO FUSQUINE GONALVESJuizado Regional da Infncia e da Juventude de Caxias do Sul

    Dr. CHARLES ABADIE VON AMELNJuizado da Infncia e da Juventude de Canoas

    Dr. NILTON LUIS ELSENBRUCH FILOMENA

    Vara Judicial de Antnio Prado

    Dra. MRCIA RITA DE OLIVEIRA MAINARDIVara Judicial de Arroio do Tigre

    Dr. FERNANDO VIEIRA DOS SANTOS2 Vara Judicial de Trs Passos

    Dr. RICARDO LUIZ DA COSTA TJADER2 Vara Criminal de Cruz Alta

    Dra. CAMILA LUCE MADEIRA2 Vara Criminal de So Leopoldo

    Dra. ROSSANA GELAIN2 Vara Criminal de Carazinho

    Dra. CLECIANA GUARDA LARA PECHJustia Juvenil

    Dra. MARIA ELISA SCHILLING CUNHAJustia Instantnea

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    SUMRIO

    DOUTRINA

    A Medida Socioeducativa e sua Percepo Socioassistencial: Os Riscos daRevivncia da Doutrina da Situao Irregular sob um Novo Rtulo JooBatista Costa Saraiva........................................................................................... 9

    O Abandono Afetivo (O Pai de Kafka) como Dano Indenizvel AndrLuis de Moraes Pinto ........................................................................................... 25

    O Estatuto da Criana e do Adolescente e as Portarias Judiciais Murillo

    Jos Digicomo ..................................................................................................... 35

    SENTENAS

    Comarca de Porto Alegre-RS 2 Vara da Infncia e da Juventude Aode Adoo .............................................................................................................. 43

    JURISPRUDNCIA

    STF Recurso Extraordinrio n 220.123 Rio Grande do Sul .................. 53

    Ementrio Cvel ..................................................................................................... 55

    Hbeas-Crpus n 70033738279 8 Cmara Cvel Lagoa Vermelha ..... 57

    Hbeas-Crpus n 2009.063104-6 1 Vara Cvel Canoinhas SantaCatarina .................................................................................................................. 61

    DOUTRINA ESTRANGEIRA

    Das Relaes Pblicas ao Neomenorismo: 20 Anos da Conveno Interna-cional sobre os Direitos da Criana na Amrica Latina (1989-2009) EmilioGarca Mndez ...................................................................................................... 73

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    Visite o site da Justia da Infncia e da Juventude: www.tjrs.jus.brLink Infncia e Juventude.

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    A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA ESUA PERCEPO SOCIOASSISTENCIAL:

    OS RISCOS DA REVIVNCIA DA DOUTRINA DASITUAO IRREGULAR SOB UM NOVO RTULO

    JOO BATISTA COSTA SARAIVAJuiz de Direito, Especialista em Direito da Criana e do Adolescente, tem

    diversas obras publicadas, sendo a mais recente: Compndio de DireitoPenal Juvenil: Adolescente e Ato Infracional, Porto Alegre:Livraria do Advogado Ed., 4 ed., 2010.

    A ideia da descentralizao do atendimento, levando em conta o princpioda especializao e a constante busca da participao da sociedade no atendi-mento do adolescente autor de ato infracional, foi constitutiva da prpria Doutrinada Proteo Integral.

    Fundada no princpio da peculiar condio de pessoa em desenvolvimento, aDoutrina da Proteo Integral contrape-se vetusta Doutrina da Situao Irregu-lar que norteava o Cdigo de Menores. Este inclua praticamente 70% da popula-

    o infanto-juvenil brasileira nesta condio, bastando ver a redao do art. 2do revogado Cdigo de Menores1.

    Pela ideologia da situao irregular, os menores tornam-se interesse do di-reito especial quando apresentam uma patologia social, a chamada situao irre-gular, ou seja, quando no se ajustam a um padro estabelecido.

    A declarao de situao irregular tanto poderia derivar de sua condutapessoal (caso de infraes por ele praticadas ou de desvio de conduta), como

    1 Cdigo de Menores, Lei n 6.697/79, art. 2: Para os efeitos deste Cdigo, considera--se em situao irregular o menor:

    I privado de condies essenciais sua subsistncia, sade e instruo obrigatria, ain-da que eventualmente, em razo de:a) falta, ao ou omisso dos pais ou responsvel;b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsvel para prov-las;II vtima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsvel;III em perigo moral, devido a:a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrrio aos bons costumes;b) explorao de atividade contrria aos bons costumes;IV privado de representao ou assistncia legal, pela falta eventual dos pais ou respon-svel;V com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptao familiar ou comunitria;VI autor de infrao penal.

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    da famlia (maus tratos) ou da prpria sociedade (abandono). Haveria uma situa-o irregular, uma molstia social, sem distinguir, com clareza, situaes decor-

    rentes da conduta do jovem ou daqueles que o cercam.Reforava-se a ideia dos grandes institutos para menores (at hoje presen-

    tes em alguns setores da cultura nacional), onde misturavam-se infratores e aban-donados, vitimizados por abandono e maus tratos com vitimizadores autores deconduta infracional, partindo do pressuposto de que todos estariam na mesmacondio: estariam em situao irregular2.

    Mary Beloff, professora de Direito Penal Juvenil na Faculdade de Direito daUniversidade de Buenos Aires, resume uma srie de distines entre a Doutrinada Situao Irregular, que presidia o Cdigo de Menores e as legislaes latino--americanas da poca, derrogados pela Conveno das Naes Unidas de Direitoda Criana, e a Doutrina da Proteo Integral resultante da nova ordem internacio-

    nal3. Do trabalho de Mary Beloff se extrai como caractersticas da Doutrina da Si-tuao Irregular:

    a) As crianas e os jovens aparecem como objetos de proteo, no soreconhecidos como sujeitos de direitos, e sim como incapazes. Por isso, as leisno so para toda a infncia e adolescncia, mas sim para os menores.

    b) Utilizam-se categorias vagas e ambguas, figuras jurdicas de tipo aber-to, de difcil apreenso pela perspectiva do direito, tais como menores em situa-o de risco ou perigo moral ou material, ou em situao de risco, ou, ainda,em circunstncias especialmente difceis, enfim, estabelece-se o paradigmada ambiguidade.

    c) Neste sistema o menor que est em situao irregular; so suas condi-es pessoais, familiares e sociais que o convertem em um menor em situaoirregular e por isso objeto de uma interveno estatal coercitiva, tanto ele comosua famlia.

    d) Estabelece-se uma distino entre as crianas bem nascidas e aquelesem situao irregular, entre criana e menor, de sorte que as eventuais ques-tes relativas quelas sero objeto do Direito de Famlia e, destes, dos Juizadosde Menores.

    e) Surge a ideia de que a proteo da lei visa aos menores, consagrando oconceito de que estes so objeto de proteo da norma.

    2 No contexto latino-americano, a ideia da criminalizao da pobreza se constituiu no nor-te para a construo do sistema de ateno aos menores, na lgica da Doutrina Tutelar,da situao irregular. Eduardo Galeano, no notvel De Pernas pro Ar: a Escola do Mundoao Avesso (LP&M, 1999), refere que no primeiro Congresso Policial Sul-Americano, cele-brado em Montevidu em 1979, a polcia colombiana explicou que o aumento crescenteda populao com menos de dezoito anos induz estimativa de maior populao PO-TENCIALMENTE DELINQUENTE (maisculas no original), p. 18.3 Beloff, Mary. Modelo de la Protecin Integral de los derechos del nio y de la situacinirregular: um modelo para armar y outro para desarmar. In Justicia y Derechos del Nio.Santiago de Chile: UNICEF, 1999, pp. 9-21.

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    f) Esta proteo frequentemente viola ou restringe direitos, porque no concebida a partir da perspectiva dos direitos fundamentais.

    g) Aparece a ideia de incapacidade do menor.h) Decorrente deste conceito de incapacidade, a opinio da criana faz-se

    irrelevante.i) Nesta mesma lgica, afeta-se a funo jurisdicional, j que o Juiz de Me-

    nores deve ocupar-se no somente de questes tipicamente judiciais, mas tam-bm de suprir as deficincias de falta de polticas pblicas adequadas. Por issoespera-se que o Juiz atue como um bom pai de famlia em sua misso de en-carregado do patronato do Estado sobre estes menores em situao de risco ouperigo moral ou material. Disso resulta que o Juiz de Menores no est limitadopela lei e tenha faculdades ilimitadas e onipotentes de disposio e intervenosobre a famlia e a criana, com amplo poder discricionrio.

    j) H uma centralizao do atendimento.k) Estabelece-se uma indistino entre crianas e adolescentes que come-

    tem delito com questes relacionadas com as polticas sociais e de assistncia,conhecido como seqestro e judicializao dos problemas sociais.

    l) Deste modo, instala-se uma nova categoria, de menor abandonado/delin-quente e inventa-se a delinquncia juvenil.

    m) Como consequncia deste conjunto, desconhece-se todas as garantiasreconhecidas pelos diferentes sistemas jurdicos no Estado de Direito, garantiasestas que no so somente para pessoas adultas.

    n) Principalmente, a medida por excelncia que adotada pelos Juizados de

    Menores, tanto para os infratores da lei penal quanto para as vtimas ou prote-gidos, ser a privao de liberdade. Todas estas medidas impostas por tempo in-determinado.

    o) Consideram-se as crianas e adolescentes como inimputveis penalmenteem face dos atos infracionais praticados. Esta ao protetiva resulta em nolhes ser assegurado um processo com todas as garantias que tm os adultos,alm de que a deciso de priv-los de liberdade, ou de aplicao de qualquer ou-tra medida, no depender necessariamente do fato cometido, mas sim, precisa-mente, da circunstncia de a criana ou adolescente encontrarem-se em situaode risco.

    Neste tempo de vigncia do Cdigo de Menores, a grande maioria da popu-

    lao infanto-juvenil recolhida s entidades de internao do sistema FEBEM noBrasil, na ordem de 80%, era formada por crianas e adolescentes, menoresque no eram autores de fatos definidos como crime na legislao penal brasilei-ra. Estava consagrado um sistema de controle da pobreza, que Emilio GarcaMndez define como sociopenal, na medida em que se aplicavam sanes de pri-vao de liberdade a situaes no tipificadas como delito, subtraindo-se garantiasprocessuais. Ou seja, prendiam a vtima. Esta tambm era, por consequncia, aordem que imperava nos Juizados de Menores.

