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Repressão - Historiadora revela que agentes da ditadura militar brasileira vigiavam sistematicamente opositores, mesmo durante a “abertura” política. www.unicamp.br/ju ornal U ni camp da Campinas, 10 a 16 de junho de 2013 - ANO XXVII - Nº 564 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA J IMPRESSO ESPECIAL 9.91.22.9744-6-DR/SPI Unicamp/DGA CORREIOS FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Diante do passado , de olho no futuro Diante do passado , de olho no futuro No mundo, 40 comissões da verdade trabalharam, e algumas ainda atuam, como no caso do Brasil, para resgatar o passado traumático. Em entrevista ao Jornal da Unicamp, a pesquisadora alemã Aleida Assmann, especialista em memória cultural, analisou a experiência de seu país com o nazismo e com o extinto regime comunista da Alemanha Oriental, e falou sobre lições que podem ser úteis ao Brasil neste momento de reencontro com o passado. 5 6 e 7 2 Estudo associa perda de dentes à qualidade de vida 4 Lama remove poluentes derivados do petróleo 12 A trajetória de Mano Brown, um ‘sobrevivente no inferno’ Livro da professora Vanessa Rosemary Lea, do IFCH, aborda o universo dos índios Mebêngôkre (Kayapó), que vêm sendo afetados pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. ~ 3 Foto: Alessandro Silva Foto: Vanessa Rosimary Lea Campo de concentração de Buchenwald, em Weimar (Alemanha), que hoje funciona como um espaço de recordação do holocausto, parte importante do passado traumático alemão

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Jornal da Unicamp, edição 564

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Page 1: Ju564

Repressão - Historiadora revela que agentes da ditadura militar

brasileira vigiavam sistematicamente opositores, mesmo durante

a “abertura” política.

www.unicamp.br/juornal Unicampda

Campinas, 10 a 16 de junho de 2013 - ANO XXVII - Nº 564 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA J IMPRESSO ESPECIAL

9.91.22.9744-6-DR/SPIUnicamp/DGACORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADOPODE SER ABERTO PELA ECT

Diante do passado, de olho no futuro

Diante do passado, de olho no futuro

No mundo, 40 comissões da verdade trabalharam, e algumas ainda atuam, como no caso do Brasil, para resgatar o passado traumático. Em entrevista ao Jornal

da Unicamp, a pesquisadora alemã Aleida Assmann, especialista em memória cultural, analisou a experiência

de seu país com o nazismo e com o extinto regime comunista da Alemanha Oriental, e falou sobre

lições que podem ser úteis ao Brasil neste momento de reencontro com o passado.

5

6e 7

2 Estudo associa perda dedentes à qualidade de vida 4 Lama remove poluentes

derivados do petróleo 12 A trajetória de Mano Brown,um ‘sobrevivente no inferno’

Livro da professora Vanessa Rosemary Lea, do IFCH, aborda

o universo dos índios Mebêngôkre (Kayapó), que vêm sendo afetados pela construção da hidrelétrica de Belo Monte.

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Foto: Alessandro Silva

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Campo de concentração de Buchenwald, em Weimar (Alemanha), que hoje funciona como um espaço de recordação do holocausto, parte importante do passado traumático alemão

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UNICAMP – Universidade Estadual de CampinasReitor José Tadeu JorgeCoordenador-Geral Alvaro Penteado CróstaPró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon AtvarsPró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo MeyerPró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria PastorePró-reitora de Pós-Graduação Ítala Maria Loffredo D’OttavianoPró-reitor de Graduação Luís Alberto MagnaChefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail [email protected]. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefi a de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Alessandro Silva, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Maria Alice da Cruz, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Patrícia Lauretti, Gabriela Villen e Valerio Freire Paiva Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon e Everaldo Silva Impressão Pigma Gráfica e Editora Ltda: (011) 4223-5911 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3327-0894. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju

PublicaçãoTese: “Impacto da perda dentária na qualidade de vida de adultos”Autora: Marília Jesus BatistaOrientadora: Maria da Luz Rosário de SousaUnidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP)

ISABEL [email protected]

Fotos: Divulgação

Dentista constata que 80% dos 240 adultos examinados, em Piracicaba, apresentaram problema

Pesquisa da FOP dimensionaimpactos da perda dentária

Marília Jesus Batista durante visita domiciliar (acima) e em atendimento odontológico (abaixo) em Piracicaba: trabalho foi feito em 30 setores censitários do município

perda dentária impacta negativa-mente a saúde pública. A dentista

Marília Jesus Batista comprovou isso no seu estudo de douto-rado defendido recentemente na Faculdade de Odontologia

de Piracicaba (FOP), ao constatar que 80% dos 240 adultos examinados na cidade de Piracicaba apresentaram esse problema. Vinte e cinco por cento deles perderam de 13 a 31 dentes.

O estudo ainda apontou que 20% da po-pulação não perdeu nenhum dente por cárie ou por doença periodontal; 4,4% perdeu ape-nas os primeiros molares permanentes (que rompem em torno de sete anos); 17,8% per-deu até 12 dentes posteriores; 26,3% perdeu até 12 dentes anteriores; 25% dos idosos per-deram de 13 a 31 dentes; e 6,6% deles eram edêntulos (perda total dos dentes).

A perda do dente, explica, diminui a capacidade funcional da mastigação e da fonação, traz prejuízos nutricionais, psico-lógicos e estéticos, além de problemas nas relações sociais.

Três dimensões principais impactaram a qualidade de vida na pesquisa: social (a capa-cidade do indivíduo de se socializar e de se sentir confortável com outras pessoas); fun-cional (a capacidade de mastigar, deglutir, falar); emocional ou psicológica (de se cons-tranger com a aparência; a pessoa sorri com a mão na boca).

Mas o fator que mais afetou a qualidade de vida dessas pessoas na tese foi o desconforto psicológico. “Quarenta e oito por cento dos adultos tiveram ao menos um impacto severo desse desconforto na sua qualidade de vida”, apurou ela.

O que promove tal impacto? O núme-ro de dentes perdidos ou a posição que eles ocupam? Marília afirma que antes de sua pes-quisa não havia proposta de uma medida que associasse as duas variáveis e realizasse uma avaliação conjunta.

Com esses resultados, Marília passou a defender que é preciso medir a perda – em estudos epidemiológicos – em função do nú-mero de dentes que se foram, mas é certo que também é necessário considerar a posição que eles ocupam na arcada dentária.

Uma pessoa que perde dez dentes do fun-do sofre um impacto diferente em compara-ção àquela que perde dez dentes da frente, assim como a pessoa que permanece sem os dentes e aquela que passa por um plane-jamento de reabilitação, para fazer reposição com prótese.

CAMPOO trabalho foi efetuado em 30 setores cen-

sitários sorteados de Piracicaba, por meio de visitas domiciliares aos bairros. Este foi o pri-meiro estudo em domicílios nesse município e um dos poucos no Brasil.

A autora estudou a faixa etária de 20 a 64 anos, ampliando a recomendação da Organi-zação Mundial da Saúde (OMS), que incenti-va que adolescentes sejam examinados entre 15 e 19 anos, adultos entre 35 e 44 anos, e idosos entre 65 e 74 anos.

Observando os levantamentos epidemio-lógicos ao longo dos anos no país, a autora notou discrepâncias quanto ao número de dentes perdidos, em especial entre as faixas etárias preconizadas pela OMS.

Por isso, tanto no mestrado quanto no doutorado, a pesquisadora ampliou essa faixa, de modo a abranger os intervalos de adolescentes a idosos e para ver o que movia achados tão díspares.

A doutoranda informa que a perda dentá-ria, que ocorre quando o indivíduo extrai o dente por doença, por motivos ortodônticos ou por trauma, tem a cárie e a doença perio-dontal como maiores limitantes.

Marília ainda constatou que o Brasil exi-be uma alta prevalência de perda dentária comparado aos países mais desenvolvidos. Em 1997, uma pesquisa apontou que a França tinha 0% de edêntulos adultos, um resultado formidável.

Em 2004, o México registrava 2,4%, em contraste com o Brasil, que sinalizava 9%, quase quatro vezes esse número. Em Piraci-caba, onde o município bate a porta dos 360 mil habitantes, esse número é um pouco me-nor: 6%”, revela a dentista.

Outros números relevantes. Dentre os adultos brasileiros em 2010, 17 dentes em média foram acometidos pela cárie, dos quais 8 eram dentes perdidos. Os idosos chegaram a uma média de 28 dentes perdidos, dos 32 que constituem a arcada.

A dentição no adulto é composta de 12 dentes molares (que trituram e moem os ali-mentos), oito pré-molares (que promovem a mastigação e preensão de alimentos), quatro caninos, ou presas (que os cortam e dilace-ram), e oito incisivos (que os cortam).

QUESTIONÁRIONo estudo, junto com o exame clínico, a

pesquisadora aplicou um questionário com vistas à obtenção de dados socioeconômicos, demográficos, e de percepção da saúde bucal e do impacto na qualidade de vida, que foram avaliados através do instrumento Oral Health Impact Profile (OHIP-14).

Foram 14 perguntas relacionadas às di-mensões da limitação funcional (desconforto ao comer), da dor física, do desconforto psi-cológico, da incapacidade física (não conse-guir comer), da incapacidade psicossocial e para realizar alguma atividade diária.

Avaliou-se ainda uma nova questão: a health literacy, chamada literacia (alfabetizar em saúde), que envolve o conhecimento que a pessoa tem acerca da saúde bucal e se sabe julgar as informações que recebe.

Na tradição, literacia implica a destreza com uma língua – leitura, escrita e oralidade, que desempenha um papel na comunicação e na compreensão das ideias.

Apesar da maioria dos adultos dizerem que têm informações sobre saúde bucal, pou-cos conseguem interpretar e aplicar isso ao seu dia a dia, como hábito, salienta a dentista.

Esses conteúdos são captados da mídia e de informativos que circulam em clínicas. Também a ampliação do serviço odontoló-gico na rede pública fez com que avançasse esse conhecimento.

“Mesmo assim, faltam programas efe-tivos. E isso salta aos olhos, assim como a perda dentária ligada a fatores sociais como escolaridade e renda”, reforça Marília. Outro investimento a ser feito é na conscientização e educação para saúde, para que o indivíduo, vendo seu problema, busque tratamento e prevenção, caminhando para a autonomia no autocuidado.

O acesso ao serviço público é um marcador do nível socioeconômico e do tipo de serviço empregado. “Logo, é preciso reduzir a ponte entre os sem acesso e os com acesso”, alerta Marília. As políticas de saúde pública têm se desenvolvido nessa direção. É o caso da estra-tégia do Programa de Saúde da Família (PSF), que vai aos domicílios e conscientiza a popu-lação. “Ocorre que ainda esforços devem ser feitos para diminuir as desigualdades sociais, que é um desafio no mundo inteiro.”

A FOP também mantém uma parceria com a Prefeitura local. Deste modo, os alunos

de mestrado profissional estagiam nas unida-des do PSF, o que tem trazido um reforço à equipe de saúde bucal.

QUALIDADEAs dimensões que interferem na qua-

lidade de vida se refletem nas atividades diárias (trabalho, amizades, relações afe-tivas), porque a boca está em evidência em todas as situações. No estudo, o que mais impactou a qualidade de vida foi o constrangimento com a aparência ou sen-tir vergonha.

A classificação para medir a perda dentária foi feita por Marília sob orientação da docente da FOP Maria da Luz Rosário de Sousa, numa parceria com a Faculdade de Odontologia da Universidade de Toronto, Canadá, sob super-visão da professora Herenia Lawrence, onde a dentista fez um doutorado-sanduíche.

Essa classificação é categórica e avalia quanti e qualitativamente a perda, pois têm sido sugeridas variações com relação à quali-dade de vida e aos fatores associados.

Na tese, a periodontite (inflamação que acomete os tecidos de sustentação dos den-tes) foi associada aos indivíduos que per-deram dentes anteriores. Também a idade mostrou-se preditiva, isso porque as políticas públicas das gerações com idade entre 20 e 64 anos foram muito diferentes. Os mais velhos, por exemplo, não tiveram o benefício da água

perda dentária impacta negativa-mente a saúde pública. A dentista

Marília Jesus Batista comprovou

com flúor na infância e na juventude. O tratamento no passado era deveras mu-

tilador, relembra Marília. “Quando o paciente chegava com dor, o dente era logo extraído.” Hoje, há maior acesso aos tratamentos mais especializados, como o tratamento endodôn-tico (de canal), restaurações e uso de coroas.

Não obstante, em levantamento de 2010, dos adultos de 35 a 44 anos, entre 6% e 7% deles nunca tinham ido ao dentista. É um achado que não faz jus ao título que o Brasil detém: “do maior número de odontólogos do mundo”.

A dentista aconselha que, no grupo de 20 a 44 anos, se invista na prevenção da perda dentária; já, no grupo dos idosos, se invista em reabilitação, por ajudar a resgatar as con-dições de interagir socialmente e a autoesti-ma, visto que a falta de dentes retrai o prazer de uma vida social, enfatiza.

Campinas, 10 a 16 de junho de 20132

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ãLivro traça panorama da cultura e doshábitos de índiosque são afetadospela construçãode Belo Monte

o mesmo tempo poético e literal, Riquezas intangíveis de pesso-

as partíveis é o título escolhido pela professora Vanessa Rose-

mary Lea para seu livro con-tendo uma extensa pesquisa sobre os índios Mẽbêngôkre (Kayapó) do Brasil central. É a primeira etnografia publicada sobre a sub-divisão Mẽtyktire, abordando a propriedade intangível (e tangível) e os primórdios da sua transformação diante da disseminação de bens industrializados. Além disso, a obra lançada pela Editora da USP, com o apoio da Fapesp, traça um panorama de propriedade entre um povo ameríndio anterior ao en-volvimento do Estado nos processos de pa-trimonialização de bens culturais indígenas materiais e imateriais.

“Por causa de uma pintura corporal geométrica e deslumbrante, os Mẽbêngôkre provavelmente estão entre os povos indíge-nas mais fotografados do planeta”, obser-va Vanessa Lea, docente do Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. “Mas se encantar com seu belo visual é uma coisa; outra coisa é entender seus princí-pios filosóficos, a cosmologia, a mitologia, a terminologia de parentesco e a língua. No momento em que esse povo é atingido pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, a sociedade deve se conscientizar de que índio não é apenas alguém com cocar de penas e arco e flecha. Por trás dele existe todo um pensamento sofisticado.”

Mestre em estudos latino-americanos pela Universidade de Oxford com uma disserta-ção bibliográfica sobre os índios Mapuche do Chile, Vanessa Lea ainda vivia na Inglaterra, em 1971, quando leu sobre a resistência dos Mẽbêngôkre à construção da BR-080, que amputou a porção setentrional do Parque Indígena do Xingu, onde moravam. Ela pôde visitar a reserva depois de conseguir bolsa do governo brasileiro para vir ao país onde aca-bou fazendo seu doutorado, no Museu Na-cional (UFRJ). “Estava atraída pelas atitudes orgulhosas e pelas descrições do agito da vida cotidiana em uma aldeia Mẽbêngôkre.”

