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IMPRESSO ESPECIAL 9.91.22.9744-6-DR/SPI Unicamp/DGA CORREIOS FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT www.unicamp.br/ju ornal U ni camp da Campinas, 17 a 31 de dezembro de 2012 - ANO XXVI - Nº 550 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA J Quem é este intelectual? 12 Etienne Samain e as imagens que dão sentido à existência 2 Obras do novo prédio do Cotuca começam em 2013 9 Identificação de moléculas lança luz sobre a epilepsia 3 Eustáquio Gomes recebe título de Servidor Emérito 8 Equipamento obtém extrato de plantas nativas 4 Gesso pode ser reciclado, aponta pesquisa da FEC Fotos: Antonio Scarpinetti / Divulgação O Jornal da Unicamp volta a circular em fevereiro de 2013 DE CLASSE MUNDIAL Indicadores demonstram que a ampliação do grau de internacionalização, no último biênio, está consolidando a Unicamp como universidade de classe mundial. Tese resgata trajetória do escritor e jornalista baiano Édison Carneiro (foto). 5 6 e 7 Recepção a estudantes estrangeiros

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Jornal da Unicamp, edição 550

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Page 1: JU550

IMPRESSO ESPECIAL9.91.22.9744-6-DR/SPIUnicamp/DGACORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADOPODE SER ABERTO PELA ECTwww.unicamp.br/ju

ornal UnicampdaCampinas, 17 a 31 de dezembro de 2012 - ANO XXVI - Nº 550 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

JQuem é esteintelectual?

12 Etienne Samain e as imagens que dão sentido à existência

2 Obras do novoprédio do Cotucacomeçam em 2013

9 Identificação demoléculas lançaluz sobre a epilepsia

3 Eustáquio Gomesrecebe título deServidor Emérito

8 Equipamentoobtém extrato de plantas nativas

4 Gesso pode serreciclado, apontapesquisa da FEC

Fotos: Antonio Scarpinetti / Divulgação

O Jornal da Unicamp volta a circular em fevereiro de 2013

DE CLASSE MUNDIALIndicadores demonstram que a ampliação do grau de internacionalização, no último biênio, está consolidando a Unicamp como universidade de classe mundial.

Tese resgata trajetória do escritor e jornalista baiano

Édison Carneiro (foto).5

6e7

Recepção a estudantes estrangeiros

Page 2: JU550

UNICAMP – Universidade Estadual de CampinasReitor Fernando Ferreira CostaCoordenador-Geral Edgar Salvadori De DeccaPró-reitor de Desenvolvimento Universitário Roberto Rodrigues PaesPró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo MeyerPró-reitor de Pesquisa Ronaldo Aloise PilliPró-reitor de Pós-Graduação Euclides de Mesquita NetoPró-reitor de Graduação Marcelo KnobelChefe de Gabinete José Ranali

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju. E-mail [email protected]. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab ([email protected]) Chefi a de reportagem Raquel do Carmo Santos ([email protected]) Reportagem Carmo Gallo Neto Isabel Gardenal, Maria Alice da Cruz e Manuel Alves Filho Editor de fotografi a Antoninho Perri Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Patrícia Lauretti e Jaqueline Lopes. Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Everaldo Silva Impressão Pigma Gráfi ca e Editora Ltda: (011) 4223-5911 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3327-0894. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju

Campinas, 17 a 31 de dezembro de 20122

Cotuca vai ganhar novo prédioPrevisão é que a construção seja iniciada ainda no primeiro semestre de 2013

MANUEL ALVES [email protected]

Colégio começou a funcionar em 1967

Vista aérea do Colégio Técnico de Campinas: projeto arquitetônico vai se

adequar ao espaço disponível

O Cotuca em foto de 1970: edifício é tombado pelo Condepacc e Condephaat

Teresa Celina Meloni Rosa (esq.), Roberto Rodrigues Paes e Edilene Donadon: recursos da ordem de R$ 5 milhões

OBRAS DO COTUCAPROJETO

CONSTRUÇÃO DE NOVA PORTARIA

PROJETO DE COMBATE A INCÊNDIO

INSTALAÇÃO DE SISTEMA DE PROTEÇÃO

CONTRA DESCARGAS ATMOSFÉRICAS

REFORMA LABORATÓRIO ALIMENTOS

REFORMA DA COBERTURA

REFORMA INSTALAÇÕES ELÉTRICAS

PRÉDIOS DO COTUCA

NOVO BLOCO DE SALAS DE AULA

REFORMA DOS SANITÁRIOS

DO PRÉDIO PRINCIPAL

ACESSIBILIDADE PARA O PRÉDIO

PRINCIPAL E PRÉDIO ANEXO.

TOTAL DE RECURSOS LIBERADOS

TIPO

OBRA NOVA PREDIAL

BENFEITORIA PREDIAL

BENFEITORIA PREDIAL

REFORMA PREDIAL

BENFEITORIA PREDIA

BENFEITORIA PREDIAL

OBRA NOVA PREDIAL

REFORMA PREDIAL

BENFEITORIA PREDIAL

ÁREA (m)

29,00

220,00

4.000,00

100.00

STATUS

OBRA CONCLUÍDA

OBRA CONCLUÍDA

OBRA CONCLUÍDA

OBRA CONCLUÍDA

PARTE CONC. E PARTE

EM PLANEJAMENTO

PARTE CONC. E PARTE

EM PLANEJAMENTO

DESENV. PROJETO

DESENV. PROJETO

PLANEJAMENTO

VALOR DA OBRA

R$ 75.820,42

R$ 145.217,51

R$ 70.000,00

R$ 35.000.00

R$ 568.590.87

R$ 653.656,93

R$ 5.000.000,00

R$ 70.000,00

EM ESTUDOS

R$ 6.618.285,73

Colégio Técnico de Campinas (Cotuca), pertencente à Uni-camp, vai ganhar um prédio novo que abrigará salas de aula, laboratórios, refeitório, quadras esportivas e sanitários. O edifí-

cio, que terá três pavimentos e somará 4 mil m2 de área, será construído em um terreno contíguo à sede atual, que é tombada como patrimônio histórico. “Os recursos necessá-rios às obras, da ordem de R$ 5 milhões, já estão previstos no orçamento da Universi-dade. Nossa expectativa é que a construção seja iniciada ainda no primeiro semestre de 2013”, adianta o pró-reitor de Desenvolvi-mento Universitário, professor Roberto Ro-drigues Paes.

De acordo com a diretora do colégio, pro-fessora Teresa Celina Meloni Rosa, a constru-ção do novo prédio é uma antiga aspiração de alunos, professores e funcionários. Ela ex-plicou que o Cotuca iniciou as atividades no prédio localizado na Rua Culto à Ciência, no Centro de Campinas, em 1967, já com a pre-visão de que seria posteriormente transferido para uma sede no campus de Barão Geraldo. “Por causa dessa perspectiva de mudança, ao longo dos anos nunca foi feita uma restau-ração ampla no prédio, como seria indicado. Assim, as intervenções foram sempre palia-tivas. Ocorre que chegamos num ponto em que não é possível mais fazer reformas pon-tuais. O prédio está exigindo um trabalho de restauro extenso”, diz.

Antes de a Unicamp decidir pela constru-ção do novo prédio na própria área onde está o colégio, continua a diretora, foram tenta-das outras soluções, como a compra de um terreno nas imediações ou em outro ponto da cidade. “Infelizmente, esses planos não deram certo. A alternativa que nos restou foi construir o edifício no próprio terreno do Cotuca. A proposta recebeu o aval do Con-depacc [Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas], o que nos estimulou a buscar um projeto arquitetônico que fosse adequado tanto ao espaço disponí-vel quanto à harmonização com a nossa sede histórica”, relata.

Depois de muito pesquisar, apoiada pelo então pró-reitor de Desenvolvimento, Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva, a dire-ção do Cotuca encontrou um projeto arquite-tônico que atendia às duas necessidades, que foi cedido pela Fundação para o Desenvolvi-mento da Educação (FDE), órgão vinculado à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Conforme a professora Teresa Rosa, a construção do novo prédio já foi aprovada pelo Condepacc e nos próximos dias deverá ser também analisada pelo Conselho de De-fesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,

Artístico e Turístico (Condephaat), este de âmbito estadual.

Segundo Edilene Teresinha Donadon, ar-quiteta da Coordenadoria de Projetos e Obras (CPO), órgão subordinado à Pró-Reitoria de Desenvolvimento Universitário (PRDU), o novo prédio do Cotuca será um presente não somente ao colégio, mas para toda a cidade de Campinas. De acordo com ela, assim que o edifício estiver pronto, várias atividades desenvolvidas na atual sede histórica serão transferidas para o novo espaço. “Com isso, finalmente será possível realizar uma restau-ração ampla nesse monumento arquitetôni-co, que pertence à sociedade em geral. Uma das necessidades mais urgentes é a troca do telhado. Esse é o tipo de serviço que jamais poderia ser feito com o local ocupado por alu-nos, professores e funcionários”, esclarece.

Edilene destaca que o novo prédio será construído obedecendo aos critérios de aces-sibilidade. A diretora do Cotuca conta que, assim que o prédio novo estiver concluído, somente as atividades administrativas serão mantidas na sede antiga. O pró-reitor de De-senvolvimento lembra que a construção de um novo edifício para abrigar as atividades do colégio faz parte do esforço da Unicamp em ampliar a infraestrutura de ensino e pes-quisa da Universidade, que não se restringe à graduação e pós-graduação.

REFORMAS MELHORAM CONDIÇÕES DE ENSINOIndependentemente da construção do

novo prédio, a Unicamp também já inves-tiu R$ 760 mil em reformas e melhorias que foram e estão sendo feitas no Cotuca. Além do montante já investido, outros R$ 800 mil estão destinados à conclusão de projetos ini-ciados.

Um dos destaques é a reforma no Labo-ratório de Alimentos, por onde passam dia-riamente 120 alunos. A área de 220 metros quadrados foi totalmente remodelada, com a reforma de 12 bancadas, das instalações de gás e do telhado. “Com isso, estamos garan-tindo mais segurança e conforto aos estudan-tes”, diz a diretora do Cotuca.

Também foram realizadas recentemente a construção de nova portaria com sistema de identificação por meio de catracas eletrô-nicas; benfeitorias prediais de combate a in-cêndio; e instalação de sistema contra descar-gas elétricas. Ainda estão em andamento ou em fase de projeto ações como a reforma da cobertura, melhoria nas instalações elétricas, reformas nos sanitários e intervenções de acessibilidade. “As reformas na infraestrutu-ra certamente produzirão impacto nas condi-ções do ensino, com resultados positivos no desempenho dos alunos”, pondera a diretora.

O Cotuca está instalado em um prédio doado em testamento por Bento Quirino dos Santos, vereador e abolicionista, que já previa a instalação de uma escola técnica no local. O edifício é tombado tanto pelo Condepacc quanto pelo Condephaat, em razão do seu valor arquitetônico e histórico. A Unicamp instalou seu colégio técnico ali em 1967, oferecendo inicialmente os cursos de Mecânica, Eletrotécnica e Alimentos, todos no período diurno. Em 1971 foi implantado o curso de Enfermagem diurno e, em 1973, os de Processamento de Dados diurno e Eletrotécnica e Mecânica, ambos no período noturno.

Em 1978 o Cotuca passou a oferecer, à noite, cursos sequenciais para portadores de diploma de Segundo Grau (atual Ensino Médio), de Técnico em Mecânica e Eletrotécni-ca. Em 1987, o curso de Eletrotécnica foi reestruturado, transformando-se no curso de Eletroeletrônica, oferecido nos períodos diurno e noturno. Em 1993 foram implantados mais dois cursos sequenciais (atualmente denominados subsequentes). No início do mesmo ano, foi criado o curso de Plásticos e, no mês de agosto, o de Habilitação

em Equipamentos Médico-Hospitalares, ambos no período noturno. Em 1997 teve início o curso noturno de Informática Sequencial (hoje subsequente) e, em 1999, o curso de Telecomunicações, noturno, também no regime sequencial.

A partir de 1998, em função de modificações introduzidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, o Cotuca pas-sou a oferecer o Ensino Médio vinculado a alguns dos cursos técnicos, além de Educação Profissional, com organização curricular e matrículas distintas. Os cursos técnicos em Alimentos, Eletroeletrônica, Enferma-gem, Informática e Mecatrônica, no período diurno, e Eletroeletrônica e Mecatrônica, no noturno, podem ser cursados concomitantemente ao Ensino Médio oferecido pelo colégio.

No período compreendido entre 2001 e 2003 foram implantados ainda os cursos técnicos em Segurança do Trabalho, Meio Ambiente com ênfase em Gestão (atual Meio Ambiente) e Informática com ênfase em Programação e Internet (atual Informática para Internet), e as espe-cializações de nível técnico em Gestão pela Qualidade e Produtividade, Projetos Mecânicos Assistidos por Computador e Materiais Metálicos. Atualmente, o Cotuca conta com cerca de 2 mil alunos, sendo que a cada ano 780 novos estudantes ingressam na instituição por meio de processo seletivo, conhecido como Vestibulinho.

Fotos: Antonio Scarpinetti / Siarq

Page 3: JU550

3Campinas, 17 a 31 de dezembro de 2012

EUSTÁQUIO GOMES, um Servidor EméritoJornalista e escritor implantou e coordenou a Ascom por trinta anos

MANUEL ALVES [email protected]

jornalista e escritor Eustáquio Go-mes, ex-coordenador da Assesso-ria de Comunicação e Imprensa (Ascom) da Unicamp, recebeu em 14 de dezembro o título de Ser-

vidor Emérito da Universidade. A cerimônia, presidida pelo reitor Fernando Ferreira Cos-ta, foi realizada na residência do homenagea-do, em Campinas, na presença de familiares e amigos. Durante a solenidade, Fernando Costa destacou a valiosa contribuição dada por Eus-táquio Gomes ao longo da sua trajetória profis-sional na Unicamp, iniciada em 1982. “É uma justa e merecida homenagem a um dos servi-dores mais dedicados e comprometidos com a Unicamp”, afirmou o reitor.

