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AO AMANHÃ Serve o presente texto para comunicar o fim do nosso mandato como dirigentes da Prima Folia. Saímos, após cinco anos de direção, pois acreditamos que devem ex- istir limites à representação que devem ser exercidos com moderação. É importante abrir espaço à renovação, que agora terá início. Como se compreende, o retorno de cada qual à sua vida civil, em nada retira o direito e o dever de intervenção em prol da defesa dos valores que sustentamos e de influenciar o nosso tempo na luta sem tréguas pela justiça social. Estamos de saída tal e qual aqui entrámos, sem um tostão a mais, sem reformas escondidas ou sub- sídios camuflados. Ao longo destes anos fizemos as mais variadas propostas, realizações e denúncias. A nossa ação foi importante para motivar mudanças nas práticas culturais em Setúbal. Quem connosco esteve lembrar-se-á de algu- mas. Esperamos que os nossos adversários também se lembrem. Graças a essas intervenções houve mudan- ças que fizeram Setúbal respirar melhor. Apesar dos tempos conturbados em que vivemos, temos con- sciência que cumprimos, o melhor que pudemos, o nosso compromisso com essas muitas pessoas que representámos, os associados, os simpatizantes e as mais das vezes, muitas mais. O ativismo cultural, ou contracultural, tornou- se um elemento fundamental da garantia de uma democracia real. Continuam a ser tão válidos amanhã, como o eram há cinco anos atrás, a defesa intransigente das liberdades de pensamento, de consciência e de religião, das liberdades de opinião e de expressão e das liberdades de reunião e de associação. Não caducou a afirmação inflexível de que a cultura deve visar o enriquecimento e ex- planação das potencialidades da person- alidade humana, reforçar os direitos e liberdades fundamentais, dignificar os indivíduos, fa- vorecendo a compreen- são, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais, étnicos e religiosos. Não transigimos no direito fundamental de todas as pessoas de estarem ao abrigo da fome do conheci- mento, o que implica combater para cor- rigir as diferenças socioeconómicas desestruturantes de uma verdadeira comunidade. Como dizia o grande Raul Brandão, temos de crer que: “Nós não somos inutilidades num mundo feito, mas os obreiros de um mundo a fazer.” Lutar pelo alterar de um rumo que outros dizem ser inevitável, unir pessoas e unirmo-nos a elas em torno de objetivos que nos levem a emanciparmo-nos e a criar es- peranças no sentido de uma pólis solidária. A cultura que propusemos é a mesma de que Agostinho da Silva falava; abanar mentalidades e romper fronteiras, porque real- mente de estômago vazio não há cultura nem identidade alguma que resista. Uns estão entrincheirados em con- domínios privados, outros a viver em barracas ou pouco melhor e a tentar sobreviver ao desemprego que campeia livremente. A cultura serve para mostrar a nós próprios que somos melhores do que aquilo que pensamos ser, como afirmava Jorge de Sena. Vivemos hoje numa conjuntura em que uma elite se agarrou aos comandos do Estado desde o 25 de Abril, semeando ilusões e que teima em não o largar. São os mesmos rostos atormentados, soluções velhas a ten- tar resolver problemas novos. Por aqui, a isto se lhe junta elites locais obsoletas, que deliberam profusa- mente, obstinadas em se perpetuarem, magicando frequentemente medidas que imaginam de alcance napoleónico. Este é o sistema propriamente dito, em que todos são cúmplices e ninguém tem culpa. Em simultâneo, a geração mais bem preparada de sem- pre em Portugal, é obrigada a estar desempregada ou precária, mendiga guarida em casa dos pais e é tratada como um incómodo. Por isso emigramos. Somos a Margem Esquerda na diáspora. As pessoas estão fartas de todos os pastores que prometem o céu e hipotecam a nossa terra, as nossas casas e as nossas dispensas. Há urgência para implementar novas soluções, para acabar de vez com esta triste con- juntura, mesquinha e pequenina, que a todos envolve pegajosa, pastosa, pesada. O tempo favorece-nos. Somos mais novos, somos mais instruídos, somos mais univer- salistas e dentro de poucos anos seremos mais numerosos. E abriremos espaço à vassourada. Não nos vimos despedir, mas antes falar-vos do futuro. A Direção da Prima Folia ano: 2012 . nr 29 . mês: Dezembro . director: António Serzedelo . preço: 0,01 € http://jornalosul.hostzi.com / Saiba mais sobre nós em Prima folia Cooperativa Cultural 12 . 12 NR 29 Ilustração . www.DinisCarrilho.com

