josé marques de melo - jornalismo opinativo (capítulo iv)

46
FACULDADESJORGEAMADO CAPITULO IV Generos Opinativos 1. Generos opinativos: os micleos emissores A manifestacao de opiniao nojomalisrno contemporaneo nao e urn fen6rneno monolftico. Por mais que a instituicao . j or na lf st ic a t en ha u ma o ri en ta ca o d ef in id a ( po si ca o i de ol og lc a 'oulinha polftica), em torno da qual pretende que as suas rnensagens sejarn e st rut ur adas , s ub si st e s ernpre uma di fe re nc iac ao opi nat iv a ( no se nt id o de at ri bui ca o d e va lor aos _ a co nt ec im en to s) . A s c on di co es d e p ro du ca o d o j or na li sr no a tu al exigem a participacao - de equipes numerosas, donde a i mp os si bi li da de d e con tr ol e total do que se vai divulgar. o monolitismo opinativo caracterizou a vida dos p ri rn ei ro s j or na is e r evi st as, que eram obra de uma so pessoa. L em br e- se , n o B ra si l, 0 caso de 0 Correia Broziliense, nosso primeiro peri6dico, cuja unidade opinativa deve-se a circunstancia de haver sido produzido solitariamente por Hipolito da Costa, na Inglaterra':". Fen6meno sernelhante o co rr eu c om t an ta s p ub li ca co es b ra si le ir as d o s ec ul o p as sa do : as Sentinelas de Cipriano Barata?", 0 C en so r M ar an he ns e, de Garcia de Abranches'", 0 Carapuceiro, do Pa dr e Lop es Gama'?", A A ur or a F lu mi ne ns e, de Eva ri st o da Ve iga 'S' , 0 Observador Constitucional, de Lfbero Hadaro!" , ou Idade D'Ouro do Brasil, i ni ci al ment e de Gon ca lo V ice nt e Po rt el a e depois de Inacio Jose de Macedo'? , Desde 0momenta em que a imprensa deixou de ser e mp re en di me nt o i nd iv id ua l e s e t om ou i ns ti tu ic ao , a ss um in do o ca rat er de or gani zac ao c om pl ex a , q ue co nt a c om eq ui pe s de assalariados e colaboradores, a exprcssao da o piniao fragmentou-se segui n do tendencias diversas e ate mesmo

Upload: laillacristina

Post on 07-Jul-2015

6.260 views

Category:

Documents


21 download

TRANSCRIPT

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 1/46

 

F A C U L D A D E S J O R G E A M A D O

CAPITULO IV

Generos Opinativos

1. Generos opinativos: os micleos emissores

A manifestacao de opiniao nojomalisrno contemporaneo

n ao e urn fen6rneno monolftico. Por mais que a inst ituicao

. jornalfstica tenha uma orientacao definida (posicao ideologlca

'oulinha polftica), em torno da qual pretende que as suas

rnensagens sejarn estruturadas, subsiste sernpre uma

diferenciacaoopinativa (no sentido de atribuicao de valor aos _

acontecimentos). As condicoes de producao dojornalisrno atual

exigem a participacao -de equipes numerosas, donde a

impossibilidade de controle total do que se vai divulgar.

o monolitismo opinativo caracterizou a vida dos

prirneiros jornais e revistas, que eram obra de uma so pessoa.

Lembre-se, no Brasil, 0 caso de 0 Correia Broziliense, nosso

primeiro peri6dico, cuja unidade opinativa deve-se acircunstancia de haver sido produzido solitariamente por

Hipolito da Costa, na Inglaterra':". Fen6meno sernelhante

ocorreu com tantas publicacoes brasileiras do seculo passado:as Sentinelas de Cipriano Barata?", 0 Censor Maranhense,

de Garcia de Abranches'", 0 Carapuceiro, do Padre Lopes

Gama'?", A Aurora Fluminense, de Evaristo da Veiga 'S' , 0

Observador Constitucional, de Lfbero Hadaro!" , ou Idade

D'Ouro do Brasil, inicialmente de Goncalo Vicente Portela e

depois de Inacio Jose de Macedo'? ,

Desde 0momenta em que a imprensa deixou de ser

empreendimento individual e se tomou instituicao, assumindo

o carater de organizacao complex a,que conta com equipes de

assalariados e colaboradores, a exprcssao da o piniao

fragmentou-se seguin do tendencias diversas e ate mesmo

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 2/46

 

II 1 0 2

Jose Marques de Melo

confjitantes: Isso e uma decorrencia do processo de producao

industr ia l, pois a realidade captada e relatada condiciona-se aperspectiva de observacao dos diferentes micleos emissores.

o fenomeno toma mais significat ivo nas ernpresas de

radiodifusao, cuja rapidez no processo de emissao mostra-se

incompativel com os controles que pretendam unificar as

mensagens.Como vimos no capitulo anterior, as institui~6es

j ornalisticas bus cam encontrar mecanismosqne assegurem, se

nao 0 controle, pelo menos a supervisao e 0 acompanhamento

das etapas que transformam em noucia os acontecimentos que

.surgem e refletem 0dinamismo da sociedade,

De qnalquer maneira.a cstruturado jornalismo in?ustrial

comporta, ate mesmopor razoes mercadoI6gicas,diferen~as ,

de perspectiva ria apreensao e valoracao da realidade. Talvez

nao se possa falar de pluralismo, porque todajnstituicao

jornalfstica possui sua linha editorial que, atraves daselecao

de informacoes (pauta, cobertnra, copidesqne), entrelaca 0 fluxo

noticioso e the daum mesmo sentido. Mas existe uma abertura

para que a valoracao das notfcias possa ensejar a circulacao de

diferentes pontos de vista . A amplitude desse espayo varia de

insti tuicao para instituicao e depende sempre da conjuntura

politica nncional'".Essa valoracao dos acontecimentosconcre.t!z~~se atra~~

dos generos opinativos e emerge de:quiiio micleos: a) em]Jresa,._~

b) 0jornalista, c) 0 colaborador, d) 0 leitor.

(' A opiniao da empresa,-~demais de se manifestar no

conjunto dioneriiac;ao editoriaL(.seLy~ao, destaque, titulacao),

a[J_arece oficialmente .no edito rial.jh_?~i~i~o??jor~ali~~~entendido como profissional regularmente assalanado e

.pertencente aos quadros da empresa, apresenta-se sob a forma

dec(; ';untario, resenha, col una cronica, caricatura e

~;-;;nfiiafmente artigo. A opiniao do colaborador, geralmente

p-;;]"s~nalidades representativas da sociedade civil que buscam

os espacos jornalfsticos para participar da vida politica e

cultural, expressa-se sob a forma de artigos: A opiniao do leitor

eucontra expressao permanente atraves da curta.

[ornalismo Opinativof03

Esses generos possuem caracteristicas comuns, do ponto

de vista da estrutura redacional ou da perspective de anal ise,

como antecipamos no capitulo II. No entanto, cada urn deles

tem sua propria identidade no contexto dojornalismo brasileiro.

E bern verdade que quase todos sao generos universais.

presentes na totalidade jornallstica de varies paises,

especialmente dos pafses latinos. Mas assumem caracteriza<;ao

pr6pria em nosso pais, a inda que possam guardar certos tracos

do jornal ismo europeu ou norte~americano, de que se nutremna sua origem\Aessataref~deesbo~ar a caracteriza<;ao de

cada genero, tal co'mo'se apresenta nas rnanif'estacfies

jornalisticas brasileiras, sem deixar contudo de fazer as

Ilecessiirias referencias que a bibliografia estrangeira resgatou,

'vamos nos. dedicar a' seguir. Trata-se de um esforco que

privilegiani inevitavelmente 0 jornal ismo impresso, uma vez

que 0 jornalismo eletronico nacional ainda carece de uma

observa<;:ao sistematica nas liniversi<lad~ese centres de pesq~ip

do pais. J" 'h 'VlO' f lJ :)- .A" , Wy""",,):,-,'):J i jW)!, ' ) ,D /3

(to");f]? e .,v, i/ ,- yudc- "

Lo7&'A', ,CA.9-:eihJt.f Yfr ~_,!J* ,2./'Editorial[Editoriai e 0 generojornalfstico que expressa a opiniao

ofici~l da ernpresa diante dos fatos de maior repercussao no

momento. Todavia, a sua natureza de porta-voz da insti tuicao

jornalistica precis a ser melhor compreendida e delimitada:"f

Popularmente se diz que 0 editorial contem a opiniao

do dono ou da emissora de radiodifusao. Isso e verdade nas

organizacoes de porte medio ou nas pequenas empresas, onde

o .controle financeiro fica nas maos de um proprietfuio Oll de

sua familia.Precisando 0 conceito de editorial, diz Raul Rivadeneira

Prada'55 que, ao lhe atribuir 0 sentido de "opiniao da empresa",

torne-se indispensavel caracterizar as "relacoes de propriedacle"

da instituicao jornalistica. Pois, nas sociedades capitalistas, 0

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 3/46

 

104 Jose Marques de Mela

editorial reflete nao exatamente a opiniao dos seus proprietanos .

nominais, mas 0 consenso das opini5es que e m a ~ ; ; ; ·osdiferentes rnic leo s que participam da propriedade da

organizacao, AH~mdos acionistas majoritarios, ha financiadores

que subsidiam a operacao das empresas, existem anunciantes

que carreiam recursos regulates para os cofres da organizacao

~ .)lJ'atraves da cornpra de espaco, [ai6m debragos do aparelho

burocratico do. Estado que exerce grande influencia sobre o

processo jornalistico pelos controles queexerce no ambitofiscal, previdenciario, financeir;q

Assim sendo, 0 editorialafigura-se como urn espa<;:ode

corirradicces.Seu discurso constitui uma teia de articulacoes

politicas e porisso representa urn exercicio permanente de

equilibrio sernantico. Sua vocacao e a de apreender e conciliar

os diferentes inieressesque perpassarn sua operacao cotidiana.

Mas se 0 editorial expressa essa opiniao dasforcas que

man tern a institui<;:llo jornaltstica, torna-se necessario indagar

para quem se dirigeem sua argurnentacao, A resposta poderia

U,V ser tranqliila:{a opiniao contida no editorial constitui urn

indicador que pretendeorientar a opiniao publica. Assim sendo,

o editorial e dirigido acoletividadeJ ..

Na realidade, isso acontece em relacao as ernpresas que

atuamnassociedades que possuem uma opiniao publica

aut6noma.Em outras palavras: que dispoern de uma sociedade

civil forte e organizada, contrapondo-se ao poder do Estado.C~" IEste nao e 0 caso da sociedade brasileira, cuja

organizacao politic a tern no Estado uma entidade todo-

poderosa, presente em todos os nfveis da vida social. Por isso

e que os editoriais difundidos pelas ernpresas jomalisticas,

embora se dirijam formalmente a "opiniao publica" ,ua verdade

encerrarn uma relacao de dialogo com 0 Estad04

Trata-se de uma hipotese que precisa ser demonstrada

sistematicamente, mas que corresponde it apreensao desse

genero jornalfstico a partir da observacao que temos feito

durante anos a fieA lei tura de editoriais dos jornais diaries,

por exemplo, inspira-nos a cornpreensao de que as instituicoes

I

I

1 <

Iomalismo Opinativo 105

jornaljsticas procuram dizer aos dirigentes do aparelho

burocratico do Estado como gostariam de orientar os assuntos

publicos.

E nao se trata de uma atitude voltada para perceber as

reivindicacoes da coletividade e express a-las a quem de direito.

ori'Significa muito mais um trabalho de "coacao" ao Estado para

a defesa de interesses dos segmentos empresariais e financeiros

que representam. Esta e a nossa percepcao do editorial na

imprensa brasilcira.j'

Evidencias que corroboram essa tese ja haviam sido

indicadas por Jonathan LANE'S7 . Ele analisou a participacao

das insti tuicoes jornalfsticas brasileiras na queda do Governo

Goulart e verificou que sua intencao explicita nos dias que

precederam 0 golpe militar de 31 de marco era criar panico

entre as forcas armadas, conduzindo-as a insurreicao contra 0

regime constitucionalmente instalado. Depois foram ratificadas

por Alfred STEPAN'58 que estudou 0 comportamento dos

editoriais dos grandes diaries do Rio e de Sao Paulo em relacao

aos golpes de Estado queforam tentados ou efetivados durante

o pertodo 1945-1964. Sua conclusao 6 a seguinte: os golpes

apoiados abertamente pel os editoriais dos grandes jornais

obtiveram exito; os golpes que nao contaram com 0 entusiasmo

dos editorialistas fracassaram, Em certo senti do, Eron BRUM'59

traz referee a essa hip6tese de que O S editoriais sao dirigidos

ao Estado e nao it opiniao publica (embora esta tomeconhecimento da argumentacao usada e funcione como massa

de manobra), quando mostra que os editoriais do jornal A

Tribuna, de Santos, no perfodo que antecedeu abril de 1964,

privilegiaram tres grandes temas pohtica, economia e

administracao, concentrando suas baterias contra Goulart e seus

ministros.

Sabendo que disp5em dessa forca e que encontram

correspondencia no aparelho estatal, as instituicoes jornalfsticas

atribuem a producao dos editoriais urna atencao toda especial

que supoe plena integracao entre as polft icas da empresa e os

interesses corporativos que defcndem.

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 4/46

 

106 lose Marques de Melo

Urn caso tipico '" 0 do lomal do Brasil. 0 esquema de

elaboracao dos seus editoriai s esta registrado por Natalfcio

NORBERTO'GO cujos detalhes vale a pena transcrever. Trata-

se de umrelato feito pelo proprio JB, na decada de 60 .

Tendo em geral a noticia como fator determinante, os

editorials ou sao baseados em [atos atuais ou em

assuntos de interesse p ermanente - 0 trdfego, por

exemplo. Para sud elaboraciio, os edi torialistas (.. . ) se

retineni coma Diretoria do Jornal, para debaterem os

assu~tos em pauta e selecionarem os itens que viio ser

abordados no dia.

Para isto, todos os setores da redaciio e sucursais do

IE par. todo a pais mandam as informacoes mais

.recentes sobre osfatos que estao acontecendo, ajudando

assim l1a atualizaciio dos.editorialistas - que jadevem

estar a pardas noticias atraves d a "Ieilura tuio s6 do m ,mas tambem de outros jomais, para que a visiio dos

acontecimentos seja a mais ampla possivel. a s assuntossao todos anotados e debatidos, ouvindo-se a opiniiio

dos presentes para chegar-se a uma conclusdo, que Ii

entiio submetida a Diretoria, responsdvel pela l inha dojornal, para 0tratamento do assunto .

o numero de editoriais por ediciio ndo Ii fixo, mas a

maior constante Ii de tres. Os temas siio repartidos entre

os editoriaiistas, nunca ocorrendo de varios deles

faze rem 0 mesmo editorial. Cada urn Ii escalado para

estudar 0seu tema e quando ele Ii sometue urn, urn unico

editorialista se encarrega dele.

Assim que as editoriais ficam prontos sao novamente

submetidos a Diretoria que os aprova ou enuio indica a

melhor linha a ser tomada de modo a niio prejudicarem

aquela seguida pelo jornal.

Para sua melhor cuualizacdo e seu maior conhecimento

nos assuntos de ordem geral, os editorialistas costumam

ter, uma vez cada semana, reunioes com personalidades

Jornalismo Opinativo 10 7

especiaiizadas em assuntos de interesse niio muito

imediato, mas que funcionam eOl1lo informaciio num

processo de esclarecimento confidencial off the record.

Observa-se entao que cada editorial, numa grande

em£.r~;alOi-nalrstica, passa por urn sofisticado processo de

' .depu~a~ao dos fatos, de conferencia dos dados, de checagem

.das fontes. A decisao e tomada pela diretoria, funcionando 0

-'-editorialista, que se imagina alguem integrado na linha da

instituicao, como interprete dos pontos de vista que se

convenciona devam ser divulgados, Alem disso, 0contacto com

personalidades externas a organizacao significa a sintonizacao

com as torcas de que depende 0jornal para funcionar ou cujos

interesses defende na sua politica editorial.

Esta distante aquela pratica deredacao dos editoriais nos

velhos jomais e revistas, cuja tarefa era desempenhada pelo

"dono", ouseja, pelo jomalista-proprietario. Como hoje as

empresas jornalisticas pertencem a grandes corporacoes ou sao

gerenciadas por pessoas que nern sempre ernergiram

profissionalmente do jornalismo, e compreensf vel que precisern, apelar para redatores tar imbados que fazem a mediacao entre a

opiniao insti tucional e a mensagem estampada nos editoriais.

'.. Mas alern desse traco politico-social, 0 editorial como

genero jornalistico tern sua identidade redacional. Fraser Bond

diz que se trata de urn ensaio curto, ernbebido do senso de(/i""oportunidade.FO editorial do jornal hodierno tern emergido

como uma formajornalfstica peculiar . Seu primo Iiterario mais

proximo e 0 ensaio. Mas 0 edi torial difere do ensaio, em sua

brevidade e tambem porque insi ste em sua natureza

conternporanea'j'" .

Esse perf il do editorial na imprensa norte-americana

corresponde em grande parte a sua feicao brasile ira. Juarez

Bahia 0 confirma: "Parente literario do ensaio, 0 editorial e , no

jomal, no radio ou na televisao, a palavra do edi tor, a opiniao

do veiculo ou da empresa. Ant igamente essa opiniao t inha 0

nome de artigo-de-fundo ou cornentario'"?".

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 5/46

 

108 ;:,;J JQs~~14elo'J 'n"c~ /1, fi ,);

Z 'J T<7(Q)C(>JUCVD0';'j

3') CAi~· d2<m~)A, - (~1 87o:JJ-c)~'cb

. :o/"i'~:JS a que constitui .at!.i.buto"e~.J:lgc.((icodo editorial?

, ,Bel~. . ~ponta q~~tro(-.rrmpesso~~e (nao se trata de

IIlatena assinada, utilizarido-portanfo a,erceira pessoa do

singular ou a primeira do plural);I:t6~e (trata de um

lema bem delimitado, mesmo que a;'nda ;ao tenha adquirido

confi .g~ra, .aO,p.UbliCa)(~o;;d(~de (poucas id~~ando

maier ~nfase as aflrmay~e-&tttteitsClemonstraC;:6e~;"plasti':~:!!l,ie

(flexibilidade, maleabilidade, nao dogmatismoj/ ---

Retomemos essesatributos e os analisemos brevemente.

A impessoalidade tern suas rafzes na propria transicao das

insti tuicoes jornalfsticas, que deixaram de ser propriedades

, individuais ou familiares e se tornaram organizacoes complexas.

Logo, nao ha rnais lugar para o"artigo de fundo"que era

assinado peloproprietario, A topicalidade emerge da alteracao

ocorrida na estrutura editorial das ernpresas brasileiras .

principalmentedos jornaisdiarios, que substitufram a editorial

unico (enecessariarnente abrangente) por varies editoriais, cada

urn deles tratando de questao especifica, dentro de limites

precisos e analisados com cornpetencia. A condensabilidadce

uma contingencia dos tempos modernos. 0 leitor dos dias

.atuais, vivendo nos grandes centres urbanos, disp5e de tempo

escasso para a leiturado jomal, E se a editorial pretende

formular um ponte de vista significativo obtendo a adesaodo

publico, necessita ser breve e claro. A plasticidade decorre da

propria natureza dos fenomenos jornalist icos. Nutrindo-se doefemero, do circunstancial, 0 relata jornalistico nao pode

permanecer estatico. E, se the cabe valorar os fatos que estao

acontecendo, e indispensavel acornpanhar 0ritmo dos proprios

fatos e apreende-Ios nos seus desdobramentos, nas suas

v ari acoes ,

Mesmo possuindo esses atributos, 0 edi, torial nao

consegue galvanizar 0interesse de maior contingente do publico

leitor dos jornais diaries. Jose Nabantino Ramos!" rnenciona

pesquisas feitas em Sao Paulo que constatam 0 seguinte: "as

editoriais sao lidos par menos de 10% dos leitores", Danton

Jobim'< diz que "le-se hoje menos a editorial que no passado",

Jornalismo Opinativo 109

Par que 0 leitor brasileiro recusa 0 editorial? Alan Viggiano '66

aponta algumas raz5es: 1) a edi torial e massudo - macico, sem

subtftulos, com poucos paragrafos, muito intelectualizado; 2)

destina-se a uma determinada c1asse de leitores - empresarios

e politicos; 3) nao e valorizado - figura isoladamente na

superficie impressa, distante das materi as que tratam

inforrnativamente dos mesmos temas; 4) nao interessa ao leitor

- geralrnente a tema abordado nao diz respeito ao universo

especltico do publico.

Na ultima metade do seculo XX, algumas rnudancas

ocorreram na estrutura dos jornais e algumas dessas criticas

foram sanadas, Os editoriais hoje gozam de melhor posicao na

superffcie impressa, sendo mais legiveis e menos rnassudos.

Mas 0 fundamental nao se alterou. Os editoriais continuama

tratar daqueles temas que nao correspondem aos interesses

cotidianos dos seus leitores, Persiste a atitude de tornar como

referencial para?posicionamento cotidiano aquelas quest5es

ja apontadas por Brurn - poli tica, economia, administracao -

deixando it margem problemas ligaclos ao mundo do trabalho,

a saude, a educacao. E se eventualmente tais nuancas sao

captadas e valoradas e porque assumem 0 carater de assuntos

que atestam a disfuncionaliclade ou a negligencia dos

organismos govemamentais. Nunca sao tratados na sua essencia,

Mas este nao e urn problema especffico dos editoriais.

Trata-se de uma caracterist ica dos jornais diaries brasileiros,

que assumem postura claramente elitista. As excecoes sao as

dos jornais "populates" que levam a sensacionalismo a

consequencias desrnedidas e tarnbern nao se preocupam com

as questoes fundamentais do publico leitor. Tratam alias de

despista-las.

Eliminar pura e simplesmente as editoriaisnao e urna

medida que conte com a aprovacao dos leitores (e da qual

certamente as instituicoes jornalfsticas sequer cogitam). Numa

pesquisa feita no Rio de Janeiro, 78% dos entrevistaclos

repelirarn a hip6tese de suprimir os editoriais dos jornais

brasileiros, justificando: "0 editorial e urna janela que permite

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 6/46

 

110 Jose Marques de Melo

a expressao do ponto de vista que oferece aos lei tores melhor

ideia dos fatosnacionais e intcmacionais" .Ver ificou-se, por

outro Iado, que os leitores de edi toriai s per tencem it "idade

madura, embora osjovens nao 0 deixem de lado'"'".

Danton Jobim chegoll a cogitar do editorial "ideal":

"aquele que, realmente, se possa resumir em dois paragrafos:

o primeiro enunciando a tese, numa frase curta, e 0 ultimo

confi rmando-o, numa frase incisiva, que ser ia a arnpl iacao da

primeira'v'".