A autora do livro iniciou a pesquisa de campo em 1978 e, até defender a tese de doutorado em 1986, quando já era professo-ra da Unicamp, calcula ter convivido por um ano com os Mẽbêngôkre, entre idas e vindas às aldeias. Ela fez viagens posteriores, sen-do que as últimas para este livro foram em 2005 e 2009 – outra mais recente, em 2011, será tratada em publicações futuras. “A maior parte do trabalho se deu quando ainda estava na casa dos 20 anos, antes de ter minha filha, que agora está com 24. Somando a estada mais longa durante o doutorado e as viagens mais curtas, foram dois anos de convívio com os Mẽbêngôkre, observando a enorme com-plexidade do seu modo de vida.”

Vanessa Lea recorre ao termo “riquezas intangíveis” para fazer frente ao senso co-mum de que os índios da Amazônia, de uma

maneira geral, não possuem riquezas, ao pas-so que na África vários povos ostentam seus territórios e rebanhos. “Os Mẽbêngôkre, de língua Jê, eram vistos como seminômades, que na seca saíam à procura de mel e produ-tos da floresta, retornando à aldeia no perío-do de chuva. Na década de 1940, pensou-se que eles tinham sido expulsos da floresta por outros povos indígenas, mas viu-se depois que se tratava de um movimento planejado, visando aproveitar tanto os recursos da flo-resta como do cerrado. Eles transitam entre esses dois ambientes.”

Segundo a antropóloga, riquezas in-tangíveis são as prerrogativas inerentes ao que chama de “matricasa” ou “Casa” com maiúscula. “As matricasas lembram um pou-co os clãs. Elas são localizadas de acordo com o eixo leste-oeste, seguindo a trajetória do sol, e transmitidas da mãe para as filhas e destas para as filhas, numa sucessão que se estica até o tempo mítico. As prerrogativas, como nomes pessoais e adornos usados em cerimônias, são todas transmitidas de gera-ção para geração, no interior da matricasa. E são os homens que devem mudar para a casa da esposa e da sogra, ao contrário do que ve-mos em outros grupos indígenas.”

o mesmo tempo poético e literal, Riquezas intangíveis de pesso-

as partíveis

LUIZ [email protected]

Foto: Antonio Scarpinetti

As ‘riquezas intangíveis’

dos Mebêngôkre

ServiçoTítulo: Riquezas intangíveis de pessoas partíveisAutora: Vanessa Rosemary LeaEditora: Edusp (apoio Fapesp)Páginas: 495Preço: R$ 80,00

As pessoas são “partíveis”, acrescenta a pesquisadora, porque seus nomes e prerro-gativas são transmitidos a seus descenden-tes. “Consequentemente, enquanto a carne dos defuntos se desfaz no túmulo, seus no-mes e demais riquezas circulam novamente entre seus herdeiros. Inexiste um culto dos ancestrais porque todos os seus componen-tes são desmanchados para serem reapro-veitados. Iniciei a pesquisa fazendo um cen-so da aldeia e, como um mẽbêngôkre nunca deve dizer seu próprio nome, é preciso per-guntar como ele se chama a um terceiro. Havia quem tivesse quase trinta nomes – os bonitos, os comuns e os apelidos. É enor-memente complexo, pois todos possuem significado. É um significado em metamor-fose, devido à polissemia.”

TRANSMISSÃO MATRILINEAROs Mẽbêngôkre também são conhecidos

como Kayapó. Na abertura do livro, Vanessa Lea explica a relação deste povo com outros da mesma família linguística. “Há quem pense que todos os índios falam a mesma língua, um grau de ignorância que me cho-ca, visto que existem centenas de línguas indígenas. Também procuro explicar a no-ção lévi-straussiana de ‘sociedade de casas’, embora Lévi-Strauss tenha pensado este conceito para sociedades cognáticas, como a nossa, onde a família do pai e a família da mãe têm o mesmo peso. No caso dos Mẽbêngôkre, tudo é transmitido de forma matrilinear, uterina.”

A docente do IFCH considera a questão de gênero interessante, devido à visão que temos das mulheres indígenas submissas e tímidas, que se recusam a conversar com os brancos que vão à aldeia. “Uma coisa é a divisão sexual do trabalho e outra é a impor-tância simbólica do feminino e do mascu-lino. Na literatura clássica, as aldeias eram descritas com as mulheres ocupando a pe-riferia, quando na verdade tudo que aconte-ce no centro da aldeia é determinada pelas matricasas; eles segmentam a propriedade, como se a aldeia fosse uma pizza: cada fa-tia com seu legado de nomes, prerrogativas, adornos e o direito de criar exclusivamente determinados animais de estimação, que re-presentam uma espécie de totens vivos.”

Entretanto, observando por fora a aldeia circular, as casas parecem todas iguais e não se percebe tais nuances, afirma a autora do livro. “Mas um índio que mora na casa da esposa e que tenha como vizinho um irmão usando o mesmo cocar, vai dizer que os dois são da mesma matricasa. Daí, a Casa com maiúscula, já que a noção não é de habitação. Ela envolve uma ou diversas habitações, que podem ser replicadas em outras aldeias, con-forme sua genealogia. A Casa é a instituição mais importante dessa sociedade, o que mos-tra não ser possível equacionar as mulheres com o feminino; é preciso separar os dois as-pectos, como se faz nos estudos de gênero.”

500 PÁGINAS DE MINÚCIASRiquezas intangíveis de pessoas partíveis

possui quase 500 páginas, sendo que Va-nessa Lea utiliza as 100 primeiras para jus-tificar a escolha do grupo e contar como foi feita a pesquisa de campo, a história dos Mẽbêngôkre, sua situação territorial, suas subdivisões e os dados censitários. A maior parte do livro, entretanto, é dedicada à des-crição das aldeias e da organização social; ao cotidiano envolvendo questões de gênero, artesanato, pintura corporal, distribuição de alimentos, sexualidade, relações familiares, mortos e mitos; à terminologia de parentes-co e ao uso e transmissão dos nomes pesso-ais, com suas implicações sociais; e ao lega-do material e imaterial das matricasas, entre tantas outras minúcias.

“É um sistema fascinante, digno de Bor-ges. Existe, por exemplo, a ‘dona do ímpar’: se o caçador voltar com três passarinhos, vai ficar com dois e entregar o terceiro para ela”, diz a autora. “Os animais classificados como bonitos são aqueles cuja carne pode ser consumida por todos (homens, mulheres e crianças), como da anta – cada casa é dona de uma porção dessa carne bonita. Todos os enfeites, como um colar de caramujos, têm pingentes de algodão de cores diferenciadas, identificando a casa dos donos. As categorias de parentesco são atribuídas como categorias de sociabilidade. Eu sou ‘filha’ de Raoni, um líder indígena icônico, conhecido internacio-nalmente por sua oposição à hidrelétrica de Belo Monte. O visual de Raoni é exótico, por causa do grande batoque no lábio inferior, mas para quem se interessa em ver por trás disso, o livro vai ser interessante.”

Vanessa Lea espera que sua obra con-tribua para que a sociedade reconheça a complexidade da sociedade dos índios, des-fazendo a ideia de que eles estão se tornan-do dependentes dos benefícios do governo, como se fossem pobres coitados. Quanto ao risco que os bens industrializados trazem para essa sociedade, a pesquisadora respon-de de pronto: “Eu não usava computador até acabar a minha tese, mas continuo a mesma pessoa. Existe esse preconceito de que índio com calça jeans ou celular não é mais índio. Obviamente que é. Simplesmente, eles não estão numa redoma, querem compartilhar os benefícios da nossa sociedade e são fascina-dos por tecnologia: adoram andar com filma-doras para registrar as suas cerimônias. Isso não interfere na sua identidade indígena”.

A professora Vanessa Rosemary Lea:“A sociedade deve se conscientizar de

que índio não é apenas alguém comcocar de penas e arco e fl echa”

Fotos: Vanessa Rosemary Lea/ DivulgaçãoãCenas cotidianas dos Mebêngôkre,

povo indígena estabelecido noBrasil central: todas as prerrogativas

são transmitidas de geraçãopara geração, na matricasa

Campinas, 10 a 16 de junho de 2013 3

Serviço

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Poluente versuspoluentes

A doutoranda Renata dos Santos Souza: materiais absorveram 99% do xileno, 85% do tolueno e 60% do benzeno

Pesquisadores da FEQ testam com sucesso lama vermelha na remoção de derivados de petróleo de efluentes

humanidade ainda não encontrou uma forma de produzir e consumir sem gerar resíduos. Assim, uma das maneiras de minimizar os impactos

que os rejeitos, principalmente os de origem industrial, causam ao ambiente é desenvol-ver técnicas e processos para imobilizá-los ou

estabilizá-los. Desde 1998, a equipe da professora Meuris Gurgel Carlos da Silva, da Faculdade de Engenharia Quí-mica (FEQ) da Unicamp, tem se dedicado a essa tarefa. Nos estudos desenvolvidos nesse período, os pesquisado-res têm utilizado materiais pouco convencionais, como al-gas e argila, para promover a remoção de contaminantes de efluentes. Na pesquisa mais recente, válida para a sua tese de doutoramento, a engenheira química Renata dos San-tos Souza utilizou a lama vermelha, residual gerado pela produção de alumínio, para remover derivados de petróleo (benzeno, tolueno e xileno) de meios líquidos. Os resulta-dos foram muito promissores.

A ideia de utilizar a lama vermelha para essa finalida-de foi de Renata, que é natural do Estado do Pará, onde a produção de alumínio é uma atividade importante. “Nós não tínhamos um indicativo de que o material serviria para esse propósito, mas sabíamos que ele já havia sido testado para remover corantes, o que nos fornecia uma pista. A op-ção pelo benzeno, tolueno e xileno, que nós chamamos de BTX, é porque eles são os compostos mais tóxicos presen-tes nos derivados de petróleo e potencialmente canceríge-nos”, explica a autora do trabalho. Ainda segundo a enge-nheira química, duas preocupações orientaram a pesquisa.

Ela explica que na região Norte é comum a presença de postos de abastecimentos flutuantes. Estes, a exemplo dos postos convencionais, também apresentam problemas de manutenção em seus tanques, que não raro resultam em vazamento de combustíveis para os recursos hídricos. Além disso, a lama vermelha, que é composta principal-mente por ferro, sódio, alumínio, titânio e silício, é um re-síduo poluente que pode contaminar o solo e, consequen-temente, o lençol freático. Hoje em dia, ela é aproveitada basicamente para a produção de cerâmica. “O que o estudo pretendeu foi justamente dar uma destinação mais nobre para esse material, que é abundante e barato, bem como propor uma solução inovadora para fazer frente à conta-minação dos recursos hídricos por compostos orgânicos”, detalha Renata.

Em sua investigação, a pesquisadora teve que cumprir diversas etapas. Primeiramente, ela promoveu a caracteri-zação da lama vermelha. Dito de modo simplificado, Re-nata verificou o material internamente, para entender de forma pormenorizada as suas propriedades. “Esse trabalho foi feito tanto com a lama bruta quanto com a lama modifi-cada por processos térmico e químico. A que foi submetida à ativação química não apresentou bons resultados, e nós a abandonamos. As demais, porém, demonstraram elevada capacidade de adsorção [retenção] dos compostos orgâni-cos”, relata a professora Meuris.

Em seguida, a autora da tese dopou tanto a lama ver-melha bruta quanto a calcinada com os compostos consi-derados, de forma isolada. Ao analisar os materiais, Renata constatou que eles foram capazes de adsorver, em valores máximos, 99% do xileno, 85% do tolueno e 60% do benze-no, que apresenta uma molécula menor, e por isso mais di-fícil de ser retida. Depois, a pesquisadora fez o mesmo com misturas binárias dos compostos orgânicos. Os resultados foram somente 10% inferiores ao alcançado nos modelos anteriores. “De modo geral, o que pudemos constatar foi que a lama ativada termicamente apresenta um desempe-nho ligeiramente superior, mas não o suficiente para elimi-nar a possibilidade do uso da lama bruta, que também se comportou muito bem”, esclarece a docente.

Apesar de o estudo ter indicado que a lama vermelha tem potencial para ser empregada em métodos de remoção de compostos orgânicos de efluentes, a professora Meuris ad-verte que a técnica ainda não alcançou o ponto de aplicação. A partir de agora, ela e sua equipe realizarão outras investi-gações, de modo a aperfeiçoar a técnica. “O próximo passo é ampliar a escala. Ou seja, temos que sair da bancada e migrar para o estágio piloto. Ocorre que ampliar a escala não significa somente aumentar tamanho. Temos também que compreen-der melhor alguns parâmetros, principalmente a forma como ocorre a adsorção”, pormenoriza a orientadora do trabalho.

Após essa etapa, será preciso, ainda, averiguar como será o comportamento do material quando aplicado em condi-ções reais, ou seja, no processo de descontaminação de um rio ou mesmo de uma faixa de mar. “Nesse caso, existem as correntes e o arrasto de materiais sólidos, que podem in-fluenciar no desempenho da lama vermelha. São cenários que precisarão ser analisados. De todo modo, nós acredi-tamos que futuramente esse material poderá ser usado em barreiras reativas. Isso poderá ser feito tanto de forma pre-ventiva, isto é, em locais onde haja risco de contaminação, quanto de forma emergencial, no caso de uma contaminação séria, como a verificada quando ocorre vazamento de óleo”, entende a professora Meuris.

AMPLA ABORDAGEMAs pesquisas conduzidas pela equipe da FEQ não se res-

tringem ao desenvolvimento de produtos e processos volta-dos à descontaminação de efluentes. A abordagem vai além. De acordo com a professora Meuris, os estudos também têm a preocupação de dar solução adequada ao material emprega-do na adsorção, que fica contaminado. “Uma das alternativas é fazer a dessorção [retirada seletiva] desses contaminantes. Assim, dependendo do material, como é o caso da lama ver-melha, ele pode ser aproveitado em um novo processo. Evi-dentemente, em algum momento ocorrerá a saturação e esse material não poderá mais ser reutilizado. Ainda assim, isso pode representar uma vantagem, pois os poluentes ficam confinados num sólido, o que permite um controle muito maior do que em um efluente”, pondera a docente.