A proposta de concessão do título de Servi-dor Emérito a Eustáquio Gomes foi apresenta-da pelo próprio Fernando Costa ao Conselho Universitário (Consu), órgão máximo delibe-rativo da Unicamp, que a aprovou por unani-midade no dia 29 de novembro de 2011. Na oportunidade, diversos conselheiros manifestaram verbalmente apoio à iniciativa. Antes do ex-coordenador da Ascom, somente outros dois funcionários foram contemplados com a mes-ma láurea: a ex-secretária geral da Universidade, Arlinda Rocha Camargo, e o coordenador da Diretoria Acadêmica (DAC), Antonio Faggiani.

De acordo com Fernando Costa, Eustáquio Gomes sem-pre soube aliar, no exercício de suas atividades, uma ad-mirável capacidade intelectual ao espírito de serviço, com plena fidelidade à instituição. “Bastariam estas qualidades para credenciá-lo à homenagem, mas destaco, ainda, a in-tegridade, a dedicação e a honestidade como característi-cas marcantes de sua personalidade, que extrapolaram, em muito, as tarefas a que estava diretamente ligado na área de comunicação”, completou o reitor.

Segundo Leandro Gomes, filho de Eustáquio, a oportuni-dade de ter contribuído para o engrandecimento da Unicamp, na condição de coordenador de imprensa, é motivo de muito orgulho e satisfação pessoal para seu pai. “É notória sua admi-ração pela Unicamp e pelas pessoas que a integram. Ele sem-pre ressalta o quanto aprendeu com a diversidade de ideias e conhecimentos que circulam no meio universitário e com os quais teve contato ao longo dos anos. Este reconhecimento por parte da instituição à qual consagrou parte significativa da sua vida é uma grande honra para meu pai e nossa família, coroando uma carreira dedicada à divulgação da Universidade e do conhecimento nela produzido”, declarou.

Eustáquio Gomes, que atualmente se recupera de um problema de saúde, implantou e organizou a Ascom na gestão do então reitor José Aristodemo Pinotti. O órgão, comandado por ele de março de 1982 a setembro deste ano, é responsável pela interface entre a Unicamp e a mídia externa. Também responde pela publicação do Jornal da Unicamp e pela produção de conteúdo noticioso para o Portal da Unicamp. O jornalista e escritor nasceu no povo-ado de Campo Alegre, no oeste de Minas Gerais, em 1952. Filho de lavradores, contou com a ajuda de amigos para realizar seus primeiros estudos, inicialmente na cidade de Luz (MG) e depois em Assis (SP).

Posteriormente, bacharelou-se em jornalismo pela Pon-

tifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Mais tarde, tornou-se mestre em Letras pela Unicamp. Sua dissertação teve como tema os modernistas de província. Como jornalista, trabalhou em jornais do interior, principal-mente nos diários de Campinas. Atuou, ainda, nas áreas de comunicação das empresas Bosch do Brasil e White Martins. Como colaborador regular do campineiro Correio Popular, publicou cerca de 800 crônicas, além de reportagens espe-ciais, entrevistas culturais e outros textos.

Apesar da importante produção jornalística, Eustáquio Gomes escreveu certa vez em uma crônica, intitulada A har-pa e o beijo: “Apesar de tudo nunca fui um grande repórter, talvez nem mesmo um bom repórter. Era dado a divagações e contemplações, esquecia o principal e preferia os temas leves”. Via-se muito mais como escritor, e não por acaso. Seus primeiros escritos, no formato de crônicas, datam ain-da da infância. E foi na condição de escritor que produziu obras de destaque, como o romance A Febre Amorosa, de 1994, possivelmente o seu livro mais conhecido, adaptado posteriormente para o teatro em 1996 e traduzido para o russo em 2005. Ao todo, Eustáquio Gomes produziu 16 livros. Entre eles estão: Cavalo Inundado (poemas, 1975), Mulher que Virou Canoa (contos, 1978), Os Jogos de Junho (novela, 1982), Hemingway: sete encontros com o leão (en-saio biográfico, 1984), Jonas Blau (romance, 1986), Ensaios Mínimos (ensaios, 1988) e Os Rapazes d’a Onda e Outros Rapazes (ensaio, 1992).

Eustáquio Gomes também escreveu O mandarim: história da infância da Unicamp (biografia, 2006), que conta como fo-ram os primeiros anos da vida da Universidade, a partir do levantamento de documentos históricos e do depoimento de personagens que ajudaram a construir a instituição. Por oca-sião da publicação de fascículos do livro pelo Jornal da Uni-camp, no início de 2006, antes de seguir para o prelo, o autor fez o seguinte comentário sobre o desafio que se impôs: “Um livro como este nunca é definitivo, porque com frequência as pesquisas e os depoimentos colhidos para escrevê-lo são inca-pazes de levar à convergência das versões existentes, por ve-zes numerosas, sobre um mesmo fato, por simples que seja”.

Na hora do almoço, ele passa na minha sala e seguimos de carro para uma cantina próxima à Universidade. Durante a refeição, ele conta os sonhos da noite anterior. Impressiona-me sua facilidade para achar o significado de cada vivência onírica. Aprendeu isso com Jung, de quem se tornou admirador. Também acostumou-se a anotar os sonhos assim que abre os olhos, quando as imagens ainda estão frescas na memória. Até pouco tempo, vinha colhendo material para um novo livro cujo título, a princípio, seria Sonhos Constelados.

Entre uma garfada e outra, a conversa muda de rumo. Agora falamos sobre a morte. Não de um jeito tétrico, mas com a naturalidade que o assunto pede. Uma de suas preocupações é saber se poderá continuar escrevendo. Outra é saber se no além haverá bibliotecas, pois sem bibliotecas nem o paraíso valeria a pena. Tudo isso porque, entre outras coisas, mesmo depois de morto, não pretende interromper o hábito de escrever diários.

Essa coisa de diários vem de longe. É um jeito de “filtrar os venenos” do cotidiano. Boa parte dos livros que publicou, 16 ao todo, nasceram desses manuscritos íntimos. Até pouco tempo ainda registrava tudo a mão. Um dia abriu o armário e mostrou-me mais de 20 cadernos recheados de anotações. O segredo está em não banalizar o dia a dia. Miudezas opacas ganham brilho após ser banhadas na riqueza intelectual de seus neurônios. Personagens apagados emergem do anonimato de um jeito que jamais foram vistos.

A conversa dá mais algumas voltas, e ele agora fala do pas-sado. Atravessou parte da infância num seminário, mas desistiu da vida eclesiástica a tempo de tornar-se escritor. No início, temeu que Deus punisse a falta mandando-o para o inferno. Mas depois, ao saber que o inferno estava cheio de escritores, passou a olhar o problema com outros olhos. Afinal, se já estavam aceitando essa gente por lá, não devia ser tão mal assim. Conta-me essas histórias e ri do tom caricato com que descreve a si mesmo.

Depois do almoço, caminhamos até o sebo que fica ali perto. Ele adora sebos. Conhece todos os que há na cidade, bem como os inquilinos ilustres que habitam cada uma de suas prateleiras. Com paciência e generosidade, apresenta-me um a um: Kafka, Camus, Mann... Pode ter desistido do seminário, mas mantém uma relação religiosa com a literatura. É devoto de Machado de Assis.

Corre o dedo pelas lombadas e puxa um volume: O eu profun-do e outros eus, de Fernando Pessoa. Abre uma página ao acaso e começa a ler em voz alta: “Toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipe, todos eles príncipes, na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana...” Dois estudantes param de conversar e olham com o rabo do olho. A gerente estica o pescoço para certificar-se do que está acontecendo.

Ele não dá bola e segue adiante: “...Quem me dera ouvir de alguém a voz humana, que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; que contasse, não uma violência, mas uma covardia! Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos...”

A essa altura, já há uma rodinha de curiosos ao nosso redor. Eu, que não sou escritor nem sei declamar, sinto que estou so-brando na cena. Tento esgueirar-me, sair de fininho, mas estou encurralado por pilhas de livros. A plateia entra numa expectativa muda, esperando o próximo ato. Ele se empolga:

“... Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, podem ter sido traídos, mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que tenho sido vil, literalmente vil, vil no sentido mesquinho e infame da vileza.”

Um dos estudantes começa a bater palmas. Os demais vão atrás. Aliviado, porém orgulhoso, sigo a plateia. Ele ajeita os óculos, fecha o volume e devolve-o à prateleira. Depois, dá uma risadinha sardônica e começamos a sair. Lá fora, o ruído de um monomotor chama nossa atenção. Como num sonho, ganha altura, faz uma curva e some atrás das nuvens.

Clayton Levy é assessor-chefe da Assessoria de Comunicação e Imprensa (Ascom) da Unicamp

Pausa para o almoçoCLAYTON LEVY

“Conheci o Eustá-quio nos anos 1980, durante a gestão do professor Pinotti. Tra-balhamos juntos em vários projetos de in-teresse institucional e em tantos outros de

interesse artístico e literário. Em comum, compartilhamos o gosto pelas coisas e pelas razões da vida universitária e a paixão pela efemeridade perene da vida, da literatura e da vida literária. Seguimos trabalhando juntos quando fui vice-reitor e depois reitor da Uni-camp no início dos anos 1990 e depois ainda, ao longo dos mandatos seguintes, em que ele continuou a chefiar o setor de imprensa da Universidade. Fico feliz pela homenagem que o escolhe como servidor emérito da Uni-camp e que, desse modo, registra, pelo reco-nhecimento institucional, aquilo que todos, que com ele convivemos, já reconhecíamos na prática afetiva de nossas relações de tra-balho, de amizade, de companheirismo e de generoso desprendimento.”

Carlos Vogt (1990-1994)

“Escrever sobre o meu amigo Eustáquio, o cronista da Unicamp, que produzia textos passeando com as pala-vras para colocá-las em seus lugares mais ade-quados? Seria eu tão

pretensioso? Não, prefiro lembrar palavras dele próprio, escritas há quase 19 anos e pu-blicadas em Viagem ao Centro do Dia - um di-ário (2007): “E assim me coloco na situação do sujeito que, aos 41 anos, tendo já gasto metade da vida, espera o dia seguinte para começar a viver. Já escrevi sobre isso: a sem-piterna sensação de não ter passado ainda da antessala da vida. É como uma infância que não termina, um estado de sono que não pas-sa, uma realidade que não chega. Será ruim? Percebo que todos os meus irmãos reagem como se fossem viver a partir do dia seguin-te, e também meu pai, que fazia planos in-definidamente, e sabe-se lá se esse traço não se perde nas brumas da ancestralidade, uma espécie de sortilégio familiar.”

José Tadeu Jorge (2005-2009)

“Jovem che-gou à Unicamp. Rápido de ca-beça e objetivo nas ações, dedi-cou sua vida à nossa institui-ção. Revelou-

se jornalista competente e um chefe organizado, granjeando o respeito dos seus colegas. Escreveu livros ca-tivantes que prendem a atenção do leitor da primeira à última página. Parabéns Eustáquio, Você merece.”

Hermano Tavares (1998-2002)

“Um grande ser humano, um excelen-te jornalista e alguém com um imenso amor à coisa públi-ca e especialmente à Unicamp. Eustáquio conhecia a Unicamp

com toda a sensibilidade de sua alma sim-ples, bondosa e competente... Como reitor da Unicamp, sempre encontrei nele uma palavra amiga, um conselho e principalmen-te uma orientação essencial para essa difí-cil tarefa de administrar a Unicamp. Muito obrigado pela ajuda que sempre me deu no exercício de meu reitorado, Eustáquio.”

José Martins Filho (1994-1998)

“Além de sua paixão pela literatura, Eustáquio amava a Unicamp e contribuiu com o desenvolvimento da Universi-dade de forma fundamental. Conhecia como poucos a his-tória da Universidade e das pessoas na Universidade. Sua sabedoria e sua pena ajudaram a formar boa parte da imagem externa da Unicamp.”Carlos Henrique de Brito Cruz (2002-2005)

ROBERTO [email protected]

O reitor Fernando Costa entrega a Eustáquio Gomes o diploma de Servidor Emérito: fi delidade à instituição

jornalista e escritor Eustáquio Go-

Depoimentos de ex-reitores

Fotos: Antoninho Perri

Page 4: JU550

Campinas, 17 a 31 de dezembro de 20124

Em busca do gesso sustentável

Pesquisa aponta potencial de reciclagem do material usado na construção civil

m estudo conduzido na Unicamp apontou a viabilidade de reciclar o resíduo do gesso proveniente da construção civil. A pesquisa, desenvolvida pela engenheira ci-vil Sayonara Maria de Moraes Pi-

nheiro, atestou a possibilidade de recuperar o material, mantendo as mesmas propriedades físicas e mecânicas do gesso comercial. O cres-cimento da construção civil no país na última década tem acentuado o descarte inadequado do resíduo no ambiente, que pode contaminar o solo e o lençol freático.

“Com a investigação mostramos que é vi-ável recuperar um resíduo que não era con-siderado possível de ser reciclado. Tanto que não existem usinas de reciclo para este mate-rial no país. Estima-se que o resíduo do ges-so represente em torno de 4% do volume do descarte da construção civil, que no Estado de São Paulo corresponde a mais de 50% de todo o resíduo sólido urbano gerado”, evidencia a engenheira civil.

A sua investigação integrou tese doutora-do defendida em 2011 junto ao programa de pós-graduação da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Uni-camp. Pelos critérios de originalidade, inova-ção e qualidade, a pesquisa foi agraciada com o Prêmio Capes de Tese 2012, concedido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Sayonara Pinheiro foi orien-tada pela docente Gladis Camarini, do Depar-tamento de Arquitetura e Construção da FEC.

“O prêmio Capes é a consagração da pes-quisa em nível nacional. Eu estou muito feliz! Gostaria de ressaltar a colaboração dos alunos dos PIC Jr. [Programa de Iniciação Científica Júnior] e Pibic [Programa Institucional de Bol-sas de Iniciação Científica], além do apoio da minha orientadora. Sem eles não seria possí-vel fazermos ensaios no volume que foi feito. Reciclamos aproximadamente 400 quilos de gesso, algo que é significativo para uma pes-quisa de laboratório”, reconhece a premiada.

POLO DE ARARIPEO gesso é amplamente utilizado na

construção civil. O seu uso mais comum está relacionado ao revestimento de tetos e paredes; confecção de componentes pré-moldados como forros e divisórias; e como elemento decorativo, devido as suas pro-priedades de lisura, endurecimento rápido e relativa leveza.