    A criminalizao da pobreza, a judicializao da questo social na rbita doento Direito do Menor, que orientava os Juizados de Menores da poca, pode

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    ser bem definida a partir da experincia da instalao do Juizado da Infncia eJuventude de Porto Alegre, nos primeiros instantes de vigncia do Estatuto da

    Criana e do Adolescente, no final de 1990, incio de 1991.Quando o Juiz Marcel Hoppe foi incumbido de instalar o novo Direito da In-

    fncia e da Juventude na Capital do Rio Grande do Sul, construindo um novo Jui-zado da Infncia e Juventude, encontrou mais de vinte e cinco mil processos emtramitao no Juizado. Realizada uma triagem nos processos, verificados quaisefetivamente envolviam questes jurisdicionais, sob a tica do novo direito, os fei-tos foram reduzidos para pouco mais de trs mil4.

    A implantao da nova ordem em substituio ao que havia no Juizado daInfncia e Juventude de Porto Alegre veio a ser, mais tarde, reconhecida peloUNICEF, conferindo prmio ao Juiz Marcel Hoppe5.

    Sobre a aplicao da Doutrina da Situao Irregular e a operacionalidade do

    Cdigo de Menores, aduz Martha de Toledo Machado6:A implementao desta poltica pblica, entretanto, acabou por gerar, to

    somente, uma condio de sub-cidadania de expressivo grupo de jovens criadoslonge de ncleos familiares, nas grandes instituies, que acabaram adultos inca-pazes do exerccio de suas potencialidades humanas plenas. Alm da tambm in-digna e absurda retirada arbitrria de expressivo nmero de crianas de tenra ida-de da companhia de seus pais para colocao em adoo, sem que houvessesignificativa violao dos deveres do ptrio-poder, apenas em funo da carnciaeconmica das famlias, como referido por Olimpio de S Sotto Maior Neto.

    Enquanto no Brasil, em 1979, editava-se o Cdigo de Menores, expresso

    mxima da Doutrina da Situao Irregular e do carter tutelar do Direito de Meno-res, a ONU estabelecia aquele como o Ano Internacional da Criana.Passavam vinte anos desde o advento da Declarao dos Direitos da Crian-

    a, em 1959, cumprindo fazer entre os pases signatrios daquela Carta um ba-lano mundial dos avanos alcanados na efetivao daqueles direitos enuncia-dos.

    4 Nesta atuao de adequao nova ordem, refere Marcel Hoppe, ilustrando a situaoque encontrou, que havia um menino de trs anos internado h mais de seis meses emuma das unidades do sistema FEBEM. Investigada a situao foi constatado que o garoto,

    morador da periferia, havia ido com a me ao aeroporto ver os avies decolarem e haviase perdido. Desde ento estava recolhido FEBEM. Em uma busca de quarenta e cincominutos pela cidade a casa do menino foi localizada e ele restitudo ao lar. Havia uma lgi-ca perversa a presidir o sistema de que a institucionalizao era melhor do que a famlia,quando pobre.5 Em 1993, Marcel Hoppe foi agraciado com o Prmio Criana e Paz Direitos da Crian-a, institudo pelo UNICEF, em reconhecimento por seu trabalho junto ao Juizado da Infn-cia e da Juventude de Porto Alegre.6 No artigo resultante da palestra Destituio do Ptrio Poder e Colocao em Lar Subs-tituto Uma Abordagem Crtica, proferida no I Encontro Nacional de Promotores de JustiaCuradores de Menores, realizado em So Paulo em agosto de 1989, publicado pelo Minist-rio Pblico de So Paulo, apud Martha de Toledo Machado, op. cit.

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    Assim, a Doutrina das Naes Unidas de Proteo Integral Criana, comfora cogente nos Pases signatrios, pode ser afirmada a partir destes quatro do-

    cumentos:a) Conveno Internacional sobre os Direitos da Criana (20-11-89);b) Regras mnimas das Naes Unidas para a Administrao dos Direitos

    dos Menores, conhecidas como Regras de Beijing (29-11-85);c) Regras das Naes Unidas para a Proteo dos Menores Privados de Li-

    berdade (14-12-90);d) Diretrizes das Naes Unidas para a Preveno da Delinquncia Juvenil,

    conhecidas como Diretrizes de Riad (14-12-90).Este conjunto normativo revogou a antiga concepo tutelar, trazendo a crian-

    a e o adolescente para uma condio de sujeito de direito, de protagonista desua prpria histria, titular de direitos e obrigaes prprios de sua peculiar condi-

    o de pessoa em desenvolvimento, dando um novo contorno ao funcionamentoda Justia de Infncia e Juventude, abandonando o conceito de menor, como sub-categoria de cidadania.

    Todo sistema de garantias construdo pelo Direito Penal como fator determi-nante de um Estado Democrtico de Direito estendido criana e ao adolescen-te, em especial quando se lhe atribuda a prtica de uma conduta infracional.

    Princpios fundamentais, os quais, em nome de uma suposta ao protetivado Estado, eram esquecidos pela Doutrina da Situao Irregular, passam a ser in-tegrantes da rotina do processo envolvendo crianas e adolescentes em conflitocom a lei, tais como: princpio da reserva legal, do devido processo legal, do ple-

    no e formal conhecimento da acusao, da igualdade na relao processual, daampla defesa e contraditrio, da defesa tcnica por advogado, da privao de li-berdade como excepcional e somente por ordem expressa da autoridade judiciriaou em flagrante, da proteo contra a tortura e tratamento desumano ou degra-dante, etc.

    Retomando a anlise de Mary Beloff7, possvel listar as principais caracte-rsticas da Doutrina da Proteo Integral:

    a) Definem-se os direitos das crianas estabelecendo-se que, no caso de al-gum destes direitos vir a ser ameaado ou violado, dever da famlia, da socie-dade, de sua comunidade e do Estado restabelecer o exerccio do direito atingido,atravs de mecanismos e procedimentos efetivos e eficazes, tanto administrativos

    quanto judiciais, se for o caso.b) Desaparecem as ambiguidades, as vagas e imprecisas categorias de ris-

    co, perigo moral ou material, circunstncias especialmente difceis, situaoirregular, etc.

    c) Estabelece-se que quem se encontra em situao irregular, quando odireito da criana se encontra ameaado ou violado, algum ou alguma institui-o do mundo adulto (famlia, sociedade, Estado).

    7 Beloff, Mary. Op. cit., pp. 18 e 19.

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    d) Estabelece-se a distino entre as competncias pelas polticas sociais ecompetncias pelas questes relativas a infrao lei penal. Neste caso, estabe-

    lecendo-se princpios fundamentais como ampla defesa, reconhecendo que os di-reitos das crianas e dos adolescentes dependem de um adequado desenvolvi-mento das polticas sociais.

    e) A poltica pblica de atendimento deve ser concebida e implementadapela sociedade e pelo Estado, fundada na descentralizao e focalizada nos Muni-cpios.

    f) abandonado o conceito de menores como sujeitos definidos de maneiranegativa, pelo que no tm, no sabem ou no so capazes, e passam a ser de-finidos de maneira positiva, como sujeitos plenos de direito.

    g) So desjudicializados os conflitos relativos falta ou carncia de recur-sos materiais, substituindo o anterior sistema que centrava a ao do Estado pela

    interveno judicial nestes casos.h) A ideia de Proteo dos Direitos das Crianas e dos Adolescentes: no

    se trata, como no modelo anterior, de proteger a pessoa da criana ou do adoles-cente, do menor, mas sim de garantir os direitos de todas as crianas e adoles-centes.

    i) Este conceito de proteo resulta no reconhecimento e promoo de direi-tos, sem viol-los nem restringi-los.

    j) Tambm por este motivo a proteo no pode significar interveno esta-tal coercitiva.

    k) Da ideia de universalidade de direitos se depreende que estas leis, deri-

    vadas da nova ordem, so para toda a infncia e adolescncia, no para umaparte. Por isso se diz que com estas leis se recupera a universalidade da catego-ria infncia, perdida com as primeiras leis para menores.

    l) J no se trata de incapazes, meias-pessoas ou pessoas incompletas,mas sim pessoas completas, cuja particularidade que esto em desenvolvimen-to. Por isso se reconhecem todos os direitos que tm todas as pessoas, alm deum plus de direitos especficos precisamente por se reconhecer que so pessoasem peculiar condio de desenvolvimento.

    m) Decorre disso, por um imperativo lgico, o direito de a criana ser ouvi-da e sua palavra e opinio devidamente consideradas.

    n) Recoloca-se o Juiz na sua funo jurisdicional, devendo a Justia de In-

    fncia e Juventude ocupar-se de questes jurisdicionais, seja na rbita infracional(penal) seja na rbita civil (famlia).

    o) O Juiz da Infncia, como qualquer Juiz no exerccio de sua jurisdio,est limitado em sua interveno pelo sistema de garantias.

    p) Na questo do adolescente em conflito com a lei, enquanto autor de umaconduta tipificada como crime ou contraveno, reconhecem-se todas as garantiasque correspondem aos adultos nos juzos criminais, segundo as constituies e osinstrumentos internacionais pertinentes, mais garantias especficas. Destas, a princi-pal de que os adolescentes devem ser julgados por tribunais especficos, comprocedimentos prprios e que a responsabilidade do adolescente pelo ato cometido

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    resulte na aplicao de sanes distintas daquelas do sistema de adultos, estabele-cendo, deste ponto de vista, uma responsabilidade penal juvenil, distinta daquela do

    adulto.q) Resulta disso o estabelecimento de um rol de medidas aplicveis ao ado-

    lescente em conflito com a lei, onde o alternativo, excepcional, ltima soluo epor breve tempo ser a privao de liberdade. Estas medidas se estendem desdea advertncia e admoestao at os regimes de semiliberdade e/ou privao de li-berdade em instituio especializada, distinta daquela de adultos e por tempo de-terminado.

    r) A privao de liberdade ser sempre o ltimo recurso, presidida por prin-cpios como brevidade e excepcionalidade, com perodo determinado de durao esomente aplicvel em caso de um delito grave.

    A partir destes primados estabelecidos pela nova ordem internacional esta-

    belece-se uma mudana paradigmtica no Direito da Criana.A Constituio Federal de 1988, antecipando-se Conveno das Naes

    Unidas de Direito da Criana, incorporou ao ordenamento jurdico nacional, emsede de norma constitucional, os princpios fundantes da Doutrina da Proteo In-tegral, expressos especialmente em seus arts. 227 e 228.

    A ideologia incorporada no texto constitucional norteou o Estatuto da Crian-a e do Adolescente, legislao infraconstitucional regulamentadora dos dispositi-vos constitucionais que tratam da matria, sendo, em ltima anlise, a verso bra-sileira do texto da Conveno das Naes Unidas de Direito da Criana.