Grosso modo, acrescenta a professora Meuris, o Brasil praticamente não faz o tratamento de resíduos. O que o país tem feito é a contenção. Ou seja, as soluções empregadas são na linha da imobilização e da estabilização, de modo a impe-dir que os materiais contaminantes reajam com o ambiente. “A lógica é a seguinte: se eu tenho uma tonelada de material contaminado com benzeno e eu consigo retirar esse compos-to orgânico, o que obtenho são, por hipótese, dez quilos de material contaminado. Com isso, eu preservo os outros 990 quilos. Em outras palavras, fica bem mais fácil pensar num tratamento efetivo quando eu consigo separar os contami-nantes mais recalcitrantes”, diz.

humanidade ainda não encontrou uma forma de produzir e consumir sem gerar resíduos. Assim, uma das maneiras de minimizar os impactos

que os rejeitos, principalmente os de origem

PublicaçãoTese: “Avaliação da lama vermelha na remoção de de-rivados de petróleo – benzeno, tolueno e xileno (btx)”Autora: Renata dos Santos SouzaOrientadora: Meuris Gurgel Carlos da SilvaUnidade: Faculdade de Engenharia Química (FEQ)

MANUEL ALVES [email protected]

Fotos: Antonio Scarpinetti

A professora Meuris Gurgel Carlos da Silva, orientadora:“Uma das alternativas é fazer a retirada seletiva dos contaminantes”

Lama vermelha bruta, que é compostaprincipalmente por ferro, sódio, alumínio, titânio e silício

Nesse sentido, prossegue a docente da FEQ, as pesqui-sas desenvolvidas pela sua equipe sempre procuram asso-ciar o aspecto científico à aplicação. Como dito no início desta reportagem, tal esforço compreende o uso de uma boa dose de criatividade, que se traduz, entre outros as-pectos, na experimentação de materiais pouco comuns. Um dos focos atuais do grupo é a utilização da sericina [espécie de proteína gelatinosa] retirada do casulo do bicho-da-seda como adsorvente de metais nobres e tóxicos. “Por enquan-to, a pesquisa ainda está em fase inicial. Todavia, é possível que cheguemos a bons resultados. No futuro, poderemos investigar este material para a incorporação de fármacos, visto que ele é considerado um biomaterial”.

Paralelamente, o grupo coordenado pela professora Meuris também investiga a capacidade de uma alga mari-nha de remover o cromo, metal utilizado no processo de galvanoplastia, de efluentes. “Os primeiros resultados são positivos, mas ainda temos alguns pontos a serem analisa-dos. Caso possamos utilizar a alga para esse fim, isso re-solveria outro problema. É que as prefeituras não sabem o que fazer com as algas que são lançadas às praias, morrem e causam mau cheiro”.

Campinas, 10 a 16 de junho de 20134

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À esquerda, Milton Nascimento e manifestantes são fotografados por agentes em manifestação pela anistia, em 1979; acima, informante com o rosto circundado foi identifi cado pelos órgãos de repressão como “elemento de segurança”

Abertura ‘lenta, gradual e segura’teve repressão ‘ampla e irrestrita’Dissertação mostra como agentes da ditadura militar exerciam vigilância sistemática a opositores

A historiadora Pâmela de Almeida Resende: “Parte da corporação estava visivelmente insatisfeita com os rumos da abertura”

decisão pela “abertura lenta, gra-dual e segura” no Brasil não im-pediu que parte da comunida-

de de informações persistisse na vigilância diária e siste-

mática de pessoas que faziam oposição ao regime civil-militar. É o que a historiado-ra Pâmela de Almeida Resende aponta na dissertação de mestrado “Os vigilantes da ordem: a cooperação DEOPS/SP e SNI e a suspeição aos movimentos pela anistia (1975-1983)”, que acaba de defender no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, sob a orientação do professor Fernando Teixeira da Silva.

“Os documentos que pude pesquisar desconstroem a visão de que a repressão, a tortura e a vigilância foram práticas pontuais em períodos de maior violência, como em 1968, num contexto de com-bate à luta armada. A vigilância pode ter sido diferente em alguns momentos, mas sempre esteve presente”, afirma Pâmela Resende. “A ideia de que durante o perío-do de distensão houve um afrouxamento do trabalho de vigilância não se sustenta ao nos debruçarmos sobre os documen-tos do período.”

Segundo a autora da dissertação, com o fortalecimento das lutas democráti-cas, o período de abertura foi marcado pela intensificação das manifestações so-ciais e pela decretação da Lei de Anistia em 1979. “O Movimento Feminino pela Anistia e o Comitê Brasileiro pela Anistia estão inseridos nesse contexto de reivin-dicações, atuando de maneira central no processo de descompressão do regime, assim como nas discussões acerca da exi-gência de uma anistia que fosse ampla, geral e irrestrita”, acrescenta.

Pâmela Resende observa que a atuação desses movimentos mereceu toda a aten-ção da vigilância do Estado, além de tra-zer à tona as desavenças no interior das Forças Armadas. “À medida que os movi-mentos sociais se rearticulavam, aumen-tavam as contradições internas quanto às políticas de repressão, numa demonstra-ção de que o processo de transição políti-ca deveria levar em consideração também as demandas de uma parte da corporação visivelmente insatisfeita com os rumos da abertura”.

Outra imagem construída na memória pública, conforme a historiadora, diz res-peito ao presidente Médici como o res-ponsável pelos anos de maior repressão – “o que realmente foi” – e de Geisel, o sucessor que iniciou a distensão política, como um moderado pouco afeito às cor-rentes radicais das Forças Armadas – “o que não é verdade”. “O ano de 1974, o primeiro de Geisel, ficou marcado pelo registro de 54 desaparecidos e um morto

oficial. Houve um mascaramento do su-miço de corpos, sem que fosse permitido às famílias o direito de sepultar seus en-tes, imprimindo uma normalidade insti-tucional ao governo.”

Ainda sobre o governo Geisel, Pâme-la considera que apesar da atuação ativa de uma parte da corporação descontente com a abertura política, não é possível tirar a responsabilidade do alto escalão militar por atos cometidos naquele mo-mento como as mortes do jornalista Vla-dimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho nas dependências do DOI-Codi [Destacamento de Operações de Infor-mações do Centro de Operações de De-fesa Interna do 2º Exército], em circuns-tâncias bem semelhantes.

“No caso de Fiel Filho, Geisel exone-rou o general Ednardo D’Ávila, coman-dante do 2º Exército, o que para muitos demonstrava o repúdio do presidente à prática de torturas. Mas, a meu ver, Geisel precisava garantir o controle do processo político, pois enfrentava oposição também no seio das Forças Armadas e não apenas dos movimentos sociais. Ele agiu na mes-ma direção em 1977, ao demitir o general Sylvio Frota, expoente da ‘linha dura’ que queria ser lançado candidato à Presidên-cia”, atenta a pesquisadora.

LÓGICA DA DESCONFIANÇAPâmela Resende realizou exaustiva pes-

quisa nos arquivos do Departamento Esta-dual de Ordem Política e Social (DEOPS-SP) e do Serviço Nacional de Informações (SNI). “A documentação produzida pelo DEOPS, liberada ao acesso público em

1994, é de riqueza maior por apresentar, em alguma medida, o pensamento dos ór-gãos repressivos, por conta da circularida-de das informações. A amplitude temporal do seu acervo, 1924 a 1983, permite ma-pear o trabalho de vigilância e repressão da polícia política sobre diferentes setores da sociedade civil. Já a documentação do SNI possui a peculiaridade de retratar os conflitos e interesses a partir do golpe de 1964, tendo em vista que esse órgão foi criado pelo regime com interesse e práti-cas específicos.”

A pesquisadora pôde perceber a vigi-lância sistemática de opositores do regi-me nas anotações minuciosas, como por exemplo, sobre acontecimentos e perso-nalidades presentes em atos públicos pela anistia. “Os agentes vão registrar os no-mes dos principais oradores, como do ad-vogado Luiz Eduardo Greenhalgh, então presidente do Comitê Brasileiro pela Anis-tia, da atriz e produtora cultural Ruth Es-cobar e de Terezinha Zerbini, criadora do Movimento Feminino pela Anistia. Anota-vam onde moravam, onde estacionaram o carro, placa, horários, etc., descortinando suas vidas”.

A historiadora incluiu na dissertação algumas das 100 fotografias tiradas por agentes do SNI numa manifestação popu-lar em agosto de 1979 – mês de votação do projeto de lei da anistia. “Nesse con-junto de fotografias encontrei também um informante com o rosto circundado a caneta e em cuja legenda lê-se ‘elemento de segurança’. Quer dizer, o termo comu-mente utilizado para denominar os opo-sitores do regime – elemento – foi usado para caracterizar um agente de segurança.

PublicaçãoDissertação: “Os vigilantes da ordem: a cooperação Deops/SP e SNI e a sus-peição aos movimentos pela anistia (1975-1983)”Autora: Pâmela de Almeida ResendeOrientador: Fernando Teixeira da SilvaUnidade: Instituto de Filosofia e Ci-ências Humanas (IFCH)

LUIZ [email protected]

decisão pela “abertura lenta, gra-dual e segura” no Brasil não im-pediu que parte da comunida-

No decorrer da pesquisa encontrei outros documentos mostrando certa ‘confusão’ nas linguagens utilizadas.”

DIFICULDADE DE ACESSOSe no DEOPS a política de acesso a in-

formações já estava consolidada, podendo-se consultar diretamente o banco de dados e os documentos, Pâmela Resende encon-trou muita dificuldade para investigar o fundo do SNI, então sob a guarda do Arqui-vo Nacional em Brasília. “Iniciei o mestra-do em 2010 e a Lei de Acesso à informação veio apenas em maio de 2012. Na ocasião, não podia ter acesso direto aos documen-tos do SNI. Devia formular palavras-chaves e enviá-las a um funcionário, que fazia a pesquisa em uma base de dados cujo con-teúdo eu desconhecia. E recebia certidões do que aparecia na pesquisa para solicitar reproduções do que me interessasse.”

A historiadora conta que a falta de acesso lhe trouxe vários problemas, a começar pelo custo de cada reprodução. Outra orientação era para que não se des-locasse à Capital Federal, até porque não poderia consultar a base de dados. “Isso me incomodava muito, pois não sabia a di-mensão do fundo e o que poderia pesqui-sar tangencialmente. Com a Lei de Acesso, eles elaboraram uma base de dados com os acervos produzidos durante o regime civil-militar e que estão sob custódia do Arquivo Nacional. Fui a Brasília diversas vezes posteriormente e constatei uma me-lhora exponencial.”

Em relação ao recorte na pesquisa de 1975 a 1983, Pâmela Resende justifica que precisava determinar um marco temporal: 1975 é o ano da criação do Movimento Fe-minino pela Anistia e 1983 o ano da desa-tivação do DEOPS. “Poderia ir somente até 1979, quando foi publicada a Lei da Anis-tia, mas ela não contemplou a totalidade dos anseios dos movimentos – e, justamen-te por esse caráter da lei, a luta pela anistia continuou, apesar de uma desmobilização progressiva natural. No entanto, novos atores ganharam um novo protagonismo, como a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos e o Grupo Tortura Nunca Mais, incorporando outras bandeiras, além da busca dos desaparecidos e a responsabi-lização do Estado pelos crimes cometidos.”

Foto: Antonio Scarpinetti

Fotos: Reprodução/ Divulgação

Campinas, 10 a 16 de junho de 2013 5

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‘Lembrar para não repetir’

Aleida Assmann, autora de “Espaços da recordação - Formas e trans-formações da memória cultural”:

“Defi nimo-nos a partir do que lembra-mos e esquecemos juntos”

ENTREVISTA - Aleida Assmann

Jornal da Unicamp – Pode-se dizer que a Alemanha especializou-se em “processar” e aprender com seu

passado traumático. Isso ficou muito evidente, além do tratamento dado aos fatos ligados ao nazismo,

mas principalmente depois da unificação, quando uma outra história começou a ser estudada, registrada e divulgada, mesmo

diante da possibilidade de controvérsias e conflitos em relação

a diversos segmentos da sociedade.Aleida Assmann – A Alemanha

tem muita experiência sobre esse tema. Teve que trabalhar com duas ditaduras,

a dos nazistas e a do partido socialista. O processamento depois dessas ditaduras

Especialista em memória cultural, pesquisadora alemã afirma que lidar com o passado traumático é um processo longo, delicado e que exige a participação de toda a sociedade; no mundo, 40

comissões da verdade foram criadas, como no Brasil, para enfrentar as marcas da história

ALESSANDRO [email protected]

aconteceu de maneira muito diferente. Depois dos nazistas, houve uma mudança de sistema, a democratização, novos interesses e não houve um interesse grande de perseguir e julgar quem apoiou o regime.

Houve o tribunal internacional em Nuremberg para uma parte muito específica, pequena, dos principais perpetradores. As bases do sistema permaneceram protegidas. Foram necessários 40 anos, quase quatro gerações, antes que a lembrança sobre o holocausto retornasse à sociedade em uma relação que a inseriu na consciência política nacional. Uma lembrança ligada ao holocausto foi construída com uma infraestrutura duradoura para o futuro, por meio de museus, memoriais, educação na escola, filmes, livros etc.

Depois da queda da Alemanha comunista, houve um processamento imediato das coisas e a constituição de uma comissão da verdade. Ainda há muita controvérsia e insatisfações nisso, diante da sociedade, sobre o processamento do que aconteceu na Alemanha Oriental. Há um partido que reúne antigos representantes da Alemanha Oriental, que não

estão interessados em uma perseguição e em punição. O termo “Estado de injustiça” é uma coisa política.

Esse partido, simplesmente, não quer ouvir essa palavra. Por outro lado, há muitas vítimas desse regime socialista,

que foram torturadas; houve muitas violações de direitos humanos, mas essas vítimas não têm aposentadoria, não receberam nenhuma compensação.

Há outro problema na Alemanha: como colocar duas ditaduras na mesma memória nacional? Existe uma preocupação, atualmente, de que uma nova lembrança jogue a antiga para o passado. As pessoas que construíram a lembrança do holocausto temem que as novas lembranças [da história da Alemanha Oriental] afastem as lembranças do passado [com o nazismo]. Com relação aos documentos oficiais, há uma disputa: quantas páginas devem ser dedicadas a cada um delas?

Há uma fórmula, porém, que oferece uma maneira de lidar com as duas; falamos da avaliação desses dois regimes de injustiça. Essa fórmula diz que a lembrança sobre a Alemanha Oriental não pode relativizar a lembrança do holocausto. E a lembrança do holocausto não pode trivializar a lembrança sobre a Alemanha Oriental.

JU – Vinte e sete anos depois do fim do regime militar (1964-1985), o governo brasileiro criou uma comissão da verdade para apurar graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. No que a experiência alemã poderia ser útil ao Brasil?

