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José da Serra do Vale do Zêzere

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José da Serra do Vale do Zêzere

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Ficha Técnica:

Título - ALFÁTIMA – uma LENDA de MANTEIGAS – SERRA DA ESTRELA

UM REINO DE OUTRO este MUNDO

Autor – José da Serra do Vale do Zêzere – deNOMIO de José Rabaça Gaspar

Data – 2012 09 08 – na Festa de Nossa Senhora da Graça, São Pedro, Manteigas e aniversário de Fátima Borges (1958)

Versão especial para divulgação em SCRIBD, baseada nas publicações referidas neste trabalho.

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ALFÁTIMA – uma LENDA de MANTEIGAS – SERRA DA ESTRELA

UM REINO DE OUTRO este MUNDO

Ver em e-libro.net

http://www.e-libro.net/libros/libro.aspx?idlibro=1966

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Ver em livros Google

Ver em joraga.net

Com este livro sobre a LENDA da MOURA – ÁLFÁTIMA – numa terra, na Serra da Estrela – Manteigas –

onde possivelmente, os mouros nunca estiveram, JRG, joraga, agora com o nome de José da Serra do Vale do Zêzere, e que já se chamou, José d’A MAR, José Penedo, José Penedo de Castro, de Serpa e de

Moura, decide regressar ao FUTURO e dar início a uma, talvez infindável VIAGEM, que são muitas – VIAGEM À MINHA STerra – à Serra e Terra, onde nasceu, com 10 Lendas da Moura encantada no Coruto

de Alfátima, à espera de uma libertação gloriosa, quando Cristãos e Mouros se tornarem um só POVO.

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FÁTIMA – a minha LENDA (in)ventada a partir das NOVE versões...

ALFÁTIMA

UM REINO SUBTERRÂNEO DE SONHO E DE FANTASIA

À ESPERA DE SER DESCOBERTO PELA REALIDADE

ou A VIAGEM PRODIGIOSA DE UM REGRESSO AO FUTURO... a

UM REINO DE OUTRO este MUNDO

Onde, além do mais, se pode ver, também, a origem do nome de

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MANTEIGAS (ver outra terra Manteigas no Sul do Alentejo já quase no

Algarve... e as Terras e nomes de FÁTIMA, desde Marrocos à Índia…um sinal de que, afinal, talvez não sejamos tão estranhos e diferentes como possa

parecer… um sinal de que, afinal, talvez não estejamos assim tão distantes

uns dos outros, como o senhores da guerra nos querem fazer crer…)

...nasce, esta reCRIAÇÃO desta LENDA DO CORUTO DE ALFATIMA, da

necessidade de POVOAR A SERRA de FANTASIAS e de SONHOS que possam

ser um saudável confronto com a dura e insossa realidade... do final do se-gundo milénio e dos alvores do terceiro milénio do nosso calendário guia...

... quer mostrar talvez, como quis provar o historiador Alexandre Herculano, que o reinado e a ocupação da Ibéria pelos mouros durante mais de sete

séculos, (desde 711 com Tárik a 19 de Julho, vence o exército visigodo de

Rodrigo na batalha de Guadalete – à reconquista iniciada logo desde 778, só

entre 1055-1064, chega às faldas da Serra da Estrela, Viseu, Seia e ao longo do curso do Mondego, até Coimbra... até 1250 à reconquista do Algarve, com

D. Afonso III – até 1492, com a reconquista de Granada o último reduto

árabe na Península, terá sido uma época de desenvolvimento cultural com a introdução de novas técnicas e espécimes na agricultura, contribuindo com os

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valiosos conhecimentos nas ciências, como a matemática, astronomia e

ciência náutica, enfim um reino de tolerância quanto à religião, ideias e modos de estar na Vida... até nem mudaram a língua, nem destruíram as

divisões administrativas, mas enriqueceram-na... Sevilha primeiro e Córdova

depois até Silves, tornaram-se num dos centros mais notáveis da cultura

mediterrânea e pode falar-se de três séculos de progressos notáveis em todos os sectores – artes, indústrias, progresso científico, arquitectura civil e

militar e requinte de vida... houve progresso nas ciências, nas artes, nas

letras e num opulento estilo de vida requintada, que se difundia em Granada, Sevilha, Valência, Silves, todo o sul até Toledo, até mesmo ao Sul de

França... (in Cultura Portuguesa de Hernani Cidade e Carlos Selvagem, Iº vol.

De XVII, Empresa Nacional de Publicidade, 1967 e História de Portugal de Alexandre Herculano, I vol. Reedição Ulmeiro, 1980... e, ver ainda, outros

manuais de História, dispersos...).

isto,

...em oposição à fúria intolerante dos cristãos que matavam não só por

ambição e poderio, mas pura e simplesmente por ódio religioso e pura intolerância... em nome de um Deus Criador, Todo Poderoso, Omnisciente,

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Pai de Toda a Humanidade!!! impondo leis e jugos,

insuportáveis, a escravidão, as leis morais, os princípios de Honra!!!, ...os preconceitos que ainda hoje perduram... (Ver citações referidas e outras

fontes de informação, onde talvez a História nos ensine a VER, ao longo dos

tempos, quem eram – são - os BONS... e os MAUS...

Nesta LENDA... a libertação preconizada para daí a milénios, segundo a

LENDA, da MOURA ENCANTADA - AL-FÁTIMA - será o regresso da

TOLERÂNCIA, da LIBERDADE da FELICIDADE... ao REINO DO AMOR possível nesta TERRA... nesta SERRA...!!! ou à inevitável CONVIVÊNCIA entre o BEM e

o MAL... como à COEXISTÊNCIA, num simples DIA, entre o DIA e a NOITE...

como podemos observar numa PLANTA, numa FLOR, que dum lado tem LUZ, no outro SOMBRA...

