josé valle de figueiredo

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José Valle de Figueiredo 29 de Março de l942 Tondela Uma produção da Biblioteca Da Escola Secundária de Tondela

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Breve antologia do poeta.

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Page 1: José Valle de Figueiredo

José Valle de Figueiredo29 de Março de l942

Tondela

Uma produção da Biblioteca

Da Escola Secundária de Tondela

Page 2: José Valle de Figueiredo
Page 3: José Valle de Figueiredo

E de se esperar desespera

A noite que adia

Tanta sorte dada

Às palavras que escrevi:

Perdidas, desencontradas

Na difícil partilha da alegria.

Page 4: José Valle de Figueiredo
Page 5: José Valle de Figueiredo

A luz que se gravaNas mãos que se levantam,

Não alcança o rostoQue procuro.

Page 6: José Valle de Figueiredo

A luz que se grava

Nas mãos que se levantam,

Não alcança o rosto

Que procuro.

Como se poema a poema

As palavras fossem morrendo

E ficassem mortas

Dentro de mim

A escada que subo

É a escada que desço.

Page 7: José Valle de Figueiredo

A vida muda-se,

muda-se a poesia

-mas não se muda

nada,

não se muda a

agonia.

Page 8: José Valle de Figueiredo

Na mesa em que me escrevo

Já só tenho restos de mim:

Cousas passadas, alegrias perdidas,

Encantamentos desfeitos, caminhos não percorridos,

Uma viagem que outra por fazer.

E a morte iluminada cresce

Na orla dos poemas que vivi.

Page 9: José Valle de Figueiredo

Inertes jazem

Na fronteira da claridade.

Asperamente acolhem

As penas que devolvi

Ao duro, seco, estéril mundo

Onde vivi.

Recolhem-me, apenas,

E extinguem outro dia.

Page 10: José Valle de Figueiredo
Page 11: José Valle de Figueiredo

Onde estivesse no princípio,

Seguindo poema a poema

As palavras mais sofridas,

Diria que alumiasse os dias

Com sombras também,

Mas com versos de outras poesias.

Page 12: José Valle de Figueiredo

Com as mãos nas sílabas,

Punha-as na boca

E lentamente as comia:

Assim principiavam os poemas ao fim do dia,

Indo de boca em boca

Com ardor a maresia.

E tudo com alguma melancolia.

Page 13: José Valle de Figueiredo

Com as mãos nas sílabas,Punha-as na boca

E lentamente as comia.

Page 14: José Valle de Figueiredo

Prosseguia o caminho dolorido,

As penas iam e voltavam,

Havia palavras presas ao final dos versos

Que já não sabiam onde regressar.

Se tivesse dito coisas simples,

Um pouco silenciosamente,

Em que porto ficavam?

Em que abrigo? A que praia

Viriam já tão cansadas?

Vozes quase inaudíveis

Seguiam o rasto dos poemas,

E eu ficava ali parado,

As mãos vazias cheias de penas.

Page 15: José Valle de Figueiredo

José Valle de Figueiredo

Page 16: José Valle de Figueiredo

Fulguravam casas entre os dedos

Que procuravam a carícia de um rosto…

…Ardiam, também as mãos.

Não tinha onde pousar a cabeça,

Deitava-me por entre os versos

Que nasciam ao fim do dia.

Page 17: José Valle de Figueiredo
Page 18: José Valle de Figueiredo

Aves e estrelas crescem

Nas paredes nuas do poema.

Mudam-se versos, mudam-se penas,

Rotas, linhas, navegações,

Agulhas, cartas de marear,

A vida muda-se, muda-se a poesia

-mas não se muda nada,

Não se muda a agonia.

Page 19: José Valle de Figueiredo

Onde fica longe o que está perto?

Onde é a praia do mar secreto?

Não consigo ver dragões a voar

Nem juncos no poema deserto.

Page 20: José Valle de Figueiredo

Exilado junto ao poema,

Vivia só de versos,

Comia sílabas e dias,

Cresciam mais estrelas na boca,

Já só era tema do poema;

Quanto este morria,

Mais ele vivia:

Versos reencarnados em nova poesia.

E assim continuamente,

Vivia com poemas a comer novos poemas

-mas já não morria.

Page 21: José Valle de Figueiredo
Page 22: José Valle de Figueiredo

Havia um fogo a arder

Dentro dos versos,

E nada era de morrer.

Page 23: José Valle de Figueiredo

Onde o texto ficou mais secreto

Procurei as coisas mínimas.

Encontrei naus e roteiros de viagem,

Sentei-me entre nomes antigos,

Corri mares e continentes.

Ficaram ilhas por descobrir,

Que a tanto não chegou o coração.

Mudaram-se tempos e

vontades,

Estrelas e achamentos,

Vieram novos sofrimentos.

Ficou mais perto

O Espírito que anda sobre as Águas.

E tudo mui saudosamente.

Page 24: José Valle de Figueiredo

Que sabemos de outro dia

Que se junta à noite obscura,

Neste país deserto?

Page 25: José Valle de Figueiredo

O regresso marcava os dias

Que havia dentro dos versos.

Cada casa onde chegava

Já não era a casa onde chegava.

….

….

E cada vez que parava,

já não parava.

Queria ir mais além:

Que poesia me retém?

Page 26: José Valle de Figueiredo

Na imagem de um rio chinês

Busco a água de tanta mágoa:

Um verso de cada vez

Vem ao poema como um navio

Que vai ao largo

E não volta mais.

Page 27: José Valle de Figueiredo

Na imagem de um rio chinês

Busco a água de tanta mágoa.

Page 28: José Valle de Figueiredo

Anda qualquer coisa dentro de mim

Que vai e vem, sem fim:

Poemas e versos cantam assim,

Por fora vivem dentro de mim.

Anda qualquer coisa, sim,

A pátria a doer dentro de mim.

Page 29: José Valle de Figueiredo

Comíamos as flores mais raras,

E era um jardim de segredos

Que nascia.

Comia-se o poema,

E crescia toda a poesia.

Page 30: José Valle de Figueiredo

Há um olhar claríssimoA nascer dos meus dias

Mais antigos.

Page 31: José Valle de Figueiredo

Seguimos a viageme a nau onde embarco

Já só tem saudadesDa vida que há-de vir.

Page 32: José Valle de Figueiredo

Entre poemas sem mote

Edificara casas e reinos

Que oceanos e mares avisara

De longas navegações,

E entre essa gente outros versos armara

De remoto fogo santo

Ardendo mais além de outra cabana;

Entre perigos e terras

De esforçadas acções alguns poemas juntara,

E de tão secreta trama

Armara de poesia o seu programa.

Page 33: José Valle de Figueiredo

Entre perigos e terras

De esforçadas acções alguns poemas juntara,

E de tão secreta trama

Armara de poesia o seu programa.

Page 34: José Valle de Figueiredo

Sentados à mesa ao fim do dia,Já só de poemas se consumia.Lídia, coroemo-nos de poesia.

Page 35: José Valle de Figueiredo

José Valle de Figueiredo