A Iormula de Jobim chegoua ser aplicada pelaFolha de

Sao Paulo, nadecada de 60, publicando "textos opinativos,

com tftulos na pagina editorial sobre os principais assuntos do

dia", conforme constatou Belt rao. Ele tambem observou que

jornais cariocas fizeram inovacoes: 0 Correia daManhd chegou

a. u sar subtitulos e 0 Globo deslocou seu editorial para a

prirneira pagina'<' .

. Onde estao ceme do problemazPor.que 0editorial nao

snscita 0 interesse dos grandes contingentes deleitores? Alern

das razoesja apontadas (0 conteiido do proprio editorial),

Beltrao identifica 0anacronismo ou superacao das paginas onde

os editoriais se localizam. Segregar todo 0 conjunto das

principais materias opinativas nurna iinica pagina constitui urn

erro de concepcao no modo de "exprimir a opiniao do editor".

Sua sugestao e ade cornbinar os generos opinativos com os

dernais generos no conjunto da superffcie impressa.1 : . maioria dos jornais di~riQsno Brasil perrnanece

contudo rnantendo 0 editorial na pagina chamada deopinilio.

Ou melhor, os editoriais, pois vern se tomando gerala orientacao

de publicar pontos de vista sobre as principais questoes do

momento. Daf a existencia de diferentes especies de editoriais.

Beltrao classif ica-os segundo cinco variaveis: morfologia,

topicalidade, conteiido, estilo e natureza'?".

Quanto it morfologia, os editoriais que aparecem na

imprensa brasileira se diferenciam em: artigo de fundo (editorial

principal), suelto (pequena analise sobre um fato da atualidade)

e nota ( registro ligeiro de uma ocorrencia, antecipando suas

Lornalismo Opinativo III

consequencias ao leitor). A topicalidade produz tres especies

de editoriais: preventivo (focalizando aspectos novos que

podem produzir mudancas), de acao (apreendendo 0 imp acto

de uma ocorrencia) e de consequencia (visual izand o

repercussoes e efeitos) . No que se refere ao contet ido, temos:

informative (esclarecedor), normativo (exortador) e ilustrativo

(educador) . 0 estilo pode sugerir duas especies: 0 intelectual

(racionalizante) e 0 emocionai (sensibilizante). Finalmente,

quandoitnatureza, 0 editorial se divide em: promocional

(cocrcnte com a linha da empresa), circunstancial (oportunista,

irnediatista) e polernico (contestador, provocador). 0editorial

e urn gencro quase exclusive da imprensa, ou, mais

precisamente, dos jornais. Nas revistas, 0editorial aparece com

'-mais f requencia nos peri6dicos culturais ou poli ticos, pois as

revistas de informacao geral recorrem as "cartas dos editores,

mai s prox imas daquilo que poderfamos chamar de

merchandisingjorhaifsdco do que de expressoes opinativas",

No radio e na televisao, a presen~a do editorial e

epis6dica. Quase sempre ocorre em momentos de crise, de

conturbacao social, quando as emissoras se sentem compelidas

a dizer 0 que pensam sobre os acontecimentos.

A explicacao para essa ausencia do editorial no

jornalismo eletronico nos 6 dada por Zita de Andrade Lima:

"Na pratica, poucas emissoras brasileiras editorializam, e isto

se deve, entre outras razoes, pelo receio da responsabilidade,escassez de bons editorialistas, ignorancia do seu poder na

formacao da opiniao publica e pouca dose de interesse no bern

comum". Mais adiante, ela apresenta a razao que nos pareee

decisiva: "...0radio e uma concessao do Estado e sua utilizacao

pelos que exploram as ondas rnagneticas esta sujeita a urna

serie de imposicoes regulamentares e tecnicas que impoern ao

diretor, como ao editorialis ta , muito mais cuidado na producao

e difusao de programas opinat ivos"!" .

Mesmo quando aparece de forma bissexta, 0 editorial

no radio e na televisao nao tern fisionomia propria . Eo editorial

falado, 0editorial l ido. Sua estrutura segue a mesma tecnica de

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 7/46

 

11 2 LoseMarques de Mela

elaboracao do.editorial que se publica no.jornal, adicionando-

sea leitura do. texto uma "caracteristica sonora especial" no.

caso do radio, e a cena de locucao, no. c aso da TV.

:j{ ( t 3 ) Comentario,~,

Genero s6 recenternente introduzido no Brasil, 0

cornentario atendeu a uma exigencia da mutacao jornalfstica

que se processou atraves da rapidez na divulgacao das noticias

(radio e televisao), Informado rapidamente e resumidamente

dos fatos que estao acontecendo, 0 cidadao sente-se desejoso

de saber urn Po.uco mais e quer orientar-se sobre 0 desenrolar

das ocorrencias.

Hamuito tempo 0 cornentario era cultivado no

jornali smonorte-americano, onde s'e'p!ivilegiavam cer tas

figuras de relevo (oriundas da pr6pria profissao), cujo espaco

cultivado permitiu que se convertessem ern opinion-makers'F .

C/r/Ocornentarista e geralmente urn jornalista com.grande

experiencia e tirocinio, que acornpanhaos fatos nao apenas na

sua aparencia, mas possuidadossernpre disponiveis ao cidadao

comnm. Trata-se de u~n' observador privilegiado, que tern

condicoes para descobrir certas tramas que envolvem os

acontecimentos e oferece-las a cornpreensao do publico.Quase sempre bern rernunerado, 0 cornentarista e urn

profissional que possui farta bagagem cultural, e portanto t~~'"

elementos para emitir opinioes e valores capazes de

creciibilidade. Atua assim como lider de opiniao, Seus juizose

apreciacoes merecem respeito nao so dos receptores, mas

tambem dos personagens do mundo da noticia.

Contudo, 0 comentarista nao e urn julgador partidario,

alguern gue faz proselitismo ou doutrinacao. E urn analista que

aprecia os fatos, estabe1ece conexoes, sugere desdobrarnentos,

mas procura manter, ate onde e possivel, urn distanciarncnto

das ocorrencias. Isso nao quer dizer que seja neutro. Ao

Jornalismo Opinotivo 113

contrario , trata-se de urn profissional participante, qne possui

opiniao pr6pria, mas atua como agente da noticia e nao procUl'a

exercer sua funcao para extrair vantagens posteriores (cargos

publicos/ascensao polftica)!" .Em sintese, assume-se como juiz

--aacoIsa-publica. Orienta sem impor. Opina sem paixao. Conduz

sem se alinhar.

o cornentario surgiu como tentativa de quebrar 0

monop6Jio opinativo do editorial. Esse rnoncpolio era

consequencia da unidade ideo16gica gue possui 0 jornalismo

pre-industrial. Mas, quando as instituicoes jornalfsticas tomam

carater mercantil, seus dirigentes deparam-se com a

inevitabilidade das concessoes sociais. Concessoes ao Estado,

que man tern sua espada legal permanenternente afiada;

concessoes aos grupos economicos, que controlam 0 Iluxo

financeiro atraves da cornpra de espaco/ternpo para os anuncios;

concessoes it audiencia, cia qual dependem para justi ficar os

proprios investimentos publicitarios. Por isso, tomou-se

incornodo mantcromonopouo opinativo que express ava,

atraves do editorial, 0 ponto de vista das forcas diretamente

responsaveis pelo funcionarnento da empresa jornalistica.

Desta forma, 0 cornentario emerge como genero

definido, realizando uma apreciacao valorativa de determinados

fatos. A ot ica util izada nao e necessariamente a da empresa.

Abre-se oportunidade para que 0 jornalista competeute possa

emitir suas propri as opinioes, responsabilizando-se

naturalmente por elas.

Enquanto 0 editorial se adstringe a emissao de opinioes

sobre os fatos de maior importancia, 0 cornentario cumpre a

tarefa de examinar fatos tam bern significati vos, mas de menor

abraugencia , com independencia em relacao a linha editorial.

A vigencia do comentario e uma funcao da projecao do

comentarista. Criando vfnculos com QS receptorcs, 0.

comentarista torna-se urn ponto de referencia permanente. Suas

avaliacoes da conjuntura sao buscadas porque 0 cidadao quer

saber como comportar-se diante dos acontecimentos,

reforcando seus pontos de vista ou procurando conhecer novos

prisrnas para entender a cena cotidiana,

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 8/46

 

IJ4 Jose Marques de Melo

Os grandes mit os do jornalismo norte-americano como

.Walter Lippmannl74 ou James Reston!" firrnaram-se no

panorama polit ico atraves do comentario. 0mesmo pode-se

dizer, 110 Brasil, de Newton Carlos ouPaulo Francis .

o surgimento do comentario no jornalismo brasileiro

afigura-se como espaco propicio para a expressao opinat iva

dos .seus profissionais. As oportunidades para a manifestacao

de opiniao emnossos vefculos jornalfsticos sempre estiveram

acessiveis aos grandes intelectuais ou aosreporteres destacados.

Nunca aos redatoresque de~onstravam potencialidades deanalise e de previsao dos acontecimentos. Aos que revelavam

tendencias dessa natureza restava achance de produzir editoriais

na rnedida emquemerecessem a confiabilidade cia empresa,

Com excecao dos reporteres de "faro" que descobriam

fates sensacionais e mobilizavarn 0 . interessedo publico, 0

. jornalismo brasi leiro sempre foi avaro..em proj etar grandes

. n o m e s , Uma das raridades e Ass is Cha t eaubri and , que praticou

intensamente 0 comentario ja na decada de 50, mas isso se

expliea pelo faro de ser ele 0 proprietario dos jornais em que

escrevia'". ..

Iiem meados da decada de 60 que a imprensa brasilei ra

passa por umpenodo de "modernizacao", Alern de incorporar

as novas conquistas tecnol6gicas, absorve tambem alguns dos

padroesdo jornalismo norte-americano, entre os quais 0 tipo

de unidade redacional assinadapor urn jornalista competente

que se torna, pouco a pouco, personalidade publica pelasopinioes que ernite.

Essarevolucao cornec a com Ultima Hora,jornal criado

por Samuel Wainer, no Rio de Janei ro, que se t ransformaria

em cadeia nacional. Profissionais categorizados sao chamados

a atuar como observadores do cenar io noticioso e transmi tir

suas impressoes aos leitores. 0 padrao seria acompanhado pelas

grandes empresas - JB, Estadao, Folha de S. Paulo, Abril,

Comentaristas como Carlos Castelo Branco, Carlos Chagas,

Newton Carlos, Alberto Dines, Josue Guimaraes, Mino Carta

etc. despontam como exegetas do transitorio, como captadores

Jomalismo Opincuivo

do sentido que entrelaca cada faceta do movimento da

sociedade.

o que e 0 comentario? Martinez Albertos'" diz que eurn "editorial assinado". Eugenio Castelli'" 0 identifica como

gcnero intcrmediario entre 0 editorial e acronica, porque utiliza

o metoda expositivo do editorial, mas introduz a ironia e 0

humor da cronica,

N a verdadc 0comentario tern sua propria especificidade

enquanto estrutura narrativado cotidiano. Trata-se de urn genera.

que mantem vinculacao estreita com a atualidade, s~ndo

produzido em cimados fatos que estao ocorrendo. Vern Juntocom a pr6pria noticia. Por isso e diffcil de ser rcalizado,

exigindo muita argucia no sentido de evitar prognosticos nao

confirmaveis,

. . . Tern razao Martinez Albertos quando diz que 0

cornentario e 0 "vaticinio mais au menos profetico do posterior

desenvolvimentodosfatos". Para tanto, ocomentarista precisa

ser muito bemjnf~;mado.de modo. a julgaros aconteeimentos

~omraPldez e prever seus .desdobramentos!".

o comentario explica as noticias, seu alcance, suas

circunstancias, suas consequencias. Nem sempre 0comentarista

emite uma opiniao expllcita. Sen julgamento e percebido pelo

raciocfnio que util iza , pelos rumos da sua argumentacao.

Uma earacteristica inerente ao comentario e a sua

continuidade. Uma materia que contern apreciacao sobre urn

fato art icula-se necessar iamente com as que a antecederam e

com as que virao. Pois 0 offcio do comentarista e justamenteestabelecer 0nexo que liga os fatos. E estes s6 adquirem sentido

no tempo. Uma versao apresentada hoje pode sofrer alteracao

amanha, de acordo com as tendencias da real idade. Compete

ao comentarista perceber essas mutacoes e ajudar 0 seu publico

a entende-las,

Quando urn conjunto de comentarios e reunido em livro

anos depois da sua publicacao, como 0 fez Carlos Castelo

Branco com as visoes do movimento mili tar de 1964, pode-se

observar com nitidez essa transitoriedade de eada texto,

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 9/46

 

116 Jose Marques deMelo

Todavia, a leitura continuada assegura a compreensao do todo,

a partir sempre do roteiro corretivo que 0 comentarista tern

necessidade de.fazer. Cada comentario do presente pode ser

capitulo da historia que se faz. Y

Referindo-se, por exernplo, a Newton Carlos cujos

comentarios rotula indevidamente como "cronicas", 0jornalista

MarcioCavalheiro, na resenha "Grotesca America" (Jamal do

Brasil, 26-08-1979), apreende essa dirnensao historica (dai

talvez 0 emprego das palavras "cronica", "cronista", que

correspondem a "registro para a historia", "historiador do

presente") dasmaterias que integram 0volume America Latina:

dois pontes (Rio de Janeiro, Codecri, 1978). ~ "Escritas muitas

vezes diante do proprio cenario em que sede~enrolam os fatos,

essas cronicas, em seu conjunto, acabam por formar urn painel

expressive da sombria realidade deste pedaco de mundo . .. ( . .. )

... N~wton Carlos pouco argumenta em favor dos seus pontos

de vista. Jogaos fatos na mesa edeixaque eles falern por si

proprios. Epara que falem com maior eloquencia, 0 autor

recorre asjustaposicoes, aos similes, as metaforas, a iluminacaorestrita do palco, mostrando apenas 0personagem que conduz

a'a~'ao".

A angulagem do comentario e 0imediato. Ver e perceber

o que transcende a aparencia constitui seumaior desafio. Exige

uma permanente sintonizacao do jornalista que pratica esse

genero corn suas fontes de inforrnacao.

Sua tecnica de realizacao e mais livre que a do

editorial. Estrutura-se em duas partes: a) sintese do fato e

enunciacao do seu signi ficado; b) argumentacao que sugere

oseu julgamcnto.

Rararnente 0 comentario e conclusivo. Arriscar uma

conclusao e perigoso, ja que se lorna exiguo 0 tempo que tern

o comentarista entre a ocorrencia e a sua apreciacao. As

conclusoes VaG emergindo naturalmente como con sequencia

dos julgamentos anteriores.

Por sua propria natureza, 0 comentario exige

especializacao. Nao ha comentarista de assuntos gerais . Cada

Jornalismo Opinativo 117

jornalista acumula expcriencia e conhecimento num setor

(polftica, economia, esportes) e se dedica a discernir a evolucao

do que acontece. Comentar e uma tarefa que pressup5e

ancoragem informativa e 'perspectiva historica. Sem dispor de

dados concretos e de referencial analftico, 0 comentario corre

o perigo de cair no vazio e frau dar 0 receptor. Afinal de contas,

quem recorre ao comentario quer dispor de urna bussola para

entender a conternporaneidade.

Castelli identifica tres especies de comentarios:

1) Analise de urn problema (cujo estilo e similar ao

editorial , manejando dados eruditos e imprimindo

certa subjetividade, mas agregando traces de humor

e ironia);

2) Documentacao de urn fato (utiliza 0 estilo do

relat6rio, valendo-se muitas vezes dos recursos da

reportagem, sem excluir porem a forrnulacao de

juizos pessoais provenientes da observacao direta);

3) Crftica de uma situacao (apreciacao pessoal,

realcando a natureza da situacao analisada, mas

antecipando as possibilidades de solucao),

o comentario ainda nao teve 0 seu diagn6stico feito com

precisao nojornalismo brasileiro . Historicamente ele surge na

decada de 50, principalmente com a expansao da televisao, e

atinge urn perfodo de fulgor na prime ira metade da dec~da de

60. Mas como comentar e uma atividade jomalistica que nao

pode prescindir de liberdade, no duplo sentido de expressar

pontes de vista e de apreender 0 que ocorre no cenario dos

acontecimentos, observa-se urn declinio apos 0golpe de 1964:

Alem da censura que se estabelece nos processos de difusao,

com maior ou menor intensidade, verifica-se tambern 0

fecharnento das fontes de informacao. Urn dos traces dos

governos mili tares foi a circunscricao das decisoes polit ic as

aos reservados gabinetes das figuras de projecao e 0 certo ar de

'misterio que cercou 0 palco da noticia. Muitas medidas de

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 10/46

 

11 8 Jose Marques de Melo

grande repercussao no campo politico ou econornico passaram

a ser anunciadas desurpresa, pegando a opiniao publica

desprevcnida,

As pesquisadoras Scavone, Bel loni e Garbayof", que

estudaram 0noticiario polit ico brasileiro, na decada de 60, em

jornais cariocas, registraram essa mudanca radical que ocorre

no comportamento informative da grande imprensa, antes e

depois de 1964.

E natural portanto que os comentaristas tenhamencontrado inibicao para 0exercfcio do seu trabalho. Alguns

importantes jornalistas, que se dedicaram ao comentario na

cadeia Ultima Hara etambcm em outros jornais, praticamente

desapareceram davida nacional, cassados, acuados ou

amedront ados , Outrostiverarn s eu e s p a co de a tuacao restringido

pelas pr6prias empresas jornalfsticas, ternerosas de desagradar

os novos donos do poder.

Figuram .solitariamentecomocultores desse genero

personalidades como Carlos Castelo Bi:anco (Jamal do Brasil)

ou CarlosChagas (0 Estado de S. Paulo), alem de Newton

Carlos,dedicado ao comentario de assuntos internacionais.

Sao os tempos da distensao ..ou da aberturaque fazem

renascer 0 cornentario, Durante.o penodo da censura ostensiva,

quando alguns jornais chegam a registrar 0corte de informacoes

(atraves dos espacos em bran co ou dos poem as de Camoes e

das receitas culinarias), e compreensivel que 0pr6prio publiconao tenha mostrado interesse em ver comentado 0 noticiario

politico. Se a propria noticia nao merecia veracidade, porque

os cidadaos tinham consciencia do seu controle pelos militares,

entao nao valia a pena ler os cornentarios. Os que permanecerarn

ativos entregararn-se a urn trabalho refinadissimo de explicar

os fatos atraves de uma Iinguagem cifrada que 56os iniciados

nos bastidores dapolit ica podiam perceber com exatidao,

o campo que se afigura livre para 0 cornentario e 0 dos

esportes, nao apenas pela coincidencia da valorizacao do futebol

como valvula de escape nacional, mas pela liberdade de atuacao

de que gozam os jornalistas esportivos para emitir conceitos e

Jornalismo Opinativo Il 9

sugerir julgamentos. 0 cornentario esportivo floresce nos

jornais . revistas especializadas e ganha enorme importancia no

radio. Sua preseOl;:a na televisao torna-se imprescindivel nos

momentos em que as disputas interclubes atingem seu auge,

sobretudo para atender ao anseio de compreensao da cena

esportiva pelo receptor que nao e aficcionado daquela

modalidade de esporte.

Com a abertura, especialmente nos anos 1975-1976. 0

comentario reaparece com vigor. Na imprensa diaria, essegenera encontra na Folha de S. Paulo oportunidade para 0 seu

desenvolvimento e tambem para a sua melhor configuracao

estrutural'!". A transforrnacao da pagina opinativa daquele

matutino paulista, reintroduzindo ate mesmo 0 editorial que

chegou a ser suprimido durante certo tempo, abre espa~o para

a. atuacao de varies comentaristas (Alberto Dines, Ruy Lopes,

Josue Guimaraes, .Samuel Wainer etc.). 0 jornal adota a

iniciativa de'co~entar os acontecimentos a partir de diferentes

angulos geograficos: as rubricas dos comentarios distribuem-

se segundo as principais cidades brasile iras, onde residem e de

onde os comentaristas observam a vida politica. Outra inovacao

e a de valorizar 0c o m e n ta r io e c o n o m ic o p e la s ig n if ic a ca o cada

vez maior que a econornia assumiu no quadro da modernizacao

nacional. Emerge entao 0 maior cultor desse genero no pals,

que e Joelmir Betting.

A importancia dos comentarios publicados na Failla deS. Paulo justifica-se pelo perfi l narrat ivo que 0 genero al i

assume. Distanciando-se do tom solene, do esti lo rebuscado e

da exposicao metaforica (comum em Castelo Branco e Carlos

Chagas, mas que atinge sua maior sofisticacao em Vilas Boas

Correia), 0 comentario na FSP adquire leveza, agilidade e

simplicidade. Usando frases curtas, atraves das quais as

informacoes precis asfluem com naturalidade, os comentaristas

costuram 0 tecido do cotidiano e sugerem a tendencia visfvel.

Muitas vezes, 0 mesmo acontecimento merecia diferentes

comentarios. ensejando a percepcao dos prism as que os fatos

adquirem a partir da sua repercussao em varies pont os do

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 11/46

 

120 Jose Marques de Melo

territ6rio nacional.

Do jornal, 0 comentar io ganha a televisao. Ali tern seu

espuyo garantido nos assuntos internacionais, Newton Carlos

inicia competenternente 0 seu exercicio, mas nunc a chega a

atingir 0 'padrjto ideal para 0 cornentario televisivo, pois

permanece preso ao texto, se nao 0 texto lido, a cxpressao oral

atravessada pela construcao escrita. 0 cornentario na TV

brasileira atingesua plena expressao com Joelrnir Bett ing,

inicialmente na area econornica e depois ampliando-se para 0

setor polit ico-social . Posteriormente, Paulo Francis dedicou-

se cam inteligencia, ironia e conhecimento a comentar os fatos

internacionais e as.ocorrencias ligadas it vida nacional cujo palco

J6i deslocado para Nova Iorque. .

Foi porem no radio que 0 comentario encontrou sua

.maior expressaono jornalismo brasile iro contemporiineo.

Dmante muito tempo, ele se fez por personagens como Vicente

Leporace que realizou cotidianamente no prograrna 0 Trabuco

(Radio Bandeirantes) uma analise informal do noticiario

.publicado nos jornais da manha. Era 0 cornentario das

ocor rencias que ganhavam as manchetes, numa linguagem

direta, coloquial, mas sern diivida presaa const rucao verbal

mais elaborada. As frases de Leporace, por exemplo, fluiam

no velho estilo discursivo, retorico, impostado, apesar da forca

emotiva que muitas vezes imprimia.

Nos iil timos anos, depois da anistia, das eleicocs diretas

para governadores, do agucamento da crise econornica, quando

toda a sociedade civil despertou para os problemas nacionais,

o comentario ganhou enorme espaco nas emissoras de radio e

adquire pouco a pouco a sua identidade, enquanto genero que

se liberta da expressao elaborada, apreendendo 0 sentido dos

acontecimentos por intermedio de uma linguagem descontraida,

natural, espontanea. Programas como os que Nevile Jorge e

Maria Lidia rnantem diariamente na Radio Record iotroduzem

a especie do cornentario dialogado, que suscita no ouvinte a

impressao de estar participando de uma con versa agradavel,

ondeos fatos de rnaior interesse sao repassados e avaliados.