A matéria-prima é o minério de gipsita, cujas maiores jazidas estão localizadas no polo gesseiro de Araripe, no sertão de Pernambu-co. O polo é responsável por 95% da produção nacional. Todo o processo produtivo da região foi acompanhado de perto pela estudiosa da Unicamp, atualmente professora da Universi-dade Federal do Vale de São Francisco (Uni-vasf), situada próxima à região.

Ela explica que o segmento gesseiro na-cional encontra-se em expansão. A taxa de crescimento anual é da ordem de 8%, com expectativa de crescimento ainda maior, segundo dados do Sindicato da Indústria do Gesso de Pernambuco. O incremento se deve, conforme a engenheira, principal-mente, à disseminação de sistemas cons-trutivos alternativos, ao baixo custo do gesso e ao alto teor de pureza das jazidas de gipsita nacional.

“A extração da gipsita representa 1,9 mi-lhão de toneladas por ano no Brasil. O polo Gesseiro do Araripe é responsável pela maior parte desta produção, tendo como princi-pais consumidores os Estados da região Sudeste. O polo é constituído por 37 minas de exploração, cerca de 100 calcinadoras e, aproximadamente, 300 pequenas unidades produtoras de componentes, a maioria com processos artesanais”, detalha Sayonara Pi-nheiro. O volume de resíduos gerado por essas unidades produtoras representa, de acordo ela, massa significativa para propor-cionar reciclagem industrialmente.

IMPACTOA deposição inadequada do resíduo de

gesso pode contaminar o solo e o lençol freático, alerta a estudiosa da Unicamp. Isso acontece devido às características físi-cas e químicas do material, que em contato com o ambiente pode se tornar tóxico. “O resíduo do gesso é constituído de sulfato de cálcio di-hidratado. A facilidade de solu-bilização promove a sulfurização do solo e a contaminação do lençol freático”, pontua Sayonara Pinheiro.

Do mesmo modo, a deposição do resí-duo em aterros sanitários comuns não é recomendada. Neste caso, além de tóxico, a dissolução dos componentes do gesso pode torná-lo inflamável, explica a pesqui-sadora. “O ambiente úmido, associado às condições aeróbicas e à presença de bac-térias redutoras de sulfato, permite a dis-sociação dos componentes do resíduo em dióxido de carbono, água e gás sulfídrico, que possui odor característico de ovo po-dre. A incineração do gesso também pode produzir o dióxido de enxofre, um gás tó-xico. As possibilidades de minimizar o im-pacto ambiental, portanto, são a redução da geração do resíduo, a reutilização e a reciclagem”, aconselha.

LEGISLAÇÃONo mesmo ano da defesa do estudo de

Sayonara Pinheiro, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) publicou resolu-ção nº 431 estabelecendo uma nova clas-sificação para o gesso. A resolução altera a classificação do material. Antes, ele era agrupado na categoria de “resíduos para os quais não foram desenvolvidas tecnologias ou aplicações economicamente viáveis que permitam a sua reciclagem ou recupera-ção”. Agora, a deliberação inclui o gesso na categoria de “resíduos recicláveis”, tais

como o plástico, papel, papelão, metais, vi-dros e madeiras.

“Mesmo que haja segregação deste re-síduo na obra, encontramos um problema: a ausência de local para descartá-lo e a ine-xistência de usinas de reciclo. E porque não existem as usinas de reciclagem? Porque a Resolução do Conama que recomenda a re-ciclagem do resíduo é recente, e as pesqui-sas relacionadas ao processo de reciclagem e ao conhecimento das características do gesso reciclado são incipientes. O objeti-vo do nosso estudo foi justamente avaliar essas propriedades no material reciclado, desenvolvido em modelo experimental”, revela a pesquisadora.

RECICLAGEMO modelo experimental para a reci-

clagem do resíduo constituiu, de acordo com ela, nas fases de moagem e calcina-ção. Após estas etapas foram avaliadas as propriedades físicas e mecânicas do material reciclado. “Os resíduos foram submetidos a ciclos de reciclagem conse-cutivos. Com estes ciclos, nós queríamos verificar se era possível reciclar o gesso, que já havia passado por processo de re-ciclo. Chegamos até o 5º ciclo de recicla-gem e o gesso apresentou características químicas e microestruturais similares ao longo de todo o processo. Podemos infe-rir, portanto, que ele pode ser reciclado indefinidamente”, conclui.

Os ciclos de reciclagem provam, segun-do a engenheira, que o gesso da construção civil pode ser totalmente sustentável. “Po-de-se utilizar o resíduo do gesso em diver-sos ciclos de reciclagem, que é uma das di-retrizes da sustentabilidade no setor. Além disso, evita a extração da matéria-prima de fabricação do gesso, que é a gipsita”, com-plementa Sayonara Pinheiro.

PublicaçãoTese: “Gesso reciclado: avaliação de propriedades para uso em componentes”Autora: Sayonara Maria de Moraes PinheiroOrientadora: Gladis CamariniUnidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)Financiamento: Capes

Sayonara Maria de Moraes Pinheiro: propriedades físicas e mecânicas são mantidas

Na sequência, jazida de gipsita no polo de Araripe, resíduo de gesso, o preparo para a calcinação e o produto já reciclado

SILVIO ANUNCIAÇÃ[email protected]

Fotos: Divulgação

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scritor, historiador, etnógrafo, jornalista e folclorista, o baia-no Édison de Souza Carneiro (1912-1972) dedicou-se aos estudos sobre o negro brasilei-

ro e tornou-se uma das maiores autoridades nacionais sobre cultos afro-brasileiros. Mas a trajetória desse intelectual, a despeito do relevante papel que desempenhou na histó-ria das ciências sociais no Brasil, sobretudo na história dos estudos das relações raciais, ainda não havia recebido atenção condizente com a importância de seu trabalho e de seu legado. A tese de doutorado O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de es-tudos das relações raciais no Brasil tem o mé-rito de realizar pela primeira vez um resgate de fôlego da vida e obra desse personagem um tanto oculto na história. A tarefa coube ao antropólogo social Gustavo Rossi, orien-tado pela professora Heloisa André Pontes, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.

O esforço na elaboração da aprofundada pesquisa e suas contribuições à compreen-são do processo de gênese e formação do campo de estudos das relações raciais no Brasil valeram ao trabalho de Rossi o re-conhecimento da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe-rior) de melhor tese de doutorado nas áreas de Antropologia e Arqueologia defendida em 2011. O prêmio, entregue no último dia 13, também valorizou o trabalho realizado no âmbito do programa de pós-graduação em Antropologia Social do IFCH.

Ao investigar a trajetória social e intelec-tual de Carneiro, Rossi evitou produzir so-mente uma biografia convencional ou uma interpretação da totalidade da obra do autor. O seu acurado olhar analítico direcionou-se aos aspectos da prática e da produção inte-lectuais que dão conta do envolvimento do etnógrafo com o campo de estudos ao qual ele esteve mais sensivelmente ligado (o de estudos das relações raciais e das culturas de origem africana na sociedade brasileira) e que permitiram sua inserção no debate sobre a “questão negra” brasileira.

“Diferente de certos intelectuais, escri-tores, ou artistas que, graças aos efeitos de consagração, poderíamos invocar pela simples relevância autoevidente que seus nomes des-pertam, o caso de Édison Carneiro se encontra no âmbito daqueles em que não se dispensam as apresentações”, observa Rossi. “Ele não se consagrou como um acadêmico ou professor universitário, no entanto tornou-se um perso-nagem cuja vida e obra mereciam ser estuda-das de maneira mais densa, até para permitir enxergar o que elas nos expressam tanto em termos de sociedade e vida intelectual brasilei-ras quanto em termos de gestação e constitui-ção do campo de estudos das relações raciais no país a partir da década de 1930.”

FOGO NA ESTRADA Nessa empreitada, foi necessário um mi-

nucioso garimpo de informações biográficas praticamente a partir do zero, já que aspectos básicos da trajetória do folclorista eram des-conhecidos. De acordo com Rossi, talvez por falta de tempo, interesse ou até pela forma abrupta como adoeceu e morreu (vítima de uma trombose cerebral), no Rio de Janeiro, Carneiro praticamente não deixou páginas, artigos, volumes ou manuscritos de memó-rias, onde refletisse sobre sua história de vida ou suas práticas intelectuais.

Outra hipótese que explicaria a inexistên-cia de eventuais escritos autobiográficos de Carneiro é a de que eles tenham sido perdi-dos ou, literalmente, “queimados”, conforme informou seu filho, Philon. Segundo ele, um volume considerável da papelada do pai foi queimado acidentalmente, logo após a morte do intelectual, quando a então recente viúva Magdalena Carneiro resolveu se transferir do Rio de Janeiro para Salvador.

Na ocasião, o caminhão de mudanças

5Campinas, 17 a 31 de dezembro de 2012

PublicaçõesTese: “O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil”Autor: Gustavo RossiOrientadora: Heloisa André PontesUnidade: Instituto de Filosofiae Ciências Humanas (IFCH)

O intelectual ‘feiticeiro’ sai enfim do limbo

PAULO CESAR [email protected]

tombou na estrada e pegou fogo. Portan-to, em teoria, tudo o que sobrou do acervo pessoal de Carneiro estaria disperso pelos arquivos de algumas instituições (no Rio de Janeiro, Museu do Folclore Édison Carneiro, Biblioteca Nacional e Arquivo Público do Es-tado do Rio de Janeiro; em Salvador, Funda-ção Clemente Mariani, Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, Fundação Casa de Jor-ge Amado, Biblioteca Pública do Estado da Bahia e Arquivo Público do Estado da Bahia) e até em mãos de amigos e parentes, como chegou a constatar Rossi ao longo dos quatro anos investidos na pesquisa.

Os três capítulos que compõem a tese são, na definição do próprio autor, ensaios que podem ser lidos separadamente, cada um abordando eixos distintos da vida do personagem pesquisado, e, em seu conjunto, acabam por compor uma espécie de mosai-co analítico de sua carreira. No primeiro, há uma recuperação da trajetória social e fami-liar de Carneiro na Bahia, com a finalidade de ajudar a entender como ele e a família, a par-tir de suas origens, retraduziam suas identi-dades étnicas na estrutura social da Salvador dos anos 1920 e 1930.

O segundo trata das primeiras experiên-cias intelectuais do biografado, abordando sua tentativa de se tornar um literato, a sua participação no grupo literário Academia dos Rebeldes (cujo líder era o jornalista Pinheiro Viegas e que contava também com a parti-cipação do escritor Jorge Amado), o engaja-mento no Partido Comunista e o despertar de seu interesse pelos cultos afro-brasileiros. No terceiro, o autor revela como o biogra-fado começa a abandonar suas pretensões literárias para investir na carreira jornalísti-ca, escrevendo sobre ritos e festas dos can-domblés baianos para diferentes periódicos, tornando-se um dos maiores defensores da liberdade da prática dessas atividades.

A síntese desses três painéis sobre a vida de Carneiro revela um percurso social e in-telectual caracterizado por relativo isolamen-to. Segundo apurou Gustavo Rossi, Carneiro vivera ainda muito jovem, em Salvador, sua cidade natal, uma de suas primeiras frustra-ções intelectuais, ao ver minguar, na virada das décadas de 1920 e 1930, suas chances de se firmar como literato, não concretizando as fantasias de consagração e reconhecimento autorais que, imaginava, iriam livrá-lo da in-cômoda condição de “escritor de subúrbio”.

TURBULÊNCIAS Com relação ao campo dos estudos afro-

brasileiros dos anos de 1930, a inserção de Carneiro não foi menos turbulenta, revela a premiada pesquisa: conviveu com pretensões frustradas de estágio de estudos e especia-lização no exterior e relações muitas vezes tensas com os então “donos dos assuntos” afro-brasileiros, Arthur Ramos (1903-1949) e Gilberto Freyre (1900-1987). Acrescente-se, ainda, de acordo com Rossi, os recorren-

tes períodos de penúria financeira; as dificul-dades de reconhecimento como folclorista frente a uma ciência social emergente nas décadas de 1940 e 1950; o desinteresse das instituições acadêmicas e de incentivo a pes-quisas científicas, que fecharam suas portas às suas ambições e aos seus projetos como pesquisador da cultura afro-brasileira e do folclore nacional; as tentativas malsucedidas de ingresso como professor no magistério superior e, por fim, uma militância comu-nista que lhe rendeu prisões, perseguições e cassações de postos.

“Não se pode desprezar ainda o fato de Édison Carneiro ter sido um ‘não branco’ que, a despeito de sua intensa dedicação ao estudo da população negro-africana no Brasil, atuando politicamente em prol da liberdade de suas manifestações culturais e religiosas, vivenciou a partir de um dado momento uma relação rasgada de tensões e cisões com o próprio movimento negro bra-sileiro, que produziram um distanciamento simbólico significativo dele, mesmo depois de morto, para com os projetos, os destinos, as conquistas e, neste sentido, as memórias do movimento negro”, pondera Rossi.

“Resta dizer também que havia sempre a possibilidade concreta de, em muitos dos episódios em que se envolveu, a ‘raça’ de Édison ter funcionado como fator de exclu-são, preterimentos ou interdições veladas às posições e aos postos por ele pleiteados”, enfatiza o autor.

Para Rossi, a vida de Carneiro expressa com vigor dilemas e transformações que aco-meteram não apenas o campo de estudos das relações raciais, mas também as ciências so-ciais brasileiras como um todo, cujo processo de institucionalização destravou, a partir da década de 1930, o rompimento com um mo-delo de intelectual que o biografado encarna-va muito bem: o polígrafo, autodidata.

Sua atuação e suas metamorfoses na evo-lução do debate racial nacional urdiram uma experiência, senão exemplar, certamente ex-pressiva do processo de gênese e formação deste campo de estudos, enfatiza o antropólo-go. De outra parte, nelas também se revelam os estágios de “transição” das ciências sociais em que começaram a se desenvolver os rituais de instituição e segregação de linguagens, es-tilos de abordagem e padrões de cientificida-de, buscando-se, assim, suplantar o ensaísmo e as diversas formas de heteronomias na inter-pretação da vida social, aponta o autor.

“Os dilemas de Édison Carneiro revelam esse processo pelo inverso, uma vez que ele passou a personificar o modelo de intelectual que as ciências sociais modernas buscaram justamente combater e expelir como cienti-ficamente autorizados a falar sobre o social”, salienta Gustavo Rossi em sua tese.