    O Princpio da Prioridade Absoluta, erigido como preceito fundante da ordem

    jurdica, estabelece a primazia deste direito no art. 227 da Constituio Federal.Tal princpio est reafirmado no art. 4 do Estatuto da Criana e do Adolescente.Neste dispositivo, esto lanados os fundamentos do chamado Sistema Primriode Garantias, estabelecendo as diretrizes para uma Poltica Pblica que priorizecrianas e adolescentes, reconhecidos em sua peculiar condio de pessoa emdesenvolvimento.

    fundamental explicitar, para compreenso desta nova ordem resultante doEstatuto da Criana e do Adolescente, que este se estrutura a partir de trs gran-des sistemas de garantia, harmnicos entre si:

    a) o Sistema Primrio, que d conta das Polticas Pblicas de Atendimentoa crianas e adolescentes (especialmente os arts. 4 e 86/1988) de carter univer-

    sal, visando a toda a populao infanto-juvenil brasileira, sem quaisquer distin-es;

    b) o Sistema Secundrio que trata das Medidas de Proteo dirigidas a crian-as e adolescentes em situao de risco pessoal ou social, no autores de atosinfracionais (embora tambm aplicvel a estes, no caso de crianas, com exclusi-vidade, e de adolescentes, supletivamente art. 112, VI, do Estatuto da Criana edo Adolescente), de natureza preventiva, ou seja, crianas e adolescentes en-quanto vtimas, enquanto violados em seus direitos fundamentais (especialmenteos arts. 98 e 101). As medidas protetivas visam a alcanar crianas e adolescen-tes enquanto vitimizados;

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    c) o Sistema Tercirio, que trata das medidas socioeducativas, aplicveis aadolescentes em conflito com a Lei, autores de atos infracionais, ou seja, quando

    passam condio de vitimizadores (especialmente os arts. 103 e 112).Este trplice sistema de preveno primria (polticas pblicas), preveno

    secundria (medidas de proteo) e preveno terciria (medidas socioeducativas)opera de forma harmnica, com acionamento gradual de cada um deles. Quandoa criana ou o adolescente escapar ao sistema primrio de preveno, aciona-seo sistema secundrio, cujo grande agente operador deve ser o Conselho Tutelar.Estando o adolescente em conflito com a lei, atribuindo-se a ele a prtica de al-gum ato infracional, o terceiro sistema de preveno, operador das medidas socio-educativas, ser acionado, intervindo aqui o que pode ser chamado genericamentede sistema de Justia (Polcia/Ministrio Pblico/Defensoria/Judicirio/rgosExecutores das Medidas Socioeducativas).

    O acionamento destes sistemas faz-se integrado, interessando ao sistematercirio de preveno o adolescente na condio de vitimizador. Enquanto vtima,seja da excluso social, seja da negligncia familiar, etc., faz-se sujeito de medidade proteo (do sistema secundrio de preveno, de ntido carter preventivo delinquncia).

    O Poder Judicirio detm a demanda do Sistema Tercirio de Garantias,uma vez que somente ingressam nesses programas adolescentes submetidos medida socioeducativa, prerrogativa exclusiva do Poder Judicirio em face da atri-buio ao adolescente da prtica de um ato definido em lei como crime ou contra-veno (Smula n 108 do STJ).

    Assim, como adiante se retoma, uma das notas fundantes da medida socio-educativa seu carter de coercitibilidade, decorrente da imposio feita peloPoder Judicirio, em sua deciso, em face da atribuio da conduta infratora aoadolescente.

    Os programas socioeducativos dividem-se em dois grupos: privativos de li-berdade e em meio aberto, conforme dispe o art. 112 do Estatuto da Criana edo Adolescente.

    A lgica que preside o Sistema Socioeducativo, em especial por conta daausncia de uma normativa que regule o processo de execuo, tem sido a deque as medidas privativas de liberdade so de atribuio do Estado Federado en-quanto as medidas de meio aberto, Liberdade Assistida e Prestao de Servios

    Comunidade, so de responsabilidade dos Municpios.A regra, decorrente do princpio da excepcionalidade que preside a imposi-

    o de medida de privao de liberdade, de que o adolescente a que se atribuaa prtica de um delito receba a imposio de uma medida no-privativa de liber-dade, de meio aberto. Prevalece aqui, na esfera juvenil, na lgica de um DireitoPenal Mnimo, a nfase s alternativas priso perfeitamente adequados lgicado sistema penal juvenil.

    Em relao s medidas socioeducativas que importam em privao de liber-dade, resta pacificado o entendimento de que a efetivao dos programas de aten-dimento so de competncia do Executivo das Unidades Federadas, sem prejuzo

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    de parcerias com entidades no-governamentais, relativamente ao primeiro grupode medidas no-privativas de liberdade a proposio do Estatuto outra. A

    competncia pela manuteno dos programas de execuo de medidas socioedu-cativas em Meio Aberto dos Municpios. Da ser possvel afirmar que, relativa-mente ao primeiro grupo de medidas, art. 112, incs. I a IV, a plena realizaodesses programas est vinculada em direta proporo ao grau de comprometimen-to dos protagonistas do Sistema de Justia Juvenil local com sua efetivao.

    Pela Municipalizao do atendimento, a proposta de que estes programassejam desenvolvidos pelos Municpios, na forma estabelecida pela proposta deinstituio do Sistema Nacional Socioeducativo SINASE, a partir de encaminha-mento feito pelo Conselho Nacional de Direitos da Criana e do Adolescente e daSecretaria Nacional de Direitos Humanos.

    A proposta original de instituio do SINASE elenca como atribuies dos

    Municpios:I formular, instituir, coordenar e manter o Sistema Municipal de Atendi-

    mento Socioeducativo, respeitadas as diretrizes fixadas pela Unio e o respectivoEstado;

    II elaborar o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo, em conformi-dade com o Plano Nacional e o respectivo Plano Estadual;

    III criar e manter programas de atendimento para a execuo das medidassocioeducativas em meio aberto;

    IV editar normas complementares para a organizao e funcionamento dosprogramas do seu Sistema de Atendimento Socioeducativo;

    V Cadastrar-se no Sistema Nacional de Informaes sobre o AtendimentoSocioeducativo, fornecer regularmente os dados necessrios ao abastecimento eatualizao do Sistema; e

    VI financiar, conjuntamente com os demais entes federados, a execuode programas e aes destinados ao atendimento inicial de adolescente apreendi-do para apurao de ato infracional, bem como aqueles destinados a adolescentea quem foi aplicada medida socioeducativa em meio aberto.

    O modelo de execuo pelo prprio Poder Judicirio (herdado do antigo re-gime do Cdigo de Menores) no se sustenta nessa nova ordem. No compete Justia da Infncia a manuteno de programas de atendimento.

    O papel do Judicirio de julgar e a manuteno de programas de atendi-

    mento constitui-se em uma anomalia, herana do anterior sistema do Cdigo deMenores, das Instituies Totais e da negao do sistema de atendimento integra-do em rede.

    Corolrio das disposies contidas na proposta de instituio do SINASE, orespectivo programa municipal de atendimento dever estar regularmente inscritono Conselho Municipal de Direitos da Criana e do Adolescente, independente-mente de quem sejam os atores sociais que o executem, supondo a existncia deuma rede de atendimento.

    Cabe destacar que compete ao Conselho Municipal dos Direitos da Crianae do Adolescente as funes deliberativas e de controle do Sistema Municipal de

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    Atendimento Socioeducativo, nos termos previstos no art. 88, II, do Estatutoda Criana e do Adolescente.

    O regramento trazido na proposta de instituio do SINASE estabelecia, ain-da, a composio mnima da equipe tcnica do programa de atendimento, comcarter interdisciplinar, incluindo pedagogo, psiclogo, assistente social e tcnicoem Medicina. Alterado na Cmara, adotou a genrica instituio de tcnicos narea de sade, alm de assistente social.

    Incluem-se na proposta originria de formulao do SINASE, na linha dosdiversos programas em funcionamento no Brasil, como os programas socioeducati-vos desenvolvidos nos Municpios de Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre comorequisitos obrigatrios para a inscrio de programa de atendimento:

    A) a exposio das linhas gerais dos mtodos e das tcnicas pedaggicas,com a especificao das atividades de natureza coletiva;

    B) a indicao da estrutura material, dos recursos humanos e das estratgiasde segurana compatveis com as necessidades da respectiva unidade;

    C) o detalhamento das atribuies e responsabilidades do dirigente, de seusprepostos, dos membros da equipe tcnica e dos demais educadores;

    D) a previso das condies do exerccio da disciplina e concesso de be-nefcios e o respectivo procedimento de aplicao;

    E) a poltica de formao dos recursos humanos;F) a previso das aes de acompanhamento do adolescente aps o

    cumprimento de medida socioeducativa;G) a indicao da equipe tcnica cuja quantidade e formao devem estar

    em conformidade com as normas de referncia do sistema, dos conselhos profis-sionais e com o atendimento socioeducativo a ser realizado.Fica estabelecido, ainda, que as entidades que ofeream programas de

    atendimento socioeducativo em meio aberto (como aquelas de semiliberdade) de-vero orientar os adolescentes sobre o acesso aos servios das unidades de sa-de do SUS.

    Nos termos da proposta originria de instituio do SINASE, na linha da ex-perincia acumulada nesses vinte anos de vigncia do Estatuto em que os progra-mas socioeducativos esto em funcionamento, ficou estabelecido que tais progra-mas de atendimento das medidas de prestao de servios comunidade ou deliberdade assistida so responsveis por:

    a) selecionar e credenciar orientadores, designando-os, caso a caso, paraacompanhar e avaliar o cumprimento da medida;

    b) receber o adolescente e seus pais ou responsvel e orient-los sobre afinalidade da medida e sobre a organizao e funcionamento do programa;

    c) encaminhar o adolescente para o orientador credenciado;d) supervisionar o desenvolvimento da medida;e) avaliar, com o orientador, a evoluo do cumprimento da medida e, se

    necessrio, propor autoridade judiciria a substituio ou a extino da medida;f) selecionar e credenciar, entidades assistenciais, hospitais, escolas ou ou-

    tros estabelecimentos congneres, e os programas comunitrios ou governamentais

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    nos quais os adolescentes devero cumprir a medida socioeducativa de prestaode servios comunidade, de acordo com o perfil do socioeducando e o ambiente

    no qual a medida ser cumprida.Estas disposies contemplam, em linhas gerais, as diversas experincias em

    andamento no Brasil para execuo de medidas de meio aberto, conforme a realidadelocal, nos termos das deliberaes dos Conselhos Municipais de Direitos da Criana.