... coisas que as LENDAS contam?!!! Coisas que se sugerem, lendo as

lendas!!!...

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ALFÁTIMA

UM REINO DE OUTRO este MUNDO

Era no dia de Natal... Estava frio na Serra, mas não havia muita neve naqueles caminhos que me interessava percorrer... Faltavam dois anos para

começar a última década do século XX... A grande festa da Família tinha sido

na Noite anterior, com a Ceia da Consoada e com a Missa do Galo e a

abertura dos Presentes na manhã... Não havia mais nada que me prendesse ali... Quando a meio da tarde desse dia, me sentei no café da cidade, que

ficava depois da Serra que decidi atravessar, onde ansiosamente procurava o

meu Amor sem o poder encontrar... nem queria acreditar que era eu que ali estava sentado a pedir uma imperial e um maço do tabaco... as pernas ainda

me tremiam... não sentia as mãos e não era só do frio... o peito ainda estava

cheio de ar e emanações da montanha, que acabara de atravessar... a cabeça estalava-me por dentro sem poder acreditar, que era eu que ali

estava... Estava ali agora, ou estava a reviver as vezes, que ali me tinha

sentado, há dezenas de anos atrás... ou estava pura e simplesmente noutra

dimensão?...

É certo que a cerveja borbulhava com uma coroa de espuma a transvasar do

copo e as bolhas fervilhavam no líquido dourado... o Café estava cheio de

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gente que parecia feliz e festejava, vinha ou ia festejar o Natal...

...mas o certo é que, inesperadamente, eu acabava de chegar duma

prodigiosa VIAGEM de um REGRESSO AO FUTURO e não podia acreditar no

que os meus olhos viam os ouvidos ouviam o nariz percebia a boca

saboreava, nem nas sensações que o meu corpo detectava através da pele que me cobria, com o sangue a palpitar e o coração a bater quase a acreditar

que a felicidade era possível...

Naquele dia, a meio da tarde atrevera-me a tentar a viagem há tanto

desejada e sempre adiada... Apesar de nevar lá nas alturas..., apesar da

chuva..., apesar do nevoeiro... apesar do perigo de algumas derrocadas nas estradas... arrisquei subir à Montanha e ver se era verdade tudo o que ouvira

dizer que se ouvia contar do Monte Alfátima e do que se passara no Cocuruto

de Alfátima... Teria sido pelo ano 1064? ...na fuga precipitada do Emir (Amir)

de Manteigas do tempo dos Mouros e Mouras encantadas, belas como não é possível descrever... e de como a fada madrinha de Fátima, a filha estremada

daquele Emir, que se via obrigado a fugir perante a fúria assassina dos

cristãos decididos a tudo dominar e subjugar, lhe valeu, no último instante, abrindo a porta secreta daquele monte agreste, terroso, agora semeado de

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pedras, poças e cascalho, salpicado de tições de arbustos queimados de

algum incêndio do último verão, e assim deu entrada num palácio de sonho e de fantasia, que, por túneis secretos estava ligado aos olhos marinhos, uns

poços sem fundo, os canais, que põem a Lagoa Escura em contacto com o

grande Mar... a Mar... e daí entra em comunicação com as Estrelas até ao

infinito...

Eram fantasias inacreditáveis..., Coisas de pastores, que passam muito

tempo sozinhos sem contacto com o Mundo Real, e a solidão, a lua e as estrelas, dão-lhes com certeza volta ao miolo. Não podia ser... E como não

podia ser e o dia que escolhera era dos mais curtos do ano, o mais

inadequado e inoportuno possível, viajei penosamente pelo meio do nevoeiro e, depois das Penhas Douradas, passei a Nascente do Munda, bebi na Fonte

Discreta que fica mais à frente no Planalto, passei a Ponte da Ribeira de

Cabaços e comecei a descer sem poder perceber bem em que curva me

encontrava... Caía uma chuva miudinha e persistente e o nevoeiro ora se adensava ora abria pequenas clareiras...

Pude descortinar, ainda que quase por puro instinto, a Cabeça do Velho, que de barbas longas e olhos fundos me fitava olhando o infinito... e,

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seguindo o seu olhar, depois de um declive na encosta da montanha

adornada de figuras escultóricas feéricas provocantes, desenhando grupos fantásticos indizíveis... até mesmo a Cabeça do Velho, agora não era um,

mas vários em diversas posições e gestos... por fim... apareceu-me...

Era o Monte. Era Alfátima. Parei ao pé da ponte, na curva, e, logo em baixo, outro arco de uma ponte antiga, deixava passar a água que corria em

torrentes cantantes de espuma branca...

Isto é uma loucura pensei eu! Estou a ver coisas!... Tantas vezes que

tenho passado aqui e nunca vi nada disto!!! Que se passa? Pensei... E

tentava ouvir a voz do senso comum, mas antes de acabar de pensar já estava a meio do monte, descortinando um vasto panorama para Norte e

para Poente com imensas terras e montes que se estendiam sem fim

salpicados aqui e ali de manchas de nuvens de algodão ou de nevoeiro quase

transparente... e, aos meus pés, a estrada que serpenteava preta luzidia, quase repelente, a reprovar a minha loucura...

Subir, dizia eu... Voltar, avisava-me o senso comum e normal. Onde será o Coruto de Alfátima de que falam as Lendas - perguntava eu?

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Mais acima, claro! Sempre mais acima... Desce, repetia o aviso. Vens

noutro dia, no Verão, como os turistas... Mas eu não sou turista e venho à procura de um segredo, de um

mistério, talvez de um tesouro fantástico, desses que a Serra guarda

ciosamente...