Sinal eloquente nesse sentido foram as indefinições classificatórias que resvalaram na carreira intelectual de Carneiro: escritor, historiador, etnógrafo, jornalista, folclorista. Ele foi todas elas, sem conseguir ser nenhu-ma delas por inteiro.

Édison Carneiro: trabalho do escritor e folclorista baiano é pouco estudado

O antropólogo social Gustavo Rossi: “Carneiro tornou-se um personagem cuja vida e obra mereciam ser estudadas de maneira mais densa”

Fotos: Antoninho Perri / Reprodução

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VISITAS DE DELEGAÇÕES ESTRANGEIRAS - CORI

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ALUNOS ESTRANGEIROS DE GRADUAÇÃO EM INTERCÂMBIO NA UNICAMP

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CONVÊNIOS ASSINADOS ENTRE A UNICAMP E INSTITUIÇÕES ESTRANGEIRAS (ANO)

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ALUNOS DE GRADUAÇÃO DA UNICAMP EM INTERCÂMBIO NO EXTERIOR (ANO)

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ALUNOS ESTRANGEIROS DE PÓS-GRADUAÇÃO NA UNICAMP (ANO)

419 386 355 333 377 396 434 472 500 530

9697

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Alunos regulares Alunos especiais

PRINCIPAIS DESTINOS DE ALUNOS DE GRADUAÇÃO EM 2012

EUA 15%

PORTUGAL 17%

FRANÇA 31%

OUTROS 5%

ITÁLIA 2%

MÉXICO 2%

AUSTRÁLIA 3%

INGLATERRA 3%

CANADÁ 5%

ALEMANHA 8%

ESPANHA 9%

Salto nos últimos dois anos consolidaINTERNACIONALIZAÇÃO DA UNICAMP

MANUEL ALVES [email protected]

Indicadores revelam que projeto vem, de maneira contínua e consistente, experimentando avanços

A Unicamp ampliou significativamente o seu grau de internacionalização, principalmente nos últimos dois anos. Os indicadores tomados para análise nesse período confir-mam que a Universidade vem trilhando um caminho sóli-do na sua consolidação como uma universidade de classe mundial. “Os esforços empreendidos nessa área pela atual gestão trouxeram resultados muito positivos. Graças à po-lítica adotada, a Unicamp incrementou o número de in-tercâmbios envolvendo estudantes de graduação e de pós-graduação e também de docentes. O número de visitas de delegações estrangeiras interessadas em estabelecer con-vênios e parcerias com a Universidade também experimen-tou um avanço importante”, afirma o dirigente da Coorde-nadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori), professor Alberto Serpa.

De acordo com o coordenador da Cori, a vocação da Unicamp para ter uma boa inserção no cenário internacio-nal tem origem na fundação da Universidade por Zeferino Vaz. Ele já tinha a visão de que era importante ter professo-res estrangeiros destacados em suas áreas de atuação para consolidar o projeto acadêmico da Universidade. Esta visão ganhou mais importância com a criação da Cori, em 1984. “Um marco importante no esforço recente de internaciona-lização foi a criação do Posto da Cori, na Biblioteca Central, em 2006. Com esta ação, tanto o atendimento de alunos brasileiros quanto de estrangeiros, nos diversos assuntos relacionados aos processos de mobilidade internacional, foi em muito ampliado. Hoje, o Posto Cori conta com seis funcionários e cinco estagiários/bolsistas voltados ao aten-dimento e suporte da comunidade da Unicamp nos assuntos relacionados à mobilidade internacional”, lembra Serpa.

Uma análise dos números tabulados pela Cori entre 2003 e 2012 permite constatar que o projeto de internacio-nalização da Unicamp vem experimentando avanços ano a ano, sempre de maneira consistente. Entretanto, nos últi-mos anos os indicadores experimentaram um expressivo crescimento. Um deles refere-se ao contingente de alunos que participaram dos diferentes programas de mobilidade estudantil. Se em 2003 a Universidade enviou ao exterior 79 estudantes de graduação, em 2012, considerados os da-dos até 30 de novembro, esse contingente subiu para 685. Os principais destinos dos graduandos, neste ano, foram França, Portugal, Estados Unidos, Espanha e Alemanha, apenas para citar os cinco primeiros.

O coordenador da Cori explica que a progressão dos nú-meros está relacionada tanto à oferta de novos programas de mobilidade estudantil por parte da Unicamp, com re-cursos provenientes de agências de fomento como a Coor-denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e de outros financiadores como o Banco Santander e recursos da própria Unicamp, como ao crescente interes-se dos estudantes por uma experiência internacional. “A Cori tem feito um trabalho bom de divulgação das oportu-nidades de intercâmbio, já entre os calouros. Assim, eles ingressam na Universidade sabendo que podem realizar parte da formação em instituições fora do país. Uma das maneiras de manter esse público informado sobre o assun-to é a realização de palestras mostrando como é estudar num determinado país ou universidade e que benefícios

essa experiência traz, além de explicar os requisitos acadê-micos importantes para conseguir realizar um intercâmbio. Esses eventos normalmente registram uma boa participa-ção por parte dos nossos estudantes. Os alunos, mesmo antes de ingressarem na Universidade, já buscam infor-mações sobre possibilidades de intercâmbio, por exemplo, através de consultas e de boa participação nas atividades que a Cori realiza na Unicamp de Portas Abertas [UPA, evento que recebe estudantes do ensino médio de todo o país]”, informa Serpa.

Da mesma forma que tem enviado um contingente cada vez maior de estudantes de graduação ao exterior, a Unicamp também tem recebido um número crescente de estrangeiros interessados em estudar nas suas faculdades e institutos. Em 2011 e 2012, a Universidade recebeu, respectivamente, 237 e 287 desses visitantes, contra somente 37 em 2003. Os intercambistas estrangeiros que chegaram à Universida-de em 2012 vieram de países como Estados Unidos, Haiti, Argentina, França, Colômbia e Peru. Em relação aos estu-dantes haitianos, vale ressaltar que eles vieram estudar na Unicamp graças a uma iniciativa de amplo alcance social, denominada Programa Emergencial Pró-Haiti em Educação Superior. O programa, financiado pela Capes, tem por fina-lidade contribuir para a formação de recursos humanos e re-construção do sistema de ensino superior daquele país, que foi devastado por um terremoto em 2010. “Também temos recebido um expressivo número de estudantes estrangeiros em nossos programas de pós-graduação. Em 2012, registra-mos a matrícula de 626 deles, sendo que a maioria veio de países como Colômbia, Peru, Chile, Argentina e Espanha”, registra o coordenador da Cori.

Um resultado concreto das ações empreendidas pela Unicamp nessa área é a ampliação, por exemplo, do grau de internacionalização de seus cursos de graduação. Uma forma de mensurar esse indicador é considerar o número de formados que cumpriram ao menos um semestre de in-tercâmbio no exterior durante seu curso de graduação. A partir desse critério, por exemplo, para os formandos do ano de 2011, é possível identificar que alguns cursos ofe-recidos pela Universidade apresentam um nível de inter-nacionalização já considerado muito bom, como é o caso de Arquitetura e Urbanismo (29,4%), Engenharia Elétrica (20,9%), Engenharia Química (20,7%), Ciências Econômi-

cas (20,3%) e Engenharia Mecânica (17,1%). “Temos um número expressivo de cursos com grau de internacionali-zação acima ou muito próximo de 10%, que é um índice já considerado muito bom para uma instituição brasileira e jovem como a Unicamp”, considera Serpa.

Conforme o dirigente da Cori, um programa que veio contribuir para o aumento da mobilidade estudantil na Uni-camp foi o Ciência sem Fronteira (CsF), lançado pelo gover-no federal com o objetivo de dar relevância à ciência brasi-leira em âmbito global. A iniciativa prevê a concessão de 100 mil bolsas de estudos em quatro anos, destinadas a promo-ver o intercâmbio de alunos de graduação e pós-graduação. Além disso, o CsF também busca atrair pesquisadores do exterior que queiram se fixar no Brasil ou estabelecer parce-rias com os pares brasileiros nas áreas prioritárias definidas no programa, bem como criar oportunidade para que pes-quisadores de empresas recebam treinamento especializado no exterior.

Graças às bolsas oferecidas pelo CsF, o número de inter-câmbios na Unicamp experimentou um significativo avanço. Em 2012, 213 estudantes da Universidade foram enviados ao exterior por meio do programa. Estes tiveram como destinos importantes instituições de ensino dos Estados Unidos, Por-tugal, Espanha, Austrália, Alemanha e Canadá, entre outros. “Outro aspecto importante em relação ao esforço de interna-cionalização diz respeito ao crescimento do número de alunos participantes de programas de duplo diploma, que envolvem boas universidades estrangeiras. Em 2012, 95 estudantes ini-ciaram a participação nesse tipo de experiência, contra 44 em 2011”, complementa o dirigente da Cori. Destaque-se tam-bém que a Unicamp intensificou, nos últimos três anos, sua participação em projetos de cotutela (dupla diplomação para doutorado), contando com 39 projetos.

Outro importante programa de intercâmbio do qual a Uni-versidade participou foi o Erasmus Mundus, criado e finan-ciado pela Comissão Europeia, organismo executivo da União Europeia. A iniciativa prevê a concessão de bolsas para estu-dantes de graduação e pós-graduação, além de docentes, para o cumprimento de um período de estudos em universidades distribuídas em 17 países do Continente. O objetivo é refor-çar a qualidade do ensino superior das instituições europeias a partir da intensificação da cooperação com países de fora do bloco. Neste contexto, entre 2009 e 2011, a Unicamp enviou à Europa 15 professores, 37 doutorandos e 31 alunos de gra-duação. A Unicamp recebeu cinco docentes, um doutorando e nove graduandos no mesmo período.

DELEGAÇÕES ESTRANGEIRASO esforço da Unicamp para se consolidar como instituição des-

tacada de classe mundial tem sido reconhecido por várias das mais importantes instituições de ensino do mundo, que têm buscado estabelecer convênios e programas de cooperação nas áreas de en-sino e pesquisa com a Universidade. Prova disso é que o número de visitas de delegações internacionais recebidas aumentou ex-pressivamente nos últimos dois anos. Em 2011, a Unicamp recep-cionou um total de 103 comitivas de universidades estrangeiras. Em 2012, alcançarão 139. Há nove anos, esse número ficou em 37. Entre os países representados nessas visitas estão Estados Unidos, França, Canadá, Espanha, Alemanha, Austrália, Japão, Coreia, Bél-gica e Suíça.

Tão importante quanto a quantidade de visitas é a qualidade das instituições interessadas em estreitar relações com a Unicamp. Entre julho de 2011 e novembro de 2012, a Universidade rece-beu delegações de 23 instituições situadas entre as 50 melhores do mundo, de acordo com o ranking da QS World Universities, organização que avalia o desempenho de instituições de ensino internacionalmente. Pertencem a esse seleto grupo escolas como Oxford, Yale, Universidade de Tóquio e Universidade de Michigan. Atualmente, a Unicamp possui acordos de cooperação vigentes com dez dessas 50 universidades.

Em relação a acordos firmados com instituições estrangeiras, a Universidade mantém atualmente 355 convênios em vigor, que con-templam todas as áreas do conhecimento. Destes, 55 foram assinados em 2012, conforme levantamento realizado pela Cori. Estão envolvi-das nesses programas de colaboração universidades de países como França, Canadá, Estados Unidos, Colômbia, Espanha, Chile, Coreia, Itália, Portugal e Alemanha, entre outros. Salienta-se que nos últi-mos dois anos foram realizados quatro Workshops (Yale University, McMaster University, University of Liverpool, McGill Univesrtity) na Unicamp visando à aproximação de docentes e a intensificação da co-operação internacional em termos de pesquisas conjuntas.

O professor Alberto Serpa, coordenador da Cori: “Os esforços da atual gestão trouxeram resultados muito positivos”

O reitor Fernando Costa fala em recepção a alunos estrangeiros, em março deste ano, no Centro de Convenções

ALUNOS DA UNICAMP PELO MUNDO

Foto: Antonio Scarpinetti

Foto: Antoninho Perri

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ISABEL [email protected]

m dos destaques da tese de dou-torado do engenheiro químico Diego Tresinari dos Santos foi a construção de um equipamen-to multipropósito que funciona

com fluidos pressurizados para a obtenção de extratos de plantas e para a formação de mi-cro e nanopartículas. O seu valor ecológico e social esteve em usar como solvente um gás causador do efeito estufa que de outro modo seria considerado maléfico ao ambiente e ao organismo humano, mas que no estudo mos-trou-se uma experiência positiva. A pesquisa mereceu o Prêmio Capes de Tese deste ano.

O pesquisador conta que ficou “passado” com a notícia e feliz por darem valor a este trabalho totalmente nacional. “Com isso, te-rei três anos de bolsa e vou permanecer no meu grupo no pós-doutorado, para comple-mentar minha formação num ambiente que gosto e fazendo pesquisa. A tese também concorre ao Prêmio Vale-Capes de Ciência e Sustentabilidade – Edição 2012”, comenta.

Maria Ângela, também honrada com o sucesso da pesquisa, realça que essa é a pri-meira vez que um pós-graduando que orien-ta é laureado com o Prêmio Capes. No ano passado, uma de suas orientandas recebeu menção honrosa. “Batemos na trave e vimos que os nossos estudos estavam no caminho certo. Fomos distinguidos e agora trouxemos inovação ao laboratório.”

O equipamento foi batizado como Aradi-me, reunindo trechos dos nomes do técnico de Laboratório que montou o equipamento, Ariovaldo Astini (Ara); de Diego (Di), o au-tor do invento, e da professora Maria Ângela A. Meireles (Me), sobrenome da orientadora da tese. Foram gastos nesse projeto, financia-do pelo CNPq, R$ R$ 65 mil. O estudo foi feito na Faculdade de Engenharia de Alimen-tos (FEA) entre 2008 e 2011.

Geralmente, para fazer a extração e a for-mação de partículas cada equipamento do mercado, de fluidos supercríticos, é dedica-do a um processo – ou só produz extratos ou só forma partículas – e é comercializado por várias empresas que trabalham com fluidos à alta pressão. “Fizemos dois equipamentos em um”, comemora Diego.