Aleida Assmann – O processamento e o trabalho sobre um passado de violência exige tempo. Normalmente, uma nova geração traz um novo impulso para isso. Não quer dizer que eles desviem o olhar e não se interessem mais, mas se engajam e se envolvem a partir de outra perspectiva. Há diferentes meios de lembrança e de mudança, e isso é importante ressaltar. Por exemplo, a realidade política, os meios políticos, a perseguição. Memoriais e dias oficiais [criados para a lembrança de datas] são os meios políticos. Meios jurídicos seriam tribunais e julgamentos. Em terceiro lugar, importante é o tratamento na sociedade, nas mídias públicas sobre esse tema. Se um ou outro não acontece,

m Frankfurt, na Alemanha, funcionários deslocam uma bomba da Segunda Guerra com 150 kg de explosivos que estava enterrada há mais de seis décadas. A foto da cena que circulou pelo mundo no último dia 19 de maio não é incomum naquele país. Estima-se que entre 10 e 15% das bombas lançadas pelos aliados ainda não explodiram. Esse arsenal continua enterrado e, todo

o ano, de uma a duas bombas explodem em solo alemão. Especialistas avaliam que o país viverá com esse risco por quase um século. A situação ilustra uma das abordagens sobre memória cultural e passado traumático, temas de estudos da pesquisadora alemã Aleida Assmann, doutora em literatura inglesa (Universidade de Heidelberg) e em egiptologia (Universidade de Tübingen), que trabalha há mais de duas décadas com pesquisas nessa área, em parceria com o marido, o egiptólogo Jan Assmann. Os dois estiveram no Brasil para um ciclo internacional de conferências que incluiu a Unicamp no roteiro.

Metaforicamente, as “bombas” enterradas são as “feridas” abertas ao longo da história, mal curadas e que voltam a provocar dores e polêmicas, o “risco

de explosão”, quando vêm à tona por algum motivo, como em “escavações” do passado. Segundo a pesquisadora,

lidar com esse tipo de passado é um processo longo, exige a participação de toda a sociedade e as

universidades desempenham nesse contexto o papel de protetoras da memória

cultural – aquela de caráter perene, construída pelo coletivo ao longo

do tempo, transmitida entre as gerações e que evita, por

exemplo, que o homem tenha que reinventar a roda todo dia.

Em entrevista ao Jornal da Unicamp, Aleida analisou as

lições da Alemanha que podem ajudar o Brasil no atual momento de reflexão sobre o passado. Há um ano, a Comissão Nacional da Verdade apura a ocorrência de graves violações de direitos humanos no país (de 1946 a 1988). As polêmicas sobre a revisão da história desse período estão no noticiário, nas redes sociais, com a oposição de militares da reserva, de integrantes da comissão e de pessoas favoráveis e contrárias ao resgate dos fatos dessa época. “Lembranças negativas de traumas históricos podem estimular sempre novos conflitos ou se deitarem como uma sombra paralisante sobre o presente e tirar a força vital e a perseverança das pessoas”, disse a pesquisadora, em sua apresentação na Unicamp, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (16/05). O evento contou com o apoio da Editora da Unicamp, que publicou o único livro da estudiosa em português: “Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural” (2011). O ciclo de conferências no Brasil foi organizado pelo Instituto de Estudos Avançados em Mobilidades Sociais e Culturais da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Segundo Aleida, 40 comissões da verdade foram criadas (entre as quais a do Brasil) e as regras de funcionamento tiveram que ser reinventadas de acordo com cada situação vivida pelo país de origem. “O que define essa forma de política da lembrança não são o ato de acobertar e o de deixar-estar, mas sim o de trazer ao discurso em um espaço social, o de admitir e o de reconhecer publicamente. Uma vez que essa política se orienta para a reconciliação e para a integração, podemos falar dela como uma forma totalmente nova de ‘superação do passado’ que deve ajudar a transformar ditaduras e outros regimes violadores dos direitos humanos em democracias”, disse.

De acordo com a pesquisadora, o modelo das comissões da verdade surgiu na América do Sul, onde países como Chile, Uruguai, Argentina e Brasil enfrentaram uma transição de regimes militares para democracias. “‘Lembrar para não repetir’ tornou-se um imperativo político e cultural geral. Com a ajuda dos direitos humanos, criou-se um novo e influente discurso das vítimas que substituiu as narrativas políticas tradicionais da luta de classes, das revoluções nacionais e dos antagonismos políticos.”

Ao falar da experiência alemã, Aleida Assmann destacou os problemas que se seguiram à queda do muro de Berlim, acontecimentos que lembram os desdobramentos posteriores ao fim do regime militar brasileiro (1964-1985). “Definimo-nos a partir do que lembramos e esquecemos juntos”, explica. Leia a íntegra da entrevista:

Campinas, 10 a 16 de junho de 20136

Aleida Assmann, autora de “Espaços da recordação - Formas e trans-formações da memória cultural”:

“Defi nimo-nos a partir do que lembra-mos e esquecemos juntos”

Jornal da Unicamp – Pode-se dizer que a Alemanha especializou-se em “processar” e aprender com seu

passado traumático. Isso ficou muito evidente, além do tratamento dado aos fatos ligados ao nazismo,

mas principalmente depois da unificação, quando uma outra história começou a ser estudada, registrada e divulgada, mesmo

diante da possibilidade de controvérsias e conflitos em relação

a diversos segmentos da sociedade.Aleida Assmann – A Alemanha

tem muita experiência sobre esse tema. Teve que trabalhar com duas ditaduras,

a dos nazistas e a do partido socialista. O processamento depois dessas ditaduras

ALESSANDRO [email protected]

aconteceu de maneira muito diferente. Depois dos nazistas, houve uma mudança de sistema, a democratização, novos interesses e não houve um interesse grande de perseguir e julgar quem apoiou o regime.

Houve o tribunal internacional em Nuremberg para uma parte muito específica, pequena, dos principais perpetradores. As bases do sistema permaneceram protegidas. Foram necessários 40 anos, quase quatro gerações, antes que a lembrança sobre o holocausto retornasse à sociedade em uma relação que a inseriu na consciência política nacional. Uma lembrança ligada ao holocausto foi construída com uma infraestrutura duradoura para o futuro, por meio de museus, memoriais, educação na escola, filmes, livros etc.

Depois da queda da Alemanha comunista, houve um processamento imediato das coisas e a constituição de uma comissão da verdade. Ainda há muita controvérsia e insatisfações nisso, diante da sociedade, sobre o processamento do que aconteceu na Alemanha Oriental. Há um partido que reúne antigos representantes da Alemanha Oriental, que não

estão interessados em uma perseguição e em punição. O termo “Estado de injustiça” é uma coisa política.

Esse partido, simplesmente, não quer ouvir essa palavra. Por outro lado, há muitas vítimas desse regime socialista,

que foram torturadas; houve muitas violações de direitos humanos, mas essas vítimas não têm aposentadoria, não receberam nenhuma compensação.

Há outro problema na Alemanha: como colocar duas ditaduras na mesma memória nacional? Existe uma preocupação, atualmente, de que uma nova lembrança jogue a antiga para o passado. As pessoas que construíram a lembrança do holocausto temem que as novas lembranças [da história da Alemanha Oriental] afastem as lembranças do passado [com o nazismo]. Com relação aos documentos oficiais, há uma disputa: quantas páginas devem ser dedicadas a cada um delas?

Há uma fórmula, porém, que oferece uma maneira de lidar com as duas; falamos da avaliação desses dois regimes de injustiça. Essa fórmula diz que a lembrança sobre a Alemanha injustiça. Essa fórmula diz que a lembrança sobre a Alemanha Oriental não pode relativizar a lembrança do holocausto. E a lembrança do holocausto não pode trivializar a lembrança sobre a Alemanha Oriental.

JU – Vinte e sete anos depois do fim do regime militar (1964-1985), o governo brasileiro criou uma comissão da verdade para apurar graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. No que a experiência alemã poderia ser útil ao Brasil?

Aleida Assmann um passado de violência exige tempo. Normalmente, uma nova geração traz um novo impulso para isso. Não quer dizer que eles desviem o olhar e não se interessem mais, mas se engajam e se envolvem a partir de outra perspectiva. Há diferentes meios de lembrança e de mudança, e isso é importante ressaltar. Por exemplo, a realidade política, os meios políticos, a perseguição. Memoriais e dias oficiais [criados para a lembrança de datas] são os meios políticos. Meios jurídicos seriam tribunais e julgamentos. Em terceiro lugar, importante é o tratamento na sociedade, nas mídias públicas sobre esse tema. Se um ou outro não acontece,

é incomum naquele país. Estima-se que entre 10 e 15% das bombas lançadas pelos aliados ainda não explodiram. Esse arsenal continua enterrado e, todo

o ano, de uma a duas bombas explodem em solo alemão. Especialistas avaliam que o país viverá com esse risco por quase um século. A situação ilustra uma das abordagens sobre memória cultural e passado traumático, temas de estudos da pesquisadora alemã Aleida Assmann, doutora em literatura inglesa (Universidade de Heidelberg) e em egiptologia (Universidade de Tübingen), que trabalha há mais de duas décadas com pesquisas nessa área, em parceria com o marido, o egiptólogo Jan Assmann. Os dois estiveram no Brasil para um ciclo internacional de conferências que incluiu a Unicamp no roteiro.

Metaforicamente, as “bombas” enterradas são as “feridas” abertas ao longo da história, mal curadas e que voltam a provocar dores e polêmicas, o “risco mal curadas e que voltam a provocar dores e polêmicas, o “risco

de explosão”, quando vêm à tona por algum motivo, como em “escavações” do passado. Segundo a pesquisadora,

lidar com esse tipo de passado é um processo longo, exige a participação de toda a sociedade e as

universidades desempenham nesse contexto o papel de protetoras da memória

cultural – aquela de caráter perene, construída pelo coletivo ao longo

do tempo, transmitida entre as gerações e que evita, por

exemplo, que o homem tenha que reinventar a roda todo dia.

Em entrevista ao Jornal da Unicamp, Aleida analisou as

estão no noticiário, nas redes sociais, com a oposição de militares da reserva, de integrantes da comissão e de pessoas favoráveis e contrárias ao resgate dos fatos dessa época. “Lembranças negativas de traumas históricos podem estimular sempre novos conflitos ou se deitarem como uma sombra paralisante sobre o presente e tirar a força vital e a perseverança das pessoas”, disse a pesquisadora, em sua apresentação na Unicamp, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (16/05). O evento contou com o apoio da Editora da Unicamp, que publicou o único livro da estudiosa em português: “Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural” (2011). O ciclo de conferências no Brasil foi organizado pelo Instituto de Estudos Avançados em Mobilidades Sociais e Culturais da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Segundo Aleida, 40 comissões da verdade foram criadas (entre as quais a do Brasil) e as regras de funcionamento tiveram que ser reinventadas de acordo com cada situação e as regras de funcionamento tiveram que ser reinventadas de acordo com cada situação vivida pelo país de origem. “O que define essa forma de política da lembrança não são o ato de acobertar e o de deixar-estar, mas sim o de trazer ao discurso em um espaço social, o de admitir e o de reconhecer publicamente. Uma vez que essa política se orienta para a reconciliação e para a integração, podemos falar dela como uma forma totalmente nova de ‘superação do passado’ que deve ajudar a transformar ditaduras e outros regimes violadores dos direitos humanos em democracias”, disse.

De acordo com a pesquisadora, o modelo das comissões da verdade surgiu na América do Sul, onde países como Chile, Uruguai, Argentina e Brasil enfrentaram uma transição de regimes militares para democracias. “‘Lembrar para não repetir’ tornou-se um imperativo político e cultural geral. Com a ajuda dos direitos humanos, criou-se um novo e influente discurso das vítimas que substituiu as narrativas políticas tradicionais da luta de classes, das revoluções nacionais e dos antagonismos políticos.”

Ao falar da experiência alemã, Aleida Assmann destacou os problemas que se seguiram à queda do muro de Berlim, acontecimentos que lembram os desdobramentos posteriores ao fim do regime militar brasileiro (1964-1985). “Definimo-nos a partir do que lembramos e esquecemos juntos”, explica. Leia a íntegra da entrevista:

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‘Lembrar para não repetir’Fotos: Antoninho Perri

O egiptólogo Jan Assmann: “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”

Integrantes da Comissão da Verdade fazem balanço de um ano de atividades, em Brasília

Na entrada do Campo de Buchenwald, em Weimar (Alemanha), um pequeno memorial cravado na terra chama a atenção dos visitantes: em uma placa,

mantida à temperatura de 37 graus centígrados (a mesma do corpo humano), estão elencadas as nacionalidades das vítimas que morreram ali durante a

Segunda Guerra Mundial; na foto (terceira linha), o registro do Brasil como uma das nações de vítimas que passaram pela prisão nazista

Foto: Divulgação

Para lidar com o passado traumático, segundo Aleida

O Esquecer Dialógico (após a 2ª Guerra Mundial) Silenciamento coletivo“Se o ato de lembrar mantém o ódio e a vingança em atividade, então o ato de esquecer pode levar os lados conflitantes à paz e iniciar a fase de reintegração, tão importante para a convivência.”“Sob essas condições gerais, nas décadas de 1950 e 1960, o peso do passado traumático e carregado de culpa foi tratado ou anestesiado primeiramente pelo esquecimento.”

Lembrar para nunca mais esquecer (década de 1960)Cultura da lembrança“No lugar da amnésia, pouco a pouco, a anamnese e a confissão passaram a tratar da culpa histórica, uma mudança de mentalidade que foi sustentada pela mudança de gerações. A relação dos alemães com o passado nazista se transformou, na Alemanha Ocidental, cada vez mais em um objeto de ativos questionamentos, pesquisas e aprendizado, no signo do esclarecimento familiar, jurídico e histórico. O impulso mais importante que levou a um amplo envolvimento emocional dos alemães veio dos EUA pela mídia de massa: a série de TV americana “Holocaust” (1979) alcançava todos os lares alemães.”“Essa forma de preservação do passado se funda em um pacto ético de lembrança que se orienta para o futuro e para a permanência irrestrita: lembrar para não esquecer.”

Lembrar para superar (décadas mais recentes)Comissões da verdade“A rememoração é, nesse sentido, uma operação transitória em uma situação crítica de transição e que tem a ação terapêutica, clarificadora e purificadora desejada.”“Em sociedades traumaticamente cindidas, o caminho para o estabelecimento de um estado de direito e para a integração passa hoje muito mais pelo buraco da agulha da lembrança na forma de superação de crimes de massa. Por meio dos rituais políticos do arrependimento e da participação empática da sociedade na lembrança das vítimas, a força do trauma é diminuída e a carga de culpa é aliviada. É em seguida, então, que é possível um recomeço, sob a condição de que a história traumática tenha se tornado passado.” “Em sociedades pós-ditadura, o reconhecimento e a lembrança da dor das vítimas é uma parte importante de uma mudança social que tem que se seguir à mudança do sistema político. “O objetivo consiste preferencialmente em colocar e deixar a história de violência para trás para ganhar um novo futuro em comum.”