    A par dessas aes, desde o advento da Lei Orgnica da Assistncia Social(na qual no h expressa referncia aos programas socioeducativos), at a insti-tuio do Sistema nico de Assistncia Social SUAS, h um progressivo movi-mento visando a apropriar os programas socioeducativos, do sistema tercirio degarantias, destinado a adolescentes autores de ato infracional, rede de assistn-cia social, atravs de sucessivas Portarias de rgos Governamentais, regulamen-tando aes da rede de ateno bsica, mdia e alta complexidade (a Resoluo

    n 109, de 11-11-09, do Conselho Nacional de assistncia Social, institui a Tipifi-cao Nacional de Servios Socioassistenciais).

    Como h notcia de deciso poltica do Governo Federal em financiar asaes socioeducativas em Municpios com mais de cinquenta mil habitantes, con-dicionando, porm, este financiamento a que tal servio esta a expresso seja executado nos Centros de Referncia Especializado de Assistncia Social CREAS, inadmitindo outra forma de ao do programa de atendimento, remetendoassim necessidade de uma reviso do programa previamente registrado e apro-vado no Conselho Municipal de Direitos, cumpre que se faa algumas reflexes.

    Em primeiro lugar, embora se afirme que no h imposio deste modelo de

    atendimento, no resta dvida alguma que, vivendo o Pas uma experincia de abso-luta concentrao dos recursos financeiros na Unio, em mais de sessenta por centoda receita tributria, com certeza a maioria absoluta dos Municpios ir aderir a estaproposta, at mesmo por no dispor de recursos para desenvolver de outro modo.

    Assim, so considerados servios de mdia complexidade aqueles que ofe-recem atendimentos s famlias e indivduos com seus direitos violados, mas cujosvnculos familiares e comunitrios no foram rompidos. Neste sentido, requeremmaior estruturao tcnico-operacional e ateno especializada e mais individuali-zada, e/ou acompanhamentos sistemticos e monitorados, tais como:

    Servio de orientao e apoio sociofamiliar; Planto Social;

    Abordagem de Rua; Cuidado no Domiclio; Servio de Habilitao e Reabilitao na comunidade das pessoas com de-

    ficincia; Medidas socioeducativas em meio-aberto (PSC Prestao de Servios

    Comunidade e LA Liberdade Assistida)8.

    8 Poltica Nacional de Assistncia Social PNAS/2004 Norma Operacional Bsica NOB/SUAS, p. 38.

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    Nos termos da Normativa regulamentadora da Poltica Nacional de Assistn-cia Social h disposio no sentido de que a proteo especial de mdia comple-

    xidade envolve tambm (e no exclusivamente, por isso o negrito) o Centrode Referncia Especializado da Assistncia Social, visando orientao e ao con-vvio sociofamiliar e comunitrio. Difere-se da proteo bsica por se tratar de umatendimento dirigido s situaes de violao de direitos9. (Poltica Nacional de As-sistncia Social PNAS/2004 Norma Operacional Bsica NOB/SUAS, p. 38).

    O Centro de Referncia Especializado de Assistncia Social (CREAS), inte-grante do Sistema nico de Assistncia Social (SUAS), constitui-se numa unidadepblica estatal, responsvel pela oferta de atenes especializadas de apoio, orien-tao e acompanhamento a indivduos e famlias com um ou mais de seus mem-bros em situao de ameaa ou violao de direitos. Tem como objetivos: A) For-talecer as redes sociais de apoio da famlia; B) Contribuir no combate a estigmas

    e preconceitos; C) Assegurar proteo social imediata e atendimento interdiscipli-nar s pessoas em situao de violncia visando sua integridade fsica, mental esocial; D) Prevenir o abandono e a institucionalizao; E) Fortalecer os vnculosfamiliares e a capacidade protetiva da famlia.

    O pblico-alvo da atuao do CREAS composto de: crianas, adolescen-tes, jovens, mulheres, pessoas idosas, pessoas com deficincia e suas famlias,que vivenciam situaes de ameaa e violaes de direitos por ocorrncia deabandono, violncia fsica, psicolgica ou sexual, explorao sexual comercial, si-tuao de rua, vivncia de trabalho infantil e outras formas de submisso a situa-es que provocam danos e agravos a sua condio de vida e os impedem de

    usufruir de autonomia e bem-estar.O CREAS deve articular os servios de referncia e contrarreferncia coma rede de servios socioassistenciais da proteo social bsica e especial, comas demais polticas pblicas e rgos do Sistema de Garantia de Direitos10.

    Conforme relato da Assistente Social Viviana Grassi, tomando como exemploa experincia do Municpio de Santo ngelo, no Rio Grande do Sul, o atendimen-to Proteo Especial, pela Secretaria Municipal de Assistncia Social, iniciou noano de 2005 com a adeso, contemplao e execuo dos Programas de Erradi-cao do Trabalho Infantil PETI e do Sentinela, destinado ao atendimento deCrianas e Adolescentes Vtimas de Violncia, Abuso e Explorao Sexual, sendoque algumas das aes que compreendem o atendimento, orientao e acompa-

    nhamento a indivduos e famlias em situao de ameaa ou violao de direitos j vinham sendo desenvolvidas pelas entidades que compem a rede de garantiade direitos do Municpio. Assim, a atuao do CREAS d-se em articulao com arede. D-se reforando a ideia de que o CREAS no pode ser considerado espao

    9 Poltica Nacional de Assistncia Social PNAS/2004 Norma Operacional Bsica NOB/SUAS, p. 38.10 www.mds.gov.br/programas/proteo-social-especial/centro-de-referencia-especializadode assistncia social

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    exclusivo de proteo social, mas deve interligar seus servios aos demais espa-os que realizam a garantia dos direitos das populaes atendidas, estabelecendo

    um amplo sistema de Proteo Social, no qual seja o articulador das aes e nopretenda aambarcar todas as demandas.

    [...] A assistncia Social no pode ter como horizonte somente a execuodas atividades arroladas nos documentos institucionais, sob o risco de limitar suasatividades gesto da pobreza, sob a tica da individualizao das situaes so-ciais [...]11.

    Nessa linha, o pronunciamento do Promotor de Justia Murillo Digicomo, publi-cado sob forma de artigo a partir de parecer exarado em face de consulta ao Centrode Apoio Operacional do Ministrio Pblico do Estado do Paran, na Revista n 17do Juizado da Infncia e da Juventude do Tribunal de Justia do RS, p. 9, Anliseda sistemtica de atendimento adotada pelo Centro de Referncia Especializado de

    Assistncia Social CREAS, no Municpio de Ponta Grossa-PR12.Naquele texto destaca:O atendimento de crianas, adolescentes e suas respectivas famlias pres-

    tado pelo CREAS ou por qualquer outro servio pblico, portanto, deve primarpela celeridade e pela especializao, no sendo admissvel, por exemplo, que se-

    jam aqueles submetidos mesma estrutura e sistemtica destinada ao atendimen-to de outras demandas, de modo a aguardar no mesmo local e nas mesmas filasque estas a realizao de exames ou tratamento, mxime por tcnicos que nopossuam a qualificao profissional devida.

    Ainda transcrevo daquela manifestao:

    Os problemas enfrentados por crianas e adolescentes no podem esperar,devendo ser enfrentados e solucionados com o mximo de urgncia possvel, evi-tando assim o agravamento da situao e dos prejuzos por aqueles suportados,sendo certo que a omisso do Poder Pblico os coloca em grave situao de ris-co (cfe. art. 98, inc. I, da Lei n 8.069/90), tornando o agente pblico responsvelpassvel de punio (cfe. art. 5, c/c os arts. 208 e 216, da Lei n 8.069/90).

    Se j no bastasse tal constatao, a necessidade de um atendimento dife-renciado tambm abrange o espao fsico onde este deve ser prestado, no ape-nas para tornar o ambiente mais agradvel e propcio ao acolhimento de crianase adolescentes (estimulando seu retorno, nos casos de exames mltiplos ou deum tratamento prolongado), mas tambm para coloc-los a salvo de situaes po-

    tencialmente vexatrias ou constrangedoras, que podem resultar da utilizao domesmo local destinado ao atendimento de outras demandas.

    A propsito, o art. 5 da Lei n 8.069/90 estabelece que nenhuma criana ouadolescente ser objeto de qualquer forma de negligncia, discriminao, explora-o, violncia, crueldade e opresso, punido na forma da lei qualquer atentado, por

    11 Parmetros para Atuao de Assistentes Sociais e Psiclogos(as) na Poltica de As-sistncia Social 2007, p. 11.12 Disponvel em: http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/REVISTA/JIJ+17.PDF

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    ao ou omisso, aos seus direitos fundamentais, dispondo o art. 18 do mesmodiploma legal que dever de todos velar pela dignidade da criana e do adoles-

    cente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante,vexatrio ou constrangedor. O art. 70, tambm da Lei n 8.069/90, por sua vez,reafirma que dever de todos prevenir a ocorrncia de ameaa ou violao dosdireitos da criana e do adolescente.

    Tais normas, no caso em exame, se aplicam com especial intensidade noque diz respeito preservao do direito ao respeito, que, na forma do art. 17 daLei n 8.069/90, compreende [...] a inviolabilidade da integridade fsica, psquica emoral da criana e do adolescente, abrangendo a preservao da imagem, da identi-dade, da autonomia, dos valores, idias e crenas, dos espaos e objetos pessoais .

    Alm dessas ponderaes, outro fator a ser considerado o estabelecimen-to dos meios necessrios realizao das atividades tanto para o exerccio pro-

    fissional quanto para as modalidades a serem includas e atendidas. O que seevidencia, no momento, o trabalho precarizado, baixos salrios, elevada cargade trabalho, alta rotatividade de profissionais, tanto os tcnicos quanto monitores,auxiliares. Inexistncias de possibilidades institucionais para atender s demandasdos usurios. So alguns dos obstculos vivenciados na busca pela Universaliza-o das Polticas Sociais, garantia de qualidade e continuidade dos projetos, pro-gramas e servios.

    [...] fundamental que os trabalhadores [...] tenham clareza das funese possibilidades [...] de modo a no atribuir Assistncia Social a inteno e oobjetivo hrculeo e inatingvel de responder a todas as situaes de excluso,

    vulnerabilidade, desigualdade social.13

    Por fim, tomando em conta observaes que me foram feitas pelo sempreatento Defensor Pblico Flvio Frasseto, h que se retomar, na anlise destaquesto, o carter de coercitibilidade da medida socioeducativa.