Sobre esse invento, a professora explica primeiramente o que é fluido pressurizado. “É um gás do efeito estufa – o dióxido de car-bono (o CO2) – com altíssimas pressões: 100 ou 150 vezes a pressão atmosférica, o qual comporta-se semelhantemente a um líquido e que tem o poder de dissolver substâncias”.

A pesquisa de Diego sugeriu que é factível a construção de um equipamento versátil re-lativamente econômico (mais que qualquer equipamento do mercado) e de fácil opera-ção. Foi idealizado a fim de obter o extrato de plantas brasileiras e de formar partículas bem pequenas, até a escala “nano”.

“O fato de ser nano”, explica a docente, “permite uma melhor interação com o orga-nismo bem como com o meio ambiente. E também o fato de usar esse fluido pressuri-zado, que parte de um gás do efeito estufa, mostrou-se imprescindível porque se trata de um processo verde”.

Esse incremento, produzido 100% no país, inexistia na Unicamp. Foi executado no Laborató-rio de Tecnologia Supercrítica: Extração, Fracio-namento e Identifi cação de Extratos Vegetais (La-sefi ), dirigido pela professora Maria Ângela desde 1984. Diego fez ainda um estágio na Universidad de Valladolid, na Espanha, de três meses, onde tra-balhou em um equipamento similar, mas que só fazia processos de formação de partículas.

Ariovaldo Astini já vinha construindo outras unidades conforme necessidade do Lasefi. Esta é a oitava geração desse recurso. A primeira data de 1985. “A ideia de levar o equipamento ao mercado dependerá do inte-resse”, diz a docente.

Diego expõe que também elaborou um manual de uso, hoje disponível em sua tese digitalizada, contendo informações para a sua reprodução. É política do Lasefi que o conhecimento seja compartilhado entre os demais grupos de pesquisa, esclarece.

O seu trabalho transcendeu o projeto, pois inicialmente pensava-se num equi-pamento que se prestasse apenas à for-mação de partículas. O diferencial foi que ele também possibilitou obter extratos de plantas, diferentemente dos equipamen-

Campinas, 17 a 31 de dezembro de 20128

Publicações- SANTOS, D.T.; MEIRELES, M.A.A. Op-timization of bioactive compounds ex-traction from jabuticaba (Myrciaria cau-liflora) skins assisted by high pressure CO2. Innovative Food Science & Emer-ging Technologies, v. 12, p. 398-406, 2011. - SANTOS, D.T.; VEGGI, P.C.; MEIRE-LES, M.A.A. Optimization and econo-mic evaluation of pressurized liquid extraction of phenolic compounds from jabuticaba skins. Journal of Food Engi-neering, v. 108, p. 444-452, 2012.- SANTOS, D.T.; VEGGI, P.C.; MEIRE-LES, M.A.A. Extraction of Antioxidant Compounds from Jabuticaba (Myrciaria cauliflora) Skins: Yield, Composition and Economical Evaluation. Journal of Food Engineering, v. 101, p. 23-31, 2010.

Tese: “Extração, micronização e estabi-lização de pigmentos funcionais: Cons-trução de uma unidade multipropósito para o desenvolvimento de processos com fl uidos pressurizados”Autor: Diego Tresinari dos SantosOrientadora: Maria Ângela A. Meire-lesUnidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)Financiamento: CNPq

Aparelho obtém extrato de plantasEquipamento é um dos resultados de tese desenvolvida na FEA e premiada pela Capes

m dos destaques da tese de dou-torado do engenheiro químico Diego Tresinari dos Santos foi a construção de um equipamen-to multipropósito que funciona

Fotos: Antoninho Perri

Detalhe do equipamento: funcionando à base de fl uidos pressurizados

tos comercializados no momento. Maria Ângela comenta que, quando se

pede para comprar uma unidade do equipa-mento, ela sai mais barata, porém, é preciso dimensionar o vaso de pressão, que designa todos os recipientes capazes de conter um fluido pressurizado – de uma panela de pres-são de cozinha até os mais sofisticados reato-res nucleares.

O pedido é feito para uma empresa meta-lúrgica, que acaba tendo que parar o processo em escala comercial no qual estava envolvida para atuar no projeto de escala laboratorial. “Obviamente esse custo torna-se então mais elevado”, relata ela.

A intenção é que o Aradime entre em es-cala industrial e aumente a versatilidade dos fluidos pressurizados, muito conhecidos hoje pela parte de extração. Começando a parte de formação de partículas, isso iria beneficiar a etapa de estabilização dos extratos vegetais, visto que o Brasil tem uma rica flora e dela po-dem ser obtidos muitos compostos bioativos.

Basicamente o trabalho consistiu em colo-car o extrato dentro de um “recheio” (encap-sulamento) para estabilizá-lo, para manter as suas propriedades bioativas. O grande proble-ma é a estabilidade da mistura dos compostos que formam os extratos. “Logo, a produção de partículas viria ao encontro desse propó-sito até o momento do uso”, esclarece Diego.

CASCA DE JABUTICABAO pesquisador e a sua orientadora traba-

lharam com o extrato da casca de jabuticaba (Myrciaria cauliflora), planta nativa do Estado de São Paulo. Maria Ângela esmiúça que não se trata propriamente de uma biomassa, por-que adotaram a casca de jabuticaba produzida em laboratório.

Posteriormente, esse trabalho deu ori-gem a outros nos quais foram usados resí-duos de fabricação de geleia e de licor de ja-buticaba. “Então era uma biomassa só para compostagem. Retiramos compostos im-portantes para a saúde e os estabilizamos”, conta a professora.

Ainda como consequência desse projeto, o grupo de pesquisa alcançou um novo finan-

ciamento do CNPq, de maior vulto, com vis-tas a produzir um equipamento para a forma-ção tanto de partículas secas (sólidas) quanto de partículas em suspensão (ainda na fase líquida), para diferentes aplicações nas áreas de alimentos, fármacos e cosméticos.

A casca de jabuticaba possui muitas an-tocianinas (pigmentos pertencentes aos fla-vonoides que dão uma ampla variedade de cores vindas das frutas, flores e folhas, indo do vermelho-alaranjado ao vermelho intenso, roxo e azul) para serem aproveitadas como antioxidantes ou promotoras de crescimento, evitando a morte de bactérias tidas como pro-ativas no organismo.

Isso já foi devidamente testado, abrin-do portas para a extração a partir da casca de jabuticaba e de produtos com uma dupla função: conferir aroma e produzir cor. Maria Ângela ressalva que ainda não se fala de uma empresa interessada no extrato em si. Só no estudo da formação das nanopartículas.

“Estamos investindo em um ingredien-te da flora nacional para desenvolver uma gama de produtos com aplicação futura em diversas áreas, desde alimentos fun-cionais até dietas especiais e para atletas”, salienta a orientadora.

O CO2 produzido pelo setor industrial está sendo utilizado-reutilizado e não libera este composto químico para a atmosfera. Deste modo, do ponto de vista do meio ambiente, trata-se de uma tecnologia limpa.

Na indústria de fármacos, a produção de nanopartículas será relevante porque poderá reduzir em muito a dosagem dos medicamen-tos, já que as cápsulas depositam os fármacos no lugar onde as drogas precisam agir. Com isso, há ganhos em relação a custo e em ter-mos de efeitos colaterais ao paciente.

Por outro lado, para a indústria de cosmé-ticos, a sua atuação se traduz em um efeito potencial como corante natural, na forma de um extrato liquefeito ou de uma partícula só-lida, para compor cremes, exemplifica Diego.

A sua investigação sinalizou que um único equipamento é capaz de fazer os dois proces-sos. “Pensamos em uni-los continuamente: fazer a extração e alimentar o extrato para for-

mar partículas, ao que chamamos processos em linha, partindo da matéria-prima e saindo com o produto encapsulado, em sua forma estável.”

Os resultados preliminares já demonstra-ram que é possível, da matéria-prima, obter um produto final com um valor agregado muito maior do que simplesmente o extrato.

A tese de Diego redundou num douto-rado direto com três anos de duração e com pelo menos 12 publicações em revistas de alto impacto científico. “Esses achados já descortinam horizontes para outros estudos no laboratório ligados à linha de tecnologia supercrítica e de solventes ambientalmente corretos, de qualidade Gras (Generally Re-cognized as Safe), reconhecidos como segu-ros à saúde humana e ao meio ambiente”, garante a orientadora.

Trata-se de um processo limpo no qual se coloca uma matriz vegetal sob alta pressão, usando como solvente dióxido de carbono, no caso de alimentos. Esse processo não dei-xa resíduos de substâncias tóxicas, nem nos produtos, nem na matriz vegetal original.

Após serem extraídos os princípios de interesse, a matriz ganha várias alternativas como alimentação, por não possuir tais resí-duos, e produtos como extrato, óleo essen-cial, além de produtos químicos.

PROJEÇÃOO futuro, ressalta a docente, é o desen-

volvimento de processos integrados para uso total da matéria-prima. “Vão sendo usados processos em série, entre eles extração e par-ticulação. Se sobram resíduos no processo, eles podem ser empregados para produzir novos compostos.”

É possível ainda da biomassa produzir novos compostos por hidrólise, também com fluidos em condições de alta pressão e alta temperatura.

Na extração e hidrólise, explica Diego, em geral são utilizados no Lasefi três fluidos que podem ser mesclados em diferentes propor-ções e/ou usados de maneira sequencial: o dióxido de carbono, o etanol e a água. Todos os três são ambientalmente corretos. Já, no caso da formação de partículas, apenas traba-lha-se com o dióxido de carbono.

Enquanto a indústria de extratos vege-tais obtém o extrato e faz muitas vezes a compostagem ou o descarte, os pesquisa-dores do Lasefi estão investindo em dife-rentes compostos valiosos a partir do re-síduo da etapa de extração mediante a sua re-extração ou hidrólise com outros fluidos pressurizados. Assim, busca-se demonstrar a viabilidade de uma futura “biorrefinaria” baseada no uso de fluidos pressurizados em todas as etapas para o aproveitamento integral de materiais vegetais.

A professora Maria Ângela Meireles, orientadora, o técnico Ariovaldo Astini (centro), que montou o equipamento, e o engenheiro químico Diego Tresinari dos Santos (à dir.), autor da tese

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9Campinas, 17 a 31 de dezembro de 2012

Bióloga identifica moléculas que provocammalformação cerebral

PublicaçãoDissertação: “O papel dos microRNAs nas displasias corticais focais”Autora: Simoni Helena AvansiniOrientadora: Íscia Terezinha Lopes Cendes Coorientadores: Fábio Rossi Torres e Danyella Barbosa DoginiUnidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

Descoberta pode contribuir para a melhorclassificação das displasias corticais

ISABEL [email protected]

Um estudo inédito na área de epilep-sia apresentado à Faculdade de Ciências Médicas (FCM) conferiu recentemente o título de mestre à bióloga Simoni Helena Avansini. A pesquisadora conseguiu iden-tificar pequenas moléculas chaves para o desenvolvimento das malformações cere-brais ditas displasias corticais. São elas os microRNAs batizados como miR-31, miR-34 e o let-7f, além do gene NEUROG2, que no estudo tiveram sua expressão alterada e explicam a presença de células aberrantes nessas displasias, em formato de “balão”. O achado pode começar a desvendar as causas das displasias corticais e contribuir para sua melhor classificação.

Essa célula em balão, observa ela, é in-diferenciada porque o seu crescimento foi interrompido na metade do processo, e o gene que deveria estar regulando a diferen-ciação não está se expressando bem e nem no tempo adequado.

“Acreditamos que, como o NEUROG2 está com os seus reguladores (os microR-NAs, principalmente o miR-31) alterados, ele também está desregulado, fazendo com que a célula embrionária não se diferencie apropriadamente em neurônio e leve à for-mação dessa célula em balão”, compartilha Íscia Cendes, orientadora da dissertação.

O estudo, que também teve coorientação dos biólogos da FCM Fábio Rossi Torres e Danyella Barbosa Dogini, avaliou essa mal-formação cerebral que é causa frequente de epilepsia e, na maior parte das vezes, tem o diagnóstico feito apenas na juventude.

O problema é que, apesar de fazerem uso de medicação, os pacientes não chegam a um controle efetivo da doença e, para a maior parte dos que têm epilepsia causa-da pela displasia cortical, a alternativa para diminuir as crises é a cirurgia para retirar a região que oculta a malformação.

Ocorre que nem com essa medida “ra-dical” é possível obter 100% de controle pelo fato de, às vezes, as malformações acontecerem em áreas cerebrais “eloquen-tes”. Nesse caso, não podem ser retiradas por completo, por exercerem uma função essencial e por serem muito extensas.

“O que pode ser retirado é o mínimo ne-cessário para o controle das crises, porque falamos de tecido cortical cerebral, um teci-do nobre que rege movimentos, sensações, fala, raciocínio e uma série de funções su-periores”, esclarece Íscia.

“O ideal seria tirar o máximo possível da área alterada, entretanto isso poderia afetar essas funções motoras ou sensitivas do indivíduo. Então o cirurgião vive o insa-no dilema do que pode ser retirado de uma lesão, que está levando à epilepsia, e o que ele gostaria de retirar para debelar o pro-blema”, menciona a médica.

CÉLULAS EM BALÃOSimoni investigou os mecanismos que

causavam essa lesão: o que estaria formando-a durante o desenvolvimento e o que houve de errado para que a tivesse desencadeado?

A mestranda inicialmente avaliou teci-dos de 35 pacientes atendidos no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp e, no decor-rer de suas análises, a casuística restringiu-se a 17 pacientes. É que foram selecionados apenas aqueles casos que tinham células em balão. Essas células, diante de um olhar mais apurado, põem em dúvida, principal-mente para quem avalia, se são células da glia (células de sustentação do sistema ner-voso central) ou neurônios (responsáveis pelo impulso nervoso).

Além disso, na displasia cortical ocorre uma deslaminação do córtex maduro – a

camada mais externa do cérebro – que nor-malmente é dividido em seis camadas. “Ele perde essas seis camadas e fica desorgani-zado. A diferença é evidente com o cérebro normal, que tem o tamanho certo e que emite dendritos e axônios, condutores de impulsos nervosos para as regiões corre-tas”, contextualiza Fábio.