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Jornal O Sul de Dezembro

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Page 1: jornal_o_sul_dezembro

AO AMANHÃ

Serve o presente texto para comunicar o fim do nosso mandato como dirigentes da Prima Folia. Saímos, após cinco anos de direção, pois acreditamos que devem ex-istir limites à representação que devem ser exercidos com moderação. É importante abrir espaço à renovação, que agora terá início. Como se compreende, o retorno de cada qual à sua vida civil, em nada retira o direito e o dever de intervenção em prol da defesa dos valores que sustentamos e de influenciar o nosso tempo na luta sem tréguas pela justiça social. Estamos de saída tal e qual aqui entrámos, sem um tostão a mais, sem reformas escondidas ou sub-sídios camuflados. Ao longo destes anos fizemos as mais variadas propostas, realizações e denúncias. A nossa ação foi importante para motivar mudanças nas práticas culturais em Setúbal. Quem connosco esteve lembrar-se-á de algu-mas. Esperamos que os nossos adversários também se lembrem. Graças a essas intervenções houve mudan-ças que fizeram Setúbal respirar melhor. Apesar dos tempos conturbados em que vivemos, temos con-sciência que cumprimos, o melhor que pudemos, o nosso compromisso com essas muitas pessoas que representámos, os associados, os simpatizantes e as mais das vezes, muitas mais. O ativismo cultural, ou contracultural, tornou-se um elemento fundamental da garantia de uma democracia real. Continuam a ser tão válidos amanhã, como o eram há cinco anos atrás, a defesa intransigente das liberdades de pensamento, de consciência e de religião, das liberdades de opinião e de expressão e das liberdades de reunião e de associação. Não caducou a afirmação inflexível de que a cultura deve visar o enriquecimento e ex-planação das potencialidades da person-alidade humana, reforçar os direitos e liberdades fundamentais, dignificar os indivíduos, fa-vorecendo a compreen-são, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais, étnicos e religiosos. Não transigimos no direito fundamental de todas as pessoas de estarem ao abrigo da fome do conheci-mento, o que implica combater para cor-rigir as diferenças socioeconómicas desestruturantes de uma verdadeira comunidade. Como dizia o grande Raul Brandão, temos de

crer que: “Nós não somos inutilidades num mundo feito, mas os obreiros de um mundo a fazer.”Lutar pelo alterar de um rumo que outros dizem ser inevitável, unir pessoas e unirmo-nos a elas em torno de objetivos que nos levem a emanciparmo-nos e a criar es-peranças no sentido de uma pólis solidária. A cultura que propusemos é a mesma de que Agostinho da Silva falava; abanar mentalidades e romper fronteiras, porque real-mente de estômago vazio não há cultura nem identidade alguma que resista. Uns estão entrincheirados em con-domínios privados, outros a viver em barracas ou pouco melhor e a tentar sobreviver ao desemprego que campeia livremente. A cultura serve para mostrar a nós próprios que somos melhores do que aquilo que pensamos ser, como afirmava Jorge de Sena.Vivemos hoje numa conjuntura em que uma elite se

agarrou aos comandos do Estado desde o 25 de Abril, semeando ilusões e que teima em não o largar. São os mesmos rostos atormentados, soluções velhas a ten-tar resolver problemas novos. Por aqui, a isto se lhe junta elites locais obsoletas, que deliberam profusa-mente, obstinadas em se perpetuarem, magicando frequentemente medidas que imaginam de alcance napoleónico. Este é o sistema propriamente dito, em que todos são cúmplices e ninguém tem culpa. Em simultâneo, a geração mais bem preparada de sem-pre em Portugal, é obrigada a estar desempregada ou precária, mendiga guarida em casa dos pais e é tratada como um incómodo. Por isso emigramos.