    Reala Frasseto que a matriz desta proposta, em termos de documentos, seassenta no documento Poltica Nacional de Assistncia Social PANAS. Nessedocumento14 se extrai:

    O SUAS define e organiza os elementos essenciais e imprescindveis execuo da poltica de assistncia social possibilitando a normatizao dos pa-dres nos servios, qualidade no atendimento, indicadores de avaliao e resulta-do, nomenclatura dos servios e da rede socioassistencial e, ainda, os eixos es-

    truturantes e de subsistemas conforme aqui descritos:[...] Direito ao atendimento digno, atencioso e respeitoso, ausente de pro-

    cedimentos vexatrios e coercitivos;Pelo que se extrai do PNAS se constata que se faz elemento intrnseco

    da assistncia social a ausncia de coercitibilidade, ou, como adverte Frasseto,assistncia se oferece, no se impe.

    13 Parmetros para Atuao de Assistentes Sociais e Psiclogos(as) na Poltica de As-sistncia Social 2007, p. 11.14 Disponvel em: http://www.social.rj.gov.br/familiar/pdf/pnas.pdf

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    Ora, sendo a Medida Socioeducativa, a par de sua pretenso socioeducati-va, uma sano, enquanto resposta do Estado ao ato infracional, tem ela carter

    de coercitibilidade, de imposio15, havendo de ser cumprida independentementeda vontade do adolescente ao qual foi imposta, independentemente do consenti-mento do afetado, ao ponto de seu descumprimento reiterado e injustificado auto-rizar inclusive sua colocao em internao (art. 122, inc. III, do Estatuto da Crian-a e do Adolescente).

    Dessa forma, como adverte Flvio Frasseto, a prpria PNAS, matriz de tudo, j planta a semente que permite questionar sua prpria pretenso em classificar oatendimento socioeducativo como um servio de assistncia social16.

    Assim, por derradeiro, a ttulo de reflexo preliminar, se constata que a pre-tenso em impor um modelo de prestao de servio socioeducativo ancoradocom exclusividade nos CREAS, nesse universo sem fim de siglas que compe

    este sistema, sob uma lgica exclusivamente socioassistencial, trs o risco de setornar o embrio de uma indesejada revivncia do menorismo, restabelecendo,sob um novo rtulo a antiga frmula da situao irregular, subtraindo dos Conse-lhos Municipais de Direito espao de deliberao sobre a poltica local de atendi-mento, revivendo o centralismo de outros tempos, em uma revivncia da velhadoutrina, sob uma nova frmula.

    15 Abordo este tema in Compndio de Direito Penal Juvenil: Adolescente e Ato Infracio-nal, 4 ed., Rev. Atual. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2010, especialmente pp. 71a 78, especialmente quando se trata da natureza jurdica da medida socioeducativa.16 Naquilo que pode ser definido como um certo delrio os registros so no sentido deque o PNAS previu tambm as medidas de internao e semiliberdade nos CREAS, dentroda alta complexidade (junto com abrigos, repblicas, albergues para adultos, etc.). Adverte-meFrasseto que felizmente o bom senso imperou e isso simplesmente desapareceu na NOBdo SUAS que foi lanada algum tempo depois. Como teria sido compatibilizar ausncia decoercitibilidade com privao de liberdade?

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    O ABANDONO AFETIVO (O PAI DE KAFKA) COMODANO INDENIZVEL

    ANDR LUIS DE MORAES PINTOJuiz de Famlia, Infncia e Juventude no RS. Mestre em Direito pela UNISC.

    Em sua autobiogrfica e emblemtica Carta ao Pai, jamais entregue ao des-tinatrio por motivos no esclarecidos pelos estudiosos que se debruaram so-

    bre o tema , Kafka desfia um rosrio de insatisfaes e lamentos, que em movi-mento pendular, oscilam entre o espelho de um pai forte e opressor e a represen-tao de um pai desinteressado, distante e inacessvel. Ao retirar o vu destasimagens pode-se descobrir a motivao da no entrega da missiva, pelo temor deo pai no se interessar por ela. Da leitura de alguns extratos pinados, pode-seapreender imagens outras desveladas:

    Minha atividade de escritor tratava de ti, nela eu apenas me queixava daquiloque no podia me queixar junto ao teu peito 1; Tu me perguntaste por que afirmoter medo de ti. Eu no soube, como de costume, o que te responder, em parte jus-tamente pelo medo que tenho de ti, em parte porque existem tantos detalhes na

    justificativa desse medo, que eu no poderia reuni-lo no ato de falar de modo

    mais ou menos coerente2; [...] no posso acreditar que eu tenha me mostradodifcil de ser conduzido, no posso acreditar que uma palavra amistosa, um pe-gar-pela-mo tranqilo, um olhar bondoso no pudesse conseguir de mim tudo oque queria.3; [...] esse sentimento de nulidade que me domina com freqnciasurgiu em boa parte por causa da tua influncia. Eu teria precisado de um poucode estmulo, de um pouco de amabilidade, de um pouco de abertura em meu ca-minho, mas em vez disso tu o obstruste, por certo com a boa inteno de me fa-zer percorrer um outro caminho4; [...] a gente mal chegava a conversar 5; Basta-va a gente estar feliz com alguma coisa, sentir-se realizado com ela, chegar emcasa e express-la, para que a resposta fosse um suspiro irnico, um sacudir ne-gativamente a cabea, um tamborilar de dedos sobre a mesa: J vi coisa maisinteressante ou Bem mo dizes, mas o problema continua sendo teu ou Tenhomais com que me preocupar ou Nossa, que acontecimento! ou D pra comprar

    1 KAFKA, Franz. Carta ao Pai. Trad. Marcelo Backes. Porto Alegre: LP&M Pocket, 2008,p. 03.2 Ob. cit., p. 12.3 Ob. cit., p. 24.4 Ob. cit., p. 26.5 Ob. cit., p. 29.

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    6 Ob. cit., p. 30.7 Ob. cit., p. 35.8 Ao usar o gnero criana estar-se- sendo fiel normativa internacional, a contemplaras espcies criana e adolescente.9 [...] por esse princpio, h responsabilidade individual e social das pessoas do homeme da mulher que vm a gerar, no exerccio das liberdades inerentes sexualidade e pro-criao, uma nova vida humana, cuja pessoa a criana deve ter priorizado o seu bem-estarfsico, psquico e espiritual, com todos os direitos fundamentais reconhecidos em seu fa-vor. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princpios Constitucionais de Direito de Fam-lia: guarda compartilhada luz da Lei n 11.698/08. So Paulo: Atlas, 2008, p. 78.

    alguma coisa com isso? Naturalmente eu no podia exigir de ti entusiasmo poruma ninharia qualquer de criana, vivendo como vivias, cheio de preocupao e

    trabalho pesado.6; [...] eu hoje s tremo menos do que na infncia porque o sen-timento de culpa exclusivo da criana em parte foi substitudo pela compreensodo nosso desamparo comum. A impossibilidade da relao tranqila, muito naturalno fundo: eu desaprendi a falar, e ainda, [...] tu me proibiste a palavra desdecedo, tua ameaa: Nenhuma palavra de contestao! 7.

    Nessas linhas pinam-se poros de uma estima rebaixada, de insegurana,sentimento de inferioridade e desproteo. Estes excertos encaminham o trato daquesto, expondo, tambm, sinais do tamanho do desafio. Sob o manto da Consti-tuio Federal, pelo fio do seu art. 227 no que escoltada pelo Estatuto da Crian-a e do Adolescente, agasalha-se a doutrina da proteo integral, conferindo priori-dade absoluta criana8, salvaguardando-a, enquanto sujeito de direito, de toda a

    forma de abuso e negligncia, quer da famlia, quer da sociedade, quer do Esta-do. Este feixe encerra o que se pode chamar de poder-dever dos genitores, naconsecuo do seu sustento, cuidado e educao.

    O tema passou a despertar maior ateno a partir da legalizao do divrcioe do reconhecimento jurdico das unies informaes, encorpando as j reiteradas,mas menos frequentes dissolues do casamento, maternidades independentes evinculaes afetivas no matrimonializadas. neste contexto que se avolumam oscasos de filhos de pais separados, filhos de mes solteiras, filhos includos emcomunidades familiares recompostas, crianas que no convivem com um dosseus pais e que resguardam o direito extrapatrimonial de serem visitadas pelo no

    guardio.O estudo sobre a dimenso do afeto mostra o quo saudvel ele para ocompleto desenvolvimento da personalidade, a estruturao do aparelho psquicoda pessoa humana, sobretudo, quando regado nas relaes interpessoais, nomea-damente familiares. Em desdobramento do seu cultivo ininterrupto, merece realcea convivncia familiar, direito existencial que no pode ser fraturado, ou suprimido,na quebra da conjugalidade ou da relao de companheirismo. Disto deflui a im-portncia de o convvio ser protegido, mediante o esclarecimento do seu significa-do e da sua condio de atributo de uma parentalidade responsvel 9, bem comopelo uso de expedientes que inibam o seu desprestgio ou que busquem reparar

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    os danos provocados pela no assistncia, at porque ao direito conferido crian-a correspondem deveres a serem exigidos do Estado, da Sociedade e da Fam-

    lia, na pessoa de qualquer um dos seus integrantes.Neste ponto, a arguta construo de Dias:O direito pessoal de famlia traz a noo de poder-funo ou de direito-dever,

    na qual ocorre a dissociao entre titularidade do poder e titularidade do interesse.O exemplo clssico o poder familiar, em que o titular do interesse o filho, sen-do o genitor o titular do dever. Essa dicotomia que leva ao conceito do direitosubjetivo obrigado a exerc-lo, pelo interesse a que serve, pela funo do direitoque atende a interesse de outrem. O poder familiar, v.g., no exercido apenas nointeresse do filho, mas atende tambm necessidade psicolgica dos pais.10

    Mais adiante expe:A falta de convvio dos pais com os filhos, em face do rompimento do elo

    de afetividade, pode gerar severas seqelas psicolgicas e comprometer o desen-volvimento saudvel da prole. A figura do pai responsvel pela primeira e neces-sria ruptura da intimidade me-filho e pela introduo do filho no mundotranspessoal dos irmos, dos parentes e da sociedade. Nesse outro mundo, impe-ram ordem, disciplina, autoridade e limites. A omisso do genitor em cumprir osencargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filhoem sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparao. Se lhefaltar essa referncia, o filho estar sendo prejudicado, talvez de forma permanen-te, para o resto de sua vida. Assim, a falta da figura do pai desestrutura os filhos,tira-lhes o rumo da vida e debita-lhes a vontade de assumir um projeto de vida. 11