Lornalismo Opinativo 121

o segredo do comentario radiofonico tern sido 0de

ampliar 0seu universo tematico, nao restringindo-se a politica,economia e esportes, como ainda ocor re nos jornais, revistas e

televisao, mas captandoaquelas facetas cia vida social que

expressam as vicissitudes do cidadao comum: 0eusto de vida,

os problemas de transporte e habitacao, as quest5es ligadas it

educacao e a saude, sem perder de perspectiva a sua insercao

no conjunto da vida nacional.

Observa-se porem que 0 comentario radiofonico ainda

mantem uma dependencia em relacao aojornal diario , que serve

como fonte de referencia para a selecao dos fatos a merecerem

analise, elucidacao e julgamento.

4.Artigo

A palavra artigo possui duas significacoes. 0 senso

comum atribui-lhe 0 senticlo de materia publicacla em jornal

ou revista. Qualquer que seja. E comum ouvirmos

popularmente: "Fulano, voce leu tal artigo nojornal? Ou entao:

Mandei por urn artigo narevista", Nao importa a natureza: todo

_ texto divulgado na imprensa se chama artigo!"' .

'-Outra significacaoe aquela peculiar as instituicoes

jornalist icas, que identif icam 0 artigo como urn generaespecifico, uma forma de expressao verbal's, .Trata-se de uma

materia jomalfstica onde alguern (jornalista ou nao) desenvolve

uma ideia e apresenta sua opiniao.

Se no jornalismo brasileiro 0 artigo tern essa dimensao

explfcita, representando aquele tipo de mater ia geralmente

escrita pelos colaboradores e que se publica nas paginas

editoriais ou nos suplementos especializados, isso nao ocorre

no plano internacional.

E comum urn uso mais amplo no jornalismo europeu 184

e norte-americano. 0 jornalismo anglo-saxao nao utiliza

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 12/46

 

122 Jose Marques de Melo

exatamente a palavra artigo. A imprensa norte-americana, por

exemplo, incIui esse generc" dentro da categoria ampla de

comment (diferente da story: noticia), J ana imprensa britanica

o nosso artigo corresponde ao genero que Afranio Coutinho"?

identificou como formal essay (e que, rigorosamente, nos

padr6es do jornalismo brasileiro , nao pass aria de uma especie

do artigo, como veremos adiante). .,.,".

Tornando como referencia 0j~tn~lismo espanhol, vamos

encontrar 0uso doartigo quase no mesmo sentido empregado

pelos norte-arnericanos: "uIJ.acategoria generica para qualquer

materia editorial ,ou seja, opinativa. Martinez Albertos"" diz

que 0 artigo se divide emduas categorias: oartigo editorial eo

artigo comentdrio. Na primeira categoria ele inclui a producao

propria do jornal ou revista, sua palavra oficial sobre os

acontecimentos. Na segunda, reline as materias assinadas pelos

jornalistas ou.colaboradores. 0 segundo tipo compreende

algumas subespecies: artigo dehumor, artigo de costume, artigo

doutrinario, artigo de divulgacao.

Por sua vez, Martin Vivaldi !" caracteriza 0 artigo de

modo mais abrangente, em sentido mais proximo da

signiflcacao especifica que assume no Brasil. Eis 0 seu conceito:

"Escrito, de. conteudoamploe variado, de forma diversa, na

qual seinterpreta.julga ouexplica urn fato ou uma ideia atual ,

de especial transcendencia, segundo a conveniencia do

articulista" .Nesse conceito de Vivaldi, dois elementos sao especfficos

ao artigo jornalfstico:

1) Atualidade - 0 articulis ta tem liberdade de conteudo

e de forma, mas ele deve tratar de fato ou ideia da

atualidade, coadunando-se com 0espirito do jornal. Eclaro que 0 senti do da atualidade nao se restringe ao

cotidiano, mas ao momenta historico vivido. Isso

justamente diferencia 0artigo do cornentario. Enquanto

o cornentario e produzido por jornalistas que analisam

os fatos em cima da sua ocorrencia, 0 artigo e

Jomalismo Opinativo

normalmente feito por colaboradores que apreendem

as dimensoes menos efemeras dos acontecimentos.

2) Opinii io - A significacao maior do genero esta contida

no ponto de vista que alguem expoe. E essa avaliacao

nao pode estar oculta, eventualmente dissimulada na

argumentacao (como por vezes ocorre no comentario) ,

mas deve apresentar-se claramente, explici tamente. A

opiniao ali ernitida vincula-se a assinatura do autor; 0

lei tor a procura exatamente para saber como 0 articulista

(em geral persorialidade destacada) pensa e reage diante

da cena atual.

Do ponto de vista formal , ident ificamos duas especies

de art{g:cis:_~artigo (propriamente dito) eo ensaio. A diferenca

entre ambos nao reside arenas na extensao (0 artigo e um ensaio

curloe';) ensaio e urn artigo longo) como pode ser percebido

visualmcnte na superffcieImpressa. Duas variaveis os

distinguem nitidamente. 0 tratamento dado ao lema indicando

qlle 0artigo contem julgamentos mais ou menos provisorios,

'porque escrito enquanto os fatos ainda estao se configurando;

jLo .ensaio apresenta pontes de vista mais definitivos,

alicercados com solidez, porque tem compreensao mais

abrangente do fato e pretende sistematizar 0 seu conhecimento.

Ilargumentar;ao utilizada no artigo baseia-se no proprio

conhecimento e sensibi lidade do art icul ista; no ensaio ela seapoia em fontes que se Iegitimam pela sua credibilidade

documental; permitindo a confirrnacao das ideias defendidas

pelo autor,

Ainda seria possf vel outra diferenciacao que corresponde

a uma tendencia, mas nao se pode tomar como regra. 0 artigo

geralmente aparece nas edicoes convencionais do jornal ou da

revista. 0 ensaio encontra espa<;:o mais adequado nos

suplementos especiais, edicoes dominicais dos jornais ou

edicoes tematicas das revistas.

Quanto II finalidade, 0 artigo toma duas Ieicoes:

doutrinario ciu cientffico.

123

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 13/46

 

124 Jose Marques de Melo

. °artigo doutrinario, para mantera expressao corrente

na bibliografia espanhola, seria aquele mais apropriadamente

chamado de artigo jornalfstico"? e que se destina a analisar

uma questaoda atualidade, sugerindo ao publico uma

deterrninada maneira de ve-la ou de julga-Ia, Iiuma materia

atraves da qual 0 articulista participa da vida da sua sociedade

denotando a sua condicao de intelectual cornpromissado corn

opresente.

'A

O.attigo cic:ntifico destina-se a tornar publico0

avan<;oda ciencia, repartindocom os leitores novos conhecimentos,

novos conceitos. Nao e comum - mas tarnbem nao impossivel

-a publicacao de artigos cientificos nas edicoes diarias dos

jornais . Quase 'sempre eles aparecern nas edicoes dorninicais

dosdiarios ou pas secdesespeciais dos semanariose dos

peri6dicosde informacao geral,

Muitas vezes torna-se dif fcil distinguir ent re 0 artigo

doutriniirio eo cientffico quando estamos diante de

colaboracoes que tern como objeto as ciencias sociais. Af a

analise cientffica nem sernpre se distingue (pelo menos para 0

cidadao comum) da mera apreciacao jornalistica ou da

participacao polftica, Isso vemse tomando comum nas revistas

semanais brasileiras (Isla e, na sua primeira fase) ou nos

suplementos de.fim de semana ("Mais", na Falha de S. Paulo;

"Pros a e Verso", no jornal 0 Glaha), cujo quadro de

colaboradores tern se ampliado com a convocacao ou afluenciade pesquisadores sociais que se propoem a dizer 0que pensam

sobre os temas em debate.

. No tocante especificamente ao artigo cienti fico e precisodizer que existern duas subdivisoes explicitas:

a) Artigo de divulgar;aa - Destinado simplesmente a fazer

chegar ao conhecimento dos leitores novas descobertas, novas

hipoteses, ou sumariar 0 estado da pesquisa sobre urn

determinado setorcientifico. Manuel Calvo Hernando 190 chama

a atencao para a importancia desse tipo de artigo nos pafses de

fala espanhola, onde se Ie muito POliCOlivro e "0 artigo de

Jornalismo Opinativo 125

imprensa e a unica leitura transcendente e seria para milhares

de homens e mulheres".

b) Artigo educativo - Destinado a convencer os leitores

para a adocao de novos conhecimentos e 0 emprego de novas

descobertas. Juan Dfaz Bordenave'?' chama essa unidade

redacional de "art igo de convencimento di reto", pOl 'que sua

tarefa consiste em ir apresentando ao leitor uma serie de

argumentos que 0 conduzam 0 aeeitar a nova descoberta ou ao

uso de urna nova tecnologia.

Enquanto 0 artigo de divulgacao se enquadra naquele

setor da inforrnacao de atualidade rotulado como jornalismo

cientffico'?", 0 artigo educat ivo situa-se no segmento que se

chama jornalismo especializado 19J.

Cada especic de artigo tern suas pr6prias caracteristicas

redacionais. Nao ha urn padrao uniforme para a sua concepcao,

Depende da natureza do veiculoem que se publica. Bcltrao'?'

todavia defende a ideia de que a estrutura narrati va do artigo esemelhante a do editorial , con tendo os seguintes elementos: a)

titulos; b) introducao; c) discussno/argumentacao; d) conclusao.

Martin Vivaldi!" posiciona-se de outra maneira, c1iz~ndo que

no artigo "a forma flui do fundo"; seu estilo e 0 "est ilo do

articulista" 1 96 •

A verdade e que, sendo colaboracao espontanea ou

solicitacao nem sempre remunerada, 0 artigo confere liberdade

compleraao seu autor. Trata-se de liberdade em relacao ao tema,

~~j~izo de valor emitido, e tambern em relacao ao modo de

expressao verbal.

Seja qual for a estrutura dada ao artigo, 0 processo de

elaboracao nao muda. Martfn Vivaldi diz que ele passa POrtres

momentos fundamentais: invencao, disposicao e elocucao.

Inventar significa tirar do mundo, da vida; do mundo dos fatos

e das ideias. Irnplica em bus car na atualidade a motivacao

suficiente para justificar 0encontro com os leitores. Nao basta

porem identi ficar uma ideia, urn argumento; e preciso que 0

articul ista avalie sua capaciclade de desenvolve-Io. Dispor

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 14/46

 

significa colocar as ideias ern ordem. Aneta-las, na medida ern

que surgem, ordena-las, quando van crescendo. A disposicao eo equi lfbrio entre a inspiracao e a ordern. Nem arrastar- se pela

irnaginacao desenfreada, nem barrar 0carninho da reflexao corn

criterios excessivamente fechados. A elocucao corresponde it

expressao escrita das ideias ja planejadas. E 0momenta de dar

forma definitiva ao pensamento. 0 que nao significa apenas

escrever, mas pressupoe tambem rever, corrigir. E corrigindo,

abreviar, suprimir, substituir.

Esse e 0 processo ideal de criacao, E talvez possa ser

tornado pelos articulistas queescrevem sem a prcssaodo tempo.Aqueles que naopertencem aos quadros das instituicoes

jornalfsticas. Que escrevem descompromissados das rotinas da

producao industrial. Pois aos jornalistas profissionais nem

sernpree facultado seguir talesquema, proceder de acordo corn

os momentos da criacao preconizados por Vivaldi 197.

Quem escreve ar tigos no jornal ismo brasileiro? Tanto

pode ser urn jornali sta; pertencente aosquadros regulares da

instituicao noticiosa, quanto pode serum colaborador +escritnr,

professor, pesquisador, politico, profissional liberal- convidado

a escrever sobre assunto da sua cornpetencia,

A segunda hip6tesemostra-se maisprovavel, sobretudo

em faceda atual legislacao que regulame~ta a profissao de

jomalista. 0 colaborador e definido como nao-jornalista,

alguem que presta, sob forma remunerada, seja de modo

continuo ou esporadico, services eventuais it empresa

jornalfstica. Tanto assim que as organizacoes noticiosas

precisam manter livro apropriado para registro dos seus

colaboradores, indicando inclusive os seus pseudonimos,

A presen<;a do articulista na imprensa brasileira tern papel

significativo, pois contribui para dinamizar a vida dojornaI ou

da revista, superando as Iimitacoes naturais que perfazem a

sua fisionomia informativa ou opinativa. Estando menos

dependentc dos angulos de observacao da reaIidade que aqueles

circunscritos ao arnbiente jornalfstico, 0 articulista introduz

diferentes prismas para analisar a conjuntura e traz novas

inf'orrnacoes e ideias para cornpletar a critic a do cenario

sociopolftico.

Nemes como Tristao de Athayde, Barbosa Lima

Sobrinho, Raimundo Faoro, Gilberto Freyre tornaram 0

processo jomalistico mais agil, trazendo em seus artigos

concepcoes, valores e propostas capazes de transformar a

realidade. Sao autenticos representantes de uma sociedade civil

que luta por se afirmar e reduzir a oniprcsenca do aparelho

estatal,

Qilrtigo e 0genero que dernocratiza a opiniao no

jornalismo, tornando-a nao urn privilegio da instituicao

jomalfstica e dos seus profissionais, mas possibili tando 0seu

acesso as Iiderancas emergentes na sociedade. E claro que essademocratizacao constitui uma decorrencia do espiritode cada

vefculo: sua disposicao para abrir-se it sociedade e instituir 0

debate permanente dos problemas nacionais.

Urn dos casos mais recentes de esnmulo a essa

participacao de personalidade da vida publica - parlamentares,

dirigentes sindicais, autoridades religiosas, juristas, cientistas

sociais - na crftica das quest6es suscitadas pelo momenta

polft ico tern sido 0 da FoUta de S. Paulo, atraves da secao

"Tendencias/Debates", ondedesfilam temas e personagens que

mobilizam asociedade para abusca de alternativas institucionais

e de solucoes para os problemas fundamentals do pais.

o artigo e urn genero jornalfstico peculiar it imprensa.

Sua expressao nao ocorre no radio e na televisao, pela natureza

abstrata que possui, mesclando fatos e ideias, mas trabalhando

sobretudo os argumentos. Nos vefculos audiovisuais, 0 papel

que cumpre a intelectual idade atraves dos ar tigos de jornaI esuprido pOI intermedio da entrevista , Nao e raro que urn artigopublicado, defendendo ponto de vista inovador ou tese

polemic a, motive 0 pauteiro de urn radiojornal ou telejornal a

incluir urna entrevista numa de suas edicoes,

Iii dissemos anteriormente que 0 artigo, pOI sua concisao

e oportunidade, presta-se mais a publicacao no jornal , sob 0

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 15/46

 

128 Jose Marques de Melo

risco de ter os seus argumentos superados pela propria evolucao

dos acontecimentos. Enquanto isso, 0ensaio, por ser mais longo

e exigir argumentacao documentada, figura geralmente nos

cadernos culturais ou ciennficos (cujo compromisso com a

atualidade .nao e tao rigoroso), tendo lugar mais apropriado

nas revistas especializadas ou nos periodicos cuja circulacao e

espacada. ,

Discute-se, por exemplo, se 0 ensaio pode a rigor ser

considerado genero jomalfstico. A questao nao e simples. 0 fato

de uma materia ser publicada emjornal ou revista nao lhe confer!':

carater jornalistico. Isso adverrt da sintonizacao que apresenta em

relacao ao ritmo de vida (Groth) apreendido pelo veiculo.

Assim sendo, urn ensaio publicado em jornal ou revista

pode serum genero dojornalismo opinativo, mas tam bern pode

seruma forma de expressao da li teratura. Por isso, Afranio

.Courinho!" faz questao de distinguir 0ensaio do estudo, 0

ensaioapresenta-se cornogenero tipicamente jornalist ico de

acordo com 0seu senti do britanico original: tentativa. 0estudo,

tendo carater menos provisorio, assume a feicao de uma

producao literaria ou cientif ica, sendo mais cornpatfvel com 0

livro ou os peri6dicos nao-jornalfsticos

Essa visao de Afranio Coutinho nao c, porern, muito

tranquila. Talvez corresponda it tipicidade da producao literaria

inglesa. Pois, no caso frances, encontramos 0 termo etude como

sin6nimo de ensaio. Diz Andre Boyer"? que "urn estudo e urnartigo longo, bern documentado e aprofundado, sobre urn lema

em geral compJexo".

Admitindo, no entanto, para fins metodol6gicos, a

diferenciacao de Afranio Coutinho, e irnportante registrar que

o essay ingles possui duas variantes: 0 ensaio de apreciaciio

' (descritivo, impressionista , pessoal, que corresponde mais it

nossa cronica) e 0 ensaio de julgamento (regular, met6dico,

deritro de uma estrutura formal de explanacao, discussao e

conclusao, em linguagem austera, que 8e aproxima mais do

n08SOartigo ou do n0850 ensaio, ou talvez, da nossa resenha

literaria).

Jomalismo Opinativo 129

De qualquer maneira , 0 artigo (ou sua especie , 0ensaio)

publicado na imprensa tern mais potencialidades para vir a ser

considerado uma producao literaria , Beltra0200 explica bern:

"Articulistas e cronistas sao autenticos literatos, e , nao tendo,

como 0 profissional do dia-a-dia, de submeter-sc it maior

pressao do tempo reduzido da producao coercitiva diaria,

podem burilar suas materias nao raro tornando-as antol6gicas

e conferindo-Ihcs aquela perenidade que consti tui excecao no

exercicio da atividade jornalfstica",

Se, rio passado, 0 espar;o aberto para a colaboracao dos

intelectuais era maior, ria imprensa brasileira, hoje elese reduz,

pela pr6pria tcudcnciaque assume 0 jornal ismo impresso de

se pautar pOl' modelos industriais de efic iencia e

profissionalismo. Os .artigos enviados espontaneamente por

colaboradores (remunerados ou nao) passam pOl'urn processo

mais selet ivo, priv ilegiando a atualidade do tema debat ido ou

capitalizando 0 prestfgio do seu autor naquele momento. Nao

e de ~;ti'anhar que Luiz Beltrao tenha observado em jornais de

diferentes cidades brasileiras a transferencia da "colaboracao

espontanea, gratuita" para a "secao opinativa do leitor'"?' .

5. Resenha ou crftica

o genero jornalfstico que se convencionou charnar de

resenha corresponde a uma apreciacao das obras-de-arte ou

dos produtos culturais , com a finalidade de oriental' a acao dos

fruidores ou consumidores. Na verdade 0 termo reseuha ainda

nao se generalizou no Brasil, persistindo 0emprego das palavras

critica para signiticar as unidacles jomalisticas que cumprem

aquela funcao e critico para designar quem as elabora.

Por que esse descornpasso? A explicacao esta na transicao

par que passou 0 jornalismo brasileiro, da fase amadoristica

(quando os espacos dos jomais e revistas estavarn franqueados

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 16/46

 

130 lose Marques deMelo

aos intelectuais para 0 exercicio, eventualmente remunerado,

da analise estetica no campo da literatura, musica, artes

plasticas) para 0perfodo profissionalizante (momento em que

a valoracao dos produtos culturais passou a ser Iei t a

regularrnente , e portanto remunerada, adquirindo carater mais

popular). 0 que ocorreu foi a dupla recusa dos gran des

intelectuais e dos editores culturais em relacao ii . critic a

esteticamente embasada. Os grandes intelectuais porque nao

quiseramfazer concess5es 11sirnplificacao e ii . gcneralizacaopretendidos pela indust ria cultural'?", Os editores culturais

porque entendiam indispensavel ampliaro raio de influencia

da critica da arte, tornando-a uti litariaem relacao ao grande

publico e evitando 0 seu direcionamento para as elites

universitarias.

Resultado: os grandes intelectuais que continuaram a

realizarexercicios crfticos.estruturados segundo os padroes da

analise academicarefugiaram-se nos periodicos especializados

ou nos vefculos restritos ao segmento universitario da sociedade

brasileira. E se autodenominaram criticos, em contraposicao

aqueles que permaneceram nos meios de cornunicacao coletiva,

ouque seagregaram ao trabalho de apreciar os novos

lancarnentos artisticos, cujos textos passararn a chamar de

resenhas, traduzindo a expressao review ut ilizada pelo

jornalismo norte-arnericano.

Assim sendo, a resenha 6.hoje exercida, no Brasil , ..por

jornalistas quedesempenham (ou ja 0 fizeram no pass ado)

atividades vinculadas ao campo privilegiado de analise , 0 que

os torna competentes para esse trabalho Isso nao exclui a

e xist en ci a de "crfticos" que, designados para cobrir

determinadas areas da producao cultural, acabaram se

enfronhando nos bastidores do setor e despontaram como

analistas capazes de merecer a credibilidade do publico.

Historicamente, a apreciacao dos produtos cul turais

corneca na imprensa brasileira pelas areas artfsticas tradicionais:

l iteratura, rmisica, teatro, artes plasticas , E na medida em que

Jomalismo Opinativo ]3]

osjornais e revistas, ate 0 inicio deste seculo, destinavam-se a

uma parcela rest rita da populacao, a cr ftica podia se fazer em

profundidade. Havendo coincidencia entre 0 publico leitor da

imprensa peri6dica e 0publico consumidor das obras-de-arte,

era natural que os editores cedessem espac;o para a publicacao

de materias bern elaboradas, cujo cerne e a anali se da propr ia

obra-de-arte e nao a orientacao para 0 seu consumo. Quando 0

jornalismo atinge est ala indust rial e, a parti r da decada de 30,

'comec;a a ampliar consideravelmente 0 publico leitor,

abrangendo tambem a classe media e setores do operariado

qualificado, a apreciacao dos bens culturais busca novos

caminhos.

A"IIl,gq<!nc;a,)C;OlTeao apenas na forma - a substituicao

da cnticapela resenha- mas tambem no conteudo - Q que se

analisa naQ sao maisasobras-de-arte (entendidas como criacoes

'que'seguem padroes esteticos refinados e portanto, se restringem

.1ts.elites),~ sim os novos produtos da industr ia culturalibens

destinadosao consnmo de grandes contingentesepor isso

obedecendo as leis da producao em escala). Assirn, nao e a

Iiteraturaque se aprecia , mas 0 livrocolocado no mercado, A

rn~~ica executadanos recintos fechados deixa de interessar aos

jomais diaries, cedendo lugar para 0 registro e avaliacaodos

produtos da industria fonografica.

Desaparece (ou se torna residual) a crftica estetica,

dedicad~' a aprender 0 senti do profundo das obras-de-arte esima-las no contexto historico, surgindo, em seu lugar, a resenha,

uma atividade mais simplif icada, culturalrnente despojada,

adquirindo urn nftido contorno conjuntural.