Somos a Margem Esquerda na diáspora.As pessoas estão fartas de todos os pastores que

prometem o céu e hipotecam a nossa terra, as nossas casas e as nossas dispensas. Há urgência para implementar novas soluções,

para acabar de vez com esta triste con-juntura, mesquinha e pequenina,

que a todos envolve pegajosa, pastosa, pesada. O tempo

favorece-nos. Somos mais novos, somos

mais instruídos, somos mais univer-salistas e dentro de poucos anos seremos mais numerosos. E abriremos espaço à vassourada. Não nos vimos despedir, mas antes falar-vos do futuro.

A Direçãoda Prima Folia

ano: 2012 . nr 29 . mês: Dezembro . director: António Serzedelo . preço: 0,01 €

http://jornalosul.hostzi.com / Saiba mais sobre nós em Prima folia Cooperativa Cultural

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Acordo bem cedo pela ma-nhã. Sinto calor, afinal estão 17 graus. É como se estivesse pelas 10 horas de um belo dia de ve-rão, não fosse o facto de estar em pleno inverno. Esse abraço morno de adocicado que paira no ar transporta-me a evoca-ções passadas que desde sempre me acompanharam. O tempo mudou muito, desde o tempo dos meus avós. O tempo, dentro do tempo, num outro tempo.

Abro a janela do meu quarto. Olho, do alto das colinas de S. Francisco, para o que resta da baixa histórica de Setúbal. Está parcialmente debaixo de água, devido aos degelos dos glaciares polares. A água subiu 6 metros, o que tornou Setúbal, tal e qual Veneza, uma das primeiras ci-d a d e s e u r o p e i a s a f icar submersa. Mais ao longe olho para aquilo que foi o Troia Resort, orgu-lho de alguns gover-nantes democratica-mente perversos. Tal como eles, também a península de Tróia submergiu. Tudo o que ali hoje resta é um imenso parque de diversões para os mergulhadores, cujos moradores tentam explorar o melhor que podem e sabem. A SONAE, uma das últimas gran-des empresas em Portugal, faliu nos anos 20 do século passado, por altura da grande inundação. Agora é uma cidade com pouco mais de trinta mil habitantes. Setúbal falhou em ser a grande cidade industrial que era.

Arranjo-me e, após, decido ir passear pelos montes da Arrábi-da, hábito herdado de meu avô,

que o tinha desde a sua tenra juventude. Lembro-me como se

fosse hoje do que ele comigo partilhava, com um brilho in-tenso nos olhos pe-queninos, do quanto era a serra verde-jante, dos milhares tons de verde que a mesma possuía; po-rém isso foi outrora, pois o que vejo ante meus olhos é serra

cinzenta, na qual nada cresce, toda ela despida pelos inúmeros incêndios que ali decorreram ao longo dos anos. Vejo também o que resta de uma antiga grande fábrica de exploração de pedra de cimento, abandonada.

Lembro-me de ali vir brincar enquanto criança. Nessa altu-ra vivia-se um clima de guerra civil. A população fugiu para os montes. Ali passei um bom par de anos da minha infância. Mesmo no meio de tanta nudez pétrea, guardo algumas boas

recordações. Por vezes, quan-do tudo à nossa volta é guerra, ouvimos melhor também as emoções.

Faz já décadas que em es-tamos em paz. O país chamado Portugal já não existe, está di-vidido em 3 regiões distintas, cada uma com o seu governo. Setúbal está inte-grada na região do Alengarve - integra as antigas regiões do Alentejo e Algarve.

Pego na minha bicicleta e diri jo-me para o trabalho. Sou jardineiro, faço a manutenção dos jardins ve-lhos e dos novos também, que foram criados após a grande inundação. No meu percurso para o trabalho vejo velhas relíquias, os então chamados de automóveis, latas carcomi-das e abandonadas pelas ruas. Perturbam-me esses achados arqueológicos. Não entendo

como é que os romanos tinham gladiadores, ou os portugueses viviam à base dos derivados do petróleo. É absurdo e desumano. Há muito que deixaram de ser produzidos. Atualmente anda-mos de bicicletas ou de trans-

portes públicos. O dinheiro deixou de ser usado, traba-lha-se apenas para evolução pessoal. O fim do mundo não se deu em 2012, como se pensava no tempo do meu avô, o que acabou foi a men-talidade vigente até essa altura.