    Ao discorrer sobre o valor jurdico do afeto, e sua dignidade sociolgica, Pe-reira fala dos efeitos psicolgicos que a sua falta provoca:Todo ser humano, desde sua infncia, tem uma reserva afetiva que o faz

    relacionar-se com outras pessoas. Sobretudo, a criana e o jovem precisam rece-ber e dar afeto pra se tornarem seres humanos integrais. No seu processo deamadurecimento, seja na escola ou na famlia, ou mesmo no grupo de amizade,apelar aos seus sentimentos mais convincente que apelar por argumentos racio-nais. Tratada com afeto, responder afetuosamente. Tratar a criana com afeto,carinho e respeito, serve de amparo e estmulo, ajudando-a a suportar enfrentardificuldades, ao mesmo tempo em que lhe d inspirao para um relacionamentopacfico e harmonioso com que o cercam. A falta de afeto faz crianas tristes e

    revoltadas; mostram-se rebeldes, indisciplinadas, ou simplesmente incapazes deagir com segurana e serenidade.12

    Fraga alerta para as doenas consectrias de poros no ideal de ego, hbeisa atrair as crianas para regresses sob a forma de depresses, toxicomania eperturbaes de carter, podem levar falta de criatividade, ao vazio, ausncia

    10 Idem, p. 37.11 Ob. cit., p. 407.12 PEREIRA, Tnia da Silva, ibidem, p. 234.

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    mento especfico causado pela frustrao em razo da falta de convvio com opai ou com a me. [...] O dano psquico est, portanto, ligado sade, com-

    preendendo esta tanto a sade fsica quanto a sade mental e, por via de con-seqncia, tutela da personalidade16. [...] Um exemplo de dano psquico oresultante da ausncia paterna, mais freqentemente estudada por conta da for-a da tradio que faz com que a me fique com os filhos na maioria dos casosde separao. Freud j advertia sobre o perigo do pai estranho, ausente dotringulo, pela dificuldade de levar o outro sua relao com seu prprio ser.Nas mulheres a ausncia paterna pode proporcionar complicaes na aquisio dafeminilidade, dificultando a identificao feminina positiva nas meninas. 17

    Esta tambm a linha adotada por Giorgis:No sem razo que a Carta Magna prescreve nos deveres da famlia um

    desenvolvimento pleno dos filhos, assegurando a dignidade da pessoa como valor

    proeminente; ou que a lei civil exija dos pais afeio, sustento, educao, defesae preparao dos descendentes sob pena de destituio do poder familiar. [...]Da ser fundamental a funo do pai, tanto que a psicanlise o considera comoocupante do lugar da lei, juzo que no se exaure na gerao natural mas seagrega em unidade estrutural com o afago materno, criando-se uma relao trans-cendente de laos duradouros, onde o poder cede afeio e o desinteresse aoconvvio. [...] Assim, a aflio sofrida pelo abandono paterno, que despoja o filhodo amparo afetivo, moral e psquico, permite o socorro de indenizao por ofensaao princpio da dignidade da pessoa.18

    Como se deduz, a indenizao entre entes parentais encontra racionalidade

    lgica no encargo derramado sobre os genitores para agirem com responsabili-dade e solidariedade, exercendo as funes que lhe so inerentes, em relaoaos filhos hipossuficientes na esfera psquica, com direitos tutelados em graumximo pela ordem jurdica. Precisamente, esta a lapidar lio de Bodin deMorais, que ainda agrega questo o fato de o direito liberdade dos pais,quando ponderado na balana, quedar diante dos princpios que envernizam ascrianas:

    Novamente, buscando a ponderao dos interesses contrapostos, ter-se-iaa tutelar os genitores o princpio da liberdade e da parte dos filhos o princpio dasolidariedade familiar. Dada a peculiar condio dos filhos, e a responsabilidadedos pais na criao, educao e sustento dos mesmos, seria incabvel valorizar a

    sua liberdade em detrimento da solidariedade familiar e da prpria integridade ps-quica dos filhos. Ponderados, pois, os interesses contrapostos, a solidariedade fa-miliar e a integridade psquica so princpios que se superpem, com a fora quelhes d a tutela constitucional, autonomia dos genitores que, neste caso, dela

    16 Ob. cit., p. 150.17 Ob. cit., p. 152.18 GIORGIS, Jos Carlos Teixeira. A Paternidade Fragmentada: famlia, sucessese biotica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 61.

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    no so titulares. Nesta hiptese, a realizao do princpio da dignidade da pes-soa humana se d a partir da integralizao do princpio da solidariedade familiar

    que contm, em si, como caracterstica essencial e definidora a assistncia moraldos pais em relao aos filhos menores. A Constituio e a lei obrigam os genito-res a cuidar dos filhos menores. Em ausncia deste cuidado, com prejuzos ne-cessrios integridade de pessoas a quem o legislador atribui prioridade absolu-ta, pode haver dano moral a ser reparado.19

    Sob o manto do princpio da dignidade da pessoa humana, o dano objeto deconfigurao no ser aquele balizado, to somente, pela dor, pelo sofrimento ps-quico, pelo desassossego, pela tristeza ou pela vergonha, como tradicionalmente conceituada a matria.

    Na contemporaneidade, estes estados so complementares, pois importa sa-ber, efetivamente, se houve ou no vulnerao do direito ao resguardo da dignida-

    de do sujeito finalidade suprema de toda a ordem normativa. Identificada lesono horizonte da solidariedade, da liberdade, da igualdade e da integridade moral,componentes da engrenagem principiolgica suprema, imune a ponderao, crista-lizada estar a ofensa personalidade mesmo que, eventualmente, no susciteinquietude.

    Filiado tese do cabimento da reparao por dano moral pelo abandonoafetivo, Pereira comenta deciso paradigmtica da justia brasileira, com a costu-meira percucincia:

    No se trata aqui, de uma imposio jurdica de amar, mas de um impe-rativo judicial de criao da possibilidade da construo do afeto, em um relacio-

    namento em que o amor, a afetividade lhe seriam inerentes. Essa edificaotorna-se apenas possvel na convivncia, na proximidade, no ato de educar, noqual so estruturados e instalados a referncia paterna. Em funo da ex-pressa negativa deste pai de proporcionar ao filho a possibilidade da cons-truo mtua da afetividade, violando por esta razo, seus direitos de perso-nalidade que foi imputado ao pai o pagamento da indenizao por danomoral. Restou provado, no caso, a flagrante ofensa aos direitos de persona-lidade do filho, principalmente a tutela da integridade psicofsica, que fazparte do contedo da sua dignidade. Por isso, alm da deciso ter sidoparadigmtica, fulcra seu mrito no embasamento principiolgico constantede sua fundamentao, que reconhece a afetividade como um relevante

    princpio do atual ordenamento.20

    19 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos Morais em Famlia? Conjugabilidade, Paren-talidade e Responsabilidade Civil. In : PEREIRA, Tnia da Silva e PEREIRA, Rodrigo daCunha. (Coord.) A tica da Convivncia Familiar: sua efetividade no cotidiano dos Tribu-nais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 193 e ss.20 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princpios Fundamentais Norteadores do Direito de Fa-mlia. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 188.

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    vertentes, vitimizao acerca da eventual responsabilidade do filho no afasta-mento paterno23.

    Tambm na mo contrria da direo inicial, Horne pondera acerca da pos-sibilidade de o Poder Judicirio estar a interferir indevidamente na liberdade afeti-va do indivduo, se imiscuindo na esfera anmica do sujeito, impondo uma adoo,refm da vontade. Aliando-se concepo psicanaltica acerca da funcionalizaoda paternidade, aponta para o seu carter simblico a hiptese de ser cumpridapor quem no pai biolgico ou, at mesmo, podendo ser realizada pelo discursomaterno. Sustenta que o amor conquistado, no podendo ser coatado, pois de-pende de uma escolha do inconsciente, ou seja, to subjetivo que nem mesmoo sujeito sabe ao certo o porqu ou no de faz-lo24.

    Nada obstante, a resistncia indenizao no contesta a viabilidadeda ocorrncia de sequelas resultantes do afeto negado, as quais devem ser

    aferidas com escuta e olhar qualificados (por equipe multidisciplinar composta

    23 Pela profundidade da reflexo, mostrando que um outro sentido possvel, merece oartigo ser reproduzido nos seus trechos que se reputa mais eloquentes: Entre a separaodos genitores e a sustentao de um lugar, no caso, o de pai, no se pode o confundircom a presena fsica efetiva. Esta escolha individual (no manter contato com o filho), porcerto, gerou um trauma, cujo sentido veio somente depois, como tudo. A demanda por in-denizao a traduo equivocada de um direito que se pretende curar todas as mazelassubjetivas com dinheiro. Felicidade, amor no se compram com dinheiro. A reparao nestaordem sempre singular e de outro registro, cuja deciso judicial condenatria no sabe.

    Esta deciso demanda pode ser feita por sujeitos. O grande problema quando o PoderJudicirio se arvora em a conceder imaginariamente: amem-se uns aos outros, como que-rem alguns. Enfim, preciso aceitar o outro sob a forma de uma relao conflituosa, parasomente assim ocorrer lao social. Do contrrio, h intolerncia sempre. [...] A demanda(histrica!) por indenizao, para ocupar o lugar de vtima, pode ser uma defesa para tentardisfarar ou encobrir a dor e o sofrimento tido por insuportvel. A demanda judicial podeser o sintoma de um balbuciado pedido de ajuda, para o qual o Judicirio no pode ser odestinatrio, por no ocupar o lugar, que o do analista. Anote-se que a sada religiosapoderia ser muito mais reconfortante foi Deus quem quis, karma para suturar. [...] Estademanda dita num consultrio geraria um intrincado processo singular de resistncia que jo-garia com a capacidade de suportar alteraes psquicas e esperana no tratamento ausen-te, por definio, no Poder judicirio. Logo, a demanda est dirigida para algum que nopode, do seu lugar, responder eticamente (tica do desejo), salvo se disser No! [...] De

    qualquer forma, a dor dos enleados irrepresentvel, pois se situa no registro do real, ese inscreve no corpo significante do sujeito. impossvel proferir-se decises judiciaiscurativas do desamparo, condio humana. No resta dvida que o autor da ao sentedor, a dor de existir, do seu lugar. Por certo que toda demanda uma demanda poramor, que no se paga, definitivamente com dinheiro. Dor intransitivo. ROSA, Alexan-dre Morais da. Marcando a Dor no Poder Judicirio: a Questo do Dano Moral peloAbandono Afetivo. In COUTINHO, Jacinto Nlson de Miranda (Coord.). Direito e psican-lise: interseces a partir de O Mercador de Veneza de William Shakespeare. Rio de Ja-neiro: Lumen Juris, 2007, pp. 90-6, passim.24 HORNE, Francisco Alejandro. O No Cabimento de Danos Morais por Abandono Afeti-vo do Pai. Belo Horizonte, 2007. Endereo eletrnico: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&autor=298, com acesso em 20-09-08.