Rememoração dialógicaIntegração europeia “Trata-se da política de lembrança entre dois ou mais Estados que estão ligados entre si por uma história de violência comum. Dois Estados desenvolvem um modelo dialógico de lembrança quando reconhecem – unilateral e mutuamente – a sua própria participação na história traumática do outro, e incluem empaticamente na própria memória a dor da outra nação causada por eles mesmos e pela qual são responsáveis.” “Normalmente, a memória nacional é organizada monologicamente; ela foi criada no século XIX para proteger e celebrar a identidade nacional. O prisma da memória nacional tende por isso sempre a estreitar a história para um corte glorioso, honroso e pelo menos aceitável. Em face de um passado traumático, há, de fato, em geral somente três papéis sancionados que a memória nacional pode aceitar: o do vencedor que superou o mal; o do lutador da resistência e o mártir que lutou contra o mal; e o da vítima que sofreu passivamente sob o mal. O que está além dessas posições e de suas perspectivas não pode absolutamente – ou só muito dificilmente – tornar-se objeto de uma narrativa aceitável, e por isso é ‘esquecido’ do nível oficial.”“A União Europeia é ela mesma uma consequência da 2ª Guerra Mundial e uma resposta a ela.”“Trata-se, portanto, nesse modelo, não da preservação duradoura do passado, mas, no sentido mais apropriado, de ‘superação do passado’, ou seja, da superação do conflito, de reconciliação e abertura de um futuro comum.”

mesmo assim, por meio das mídias de massa, esse tema vem para a sociedade e isso pode indicar que existe interesse. E a partir disso, pode-se criar uma mudança de pensamento e uma vontade de mudar.

Na Alemanha, a exibição da série americana de TV “Holocaust” [anos 70] juntou as gerações que se tinham conflitado e disparou uma mudança de ponto de vista bastante empático. Resumindo, é um processo muito longo e o fato de que estamos distantes temporalmente do evento, não quer dizer que o evento se processe ou se dissolva por si só.

JU – A quem cabe mediar esse processo, harmonizar os conflitos e conduzir esse trabalho de resgate de um passado traumático?

Aleida Assmann – Se esse processo não acontece em razão de apatia política, acontece por outras mídias, como novelas e minisséries, que encontram grande empatia por parte do público. Atualmente, a televisão é uma mídia que normalmente traz esses temas de volta à agenda de discussão da sociedade. Pode surgir um novo debate, um novo discurso político sobre isso. Dá para perceber que, nas democracias onde esse debate ocorre, há consequências políticas. E chegamos à pergunta: quem é que decide [sobre os fatos que serão incorporados à memória]? Isso é dinâmico e tem a ver com a questão da participação [da sociedade].

JU – A sra. compara a memória com uma mala pronta para uma viagem e os itens que colocamos no interior dessa bagagem serão preservados da corrosão do tempo (esquecimento). Como os itens dessa “mala”, essa bagagem, são selecionados?

Aleida Assmann – A memória sempre tem a ver com escolhas. Escolher é também uma outra palavra para esquecer. A maioria das coisas é esquecida. Lembrar, em geral, sempre é exceção. Quando consideramos uma pessoa, a sociedade já escolheu muitas coisas da cultura para ela. Cada geração é inserida num certo nível de cultura, num certo estado de coisas já existentes. Não quer dizer que esse estado de coisas seja estático, imutável. Fundamentalmente, em sociedades democráticas, toda geração tem a possibilidade de redefinir esse estado de coisas e compor novamente. A ideia de que tudo pode ser composto novamente só acontece depois de uma mudança no sistema político. Como em um quarto, usando outra metáfora, no qual se troca toda a mobília.

Normalmente, não é isso o que acontece. As pessoas convivem com o que já está lá e não questionam tudo. Cada geração tem novos pontos de apoio, pontos de referência. A Alemanha é um exemplo desse caso, porque agora está passando por uma mudança. É uma sociedade de imigração, com muitos imigrantes que trazem suas lembranças e querem que elas estejam presentes na sociedade.

JU – Como ocorre o processo de construção dessa memória? Qual o papel que desempenham os governos, as sociedades, as universidades, por exemplo, nesse processo de construção coletivo?

Aleida Assmann – Quem tem o poder da escolha? Há uma memória de cima e uma memória de baixo. A memória de cima é a memória da sociedade civil na qual todos participam. Normalmente, essa memória é preparada de cima para baixo pela sociedade. Não há uma separação estrita. Quando não há interação entre memória de cima e de baixo, estamos no limite de uma memória totalitária ou estamos falando de uma memória que não tem nada a ver com a sociedade, nada a ver com memória, mas apenas com as coisas dos políticos. Pois memória também significa participação. Participação tem que funcionar, não pode ser determinada, decretada. Senão a memória não é viva.

As universidades, então, têm um papel muito importante. São as protetoras da memória cultural. A memória cultural é muito mais ampla, muito mais abrangente, do que a memória nacional. As universidades protegem a memória de armazenamento. Essa memória de armazenamento guarda muita coisa que não é necessariamente usada pela política atualmente. Ela transcende isso, mas também é importante. Nesse repositório de armazenamento estão as coisas que podem

Na entrada do Campo de Buchenwald, em Weimar (Alemanha), um pequeno

renovar a memória. Por exemplo, uma biblioteca tem aquilo que é lido e que interessa às pessoas, mas também há muita coisa que interessa a poucas pessoas e isso tem um grande valor: proteger essas coisas que justamente não interessam.

JU – O que são “espaços da recordação” [título do livro que dá origem também ao ciclo de conferências]? Qual a importância deles para uma nação?

Aleida Assmann – Inclui muitas coisas. As localidades espaciais, mesmo, e no livro há um capítulo sobre os espaços, como surgem lugares onde aconteceram as coisas, como eles se tornam lugares de memória, de recordação, lugares de peregrinação ou de turismo, há lugares que são transformados em memoriais, em locais de memória. São exemplos de localização desses lugares.

Num sentido mais amplo, espaços de recordações significam que a memória não é só uma “maleta”, na qual se colocam as coisas, mas uma espécie de esfera dentro da qual as pessoas se comunicam e onde vivemos. O conceito é um pouco mais amplo de espaço de recordação. Podemos conectar isso com o conceito de nação. A nação cria para si um espaço de imaginação no qual ela se localiza e no qual ela se orienta, dirige suas ações. A lembrança está muito ligada à imaginação.

JU – De forma mais resumida, como podemos definir o que é memória cultural?

Aleida Assmann – A memória cultural é um tipo de memória que sobrevive ao tempo, que transcende o tempo de vida do indivíduo. Existiu antes de mim e existirá depois de mim. Participo dessa memória cultural enquanto estiver vivo. Como essa memória existe por um longo tempo, os mortos podem se comunicar com os vivos e os vivos podem se comunicar com as próximas gerações. Se não tivéssemos esse conceito, cada um só teria à disposição sua própria memória e não haveria essa memória cultural.

SERVIÇO

ACERVOS DE MEMÓRIA TORNAM-SE ALVOS MILITARES

“Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.” A frase do egiptólogo Jan Assmann dita em sua passagem pelo Brasil, em uma das conferências sobre memória cultural, explica por que bibliotecas e museus viraram alvos militares em conflitos na história da humanidade. Como exemplo, cita a destruição da biblioteca de Sarajevo, nos anos 90, que resultou na destruição de parte do acervo histórico da Bósnia, uma estratégia, de acordo com ele, para “extinguir” o passado que poderia ser opor ao presente planejado pelos agressores. A história é farta em ocorrências desse tipo.

Segundo o pesquisador, a memória cultural tem uma função antropológica. O homem usa códigos simbólicos para transmitir conhecimentos. “Por meio de uma codificação simbólica, o conhecimento pode ser acumulado, expandido e transmitido”, explica. É como uma “poupança” de conhecimentos e experiências acumuladas por todos.

Em suas pesquisas, Jan Assmann faz uma diferenciação entre “memória comunicativa”, aquela que acontece na interação do dia a dia, e “memória cultural”. A primeira não dura mais que 80 anos, três ou quatro gerações, de acordo com o egiptólogo, enquanto a outra pode durar milênios. “Sem a memória, a roda teria que ser reinventada todo o dia”, afirma.

Título: Espaços da recordação - Formas e transformações da memória cultural

Autora: Aleida Ass-mann (Paulo Soethe/coord. e trad.)

Páginas: 456 páginas

Preço: R$ 86,00

Editora da Unicamp

* Colaborou Daniel Martineschen

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Campinas, 10 a 16 de junho de 20138

Funcionária do suporte de informática do Cotuca articulou volta do coral do colégio

A tecnóloga da informação Luciana Maria Rodrigues: recrutando cantores entre funcionários, professores e alunos

Para além do naipede contraltos

écada de 1980, algumas mãos generosas serviam a fila de alunos e funcionários que parecia infinda ao longo do

corredor do Restaurante Uni-versitário. Algumas pessoas, po-

rém, serviam com os olhos, o sorriso ou um trecho de uma música, como o fazia Dona Carmen, uma das cantoras do Coral Alimentum, formado por funcionários do restaurante e regido por Renate Sthepha-nes Soboll. Entre os usuários do “Bande-jão” servidos por Carmen estavam seus fi-lhos, Mário, Cristina, Luciana, e o sobrinho Márcio (todos funcionários). A cantoria contagiou os filhos, que 12 anos após sua morte, seguem cantando. Mário integra o grupo de samba Partido Alto, Cristina participa do coro da Igreja Catedral Metro-politana de Campinas e participou do Co-ral da Unicamp Zíper na Boca, e Luciana Maria Rodrigues, tecnóloga da informa-ção e da comunicação no Colégio Técnico de Campinas (Cotuca), está hoje entre os principais incentivadores, colaboradores e cantores do Coral do Cotuca, regido pelo maestro Danilo Demori desde 2011.

Luciana entendeu que a distância entre o campus de Barão Geraldo e o Cotuca, loca-lizado no centro de Campinas, não poderia ser a mesma distância entre a comunida-de do Cotuca e a música. Sendo assim, em 2008, ao perceber a impossibilidade de alu-nos, funcionários e professores participarem das atividades artísticas da Universidade, não hesitou em convencer a direção do colé-gio a viabilizar a volta do coro, proposto no início da década de 2000 pela bibliotecária Jacqueline Françoise Bressan Neptune. Com a aprovação, recrutou cantores entre funcio-nários, professores e alunos e assumiu o pa-pel de “administradora” do coro. “O que eu acho fascinante é a incrível capacidade que o canto-coral tem de instigar nossos mais pu-ros sentimentos, fazendo aflorar várias sen-sações diferentes no ser humano sem que, muitas vezes, nós tenhamos a percepção disso”, declara Luciana.

Ela enfatiza o impacto de algumas horas de música na qualidade de vida das pesso-as, além do alto astral, que, em sua opi-nião, contagia o ambiente. O curto trajeto do ensaio à sala de trabalho é feito canta-rolando, tornando o ambiente mais agra-dável, como fazia Dona Carmen. “Penso que cada vez mais, nos tempos modernos e corridos em que vivemos, precisamos nos dar um tempinho, de vez em quando, para fugir da rotina e do estresse que nos assola. A música pode ser uma verdadeira aliada nesse processo porque nos renova, faz pensar, deixa leve e purifica a alma”, reflete Luciana.

O coro é uma missão, a ponto de an-tecipar em pelo menos duas horas o ho-rário de chegada de Luciana ao Cotuca às terças e às quintas-feiras, dias de ensaio. Para ela, a integração entre funcionários, professores e alunos aprimora as relações pessoais na sala de aula e no ambiente de trabalho. Ela concorda com a diretora de ensino do colégio Ângela Salvucci sobre a interferência do coro nas atividades coti-dianas, desde a maneira como se atende um telefone até a organização e a disci-plina no trabalho. A própria dinâmica do coro, assim como a técnica vocal e respira-ção, propicia tais melhorias, na opinião de Luciana e de Ângela.

Luciana também evidencia ganhos na relação professor-aluno, pois muitas si-tuações vivenciadas no coro jamais exis-tiriam em sala de aula. No coro, não tem como diferenciar professor de aluno, pois são todos coralistas, com as mesmas difi-culdades e acertos.

MARIA ALICE DA [email protected]

Foto: Antonio Scarpinetti

APOIOSegundo Ângela, a direção do colégio

apoia a dedicação de Luciana, pois consi-dera importante proporcionar aos funcio-nários um trabalho prazeroso e a oportu-nidade de aprender coisas novas. “Se não fosse o apoio dela na retaguarda, o traba-lho não aconteceria. Neste momento, é ela, ao lado de Danilo, que administra agenda, dias de ensaio, divulga as apresentações na página eletrônica do Cotuca”, atesta a assessora da direção Ângela Salvucci.

Luciana é reconhecida não apenas pela excelência do trabalho desenvolvido como suporte de informática do Cotuca, das 14 às 23 horas, mas também como apoio no naipe de contraltos. “Ela é meu apoio en-tre as contraltos”, diz Demori. Ter a fun-cionária como aliada permite concentrar-se nas atividades artísticas do coro. “Para mim, é maravilhoso porque posso me re-servar para preparar repertório e ensaio. É o sonho de todo regente ter alguém como a Luciana cuidando da parte burocrática e da organização.”

A inciativa de Luciana deveria ser se-guida por outros campi distantes da Ci-dade Universitária, na opinião de Demo-ri, que de 2004 a 2007, regeu também o coro de alunos da Faculdade de Tecno-logia (FT), em Limeira, justamente pela impossibilidade das pessoas de se loco-moverem a Barão Geraldo para participar de grupos como o Zíper na Boca, regido por Vivian Nogueira, ou o Coral da FCM (Faculdade de Ciências Médicas), regido por Carlos Rosa.

Nem canto nem informática. Era assim em 1982, quando, ainda adolescente, Lu-ciana lançou-se ao universo da Unicamp, sempre repleto de novidades. Apesar de Dona Carmen já fazer carreira na Univer-sidade, Luciana se surpreendeu com o ma-nancial de informações em um só espaço. Sabia que iria trabalhar na Unicamp, mas nem imaginava o que era informática ou canto coral. Se hoje as duas artes fazem parte de sua vida, deve a esse universo

suas realizações. A paixão pela informáti-ca, presente em quase tudo hoje, como ela mesma descreve, foi despertada quando chegou ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e encontrou os amigos Aguinaldo, Evaldo e Ricardo. A habilida-de dos amigos chamou atenção e motivou Luciana a buscar formação superior na área de tecnologia da informação e comu-nicação na Pontifícia Universidade Católi-ca de Campinas (PUC).

Apesar de ter despertado para o canto-coral somente agora, a relação de Luciana com a música pode ser contada a partir de um trabalho de memória da cidade de Campinas, incluindo a Unicamp. Quando a tradição de grandes escolas de samba era forte na cidade, principalmente em locais chamados de bairros negros por historiadores, parte da família de Lucia-na participava da organização da escola de samba Acadêmicos de Madureira, do bairro São Bernardo, que estava sempre entre os grupos que disputavam as pri-meiras colocações.