Hoje tenho os mesmos 37 anos a idade que o meu avô teria em 2012, tempos difíceis dizia ele, mas que conseguiu ultrapassá-los com destreza e determinação, essa que herdei dele.

André João CordeiroArquiteto e 3D designer

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“ (...) o que resta da baixa histórica de Setúbal. Está parcialmente debaixo de água, devido aos degelos dos glaciares polares.

“ (...) quanto era a serra verdejante, dos milhares tons de verde que a mesma possuía; porém isso foi outrora

2112Setúbal, 11 de

Dezembro de 2112

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Propriedade e editor:Prima Folia - Cooperativa Cultural, CRLMorada: Rua Fran Paxeco nº 178, 2900 Setúbal Telefone: 963 683 791 • 969 791 335NIF: 508254418Director: António SerzedeloSubdirector: José Luís Neto • Leonardo da SilvaConsultores Especiais: Fernando Dacosta • Raul TavaresConselho Editorial: Catarina Marcelino • Carlos Tavares da Silva • Daniela Silva • Hugo Silva • José Manuel Palma • Ma-ria Madalena Fialho • Paulo CardosoDirector Artístico: Dinis CarrilhoConsultor Artístico: Leonardo SilvaMorada da Redacção: Rua Fran Pa-checo nº 176 1ª 2900-374 SetúbalEmail: [email protected] ERC: 125830Deposito Legal: 305788/10Periocidade: MensalTiragem: 45.000 exemplaresImpressão: Empresa Gráfica Funchalense, SA - Rua Capela Nossa Senhora Conceição, 50 - Moralena 2715-029 - Pêro Pinheiro

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Como em todas as outras noites...Como em todas as outras noi-

tes, saio e percorro o dito – em tempos -mais belo, amargo e doce, gorduroso e melancólico despojo, que se entranha em tão lúgubre desvairo. Na memória, a saudade da velha Setúbal, cidade das ma-nhas luminosas e viris, das noites misteriosas, tomadas de assalto pela mescla de essências juve-nis, pelos profetas laicos e pelos miradouros improvisados que se tornaram referência. A cada passo escorregadio, o escarnio cola-se-me às solas dos pés, num verde rastejante enquanto recordação única do asilo – outrora – parque natural.Encaminhado ao que resta de uma investida arqueológica, pelo que parece, do que teriam sido os Paços de Concelho pre-cedentes ao êxodo urbano, surge-me na memória os bons e velhos tempos relatados por meus avós – ainda eles humanos, sobreviventes ao ataque zombie de seres de fei-ções amargas, tratados por Senhor Dr., conduzidos pela incógnita e extinta substância, conhecida como filha do Antrax, maldita cocaína. Tempos esses em que o zumbido nuclear tinha outras formas, dizia-se orgânico, ao qual chamavam música. Ao contrário das próteses térmicas, usavam ma-teriais maleáveis que os próprios constru-íam chamados roupa , dormiam deitados sobre molas vedados também por uma espécie de roupa e usavam orifícios para expelirem e-coli nos seus próprios espaços. É inconcebível pen-sar-se em tão retar-dada ideia quando que hoje, numa única ida à sargeta comum, são depositadas centenas de kilos de e-coli imprescindível à construção de habitações e gerenciamento de

energia. Mas será que o mundo sempre fora feito de merda?