A Serra, ciosa, por vezes como que se sente agredida por tantas vilanias que lhe fazem e pelo desprezo e fama de atenção que lhe votam...

oculta os seus mistérios e oculta-se repentina, breve ou longamente

cobrindo-se com um manto subtil ou denso de nevoeiro que desorienta os incautos, ou acolhe-se por baixo de um deslumbrante manto de neve

esplendorosa e espessa e barra a passagem aos incautos forasteiros...

Enquanto pensava sem pensar e me debatia, estava quase no cimo,

mas a ventania que embravecia à medida que subia empurrara-me para fora

da vereda que tinha descoberto e, de repente, estava numa espécie de pátio

empedrado que destoava de toda aquela encosta de terra mole salpicada de cascalho e restos negros de tojos e giestas que se erguiam como mãos

negras a barrar a passagem nesta viagem para o desconhecido...

É ali o CORUTO... Afinal tinha chegado ao cimo! Estava assinalado por um marco geodésico... Tentei caminhar à roda... A vegetação queimada

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acabara, abria-se agora um tapete de erva fofa e macia que provavelmente

nunca fora pisada... O vento agreste redobrou de fúria e, quase sem fôlego, tentei caminhar mas fui derrubado... Chovia agora mais... O nevoeiro

fechava-se e abria-se agudizando os sinais de perigo... Levantei-me. Insisti.

Lembro-me vagamente de encostar a mão a um muro salvador que me daria

uma protecção contra a fúria do vento e da chuva que redobrava... Seguindo o muro, pensei que me ajudaria a orientar através do nevoeiro que se

adensara... e bastaria encontrar a encosta correcta para descer e pronto...

Tinha de desistir... e... não me lembro de mais nada... Escorreguei? ...Desmaiei com o susto? ...o que sei é que o Monte esfumou-se e

desapareceu...

Sem saber como, no instante seguinte, estava num palácio de

maravilha... era uma galeria infindável com uma luz difusa como se fosse de

cristal irreal ou talvez real que dava para esplêndidos salões com candelabros

cintilantes duma luz suavíssima com majestosas mesas de mármore róseo de manchas esbranquiçadas, uns divãs de alabastro com ricas almofadas de

seda com desenhos e cores de maravilha, reposteiros sumptuosos que davam

para janelas que eu não podia acreditar que existissem, tapetes tão suaves que o pisá-los era esvoaçar por aquele reino de maravilha e

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deslumbramento... Em cada canto subiam colunas de fumo que

impregnavam tudo de um suave perfume estonteante que produzia uma extasiante embriaguez... e logo apareciam longos pátios e ruas calcetados de

prodigiosas figuras feitas de jogos fantásticos de mármore preto e branco

que sugeriam símbolos, signos, mitos, cenas, danças, dramas, vida amor... e

essas ruas serpenteavam por impressionantes Jardins cheios de canteiros de flores raras e incomparáveis misturadas com árvores odoríferas das mais

variadas e raras e outras árvores de frutos de sabor capitoso e

reconfortante... e logo apareciam verdejantes campos de relva aveludada que envolviam pequenos e grandes lagos com repuxos caprichosos e outros

de água corrente límpida e sempre em movimento que iam terminar em

cascatas marulhantes que desapareciam em música que me enchia todo por dentro num Mundo de sonho nunca esperado!!!

Ainda não estava refeito de tanta surpresa e esplendor, quando ela

apareceu esplendorosa no seu vestido branco, comprido, arrastando uma longa curta cauda pelo chão, recamado de brilhantes pérolas, esmeraldas,

pequenos cristais cintilantes com bordados que desenhavam arabescos de

maravilha, mas que eu não percebia... e quando ia a dizer: - …Não tenhas medo! Sou eu a princesa, a Fátima da lenda que dizem sepultada nas

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entranhas deste Monte a que chamam de Alfátima!... Eu ouvi ou percebi

claramente o que ela ia a dizer mas sei que não o disse porque não mexeu os lábios... só me olhou muito fundo nos seus olhos negros e brilhantes... e não

precisou de o dizer porque todo o meu estado de encanto deslumbrado já mo

tinha deixado adivinhar...

Ela sentou-se naturalmente como se me esperasse e tivesse sido

anunciado pelos servos, e antes do seu sinal para fazer o mesmo, eu já

estava instalado num esplendoroso divã na sua frente, e quando me olhei sentado e surpreso do meu à-vontade, vi-me com umas roupas de seda com

que nunca me vira vestido... …quase não se sentia sobre a pele... Logo a

seguir, sem ter sido preciso nenhum gesto ou som, chegou um cortejo imenso de gente discreta e sorridente que nos serviu um vinho perfumado

que por certo não existe em nenhuma região da terra conhecida e começou a

ouvir-se uma música suavíssima fascinante até ao embevecimento enquanto

grupos e grupos de gente e mais gente circulavam e passeavam, riam cantavam, conversavam e contavam, e não sei se andavam ou dançavam,

mas enchiam tudo de Vida, Movimento, Alegria e de Felicidade...

Não te espantes, ó poeta pastor dos finais do segundo milénio dos

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anos que contais! Estávamos, claro, à tua espera! Tudo isto é verdade. Não

sonhas. Este é o meu reino donde espero regressar ao futuro que já aconteceu há quase mil anos... Os loucos humanos não viverão mais mil, se

não perceberem rapidamente os caminhos da felicidade que perderam... se

não terminarem os reinos do ódio, da morte e da intolerância que fabricaram

contra tudo e contra todos... Nós que não pudemos suportar os tempos de guerra e de ódio que vivemos, fomos arrancados a esse mundo para

regressar, quando for possível, ao futuro de paz, de tolerância, de felicidade

e de AMOR que estávamos a construir... Nós já o construímos aqui... UM REINO DE OUTRO MUNDO! …esse que a que todos aspiram... Pensas que

estás enterrado num monte inóspito e agreste das Montanhas dos Hermínios,

mas vocês esquecem-se que deram a esses montes o Nome de Montes Hermínios e de Serra da Estrela, e que as lendas que se contam do Monte

Alfátima e da Lagoa Escura e do Pastor da Serra da Estrela, são mais

verdadeiros e reais do que aquilo que chamais a verdadeira realidade!!!