Iipar isso que Afrani o Coutinho"'" , referindo-se

especificamente ao universo Jiterario , faz questao de ressaltar

a diferenca entre a cntica e a resenha, Segundo ele, a resenha

(antigarnente chamada do rodape Ii terario) e atividade

propriamente jornalfstica que se caracteriza por ser um

"cornentario breve", quase sempre permanecendo "it margem"

da obra ou saindo do "a propositc". Enquanto isso, a critica

"exi ge metodos e criterios que tornam 0 seu resultado

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 17/46

 

132 Jose Marques de Melo

incompatfvel com 0 cxercicio periodico e regular emjornal, e

mais incornpativel com 0pr6prio espfrito dojornalismo, que ei nfo rm a ca o , o ca si on a l e le ve ".

Outra diferenciacao fei ta por Afranio Coutinho toma

como referencial 0publico 'dos dois generos: a crftica (genero

literario) dcstina-se a "scholars"; a resenha (genero jornallstico)

dirige-se ao "consumo popular"; ~,ao e de estranhar que a

resenha prolifere nos meios de cornunicacao coletiva e a critica

se c i rcunscreva aos sup l emen tos culturais dos diarios, as revistasespecializadas, ao livre e as teses universitar ias,

A resenha configura-se, entao, como urn genero

j6rnalist ico destinado a orientar 0 publico na escolha dos

produtos culturais em circulacao no mercado. Nao tern a

intencao de oferecer julgamento estetico, mas de fazer uma

apreciacao ligeira, sem entrar na sua essencia enquantobem

cultural . Trata-se de uma atividade eminentemente utili taria:

havendo muitas opcoes no mercado cultural, 0consumidor que;

dispor de in fo r rnacoes e juizos de valor que 0 ajudem a tomar

a decisao de compra.

Evidentemente, a atuacao dos resenhadores (ou cnticos,

como continuam a ser charnado) nao serestringe ao rnonologo

que dirigem ao publico, mas procura tambem assumir 0 carater

de urn "dialogo" com os produtores, oferecendo pistas para

autores, diretores ou atores das obras em apreciacao. Desta

maneira, interfere nos padroes da producao. au, como preferedizer Bazon Brock: "acritica se converte em elernento integrante

dos proprios meios de producac'"?' .

a carater multifacetado da resenha pode ser apreendido

na lista de fungoes que Todd Hunr'" the at ribui.

Na sua maneira de ver, a resenha cumpre as seguintes

funcoes:

a) Inforrna, proporcionando conhecimento sobre

o que esta em circulacao no mercado cultural

e sobre a natureza e a qualidade das obras

Jomalismo Opinativo ]33

b)

comercial izadas;

Eleva 0 nivel cultural , pelo carater didatico

com que aprecia os bens culturais, despertando

muitas vezes 0 senso crftico para a sua fruicao;

Reforca a identidade comunitaria, fazendo 0

julg amento das obras segundo padroes

peculiares a cornunidade, 0 que significa

descobrir especialidades geoculturais em

produtos que possuem destinacao massiva;

Aconselha como empregar melhor os recursos

dos consurnidores, fazendo-os recusar os

produtos de baixa qualidade;

Estimula e ajuda os artistas, elogiando 0born

desempenho ou enfatizando falhas e

imperfeicoes ;

Define 0que e novo, distinguindo os produtos

tradicionais dos lancamentos que fogernatendencia dominante; .. . "'.:

Documenta para a hist6ria, permitindo

reconstruir momentos de uma atividade que eefernera pela propria natureza da industria

cultural;

Diverte, porque resgata situacoes inusitadas,

cornicas ou hilariantes, desde que realizadas

com humor.

c)

d)

e)

f)

g)

h)

Quais asmodalidades da r e senha? Fraser Bond"'" aponta

quatro: classica, relatorial, panorarnica e impressionista. Todd

Hunt207 diz, no en t anto, que s6 existem duas: a autoritaria e a

irnpressiorusta.

A classificacao de Fraser Bond fundarnenta-se no rnetodo

de apreciacao utilizado pelo critico. A resenha classica considera

judiciosamente a nova obra-de-arte, relacionando-a com o s

padroes tradicionalmente estabelecidos. A diferenca ent re a

re latori al e a panoramica esta em que a pr imeira e

essencialmente descritiva (sumariando 0 conteudo da obra e

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 18/46

 

134 Jose Marques de Melo

emitindo opiniao impl:icita nos detalhes que seleciona) e a

segunda emprega uma perspectiva hist6rica (considerando a

obra em relacao ao conjunto da mesma categoria, tipo ou

escola). Porsua vez, a cntica impressionista considera a obra aluz do efeito que faz no ser humane sensivel que e 0critico.

Essa classificacao afigura-se nos com urna certa

fragilidade, pois a rigor s6 existem ai dois metodos: 0 da

apreciacao historica (classica) eo da apreciacao conjuntural

( impressionista). As duas outras correspondem a process os deexposicao d os . .elementos captados pelo cri tico, que podem

assumir dimensao rest rita (relarorial/descritiva) ou ampla

(panoramical interpretati va).

Referindo-se ao tipo de apreciacao Todd Hunt identifica

a crftica autoritaria como aquela que se articula com "modelos

hist6ricos" (julgando as obras que entram em circulacao a partir

dos modelos precedentes) e a crftica impressionista como aquela

que decorre dat'reacao do critico" e se pauta pelos seus

"proprios meritos".

Comparando os tip o s de rescnha, Hunt aponta-Ihes

inconvenientes,

Na crftica autoritaria: a) distancia 0publico do centro cia

analise, jii que a apreciacao se faz a partir da obra e de sua

significacao no quadro hist6rico; b) cria uma atmosfera de

categorizacao, que se torna urn fim em si mesmo, impedindo

ou dificultando a inclusao de novas tendencias ou de novos

elementos; ou seja, corre 0 risco de tornar-se eminentemente

conservadora.

Na critic a impressionista: a)propicia a anarquia cultural,

porque nao se baseia em modelos ou padroes; b) torna-se

hist6rica, sem que 0publico possa ter uma perspectiva temporal

sobre a producao em julgamento; c) contem 0 perigo de

fomentar 0 ego do crit ico, transformando-o em figura todo-

poderosa.

As expressoes usadas por Hunt para distingui r os dois

tip os de resenha nao coincidem rigorosamente com 0 sentido

que lhes atr ibui. Seu divisor de aguas e 0 referencial a partir de

Jornalismo Opinativo 135

que a obra e apreciada: ora 0 passado (padrao historico), ora 0

presente (impressao do critico). Sera que tal diferenca existe?

Afinal de contas, a impressao de qualquer entice depende

inevitavelmente dos padroes que caracterizam a sua percepcao

e que remetem a modelos hist6ricos. Por outro lado, dizer que

uma e autoritaria e outra nao, torna-se algo discutivel. Ou

contradit6rio. A referencia a modelos precedentes nao significa

necessariamente irnpor padrao de julgarnento. Mas se 0 enrico

pode vir a tornar-se "figura todo-poderosa" e bem possivel queassuma postura autoritaria.

Admit indo implici tamente a contradicao que existe no

seu esquema classi ficatorio, Hunt diz que 0 padrao usual da

resenha norte-americana e umacornbinacao da critic a

impressionista com a crftica hist6rica. Sua estrutura narrativa

~?~~P_o~._s~guintes elementos: 1) Breve analise de precedentes,

situando a obra em questao dentro de urn c1etermiliado contexto

.' .,.c,.•• seja hist6rico, estetico ou politico; at, 0 crftico enuncia 0 quadro

referenciaI que 0 orienta. 2) Apreciacao da obra, destacando

suas virtudes, suas falhas. 3) Conclusao, afirrnando por que

gostou da obra ou nao gostou.

o padrao norte-americano nao esta rnuito distante

daquele que Afranio Coutinho'?" encontrou na estrutura tfpica

da resenha brasileira, cujo prot6tipo no ambito da literatura ele

sugere ser Humberto de Campos. Entre os indicadores contidos

na resenha brasile ira, Afranio Coutinho aponta os seguintes: a)Um nariz de cera como introducao acerca do assunto da obra:

b) Algumas notas sobre 0 autor e sua producao anterior; c )Mars algumas digressoes e anedotas; d) Afinal, um juizo

pessoal, de acordo como criterio de gosto e sensibilidade do

crftico,

.. Encarando com grande rigor 0que se produz nopais como

"cntica", Afranio Coutinho diz que se t: rata de uma at ividade

~xercida por pessoas muitas vezes sern qualificacao, pois vigora a

lei do rnais forte ou do que chega primeiro", Na sua opiniao, a

resenha no Brasil nao e feita de modo serio, predominando 0

"puro achismo" e nao passando de "conversa fiada".

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 19/46

 

136 Jose Marques de Melo

Quem deve ser crftico no jornalisrno, quem deve fazer

resenha dos espetaculos e dos produtos que sao Iancados nos

circuitos culturais? Responder a essa questao e retomar a tensaoentre jornalistas e artistasl escritores. Se, de urn lado, e recusada

ao jornalista sem militiincia, num dado setor cultural, a

legitimidade para exercer a tarefa de apreciacao dos sens

produtos; por outro lado, rejeita-se 0 exercfcio dessa atividade

par peritos, ouseja,especialistas academicos ou profissionais,

pela simples razao de que lhes falta distanciamento e visao deconjunto para estabelecer a relacao necessaria entre os produtos

lancados e asexpectativas do publico.

No jornalismo europeu e norte-americano as resenhas

sao produzidas por intelectuais que combinam a argticia

jornalistica com 0conhecimento do setor cultural que criticam.

Sua postura, contudo, privilegia 0publico, seus interesses, suas

peculiaridades COITIs quais se identifica.

A:rela9ao entre critico e leitor esta bem posta pelo

jornalista alernao Joachim Kaiser+? .

as leitores de minhas criticas eu os imagino, eu os

represento. Ni io me dirijo a um des-interessado para

demonstrar-lhe que precisa se tomarparticiparue, e

muito mencsme dirijo com uma condescendencia

pedagogicamente altiva para demonstrar 0estupido que

ele e .. Ambos as ati tudes se convertem em uma posiciiode desprezo pelo l eito r, e por is so me' p arecem

condenaveis. Ndo; eu me imagine, me rep resento,

pressupondo que 0 leitor se interessa tambem pelos

problemas e questo es que reclamam meu proprio

interesse. Ndo quero considerar 0 leitor como um tonto,

um obtuso, um insensivel . Mas tambem 0 concebo C0l110

alguem que ndo se ocupa profissionalmente de assuntos

artisticos. Conseqiientemenie, alguem que se encontra

menos informado que um profissional na materia. ( ... J

Falo com 0 leitor como uma igual, mas que talve: ndo

esteja tiio bem informado a respeito . Porque se 0 leitor

/

Jornalismo Opinativo 137

me quisesse explicar algo sobre odontologia (110 caso

de se tratar de urn dentista), quero que tambem me

trate como igual, porem menos informado que ele.

Oscrit icos sao, portanto, pessoas medianas, que nem se

caracterizarn como ignorantes da area analisada, nem tampouco

vivem numa torre de marfim, desconhecendo a sensibiliclade

do publico e procurando entender as producoes apreciaclas num

contexto mais amplo. Sao jornalistas que procm'am explicar,esclarecer, oriental' 0 publico no contato com as producoes de

um segmento da industria cultural.

Sera que esse perfil se aplica aos jornalistas quefazem

resenhas no Brasil? Trata-se de uma questao a ser mel h or

avaliada. o que irnpera e aquele estereotipo formulado pOI'

Afranio Coutinho. as crfticos da producao cultural sao

apontados como jornalistas que se improvisararnc ..se

converteram rapidamente em jufzes; ou entao, frustradosque

buscaram abrigo nos.meios de cornunicacao para criticar com

veemencia os que obtiveram exito na producao cultural ,

Uma caracterfstica import ante desse setor dojornalismo

cultural e a concentracao de poder que conseguem os crit icos,

tornando-severdadeiros arbitros. Sao capazes de glorif icar ou

destruir, Suas mensagens oscilarn entre 0 elogio e a verrina.

NITo foi sem razao a polernica criada em fins de 1980

pelo compositor Chico Buarque de Holanda, acusando oscrfticos brasileiros de "abuso de poder", Ao inves de praticarem

a apreciacao das obras culturais com discernimento, elaboram

suas resenhas com espirito de partidismo, Dai surgiu a

expressao: "patrulhamento ideologico",

Essa mesma questao ja havia preocupado osparticipantes

do Serninario de Critica Teat ral , realizado em 1976, no Rio de

Janeiro. Uma das perguntas feitas na ocasiao foi a seguinte:

"Como se erradicaria do panorama da pratica judiciaria do born

e do mau?'?"

Diagnosticando 0problema, a partir da polemica criada

por Chico Buarque de Holanda, Paulo Francis!" diz: no Brasil

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 20/46

 

13 8 Jose Marques de Mela

e diffcil haver "boas resenhas". Ele caracteriza as nossas

resenhas como "palpites de marketing que pouco interessam

aos artis tas, exceto se influem na venda do produto". Por que?"

o principal motive e que todas as publicacoes pagam mal e

porcamcnte aos resenhadores, logo, se aparece alguem de nome

assinando uma resenha e porque tern interesse (positivo ou

negativo) no produto. 0 que de certa forma desvaloriza a

.resenha. 0 olho treinado distingue perfeitamente esse

"interesse". .'A baixa.rernuneracao nao e, contudo, privilegio dos

resenhadores. E a explicacao para o vies daresenha talvez esteja

naquele trace do carater nacional brasileiro que 0crftico Enio

Squeff captou com precisao, Fazendo sua autocrftica com

crit ico, Squeff?" destacou a diferenca que existe entre "erros"

e "exageros".Referindo-se as resenhas, ele assegura que "os

enos sao menos frequentcs: aqui, 0 que sobram sao certos

exageros e.r ia turalrnente ,os dois pesos e as duas medidas que

todos usamos: para os amigos,muitas vezes a tolerancia: para

os antipaticos.ou desafetos, a severidade absoluta".

Em que pesem essas distorcoes, a resenha como.genero

jornalist ico tern crescido nos meios de cornunicacao coletiva

no Brasil . Isso e reflexo da expansao da industria cultural em

nosso pais e da existencia de urn publico consumidordos bens

culturais, sobretudo nos grandes centros urbanos, que recorrem

aos criticos como fonte de orientacao para as suas decisoesnesse campo.

A resenha nao mais se limita ao jornal diario , as revistas

sernanais, tendo hoje uma presen<;:a relativa no radio e na

televisao, onde vern sendo desenvolvida nos programas

voltados para a inforrnacao cultural.

Seu amqi.to de acao contempla os produtos tradicionais,

como aliteratura eo livro, a miisica a as artes plasticas, 0 teatro

e a danca, mas atribui enfase aos novos produtos da industria

cultural que consti tuem fonte segura de receita publicitaria : a

televisao, 0 cinema, a musica, e ate mesmo 0 esporte, a

gastronomia e apublicidade.

Jornalismo Opinativo 139

A propria imprensa converteu-se em objeto da resenha

jornalist ica.Como diz Alberto Dines"? : "A critica 11mprensa

exercida, pois, a traves da propria imprensa e a forma que 0

quarto poder encontrou para subrneter-se aojulgamento publico

e assim enquadrar-se como os tres outros no sistema de

vigilancia e equilfbrio dos regimes dernocraticos. Ao contrario

do que ocorre com os demais generos da critica, especialmente,

os mais populares, que sao os artisticos (Ii vros, artes e

espetaculos), 0 da imprensa nao pode fixar-se nas excelencias

tecnicas. 0 jornalismo nao e arte para ser julgado apenas pelos

aspectos esteticos, Dada a funcao social da imprensa, os

aspectos esteticos e politicos sao rnais relevantes'?"

*®Coluna

A caracterizacao do colunismo na irnprensa 'bras' ileira

da margem a arnbiguidades. Ha uma tendencia gera! para

chamar de coluna toda seciio f ixa. Assim sendo, a coluna

abrange, segundo essa nocao, 0 coment iirio, a cronica e ate

mesmo a resenha.

Historicamente, a coluna originou-se dentro da antiga

diagramacao vert ical, em que as materias eram dispostas de

cima para baixo, passando, sc necessario , 11coluna vizinha.

Hoje, com a diagramacao horizontal, a colunaja nao mais ocupao espaco disposto verticalmente e se alarga pelo espa<;o

fronteirico. Por isso, e comum 0 uso da palavra seciio para

denominar a col una.

o termo coluna e todavia 0mais usado, mesrno que ocupe

uma pagina (colnna do Cesar Giobbi ouda Monica Bergamo) ou

mais de urna coluna grafica (coluna de cinema, de televisao).

C" 'f '\Rabaya e Barbosa-" registram essa natureza ambigua

da coluna enquanto genero jornalistico, afigurando-se como

espa«o de entrecruzamento de varias formas de expressao

( .<iVnoticios'i!fAcoluna e a "secao especializada dejornal ou revista,

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 21/46

 

140 Jose Marques de Melo

publicada com regularidade, geralmente assinada, e redigida

em estilo mais livre e pessoal do que 0 noticiario cornum.

Comp6e-se de notas, sueltos, cr6nicas, artigos ou textos-

legend as, podendo adotar, lado a lado, varias dessas formas:j

As colunas mantem urn titulo ou cabecalho constante, e sao

diagramadas geralmente numa posicao fixa e sempre na mesma

pagina 0que facil ita a sua localizacao imediata pelos leitores",

Trata-se, portanto, de urn mosaico, estruturado porunidades curtfs si mas de intormacao e de opiniao,

caracterizando-se pela agilidade e pela abrangeucia. Na verdade,

a coluna cumpre hoje uma funcao que foi peculiar aojomalismo

impresso antes do aparecimento do radio e da televisao: 0 furo.

Procura trazer fatos, ideias e julgamentos em primeira mao,

antecipando-se a sua apropriacao pelas outras secoes dos jornais,

quando nao funciona como fonte deinformacao.

A coluna tern cornoespaco privilegiado os bastidores

da notfcia, descobrindo fatos que estao por acontecer, pincando

opinioes que ainda naose expressararn, ou exercendo urn

trabalho sutil de orientacao da opiniao publica.

Explica Fraser Boud?" que a.<;:pJI11lil§!1rgilla imprensa

norte-americana, em meados do seculo XIX, quando osjornais

deixaram de ser doutrinarios e adquiriarn feicao lnformativa.

O.publico comecou a desejar materias que escapassem doahonimato redatorial e tivessem personalidade, Isso deu lugar

ao aparecirnento de secoes sob aresponsabilidade dejornalistas

conhecidos, superando a frieza e a irnpessoal idade do corpo

do jornal, e originando espacos dotados de valor infonnat ivo e

de vigor pessoaL

A col una corresponde a ernergencia de urn tipo de

jornalismo pessoal, intirnamente vinculado a personalidade do

seu redalor. Talvez possa ser identificado como uma

sobrevivencia, no jornali smo industr ial, daquele padrao de

jornali smo amador e ecletico que caracterizou as primei ras

publicacoes periodicas,

Jornalismo Opinativo 141

Originalmente a col una e uma materia cuja extensao nao

ul trapassa mi l palavras, coincidindo com a medida da coluna

do jornal standard. Depois cornecou a variar , reduzindo-se para

800 ou ate para 500 palavras.

Tendo como berco 0 jornalismo norte-americano, a

coluna aparece ali segundo quatro tipos:

a) Coluna padrao - dedicada aos assuntos

editoriais de menor importancia, reservandoa cada urn pouco rnais de urn paragrato, 0

que implica urn tratamento superficial,

apenas sugerindo tendencias ou propondo

padr6es de julgamento;

Coluna rniscelf inea - combinacao de prasa e

verso, foge ao padrao tipografico

convencional, misturando tipos; nao se

prende a nenhum assunto, incluindo uma

grande variedacle de temas e atribuindo uma

certa dosede humore sarcasmo aos assuntos

tratados;

Coluna de mexericos - centralizacla em

pessoas, principalmente as figuras da alta

sociedade, as personalidades famosas, ou

mesmo, no caso dos pequenos jornais, as

pessoas de destaque na comunidade, Divulgaconfidencias, indiscricoes, faz elogios, impoe

sancoes comportamentais . Inicialmente

voltado para 0 high society, esse tipo de

coluna subdi vide-se depois por ram os de

atividades: cinema, teatro, musica, esporte,

economia;

Coluna sobre os bastidores da polftica -

variante da coluna de mexericos, mas sem

adotar a sua "tagarelice", situa 0 lei tor no

mundo do poder, mostrando-o na sua

intimidade.

b)

c)

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 22/46

 

142 J o s e Marques d e M e l o

Alern desses tipos, Fraser Bond faz referencia a outros:

coluna editorial assinada (que no Brasil cham amos de

comuni tario); coluna de versos (aqui nao praticada) e coluna

dos Ieitores (que, no nosso entender, e um genero jornalfstico

autonomo, marcado pela feicao epistolar).

Do ponto de vista estrutural,a coluna e um complexo de

mini-inforrnacoes. Fatos relatados com muita brevidade,

Comentarios rapidos sobre situacoes emergent es , Ponto de vista

apreendido de personalidades do mundo noticioso. Trata-sede urna colcha de retalhos, com unidades informativas e

opinativas que searticulam. Sao pilulas, f lashes, dicas.

vW'1Aparentemente a coluna tern carater informative,

registrando apenas 0que esta ocorrendo na sociedade. Mas, na

pratica, e uma secao que emite jufzos de valor, com sutileza a U

de modb ostensive. 0 proprio ate de selecionar os fatos e os

pe~sonag.:,n~ a merecerem registro ja revel a 0 seu carater

opinativo] .

A colunatem fisionomia levemente persuasiva, Nao se

limitaa emitir uma simples opiniao, Vai mais longe: conduz os

que formam a opiniao publica veiculando versoes dos fatos

que the darao.contorno definitivo.

Por isso existe uma intima ligacao, para nao dizer

dependencia, da col una com os services de relacoes publicas.

Como os profissionais de relacoes public as visam projetar a

imagem dosseus clientes (empresas/politicos/artistas/marcaslprodutos etc.), e compreensfvel que procurem se valer das

colunas para criar evidencia. Quanto rnais vezes urn nome e

registrado nas colunas, repetido, mais legitimacao social ele

adquire"? .

Essa uti l iz.acao da coluna pelas relacoes piiblicas,

resultado de um pacto nao explfcito ent re 0 colunista e suas

fontes de inforrnacao, fundamenta-se naquele pr incfpio

enunciado por Lazarsfeld e Merton - 0 de que os meios de

comunicacao, particularmente a imprensa, conferern status'" .

Aparecer em letra de forma significa ganhar projecao publica

e obter simpatia.

Iornalismo Opinativo 143

o colunismo funciona psicologicamcnte como camara

de eco dos rumores que ci rculam na sociedade. Nao sem razao

o slogan de urn dos maiores colunistas brasileiros foi 0 seguinte:

" em sociedade tudo se sabe'?" .

Gilberto Freyre identif ica no colunismo 0 cul tivo de

traces brasile iros - a vaidade e a frivolidade-".