Como em todas as outras noi-tes, saio e percorro o dito – em tempos -mais belo, amargo e doce, gorduroso e melancólico despojo, na ausência da marcação territorial

de adolescentes pelos agora fosseis micta-dos, costume que ainda hoje me levan-ta algumas questões, visto que os dejetos seriam depositados dentro de casa. Diz-se que o mundo nes-sa altura seria bem mais cinzento, pois sem matéria orgâni-ca, seria impossível tingir-se o que fosse. Eles tinham as roupas

mas faltava-lhes a cor.Segundo um diário digi-

tal – uma autentica relíquia encontrada numa rede de in-formação alternativa, foi-me

possível constatar que os hu-manos desses tempos comu-nicavam – imagine-se – por mensagens escritas m a n i p u l a d a s p o r robots de primeira geração chamados satélites e chegavam a demorar 5 minutos para abrir contas de usuário ao contrario dos dias de hoje em que, premindo-se a slot de intercomu-nicação e após três segundos de auten-ticação acedo a mais de 3000 comuni-dades e-coligicas e movo transações financeiras e de investimento em novas substancias para a sobrevivência dos escolhidos.

Após o final do ciclo Maia, não houve mais espaço a hesi-tações, contratempos ou inde-cisões; muito pelo contrário, a

população terrestre dividiu-se em dois grupos distintos. Um primeiro dedicado à previsão

energética dos ou-tros seres e ao seu e n c a m i n h a m e n t o p a r a u m m u n d o sustentável e por outro lado, um outro grupo contrasusten-tabilidade, formado pela nova geração zombi e que se ca-raterizava por seres que paravam nas passadeiras como se estivessem prontos para se lançar à es-trada, por nichos de pessoas bem apre-

sentadas que mal comiam para viajar em carroças motorizadas, por crianças já manipuladas e encaminhadas para a destruição dos recursos e ainda, por outros seres que se sentiam ofendi-dos por tudo e por nada- até

por um bom dia. Este segun-do grupo tudo fez para que a comunicação fosse estanque e ao circularem pela via pública, permanecia de olhos virados para o chão, educavam seus fi-lhos gritando e cuspindo para o chão, os homens acarinhavam mulheres com violência e os velhos bebiam líquidos ricos em álcool, disponíveis em casas de passagem.

Os tempos eram ridiculamente diferentes dos de hoje em dia. As profissões passaram a reexistir en-quanto necessidade. O comercio tornou-se justo. Os campos vol-taram a ser utilizados. E no fim de contas, passado tanto tempo, a cidade mantem-se doce, gor-durosa e melancólica, com uma única diferença:

Quem a habita, pensa por si próprio.

Paulo Ganilho da LuzAnimador sociocultural

“ (...)na memória os bons e velhos tempos relatados por meus avós – ainda eles humanos, sobreviventes ao ataque zombie de seres de feições amargas, tratados por Senhor Dr.

“ Os tempos eram ridiculamente diferentes dos de hoje em dia. As profissões passaram a reexistir enquanto necessidade. O comercio tornou-se justo. Os campos voltaram a ser utilizados.

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Setúbal 2100Táva eu prráqui a pensarr come

é que afinal serrá Setúbal em 2100? A prrimêrra cena quê fiz foi olhárr prrá bola de crristal quê tinha à nha frrente prra tentarr adivinhárr o futurro e inspirrárr-me. Na verrdáde erra mais um cilindrre de vidrre vêrrde garráfa cheie de ideias liquidas. A nóssa sociedáde nessa alturra vai tárr dum descalábr-re munta maluque, caté parréce a que vames a descerr a descida das necessidades num biciclête cas ró-das códrrádas . Tou même a verr... as máquinas a fazerrem o trrabálhe dum homem, o desemprrégue a montes,

a crriminalidade semprre a subirr e munte violenta, crrianças na escola com fome, pessoas sem recurrses

nenhuns pa conseguirr gerrirr as suas vidas, as pessoas completamente asfixiádas num monte de estrrume com tan-te tipe de mérrda que aquáse chega à lua... epá perra lá... mas iste é nos dias de hoje. Pr-rontes vames lá serr um pouque mai positives e terr “aquela” visão. 2100 Setúbal, acrredito que

vai serr uma grrande cidade com um merrcáde turristique em que se lhé aprresentáde a grrande identidáde setubalensse. Néssa alturra de cerrteza

que já aconteceu a grrande revolução Sádina de 2050, alturra em que os Setubalenses derrem um pontapé du cú do pessoal que manda da Trroia agorra e a cidade já tá ligada cuma ponte espetaclárr même.