Estando desorientados, esses neurônios aberrantes (gigantes) fazem conexões anor-mais com outros neurônios e, entremeados a esses, aparecem também as células que se assemelham a balões, típicas desse tipo de displasia.

Segundo Fábio Rossi, o diagnóstico é feito por meio de ressonância magnética, que in-dica se aquilo é displasia cortical, e pelo exa-me do tecido retirado após a cirurgia, que é avaliado pelo grupo da Anatomia Patológica, com vistas a confirmar o diagnóstico.

Para isso, Simoni contou com um ban-co de tecidos de pacientes que tinham sido operados. Na investigação desses pacientes foram realizados exames de neuroimagem, indicando os segmentos displásicos que de-veriam ser operados; além de eletroencefa-lograma, que mapeou a área epileptogênica.

A cirurgia é realizada somente após as tentativas de controlar as crises com drogas antiepiléticas. Então é escolhida a área epileptogênica para ser retirada du-rante a intervenção.

MECANISMOSÍscia informa que a sua orientanda esta-

va focada nos mecanismos que geravam a lesão e buscando pistas, nos tecidos avalia-dos, que levassem ao desenvolvimento da displasia nos pacientes com epilepsia.

A docente expõe que, quando se está interessado em desvendar mecanismo mo-lecular (os processos celulares e as molécu-las envolvidas), uma das primeiras investi-gações deve ser sobre o que está regulando a expressão de genes.

Na verdade, há uma série deles que são ativados e desligados para que o desenvol-vimento ocorra normalmente. Há pouco, foram decifrados os microRNAs, que tam-bém se encarregam de desligar os genes com a seguinte informação: “nesse mo-mento não precisamos mais de sua ação”.

É fundamental que essa mensagem ocorra ao longo do desenvolvimento, mas no momento exato, já que é de se esperar

que determinados genes funcionem numa determinada etapa para depois serem des-ligados quando não são mais necessários. “Logo, microRNA serve para isso: ‘desli-gar’ genes cuja função não é mais neces-sária. Se não funcionar bem, na hora certa, alterações patológicas no desenvolvimento podem ocorrer”, constata Íscia.

A hipótese do seu grupo era então de que a malformação era causada por uma falta de regulação de determinados genes no desen-volvimento. “Então olhamos como estariam os microRNAs no tecido da displasia que foi retirado na cirurgia”, descreve ela.

Notou-se que três microRNAs estavam desregulados, ou seja, não estavam expres-sos na quantidade adequado no tecido dis-plásico, comparativamente ao tecido normal. “Quando eles não estão na quantidade exata, acabam não desligando os genes no momen-to em que deveriam”, informa a geneticista.

Deste modo, os genes ligados (expres-sos) causam processos moleculares atípi-cos. A célula em balão, comenta ela, estava lá porque era uma célula indiferenciada que não cumpriu o seu caminho até o neurônio por falha no mecanismo de diferenciação.

O que se sabia sobre o assunto era mui-to limitado. Não se sabia nem se essa célu-la em balão era de origem neuronal ou da glia, dimensiona Íscia. Desta forma, expõe, o trabalho de Simoni trouxe várias contri-buições para o avanço do conhecimento científico. Um deles é que foi relevante para a compreensão do mecanismo de de-senvolvimento da displasia cortical, o que ajuda a entender também o crescimento normal do córtex cerebral.

O outro foi o fato de que os microRNAs identificados podem ajudar na classifica-ção das displasias corticais, isso porque existe uma classificação para afirmar com certeza se se trata de uma displasia 2A ou 2B. Isso depende de uma categorização histopatológica, feita mediante um estudo microscópico dos tecidos das células do-entes ou com lesões. Essa classificação é valiosa pois tem relação com o prognósti-co do paciente após a cirurgia.

É verdade que o paciente, quando sub-metido à cirurgia, tem chance de obter um melhor controle das crises ou não, depen-dendo do tipo de displasia. Só que encon-trar essas células às vezes é uma tarefa di-fícil. É preciso examinar diversos campos e nem sempre se chega a uma conclusão.

Utilizando esses microRNAs, foi possí-vel identificar uma “assinatura molecular” ou um biomarcador tecidual para a displa-sia do tipo 2B. O processo até aqui (fase 1) mostra que era preciso avaliar o tecido reti-

rado na cirurgia para falar: “esta é uma dis-plasia 2B porque eu examinei o material”. O próximo passo, que segue com o doutorado de Simoni, tem como objetivo verificar se a assinatura de microRNAs no tecido também aparece no plasma dos pacientes.

“O que fizemos foi identificar uma as-sinatura molecular da displasia no tecido. Agora, se isso poderá ser usado como mar-cador no plasma do paciente antes dele ser submetido à cirurgia, isso não sabemos ainda. Essa será a nossa expectativa na fase 2”, antecipa a orientadora.

Primeiro a bióloga identificou microRNAs que estavam diferencialmente expressos no tecido e relacionados com o processo mole-cular que leva à displasia. Agora, a questão é: “será que poderemos detectar essa mesma assinatura de microRNAs de uma maneira não invasiva, que não precise do tecido e sim somente de uma a amostra de sangue do pa-ciente antes de partir para a cirurgia?”

Se realmente funcionar, realça a orien-tadora do estudo, a classificação será feita sem a necessidade de ter o tecido em mãos, estabelecendo o prognóstico que dirá se o paciente vai responder bem a cirurgia.

O trabalho de Simoni, na linha de inves-tigação das bases moleculares das epilep-sias, não seria possível sem a colaboração de uma equipe multidisciplinar e do cen-tro de cirurgia de epilepsia na Unicamp, no qual os pacientes são operados, acoplado a um grupo que faz pesquisa básica.

Tiveram participação no trabalho pro-fissionais dos Departamentos de Anatomia Patológica, Neurologia e Genética Médica da FCM. Contribuíram para o trabalho os neuropatologistas Fábio Rogério e Lucia-no de Souza Queiroz; os neurocirurgiões Hélder Tedeschi e Evandro de Oliveira; os neurologistas Ana Carolina Coan, Clarissa Yasuda, Fernando Cendes, e o biólogo Ro-drigo Secolin. “Precisamos de muita gente até que o material chegue ao laboratório para assim aplicarmos as técnicas de biolo-gia molecular”, salienta Íscia.

Em pé, da esq. para a dir., Danyella Barbosa Dogini, Íscia Cendes, Fábio Rossi Torres e, sentada, Simoni Helena Avansini, autora da tese: malformação é causa frequente de epilepsia

Foto: Antoninho Perri

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acadêmica

Vida

do Portalda Unicamp

Teses da semana

Painel da semana

Teses da semana

Livro da semana

Destaques

Vida

Painel da semana

Livroda semana

DESTAQUESdo Portal da UnicampDESTAQUES

Campinas, 17 a 31 de dezembro de 2012

45 anos do CCUEC - O Centro de Compu-tação (CCUEC) realiza, dia 17 de dezembro, às 14h30, uma cerimônia para comemorar os seus 45 anos de existência. Ela acontece no auditório da unidade. O CCUEC iniciou as suas atividades em 10 de novembro de 1967, com o nome de Centro de Processamento de Dados. Nessa época fi cava instalado no prédio onde hoje funciona o Colégio Técnico da Unicamp (Cotuca). Ligado à Faculdade de Engenharia da Unicamp, ainda não existia como unidade, contava apenas com um computador IBM 1130 e atendia basicamente às atividades de ensino, no que se refere ao processamento de trabalhos dos alunos. Em 1969 passou também a servir à administração, processando a folha de pagamento dos funcionários. Em 15 de abril de 1969, com a publicação da portaria GR 31/69, o Centro de Pro-cessamento de Dados da Unicamp foi promovido a Centro de Computação, que em 1971 tornou-se um órgão subordinado ao Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da Computação (Imecc). Nesse período já estava instalado no campus da Universidade e o seu diretor era o professor Odelar Leite Linhares. Em 1973 o Centro de Computação passou a ser subordinado diretamente à Reitoria, ficando assim até 1998, quando ocorreu a sua vinculação à Pró-Reitoria de Desenvolvimento Universitário (PRDU), permanecendo assim até os dias atuais. Na década de 70, quando o Centro de Computação ganhou a sua autonomia, o seu diretor era o professor Nelson Castro Machado, que fi cou no cargo até 1987.

Harvard abre inscrições para curso de pesquisa clínica a alunos da Unicamp - Já estão abertas as inscrições o Primary Principles of Clinical Research (PPCR) de 2013, transmitido pela Harvard

University para alunos da Unicamp. As inscrições se encerram em 30 de dezembro. Anualmente, são oferecidas 30 vagas. O custo, ainda com valor promocional para a Unicamp, é de USD$ 2.825,00, por cartão internacional. O custo inclui o curso mais o software STATA, de estatística. Neste valor não estão incluídos possíveis gastos relacionados com o workshop de 2013, que é opcional. O curso terá início em fevereiro de 2013 e término previsto para o final de outubro do mesmo ano. As aulas obrigatórias são transmitidas por videoconferência as quintas-feiras, das 17 às 20 horas, na Sala da Congregação da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, com alterações pequenas nos horários de verão do Brasil e EUA. A presença do aluno é certificada diretamente por Harvard. Há temas semanais que são colocados em discussão, o que exige, em média, de quatro a seis horas se-manais de estudo. As propostas de inscrições, bem como eventuais dúvidas, devem ser direcionadas ao e-mail [email protected] com breve currículo de no máximo duas páginas. Após este encami-nhamento inicial e a confi rmação local de vaga, os procedimentos de inscrição formal e pagamento do curso são realizados diretamente no site www.clinicalresearchlearning.org.

Teses da semana

Alimentos - “Catalogação das espécies poten-cialmente toxigênicas de aspergillus: ocorrência, taxonomia polifásica, distribuição e preservação” (mestrado). Candidata: Aline de Souza Lopes. Orientador: professor José Luiz Pereira. Dia 17 de dezembro, às 9h30, no auditório do Departamento de Ciência de Alimentos da FEA. Artes - “Mobilidade e cultura participativa: transformações da ação social contemporânea” (doutorado). Candidata: Maíra Valencise Gregolin. Orientador: professor Hermes Renato Hildebrand. Dia 17 de dezembro, às 15 horas, no IA. Computação - “Programação por restrições aplicada a problemas de rearranjo de Genomas” (mestrado). Candidato: Victor de Abreu Iizuka. Orientador: professor Zanoni Dias. Dia 19 de dezembro, às 15 horas, no auditório IC 2.“Uma ferramenta de auditoria para algoritmos de re-arranjo de genomas” (mestrado). Candidato: Gustavo Rodrigues Galvão. Orientador: professor Zanoni Dias. Dia 20 de dezembro, às 9 horas, no auditório IC 2. Economia - “Processo sóciotécnico MACBETH de apoio multicritério à decisão e a organização de comunidades tradicionais: o caso da Comunidade do Marujá no Vale do Ribeira - SP” (mestrado). Candida-to: Lucas Ferreira Lima. Orientador: professor Ademar Ribeiro Romeiro. Dia 17 de dezembro, às 14h30, na sala 23 do Pavilhão da Pós-graduação do IE.Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “O pro-cesso de ordenação do território de Jaguariúna [SP] a partir de conformação do espaço produtivo nas bacias dos rios Jaguari e Camanducaia” (mestrado).

Candidato: Roberto José D’Alessandro. Orientador: professor André Munhoz de Argollo Ferrão. Dia 17 de dezembro, às 9 horas, na sala CA-22 da FEC.“O desenho e o reconhecimento do objeto histórico: os princípios metodológicos do projeto de restauro arquitetônico” (mestrado). Candidato: Pedro Murilo Gonçalves de Freitas. Orientadora: professora Regi-na Andrade Tirello. Dia 17 de dezembro, às 15 horas, na sala CA 22 do prédio de sala de aulas da FEC.“Logística e transportes na digital supply chain: estudo de caso único sobre a rede de oferta e demanda de música digital” (doutorado). Candidato: Raul Arellano Caldeira Franco. Orientador: professor Orlando Fontes Lima Júnior. Dia 18 de dezembro, às 9h30, na sala de defesa de teses da CPG/FEC.Engenharia Elétrica e de Computação - “Avaliação da infl ência da barragem de Barra Bonita na morfo-dinâmica do rio Tietê e seus impactos à navegação” (mestrado). Candidata: Maria Clara Albuquerque Moreira. Orientador: professor Tiago Zenker Gireli. Dia 19 de dezembro, às 8h30, na sala CA 22 do prédio de sala de aulas da FEC.“Desenvolvimento de fotômetros thz para observa-ção de explosões solares” (mestrado). Candidato: Luís Olavo de Toledo Fernandes. Orientador: profes-sor Jacobus Willibrordus Swart. Dia 21 de dezembro, às 10 horas, na CPG/FEEC. Engenharia Mecânica - “Construção de um turbidímetro de baixo custo para controle de quali-dade de efl uentes industriais”(mestrado). Candidato: Gabriel Soares Martins. Orientador: professor Luiz Otávio Saraiva Ferreira. Dia 19 de dezembro, às 16 horas, no auditório KD. Engenharia Química - “Bioconversão de car-bono em fotobiorreatores” (doutorado). Candidata: Mônica Regina Piovani. Orientadora: professora Telma Teixeira Franco. Dia 18 de dezembro, às 9 horas, na sala de defesa de teses da FEQ. Física - “Supercondutividade em semimetais e isolantes topológicos” (doutorado). Candidato: Luís Augusto Gomes Báring. Orientador: professor Iakov Veniaminovitch Kopelevitch. Dia 18 de dezembro, às 14 horas, na sala de seminários do Departamento de Física Aplicada do IFGW. Geociências - “Reativação da rede de drenagem e processos erosivos na Bacia do Santos Anastácio - SP” (doutorado). Candidato: Cristiano Capellani Qua-resma. Orientador: professor Archimedes Perez Filho. Dia 17 de dezembro, às 14 horas, no auditório do IG.“Modelagem estocástica para estimativa de custos em mineração de ferro” (mestrado). Candidato: Wesley Silva Xavier. Orientador: professor Armando Zaupa Remacre. Dia 18 de dezembro, às 9 horas, na sala A do DGRN/IG.“Regulação e autorregulação bancária em matéria socioambiental e sua aplicação em investimentos na atividade minerária” (doutorado). Candidata: Liege Karina Souza Lazanha. Orientador: professor Hildebrando Herrmann. Dia 18 de dezembro, às 14 horas, na sala A do DGRN/IG.