Sou dos que veem cronica social um registro de Jatos

ou de ocorrencias que constituem expressiio de cOllvivio

hum ano numa de suas [ormas mais sutilmente

signi ficativas dentro de um contexte da vida brasileira

que. ja sendo pos-burgues numas coisa, noutras

continua burgues. Pode esse registro set; por vezes, Ulna

caricia a vaidade de con vivas de todofrivolos. Mas quemnega ser proprio do ser humano, burgues ou p6s-

burgues, 0 pecado da vaidade? Nunc a vi tantas

medalhas a enfeitarem peitos de home/is como nos

generais russo-sovieticos que tenho conhecido. Quem

niio sofre da vaidade, ainda burguesa, de ter not iciado,

no Brasil de h o j e , e m j o r n a l , 0 b a t i z a d o d e u m f i l h o ou

o noivado de uma filha ou urn j antar oferecido a uni

amigo? Siio Jatos que constituent um burguesissimo

ramerrame, e certo. Mas esse ramerrame parte da

hist6ria, da vida, do convivio de uma comunidade do

feitio da brasileira dos /lOSSOS dias, tanto dos dias de

nossos pais e de /lOSSOS av6s.

Como explicar essa sobrevivencia do colunismo na

imprensa brasileira? Alimentar a vaidade das pessoas noticiadas

- colunaveis - nao e argumeuto suficiente. Existem outras

razoes que, na nossa mane ira de ver, fazem parte dos

mecanismos de reproducao social e de controle politico na

sociedade burguesa. Vamos enumera-Ias:

C )V m 0 colunismo atende a uma necessidade de satisfacao

substitutive existente no publico leitor . Jri que a maioria das

pessoas esta exclufda do circulo reduzido dos colunaveis

(poder/estrelaro), da-se-Ihe a sensacao de participar desse

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 23/46

 

144 Jose Marques de Melo

mundo, atraves dos colunistas. Trata-se de uma forma de

partic ipacao artificial , abstrata. Partic ipam sem fazer parte .

Acompanham a distancia.

C : o : : ~ . r 6 colunismo tern a funcao de "balao de ensaio",

lnsinua fatos, J a n c a id e ia s , sugere situacoes, com a finalidade

de avaliar as repercussoes. Isso se chama, em linguagem

jornalfstica, "plantar notfcia"{Da reacao do publico, estimulada

pOI essas inforrnacoes sutis, depende mui tas vezes a tom ada

de decisoes empresariais, polfticas. Pass ado 0 irnpacto, refeit~

o susto, 0 publico as aceita com tranquilidade, Ou se asrejeita ,

fortemente, eo caso de adia-las, transferi-Ias para ocasiao mais

oportuna.

3) Alimentando a vaidade das pessoas importantes (do

rnundo da arte, do e spe tacul oe da polftica), 0colunismo oferece

ao mesmo tempo "modelos" de comportamento. Estimula 0

modis rna, incrementa 0 consurno, alimenta a esperanca dos

que pretendem ingressar no "parafso burgues",

o colunis~o nutre-se de urn fenomeno social que Edgar

Morin chama de "olirnpismo moderno'?" .E 0 traco da cultura

de massa que da sentido a esse genera jornalfstico onde a

futil idade, a frivolidade e 0mau gosto se entrelacam.

o olimpismo moderno significa aquele universo de

novos deuses criado pela industria cultural . Cantores, atores,

escritores, desportistas, governantes, etc . sao convertidos em

estrelas. Seus modos de agir sao sugeridos it imitacao de toda

a sociedade. Como disse Paulo Francis: "Sociedade virou show

business. Isso afeta tudo, de roupas a maneiras e habitus

alirnentares'?".

Privi legiando os olimpianos, os colunistas ofe recern

artiffcios para alimentar 0 mecanismo psicossocial da

"projecao", cornpensando assim as frustracoes cotidianas da

maioria da populacao. Como uem todos tern oportunidades e

condicoes para atingir 0 cume da piramide social, os cidadaos

barrados economicamente no portae do "paraiso burgues"

Jornalismo Opinativo 14 5

contentam-se em idolatrar seus mitos, projetando-se nas suas

realizacoes.

Pesquisando a estrutura simb6lica das colunas sociais

dos jornais do Rio de Janeiro, Anamaria Kovacs?" constatou

duas funcocs pri nci p ais: a) colocar em evidenci a os

personagens-paradigmas, ou seja, os olimpianos de Edgar

Morin; b)promover, atraves destes personagens, todo urn setor

da industria de consumo e de lazer, Confirmou tambern aquela

funcao psicoterapeutica: relaxar as tensocs e frustracoes da vidareaL

Qual a identidade da coluna? E m r el ac a o it coluna social,

Kovacs define da seguinte maneira: trata-se de uma "rnontagern

de noticias que interessam aos leitores que sao noticia

(membros da classe A), aqueles que gostariam de ser noticia (a

massa) e aqueles que se interessam por outros assuntos

divulgados pela coluna - culturais, econ6micos, polfticos - e

que servem de pretexto para que leiam, tambem..u parte dos

mexericos",

Na "montagem" da coluna, Kovacs encontrou varios

elementos expressivos: a nota mundana, a nota crit ica, a nota

cultural, a nota politica e economica, 0 apelo (ao publico e a sautoridades) e os rumores.

Para realizar urn trabalho tao vasto que implica em captar

a dinamica cia vida social e cultural da classe dominante, 0

colunista necessita con tar com urn amplo relacionamento efacil idades para perceber e registrar os fatos que estao

acontecendo. 0 segredo desse desempenho profi ssionai esta

no manejo das fontes que illformam com rapidez 0que oeorreu

ou esta para se concretizar.

Se originalmente 0 colunista trabalhava sozinho, hoje

ele conta com equipes de rep6rteres que 0 ajudarn a cobrir OS

ultirnos acontecimentos e saber 0 que divulgar,

No jornalismo norte-americana, os gran des colunistas

deixaram de ser profissionais assalariados per uma detenninada

empresa e criaram seus proprios escrit6rios de inforrnacao

(especies de agencias noticiosas de futil idades), que vendem

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 24/46

 

146 Jose Marques de Melo

as colunas para jornais e revistas de diferentes cidades e regioes,

onde sao produzidas sirnultaneamente.

o colunismo floresce no Brasil na dec a da de' 50. Everdade que, antes disso, osjornais sempre tiverarn suas secoes

dedicadas a : vida social - ao arnbiente da alta sociedade - mas

sem 0dinamismo e a irnportancia que assumiriadepois. A figura

dinarnizadora do colunismo social brasileiro foi sern diivida

Ibrahim Sued, queatualizou a cobertura da vida mundana

dando-lhe uma certa sofisticacao>", '

Auto-proclamando-se "rnestre do colunismo brasileiro"

Ibrahim Sued confessa em seu Iivro de memorias?" que fo;

buscar a formula para essa atividade na imprensa norte-

americana. Ele se diz influenciado por dois colunistas: Walter

Wintchel e Elza Maxwell. Com Wintchel ele diz ter aprendido

que "0 campo do colunismo nao se restringe apenas ao das

bonecas e deslurnbradas", envolvendo "os principais setores

de atividade de urn pars". Com Maxwell ele cornpreendeu que

"0 'lad() amenoda vida. nao implica necessariarriente emfutilidade". .

Daf 0modelo do seu colunismo, que fez escola e continua

a influenciar tantos seguidores que 0 reproduzem nos grandes

e pequenos jornais detodo 0 pats. 0assunto ameno - mulher,

mod a,sociedade, artes, literatura, polftica - e 0que mais agradaseus leitores,

Ibrahim Sued teve muita consciencia do poder que

adquiriu 0 colunista na sociedade, "Creio, sinceramente, que

rninha col una (social) terncontribufdo rnuito para 0pais. Lancei

muita gente, tanto no society como nos neg6cios e na polit ica.

Ja destrui, tam bern, Ialsos estandartes e corrigi enos na

adrninistracao. Meu balance sera, por certo, mais positive que

negative".

Exatamente par essa polarizaeao de poder que adquire,

o colunista extrapola a sua atuacao profissional como jarnalista.

Deixa de ser urn mew observador da realidade para rcgistra-Ia

e val ora-Ia, assurnindo a papel de promotor social. Faturando

o prestigia da sua coluna e aproveitando 0relacionamento que

Jornalistno Opinativo 147

obtem nos ambientes que frequenta, 0colunista promove bailes,

festas, concursos, premiacoes , que, sepor urn lade movimentam

o conteudo jornalistico das inforrnacoes que divulga, por outro

lade passa a constituir uma fonte adicional de rendimentos

materiais. Jornalismoe co mercializacao se envolvem

profundamente.

Se no principio 0 colunismo restringia-se ao ambiente

da alta sociedade, hoje ele se alastra para todas as areas cobertas

pelos jorn ais diaries. Onde ha setores que projetam

personalidades e instituicoes, 0 colunismo se estrutura e atua.

Os tipos de colunas rnais comuns na imprensa brasileira

sao: coluna social, colima polit ica, coluna econ6mica, col una

policial , col una esportiva, col una de livros, coluna de cinema,

coluna de televisao, coluna de rmisica etc .

Houve urn tempo em que esse genero jomalistico chegou

it televisao. Ibrahim Sued foi 0 seu introdutor. Mas durou poueo.

Pela pr6pria natureza das mensagens que circula - rum ores,

insti tuicoes, projecoes ~ nao se presta a rapidez dos vefculos

eletronicos, que exigem precisao nos fatos divulgados. Por isso,

.0 colunismoperrnanece restr ito aos vefculos impresses"? .

Nocaso das colunas que abrangem setores culturais, e ,preciso nao confundi-Ias com as resenhas. Sao dois generos

que coexistem no mesrno espa,>o jornalistico. Enquanto a

resenha faz a analise das obras em circulacao, a coluna

movimenta 0 setor, mantendo aceso 0 interesse dos leitores

pelos seus protagonistas. Divulga programacao, destaca

lancamentos, sugere opcoes, projeta nomes. Cria, enfim, urn

clima ernocional em torno daquele segmento da indust ria da

cultura suscitando 0 interesse perrnanente dos scus aficcionados.

A coluna tern na sua identidade esse hibridismo que

advern da convivencia com os generos mais pr6ximos. Wilson

Nunes Coutinho-" apreendeu esse seu carater ambfguo.

"Inserida geralmente na parte que os jornais destinam aos

eventos culturais, a c a l una social habita este espaco sob 0 signo

da ambigiiidade. De urn lade e urn genero literario como a

cr6nicae, do Dutro, como noticiario , vive da dispersao, no caso

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 25/46

 

148 Jose Marques de Melo

frivola, dos acontecimentos. Evidenternente, e urn genero

literario. Tern sua economia textual, suas inovacoes formais:

ela e 0 folhetim do cotidiano burgues. Pravavelmente e urngenera menor que a c r on ic a e n a o tern as ambicoes culturais da

critic a teatral ou cinematcgrafica. A cr6nica, mesmo que trate

de alguns eventos, se al imenta da redundfincia literaria, seja

manipulando a poesia, 0 conto ou a mem6ria. A cr6nica como

a crftica possuem em superego cultural. A coluna social (...) e apratica de tornar tudo mundano. Nos mais 'sofisticados

colunistas pode-se introduzir a repeticao da rosa de Gertrud

Stein desde que regada a vinho. E depois tudo e urna festa,uma festa, uma festa. Tudo passa pelo olharde uma certa ala

da burguesia que consome tanto a cultura, como autornoveis,

jantares e viagens. E a ala dourada, que trabalha pouco e cujo

ritual antropofagico consisteexatamente nisso: a vida deve ser

devorada".

Mas Gilberte Freyre/" nao hesita em Ihe atr ibuir-uma

certa significacao artfstica e cultural. "A cronica social tern isto

magicoou polit ico: atraves de suas nao sei se digo fofoquices

provocaconvidados em torno de coisas literarias ou artis ticas,

Realizapublicidade da melhor em torno de valiosas coisas de

.a rte ", .

7. Cronica

No jornalismo brasileiro a cr6nica e urn genero

plenamente definido. Sua configuracao contemporanea permitiu

a alguns estudiosos proclamarem que se trata de urn genero

t ipicarnente brasilei ro, nao encont rando equivalentena

producao jornalistica de outros pafses.

Diz Paulo R6nai: "Para qualquer brasi leiro a palavra

cronica tern sentido claro e inequfvoco, embora ainda nao

dicionarizado; designa uma composicao breve, relacionada com

Jornolismo Opinativo 149

a_<U.ll.qJLq~g.~.,PlljJlicadamjornal ou revista. De tal forma esse

significado esta generalizado que s6 mesmo os especialis tas

em historiografia se lembrarn de outro, bern mais antigo, 0 de

narracao hist6rica por ordem cronologica'?" .

Se esse sentido predomina em nosso pais, tomando a

cronica a Ieicao de relata poetico do real, s ituado na fronteira

entre a informacao de atualidade e a narracao literaria, 0mesmo

ja nao ocorre em outros pafses.

o termo cronica, no jornalismo rnundial , esta bern mais

vinculado aquele outro significado a que serefere Paulo R6nai:

o de relata cronol6gico, 0 de narracao historica. Trata-se,

portanto, de urn genero controvertido, cuja caracterizacao varia

.de pafs para pais .

Mesmo entre nos ainda e comum usar a palavra cr6nica

para designar, alern do genero que adqui riu especi ficidade

incontestavel no jornalismo, outras formas de expressao

noticiosa mais pr6ximas da reportagem. Fala-se, por exemplo,

de "cronica social'Y'" , "cronica policial'?" , "cronica teatral'?"

etc.

Do ponto de vista hist6rico, cronica efetivamente

significa narracao de fatos, de forma cronol6gica, como

documento para a posteridade. A producao dos cronistas foi

legit imada pela literatura que a recolheu como representativa

da expressao de uma determinada epoca. E desta maneira que

Hernani Cidade-" registra a obra de Azurara no conjunto da

literatura portuguesa, chamando-o de "primeiro cronista das

conquistas de alem-rnar" .

.fgi com esse sentido de relata hist6rico que a cr6nica

chegou ao jornalismo. Trata-se do ernbriao da reportagem. Ou

seja , uma narrati va circunstanciada sobre os fatos observados

pelo jornalista num determinado espaco de tempo. Muitas vezes

essas rnaterias assumiam feicao epistolar, como por exemplo

as Cartas da lnglaterra de E9a de Queiroz, que continham a

percepcao do momenta cultural e do pais , transmitindo ao leitor

de lingua portuguesa a vivencia dagueles acontecimentos.?".

Mas tambem correspondem ao que depois charnarfamos no

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 26/46

 

15 0 lose Marques de Melo

Brasil de reportagem setorial, cobertura jornalist ica de uma

determinada instituicao ou de uma esfera da sociedade - cronica

legislativa, cronicajudiciaria, cr6nica policial, cronica esportiva,

etc.

Martinez Albertos-" atribui it cronica urna origem

eminentemente latina - Franca, Espanha, Italia - assemelhando-

se, mas nao tendo correspondentes precisos, a certas formas de

expressao do jornalismo, alemao, Ingles ou norte-americano.

Na pesquisa querealizou sobre a cr6nica latina, ele diz queesse genera assume carater tipicamente inforrnativo, mesclado

porem de elementos valorativos que revelam a percepcao

pessoal do redator.

Seu conceito de cronica e 0seguinte: "Narracao direta e

imediata de uma notfcia com certos elementos valorativos que

sempre devem ser secundarios a respei to da narracao do fato

de si. Pracura refletir 0 acontecirnento entre duas datas".

Gargurevich-ve taxat ivo ao proclamar que "A cronica

e a antecessora imediata do jornalismo informative". E

esclarece: "Quando a industria da inforrnacao nao havia

alcancado ainda 0 vigor que Iograria em rneados do seculo

passado,os pr6prios jornalistas davam as noticias a

denorninacao de cronicas, influenciados provavelrnente pelo

genero historico-literario que tern 0mesmo nome".

Essa tese encontra respaldo na bibliografia dojornalismo

europeu de rafzes latinas. Com pequenas variacoes nacionais,esse genera jornalistico tern caracterist icas comuns na Italia,

Franca, Espanha.

No jornalismo frances, denomina-se cronica a cobertura

"especializada" que os jornal istas fazem de determinados

setores da atividade social ou cultural; Folliet'" registra varias

modalidades de.cr6nicas: religiosa, dos tribunais, l iterarias,

dramatica, musical, artistica, agricola, jurfdica, etc.

No jornalismo italiano, 0 sentido predominante e 0 de

inforrnacao observada e conferida pelo rep6rter. Diz Domenico

de Gregorio.?" "A cr6nica se apresenta como urn texto

procedente de urn jornalista que recolheu os elementos

Jornalismo Opinativo 151

noticiosos longe da redacao e se ut ilizou do meio mais rapido

de retransmissao de que dispunha para fazer chegar 0 mais

rapidamente possivel ao leitor; esta forma confere ao escri to

urn carater de frescura, de autenticidade e de eficacia que

derivam do fato de que 0 redator esteve no lugar em que os

acontecimentos ocorreram".

No jomalismo espanhol , usa-se 0 termo cr6nica para

designar a producao jomalistica que relata fatos, mas que

tarnbem os analisa. Segundo Martin Vivaldi'?" "a cronicajornal istica e, em essencia, uma informacao interpretativa e

valorativa de fates noticiosos, atuais ou atualizados, onde se

narra e ao mesmo tempo se julga 0 narrado",

\

- Assim sendo, na ltiilia a cr6nica aproxima-se mais do

sentido que, n.o Brasil , a tr ibu. imos 11reportagem. Na Franca,

oscila entre a reportagem setonal e 0 nos so colunismo. Na

Espanha, combina a noncia e 0 cornentario.

c __ • Fazendo uma comparacao entre a cronica espanhola e a

hispano-americana, Gargurevich"? identif ica uma diferenca

basi ca. 0 jornalismo hispano-americano praticou originalmente

urn tipo de cr6nica bern proximo do relato hist6rico (as

relaciones tratavam de "fates reais, acontecimentos verificados

durante lim periodo determinado"); mas hoje, influenciado pelas

tecnicas norte-american as, a cr6nica assumiu feicao diversa,

assimilando "as novas tecnicas de escrever, de narrar os fatos".

Isso corresponde a dizer que nos paises hispano-americanos 0

jornalismo "abandon a praticamente 0 estilo original da cr6nica"

e incorpora a reportagem, segundo os padroes norte-americanos.

Enquanto isso, a cr6nica espanhola permanece fie I ao velho

estilo, "resistindo tenazmente ( ... ) aos metodos norte-

americanos" e dando urn tratamento jornaltstico que torn a

"pes ados" os textos que publica cotidianamente.

No jornalismo portugues, a cr6nica esta bern mais

proxima daquela caracterizacao que adquiriu no Brasil. Como

dizern Lerna e GouHio:241 os fatos sao apenas "urn pretexto

para 0 autor da cronica", pois "este genera jornalistico e 0que

maiscontatos tem com os generos literarios classicos,

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 27/46

 

15 4 lose Marques de Melo

cscritores ejornalistas, com os seus rotineiros e os seus mestres.

Nos anos30 se afirmaram Mario de Andrade, Manuel Bandeira,

Carlos Drummond de Andrade, e apareceu aquele que decerto

modo seria 0 cronista, voltado de maneira praticamente

exclusiva para este genero: Rubem Braga'. '.249

Esse marco indicado por Antonio Candido ref lete dois

epis6dios que mudariam sensi velmente 0 panorama cultural

brasileiro e que, por sua vez, decorrem do processorle

industrializa~ao e urbanizucao que alterou a fisionomiaecon6micado pais. Eles sao; .

a) A Semana de Arte Moderna de 1922, que

inicia urn movimento de brasiiidade, levando

a nossa literatura, seja na tematica, seja na

linguagem, a se aproxirnar da realidade .

nacional. E sobretudo no plano da linguagem

que esse movimento influencia a irnprensa

brasileira, fazendo-a abandonar 0 velho estilo

discursi vo dos bachareis para descobrir a

simplicidade e a clareza da linguagern

coloquial. Se a cr6nica ja havia, no final do

seculo XIX, esbocado .reacao no terreno

lingt iist ico, ela nao consegue irnpregnar 0

jornalismo como urn todo. Depois de 1922,

nao. Observarernos uma mudanca nos padroes

do estilo jornalfstico.P?

o desenvolvimento da imprensa, pois nesse

penodo osjornais diarios das grandes cidades

assumem feicoes empresariais, tornado-se

mais dinamicos, arnpliando seu publico leitor,

incorporando a agilidade da modern a

imprensa europeia e norte-americana.251 Essa

revoluc,:ao da imprensa conduz a uma

diversificacao do conteiido e a arnpliacao das

seyoes permanentes para atender a urn publico

leitor mais exigente (a emergente c!asse

b)

Jornalismo Opinativo 155

media). Nesse quadro, a cr6nica adquire urn

lugar especial. E 0 cronista e urn interpretedas mutacoes que dao nova fisionomia asociedade brasileira.

A cr6nica que se pratica no Brasil a partir da decada de

30, tendo em Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga,

Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos seus principais

cultores, representa uma continuacao do genero que Machado

de Assis e Jose de Alencar haviam sedimentado em nOSSO

jornalismo. Mas os novos cronistas dao-lhe uma dimensao

especial.

Se a cronica de cos tume se val ia do real (fatos ou ideias

do momento) simplesmente como "deixa" ou como inspiracao

para urn relato poetico 0\1para uma descricao Iiteraria, a cr6nica

moderna assume a palpitacao e a agi lidade de urn jornalismo

em rnutacao. Ela figura no corpo .do jornal nao como objeto

estranho, mas como materia inteiramente ligada ao espfrito da

edicao noticiosa.

A cr6nica moderna gira permanentemente em torno da

atualidade, captando corn argucia e sensibilidade 0dinamismo

da noticia que permeia toda a producao jornalist ica, Ainda que

o cronista mantenha, como diz Antonio Candido">, "urn a

Con v ersa aparentemente fiada" em torno de questoessecundarias, nao vinculadas ao espectro noticioso, isso constitui

urn momento de pausa, que reflete a tregua necessaria 1 1 vida

social.

Carlos Drummond de Andrade, em carta a urn dos seus

leitores que reclarnava da "frivolidade" do cronista, faz a

reivindicacao do "espaco descornprornissado", argumentando

que 0jornal ja esta cheio de assuntos graves, "0 imi tii tern sua

forma particular de utilidade. E a pausa, 0descanso, 0refrigerio,

no desmedido afa de racionalizar todos os atos de nossa vida

(e a do proximo) sob 0 cr iterio exclusivo de eficiencia,

produtividade, rentabilidade e tal e coisa. Tao compensatoria e

essa pausa que 0 inuti l acaba por se tornar da maior util idacle ,

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 28/46

 

156 lose Marques de Melo

exageroque nao hesito em combater, como nocivo ao equilfbrio

moral. Nos devemos cultivar 0 ocio ou a frivolidade como

valores utilirarios de contrapeso, mas pelo simples e puro deleite

defruf-Ios tambem como expressoes da vida". '53

o cronista que sabe atuar como consciencia poetica da

atualidade eaquele quemantem vivo 0 interesse do seu publico

e converts a cronica em a1godesejado pelos leitores. Atua como

mediador literario entre os fatos que estao acontecendo e a

psicologia coleti va. E por isso que muitos cronistas (Drummond

em especial) buscam inspiracao no proprio jornal. Realizam

umatraducso livre da realidade principal, acrescentando ironia

....e humor it chatice do cotidiano, it dureza do clia"a-dia. Os que

se afastam dopresente e ertveredam pelo saudosismo, pela

rernernoracao dostempos passados, arriscam perder o publico

ou 0 limitarn aosseus companheiros de geracao, .