Loucos que são os humanos! Por mais que lhes queiramos falar, eles não entendem! Alguns, que nos acreditam, são logo rotulados de poetas e de

loucos! Antes acreditassem na Loucura! Nós não vivemos enterrados num

monte como vês! Vivemos neste Reino! Nesta Estrela! Vós não conheceis as entranhas do Ventre da Terra e as suas ligações e derivações que a põem em

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contacto com todo o Universo e com o Cosmos infindável... Esta é talvez a

Estrela d'Alva, a Estrela dos Pastores, a Estrela da Tarde, a Vénus, a Deusa do Amor... os nomes esquisitos que vós chamais, mas em que não

acreditais!... Aqui vivemos, amamos e criamos... Os dias e as noites

sucedem-se num contínuo desafio à criatividade sempre empolgante

fascinante... Com o primado do Amor... Neste doce e suave ambiente de requinte e de repouso que tu vês e onde estás, o Trabalho, a Música, a Arte,

a Poesia, o Canto, o Conto, a Dança, a Representação, as Lendas... são o

nosso segredo para nos livrarmos do mal..., da intolerância..., da Guerra..., e da Morte...

Aí tens o segredo deste Monte e dessa Lenda esquecida em que ninguém acredita!... Sei que estás ansioso por saber como tudo aconteceu...

Põe-te à-vontade. Descontrai... Goza feliz o momento que te é dado... Come!

Bebe! Deixa-te inebriar pela Música e por Tudo quanto vês em teu redor...

Saiu do seu assento. Sentou-se delicada e deliciosamente no meu,

mesmo ao pé de mim. Obrigou-me, com um doce sorriso e um gesto suave

da mão, a reclinar a cabeça nas almofadas macias onde me afundei. Acariciou-me os cabelos e olhou-me bem no fundo dos olhos onde me perdi...

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nos dela, claro... Quando estendi a mão tremente para lhe acariciar a face, a

mão perdeu-se num mar emaranhado de longos cabelos pretos que já me cobriam todo, os seus lábios aproximaram-se da minha testa... e os eflúvios

que emanavam de todo o seu ser eram tão envolventes, tão profundamente

inebriantes que fui inundado por um estado de felicidade indizível, num

encantamento de sonho consciente que se transformou num êxtase que mais parecia uma morte deliciosa... Sinto, ainda. Não posso mais esquecê-lo, o

sabor dos seus lábios nos meus, que tremiam de prazer e a partir daí, a

lenda que não sei se a contou se ma comunicou ou se me apareceu contada como por encanto é esta que vou tentar contar, com a consciência perfeita de

não ser possível reproduzi-la tal como me apareceu! Não há palavras, ouvi

ainda em sonhos, muito menos escritas, para contar uma Lenda de enCantar!!! Também não tem importância, ouvi ainda, porque aqueles que a

quiserem perceber, mal vão precisar de a ler... Como aconteceu contigo,

basta olharem-me bem nos olhos, para se perderem... e depois...ao sentirem

o meu beijo de magia... fecham os olhos, claro e podem ver a Lenda em todo o seu enCanto!!! E aí, só me lembro dum sorriso seu, inesquecível,

indelével... Creio que em toda a sua doçura indescritível, pude ver um certo

ar de malícia... ou seria de piedade pelos preconceitos tão próprios da nossa raça!!!

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***

Conta uma lenda muito muito antiga, que há muitos muitos anos, muitos

séculos, nos anos mil ou mil e cem ou mais do modo como vós contais o

tempo mas que para nós são outros bem diferentes... conta a lenda que ali no meio da Serra que eram os “Montes Ermos” e depois “Hermínios” e depois

ainda a “Serra da Estrela”, havia um Reino de Tolerância, de Paz e de Amor,

onde havia um Rei Mouro que tinha uma filha encantadora, que se chamava Fátima. Era eu a Fátima – Al-Fátima ou Al-Fat’ma, como nós dizíamos. Do rei

meu pai, que me amava ao extremo, as pessoas esqueceram o nome, mas

ele era o Vali – o Emir ou Amir - mais amado de uma pequena terra de pastores, que viviam em cabanas no meio da Serra. Como símbolo de tudo o

que fazia e desejava para si e para mim e para todos os seus súbditos,

mouros e Cristãos e adoradores dos deuses da Natureza, havia uns, mais

guerreiros e fortes que adoravam o Hendovélico e falavam de um herói belo e invencível que conseguiu parar a ocupação romana, mas para a memória dos

povos, o meu pai ficou conhecido como al-Mut’Amant. Era este o Emir de

Manteigas uma terra de pastores escondida e defendida num recanto do vale do Zêzere e rodeada por todo o lado de altas montanhas, intransponíveis,