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    de profissionais psiclogos, psicanalistas, assistentes sociais, etc.) e, se cons-tatadas, vo ensejar reparao, que melhor se supe concernente, ser aquela

    proporcionada pelo tratamento teraputico, a ser suportado pelo ofensor. Alter-nativamente, precedente ou no curso da demanda, pode ser buscada, estrategi-camente, para trabalhar o conflito, a tcnica da mediao. De qualquer sorte,acredita-se que o reembolso pecunirio, strictu sensu, deva ser a ltima via aser percorrida25.

    Com o direcionamento adotado, se repele a reiterada referncia crtica monetarizao do afeto ou imposio do amor26, porque no disso que setrata.

    Assumindo essa posio, no se est a argumentar que a indenizao te-nha o condo mgico de dar luz ao afeto ou de convencer o pai da dimensoconferida convivncia familiar ou de reconstruir as pontes implodidas. No vai

    se operar no campo da liberdade afetiva, da imposio do desejo ao sujeito como se sabe clivado, presa fcil das artimanhas do inconsciente, no manipul-vel, portanto.

    Conquanto o diagnstico resguarde a liberdade de no amar, a liberdade deno querer, a liberdade de no cuidar, em ltima anlise, a franquia de no ado-tar; deve-se relembrar, ou dar a conhecer, que a falta destas expresses de afetopode provocar danos psquicos profundos, abrir fissuras emocionais imprevisveis

    25 [...] afeto e dinheiro so grandezas diferentes e, nas relaes de famlia, o elementoagregador o afeto, e no o dinheiro. Portanto, o afeto no pode virar mercadoria entre osfamiliares. Assim, se quisermos evitar o mercantilismo da compra e venda de afeto, paraque no se permita o uso abusivo de aes indenizatrias, [...]. Se o dano emocional, eno resta dvida de que o seja, o que se precisa reparar o sofrimento do filho por noter recebido o carinho do pai ou da me; se atingiu a psique da vtima, causando danos naformao de sua personalidade, a recompensa eficaz seria o tratamento psicolgico ou psi-quitrico, com o objetivo de lhes restituir a sade emocional ou recompor o dano emocionalsofrido. Assim, os responsveis pelo dano deveriam ser constrangidos a pagar por quantotempo fosse necessrio o tratamento teraputico recomendado por profissional especializado vtima at sua total recuperao. A indenizao feita diretamente em dinheiro para a vti-ma, s deveria ser permitida quando o tratamento teraputico adequado para reparar odano pela omisso do afeto, no fosse mais possvel, ou no fosse recomendado, pois ine-

    ficaz. COSTA, Maria Isabel Pereira da. Famlia: do autoritarismo ao afeto. Como e a quemindenizar a omisso do afeto? Revista Brasileira de Direito de Famlia. IBDFAM/Sntese:Porto Alegre, n 32, out.-nov./2005, pp. 24-5.26 O problema atual no direito brasileiro que todo dano moral est sendo sempreconvertido em indenizao em dinheiro, por fora de interpretao equivocada da novaConstituio. A dor e a moral no podem ser reparadas pelo dinheiro, mas atravs de ou-tros mecanismos. H uma evidente confuso conceitual nesse assunto, como se o dinheiroe a dor pudessem ter uma equivalncia possvel. No entanto, dinheiro e dor so duas cate-gorias diferentes: dinheiro um smbolo lgico e dor um sentimento subjetivo pessoal,moral. BUITONI, Ademir. A Dor e o Dinheiro no Dano Moral. In PELUSO, Antnio Cezar eNAZARETH, Eliana Riberti. (Coord.) Psicanlise, Direito e Sociedade: encontros possveis.So Paulo: Quartier Latin, 2006.

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    naquela criana, em face da qual h o encargo de educao 27, o dever de cuidado,a exigncia de proteo, a obrigao da parentalidade responsvel, o nus da soli-

    dariedade, a funo de proporcionar o suporte psquico, fortalecer e dar potncia.No se pode esquecer que os papis na famlia esto sendo reconfigurados,

    redistribudos. Encerrado no ba da histria est o patriarcal modelo em que aopai incumbia, exclusivamente, prover materialmente o filho e, me, o nus daassistncia moral. Modernamente, encargo de ambos, conjuntamente, suprir ascarncias materiais da prole, bem como de prestar o cuidado afetivo. Os dois tmque alcanar alimentos: do corpo (materiais) e da alma (afetivos).

    Por bvio, que a riqueza da casustica pode sugerir rotas alternativas. Hum emaranhado de variantes causais a determinar as aes e relaes nos Com-plexos Familiares (Lacan). A afetividade dinmica, seus laos no so rompidosnum sopro. H tormentas silenciosas e silncios que tudo varrem como tufes tro-

    picais. Neste campo minado se desafiado a todo o momento. Na mirada qualifi-cada da fotografia parental, no se pode examinar o comportamento de apenasuma daquelas pessoas nela representadas. possvel que invariavelmente maisde um deles, ou que todos, tenham de alguma forma, e em grau variado de inten-sidade, contribudo para o infortnio. A comunicao que medeia amor e dio,empatia e averso, nem sempre antagnicos, interativa e os rudos nela solentos e no lineares. Nem sempre a distncia produzir a responsabilizao. No qualquer desafeio ou resfriamento volitivo que vai caracterizar o menoscabo.As dificuldades so gigantescas, at mesmo para a valorao da leso. Mas nopodem estas bombas enterradas desviar a caminhada, abandonando o terreno e

    suas plantas. No ser foracluindo o problema que se humanizar o direito e asrelaes pessoais. No ser deixando feridas abertas no mar salgado dos confli-tos que se estar contribuindo com a solidariedade, a tica e o respeito no hori-zonte das famlias sob pena de se continuar a escrever Cartas ao Pai, que nun-ca sero entregues, nem lidas...

    27 o dever de educao da prole incumbe aos pais como forma de se garantir aos filhosuma perfeita conformao moral e intelectual. Os pais devem, assim, desempenhar as fun-es de educadores e de autoridades familiares para que a criana possa se formar en-quanto pessoa humana. O importante, segundo a psicologia, que a criana possa receber

    uma educao condigna e receba a noo de autoridade, por meio da imposio de limites j no seio familiar, sob pena de um desajustamento e uma inadequao social posterior,quando o grupo familiar, por si s, j no se fizer presente, ou no se puder fazer ativo naproteo da pessoa do filho. Por bvio, no obrigatrio que a funo paterna (o nome-do-pailacaniano) e a funo materna (maternagem) sejam desempenhadas exclusivamente pelopai e pela me. O abandono afetivo se configura, desta forma, pela omisso dos pais, oude um deles, pelo menos relativamente ao dever de educao, entendido este na sua acep-o mais ampla, permeada de afeto, carinho, ateno, desvelo. HIRONAKA, Giselda MariaFernandes Novaes. Pressuposto, Elementos e Limites do Dever de Indenizar por AbandonoAfetivo. In PEREIRA, Tnia da Silva e PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (Coord.) A tica daConvivncia Familiar: sua efetividade no cotidiano dos Tribunais. Rio de Janeiro: Forense,2006, p. 136.

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    O ESTATUTO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE E ASPORTARIAS JUDICIAIS

    MURILLO JOS DIGICOMOPromotor de Justia titular da 21 Vara Cvel da Comarca de Curitiba-PR

    [email protected] Tel: (41) 3254-2414

    Portarias judiciais expedidas pelos Juizados da Infncia e Juventude visando

    regulamentar situaes envolvendo crianas e adolescentes so extremamente co-muns, sendo difcil encontrar uma comarca que no as possua.Infelizmente, no entanto, tambm difcil encontrar uma portaria judicial

    que, quer em seu processo de elaborao, quer em seu contedo, no apresentevcios de forma e/ou fundo que acarretem sua nulidade.

    Sem incursionar mais profundamente pelas origens histricas das portarias ju-diciais, para fins da presente exposio, entendemos suficiente mencionar que, sob agide do famigerado Cdigo de Menores, o Juiz da Infncia e Juventude (ento cha-mado Juiz de Menores) possua um poder regulamentador bastante amplo, que lhepermitia, a seu prudente arbtrio, fazer as vezes de verdadeiro legislador, suprindolacunas e adaptando a lei quilo que entendia mais adequado realidade local.

    Com efeito, dizia o art. 8 da Lei n 6.697/79 que a autoridade judiciria,alm das medidas especiais previstas nesta Lei, poder, atravs de portaria ouprovimento, determinar outras de ordem geral, que, ao seu prudente arbtrio, sedemonstrarem necessrias assistncia, proteo e vigilncia ao menor, respon-dendo por abuso ou desvio de poder (verbis).

    Usando desse permissivo legal, a autoridade judiciria expedia portarias so-bre os mais variados temas, no raro mais voltados restrio do que ao asse-guramento de direitos de crianas e adolescentes.

    O ato dispensava maiores formalidades, critrios ou justificativas, sobre ele prati-camente inexistindo qualquer controle, at mesmo em funo das limitadas atribuiesque a legislao revogada deferia ao Ministrio Pblico1, que ento possua um perfilconstitucional muito diferente daquele alado aps a Constituio Federal de 1988.

    E foi justamente o advento da Constituio Cidad que deu incio transfi-gurao do instituto da portaria judicial regulamentadora, notadamente atravs damudana do paradigma da situao irregular do menor para o da proteo inte-gral criana e ao adolescente, que fez com que crianas e adolescentes fos-sem considerados sujeitos de direitos, e no mais meros objetos da interveno

    1 Cujo representante junto ao Juzo especializado era chamado de Curador de Menores.

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    do Estado (lato sensu)2, e ainda da regra que estabeleceu a obrigatoriedade deque todas as decises judiciais fossem devidamente fundamentadas3.

    Diante de tais disposies constitucionais, bem como de outras estabeleci-das pela Lei Maior justamente para evitar o cometimento de abusos por parte dosPoderes constitudos, no mais se concebia que pudesse a autoridade judiciria,agindo apenas com base em seu prudente arbtrio, tolher direitos de cidados,mxime quando estes fossem crianas e/ou adolescentes.