. Assim serido,. a cronica modern a configura-so como

generoemirterttemente jornalfstico. .

Suascaracterfsticas fundamentais sao:

1) Fidelidade ao cotidiano, pela vinculacao

ternatica e analft ica que man tern em relacao

ao que esta ocorrendo, aqui e agora; pela

captacao vdos estados emergentes da

psicologia coletiva.

2) Critica social, que corresponde a "entrar

fundo no significado dos atos e sentimentos

do homem". Diz Antonio Candido que essa

tarefa 0cronista realiza de modo dissimulado

pois ele rnantem 0 "ar despreocupado, de

quem esta falando coisas sem maior

consequencia", Esse e urn trace essencial da

cronica rnoderna, que assume 0arde "con versa

fiada", de apreciacao iroruca dos

acontecimentos, deixando de ser 0"cornentario

mais ou rnenos argumentativo e exposirivo" que

se praticava nos fins doseculo XIX.254

Iornalismo Opinativo 157

Mas a cr6nica nao e monolitica, uniforme. Comporta

varias especies. Sua classif icacao tem sido objeto de estudo de

pesquisadores do jomalismo e da literatura.

Na bibliogtafia sobre a cr6nica brasileira encontramos

quatro.tentativas de classificacao: Luiz Beltrao usa urn criterio

jomalfst ico; Afranio Coutinho tom a como base a t ipologia

literaria; Massaud Moises procura uma correspondencia com

os generos literarios; Antonio Candido orienta-se pela estrutura

da narrativa.

Luiz B~ltrao 255 propoe duas classificacces: quanto aotema em si e quanta ao tratamento que the da 0 cronista .

A partir do tema, identifica tres especies:

Cronica geral ~ sob uma mesma epfgrafe ou sob forma

grafica deterrninada, trata de assuntos os mais variados,

ocupando espaco fixo no jornal.

Cronica local-tarnbem conhecicla como urbana ou da

cidade.iglosa a vida cotidiana, atuandocorno urna especie de

antena coletiva, captando as tendencias da opiniao publica na

comunidacle em que se localiza.

Cronica especializada - focaliza assunros referentes a

urn deterrninado campo de at ivida de. 0 tratamento dado a

qualquerdesses temas pode sugerir tres modalidades de cronica,

Crtmica analitica - os fatos sao expostos C O l T I brevidade

e logo dissecados objetivamente; 0 cronista dirige-se mais it

inteligencia do que ao coracao,

Cronica sentimental- os fatos sao apresentados a partirdos seus aspectos pitorescos, lfr icos, epicos, sendo capazes de

comover e influenciar a acao, num impulso quase inconsciente;

predomina portanto 0 apelo it sensibilidade.

Cronica satirico-humoristica - seu objetivo e criticar,ridicularizando ou ironizando fatos, acoes, personagens: busca

entreter, assumindo feicao caricatural.

Afranio Coutinho-" aponta cinco tipos de cronicas:

Cronica narrativa - seu eixo e uma est6ria ou epis6c1io,o ·que a aproxima do conto contemporil.neo (sem possuir

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 29/46

 

158 Jose Marques deMelo

• : ~ <

necessariamente corneco, meio e fim); exemplos tfpicos sao

encontrados em Fernando Sabino.

Cronica metafis ica - constitufda de reflexoes de cunho

mais au menos filos6fico; sao meditacoes sabre as

acontecimentos e sabre as homens, como e 0caso de Machado

de Assis e de Carlos Drummond de Andrade.

Cronica-poema-em-prosa de conteiido lfrico, mero

extravasamento da alma do artista ante 0 espetaculo da vida,

das paisagens ou epis6dios carregados de significacao; seus

principais cultores foram Alvaro Moreyra, Rubem Braga,

Manuel Bandeira , Ledo Ivo, Eneida, Raquel de Queiroz.

Cronica-comentdrio - resenha de acontecimentos

diferentes e dfspares, tomando oaspecto de "bazar asiatico";

muitas cronicas de Machado de Assis e de Jose de Alencar

pertencem a esse tipo.

Cronica-informaciio - divulga fates, tecendo sobre eles

cornentarios ligeiros.aproxima-se do tipoanterior, sendo menos

pessoal.Lourenco Diafer ia e Plavio Rangel produziram hoje

cr6nicas q\le se enquadram nessa especie,

Defendendo 0 ponto de vista de que a cr6nica tern urn

"carater ambiguo", oscilando entre 0poema e 0 conto, Massaud

Moises-" prop5e dois tipos: cronica-poema e cronica-conto.

No seu entender, 0 "Iugar ideal da cronica" e 0 "meio-terrno

entre acontecimento e Iirisrno",

Cronica-pocma - os cronistas chegam a fazer versos na

sua prosa emotiva ou a lancar mao de uma estrofe para encerrar

urn texto; ou entao, constroern a cronica total mente em verso.

Carlos Drummond de Andrade recorreu algumas vezes a esse

tipo de expressao verbal.

Cronica-conto - urn acontecimento que provoca a

atencao do cronista e narrado como se fora urn conto. Enquanto

o primeiro tipo explora a ternatica do "eu" (concent ra-se nas

emocoes do cronista), 0 segundo t ipo gira em torno do "nao-

lomalismo Opinativo 159

eu" (0 acontecimento de que 0 cronista e apenas 0 narrador, 0

historiador).

Scm a pretensao de criar categorias, mas tao-so mente

destacar diferencas entre os modern os cronistas brasileiros,

Antonio Candido-" sugere a seguinte classificacao:

Cronica-dialogo - onde 0 cronista e seu interlocutor

imaginario se revezam, intercambiando informacoes e pontes

de vista; exemplos: Gravador (Carlos Drummond de Andrade)

e Conversinha mineira (Fernando Sabino);

Cronica narrativa - tern certa estrutura de ficcao,

marchando rumo ao conto;

Cronica exposiciio poetica - divagacao livre sobre urn

fato ou personagern; cadeia de associacoes; .

Cronica biografia lir ica - narra poeticamente a VIda de

alguem.

Mas nao apenas os te6ricos dojornaIismo e da Iiteratura

se preocupam em cJassificar a cronica. Os cronistas tambern.

Numa serie de cronicas sobre as "definicoes da cronica",

LUISFernando Verissimo"" oferece urn esquema classificat6rio,

tornando como ponto de referencia a "qualidade '' . Ele divide a

cr6nica em: a)cr6nica; b) croniqueta; c) cronicao; d) cronicaco.

Como identificar cada subdivisao? "Cr6nica e qualquer cr6nica,ou uma cr6nica qualquer. Croniqueta e 0 nome cientffico da

cr6nica curta, como pode parecer. ( ... ) Cronicao e a cronicagrande, substanciosa, com paragrafos gordos. ( ... ) Grande

cr6nica e 0 cronicaco. 0 cronicaco e consagrador. Seu autor

sai na rua e deixa urn rastro de cochichos - E ele, e ele",Essa contribuicao de Verfssimo 11classificacao da cr6nica

confirma aquilo que Ligia Averbuck''" diz sobre a peculiaridade

do seu trabalho como cronista. "0 texto sutil ou 0que provoca

o riso faci l, 0 que conduz it ri sada aberta au leva a ironia e

tambem 0meio de expressao do cronista gaucho que alcanca,

quase sempre, a medida de uma natural idade surpreendente e

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 30/46

 

1 60 Jose Marques de Melo

de uma economia expressiva em nfvel de genuina criacao

artfstica" .

Que a cronica e urn genero jornalfstico constitui uma

questao pacifica. Produtodojornal, porque dele depende para

asua expressao publica, vinculada 11atualidade, porque se nutre

dos fatos do cotidiano, a cronica preenche as Ires condicoes

essenciais de qualquer manifestacao jornalfstica: atualidade,

oportunidade e di fusao coleti va. Contudo, a cronica naose

restringe ao jornal diario. Ela encontra abrigonos sernanarios,

especialmente nas revistas de inforrnacao geral. E tarnbem no

radio. Se bern que a cronica radiofonica, ainda cultivada nas

pequenas emissoras das cidades do interior, perrnanece cingida

11estrutura ciacronica para 0jornal: trata-se de urn texto escrito

para ser lido, cuja emissao combina a entonacaodo locutor e

os.recursos de sonoplastia, criando ambientacao.especial para

sensibilizar 0 ouvinte.":

Mas a cronica tambem e considerada um genero literario.

Var ies cronistas tiveram sua producaoreunida sob a forma de

livro, atravessando 0 tempo, continuando a despertar 0 fascinio

dos leitores.

o debate sobre a inclusao dos generos jornalt sticos na

literatura tern apaixonado alguns estudiosos e aumentado a

controversia, Antonio Olint0262, Barbosa Lima Sobrinhu= e

Alceu Amoroso Lima>' fizeram importantes observacoes sobre

a questao, sem, contudo, dirimi-Ia, Trata-se de uma questao

aberta.

Mas se a controversia e grande sobre a existencia de urn

genero literario consti tuido pelas producoes jornalist icas em

geral.e la diminui quando se trata especificamente da cr6nica.

Ha urn consenso sobre a especificidade l iteraria da cr6nica,

nao obstante as dist intas nuancas que assumem os anal istas a

respeito da sua significacao.

Cavalcanti Proenca>' diz que a cronica e um genera

mui tas das vezes l iterario, mas ni i.o necessariamente; a sua

literalidade e definida em torno do "artesanato" e da "forca

conteudfstica".

Jornalismo Opinativo 161

Antonio Candidof" nao hesita: trata-se de um "genero

Iiterario menor". E argumenta: "Nao seimagina uma literatura

feita de grandes cronistas, que the dessem 0 brilho universal

dos grandes ramancistas, dramaturgos e poetas. Nem se pens aria

em atribuir 0 Premio Nobel a urn cronista, por melhor que

fosse",

Afranio Coutinho defende a tese de que a cronica e um

"genero literario autonorno", possuindo hoje "urn a forma

literaria de requintado valor estetico". Por isso e que Tristao deAthayde criou 0 termo "cronismo" para designar 0 conjunto

das producoes literarias que emergem do cotidiano jornalistico.

Nao obstante, a hist6ria literaria brasileira ainda nao

legitimou suficientemente a cronica, Compulsando, por

exemplo, algumas das obras que inventariam criticamente a

producao literaria nacional, observarnos que esse genera nao

merece destaque. Nem Antonio Candido"?", nem Alfredo

Bosi'68 realcam a producao dos cronistas; e claro que eles hi

aparecem, mas como poetas, romancistas, contistas. A

valorizacao da cronica e feita apenas por Agripino Grieco."?

Afrfmio Coutinho'?" ou Massaud Moises.?"

Genero jornalfstico ou genero liter ario a cronica

representa Ulna narrativa do cotidiano muito dificil de ser

realizada.

Nabantino Ramos, com a sua experiencia de editor de

jornal diario em Sao Paulo, diz enfaticamente: "E , talvez, 0

rnais diffcil genera do trabalho jornalfstico, porque exige nao

apenas tecnica, que se pode aprender, mas tambem ar te, que edom. (.. .) A cronica deve ser capaz, senao de comover 0 leitor,

pelo menos de faze-lo peosar, sentir, ao por em movimento

algumas de suas ernocoes". Apesar ciadificuldade para a pratica

desse genero jornalistico, Nabantino diz que "0 sonho da

generalidade dos jornalistas e escrever cronicas". No entanto,

"a safra e geralmente escassa", E conelui: "Bons cronistas

contam-se nos dedos da mao, em toda a imprensa do pais"."?

Se e verdade que a maioria dos jornalistas gostaria de

escrever cronicas, parece que 0mesmo acontece com 0 leitor.

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 31/46

 

162 Jose Marques de Melo

Lourenco Diaferia'" , apreciado cronista paulistano, diz que as

pessoas leern cr6nicas nojornal diario "porque a cr6nica nada

mais e que as palavras que elas gostar iarn de terescri to". Esse

fascinio dojornalistae doleitor pela cr6nica tern uma explicacao

cabal- "a cr6nica e aquele pedaco da imprensa onde se cultiva

a sensacao de que 0mundo cont inua l ivre - como os pardais,

as nuvens e os vagabundos".

Par i sso Diaferia nao ti tubeia ern afirmar que "perdem

tempo as "teoricos" preocupados em "discutir se a cronica e

urn genen) maior ou menor", pois "a funcao da cr6nica nao e

saber se ()grande, pequena ou media". Completa, dizendo: "A

funcao da cr6nica e explodir, ISnao deixar a peteca cair, ISacordaras pessoas que estao dormindode olho aberto, egritar".

Haviamos conceituado a cronica como "relato poetico

doreal".E continuamos a faze-lo. E assim que os cronistas a

entendem. A definicao de Lourenco Diaferia traduz corn

sentimento e paixao esse sentido brasileirfssimo dacronica,

A cronica e a reinvenciio da lua abstraida das violaciies

cientificas e espaciais, e a metafisicados postes e das

azaleias, e a lupa que permite conf irmar; com a palavraescrita; se 0 sabonete Palmolive continua a abrir os

poros e manter apeie {eve e acet inada. A cronica existe

para dar credulidade aos [ornais, saturados de noticias

reais demais para ser levadas a serio. A cronica descobreaspessoas no meta da multidiio de leitores. Ela revela

ao distinto publico que atras do botiio eletronico existe

urn baixinho resfriado e de narir pingando, que assoa e

vocifera. A cronica serve para mostrar 0 outro lado de

tudo - dos palanques, das torres, dos eclipses, das

enchentes, dos barracos, do poder e da majestade. Eia

ndo consta noperi6dieo por condescendencia. A cronica

Ii a lagrima, 0 sorriso, 0 aceno, a emocdo, 0 berro, que

niio tem estrutura para se infiltrar como noticia,

reportagem, editorial, comenuirio ou anuncio publiciuirio

no jornal. E, contudo, e um pouco de tudo isso.

Iornalismo Opinativo 163

8. Caricatura

o universo opinativo dojornal e da revista nao se limita

ao texto, mas incorpora igualmente a imagem. 0 uso da imagem

como instrumento de opiniao at en de, muitas vezes, ao

imperativo de influenciar urn publico rnaior que aquele

dedicado it leitura atenta dos generos opinativos convencionais:

editorial, artigo, cronica etc.

Muitas vezes, 0 leitor interessado em saber rapidamente

o que acontece, e que se l imi ta a uma vista d' olhos pelo jornal,

escapa a uma adesao, a urn posicionamento quanta as opinioes

explfcitas do vefculo.

E claro que nesse contato, por mais breve que seja, com

o vefculo, 0 l eitor naturalmente incorpora uma cer ta 6t ica do

real. Mas isso fica limitado aurn nivel inconsciente. Ja no caso

, da imagem, que produz urn impacto imediato, seja pela

evidencia, seja pelo eventual humorismo, nota-se uma

participacao consciente na captacao do cotidiano.

E preciso explicitar que ncm toda imagem inserida na

imprensa tern funcao opinativa. Alguns dos recursos graficos

utilizados sao meramente informativos ou explicativos: mapas,

que permitem a localizacao de urn fato; graficos, que procuramdemonstrar tendencias estatfsticas; desenhos, que buscam

reproduzir objetos, paisagens ou ate traces fision6micos;

fotografias, qne fazem urn registro denotativo dos

acontecimentosF"

A opiniao se manifesta explici ta e permanenternente

atraves da caricatura, suja finalidade satir ica ou.humoristica

pressupoe a emissao de juizos de valor. Por isso Ram6n

Columba'? denomina a caricatura de "supremo tribunal", cujo

mandate provern da opiniao publica. "A caricatura e a

encarregada de assinalar qualquer excesso social ou pol itico

suspeito de licenciosidade corruptora. Eo faz em jufzo sumario,

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 32/46

 

l16 4 Jose Marques de Melo

sem rnaterializacao das pro vas nem apelo possivel. Ante ela se

inc1inam os proprios jufzes e as autoridades da nacao. Quer

dizer que exerce uma suprema j urisdicao, rnissao de privilegio

que, por certo.riao possuem outras artes que enfrentam tambern

a natureza e reproduzem aspectos da sociedade, porem sem

nenhuma obrigacao de crit ica ou de sentenca. 0 caricaturista,

com seu lapis em riste e em nome da opiniao publica, arremete

e censura cumprindo urn mandata imperative de seu oficio.

Suas armas ,sao arnaveis, severas ou aparentemente ingenuas.Arnaveis quando pratica 0romano preceito: Castigat ridendo

mores. Severas quando a sat ira resulta agressiva e mordaz. E

aparentemenre ingenua quando 0 humorista sorri e faz sorrir

com sua gargalhada intranscendente".

A introduyaoda caricatura a imprensa explica-se pela

conjugacao de dois fatores socioculturais: 0avanco tecno16gico

dos processes de reproducao grafica e a popularizacao dojornal

como veiculo decomunicacao colet iva.-No-prirneiro caso,

verificarnos que a caricatura 56 se desenvolveu depois que a

litog rafia passou it constituir um recurso plenamente

incorporado aos processos de producao jornalfstica, Poi

justamente na decada de 1830 que surgiu na Franca 0jornal La

Caricature, publicando a imagem como desenhada, como

cornplementodo registro verbal dos fatos da atualidade. No

segundo caso, observamos que 0 recurso da caricatura

representou uma necessidade social de urn jomalisrno queampliava seu raio de a~ao, ganhando novos contigentes de

lei tores. 0 novo publ ico da imprensa cont inha segmentos que

nao haviam tide 0 privilegio da educacao formal continuada e

cuja percepcao dos acontecimentos exigia processos descritivos

mais eficazes e motivadores.?"

o apelo it imagem desenhada como recurso narrativo na

imprensa diaria vai atingir 0 auge no fim do seculo'XIX, nos

Estados Unidos, quando se trava a "guerra" entre Hearst e

Puli tzer pela conquista do publico lei tor. Nesse episodio da

historia do jornatismo norte-americano, vamos encont rar a

caricatura e suas formas conexas - charge, cartoon, comic-

como instrumenros decisivos para a mobilizacao do publico."?

Jomalismo Opinaiivo 16 5

A caricatura e uma forma de ilustracao que a imprensa

absorve comsentido nitidamente opinativo. Sua origem

semantica (do italiano caricare) corresponde a ridicularizar,

satirizar, criticar.?" .

' S u a expressao, porem, antecede a ilustracao grafica.

Corneca com 0texto e s6 depois serealiza atraves da imagem.

Muitos escritores ja praticavam a satirae 0 humorismo,

deformando ou exagerando caracteri sticas de pessoas ou de

paisagens.Na opiniao do historiador da caricatura do Brasil,

Herman Lima'?", 0 nosso primeiro caricaturista "nao foi

nenhum dos nossos grandes fazedores de bonecos" ( ... ) "foi

homem, nao do lapis, mas da pena, Frei Vicente do Salvador".

Outro caricaturista que aponta e 0poeta Gregorio de Matos.

No jornalismo, porern, urn dos pioneiros da nossa

caricatura foi 0Padre Lopes Gama, que editou em Pernambuco

o jornal 0 Carapuceiro.Lendo esse jornal, a impressao

recolhida por Gilberto Freyre"? e quase a de folhear-se urn

.jornal caricato, tao forte e a sugestao piet6rica - grotescamente

pict6rica - das palavras vivas, picantes e as vezes cheias de

cor". Sao tao expressivos os trucos da caricatura nos textos

escritos por Lopes Gama que urn dos seus biografos, Valdemar

Valente?" , comete aquilo que G. Freyre chama de "exagero

apologetico": considera-16 urn caricaturista social superior

aquele "insigne frances de quem0

carapuceiro se consideravadiscfpulo - La Bruyere".

E , porern, com 0 desenho, que a caricatura adquire

expressao permanente como relato humoristico, dando origem

ate mesmo a urn segmento dojornalismo -0ornalismo caricato

- destinado a satira polftica e social.Alvarus282 identif ica na earieatura uma significacao

hist6rica inconteste: a de restabelecer a verdade sobre fatos e

personagens, que a hist6ria (oficial ) se esmera em retoear. "A

caricatura e, realmente, urn filao precioso no qual os estudiosos

encontram, seja nos rnurais das epocas mais afastadas, seja nas

folhas volantes ou no efernero das paginas impress as de

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 33/46

 

166 Jose Marques de Melo

peri6dicos e revistas ilustradas, 0elemento necessario para 0

restabel ecimento de urn ponto, por vez es obscuro ou

controvertido, estabelecendo as ex a t as proporcoes de

determinado personagem ou fato, isoladamente ou em conjunto,

quase sempre desvirtuado nas descricoes laudat6rias, que sao

aquelas que comumente inforrnam a historia",

Enquanto genero jornalist ico, a caricatura cumpre uma

funcao social mais profunda que a emissao rotineira da opiniao

nos vefculos de comunicacao coletiva. E que _~JIl1<lgem, naimprensa, motiva de tal modo 0 leitor e produz uma percepcao

tao rapida na opiniao quese torna inst rumentoeficazde

persuasao.rPor isso acaricatura incomoda mais os donosdo

poder queo editonalouo artlgo.i" Nao e raro na hist6r ia do

jornalismode muitos paises,como 0 Brasil, que a caricatura

murcha durante os governos autoritarios, reaparecendo e

desenvolvendo-se com impeto quando volta a florescer a vida

democratica.?" .

Lernbre-se 0caso do caricaturista Belmonte que, durante

o Estado Novo, foi impel ido a 'esquecer 0 cenario nacional,

passando a satirizar apenas epis6dios e personagens da politica

exterior.i" Nao vai distante tambem a crise que sofreu a

caricatura brasileira em meados da decada de 60, quando se

impoe 0 governo militare a satira polftica, acossada pelas

perseguicoes a politicos ajornalistas, praticamente desaparece

das paginas dos jornais e revistas.?"Se, por urn lado, a caricatura tern essa peculiaridade de

estigmatizar certos personagens da vida publica, por outro lado,

contribui tam bern para humaniza-Ios, populariza-Ios. Poi

atraves dos traces projetados pela caricatura que muitas

personalidades do mundo politico ou artistico ganharam

legitirnacao publica e se destacararn socialmente. Pedro II eurn case documentado no passado"!", Lula e Maluf sao

evidencias do presente.i" Nao e incompreensfvel, portanto, a

ansia com que mui tos poli ticos, iniciantes na vida publica,

desejam ver-se caricaturados, justamente para obterem mais

rapida popularizacao.

Jornalismo Opinativo 167

Jornalisticamente, 0que e a caricatura? Duas respostas

sao possiveis. Especificamente, a caticatura e a "representacao

da fisionomia human a com caracteristicas grotescas, cornicas

ou humori sticas". Genericamente, significa a forma de

expressao artfstica atraves do desenho que tern por fim 0

humor.P?