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pensávamos nós, que lá tínhamos chegado como que por milagre e ali nos

tínhamos refugiado, fugidos das ondas bárbaras de irmãos nossos que só queriam guerras e carnificinas!... Entre nós, também os havia e há... Mas

como te contei, ali escondidos, tínhamos fundado o nosso reino em sã

convivência com todos os habitantes que nos acolheram e, tendo escolhido o

meu pai como Emir, pela Cultura e Sabedoria que mostrara, ali passou a reinar a Tolerância e o Amor, tanto, que a dureza do clima e da terra eram

coisa de pouca monta para a vida de felicidade e entreajuda em que todos

vivíamos... Como podes ver, quando voltares a Manteigas, os romanos só passaram por aqui, muitos anos depois de terem assassinado Viriato à

traição, mas só lhes interessou o ouro que encontraram por entre os

azereiros do rio... de resto, nem uma calçada ou uma pedra de inscrição... talvez uma que se perdeu... O meu pai, como podes ainda ver, ensinou as

gentes deste povo a descobrir a água, o verdadeiro ouro do rio que dava para

todos comerem, sem ser só por cobiça e riqueza fácil... É ver os pegos, as

presas, os açudes, as levadas… todo um sistema de dragagem, barragem e comportas e o sistema de rega, com suas aduas, o quinhão de águas

regadias reguladas por um aduaneiro, que era supervisionado pelo

almotacel... as alpondras ou as poldras como vocês agora dizem... e serviam como pontes para passar dum lado para o outro do rio, dos ribeiros e

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ribeiras... É ver a rede de levadas e regos com o seu sistema de aquedutos

rodízios e rodas dentadas... as noras com seus alcatruzes a rodar na vertical numa engrenagem horizontal, que poupava as forças, puxadas pelas pessoas

ou a tracção animal, que giravam à roda e até lhes vendavam os olhos para

não entontecerem... e as cegonhas, ou as picotas ou shadufs, para tirar a

água das poças... as rodas de água, as azenhas que moviam os moinhos e deram origem às fábricas de lanifícios... que levam a água a cada lameiro, a

cada horta, a cada pomar, a cada jardim... que no verão e nas secas dava

tantas lutas que a distribuição teve de ser gerida pelo Almotacel, que governava desde as tomadas de água até à construção e limpeza dos

aquedutos e as embocaduras e tornadouros, onde por vezes havia lutas com

os aduaneiros, por causa do caudal de água que era mais abundante para um lado do que para o outro... É ver ainda os sinais das lojas por debaixo das

casas para as aproveitar para o gado, para as aquecer e para armazém das

colheitas... Isto e muito mais todos aprenderam com meu pai e seus

seguidores... Ninguém se lembra dele! O que faz a ingratidão e a falta de memória das pessoas que não sabem respeitar o passado!!!

A minha madrinha, como consta, como conta a Lenda, era uma Fada, que tinha sobre a cabeça uma brilhante estrela, ela era uma Estrela, que dia e

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noite velava e vigiava, mas só à tardinha e de madrugada, naquelas tardes e

noites que não eram de nuvens e tempestades medonhas, é que aparecia e se via e, quando aparecia, era sempre a primeira a aparecer quando caia a

tarde, e era sempre a última a desaparecer quando o sol rompia com a

aurora. Ela ficou a ser minha Madrinha, mas já antes ela era a Estrela dos

Pastores, pois nas noites da Primavera e do Verão era vê-la todos os dias a girar no céu encantando os pastores que vinham dos lados da Idanha e desde

o Alentejo até de Ourique... Eles chegavam com seus grandes rebanhos...

Era uma festa, antes de subirem para a serra, em que todo o povo se juntava numa noite sem dormir ao som dos adufes e das flautas de cana... e Ela

encantada, espiava os amantes que se refugiavam atrás de uns penedos ou

pelos campos cultivados e, depois de subirem... solitários... era Ela que conversava com eles nas longas noites da serra, desde o entardecer até ao

romper da aurora... ou eram eles que conversavam com Ela? O certo é que,

só depois de todas as outras estrelas terem ido dormir, fugindo à luz do sol,

é que ela se apagava discreta e silenciosa, como se continuasse ali a velar e a vigiar...

Depois, quando as noites começavam a crescer e os dias iam encurtando cada vez mais, os pastores desciam da Serra a caminho das

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planícies para Sul, para as margens do Zêzere, do Tejo, do Ana e do Mira...

Ode é o nome que nós damos aos rios... e era outra grande festa! Era a festa da Alegria e da Abundância... Tanta que os homens e mulheres

transformavam todo aquele leite que sobrava em queijos e manteigas e

assim, durante os invernos de fome todos tínhamos o que comer... e de

longe, às vezes de muito longe, vinham gentes à procura do pão e das manteigas para não morrerem de fome... e foi talvez isso que nos perdeu...

Foi assim que a nossa terra ficou conhecida em todo o lado como a terra das

Manteigas e passou a ser cobiçada por alguns e chegou aos ouvidos dos conquistadores a fama do seu pão e dos seus sabores...

A partir daí, nas noites de Outono e rigoroso Inverno... sim é certo, só eu, os pastores e os poetas enamorados A adivinhavam, porque as nuvens

negras e as tremendas noites de tempestade e neve não permitiam que ela

aparecesse... mas nós sabíamos que ela estava lá vigilante e amante... Os

outros também sabiam, mas é como se não o soubessem... Não se lembravam!... Não tinham tempo para se lembrar!... A vida!...O trabalho!

…Os afazeres! …como se a vida e o trabalho, e os afazeres pudessem ser vida

e trabalho e afazeres sem o Amor… Mas há sempre pessoas assim distraídas a passar ao lado da Vida e do Amor!...