Linguagem - “História, memória e violência em Nocturno de Chile, Estrella Distante e Amuleto de Roberto Bolaño” (mestrado). Candidata: Carmen Cecilia Rodriguez Almonacid. Orientador: professor Francisco Foot Hardman. Dia 18 de dezembro, às 10 horas, na sala de defesa de teses do IEL.“O fl uxo e a cesura: um ensaio sobre linguagem, poesia e psicanálise” (doutorado). Candidato: Paulo Sergio de Souza Júnior. Orientadora: professora Cláudia Thereza Guimarães de Lemos. Dia 20 de dezembro, às 9 horas, na sala dos colegiados doIEL. Matemática, Estatística e Computação Cien-tífi ca - “Análises matemáticas de dois modelos de interação fl uido-estrutura utilizando as equações Alpha-navier-stokes e Campo de fases” (doutorado). Candidata: Ariane Piovezan Entringer. Orientador: professor Jose Luiz Boldrini. Dia 18 de dezembro, às 13h30, na sala 253 do Imecc.“Limitantes para empacotamentos de esferas em variedades flag” (doutorado). Candidato: João Paulo Bressan. Orientadora: professora Sueli Irene Rodrigues Costa. Dia 20 de dezembro, às 10 horas, na sala 253 do Imecc. Medicina - “Qualidade de vida relacionada à saúde dos idosos sem sintomas depressivos do estudo SABE” (doutorado). Candidata: Keila Cris-tianne Trindade da Cruz. Orientadora: professora Maria José D’Elboux. Dia 17 de dezembro, às 13 horas, no anfi teatro da FCM.“Saúde, capacidade funcional, envolvimento social e satisfação em idosos da comunidade: Estudo Fibra Unicamp” (mestrado). Candidata: Juliana Martins Pinto. Orientadora: professora Anita Liberalesso Neri. Dia 17 de dezembro, às 9 horas, na Sala Verde da CPG/FCM.“Desempenho cognitivo, capacidade funcional e sintomas depressivos em idosos atendidos no Ambulatório de Geriatria do Hospital de Clínicas da Unicamp” (mestrado). Candidata: : Ana Flávia Marostegan de Paula. Orientadora: professora Maria Elena Guariento. Dia 18 de dezembro, às 9 horas, no anfi teatro da CPG/FCM.“Técnicas de otimização de cotos em amputações transtibiais. Proposta de um novo retalho osteope-riosteal para pinte óssea” (doutorado). Candidato: Maurício Leal Dias Mongon. Orientador: professor Bruno Livani. Dia 19 de dezembro, às 9 horas, na sala amarela da Pós-graduação da FCM. Química - “Petroleômica: caracterização de petróleos nacionais por espectrometria de massa de altíssima resolução: o que os compostos áci-dos podem relevar sobre o petróleo” (doutorado). Candidata: Rosana Cardoso Lopes Pereira. Orien-tador: professor Marcos Nogueira Eberlin. Dia 18 de dezembro, às 9 horas, no miniauditório do IQ.“Química das recompensas fl orais de krameriaceae e malpighaceae do cerrado” (doutorado). Candidato: Muhammad Abdul Haleem. Orientadora: professora Anita Jocelyne Marsaioli. Dia 19 de dezembro, às 9 horas, no miniauditório do IQ.

Aplicativo permite acessoa serviços essenciais

O Centro de Computação (CCUEC) da Unicamp desenvolveu um aplicativo para dispositivos móveis como celulares, smartphones e tablets destinado a fornecer informações de serviços essenciais da Uni-camp. Com o Unicamp Serviços, os usu-ários poderão consultar o cardápio do dia dos restaurantes universitários e o saldo do cartão de identidade do aluno; os horá-rios e trajetos do circular interno; e o aces-so ao Portal Unicamp e ao site do Centro de Computação. O download gratuito está disponível no endereço no site do CCUEC.

O objetivo é facilitar o dia a dia da co-munidade universitária, informou o ana-lista de sistemas do CCUEC, Edmilson Bellini Chiavegatto. Ele é um dos respon-sáveis pelo projeto. “A ideia foi desenvol-ver um aplicativo gratuito, fácil de usar e seguro. O aplicativo torna o acesso aos serviços da Unicamp muito mais rápido. Ao invés de o usuário ter que ir buscar as informações num determinado website, o aplicativo já permite isso diretamente. O usuário encontra todos os serviços in-tegrados”, explica Edmilson Chiavegat-to, que atua como diretor de Sistemas de Apoio à Comunidade.

O aplicativo foi desenvolvido para a pla-taforma Android, sistema operacional ba-seado no software livre Linux. O Android é mantido pela empresa Google. Edimilson Chiavegatto argumenta que a opção pela plataforma levou em conta a sua populari-dade; o fato de o Android ser um sistema livre e de poder ser instalado em diversos aparelhos, desde os mais simples ao mais sofisticados. O diretor do CCUEC adian-

tou que, no futuro, o aplicativo deverá es-tar disponível também na plataforma iOS, sistema operacional da Apple, fabricante, entre outros, do Iphone e Ipad.

A ideia para o desenvolvimento do sis-tema surgiu a partir de demanda identi-ficada no Planejamento Estratégico (Pla-nes) do CCUEC. O analista de sistema Thiago Watanabe Takoa foi o desenvolve-dor do aplicativo.

NOVOS SERVIÇOSOutros novos serviços devem ser

agregados a futuras versões do aplicati-vo. Edmilson Chiavegatto citou alguns exemplos, como acesso ao Sistema de Bi-bliotecas da Unicamp (SBU); a consulta ao saldo do vale alimentação dos funcio-nários; o acesso ao sistema de vida fun-cional e às informações de vida acadêmica dos alunos; entre outros.

TENDÊNCIAPara Fernando Moreno Mendonça, di-

retor da Divisão de Sistemas Acadêmicos do CCUEC, o desenvolvimento de aplica-tivos para facilitar o dia a dia da popula-ção é uma “tendência forte”. “Hoje, esta questão de ter a informação ‘na palma da mão’ está muito forte. Acreditamos que este aplicativo facilite bastante a vida da comunidade universitária. Outro ponto importante é que este sistema vem na perspectiva de inclusão digital. Atualmen-te, com um dispositivo móvel e os servi-ços associados a ele consegue-se oferecer muitos serviços a uma grande parcela da população”, afirmou. (Silvio Anunciação)

O amor da línguaAutor: Jean-Claude MilnerTradução e notas: Paulo Sérgio de Souza Jr.Ficha técnica: 1ª edição, 2012; 128 páginas; Formato: 14 x 21 cm; peso: 0,16 kgISBN: 978-85-268-0980-2Área de interesse: Linguística, Psica-nálisePreço: R$ 36,00Sinopse: O amor da língua, do consagrado linguista francês Jean-Claude Milner, apre-senta os efeitos de sua incursão no meio psicanalítico francês, especialmente do contato que manteve com Jacques Lacan. A originalidade de sua abordagem aos es-tudos da linguagem apresentada neste livro consiste na excelente leitura que realiza dos fundamentos da linguística (consubstanciada nas teorias de Saussure e Chomsky) a partir da consideração da hipótese do inconscien-te. Revisita os princípios e pressupostos do estudo científi co da linguagem e esclarece os lugares de exclusão necessários para a construção de seu objeto. Além disso, escla-rece distinções relevantes no que concerne aos conceitos de língua, linguagem e fala a partir da inclusão do termo exorbitante forjado por Lacan para referir-se à articula-ção precisa entre a dimensão da língua e o desejo inconsciente, qual seja: lalangue.Autor: Linguista, fi lósofo e ensaísta, Jean-Claude Milner foi aluno da Escola Normal Superior, professor de linguística na Uni-versidade Paris VII (Diderot), membro da antiga Escola Freudiana de Paris e diretor do Colégio Internacional de Filosofi a (1998-2001). Entre outros trabalhos, é autor dos livros A obra clara (Jorge Zahar, 1996) e Os nomes indistintos (Companhia de Freud, 2006). Atualmente suas obras versam sobre questões ideológicas, abordando temas como política, antissemitismo e cultura europeia.

Thiago Watanabe Takoa, desenvolvedor do aplicativo: demanda

O analista de sistemas Edmilson Bellini Chiavegatto: fácil de usar Fernando Moreno Mendonça, diretor do CCUEC: “tendência forte”

Fotos: Antonio Scarpinetti

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11Campinas, 17 a 31 de dezembro de 2012

PublicaçãoDissertação: “Logística e agronegó-cio globalizado no Estado do Tocan-tins: um estudo sobre a expansão das fronteiras agrícolas modernas no território brasileiro”Autor: Alexandre Caselli FornaroOrientador: Ricardo Abid Castillo Unidade: Instituto de Geociências (IG)

Os prós e os contras de uma fronteira agrícola emergente

Dissertação de mestrado detalha mudanças ocorridas no Estado do Tocantins

Ferrovia no município de Guaraí: Norte-Sul atravessa todo o Tocantins e é importante canal de escoamento da produção agrícola

Plantação de soja: estudo aborda o surgimento das chamadas cidades do agronegócio no Estado

O geógrafo Alexandre Caselli Fornaro, autor da dissertação: quatro frentes de pesquisa

CARMO GALLO [email protected]

expansão do agronegócio em dire-ção ao Centro-Oeste e Norte do Brasil passou a ter maior expres-são já a partir das décadas de 70 e 80, impulsionada por políticas

públicas voltadas à ocupação de terras e ao desenvolvimento regional. Chegava ao Cerra-do o cultivo de grãos impulsionado por con-dições topográficas e climáticas adequadas e extensas áreas disponíveis à exploração que tornaram esse bioma em palco de transforma-ções decorrentes da introdução da agricultura moderna científica e globalizada. No Estado do Tocantins, o Cerrado ocupa a maior parte do território, abarcando uma área de frontei-ras agrícolas ainda em expansão.

Considerado um novo eldorado para o agronegócio, vislumbram-se no Estado no-vas oportunidades ao cultivo de commodities agrícolas por sua localização estratégica, que favorece a competitividade nas exportações. Some-se a isso a disponibilidade de terras a baixo custo, se comparados com outras regi-ões, a disponibilidade de um grande poten-cial energético e hídrico e o estabelecimento de estruturas técnicas recentemente insta-ladas e necessárias ao desenvolvimento dos sistemas agrícolas modernos que atendam às demandas dos agronegócios.

Emancipado do Estado de Goiás através da Assembleia Constituinte de 1988, Tocan-tins passou a partir daí por grandes transfor-mações e pode ser incluído hoje, depois de pouco mais de 20 anos, entre as mais recen-tes áreas de expansão de fronteiras agrícolas do território nacional.

É o que mostra a dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Geociências da Unicamp pelo geógrafo Alexandre Caselli For-naro, em estudo orientado pelo professor Ri-cardo Castillo. Constituiu objetivo do trabalho analisar como a criação do Estado do Tocantins estabeleceu uma nova solidariedade institucio-nal que facilita a expansão do agronegócio em seu território, evidenciada pela formação de novas regiões agrícolas competitivas – aquelas que atendem aos parâmetros de produção da agricultura moderna e globalizada - em que a logística passa a ser fundamental. A partir des-sa perspectiva, a pesquisa procura identificar fatores históricos, políticas públicas federais e estaduais que, a partir de leis, planos e progra-mas, caracterizam um planejamento estratégi-co de desenvolvimento.

Para o estudo da organização, uso e re-gulação do território do Tocantins, o autor analisa as principais infraestruturas de trans-porte, caso da Ferrovia Norte-Sul, a atuação

das grandes empresas do agronegócio e suas implicações sobre a agricultura familiar, a formação das regiões competitivas, sobretu-do as que envolvem a soja e a cana-de-açúcar.

Alexandre resume seus objetivos dizen-do que “nos propomos estudar a expansão da fronteira agrícola moderna no estado do Tocantins analisando as culturas da soja e da cana-de-açúcar, seus complexos agroin-dustriais e a logística envolvida, destacando o papel regulador do governo federal, mas principalmente o exercido pelo governo do Tocantins, que manifesta uma nova solida-riedade institucional, possibilidade concreti-zada a partir da criação do Estado”.

QUATRO PARTESO autor dividiu sua abordagem em quatro

partes. Na primeira, apresenta aspectos geo-políticos e geoeconômicos do Tocantins com ênfase na emancipação de Goiás a partir de 1989. Em razão da importância para a expan-são do agronegócio, compara a estrutura fun-diária do Estado com a nacional. Apresenta um panorama geral da pecuária extensiva que continua como uma das principais ativi-dades econômicas do Estado.

Como o agronegócio constitui o tema central da pesquisa, ele comenta as princi-pais atividades agrícolas do Tocantins, casos da soja, cana-de-açúcar, arroz, milho, sorgo, mandioca, feijão, algodão, melancia, abaca-xi. Termina esta parte com a discussão dos espaços agrícolas com áreas urbanas, as cha-madas cidades do agronegócio, ligadas à pro-dução moderna no campo.

Na segunda parte, são relacionados e anali-sados os planos federais sobre uso e organiza-ção do território e as políticas públicas estadu-ais voltadas para o agronegócio que revelam a “solidariedade institucional”. Destaca o Pro-grama de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer), cuja terceira fase foi implantada no município de Pedro Afonso, com o objetivo de expandir a produção e oferta de alimentos para o mer-cado externo, no caso a soja.

Devido à importância da logística para a expansão do agronegócio, a terceira parte destaca os sistemas de movimentos existen-tes no Tocantins, particularmente a Ferrovia Norte-Sul que atravessa o Estado em toda a sua extensão e que constitui um sistema de transporte de commodities agrícolas de grande capacidade de carga e volume.

No caso das rodovias, destaca em especial o eixo da BR-153, que atravessa o Estado de norte a sul e constitui um importante sistema de circulação que se conecta com muitas ro-dovias que servem o território tocantinense.

Por fim, na quarta parte, o autor discute a expansão das fronteiras agrícolas modernas e a formação das regiões competitivas no Tocan-tins. Coloca a questão do preço da terra em relação à expansão do agronegócio, do arren-damento das terras, conjuga sistemas de mo-vimento com logística e seu papel na competi-tividade territorial, apresentada como um dos fatores que pode alavancar o Tocantins como fronteira agrícola moderna no Brasil.