    O Estatuto da Criana e do Adolescente, que substituiu o Cdigo de Meno-res, ao optar pela manuteno em seu texto do instituto da portaria judicial regu-lamentadora (ou disciplinadora, segundo seu enunciado), teve de concili-lo com anova orientao constitucional, acabando por dar-lhe uma roupagem totalmentediversa da que at ento se conhecia, de modo a torn-lo verdadeiro produto dopoder jurisdicional (e no legiferante) da autoridade judiciria competente.

    Neste sentido, o art. 149 da Lei n 8.069/90, que passou a regular a mat-ria, procurou primeiramente limitar as hipteses em que a autoridade judiciria de-tinha competncia para expedio de portarias ou alvars, tendo em seus incs. I e IIefetuado uma enumerao absolutamente taxativa (e no meramente exemplificati-va), dos casos passveis de tal regulamentao.

    Fora das hipteses restritas do art. 149, incs. I e II, da Lei n 8.069/90, portan-to, o Juiz da Infncia e da Juventude no tem competncia para expedio de por-tarias e alvars, e qualquer ato judicial que extrapole os referidos parmetros/limiteslegais ser nulo de pleno direito.

    Assim sendo, no h mais lugar para prticas arbitrrias de outrora, como os

    famigerados toques de recolher que, embora bastante comuns poca do revogadoCdigo de Menores, hoje violam de forma expressa no apenas o mbito da com-petncia normativa da Justia da Infncia e da Juventude, mas as prprias disposi-es contidas nos arts. 3, 4, caput, 5, 15, 16, inc. I, e 18 da Lei n 8.069/90, bemcomo o disposto no art. 5, inc. XV, da Constituio Federal, que assegura a todos,independentemente da idade, o direito de ir e vir dentro do territrio nacional4.

    2 art. 227, caput.3 art. 93, inc. X.4 Alm de se tratar de prtica ilegal e inconstitucional, luz do ordenamento jurdico vi-

    gente, vale dizer que caso os referidos toques de recolher sejam acompanhados da apreen-so de adolescentes que descumpram suas disposies, poder restar caracterizado, por par-te dos responsveis por sua apreenso ilegal, o crime tipificado no art. 230 da Lei n 8.069/90,que somente permite a privao de liberdade de criana ou adolescente que se encontreem flagrante de ato infracional ou mediante ordem legal, expressa e fundamentada de auto-ridade judiciria competente (o que no o caso, logicamente, de uma portaria manifesta-mente ilegal e inconstitucional, expedida fora do mbito da competncia normativa da Justi-a da Infncia e da Juventude). So os pais ou responsvel (e no o Juiz) que, usando desua autoridade, devem estabelecer, atravs do dilogo, os limites para permanncia deseus filhos nas ruas, podendo para tanto receber a orientao e, se necessrio, o apoioestatal, nos moldes do previsto no art. 129, inc. IV, da Lei n 8.069/90, o que por sinal fazparte do dever elementar de educao, inerente ao poder familiar, tutela ou guarda.

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    Importante observar que, mesmo nas hipteses em que a lei confere Jus-tia da Infncia e da Juventude a competncia para expedir portarias e alvars, a

    atividade jurisdicional deve ser exercida com a estrita observncia de determina-das regras e parmetros, mais uma vez sob pena de nulidade do ato respectivo.

    Um exemplo clssico o caso das portarias judiciais disciplinadoras, quesomente tero lugar nas hipteses expressamente relacionadas no art. 149, inc. I,da Lei n 8.069/90 e, mesmo em tais casos, somente atingiro crianas e/ou ado-lescentes que estiverem desacompanhados de seus pais ou responsvel legal5.

    De modo a deixar claro que a expedio de portarias e alvars judiciais nomais est sujeita ao prudente arbtrio do magistrado, mas sim deve estar calcadaem elementos concretos, o art. 149, 1, da Lei n 8.069/90 estabeleceu a obriga-toriedade de o ato judicial levar em conta, dentre outros, diversos fatores expressa-mente relacionados6, alguns dos quais, como a existncia de instalaes adequa-

    das (alnea c) e o tipo de frequncia habitual ao local (alnea d), somente pass-veis de obteno atravs da realizao de vistorias e sindicncias prvias.

    No mesmo diapaso, o art. 149, 2, do citado Diploma Legal, em conso-nncia com o art. 93, inc. IX, da Constituio Federal, estabeleceu a obrigatorie-dade da fundamentao da medida caso a caso, vedando as determinaes decarter geral, que abrangiam um nmero indeterminado de locais e estabelecimen-tos, outrora permitidas.

    A ttulo de ilustrao, vale colacionar o comentrio de WILSON DONIZETILIBERATI sobre a matria: a portaria expedida pelo Juiz da Infncia e Juventudeno poder regulamentar medidas de carter geral no previstas em lei, como

    previa o art. 8 do Cdigo de Menores revogado. Elas devero ser claras e preci-sas, com determinao singular dos casos que pretendem regular, no autorizandoo juiz a suprir eventuais lacunas existentes na lei. Tem-se, pois, que a relaoapresentada pelo art. 149 exaustiva, no sendo possvel a interpretao amplia-tiva de outros casos (In Comentrios ao Estatuto da Criana e do Adolescente,4 ed., Malheiros Editores, So Paulo, 1995, p. 127).

    As disposies acima relacionadas, somadas previso contida no art. 199da Lei n 8.069/90 de que contra as DECISES proferidas com base no art. 149caber recurso de APELAO (verbis grifei), consagram a ideia de que a ex-pedio de portarias e alvars judiciais somente pode ocorrer como resultado deum procedimento especificamente instaurado para tal finalidade, direcionado a um

    ou mais locais/estabelecimentos previamente determinados e perfeitamente identifi-cados, no qual ser obrigatria a interveno do Ministrio Pblico.

    5 Estando a criana ou adolescente acompanhadode seus pais ou responsvel legal (as-sim entendido o tutor, o guardio ou o dirigente da entidade na qual porventura a crianaou adolescente estiver abrigado), a portaria judicial no incidir.6 Princpios que norteiam a Lei n 8.069/90 (em especial os contidos nos arts. 5 e 6 doreferido Diploma), as peculiaridades locais, a existncia de instalaes adequadas, o tipode frequncia habitual ao local, a adequao do ambiente a eventual participao oufrequncia de crianas e adolescentes e a natureza do espetculo.

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    Mas que procedimento?Embora a Lei n 8.069/90 no tenha previsto de maneira expressa um pro-

    cedimento prprio para a expedio de portarias e alvars judiciais, perfeitamen-te possvel enquadr-lo na disposio genrica contida no art. 153 do citado Di-ploma Legal, segundo o qual SE A MEDIDA JUDICIAL a ser adotada NO COR-RESPONDER A PROCEDIMENTO PREVISTO NESTA OU EM OUTRA LEI, a au-toridade judiciria poder investigar os fatos e ordenar de ofcio as providnciasnecessrias, OUVIDO O MINISTRIO PBLICO (verbis grifei)7.

    Em que pese o acima exposto, poucas so as portarias disciplinadoras 8 ex-pedidas de forma regular, em procedimento prprio, com a prvia realizao desindicncias e vistorias, fundamentao adequada e efetiva interveno do Minis-trio Pblico.

    A regra, lamentavelmente, ainda tem sido a utilizao da sistemtica do re-

    vogado Cdigo de Menores, com portarias expedidas de forma aleatria e gen-rica, fora das hipteses previstas em lei, sem qualquer critrio ou fundamentao,com a simples cientificaodo rgo do Ministrio Pblico aps sua publicao.

    Desnecessrio dizer que portarias assim expedidas padecem do vcio insa-nvel da NULIDADE ABSOLUTA, como alis tem decidido, de forma reiterada, oTribunal de Justia do Estado do Paran, como bem exemplifica o aresto a seguirtranscrito:

    INFNCIA E JUVENTUDE INFRAO ADMINISTRATIVA PORTA-RIA QUE ESTABELECE PROIBIO SEM FUNDAMENTAO NULI-

    DADE.- O arbtrio judicial legitima-se na fundamentao de seus atos, deven-do o juiz dar as razes, caso a caso, ao estabelecer o disciplinamentoprevisto no artigo 149, do Estatuto da Criana e do Adolescente.- Nulidade do processo, por falta de fundamentao da portaria discipli-nadora. (Apelao n 055-0, de Ponta Grossa. Acrdo n 8.041. Rel.Des. Dilmar Kessler. J. em 18-05-98. In Revista Igualdade n 19/205)

    Vale repetir que uma portaria disciplinadora no um ato de mera liberali-dade da autoridade judiciria, mas sim deve ter sua expedio justificada e funda-mentada em elementos suficientes a permitir o controle de sua legalidade pelas

    instncias superiores.Tais elementos devem ser colhidos dentro de um procedimento judicial es-

    pecfico, instaurado de ofcio ou a requerimento do Ministrio Pblico, Conselho

    7 Sendo certo que a obrigatria interveno do Ministrio Pblico em todos os procedi-mentos que versam sobre matria prevista na Lei n 8.069/90, sob pena de nulidade doprovimento jurisdicional respectivo, determinada pelos arts. 202 e 204 do mesmo DiplomaLegal.8 No que diz respeito aos alvars, como de regra, a autoridade judicial provocada parasua expedio, a situao um pouco diversa.

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    Tutelar, outro rgo ou mesmo pessoa interessada no qual, apesar de a autorida-de judiciria ter maiores poderes de investigao, ser imprescindvel a tomada de

    algumas providncias e cautelas bsicas:1 a autuao formal do ato ou requerimento que deflagra o procedimento,

    de modo a torn-lo oficial;2 a perfeita identificao, qualificao e individualizao de cada um dos

    locais e estabelecimentos que sero atingidos pela norma (inclusive com a indica-o de seus responsveis legais);

    3 a realizao de vistorias e sindicncias nos locais e estabelecimentosque sero atingidos pela norma (devendo para tanto contar com o concurso doscomissrios de vigilncia ou agentes de proteo da infncia e juventude9, re-presentantes da vigilncia sanitria, corpo de bombeiros, polcias civil e militaretc.), sem embargo da coleta de outras provas que entender necessrias;

    4 a intimao do rgo do Ministrio Pblico para acompanhar e fiscalizartodo o trmite procedimental, culminando com a emisso de parecer de mrito aseu trmino;

    5 a obrigatoriedade que a deciso final tenha a forma de sentena, con-tendo relatrio, fundamentao adequada (em que sero levados em conta, den-tre outros fatores, os itens relacionados no art. 149, 1, alneas a a f, da Lein 8.069/90) e dispositivo;

    6 a publicao do ato, com a cientificao formal de todos os respons-veis pelos locais e estabelecimentos atingidos pela port