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Ainda há mais um grande segredo para te contar... Nesse reino de tolerância onde reinava o primado do Amor, fiquei enamorada dum valente

guerreiro cristão... Foi na altura em que os Godos cristãos tinham decidido

reconquistar as terras e os povos que diziam lhes pertenciam e donde tinham

sido expulsos por romanos e por nós depois de muitos outros povoarem estas terras... Apaixonei-me!... O meu pai que me adorava nem o chegou a

saber... Pensava eu, no ambiente e educação que sempre tivera, que era a

melhor maneira de vencer o ódio e a intolerância de que vinham eivadas essas hordas de cristãos que reconquistavam a Lusitânia a ferro e fogo

submetendo e subjugando tudo e todos... O meu pai não precisava de

saber... Ele sabia... Além de toda a sabedoria e mestria na arte de bem governar, ele, como o mais notável dos Califas de Bagdade, o Hārūn al-

Rachīd, - o das Mil e Uma Noites – ele ouvia encantado as Lendas dos

pastores, e aquelas de que mais gostava, mandava-as gravar em letras de

oiro aos seus escribas, para depois as guardar juntamente com os seus tesouros!!! Vieram numa das Arcas mais bem guardadas que transportámos

na fuga para o Coruto salvador... Nunca ninguém as vai encontrar, senão no

fim... Tu tiveste o privilégio de ter delas um breve sinal... uma amostra…

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No jardim da casa de meu pai adornado e protegido por frondosas e

odoríferas Árvores verdejantes, oliveiras, macieiras, laranjeiras e atapetada de flores e plantas como a alfazema, o alecrim e o rosmaninho, que enchiam

o ar de perfumes inebriantes, quantas tardes e noites eu sonhei, quando não

podia estar com ele, com esse meu amante, que eu amava e pensava que ele

me amava, ouvindo o murmúrio a música celestial das águas que corriam nas fontes e catavam correndo nos regatos e ribeiras e cascatas cantantes e

ouvindo e contando, com as minhas aias e amigas lendas de encantar e

cantos e danças que nos abriam o coração e o espírito para além das nuvens e das estrelas... Dedique-lhe o meu afecto porque esse valente cavaleiro

cristão, que por ali apareceu antes da chegada das hordas inimigas, logo me

fascinou ao primeiro olhar, por ver nele um irmão da minha raça... Vim a saber, logo depois que ele era, afinal, fruto de amores proibidos de seu pai,

que era fidalgo e par dos grandes senhores que constituíam a corte dos reis

que desde as Astúrias tentavam reconquistar as suas terras perdidas, mas

guiados pelo ódio em nome de um deus vingativo e intolerante, mas esse fidalgo não resistira aos encantos de uma bela moura princesa como eu, mas

que logo abandonou quando soaram os gritos de guerra e de ódio...

Tinha assim sangue mouro, do meu sangue, mas fora educado, logo separado da mãe, no ódio contra os invasores, como descendente dos

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antigos Lusitanos desde Púnico e Viriato e Lisa e Alípio, o velho contador de

histórias, e como herdeiro de Tântalo e Sertório que deram continuidade à luta do grande herói Viriato, e ali ficou, subitamente, dividido e angustiado

entre o seu dever de soldado e o amor que subitamente nos fulminara como

uma luz resplandecente e irrecusável!... O sangue falou mais alto e quase

acreditámos que ali ficaríamos a salvo da reconquista, pois os cristãos que por ali passaram, como ele, tinham ido em busca de pão e de manteigas para

o seus exércitos... Os grandes senhores talvez não ligassem importância a

um povoado tão perdido e insignificante no meio da Serra... Talvez nem se atrevessem a arrostar com os perigos da Montanha... mas logo que os

primeiros fornecimentos chegaram, logo falou mais alto a ganância, a cobiça

e o ódio...

Foi precisamente nessa altura que os chefes cristãos já poderosos e

firmemente estabelecidos em tudo o que era povoações importantes em toda

a roda da Serra, devido às taifas, as províncias que se tornaram independentes e desorganizaram o nosso império centrado em Córdova, que

chegou a rivalizar em Cultura e Explendor, com Bagdade e Cairo... decidiram

assaltar este recanto de Paz e sã convivência, que era o nosso pequeno reino

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(mini-taifa) encravado e escondido na Montanha! Um Reino de Outro

Mundo!!!

O meu pai resistiu firmemente em Manteigas, enquanto e como pôde. Eu

temia pelo meu amado amante... Mas a fúria e o número dos exércitos que

nos combatiam era cada vez maior e mais atrevido e, o meu pai não teve outro remédio senão ordenar a retirada para tentar salvar tudo e todos os

que pudesse. Organizaram-se assim, vagas e vagas de mulheres e crianças

protegidas por guerreiros, que buscaram refúgio nos castros mais isolados e protegidos no alto da Serra e eu fui destinada àquele que ficava entre o Alva

e o Munda, no cimo de um monte que parecia poder dar mais protecção a um

possível e teimoso Foi afinal ali que a luta se tornou, mais encarniçada e desesperada... No

ataque dos cristãos godos que não nos davam descanso... no fim de uma

tarde, quando os raios do sol poente douravam já as Penhas sobranceiras

que dominam o Vale dos Rocins, as Penhas Douradas e a nossa clara Estrela d’Alva aparecia no Céu... fomos atacados de tal maneira que parecia não

haver salvação para nenhum de nós que acreditava na tolerância e no Amor

e por isso tivémos de combater feroz e incansavelmente... até à morte se fosse preciso...

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Ainda hoje não sei se não teria sido por uma imprudência fogosa do meu amante que tudo isto aconteceu, quando meu pai tentava enviar-me

protegida para mais longe da fúria dos guerreiros inimigos que, afinal, ali,

nos assaltavam e dominavam por todos os lados... Subitamente, eis que vejo

sorrir a Estrela, a nossa Estrela, que depois, também subitamente desapareceu... porque logo uma onda de nevoeiro denso varreu a Serra toda

e rebentou uma repentina tempestade fragorosa... Parecia o fim... estávamos

perdidos... Mas não era. A tempestade serviu para parar e desorientar os guerreiros godos que surpreendidos nos perderam o rasto... Nesse instante,

a Fada, descendo pelo último raio de Sol, pegou-me na mão, bateu com a

sua varinha num determinado sítio da Montanha e o clarão que de súbito explodiu, foi tão inesperado e repentino que combatentes Mouros e Cristãos

ficaram aturdidos e o combate parou... Eu vi-me arrastada por estas galerias,

salões e jardins de espanto sem poder acreditar no que os meus olhos viam,

como aconteceu contigo, sem saber se tinha sido morta ou salva pelo meu amante que se distinguia em fúria e heroicidade talvez na ânsia de me não

perder... e logo atrás de mim, sem poder tomar disso consciência,

apareceram o meu pai e todo o seu exército e gente do povo, mulheres, homens e crianças que tinham fugido connosco...