Aborda na sequência as ações das grandes empresas do agronegócio e suas implicações para a agricultura familiar.

CONCLUSÕESAnalisando os dados colhidos nas pes-

quisas de campo, Alexandre conclui que o Tocantins reúne as condições básicas ne-cessárias à expansão dos circuitos espaciais produtivos da soja e da cana-de-açúcar para consolidação do agronegócio globalizado nas próximas décadas.

Ele considera que a constituição político-administrativa do Estado, em 1988, constitui marco de uma nova escala de solidariedade institucional que orienta de forma peculiar a organização e o uso do território. Lembra que a formação do Estado do Tocantins está vincu-lada a interesses de grupos políticos e econô-micos locais que contribuíram para sustentar o ideal de desenvolvimento econômico com base na expansão do agronegócio.

Constata que a questão fundiária é a mes-ma que caracteriza todo o território nacional, embora em dimensões menores. Observa que a expansão das atividades agrícolas em rela-ção à pecuária não necessariamente muda essa situação, mesmo porque os sistemas de produção agrícola atuais requerem elevados montantes de capital e níveis sofisticados de organização técnica e administrativa, além de envolver produção em escala, o que induz à permanência de grandes propriedades.

As fronteiras agrícolas atuais respondem a demandas internas e principalmente exter-nas por commodities, passando a representar interesses do capital, das grandes corpora-ções do agronegócio nacional e internacional, do que resultam comandos extra-locais no domínio dos centros produtivos. Daí emerge o valor das fronteiras agrícolas como elemen-to para o planejamento e para a elaboração de um projeto nacional.

Para o capital, a fronteira agrícola é um es-paço onde é possível implantar rapidamente novas estruturas a serviço de mercados inter-nacionais e em benefício, ainda que não ex-clusivo, das empresas que dominam as diver-sas etapas dos circuitos espaciais produtivos.

No Tocantins, observa o autor, já existem áreas em que o capital se reproduz rapida-mente, casos de Pedro Afonso e Porto Na-cional, onde podem surgir regiões competi-tivas agrícolas, a exemplo do que já ocorre em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goi-

ás, oeste da Bahia, sul do Maranhão e do Piauí, que fazem parte do que o geógrafo brasileiro Milton Santos chamou de Brasil agrícola com áreas urbanas funcionais ao agronegócio globalizado.

Decorrem daí fortes implicações nas re-lações sociais no campo que se moderniza, pouco a pouco e às vezes abruptamente. Os pequenos e médios produtores, menos ca-pitalizados, possuem chances menores de sobrevivência diante dos novos sistemas téc-nicos e encontram dificuldades em acompa-nhar um novo tempo que se implanta.

No estado do Tocantins, a instalação de grandes empresas do agronegócio pode ser um indicativo para o aumento da produção agrícola nos próximos anos. Além delas, países grandes importadores de commodi-ties agrícolas, como China e Japão, enviam representantes para negociar com as admi-nistrações públicas estaduais e municipais a possibilidade de investimentos na produção agrícola destinada a atender seus mercados, a exemplo do Prodecer, implantado na década de 90, que impulsionou a produção de soja no município de Pedro Afonso.

A gama de oportunidades desse processo de expansão se adensa com a implantação da Ferrovia Norte-Sul, que atravessa o Estado em toda a sua extensão, e de terminais entrando em operação. Ela constitui um elemento lo-gístico que torna o território competitivo ao possibilitar que as produções das regiões que abrange circulem com maior velocidade e efi-ciência a custos menores. Contribuem ainda para isso os investimentos em novos termi-nais de armazenagem e distribuição, inclusive nas rodovias de acesso à ferrovia.

Juntem-se a esses elementos o clima, a to-pografia plana e a localização estratégica que permite o escoamento da produção pelo por-to de Itaqui, no Maranhão, mais próximo dos mercados dos EUA, da Europa e até da Ásia através do canal do Panamá, em comparação aos portos das regiões Sul e Sudeste do país.

Alexandre conclui: “São todos esses as-pectos que possibilitam a formação e a con-solidação das regiões competitivas agrícolas, assim consideradas partes do território que atendem a parâmetros de produção da agri-cultura moderna e globalizada e que corres-pondem a áreas de expansão das fronteiras agrícolas modernas. Nas regiões dos municí-pios de Campos Lindos, Pedro Afonso, Porto Nacional e Gurupi, a inserção do agronegócio vem promovendo a especialização produtiva e a competitividade regional”.

Fotos: Divulgação/Antoninho Perri

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Muito além da ilustração

Fotos: Divulgação

Jornal da Unicamp – O senhor poderia conceituar a an-tropologia visual?

Etienne Samain – Antropologia é uma etiqueta. Falar de antropologia visual é uma redundância. Em função do nosso contexto, o visual se tornou muito mais presente e fundamental na definição das sociedades e culturas. Como antropólogo, eu posso afirmar que os antropólogos continu-am endeusando a escrita, como se ela fosse o único suporte. Respeito muito essa posição, mas diria que, ao lado da es-crita, existem outros modos de comunicação humana que representam maneiras diferenciadas de se pensar o mun-do; modos e maneiras distintas de organizar a sociedade. Podemos, através de um leque de imagens oferecido pelas sociedades atuais, pensar essas sociedades e as culturas que elaboramos. O drama dos antropólogos é acreditar que só há a afirmação do homem e do mundo com a palavra escri-ta. Isso é bom para situar se vamos fazer uma antropologia visual. Se quisermos nos aproximar do ser humano, hoje, temos que tomá-lo na sua realidade. E o homem cada vez mais é saturado por imagens. Através delas damos sentido à existência. A antropologia visual é uma etiqueta, algo ne-cessário na sociedade em que vivemos.

JU – Essa antropologia visual está intimamente liga-da à arte?

Etienne Samain – A sociedade se expõe de uma manei-ra generalizada, através de visualidades diversas. Não va-mos limitar as imagens somente àquelas que vivenciamos. Como antropólogo, quero tomar as imagens no sentido mais amplo da palavra. Assim, pode ser fotografia, pintura, escultura, vídeo etc. Quero ver as imagens na sua globalida-de, sabendo que são singulares, mas que também estão in-ter-relacionadas. As imagens, para mim, são cada vez mais referentes à arte. A arte é um fundamento da antropologia. Temos que dar mais relevo às artes. As imagens não são apenas ilustrações e documentos do mundo. São questio-namentos do mundo e da história. As artes, portanto, são o coração da antropologia.

JU – Como surgiu a ideia do livro?Etienne Samain – Não sei como o livro veio a mim.

Sim, foi ele quem veio a mim e não o contrário. E veio em função de questionamentos ao longo dos anos. Teve como razão a questão fundamental da comunicação humana. Nós somos com um grande tear com milhares de fios. Somos feitos de sons, imagens, escritas etc. Então, respeitando as singularidades e complementariedades entre esses supor-tes da comunicação, achei que valia a pena refletir um pou-co mais sobre a questão das imagens no tempo da nossa história. O livro também é resultado das inquietações de um antropólogo, que entende que as imagens não podem ser usadas abertas, desdobradas para pensar o mundo. A obra também traz as reflexões alimentadas por dois grandes

pensadores, Gregory Bateson [1904-1980] e Aby Warburg [1866-1929], o primeiro um antropólogo inglês e o segun-do um destacado historiador da arte alemão. Bateson foi o fundador da nova comunicação e Warburg é considerado o pai da iconologia moderna. O encontro desses dois perso-nagens foi importante para que eu ousasse trabalhar com este tema.

JU – Como o livro foi organizado? Ele conta com a co-laboração e diversos autores, não?

Etienne Samain – São dez autores, brasileiros e estran-geiros, todos com destacados trabalhos relacionados de al-guma forma ao tema central do livro. O livro foi dividido em três partes. A primeira faz uma abordagem mais epis-temológica. Traz a proposta de entender as imagens de ou-tra maneira, de pensá-la na sua essência. De considerá-la em termos fenomenológicos. A imagem não é um ato ou um fato. Ela é uma questão, um problema. Estou falando, obviamente, de boas imagens. Uma boa imagem carrega toda uma memória ancestral, mas que também é portadora de uma promessa, de um desejo. Uma verdadeira imagem questiona o nosso mundo. Não é apenas uma ilustração. O livro solicita que o leitor olhe o mundo das imagens artísti-cas em particular, mas não apenas elas, como um território de questionamento de nossos destinos e nossas culturas. Esse novo olhar não despreza, porém, outras formas de contemplar as imagens. Diria que a imagem é tanto um fe-nômeno, uma aparição, como ela é uma memória. No ato de fotografar já criamos uma memória. Antes do click, toda imagem leva consigo uma memória ancestral e carrega um desejo de um mundo que poderia ser repensado. As outras duas partes do livro são tentativas de ordem poética de se aproximar da imagem concreta, para ver como ela pode nos conduzir a pensar o nosso mundo.

JU – Para os leigos, é simples aceitar que as imagens nos fazem pensar. Entretanto, não parece tão trivial acolher a ideia de que as imagens pensam, como afirma o título do livro. Afinal, como as imagens pensam?

Etienne Samain – De fato, não é tão simples entender que as imagens são portadoras e veiculam pensamento. As imagens, sem nós, humanos, são capazes de pensar. Ima-gine a seguinte situação. Ao colocarmos diversas imagens juntas, elas passam a ter uma convivência entre elas. Elas dialogam em função das formas, das cores etc. Às vezes, um conjunto de imagens pode sugerir uma aparente de-sordem. Entretanto, quando olhamos mais atentamente, elas compõem uma mensagem profunda, diferente da-quela oferecida quando olhadas separadamente. Então, a pergunta “o que pensam as imagens” não é uma boa questão. A questão principal é “como elas pensam”.

JU – As imagens presentes no livro estimulam o leitor a fazer esse exercício?

Etienne Samain – As imagens do livro são tenta-tivas de aproximação do assunto. Tentam dizer como as imagens nos fazem pensar e como pensam entre elas. A imagem da capa, que mostra um tipo de bor-boleta conhecida como corujão, é um bom exemplo. Vista com asas abertas, não há dúvida de que se trata de uma borboleta. Com asas fechadas, entre-tanto, ela se parece com uma cobra. É um recurso de camuflagem, para se proteger de predadores. Essa imagem é uma metáfora. As borboletas pas-sam, são diversas, são leves, são transitórias. São voláteis, não são “sérias”. As imagens também são vistas assim pelas pessoas. Cada um que olha tem uma visão da imagem. Tudo isso faz com que imagem ainda não seja tomada muito a sério. Nesse sentido, a imagem da capa do livro é inquietante e instigante.

Mais do que ilustrações e documentos, as imagens constituem questionamentos do mundo e da história. A afirmação é do professor do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, Etienne Samain, organizador do livro Como pensam as imagens, recém-lançado pela Editora da Unicamp. A obra, que conta com a colaboração de dez autores - brasileiros e estrangeiros -, estimula a reflexão sobre a

importância das imagens no mundo atual, mundo no qual a escrita continua merecendo maior relevo como suporte da comunicação humana. “O livro solicita que o leitor olhe o mundo das imagens artísticas em particular, mas não apenas elas, como um território

de questionamento de nossos destinos e nossas culturas. Esse novo olhar não despreza, porém, outras formas de contemplar as imagens”, afirma o docente. Na entrevista que segue, Etienne Samain fala sobre a obra, de como foi concebida e manifesta

o desejo de que ela não circule apenas no meio acadêmico. “Espero que este livro não seja o meu, mas sim o nosso livro”.

MANUEL ALVES [email protected]

JU – O senhor disse que a imagem ainda não tem o mesmo relevo da escrita. Todavia, há um adágio popular que diz que uma imagem vale mais do que mil palavras. Como explica essa aparente contradição?

Etienne Samain – As pessoas reconhecem que a ima-gem é importante e que ela é reveladora. Ao mesmo, a imagem é capaz de esconder o que pensa. Tem discursos múltiplos em torno dela. O adágio é importante para a re-levância da imagem. De um lado, a imagem é muito verbor-rágica, fala demais, confunde. Por outro, é muda, esconde. No mundo de hoje há uma saturação de imagens. Estamos afogados por elas. Entretanto, muitas imagens são medío-cres. Com isso, somos privados de outras imagens. Temos que saber escolher ou criar imagens capazes de expressar o ser humano, os seus destinos de maneira concreta. Não se trata de gerar um objeto simpático. Trata-se de uma ima-gem com peso de provocação, de tomada de posição.

JU – Atualmente, gerar e manipular imagens são pro-cedimentos corriqueiros, graças às tecnologias como os te-lefones celulares e os programas de computador. Como o senhor vê o emprego desses recursos?

Etienne Samain – Há um aspecto potencialmente posi-tivo, pois temos suportes cada vez melhores para produzir imagens. Entretanto, tudo depende do valor de uso dessas potencialidades. As máquinas nos proporcionam vanta-gens, mas precisamos ver o que vamos retirar delas. Quan-do eu falo de “uso”, estou me referindo à reflexão sobre o mundo. Atualmente, há uma enorme banalização das ima-gens e, o mais grave, uma ocultação de coisas, pois as ima-gens também abafam. No começo da fotografia, dizia-se que ela era reveladora de toda verdade. Agora, diz-se que ela sabe mentir. A imagem sempre foi manipulada. Não existe registro puro. Assim, a imagem pode ser desvirtua-da através da manipulação. Por outro lado, a manipulação também pode evocar algo interessante, trazer informações complementares.

JU – O livro é voltado apenas aos estudiosos do tema?Etienne Samain – O livro certamente não é para ser

livro no avião. Ele é exigente. Mas, espero que ele não fique limitado ao mundo acadêmico. A obra levanta questões do dia a dia, mas requer que o leitor faça certo esforço para compreendê-la. Entretanto, não é um livro hermético. Es-pero que este livro não seja o meu, mas sim o nosso livro.

COMO PENSAM AS IMAGENSOrganizador: Etienne SamainÁrea de interesse: Antropologia, FotografiaPáginas: 240 | Preço: R$ 64,00

Etienne Samain, organizador do livro: “A sociedade se expõe e revela-se através de visualidades e de

representações fi gurativas diversas”

Vigília noturna no Kosovo, Georges Mérillon, 1990 (à esq.), e Madona de Bentalha, Hocine Zaourar, 1997, duas das fotos analisadas no livro