Nessa acepcao mais ampla vamos identificar varias

especies:

1) Caricatura (propriamente dita) . Retrato humano ou

de objetos que exagera ou simplitica traces, acentuando detalhes

ou ressaltando defeitos. Sua finalidade e suscitar r isos, ironia.

Trata-se de urn retrato isolado.

2) Charge. Critica humorfstica de uma fato ou

acontecimento especifico. Reproducao grafica de uma noticia

ja conhecida do publico, segundo a 6t ica do desenhista. Tanto

pode se apresentarsomente atraves de imagens quanta

combinando imagem e texto (ti tulo , dialogos).

3) Cartoon, Anedota graf ica. Critica mordaz.

Geralmentenjioinsere personagens reais ou fatos veridicos,

mas representa uma expressao criativa do caricaturista ,que

penetra no dominio da fantasia. Mantern-se, contudo, vinculado

ao espi rito do momento, incorporando eventualmente fatos e

personagens.

4) Comic.Hist6riaem quadrinhos. Narrativa composta

por imagens que se sucedem, complementada par textos

(baloes). No jornal, aparece de forma seriada. Na revista,

publica-se integralrnente.

Dessas especies da caricatura, duas nao per tencem ao

universo jornalistico. Sao exatamente aquelas que ultrapassam

a fronteira do real e se fundam no imaginario. Por mais que

estejam sintonizadas com a momento vivido, com fatos e

personagens da atual idade, seu referencial nao e verfdico. 0

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 34/46

 

168 Jose Marques de Melo

cartoon e 0 comic nao possuem limites de tempo e espaco.

Sao criacoes da livre irnaginacao do desenhista.

o mesmo nao OCOITecom a caricatura e a charge. Sua

validade humorfstica advem do real, da apreensao de facetas

ou de instantesque traduzern 0 ri tmo de vida da sociedade,

que flagram asexpressoes hilariantes do cotidiano. Sua intencao

e representar 0real, criticando. A caricatura reproduz a imagem

isolada dos personagens vivos da cena noticiosa. A charge

contem a expressao de uma opiniao sobre determinadoacontecimento. Ambas as especies s6 adquirem senti do no

espaco jornalfstico, porque se nut rem dos sfmbolos e valores

que fluem permanentemente e estao sintonizados com 0

cornportarnento coletivo.

Oscaricaturistas atuam comb se fossem a consciencia

cr ftica da sociedade, revelando uma tendencia que Jacques

Letheve290 chama de "oposicionista". As imagens que desenham

fazem 0res gate cotidiano daquele "espfrito do contra" que nao

e senao 0 conjunto das contradicoes inerentes as sociedades

contemporaneas, cujas instituicoes politicas sufocam os

cidadaos. A caricatura capta esse sufoco e 0 ex prime

cotidianarnente ..

',>,Na imprensa norte-americana, a caricatura aparece

geral rnente na p:igina editorial : espa<; :o reservado para as

materias de natureza opinativa, como 0 editorial e os

cornentarios. Diz Fraser Bond291 que a charge Figura sempre

ao lado do editorial, reproduzindo. 0caricaturista faz, entao,

uma leitura visual da opiniao da instituicao jornalistica, naquele

dia, e a expressa graficamente. Trata-se de uma tentativa para

fazer ° lei tor comum, nem sempre interessado pelo editorial ,

tomar conhecimento da opiniao oficiaI ciaimprensa.

Essa pratica do jornalismo norte-americano e tambernseguida em muitos dos jornais editados nos pafses da America

espanhola, No caso bras i leiro , 0 fen6meno nao se apresenta

com tais caracierfsticas. Geralmente os nossos chargistas gozam

de independencia para produzi r seus desenhos car icatosv E

possivel que, impregnados do c1ima dominante na redacao,

Iornalismo Opinativo 169

possam refletir a opiniao do jornal nas suas producoes. Mas

nao necessariamente.

A tradicao brasile ira da caricatura, resgatada com todos

os seus detalhes por Herman Lima292 , nao se nutre apenas da

charge que se publica nos jornais diaries. Mas tem seus

momentos de afirmacao naquelas publicacoes que surgem com

prop6sitos nitidamente satiricos. Sao os vefculos tipicos daquele

segmento dojornalismo chamado de "jornalismo caricato",

o jornal ismo gaucho foi prodigo em producoes dessa

natureza, muito bem inventariados por Athos Damascenc'" .

Tais rnanifestacoes da caricatura jomal istica principiam na

decada de 1830 ~ "periodicos humoristicos, criticos e ilustrados

que desde logo comunicam aos prelos provincianos, nublados

e asperos, um colorido mais vivo e um ri tmo alegre". A analise

desses jornais permite captar "certas singularidades" da

evolucao do "povo gaucho", inclusive a inclinacao pelos "rudes

bate-bocas" e Re!6 "chiste pes ado". Muitos desses traces da

fisionornia cultural gaucha persistem "ainda hoje" e sao

"encontradicos na imprensa rio-grandense".

Em Pernambuco, a imprensa caricata tambern se

desenvolveu com peculiaridades proprias. Sua primeira

expressac e 0 jornal 0 Carcunddo, que circula em 1831.

Registra Alfredo de Carvalho: "Era escrito com extrema

mordacidade (.. .) ; trazia grosseiras vinhetas caricatas abertas a

canivete em entrecasca de cajazeiro . ..294 Todavia, sua pujanca

so ocorre na decada de 1870, quando se implanta ali 0 sistema

liografi co. Em 1871, surge urn dos principais cultores da

caricatura - A America ilustrada ~ que, segundo anotacocs de

Luiz do Nascimento.?" obedecia a urn program a "joco-serio,

atraves da pena e do craion" e estarnpava no cabecalho a

indicacao "jornal humorlstico".

No Rio de Janeiro, 0 pioneiro e a Lanterna Magica

(1844).

Mas a figura marcante da caricatura brasileira e 0italianoAngelo Agostini, que aparece em Sao Paulo em 1864.

publicando suas obras nos periodicos Diabo Coxo e 0Cabrido.

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 35/46

 

17 0 J ose M a rq ue s de M elo

Depois, muda-se para 0Rio de Janeiro, onde colabora na Vida

Fluminense e em outros jornais.

Alvarus chama a atencao para uma presen\Oasignificativa

de desenhistas estrangeiros na caricatura brasileira: no seculo

XIX os italianos Agostini e Borgomainerie, 0 frances Joseph

'Mill. Mais recentemente, 0mexicano Figueroa e 0 paraguaio

Andres Guevara. Na sua opiniao, porem ,0maior caricaturista

brasileiro e Mill6r Fernandes - "humorista de raca

internacional" - que se destaca ao lado de nomes com Lan,

CarlosEstevao, Ziraldo, Zelio, Claudius,Fortuna, Jaguar,

Henfil, Juarez e tantos outros.

"Todos.esses imimeros hurnoristas" - assegura Alvarus

- "se acastelam na firmeza e seguranca do trace, denunciadores

do mais al to padrao artfstico''?".

Na trajet6riarecente da imprensa brasileira, 0jornalismo

caricato ressurgiu com intensidade no f im da decada de 60 do

seculo XX, reunindo varios desses artistas do traco, que se

organizaram para editar 0 sernanario Pasquim, espaco de

resistencia ao mil itari smo da vida nacional e micleo forjador

da modern a caricatura brasiIeira que, com a abolicao da censura

no Governo Geisel, voltou a florescer como em outros

tempos?",

Milldr Fernandes'" registrou com vigor e ironia 0papel

desempenhado pelo Pasquim no Brasil p6s-64 e sua Iura tenaz

para continuar a existir.

Dos seus quatro anos de hilariante vida, este zombeteiro

hebdomadario pode contabilizar a gloria de ter modificado

fundamentalmente a linguagem dos outros jornais e ter influfdo

na expressao falada da juventude e no est ilo da comunicacao

publici taria, Durante quatro anos, este risonho jornal - cuja

maioria de sorridentes redatores nao e l igada a nenhum grupo

poli tico, econ6mico, rel igioso, nacional ou est rangeiro - que

tern como unico objeti vo 0 exercicio de uma crftica geral e

democrati~a a tudo e a todos (os poderosos e estabelecidos

sendo, naturalmente, os mais criticados, po i s nao ha gray a

nenhuma em cr iticar os caidos) , foi combat ido pela maior ia

Iomalismo Opinativo 171

dos grandes 6rgaos de imprensa brasileira e por todos os

detentores de algum poder, inconformados com urn veiculo

que nao t inha preco de venda a nao ser 0da bane a e era dirigido

por intelectuais inatacaveis pOl"quesem fichas pregressas que

os situassemem qualquer especie de eriminal idade, mesmo

fiscal. Chegando a circular com urn maximo de 64 e urn minimo

de 16 paginas, 0 ridente PASQUIM conseguiu sobreviver a

tudo, ate mesmo a prisao de todos as seus redatores - provada

imiti l pelas autoridades num processo que foi a consagracao

deste grupo de profissionais, pois demonstrou que eles tinham

como iinico e total objetivo de vida 0 exercicio de sua

apaixonante prof issao. A coacao fisica nao impossibi litou a

saida do jornal. Durante dois meses, ele circulou sem a

colaboracao de qualquer des seus redatores habituais.

Sobreviveu gracas it solidariedade de inumeros colegas, Saiu

fraco e sobreviveu maL Mas sobreviveu com a barriga doendo

de rir .

Quando escreveu 0 seu "Requiem para urn jornal

humortstico' ', Millor Fernandes dizia que aquele era "0ultimo

mimero do nosso jocose semanario". A realidade desmentiu

esse progn6stico. Enfrentando chuvas e trovoadas, bombas e

ameacas, 0 Pasquim sobreviveu. E cunhou urn padrao de

jornalismo satir ico que explodiu por todo 0p~is, empequenas

publicacoes altemativas, editadas par cooperativas dejornalistas

ou por movimentos populares.o modelo do Pasquim constitui uma sintese do

jornalismo caricato: 0 trace e 0 texto, lado a lado, ironizam 0

cotidiano, satir izam os protagonistas da noticia . registram com

humor a emergencia de urn novo projeto de sociedade.

Existe caricatura no radio e na televisao? Algumas

tentativas foram feitas, mas enquanto generos jornalisticos nao

prospera. Programasliurrior fsticos no radio e na televisao

resgatam com rapidez cenas e personagens da vida politica e

cultural do pais e os reproduzem caricaturalmente. Mas nao

fazem com sentido eminentemente jornalfstico, cingindo-se a

atualidade e aos contornos verazes dos acontecimentos em que

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 36/46

 

172 Jose Marques de Melo

se inspiram. Tais experiencias resvalam para 0 mundo da

fantasia, da imaginacao, e bus cam ancoragem na real idade

simplesmente como fator motivacionaI para cap tar a atencao

do ouvinte ou telespectador.

Certos tipos do humorismo televisionado de J6 Soares

por exemplo, mostram-se tao proximos do cenario poli tico

nacionaI que poderiam ser considerados como sequencias de

umjornalismo satfrico-eletronico'"? . A imagem caricatural de

personagensse assemelham a Figueiredo, Maluf, Juruna, Ivete

Vargas dando a impressao de charges. Mas na essencia sao

formas de representacao que dramatizam 0cotidiano, retirando-

lhes, portanto, 0 carater de veracidade que consti tui atr ibuto

basilar do jornalismo.

Algumas tentativas efetivamente jornalisticas - 0uso do

trace para ret ratar personagens da galeria noticiosa - foram

feitas por Juarez ou por Henfi!. Mas duraram pouco. Elas

ressurgem com intensidade nas eras,"FHC 'eLula, gracas ao

"traco eletr6nico" de Chico e outroscaricaturistas. A televisao

e urn vefculo muito agil, dificultando a captacao dos detalhes

que conformam a caricatura. Igualmente 0 radio tern

caracterfsticas de rapidez, permitindo lao somente a expressao

caricatural atraves da reproducao do modo de falar de

personagens conhecidos do grande publico. Mas esse e urn

detalhe nem sempre traduzfvel com recursos de sonoplastia (a

entonacao de Janio Quadros Iiuma das poucas excecoes),Desta maneira, 0espa~o ideal da caricatura e a imprensa,

onde os traces fi sionomicos e os perfis dos acontecimentos

podem ser captados vagarosamente, produzindo 0efeito satfrico

que motivou 0 trabalho do desenhista.

I

9. Carta

o Leitor deveria constituir 0 principal foco da atencao

daqueles que produzem informacoes de atualidade para a

Jornalismo Opinauvo 173

imprensa. Afinal de contas, Iiem funcao dele que os reporteres

observam os fatos, que os redatores escrevern materias, que os

editores decidern 0 que divulgar, 0 leitor representa 0 outro

polo da totalidade jornaJistica, pois 0 processo so se completa

quando a informacao coletada e selecionada pela insti tuicao

noticiosa chega ao seu conhecimento e ele a confronta corn 0

seu referencial comunitario,

Deveria ser, Mas nao e . Pois 0jornalismo se organizou

e persiste sendo urn processo de transmissao de informacoes.

Seu fluxo e unidirecionaL 0 lei tor (no caso da imprensa), 0

ouvinte, 0espectador (no caso dos meios audiovisuais) significa

geralmente urn ponto de articulacao: 0 ponto de chegada da

producao jornalfstica, sern 0 qual a instituicao nao sobrevive.

Evidentemente, as empresas que editam jornais, revistas

ou emitem jornais eletr6nicos, nao ignoram 0 publico.

Conhecern-no ate. Sabem da sua composicao etaria, socio-

econ6mica, dimensionam seus gostos, interesses e preferencias.

Mas sempre de modo indireto. Mediado pelas sondagens de

opiniao publica ou pelas pesquisas de mercado.

o leitor, 0 receptor, nao participa do processo de

producao jornalfstica. Ou rnelhor, nao participa ativamente.

Porque da sua sintonizacao com as mensagens difundidas Ii

que depende 0fluxo informative para se tornar concreto. Logo,

tern uma participacao passiva, abstrata, indireta.

Romper a barreira qlle separa editor e lei tor, produtor e

receptor tern sido urn desafio para quantos pretend em que 0

processo jornalf st ico deixe de ser meramente informative

(unidirecional) e se converta numa priitica comunicati va

(bidirecional).

Enquanto nao emergem solucoes tecno16gicas e politicas

que viabilizem essa participacao do publico nas experiencias

jornalfsticas, resta aocidadao recorrer it carta como urn recurso

para expressar seus pontos de vista, suas reivindicacoes, sua

cmocaoTrara-se de urn recurso possivel, mas nem sempre

viavel, Pois depende dos mecanismos inerentes it instituicao

jornalistica para lograr difusao.

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 37/46

 

174 Jose Marques de Melo

Iiclaro que qualquer cidad1io que se julgue prejudicado

(injuriado, caluniado, ofendido ) por uma materia divulgada nos

me i o s de c o rn u n ic a ca o t e rn 0direito a resposta. Pode acionar amaquinajudiciaria e obter a reparacao publica do erro cometido.

Mas quando nao se trata de assunto pessoal (no sentido

de interesse pr6prio ou violacao de direito) 0 cidadao faz uso

da carta (ou telefonerna, no caso, e da televisao) como

possibilidade de intervir no debate publico.

Essa presenca do Ieitor na cena informativa e uma

variavel que diferenciava nitidamente 0jornalismo dos pafsescapitalistas e dos antigos paises socialistas.

A imprensa .socialis ta atr ibuia grande Importancia it

p a rt ic ip a ca o d o s seus leitores e reserva espaco Para a publicacao

das cartas que chegam it redacao dos jornais e revistas. Alias,

essa participacao da comunidade no processo jornalistico

representciu uma preocupacao constante deLenin, que no curto

periodo da sua atuacao como dingentedaUniao Sovietica,

sempre estimulou a formacao de "correspClfldentes operarios e

camponeses" para sc tornarem agentes noticiosos?" .

Se a meta leninista , ada ultrapassagem daquele esquema

que estabelece urna separacao entre 0 trabalho dojornalista e 0

do leitor, nao foi levada as ultirnas conscquencias, ela

sobreviveu de algum modo no espa<;o consideravel que as

publ icacoes soviet icas dedicaram as car tas dos leitbres. Esse

modele se reproduz, com var i acoes , na imprensa dos out ros

paises que se proclamam socialistas.Evidencias disso n ao confirmadas por fontes

absolutamente insuspeitas: pesquisadores norte-americanos que

se dedicaram a estudar e conhecer 0 funciouamento dos meios

de cornunicacao naqueles pafses do Leste Europeu. No caso

especffico da URSS, Mark Hophins??' diz que todos os meios

de cornunicacao possuem departarnentosespecial izados em

processar as cartas do publico e difundi-las. John Meri ll-' ?

registra que somente 0 Pravda de Moscou recebe mil cartas

todo dia, merecendo a lei tura de cerca de 50 funcionarios que

confrontam as questoes levantadas e as selecionam para

publicacao.

Jornolismo Opinativo 175

Mas abrir espac;o para as cartas dos leitores nao constitui

um privilegio socialista. Na imprensa daqueles paises elas

ocupam mais espacos nas edicoes cotidianas. Essas cartas

merecem atencao tambern das instituicoes jornalfsticas dos

pafses capitalistas que se articulam em sistemas competitivos.

E, portanto, movem-sc considerando as expectativas dos

leitores. 0 Asahi Sinbum de T6quioJ03 recebe correspondencia

diar ia em volume igual ao do Pravda de Moscou, nao obstante

reserve pequeno espa<;;opara a sua difusao.

Esse nao e bem 0 caso da imprensa brasileira, cuja

org anizacao empresarial nii o se pauta por criterio s

rigorosamente competitivos'?' , don de fignrar 0 publico leitor

em posicao muito secundaria no conjunto das politicas

editoriais.

Entende-se imediatamente por que a sec gao de cartas

dos leitores . t~Ill. ,participac;:ao inexpressiva no conjunto da

superffcie imprensa dos jornais diaries e das revis tas semana i s .

Iiverdade que a opiniao do leitor muitas vezes aparece,

como amostragem, nas enqnetes que sao realizadas aprop6sito

de temas que ganham o interesse geral. Ou pode figurar tambern,

como materia paga, na pagina de inedi toriai s, Nesse segundo

caso, niio se trata de umaexpressao livre, porque passa pelo

crivo editorial: a empresa publica, m esrno sob forma

remunerada, aquilo que bem entende.

A carta e, contudo, aquele espaco em certo sentidodemocratico, ao qual cada um pode recorrer. Ja vimos

anteriormente como muitos intelectuais brasile iros, que antes

se expressavam atraves de artigos na pagina editorial, hoje

recorrem a secao dos leitores para contribuir ao debate sobre

as questoes da atualidade nacional.

Como 0 espac;o e reduzido, muitos missivistas j a

procuram escrever abreviadamente. Ganham assim vantagem

em relacao aos prolixos.

J2.e qualquer maneira, a secao de cartas dos leitores

obedece a criter ios de edicao que se coadunam com a polit ica

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 38/46

 

176 Jose Marques de Melo

editorial da empresa. Como nem todas as cartas recebidas

p(;"demser publicadas, M uma triagem, uma selecao. No caso

do Jomai da Tarde; um dos diarios a dedi car maior espa<;o a

essa partic ipacao do leitor , no pais , publicava apenas 2is dascartas recebidas.

Qual a motivacao do leitor ao enviar uma carta ao jornal

da sua preferencia? Alcides Lemos, editor da secao "Sao Paulo

Pergunta" do Jornal da Tarde (SP), diz qu e a grande maioria

escreve para se queixar do poder publico, do governo. IInessesentidoque 0 lei t or se dirige ao jornal como se estivesse

recorrendo ao "quarto poder".

A diretr iz adotada pelo JT e a de tratar 0 "universe de

cartas" sob dois prismas: 0 da " pa rt ic ip ac ao c om u ni ta ri a" e 0

da "defesa do consumidor". Alcides Lemos explica: - "Como

a maioria das cartas que chega it redacao do Jornal da Tarde

(80% delas, pelo menos) s e r e fe r e asrelacocs entre a populacao

eo gove rno (a p o li ti ca e c o n om ica , O"s's~rvi~os,as taxas e tarifas,

a legislacao e a fiscalizacao sobre otrabalho, a saude, a

seguranca, a habitacao, 0 transito etc.) e levando em

consideracao que ha espac;:osuficiente para dar vazao, Qcriterio

seleti vo utilizado pe lo jo rn al "n ao se fixa a pe na s em dar uma

soTu~ao a ' cada caso, e sim, encaminhar a demincia einformar

ao mesmo tempo_:':os.

. Quem escreve ao jornal? IQse Silveira!" , editor da

seccao "Cartas" do Jamal do Brasil durante algum tempo,classifica os leitores em quatro grupos:

1) As autoridades - que procuram louvar ou

retificar "deterrninadas inforrnacoes ou

conceitos publicados";

2) as perfeccionistas - le itores que nao deixam

passar e q ui vo c o s, e rr o so u o r n is so e s do jornal

e exigem a necessaria retificacao;

3) as lesados - aqueles que, considerando-se

prejudicados ou injusticados pelas

instituicoes. desabafam seu descontentamento

Jornalismo Opinaiivo 17 7

atraves de demincias, admcestacoes ou

lamurias;

4) as anonimos - pessoas que, "sem coragem

de assurnir posi~5es, v alem-se de mil

subterfugios para ver publicadas suas

opinioes".

Todas as cartas que chegam aos jornais sao conferidas,

identificadas, avaliadas. As an6nimas nao merecem qualquer

atencao. As outras passam pelo crivo da verificacao e saopublicadas de acordo com criterios que privilegiam, geralmcnte,

a projecao social do missivista, No caso das autoridades, por

exemplo, diz Jose Silveira que "as cartas de retificacao sao

inadiaveis", saindo no dia seguinte, depois que 0 rep6rter

conferiu a informacao dada com sua fonte.

Escrever para 0jornal, mesmo que nao encontre abrigo,

representa 0iiltimo alento de muitos c idadaos que querem dizer

alguma coisa aos seus contemporaneos, que querem influir nas

decisoes dos governantes, que qllerem participar dos destinos

da sua socicdade''" ,

o que IS incompreensfvel e o a insensibilidade dos

dirigentes das empresas jornalisticas brasileirasf" , pois embora

aumente 0 f1uxo das cartas 11redacao "0 espaco reservado it

participacao do leitor nunea progrediu".