Em respeito à tradição, estreou este ano, ao lado da irmã, Cristina, o irmão Mario e o amigo (irmão) Carlinhos, o blo-co carnavalesco “Vai que Vira” em desfile no São Bernardo. O percurso local sobre um trio elétrico de Seu Dorival Messias, entoando músicas arranjadas pelo amigo Niva, do Grupo Partido Alto, arrastou em torno de 300 pessoas. Ousadia que pode estar relacionada às atividades de canto no Coral do Cotuca, já que, para Luciana, a experiência em coro torna a pessoa mais desinibida e ao mesmo tempo mais crite-riosa. “Para mim, é mais que gratificante. Imaginarmos que as iniciativas vão além do trabalho do coro é o que nos faz ir além, faz imaginar que a semente da transfor-mação plantada não fica somente naquele universo. Vai para o setor pessoal, atinge outras pessoas e amplia-se a rede de infor-mações. É importante ver que informação está sendo absorvida, processada e sendo passada adiante”, afirma Demori.

écada de 1980, algumas mãos

Ele procura sempre pesquisar o gosto de seus coralistas para pensar suas possi-bilidades e escrever novos arranjos. “Ano passado fizemos um arranjo de Blackbird, de Beatles. Ao mesmo tempo em que fazia parte de um renascença inglesa ou música brasileira. Conhecendo o coro, tenho pos-sibilidade de adaptar esse repertório para eles”, declara.

Iniciativas como a de Luciana ajudam a buscar parte da memória que talvez só seja lembrada por quem participou do proces-so, principalmente no que diz respeito a integrar pesquisadores, docentes, funcio-nários e alunos. Foi assim com o Coral da Unicamp, regido pelo então aluno Paulo Rocco, no final da década de 1980 e início da década de 1990, com o Zíper na Boca, o Coral da FCM, regido pelo ex-aluno e maestro Carlos Rosa e também com o Ali-mentum, no qual Carmen soltava a voz em concertos como Terras de Manirema, em conjunto com o Coral de Campinas (Coca) e Coral da Unicamp, e, 1990, na Igreja Nossa Senhora Aparecida.

A história de mãe e filha emociona a maestrina Renate, que relembra seu pri-meiro trabalho como regente em muitos finais de tarde no Restaurante Universitá-rio, ao lado de pessoas que descreve como “gente simples e dedicada”. Assim como a diretoria do Cotuca, o reitor Paulo Renato Costa Souza não somente apoiava como assistia aos concertos, que tinham apoio também do maestro Benito Juarez, na épo-ca chefe do Departamento de Música do Instituto de Artes da Unicamp.

Quem quiser entender por que Lucia-na, hoje no Cotuca, consegue trabalhar com um sorriso muito semelhante ao da mãe, dona Carmen, 12 anos atrás no “Ban-dejão”, tente entrar para um coral, pois como acentua Renate em poucas linhas de conversa: “Esta é uma das funções de co-ral em empresas”. Afinal, como canta uma das intérpretes preferidas de Luciana: “Pra que chorar?... Bem melhor cantar.”

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Foto: Divulgação

Para deixar acarne no ponto

O professor Nilo Sérgio Sabbião Rodrigues, orientador, e Fabiane de Moraes, autora do estudo: boa qualidade da carne se manteve até o décimo dia

Carne assada no sistema cook chill: maior rendimento

Dissertação de mestrado desenvolvida na FEAaponta método mais apropriado para cozimento

PublicaçãoDissertação: “Aplicação do sistema cook chill no prepa-ro de lagarto bovino (músculo Semitendinosus) em res-taurantes de coletividade”Autora: Fabiane de MoraesOrientador: Nilo Sérgio Sabbião RodriguesUnidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

ISABEL [email protected]

studo de mestrado da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) mostrou que o sistema cook chill é mais vantajoso que o método tradicional de cozinhar carne. Além de produzir alimentos com características mais estáveis, propicia me-

lhor programação e favorece o aumento e a centralização da produção em restaurantes de coletividade.

A conclusão está na dissertação da engenheira de alimen-tos Fabiane de Moraes, cujos experimentos foram feitos no Restaurante Universitário (RU) da Unicamp, onde são pre-paradas mais de 11 mil refeições por dia. A autora do estudo avaliou o lagarto bovino na pesquisa.

O cook chill, define a pesquisadora, é uma tecnologia de processamento que envolve cozinhar e resfriar imediatamente após a cocção, minimizando o crescimento microbiano. “Saí-mos do cotidiano, da cozinha, do fogão e do caldeirão e entra-mos em equipamentos de alta tecnologia”, classifica o docente Nilo Sérgio Sabbião Rodrigues, orientador da pesquisa.

Fabiane procurou fazer esse acompanhamento, compa-rando a tecnologia cook chill com o modo tradicional de cozi-nhar carne no RU. Ela comprovou que é possível trabalhar com esse sistema 24 horas por dia, processando o alimento aos poucos para servir em até cinco dias, tempo que estipula a legislação brasileira.

Mas a pesquisa apontou que a boa qualidade do alimento se manteve até o décimo dia – provando que o processo é efetivo na manutenção da qualidade microbiológica e de oxi-dação lipídica (que promove alterações sensoriais) e na pre-servação da textura.

O processamento, informa Nilo, nasceu da necessidade de preservar por mais tempo os alimentos a serem servidos, evi-tando o congelamento, que requer uma energia adicional para congelar e descongelar, e afeta mais intensamente a textura.

Uma dificuldade é que, no caso da carne, além de ser o item de maior custo do cardápio, o seu processamento reduz muito o peso original, para desencanto do consumidor, que “come com os olhos”.

No RU, o lagarto assado apresenta uma perda perto de 40%. Assim, os nutricionistas são obrigados a servir uma por-ção maior, já que as pessoas esperam receber uma boa quanti-dade de carne como mistura, diz Fabiane.

E aí é que entra o processamento sugerido pela engenhei-ra. O sistema cook chill apresenta um maior rendimento (pró-ximo de 70%) e, portanto, mais economia por servir a mesma porção a um menor custo.

COZIMENTOO estudo caracterizou o sistema convencional para a pro-

dução de lagarto bovino no RU, cujo cozimento ocorre em ta-chos sob pressão com posterior resfriamento. A carne é servi-da no dia seguinte com os acompanhamentos. É o meio mais usado hoje graças aos equipamentos já instalados em plantas de processamento das cozinhas industriais.

Na produção pelo cook chill, os alimentos podem ser cozi-dos da forma tradicional ou em fornos combinados (equipa-mentos que facilitam o processo cook chill), pontua Fabiane. Os fornos combinados controlam a temperatura, o tempo de cozimento e a porcentagem de vapor injetado dentro da câmara.

Esse cozimento acontece em duas horas e o resfriamento por volta de 1,5 horas, totalizando de 3 a 3,5 horas. No tradi-cional, o processamento todo leva de 13 a 14 horas, sobretu-do em razão de ser feito o resfriamento lento.

O resfriador rápido, equipamento também utilizado para o cook chill, não gera picos de mão de obra e de uso dos equi-pamentos. Realiza-se o processamento de modo mais contro-lado e mais programado.

ACHADOSFabiane é professora do Cotuca, onde leciona as discipli-

nas de Análise Sensorial, Industrialização e Controle de Qua-lidade, Nutrição e Química dos Alimentos. Também já atuou por anos no setor industrial.

O seu trabalho de mestrado ganhou atenção dos nutricio-nistas do RU, que demonstraram interesse em usar a tecno-logia cook chill, tendo em vista os benefícios comparados ao sistema atual. A vantagem é que o RU já possui o forno com-binado. Falta o resfriador rápido, o que exigiria investimento.

Além disso, o RU não dispõe de uma estrutura de câmara fria para estocar por três a cinco dias. Por esse motivo, tudo é processado, resfriado e servido no dia seguinte. “Seria viável uma estrutura com maior número de câmaras frias”, indica Fabiane, que desenvolveu o estudo em três etapas ao longo de dois anos: a primeira em julho de 2011, a segunda em janeiro e fevereiro de 2012 e a terceira em junho do ano passado.

Para o professor Nilo, um aspecto relevante foi que sua orientanda fez o acompanhamento dos dois processos com análises físico-químicas, microbiológicas e sensoriais na FEA. Foram feitas com vistas a corroborar que aquele alimento processado, armazenado por cinco dias, estava em perfeitas condições e tinha grande aceitação dos frequentadores do RU. Parâmetros microbiológicos de oxidação lipídica também estavam em conformidade.

Na avaliação físico-química, microbiológica e sensorial, os dois sistemas exibiram bons resultados até o quinto dia. Já ao continuar o estudo até o décimo dia (superior ao prazo legal), a carne do cook chill obteve resultados superiores, com boa qualidade para ser servida.

VIABILIDADEAo falar dos custos, Nilo comenta que “eles não envol-

vem só o rendimento da matéria-prima. Na verdade, o pro-duto final tem valor agregado”, lembra o docente. É preciso pôr na balança energia, custo de depreciação do equipa-mento e mão de obra, bem como o fato de ficar muito mais organizada a produção, que não precisa ser feita de uma única vez.

Na Europa e EUA, há larga exploração de equipa-mentos com tecnologia mais avançada, por conta até da redução de energia, água e detergentes. E servem para uso em quaisquer dimensões, já disponíveis também em porte doméstico.

Para um restaurante comercial, realça Nilo, o proprie-tário tem que ver vantagens nessa tecnologia em médio e longo prazos, que também exige a busca de uma mão de obra mais qualificada. Por outro lado, existe menor pressão temporal no trabalho.

Para equipamentos de grande porte, consegue-se retirar de um forno 36 assadeiras, e, com o mesmo carrinho, inserir num resfriador rápido e, em seguida, numa câmara frigorífi-ca, sem retirar o alimento do recipiente. O esforço humano é muito menor, diminuindo lesões como a LER e a Dort.

Os funcionários não farão grandes esforços. No máximo carregarão recipientes GNs sobre carrinhos. O GN é mais conhecido como um recipiente, contudo engloba um pa-drão de dimensão (padrão universal para medidas para uso em restaurantes).

Por ele, tudo fica padronizado na cozinha: pias, pratelei-ras e equipamentos. “No mesmo recipiente que assou, res-friou e armazenou, fatia-se e vai para distribuição de uma forma que tudo se encaixa.”

PROBLEMAUm dos obstáculos que o alimento pode enfrentar é a

contaminação, porque leva a problemas de saúde pública, já que uma carne mal cozida, mal resfriada e mal estocada pode gerar doenças. A bactéria salmonela e o botulismo são exemplos disso.

O maior problema de contaminação da carne reside ex-ternamente. Quando o cozimento ocorre numa temperatura superior a 170º C, é possível fazer uma “selagem” externa, reduzindo os microrganismos da superfície da peça de carne.

Foto: Antoninho Perri

A dica de Fabiane é cozinhar e refrigerar logo após, com o recipiente fechado. Segundo a engenheira de alimentos, o que prejudica é retirar uma panela com uma quantidade de alimento para a família e colocar na geladeira. Isso eleva a temperatura dos alimentos dentro da geladeira.

O que se faz na gastronomia é esperar que o alimento atin-ja cerca de 65º C para daí levar à geladeira. Até os 60º C, a pro-liferação microbiana é pequena. Se o recipiente ficar fechado, melhor ainda.

A partir de então, coloca-se sob refrigeração, evitando que o alimento fique muito tempo na faixa crítica de tem-peratura (próxima à temperatura ambiente), conservando melhor o alimento.

O gargalo é quando fazem o cozimento e deixam o ali-mento descoberto à temperatura ambiente, que no Brasil é por volta de 25 a 30 ºC. Isso é um prato cheio à proliferação de microrganismos.

Nilo aconselha retirar o alimento do forno ou fogão e co-locar a panela tampada num recipiente com água e gelo. Daí é só esperar esfriar e colocar na geladeira.

Com o cook chill, a recontaminação é mínima porque o ali-mento pronto fica num ambiente fechado, em temperaturas próximas de 0° C. Assim, ficará bom por muito tempo.

No Brasil, esse sistema já é adotado há anos. É empregado na Força Aérea Brasileira e na aviação comercial. Ele é funda-mental em termos da segurança dos alimentos e, consequen-temente, dos passageiros e tripulação.

O alimento preparado em terra segue para a aeronave numa temperatura baixa, sendo reaquecido no momento do consumo. “Afinal, num voo com 300 passageiros, qual-quer problema deste tipo assume grandes proporções”, ressalta Nilo.

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Sinopse: Este livro é um mergulho no universo da pecuária baiana nas duas últimas décadas do sé-culo XIX. Ele focaliza as relações entre vaqueiros e fazendeiros numa região do sertão baiano, para entender aspectos da cultura política manifestos no cotidiano das negociações por mais autonomia lab-oral e melhores condições de vida. Longe do que supunham autores como Euclides da Cunha, não havia uma “servidão inconsciente” dos vaqueiros em relação aos fazendeiros. O livro desvela como a luta pela sobrevivência e pela ascensão social em uma região pobre, assolada por secas e pela guerra em Canudos passava pela construção de valores como dignidade, honra, liberdade, orgulho profi ssional e, até mesmo, de um imaginário sobre as ha-bilidades mágicas do vaqueiro. Nesse jogo de dominação, criava-se e reiterava-se um prestígio social que servia de contraponto cotidiano às ten-tativas dos fazendeiros de exercer o controle total sobre suas propriedades e seus trabalhadores. Autora: Joana Medrado graduou-se na Universi-dade Federal da Bahia, é mestre pela Universidade Estadual de Campinas e doutoranda na Univer-sidade Federal Fluminense. Nessas instituições, integrou, respectivamente, os grupos de pesquisa Escravidão e Invenção da Liberdade, o Centro de Pesquisa em História Social da Cultura e o Núcleo de Referência Agrária.