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Passados momentos que pareciam nunca mais acabar para nós, mas foram apenas breves minutos infinitos, a fenda da Serra fechou-se... Todos

os nossos estavam a salvo. Através desta grande bola de vidro que aqui vês

em cima desta mesa, nós pudemos ver. a reacção dos guerreiros que ficaram

lá fora... Passada aquela súbita tempestade e o formidável clarão que se desabou sobre a Serra, os guerreiros recompuseram-se e, quando se

aprestavam de novo para a luta... …não encontraram nada nem ninguém...

Sem perceberem o que tinha acontecido, ergueram então um imenso grito de Vitória!!! Dos nossos nem rasto! Nada que lhes pudesse oferecer resistência

ou combate ou cair nas suas mãos. Mortos e Vivos, todos tínhamos

desaparecido por obra e arte da nossa Fada Madrinha, a Estrela d'Alva... Eles bem procuraram restos e rastos por todos os lados! Calcorrearam todos os

recantos do monte desde o cocuruto ate ao sopé... Mesmo sem cadáveres

nem despojos, cantaram Vitória... Nos olhos do meu amado amante ainda vi

relampejar um brilho de espanto e de esperança... Era talvez o único que podia ter percebido algo do que se tinha passado...

Já sabes o que aconteceu! A Fada madrinha, a mando dos Deuses da Montanha, abriu a porta secreta do Palácio Encantado que aqui vês e nos dá

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acesso através dos rios que correm nas entranhas da Terra e das Lagoas

para o Espaço Infinito e Infindável do Cosmos... e deixou, por uns tempos, a terra e a serra entregue ao ódio e à fúria dos que acreditam no ódio e nas

guerras até se cansarem e destruírem, porque não têm olhos para ver, nem

ouvidos para ouvir, nem coração para amar!!! É isso. O pior de TUDO é

ISSO: não acreditarem no AMOR!

... e essa porta secreta ainda lá se encontra para os que forem capazes e

dignos de a encontrar. Foi por ela, por condescendência especial, que tu entraste, quando exausto, e cheio de medo pensavas que tinhas desfalecido,

no cocuruto do Monte Alfátima... Pareceu-me, quando te vi ali perdido

através desta bola de cristal, pareceu-me a mim e às minhas aias, que davas um ar desse meu cavaleiro cristão, de que até o nome me esqueceu! Ataúlfo!

Sim era o meu Ataúlfo das lendas, mas tu não tens nada o ar de corajoso e

atrevido guerreiro invencível!!! Os tempos estão a mudar!!!

Não sabemos quantos milénios vão passar até os humanos perceberem e

decidirem acabar com os reinos de ódios, guerras, muros e fronteiras...

entretanto, enquanto os anos passam, em noites de Lua Cheia, os pastores e os poetas que adregam passar por aqui, vão depois contar à luz trémula da

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primeira fogueira que encontram rodeada de pastores a de poetas, porque os

outros nem os ouvem, que lá no alto do Monte Alfátima, sentada num rochedo, vêem uma figura branca de Mulher morena, a pentear os seus

cabelos negros com um pente que brilha como ouro, e dos seus olhos negros

e profundos, correm pelas suas faces lágrimas que brilham como

diamantes!!! …até que as guerras e os ódios acabem, dizem eles que disse o Encanto... parece que nunca aqueles olhos cessarão de chorar!!! – E onde

estão os figos secos que se transformam em pepitas de oiro e as lágrimas

que se transformam em diamantes?... – perguntam os incrédulos... Mas os pastores-poetas que trazem esses tesouros, por dentro, no coração, abrem

as mãos e só podem mostrar os calos e os nós dos dedos que são as marcas

visíveis das dores de dentro por tanta incredulidade e têm de se calar e guardar o oiro puro e os diamantes no segredo do seu silêncio gritado em

poemas que ninguém entende...

São loucos esses pastores e esses poetas, dizem, os mais assisados que já viram muito Mundo e viram muitas guerras nos muitos anos que

viveram...

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Não vás agora acreditar que vão acreditar em ti!!! É assim Zé da Serra...

e enquanto não chegar o cavaleiro encantado paladino da Tolerância e da Convivência Fraterna entre todos os Povos da Terra, de todas as Raças e

Credos, e dos Astros, enquanto não for implantado o Reinado do Amor,

ninguém, ninguém no Mundo terá acesso à porta secreta deste Reino de

Maravilha que se esconde no VENTRE DESTA SERRA, no VENTRE DA TERRA...!

Mas eu... ia a dizer... consegui en...

E quando, pasmado e mal crendo nos meus olhos e ouvidos e sentidos, ia a

responder que afinal eu tinha entrado, mesmo sem saber por onde... ansioso por saber como ia ser a minha Vida feliz, à espera dos Milénios futuros...

acordei desperto pelo marulhar da fonte que existe junto à ponte, escondida

num recanto, e aberta na pedra, uma cova funda que porventura a liga ao

VENTRE DA TERRA...

Deixem. Foi possivelmente um SONHO...

Para voltar à realidade chamada realidade, Bebi da Água dessa fonte...