Por isso Alcides Lemos reivindica 0 aumento desse

e sp ac o, s en a o como a "conquista de um direito" dos lei tores eespectadores dos veiculos de cornunicacao, pelo menos "como

uma homenagem ao mais antigo vefculo de comunicacao social

(anterior mesmo 11tipografia), 11mais pura forma de jornalismo:

a carta'T":

10. Identidades brasileiras

A identificacao dos generos opinativos no jornalismo

brasileiro, tarefa a que nos dedicamos no presente estudo,

constitui umacaminhada a prosseguir. A rota percorrida assumiu

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 39/46

 

178 Jose Marques de Melo

contornos que se esbocaram em funcao de dois parametres: os

marcos estabelecidos pelas evidencias empfricas da pesquisa

internacional sobre jornalismo dos pesquisadores brasiJeiros.

o jornalismo e urn fen6meno universal, mas suas rafzes

sao europeias, Entender as manifestacoes que florescem nos

territ6rios onde essa inovacao cultural se deu pela a<;ao dos

colonizadores implica em resgatar os tracos originais que

permaneceram e vislumbraram as transformacoes determinadas

por contingencias hist6ricas. Por isso, no caso brasileiro, nao esuficiente fazer remissoes aqueles modelos que nos trouxeram

os colonizadores lusitanos, mas torna-se irnprescindfvel

perceber as determinacocs que configuraram 0 padrao

transplantando e descobrir os atravessamentos gerados pelas

influencias conjunturais, inevitaveis na trajet6ria dos povos e

das culturas que giram em torno dos p610s hegern6nicos do

poder internacional.

Nesse sentido e que 0 JorniiHsmo brasileiro tern uma

fisionomia entrecortada por rmi ltiplas di retrizes, algumas

convivendo contraditoriamente no estilo que nos trouxeram os

portugueses, outras que nos chegaram atraves dos processos

de comunicacao intercultural irnplfcitos nos movimentos

migrat6rios, e tarnbern aqueles que emergiarn das situacoes de

dependencia tecnologica e econ6rnica que incluem no seu bojo

alteracoes simb6licas fundamentais.

Compreender os generos jornalisticos significa, portanto,estabelecer ccmparacoes. buscar identidades, indagar

procedencias. Oaf a preocupacao que tivemos, encontrando na

bibliografia internacional aquelas indicacoes capazes de elucidar

certas nuancas caracterfsticas dojornalismo que praticamos no

Brasil conternporaneo. t-JJg(preciso realcar que 0jornalisrno

brasileiro nutre-se de urn modelo (portugues) determinado por.

influencias francesas e britanicas, queatuaram simultaneamente,

mas nao foram exclusi vas, pelas circunstancias geopolit icas

que sempre aproximaram (e separaram) Portugal e Espanha.

Os lacos ingleses e franceses, principalrnente os franceses,

foram depois cultivados pelo Brasil, adquirindo maior

Iornalismo Opinativo 179

identidade que com os desdobramentos ocorridos na expressao

jornalfstica lusitana. Posteriormente, chegam-nos influencias

italianas, alernas e espanholas, que, num primeiro momento,

circunscrevem-se a imprensa dos imigrantes, mas, em seguida,

penetram nas experiencias mais amplas dojornalismo e~ lingua

portuguesa. 0 rnaiorill1P_acto qu~.recebernos fOI, porem, Q do

jornalismo n-arle-americano, cujos pa,dr6es adq~lfl :~m

peculiaridades pr6prias em relacac as praticas ernbrionarias

embarcadas junto com a bagagern dos irnigrantes ingleses. 0

contato com 0 jornalismo norte-americano, decorrcnciaevidente dahegemonia conquistada pel a jovem potencia

capitalista, fez-se atraves da ousada atuacao das suas agencias

noticiosas (q~;; disputaram 0 nosso mercado com as agencies

europeias, especialmente a agencia estatal francesa) e se

consolidou pela importacao de tecnologia, cavalo de tr6ia que

possulumade~sadoventi:e, capaz de acumular tecnicas de

codificacao, sistemas gerenciais, estruturas simbolicas -.

.. Nosso jornalismo e contemporaneamente 0 resultado

cultural desse conjunto de motivacoes foraneas, sern que isso

queira significar a existencia de uma fisionomia ~morfa,

produzida pelo entrecruzamento dos padroes estrangerros. Na

verdade, ojornalismo brasileiro estruturou-se criativamente,

absorvendo com seletividade os modelos que se nos insmuaram

Ol.l-;inpuseram, adquirindo feicao diferenciada. Quando, por

exemplo, observamos 0 jornalismo praticado nos vizinhos

paises hispano-americanos reconhecemos a persistencia dostraces espanh6is, naturalmente modificados pelo influxo das

tecnicas norte-americanas que penetram avassaladoramente. No

nosso caso. nao. Ternos urn jornalismo 11I0rfologicamente

distante dos padroes portUgueses, mas que tambern nao constitui

uma copia dos modelos franceses e norte-americanos (sern

diivida nossas maiores fontes de inspiracao).

As evidencias sugeridas neste trabalho, identificando os

generos praticados regularmente e caracterizando aquelas

modalidades da expressao nitidamente opinativa, corroboram

tal assertiva. Verificamos, por exemplo, que duas categorias

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 40/46

 

180 Jose Marques de Melo

jornalfsticas originadas nas engrenagens da industria noticiosa

norte-americana (0 jornalismo interpretativo e 0 jornalismo

diversional) nao lograram obter desdobramentos autdnornos

em nossos meios de comunicacao coletiva. Observamos,

tambem, que a fronteira entre a informacao e a opiniao,

metodicamente implantada pelo jornalismo ingles e levada as

iiltimas consequencias pelo jornalismo norte-americano, nunca

existiu entre nos. Praticamos sempre formas de expressao

jornalistica, que, a nao ser residualmente, deixaram de seguir 0exacerbado panfletarismo frances e tampouco absorveram 0

receituario da objetividade norte-americana. Constnnrnos um

arcabouco narrativo, onde 0 real transparece com limpidez,

dissimulando embora as conotacoes ideol6gicas, sem contudo

esconder lis nuan<j'asda polftica editorial que tornam diferentes

as instituicoesjornaltsticas. Talvez seja a manifestacao daquele

traco det'mineiridade" que muitos analistas sugerem como

ingrediente essencial do caraterbrasileiro.

.No que se refere particularmente aos generos opinativos,

detectamos algumas especialidades.

Distanciando-se do jornalismo norte-americano, e em

certo sentido tambem dojornalismo italiano, alernao e espanhol,

a comentdrio, a coluna e a cronica sao generos que assumem

feicao eminentemente opinativa, explicitando jufzos de valor,

buscando influenciar 0 publico a que dirigem.

E singular 0 caso das nossas colunas, que funcionamcomo micleos de poder, assumindo dimensoes s6 comparaveis

ao fenomeno do "coronelismo", remanescente sociocultural da

carcomida estrutura fundiaria brasileira.

A cronica tarnbern possui contornos brasileirissimos,

afigurando-se como espac;o privilegiado do relato poetico, mas

que adquire urn sentido politicamente definido, tornando-se

um recurso para a intervencao social incessante dos jornalistas

que se alentam no territ6rio do real e se expressam atraves da

poesia.

Par sua vez, a nossa resenha nao dispoe daquela

seriedade e profundidade caracterfsticas dojornalismo frances

Jornalismo Opinativo 181

ou do norte-americano; desenvolve-se como urn genero que,

apesar das excecocs, alimenta-se na superffcie dos produtos

culturais analisados e torna-se presa facil dos mecanismos

aliciadores que fazem a promocao da industria da cultura e dos

seus protagonistas.

o editorial tern uma singularidade: estruturalmente,

reproduz urn modelo universal do discurso aristotelico:

funcionalmente, orienta-se nao como bussola da opiniao publica

e sim como conver sac ao (ora matreira, ora ostensivamente

ameacadora) com os donos do poder.

Acaricatura nao e uma traducao grafica da opiniao

editorial como ocorre na imprensa norte e hispano-americana;

assume 0 papel de interprete do comportamento coletivo,

ironizando 0 cotidiano, satirizando seus personagens, bem no

estilo maroto da "gozacao" nacional.

Finalmente, a carta tern adquirido matizes que

reproduzem, urn certo ar de "malandragem" espraiado na

conduta da nossa gente. Trata-se de alga que possui dupla faceta:

do lado do leitor, a tentativa do anonimato; do lado do editor, a

sutileza de por na boca do cidadao comum as crfticas ou

'den6ncias que por conveniencia nao estao nas paginas da

reportagem.

Resta dizer que 0 perfil aqui delineado pretende-se

provis6rio. Sua intencao e construir urn marco referencial para

a pesquisa empirical 10 • E possivel que algumas hip6teses nao

~ncontrem respaldo na confrontacao sistematica da realidade.

E provavel que muitas caracteristicas nao correspondam it

riqueza dos traces que delineiam a pratica cotidiana do

jornalismo regional ou local. E factfve l que irnimeras

particularidades refli tam a natureza do jornalismo impresso e

nao encontrem equivalencias no jornalismo eletr6nico. Tudo

isso pode ocorrer. Trata-se de uma contingencia inevitavel no

trabalho cienttfico.

Todavia, a provisoriedade, a efemeridade, a caducidade

precoce sao variaveis que desafiam cotidianamente 0jomalismo

no ambito profissional. Por que a pesquisa dojornalismo estaria

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 41/46

 

182 Jose Marques de Melo

imune ao ritmo veloz do objeto que privilegia?

Enfrentaressa ques tao representa 0 maior di lema dos

que se dedicaram a estudar 0 jornalismo nas universidades

brasileiras.

Esperamos que a reflexao aqui contida, as observacoes

registradas e as evidencias apreendidas possam estimular muitos

outros a prosseguir a caminhada.

Iornalismo Opinativo 183. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .•••·••. .. .. .. .•••

·•••••••••••. .••··••••••••. .•. .·•••·••••••••. .·......................................

•.. . 11.T6picos para reflexao e debate

a) Jornalismo eletr6nico

A bibliografia unlversitaria sobre jornalismo

eletr6nico e ainda reduzida no Brasil .

Com sxcecao dos' livros de SAM PAlO, Waller -

Jornalismo audiovisual. Petr6polis, Vozes, 1971, e de

ANDRADE LIMA, Zita - Principios e tecnica de

radiojornalismo. Brasil ia, ICINFORM, 1970,0 prirneiro

produzido na ECA-USP e 0 segundo na UNB, as demais

obras originaram-se no ambiente corporative.

Sao tentat ivas que profissionais do ramo l izeram

no sentido de resgatar e passar aos iniciantes suas

experienclas pratlcas. Situam-se nessa categoria os

livros deTEODORO, Gontijo. Voce entende de noticia?

Rio de Janeiro, Edicaodo Autor,1978; de FELICE, Mauro

de. Jornalismo de radio. Brasilia, Thesaurus, 1981, e de

BRASIL, Car los. 0 escritor, a cornunlcacao e 0

radiojornalismo. Brasil ia, Camara dos Deputados, 1972.

Comecarn a surgir algumas teses de p6s-

graduagao que se orientarn para captar len6menos

peculiares ao jornalismo eletr6nico brasileiro. Sao,

contudo, estudos restritos na sua abranqancia (quase

sempre descritivos) e circulacao (Iimitam-se aspratelei ras das bibliotecas daquelas universidades onde

loram apresentadas).

Duas novas contribuicoes para desvendar a

engrenagem do telejornalismo brasileiro, apesar de nao

aprofundarem a questao dos generos, estao contidas

nos livros de Alexandre GARCIA -Nos bastidores da

noticia. Sao Paulo, Globo, 1990; e S. SQUIRRA - Boris

Casoy - 0ancora no telejornalismo brasileiro. Petr6polis,

Vozes, 1993.

Os generos do telejornalismo brasileiro

corne cararn a ser dimensionados e explorados

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 42/46

 

184 Jose Marques de Melo

: .••

metodologicamente no livre de Guilherme Rezende -

Telejornalismo no Brasil : urn perf il editorial , Sao Paulo,

Summus, 2000. 0 pesquisador ana lisa trss telejornais

de reterencia nacional , veiculados no horat io nobre pelos

telejornais das redes Globo, SBT e Cultura, concluindo

que as "rnaterias factuais" nele veiculadas correspondem

a cinco formatos do genera informativo (nota, noticla,

reportagem, entrevista e indicador) e tres formatos do

?enerO opinativo (editorial, cornentarlo e cr6nica).. Apesar de reconhecer a existencla dos generos

interpretativo e diversional, 0 autor considera que eles

estao ?r~sentes em outras modalidades de programas

jornalisticos de TV, tais como os documentarios, a

exemplo do Globo Reporter, e nas revistas televisivas,

tal como 0 Fantastlco, em que a noticia se alterna com

nurneros musicais e dramatizacoos."

•••••••·••••

•••••·••••••••••••·•

••••••••·•••••••··•••••· :

•• •

••~•

· •• •• ,• •,

•••••

••••••·•••••

·••••••

Iornalismo Opinativo· .: .

b) Wainer e s eus comentaristas :•

·

Paulo Francis resgata facet as da sua ascensao

como comentar ista do jornal Ultima Hora no pretacio do

livro Opiniao pessoal - Rio de Janeiro, Civilizacao

Brasileira, 1966.

Ali, Samuel Wainer re une uma equipe de

polemistas que se revezariarn, discutindo temas

candentes da conjuntura brasileira na conjuntura

hist6r ica que se inicia com Vargas e termina com Jango .

Sobre 0 empreendimento de Samuel Wainer vide

oartigo de Antonio Theodoro de Magalhaes Barros· As

estrateqias empresariais de Ult ima Hora, Comunlcacao

& Sociedade, n. 2. Sao Paulo, Cortez/IMS, 1979, p. 5-

14.

Vale a pena tarnbern consultar 0 depoimento

meti)0rialf stico que Wainer gravou antes de sua morte e

que Ioi posteriormente editado par Augusto Nunes:

Samuel WAINER -Minha razao de viver -rnernorias de

um reporter. Rio de Janeiro, Record,1987.

·•

••••••••••

··••.••·••

"

•.

··• ·.

185

·••••·•·••···•••••·•···••••

••··•·

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 43/46

 

186 Jose Marques de Melo

• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

c) Col una do Castelo

••·••••·••••••

•·••••

Os comentarios politicos de Carlos Castelo

Branco representam uma contrlbuicao aos

pesquisadores e anal istas do ul timo periodo autorltario

da vida brasileira, ou ss]a, do cicio militar que se inicia

em 1964 e termina com a eleigao de Tancredo Neves

em 1985.

Trata-se de urn roteiro crft ico dos bastidores da

polf tica nacional, vista desde Brasilia. Castelo Branco eumdos poucos comentaristas que teve acesso

permanente ao cenario das decis6es poli ticas tomadas

pelos militares e seus assessores civis (tecnocratas). .

Seus comentarios, publicados inicialmente no

Jomal do Brasil , reproduzem-se depois em varlos jornais

que com pram 0servico jomal fstico intitulado "Col una do

Castelo" e sao indicadores sutis (muitas vezes

rnetatoricos, no auge 'da censura) para perceber as

contradicoes do govemo militar, suas idas e vindas.

Publicados em varies volumes pela Editora Nova

Fronteira, aquela producao jornalIst lca de Carlos Castelo

Branco seria 0 seu passaporte para a Academia

Brasilei ra de Letras, anos depois.

··••·•••• •.

••••·•••·••

·•·•·•·••·••••••••·••

•·••••••••••••·•••••

Jornalismo Opinativo 187· .••••••••·••••••

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••· .

d) Quem tern medo do editor ial?

o cerco autoritario aos jomais brasileiros, no

apogeu do AI-5 (epis6dio protagonizado em 1968,

representando 0 endurecimento do regime militar

inst itufdo em 1964), nao apenas retirou de Julio de

Mesquita Fi lho 0 direito de escrever editoriais no seu

proprio jomal - 0 Estado de S. Paulo.

Obrigou 0 principal proprietario da Folha de S.

Paulo, Octavio Frias de Oliveira, a exilar-se

voluntariamente, epoca em que a imprensa,

atemorizada, praticamente suspendeu 0 editorial.

Fonte multo util para a cornpreensao dessa

conjuntura da vida nacional e 0 l ivro de Paolo MARCONI

~ A censura polit ica na imprensa brasileira, Sao Paulo,

Global, 1980.

•••••·•

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 44/46

 

188 Jose Marques de Melo

: .•• e) Voz e vez dasociedade civil

• . Carlos Guilherme Mota e Maria Helena Capelato

dlzern que a abertura do espaco, nojornal Folha de S.

Paulo, para colaboradores de diferentes matizes

ideol6gicos, liga-se as decis5es sobre a rnudanca da

linha do [ornal. Tomadas em 1978, elas visavam dar

alentoa "novasoCiedadecivil", tornandoaquelematutino

interprets das asptracoas da "classe media".A criacao da paqlna 3 ~ Tendencias e Debates -

constitui uma "inovacao significativa" (...) "quese prende

a essaestratsqia de arnpliacaodo espectro de opini6esda nossa sociedade civil".

Os autores antecipam a importancia hist6rica

dessa rnudanca: "Para umafutura hist6riadas ideologias

noBrasil, neste perfodo, naose dispora talvezde melhor

elemento, pelasuavarlsdade, do que as opini6es, os

estudos e as crltieas publicadas em Tendencias eDebates".

Vide: MOTTA, Carlos Guilherme e CAPELATO

Maria Helena. Hist6ria da Folha deS.Paulo. Sao Paulo'Impres,1980, p. 236-237. '

·•

. .

•••••••••••••

•••••••••••••· :

·••••

•••

•••• :•

·••

·••·•••••

Jornalismo Opinativo

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

·•••••••••••••••••••••••••

•••·•••••••••••••·••

f) Cr6nica, genero brasileiro ?

A singularidade da cr6nica brasileira constitui tese

defendida por varies analistas desse formato de

expressao jornalistica. Dentre eles, destacou-se 0

cronista paulistano Luis Martins.Emartigopublicadonojornal0Estadode S.Paulo,

ele discutiu a curiosidade suscitada por scholars norte-

americanos a prop6sito da cronica brasileira."Qual a razao do interesse demonstrado pelos

estudiosos norte-americanos por esse genero hibrido,

meio jornalfstico, meio literario, tao em voga no Brasil?

The word cronica has no exact equivalent in English"-

explicam os professores Preto-Rodas e Hower, nalntroducao do livro por eles compilado. E esse livro

reproduz umeruditoestudodonossoamigoPaulo Honai

":",sobre 0 assunto, com um titulo bastante siqnlficativo->

: "Urn genero brasileiro: a cr6nica".

• De certo modo indeciso, Luis Martins refaz a

: pergunta:: "Mas a cronica, tal como a entendemos, sera

• mesmo um privileqio exc1usivamente nosso? Quero

• dizer: ela nao e explorada na literatura de outros paises

- e exatamente sob a desiqnacac de cr6nica?"

Em busca da resposta, esboca explicacao:"Em ingles, ja vimos, a palavra nao tern

equivalente. Em frances, porern, cr6nica e chronique. E

chronique do cotidiano, nao necessariamente submissa

ao noticiario, pelo contrario, mais literatura do que

jornalismo, divaqacao meio arbitraria entre a fantasia e

a realidade,resenhade impress6espessoais, ondulante

ccrnentarlo comovido ou sarcastico sobre a vida e os

hornens".

Vide: MARTINS, Luis. Sobre a cronica,0 Estado

• de S. Paulo (Suplemento Cultural), 11-06-1978.

•••• •· .

189

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 45/46

 

190 Jose Marques de Melo

• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

.Nelson Wemeck Sodre destacaa siqniticacao que

o jornal tem para os escritores da epoca como canal de

cornunlcacao.

"Mas 0l ivro nao e ainda 0caminho apropriado para

cheqar ao publico - 0 caminho e ° jornal. E a ficgao

rornantica deve atingir 0 leitor primeiro pelo jomal, depois

pelo livro. E por isso que os escritores sao tarnbern

jornalistas, e e por isso que 0 livro e primeiro folhet im. 0

genera folhetim e importado, sem duvida - mas

importado porque 0 meio 0 exige, e logo Ihe concede

irnportancia indiscutfvel",

Vide: SODRE, Nelson Werneck. Hist6ria da

literatura brasileira. Rio de Janeiro, Civil izacao Brasileira,

1964, p. 322.

•••••••·•••••••··•

·••

••••·••·

••

g) Escritores-jornalistas

••· .

••

••

••

••••••

••

••

•••

Jomalismo Opinativo· .• •

•h) 0 tolhet im nordest ino

••••••

••

o folhetim alastra-se portoda a imprensa brasilalra

no seculo XIX. Depois do Rio de Janeiro, encontra terreno

terti i no Nordeste.

Sua presanca e assinalada no Diario de

Pernambuco em dois momentos: primeiro como bazar

asiatica: "sob tal aspecto gratico, publicaram-se variados

assuntos, entrechos e traducoss romanescas"; depois,

como "ro dape", publicando "umas hist6rias compersonagens e fatos da corte".

Esse segundo momenta corresponde a sua

transtorrnacao em narrativa romanesca, ainda que

calcada na atualidade, mas desvinculada do jornalismo.

Vide: JAMBO, Arnoldo. Diarlo de Pernambuco

(Hist6ria e jornal de quinze decadas), Rio de Janeiro. 0

Cruzeiro, 1975, p. 195-196.,

No Dlario da Bahia 0 folhet im aparece em 1860,

tendo 0 carater de Se9aO onde sao publicados

"romances, em capftulos diar ios, de autores franceses

traduzidos, na grande maioria, e mais tarde, na decada

de 90, autores brasileiros, tal como Jose de Alencar".

Vide: CARVALHO SILVA, Katia Maria de. 0 Diario

da Bahia e 0seculo XIX. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro,

1979, p. 62.

•••

•••·•••••••••••·•

: .

191

•·•••

·•

·••••·••

··•••••••••··•·•

5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 46/46

 

Jose Murques de Melo

• It ••• l I P • • • • • • •• • • • • •• • • • • • •• • • • • •• • • • • •

·) 0 cronista Machado de Assis ••• A contribuicao decisiva deMachado deAssis para •

· a cronica brasileira e destacada por Valentim Facioli.•

"Embora, ate hoje, para muitos, genero menor, a ·•· cr6nicaultrapassouamplamente suacaracteristica inicial ·•• de cornentano descompromissado dos pequenos• sucessos do cotidiano. (...) ·••

Machado dedicou-se as cr6nicas durante quase• •· toda vida de escritor (...)• Relegadas a uma poslcao secundarla, se nao• •• obscura,em vista da lrnportanclaatrlbufda aos romances •• •e contos, as cronlcas de Machado sao, no minima,• surpreendentes, pelo desvelamento do homem e do· escritor,pelocompromisso que implicamcom ocotidiano•

davida social, politica e cultural do pars,pela verdadelra• rnil ltancia que traduzem em facedos problemas da•• epoca, pela atualidade de temas e ideias, (...)•

Algo resla definitivo: tambsm como cronista, .- "-' ". ,~•• Machado eurnulvlsor. A cronlca, no 8rasil, tem outro•

estatuto com ele e depois ele".

FACIOLl, Valentim. A cr6nica. In: 80SI, Alfredo e •·utros. Machado de Assis. Sao Paulo, 1982, p. 86-87. ••

••g) Direito de resposta ·

o direito de resposta, que constitui uma conquisla •ja assegurada no ambitoda imprensa,nao ganhouainda

efetivacao no caso do radio e da televisao. ·A esse respeito, ha um interessante estudo de •

• FREITAS NOBRE - Le droit de reponse et la nouvelle• tecnique de I'information. Paris, Nouvelles Editions •

•Latines, 1973.• •

••

• •• ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••