Ficha técnica: 1a edição, 2012; 232 páginas; for-mato: 14 x 21 cmISBN: 978-85-268-1006-8Área de interesse: HistóriaColeção Várias HistóriasPreço: R$ 30,00

Pós-graduação em jornalismo científi co - O Labo-ratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp receberá, até 10 de junho, as inscrições para o curso gratuito de pós-graduação (lato sensu) em Jornalismo Científico. Elas podem ser feitas no link http://www.labjor.unicamp.br/cursos/pos2013/. Com duração de três semestres, as aulas ocorrem às segundas-feiras, em período integral. O processo seletivo é composto por duas fases: análise de texto e de currículo e exames de escrita e de proficiência de inglês, além de entrevista. O objetivo do curso é capacitar jornalistas profissionais e cientistas para a divulgação científica e reduzir a distância entre o conhecimento científico e o cotidiano das pessoas e colaborar na formação de um profissional híbrido, que trabalhe com a ideia do sistema global de C&T. Out-ras informações podem ser obtidas no site do Labjor. Sipat 2013 - As Comissões Internas de Prevenção de Aci-dentes no Trabalho (Cipas) da Unicamp, Funcamp e do Campus de Limeira promovem, entre 10 e 14 de junho, a Semana Interna de Prevenção de Acidentes (Sipat 2013). Com o tema “Segurança e Saúde do Trabalhador na Unicamp: Aspectos e valores huma-nos”, a abertura do evento ocorre às 9 horas, no auditório da Di-retoria Geral da Administração (DGA). As inscrições podem ser feitas no link http://sistemas.rei.unicamp.br/ggbs/index.php. Mais detalhes: 19-3521-7829. Videoinstalação - A abertura da videoinstalação “Chão de Estrelas”, de Ticiano Monteiro, aluno do Programa de Pós-grad-uação do Instituto de Artes (IA), acontece no dia 10 de junho, às 12h30, na Galeria de Arte Unicamp. A mostra faz parte da disserta-ção de mestrado de Monteiro, a ser defendida no dia 18 de junho, às 14 horas, na rua Sérgio Buarque de Holanda s/n, no campus da Unicamp. O trabalho foi orientado pelo professor Francisco Elinaldo Teixeira. Visitas podem ser feitas de segunda a sexta-feira, das 9 às 17 horas. “Chão de estrelas” é composta por gravações de can-tores de videokê do centro da cidade de Fortaleza. As fi lmagens foram feitas de 2006 a 2007. Mais detalhes: 19-3521-6561. Fórum de Arte, Cultura e Educação - A próxima ed-ição do Fórum Permanente de Arte, Cultura e Educação “Museu e escola: atravessando fronteiras” ocorre no dia 11 de junho, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. Inscrições podem ser feitas no link http://foruns.bc.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/arte51.html. Programação e outras informações: 19-3521-5039. Bauhaus: trajes e fi gurinos - A Coordenadoria de De-senvolvimento Cultural (CDC) organiza uma exposição de figuri-

Conselho Universitário (Con-su) da Unicamp, órgão máxi-mo deliberativo da Universi-dade, aprovou no último dia

28 a criação de dois novos cursos de graduação, que serão ofereci-dos pela Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), com campus em Limeira (SP). São eles: Bacharelado em Administração, para o período noturno, com 180 vagas, e ba-charelado em Administração Pública, tam-bém no período noturno, com 60 vagas. O ingresso nas duas carreiras ocorrerá já a partir do Vestibular 2014.

Com a criação dos dois novos cursos, serão extintos os de Gestão do Agrone-gócio, Gestão de Comércio Internacional, Gestão de Empresas e Gestão de Políticas Públicas. Antes de ser analisada pelo Con-su, a matéria foi amplamente discutida e aprovada por outras instâncias tanto da FCA quanto da Unicamp. De acordo com a Comissão de Especialistas designada pelo Consu para analisar a proposta, que levou em consideração experiências nacionais e internacionais, a transformação de quatro cursos de Gestão em dois de Administra-ção traz vantagens acadêmicas.

Além disso, conforme a mesma Comis-são, a medida “possibilita uma formação geral bem mais consolidada em Adminis-tração e Administração Pública para o exer-

cício profissional do egresso, dando maior flexibilidade junto ao mercado de trabalho, e torna mais clara a comunicação com a so-ciedade”. De acordo com o diretor da FCA, professor Peter Schulz, as discussões acer-ca da criação dos cursos de Administração tiveram início em 2011, quando a unidade era dirigida pelo professor Sérgio Salles Filho. “A proposta surgiu de um trabalho coletivo, que contou com a participação de docentes, estudantes e funcionários”, diz.

De modo geral, pontua o diretor, a transformação dos quatro cursos de Ges-tão em dois de Administração confere maior densidade acadêmica às atividades de ensino e prepara melhor os futuros pro-fissionais para o mercado de trabalho. As antigas expertises, conforme Schulz, serão preservadas na forma de especializações, com a consequente emissão de certificado de estudos a quem as cursar.

Os estudantes matriculados nos cur-sos que serão extintos, esclarece o diretor da FCA, terão garantia de continuidade e da consequente obtenção do título de ba-charel. Além disso, os concluintes terão a possibilidade de reingresso nos novos cur-sos, sem a necessidade de vestibular, para o cumprimento de um período de estu-dos de aproximadamente mais um ano, o que lhes assegurará um segundo diploma. (Manuel Alves Filho)

Terra devaqueiros

nos desenvolvidos em sala de aula, por alunos do Instituto de Artes (IA), Baseados no Ballet Triádico, de Oskar Schlemmer. Formas e conceitos da Escola Bauhaus, inspiram a releitura dos trajes, que com seus limites e possibilidades, definiram a coreo-grafia de um grande espetáculo de dança. A exposição acontece de 11 a 24 de junho, no Centro de Convenções. Abertura: 11 horas. Mais detalhes: 19-3521-1738. TEDxUnicampLive - O Núcleo Interdisciplinar de Comuni-cação Sonora (NICS) organiza o evento TEDxUnicampLive 2013, dia 12 de junho, às 10 horas, na sala PDG da Agencia para a Formação Profi ssional da Unicamp (AFPU). Mais detalhes no site http://www.nics.unicamp.br/tedxunicamp/ Os desafi os dos sistemas públicos de saúde no mundo - O seminário internacional “Crise fi nanceira mundial e saúde: os desafi os dos sistemas públicos de saúde no mundo” acontece na próxima edição do Fórum Permanente de Esporte e Saúde, dia 13 de junho, às 12 horas, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). O evento será transmitido pela RTV-Unicamp e é direcionado aos professores, alunos, pesquisadores de saúde coletiva, trabalhadores do SUS e representantes de Con-selhos de Saúde. Conta com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac), da Fundação de Amparo à Pes-quisa de Mato Grosso (Fapemat), da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em parceria com a Escola de Saúde Pública do Estado de Mato Grosso (ESPMT). As inscrições podem ser feitas no hotsite http://foruns.bc.unicamp.br/ Ansiedade frente às provas: como enfrentar? - A questão será respondida no dia 13 de junho, às 12h30, durante uma ofi cina organizada pelo Setor de Orientação Educacional do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE). A ofi cina é do Projeto Saiba Mais e tem como público-alvo alunos que ingressaram no vestibular Unicamp 2013. O objetivo é promover a compreensão da ansiedade frente às provas e discutir estratégias para enfrentá-la. O encontro ocorre no Pavilhão do Básico (PB14), em frente ao Res-taurante Universitário. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-6539 ou e-mail [email protected]

FCA abre cursos em Administração

O diretor da FCA, professor Peter Schulz:“ A proposta surgiu de um trabalho coletivo”

Computação - “Anotador serial: gerenciando anotações de séries temporais” (mestrado). Candidato: Felipe Henriques da Silva. Orientadora: professora Claudia Maria Bauzer Medeiros. Dia 10 de junho, às 10 horas, na sala 85 do IC.“Partições de dígrafos em caminhos” (mestrado). Candidato: Luiz Fernando de Faria Pereira. Orientador: professor Orlando Lee. Dia 10 de junho, às 14 horas, na sala 85 do IC-02.“Retinopatia diabética: qualidade de imagem, avaliação, detecção, seleção e encaminhamento” (mestrado). Candidato: José Ramon Trindade Pires. Orientador: professor Anderson de Rezende Ro-cha. Dia 14 de junho, às 14 horas, na sala 85 do IC-02. Economia - “‘Acumulação socialista’ em Cuba: a herança da ‘plantation’ na reforma agrária - 1959 a 1970” (mestrado). Candida-ta: Joana Salém Vasconcelos. Orientador: professor Plínio Soares de Arruda Sampaio Junior. Dia 10 de junho, às 10h30, na sala 23 do Pavilhão da Pós-graduação do IE. Educação Física - “Respostas agudas da variabilidade da frequência cardíaca após sessão de treinamento de força com re-strição de fl uxo sanguíneo” (mestrado). Candidata: Luciana Cristina de Souza. Orientadora: professora Mara Patricia Traina Chacon Mikahil. Dia 13 de junho, às 9 horas, na sala de aula 07 da FEF. Engenharia Elétrica e de Computação - “Falhas em linhas de transmissão elétrica na região sudeste do Brasil e efeitos do ambiente geofísico” (doutorado). Candidata: Magda Aparecida Salgueiro Duro. Orientador: professor José Pissolato Filho. Dia 11 de junho, às 10 horas, na FEEC. Engenharia Mecânica - “Métodos para análise da propaga-ção de ondas em sólidos baseados em arranjos multisensores para o monitoramento da integridade de estruturas” (doutorado). Can-didato: Pablo Rodrigo de Souza. Orientador: professor Euripedes Guilherme de Oliveira Nobrega. Dia 12 de junho, às 10 horas, no auditório KD da FEM. Geociências - “A mobilidade dos elementos traço e geração de fusão félsica na crosta durante o impacto de meteoritos: implica-ções para a evolução da crosta hadeana” (doutorado). Candidato: Dailto Silva. Orientador: professor Carlos Roberto de Souza Filho. Dia 10 de junho, às 14 horas, no auditório do IG.

Humanas - “Hobbes, Rousseau e a teoria crítica: característi-cas e consequências de uma apropriação” (doutorado). Candidato: Hélio Alexandre da Silva. Orientadora: professora Yara Adario Fra-teschi. Dia 11 de junho, às 9 horas, na sala de defesa de teses do prédio da Pós-graduação do IFCH.“Categorias de validade exemplar: sobre a distinção entre político e social em Hannah Arendt” (mestrado). Candidato: Paulo Eduardo Bodziak Junior. Orientadora: professora Yara Adario Frateschi. Dia 12 de junho, às 14 horas, na sala de defesa de teses do prédio da Pós-graduação do IFCH. Linguagem - “O desafi o de progredir na aprendizagem da língua inglesa na escola pública: dando voz aos alunos do ensino fundamental II” (mestrado). Candidata: Eliane Fernandes Azzari. Orientadora: professora Linda Gentry El Dash. Dia 13 de junho, às 10 horas, na sala de defesa de teses do IEL.“Combate ao mundo e conquista do paraíso: fi cção e alegoria no compêndio narrativo do peregrino da América” (doutorado). Can-

didato: José Adriano Filho. Orientador: professor Antonio Alcir Ber-nárdez Pécora. Dia 14 de junho, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL. Matemática, Estatística e Computação Científi ca - “Problemas de controle ótimo com restrições envolvendo a equa-ção de transporte com renovação” (doutorado). Candidato: Cicero Alfredo da Silva Filho. Orientador: professor Jose Luiz Boldrini. Dia 14 de junho, às 13h30, na sala 221 do Imecc. Odontologia - “Avaliação clínica, radiográfi ca e microbiológica de dentes traumatizados com rizogênese incompleta submetidos a dois protocolos de revascularização pulpar” (doutorado). Candi-data: Juliana Yuri Nagata. Orientadora: professora Adriana de Jesus Soares. Dia 10 de junho, às 9 horas, na sala da congregação da FOP. Química - “Síntese e modifi cação de nanomateriais visando o desenvolvimento de sensores” (doutorado). Candidata: Bárbara de Santos de Miranda. Orientador: professor Lauro Tatsuo Kubota. Dia 10 de junho, às 13h30, na sala IQ-14 do IQ.

Relações de trabalho e cultura políticano sertão da Bahia, 1880-1900

Foto: Antonio Scarpinetti

Campinas, 10 a 16 de junho de 201310

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os últimos anos, as empre-sas têm investido em ino-vação com o objetivo de au-mentar a competitividade. Para o diretor executivo da

Agência de Inovação Inova Unicamp, Mil-ton Mori, a força do parque industrial da Região Metropolitana de Campinas tam-bém se reflete na busca por produtos ino-vadores. Prova disso é o crescimento do interesse das empresas da região em pro-jetos colaborativos de pesquisa e desen-volvimento com universidades de exce-lência como a Unicamp. “A demanda vem crescendo especialmente em áreas como tecnologia da informação, computação e engenharias. Nesse sentido, a Agência de Inovação Inova Unicamp deve criar cada vez mais iniciativas para apoiar empre-sas e pesquisadores no estabelecimento de parcerias, especialmente no que tange aos projetos colaborativos de P&D”, ex-plica Mori.

Entre as iniciativas que compõem ações de apoio aos projetos de P&D co-laborativos universidade-empresa pro-postas pela Agência está a provisão de equipe dentro da Universidade para ges-tão administrativa dos projetos. O mode-lo cria uma alternativa ao formato mais comum das parcerias, no qual, além de realizar pesquisas, professores e alunos envolvidos nos projetos de P&D colabo-rativos lidam também com pendências administrativas e financeiras do projeto. Já em andamento, a parceria da Samsung com pesquisadores do Instituto da Com-putação (IC) e da Faculdade de Engenha-ria Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp contou com todo o apoio e in-termediação da Inova na formatação dos projetos e é um exemplo dos bons resul-tados deste modelo.

A parceria Unicamp-Samsung em pro-jetos colaborativos de P&D engloba até o momento seis projetos de pesquisa para o desenvolvimento de plataformas com-putacionais móveis. No IC, os coorde-nadores são os professores Anderson de Rezende Rocha, Guido Araújo, Rodolfo Azevedo, Ricardo Dahab, Sandro Rigo e Paulo Lício. Já na FEEC, o coordenador é o professor José Antenor Pomílio. Além de investir na construção de um laborató-rio para o desenvolvimento dos projetos, espaço localizado dentro da Unicamp, no prédio do Inovasoft, a empresa previu no projeto a contratação de dois gestores para realizar a intermediação entre os representantes da Samsung e os profes-sores envolvidos: o analista de sistemas Fernando Canevassi, que é o gestor dos projetos, e o estudante de Engenharia da Computação Leandro das Neves.

Atualmente, os gestores estão sob a coordenação de Elias Borges de Athayde Drummond – da área de transferência de tecnologias da Inova Unicamp – e sedia-dos na Inova, mas explicam que devem passar parte do tempo junto ao grupo de pesquisa para ampliar a sinergia do grupo de trabalho. “O convívio com o grupo de pesquisa nos deixa ainda mais próximos das necessidades dos pesquisadores e fa-cilita a solução de quaisquer demandas que nos apresentem”, explica Canevassi.

Desde setembro de 2012, o professor Anderson tem um projeto em parceria com a Samsung ligado à área de inteli-gência artificial e aprendizado de máqui-na e conta com uma equipe de sete pesso-as – um professor, um doutor, dois alunos de mestrado e três de iniciação científica. “Este é o primeiro projeto de que partici-po com acompanhamento administrativo,

ADRIANA ARRUDAEspecial para o JU

Novo modelo degestão em projetoscolaborativos comempresas beneficiacomunidade acadêmica

Livres para pesquisar

O professor Anderson de Rezende Rocha (primeiro à direita) e equipe: projeto ligado à área de inteligência artifi cial

Milton Mori, diretor executivo da Inova Unicamp:“A demanda vem crescendo especialmente

em áreas como tecnologia da informação,computação e engenharias”

Da esq. para a dir., Leandro das Neves, Elias Drummond e Fernando Canevassi: ampliando a sinergia do grupo de trabalho

Patricia Pereira Tedeschi, coordena-dora do Nuplitec (Núcleo de Patentea-mento e Licenciamento de Tecnologia), explica que a Fundação do Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fa-pesp) prevê reserva técnica para infra-estrutura institucional de pesquisa. Na entrevista que segue, ela revela como a agência de fomento tem estimulado os pesquisadores com esse auxílio.