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depois Bati na pedra donde a Água corria... Depois olhei em volta a ver se

sabia aonde estava... Depois ainda, como não se via ninguém e eu não acredito nessas coisas, experimentei várias PALAVRAS, como ABACADRABA e

OUTRAS que me ocorreram dos CONTOS e LENDAS que ouvira da minha Avó

e da minha Mãe, que pudessem ter a Magia que lhe é dada nos Contos e nas

Lendas!... Tudo em vão!!! Por sorte o carro estava ali, parado na berma da estrada, descaído

para a valeta... Sem querer, ou quase sem pensar, deixei-o seguir pela Serra

abaixo... à procura do significado do que me tinha acontecido... teria mesmo acontecido alguma coisa?!... à procura da Felicidade do Amor que procuro por

toda a parte, e ainda AGORA me encontro VIAJANDO, à procura... para,

quem sabe?, descobrir que não é preciso ir muito longe... basta a coragem?, a vontade – fogo interior?, a sabedoria?, de conseguir EMPREENDER a

GRANDE VIAGEM de me descobrir a MIM PRÓPRIO... e o Oiro e os Diamantes

lá escondidos no segredo...

Pronto. Agora estava ali no café a beber uma cerveja de mil anos

depois… O enCANTE desapareceu! …Voltei para casa aturdido com uma vaga

ESPERANÇA: …um dia hei-de voltar e encont(ar)rar este REINO DE OUTRO MUNDO!!!

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LENDAS EM QUE BASEIA ESTA minha LENDA Eduardo Noronha

Fátima – in Contos Populares e Lendas, coligidas

por José Leite de Vasconcelos, coordenação de Alda da Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromenho,

edição Por Ordem da Universidade – Coimbra, 1966, II

vol. Pp. 775 – 782

[De A Federação Escolar, 3.VII. 1909, Porto. Texto de Eduardo Noronha. Foi publicada com o título «Fátima

Lenda de S. João na Beira-Baixa.»

Fátima I - Texto de Eduardo Noronha

(1859-1948)

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Branca de Cameira

Fátima – in Contos Populares e Lendas, coligidas por José Leite de Vasconcelos, coordenação de Alda da

Silva Soromenho e Paulo Caratão Soromenho, edição Por Ordem da Universidade – Coimbra, 1966, II vol.

Pp. 775 – 782 (Escrito por Branca de Cameira. Oferecido por D. Ana

de Castro Osório. Fátima nas lendas de mouros: também em Wolf, Primavera, nº. 84-a, p. ,67).

Fátima II - Escrito por Branca de Cameira

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Gentil Marques

LENDA DA MOURA ALFÁTIMA In: Lendas de Portugal, Gentil Marques, Editorial

Universus, Porto, 1964, III vol. (de V) pp. 265 – 272.

Fátima III - Gentil Marques

LENDA DA MOURA ALFÁTIMA

1918.09.13 – 1991.07.19

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Fernanda Frazão

FÁTIMA IN Lendas Portuguesas, inv. Recolha, textos de

Fernanda Frazão, Amigos do Livro, Editores Ld.ª. 3º vol. (de 6), pp. 85 – 90.

Fátima IV – por Fernanda Frazão

FÁTIMA

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José Crespo A MOURA DO ALFÁTEMA

In Contos da Lagoa Escura, José Crespo, Coimbra Editora Ld.ª, 1957, pp. 9 – 16.

p. 7

Fátima V – por José Crespo A MOURA DO ALFÁTEMA

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Manuel Ferreira d Silva

O MISTÉRIO DO CRASTO E A LENDA DE ALFÁTIMA (ou ALFÁTEMA)

In Antologia I – Depoimentos Históricos – Etnográficos sobre Manteigas e Sameiro, José Lucas Baptista

Duarte, 2ª ed. Câmara Municipal de Manteigas, 1985, pp. 256 – 257. - (Manuel Ferreira da Silva – do “Ecos

de Manteigas” N.º 71 de 5.2.1956).

Fátima VI - por Manuel Ferreira da Silva

O MISTÉRIO DO CRASTO E A LENDA DE ALFÁTIMA ( ou ALFÁTEMA)

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José Avelino de Almeida

In: Expedição Científica à Serra da Estrela em 1881 Secção de Ethnographia I Relatório I

Luiz Feliciano Marrecas Ferreira (a Luciano Cordeiro Lisboa – Imprensa Nacional – 1883

Lendas da Serra da Estrela na Tradição Escrita (Na advertên cia, p. 11, o autor explica: “Quando a

expedição partiu… ninguém ia inscripto na secção de Ethnograpphia… de orte que… um trabalho que não se

fez… Na impossibilidade de… tradição oral… fui pedir à tradição escripta…

pp. 94 e 95

Fátima VII - 1 in Expedição Científica José

Avelino de Almeida e outros... CORUTO DE ALFATEMA

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Barbosa Colen

In: Expedição Científica à Serra da Estrela em 1881 Secção de Ethnographia I Relatório I

Luiz Feliciano Marrecas Ferreira (a Luciano Cordeiro Lisboa – Imprensa Nacional – 1883

Lendas da Serra da Estrela na Tradição Escrita (Na advertên cia, p. 11, o autor explica: “Quando a

expedição partiu… ninguém ia inscripto na secção de Ethnograpphia… de orte que… um trabalho que não se

fez… Na impossibilidade de… tradição oral… fui pedir à tradição escripta…

pp. 95 - 98

Fátima VIII -2 in Expedição Científica por

Barbosa Colen LENDA DE FÁTIMA 100

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Há quem me diga que ESTA(s) não é a

verdadeira LENDA DE ALFÁTIMA e que nem é assim que se diz… é ALFÁTEMA… AFAT’MA ou

em árabe

Têm razão.

Falta, AQU,I a sua LENDA… Tem, AÍ, todo o espaço do mundo…

FÁTIMA IX - (A SUA VERSÃO...)

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www.joraga.net – 2012 09 08 – Festa de nossa Senhora da Graça e aniversário da Fátima (1958)