Jornal da Unicamp – Há na Fapesp uma re-serva técnica para contratação de gestor de projetos colaborativos?

Patricia Tedeschi – A Fapesp paga a Reserva Técnica para aplicações dire-tamente ligadas à pesquisa ou à infra-estrutura de pesquisa. Como ela está proibida por lei de apoiar atividades ad-ministrativas, toda a atividade de gestão e apoio administrativo deve ser realiza-da pela instituição sede do projeto. No caso de auxílios do PITE, a Fapesp pode aceitar que uma pequena fração de re-cursos da contrapartida da empresa seja destinada ao apoio à gestão do projeto.

JU – Quais são os objetivos dessa reser-va técnica?

Patricia Tedeschi – Nos Auxílios Pite, a reserva técnica é formada por duas parcelas. Uma se refere aos benefícios complementares, concedidos com a fi-nalidade de cobrirem despesas com a participação em reuniões científicas ou tecnológicas e estágios de pesquisa de curta duração fora do Estado de São Pau-lo. Outra são os recursos que compõem a Reserva Técnica para Infraestrutura Institucional de Pesquisa, que deve ser dedicada a itens especificados e justifi-cados num “Plano Anual de Aplicação da Reserva Técnica para Infraestrutura Institucional de Pesquisa”. O encami-nhamento deste Plano deve ser feito de-pois de aprovado pela Congregação ou Colegiado Superior da Instituição.

JU – Quais os benefícios que esse novo modelo de gestão pode trazer aos pesquisadores?

Patricia Tedeschi – Na experiência da Fapesp, um dos principais desafios para o desenvolvimento da pesquisa no Es-tado de São Paulo de forma competitiva com os principais centros internacionais é obter para o pesquisador o apoio de sua instituição em intensidade e qua-lidade adequadas. As universidades estaduais paulistas têm feito um bom esforço nessa direção. No entanto, para garantir a competitividade da pesquisa, a Fapesp espera das instituições sede um esforço ainda maior para proteger o tempo de seus pesquisadores contra tarefas extra acadêmicas.

JU – Em projetos da Fapesp, os profissionais contratados para resolver as pendências ad-ministrativas fazem a ponte entre a empresa e o pesquisador?

Patricia Tedeschi – A Fapesp só apro-va uma solicitação de apoio à pesquisa quando a assessoria e a diretoria cien-tífica verificam que a instituição sede é capaz de garantir o apoio institucional necessário. Os pesquisadores precisam de apoio de suas instituições para a ges-tão administrativa e financeira do proje-to, no processo de recebimento e gestão da contrapartida da empresa, aquisição de bens e prestação de contas. É impor-tante notar que o apoio do profissional administrativo e a eventual ponte que ele faz entre o pesquisador e a empresa, não substitui o apoio da agência de ino-vação da instituição sede para a celebra-ção do convênio. O procedimento para a assinatura dos convênios exigidos por lei para o aporte de recursos privados à universidade tem sido um importante obstáculo nos auxílios PITE que, em al-guns casos, introduzem demora de vá-rios meses até que o pesquisador possa ter acesso aos recursos.

Fapespestimula parcerias

e o resultado tem sido positivo”, destaca. De acordo com Anderson, sua equipe uti-liza o laboratório no Inovasoft construído pela Samsung para gerar pesquisa e ino-vação. “Dessa maneira, ficamos livres e focados para a pesquisa”, esclarece.

Já o professor Sandro Rigo iniciou seu primeiro projeto em parceria com a Sa-msung há dois meses. “Não é o primeiro projeto de P&D em que me envolvo e per-cebo uma nítida diferença: o projeto con-vencional e sem gestão toma muito tem-po, já que precisamos fazer controle de relatórios, rubricas e toda a parte buro-crática. Nesse novo modelo, os gestores acompanham nossos relatórios técnicos e resolvem questões que não fazem parte do escopo acadêmico”.

O professor Anderson ressalta que a produção de relatórios trimestrais é fei-ta pela equipe com auxílio dos gestores. “Esse novo modelo de gestão facilita mui-to o nosso trabalho, pois focamos em re-sultados. Acredito que iremos atingir os objetivos propostos inicialmente e, dessa maneira, geraremos inovação científica e tecnológica em parceria com uma empre-sa renomada”.

No âmbito da inovação, a Samsung ocupa posição de destaque e é líder glo-bal em tecnologia. Segundo Miguel Li-zárraga, gerente de P&D da Samsung, a empresa comumente adota esse modelo em seus projetos colaborativos com uni-versidades. “Sabemos que o projeto se torna mais difícil de ser gerenciado ape-nas pelo grupo de pesquisa. O gerente de projeto precisa ter conhecimento das questões administrativas e cumprir o tempo demandado pela empresa. Ele tem o papel de nos trazer a informação preci-sa de maneira ágil e eficiente e saber li-dar com as dificuldades. É, portanto, um papel fundamental em projetos colabora-tivos e, sem ele, a probabilidade do proje-to fracassar aumenta”, explica. Lizárraga acredita que, quando não há gestão cen-tralizada, o relacionamento com os pes-

quisadores fica prejudicado. “O docente possui outras atividades além do projeto e, portanto, nem sempre está disponível. O papel do gestor é estar sempre dispo-nível, nos auxiliando para que os projetos tenham resultados positivos”, afirma.

Para o professor Rigo, a experiência é positiva. “Fazer parte de um projeto com gestão está sendo uma ótima oportuni-dade, especialmente pela parceria com uma empresa de grande porte como a Samsung. Com os projetos de P&D, te-mos contato com dificuldades reais de grandes empresas e temos que encontrar soluções para resolver esses impasses de mercado, o que enriquece a pesquisa e pode, posteriormente, beneficiar a socie-dade em forma de produtos, processos ou serviços”, finaliza.

Foto: Antoninho Perri

Fotos: Antonio Scarpinetti

Campinas, 10 a 16 de junho de 2013 11

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12Campinas, 10 a 16 de junho de 2013

Fotos: Divulgação/Reprodução

Rogério de Souza Silva, autor do estudo, com Mano Brown: investigando a trajetória do rapper

Uma sociologia descomprometida é uma impossi-bilidade”. A frase, de autoria do sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-), figura como epígrafe do

estudo de doutorado de Rogério de Souza Silva, cuja pesquisa não deixa dúvida ao leitor: trata-se de um trabalho engajado. O pesquisador da Unicamp analisou o movimento hip hop no Brasil a partir da trajetória social e intelectual do rapper Mano Brown, um dos artistas mais influentes e polêmicos do país.

Rogério Silva considera que o hip hop tem contribuído para a transformação social de muitos jovens das periferias das grandes cidades brasileiras. O movimento, apesar das suas contradições, possui caráter libertário para diversos ado-lescentes que, possivelmente, estariam envolvidos com a cri-minalidade caso não tivessem conhecido o hip hop.

“Muitos jovens tomam consciência, por meio do movi-mento, de que o crime não é o melhor caminho. O MV Bill fala que o menino da periferia prefere, muitas vezes, viver pouco como rei, do que muito como ninguém. Mas mostra que é um prazer momentâneo. A própria entrada do Mano Brown no hip hop possibilitou que ele não fosse para a criminalidade e se transformasse nesta grande liderança que nós conhecemos hoje. E isso aconteceu com muitos outros rappers”, afirma o sociólogo e estudioso da Unicamp.

De acordo com Rogério Silva, os próprios membros do hip hop disseminam, em relatos, letras de músicas e entrevistas, que o movimento teria mudado suas vidas. Este foi o ponto de partida para a pesquisa, explica. “Eu percebi pouca ênfase na literatura científica sobre isso. Portanto, parti dessa ideia bastante difundida por eles para investigar se, de fato, o mo-vimento tem este poder de mudança”.

O doutorado foi conduzido junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. O pesquisador contou com a orientação do docente Rubem Murilo Leão Rêgo. Durante a investigação, Rogério Silva atuou como monitor bolsista do Programa de Estágio Docente (PED) da Unicamp.

SOBREVIVENTE DO INFERNOMano Brown, líder dos Racionais Mc’s, é caracterizado

em determinado trecho do estudo como um sobrevivente do inferno. O termo é uma alusão ao disco lançado pelo grupo em 1998. Com mais de 1 milhão de cópias vendidas, Sobre-vivendo no inferno tornou a banda conhecida nacionalmente. Conforme o pesquisador, o álbum alçou o rap em espaços an-tes restritos ao gênero, como rádios comerciais e TV aberta, atingindo o que denominou de “classe média branca”.

“Mano Brown nasceu em São Paulo e viveu num dos bair-ros mais violentos da capital, o Capão Redondo. Pobre, negro, ele foi abandonado pelo pai. Sua mãe, uma migrante, traba-lhava como doméstica. Ele estudou até a 8ª série, portanto, tinha tudo, na nossa sociedade, para se envolver no mundo do banditismo. E acaba indo para outro lado, tanto que se tor-nou esta referência, principalmente, para os jovens”, sustenta Rogério Silva, que entrevistou o rapper para a sua pesquisa.

A origem simples, o abandono paterno e a infância mar-cada por privações materiais são comuns entre os seguidores do hip hop. O estudioso da Unicamp cita as trajetórias seme-lhantes de Nelson Triunfo, um dos pioneiros do movimento; de MV Bill; Thayde; e Dexter, entre outros.

“O pai do MV Bill deixou a família quando Bill era crian-ça; Thayde foi criado somente pela mãe, dona Nilce. Dexter, líder do grupo 509E, foi rejeitado pelos pais e criado por outra família. Estudos da antropóloga Alba Zaluar revelam que parcela significativa das pessoas das favelas, morros e periferias que se envolvem com a criminalidade, pertencem a famílias que têm na figura da mãe o seu único porto segu-ro”, relaciona.

BLACK MUSICO pesquisador conta que o envolvimento de Mano Brown

com a black music no Brasil foi significativo para a formação da sua trajetória atual. Isso aconteceu no começo da década de 1980, quando Brown tinha entre 13 e 14 anos. Nesta épo-ca, informa Rogério Silva, o hip hop ainda não era conhecido no Brasil.

“Ele acaba se envolvendo com a música do James Brown. Também participa de palestras e discussões sobre o movi-mento negro. Neste período, com a abertura política, estes

PublicaçãoTese: “A periferia pede passagem: trajetória social e intelectual de Mano Brown”Autor: Rogério de Souza SilvaOrientador: Rubem Murilo Leão RegoUnidade: Instituto de Filosofia e Ciências Huma-nas (IFCH)

SILVIO ANUNCIAÇÃ[email protected]

movimentos que estavam um pouco ofuscados por conta da repressão, ganham força. E o Mano Brown vai vivenciado tudo isso, que acaba influenciando a sua vida”, contextualiza.

Os encontros de que o rapper participava aconteciam na região central da capital paulista, em especial na rua 24 de maio e no largo São Bento, na estação de metrô. Estes locais, considerados o berço do hip hop no Brasil, eram o ponto de encontro de dançarinos de break, rappers e fãs do movimento.

“Eles discutiam vários problemas do país, desde o precon-ceito racial e a criminalidade, até questões mais complexas de mundo. Tudo isso vai possibilitando que Mano Brown crie uma visão diferente, assumindo esta representatividade. Ele já foi, inclusive, convidado várias vezes para entrar em partido político”, aponta Rogério Silva.

Ele acrescenta que o rapper defende o pensamento crítico e uma postura ativa diante dos problemas sociais, para além do que cunhou de Zé Povinho, como na letra da música “Vida Loka”, do álbum homônimo lançado em 2001: “Um brinde pros guerreiros, Zé Povinho eu lamento.”

“Zé Povinho, para Mano Brown, é aquela pessoa invejosa, consumista e que não tem uma visão crítica de política, não participa de ações sociais... A atitude é uma palavra muito enfatizada nas letras, relatos e entrevistas. Eu me dei conta disso somente depois de ter finalizado o trabalho”, revela.

CONTRADIÇÕESApesar de conduzir um trabalho sociologicamente engaja-

do, Rogério Silva não se esquiva das contradições do hip hop e dos grupos envolvidos, caso do Racionais Mc’s e do próprio Mano Brown.

“O grupo se nega a participar de programas de grande au-diência da televisão brasileira. Ao mesmo tempo, nos últimos anos, eles têm se apresentado em redes de TVs e shows mais restritos, associados, sobretudo, à classe média. Outra coisa: eles falam em atitude, em ter uma visão crítica, mas a questão de consumir algum bem – o carro grande, o colar grosso de ouro, o tênis e o boné de marca – está muito presente em suas letras”, critica.

O forte sexismo das canções também sugere, conforme o pesquisador, incongruências do hip hop. “Eles pregam uma sociedade mais justa, igualitária, mas não falam muito da mu-lher. Ao contrário: algumas músicas dos Racionais e de outros grupos têm uma visão negativa em relação à mulher, que é vista como um objeto, um mero ser sexual. Isso é extrema-mente complicado. Há uma música em que o Mano Brown fala: ‘Mulheres… vulgares. Mulheres vulgares, uma noite e nada mais’”.

Outro ponto analisado por Rogério Silva relaciona-se à cumplicidade dos grupos de hip hop com a criminalidade. “Os Ra-cionais falam para os jovens não se en-volverem no mundo do crime, mas em alguns momentos eles têm uma visão benevolente dos

criminosos. O interessante, por outro lado, é que eles dão voz para essas pessoas que até então não tinham. Mas esta pro-ximidade é tão forte, que no lugar de dar a voz, muitas vezes, eles defendem estes grupos. É uma linha tênue”, reconhece.

O pesquisador admite que mesmo marcado por incoerên-cias, estruturantes em sua opinião, o valor social do hip hop acaba se sobressaindo, inclusive sobre a própria importância cultural do movimento. “Eu não considero o hip hop somente como um movimento cultural. Para mim é, primeiramente, um movimento social e, depois, cultural. Eu vejo mais um valor social do que um valor cultural. E acho que muitas pes-soas acompanham o movimento pelo seu valor social do que pela sua contribuição cultural”.

Na batida (e nas contradições)de um sobrevivente

Outro ponto analisado por Rogério Silva relaciona-se à cumplicidade dos grupos de hip hop com a criminalidade. “Os Ra-cionais falam para os jovens não se en-volverem no mundo do crime, mas em alguns momentos eles têm uma visão benevolente dos

Mano Brown em ação: origem simples e

privações