Cá prra mim nã vames serr mai de 250.000 man-guelas a viverr em Setúbal, é um pal-pite empirricó-ci-êntifique. Setúbal, em grrande párrte, vai viverr do turrisme e toudes os serrvices quisse acarreta. É malta a fazerr sandes de chouque frrite, coirrátes, turresmes, a fazerr caminhas de laváde nos hoteis, a dárr cúrrses de Charroque prrós

camónes, visitas guiádas ao antigue estádio do Vitórria do Bonfim, etc e t a l bágue d’uva.

Um gáje sai à rua, pega duma bcicléte a enerrgia prruveniente da ondulação

do Rio Sáde com liga-ção wairreless eléctr-rica, sem prrodução

de poluentes prra atmusférra, tá tão limpa qnem um

sárrgue descamáde pa cumerr assáde e

escaladinhe cumas ba-tat.. prrontes já chega. An-

tes de irr trrabalhárr dá um saltinhe à Serra da Arrábida prra apanhárr árr frresquinhe pas fuças, molha o pézinhe da água do márr na Prraia

da Figueirrinha. Chega ao trrabálhe com uma vontáde de prroduzirr quié uma coisa maluca.

A grrande mudança que eu acredite même, é que vão abolirr os forruns, e só vai haverr lojas caninas comá minha, serrá uma cidade típica e pacata com munta coisa prra mos-trrárr ao munde como porr exemple a estátua do Charroque da Prrofun-durra que vai serr colocada no ane de 2025 no local do actual Jumbe, que como já disse vai acabárr um dia tamein.

Prra reflecitrr um pouque, pen-sem em dois mil e sem e em dois mil e com, embórra lá!

Charroque da [email protected]

100 anos

Levanto-me ainda dorido, depois de ter levado com o cho-que tecnológico ainda na cama. O avanço da ciência é tal que os despertadores dão verdadeiros choques a quem se recusa a acor-dar. Avanço, só mesmo na ciência, pois o que parece é que avançaram 100 anos e nós regredimos 200.

Fui chamado de emergência a casa de um paciente. Lavo a cara na bacia de água fria. A dí-vida energética portuguesa está tão alta que o resto dos Estados Unidos da Europa se recusa a nos vender energia, criada a preço de saldo com as novas centrais elétri-cas de Fusão Nuclear de Helio-3. Apenas 1% da população tem di-nheiro para comprar energia de forma privada, e como tal, no país de hoje, dividimos a população em apenas 2 classes. Os “energéticos” e os “escorraçados”.

Fecho os olhos com esforço e tento adormecer enquanto o cavalo puxa esta carroça Av. Cavaco Silva acima. Quase passaram 100 anos

desde que o aumento do preço dos transportes levaram os mesmos a ficar sem utentes e a entrarem em fa-lência. Ao mesmo tempo os criadores de cavalos começaram a abatê-los, pois não tinham como os alimentar, e o Grande Pedro criou o transporte Low-Cost! Carroças, de acordo com a tradição do nosso Pequeno País.

Outrora aqui foi a Av. 5 de Outu-bro, mas as grandes efemérides de Portugal foram censuradas, primeiro acabando com os feriados e depois mudando os nomes das ruas para os nomes dos estadistas que acabaram com a verdadeira História.

Subo depois a Av. Tozé Seguro, ex.

Av. Bento Gonçalves, antigo dirigente comunista. O PCP e o BE foram ile-galizados e o PP juntou-se ao PSD, no seguimento da Lei do 2. “2 mãos, 2 olhos 2 classes, 2 partidos!” À minha direita costumava existir o Hospital de São Bernardo. O aumento das ta-xas moderadoras levou à procura do sector privado. Com isto o défi-ce na saúde aumentou ainda mais e os nossos Queridos Governantes, sempre iluminados e apoiados no XV programa de resgate da troika, decidiram fechar de vez o hospital. Quando isto aconteceu o sector pri-vado aumentou exponencialmente os preços e as pessoas deixaram de

ter acesso a qualquer sistema de saú-de. Voltámos aos partos em casa e aos médicos ao domicílio.

Contorno o antigo Estádio do Bonfim, hoje um campo de desa-lojados. As empresas que mandavam no fu-tebol decidiram acabar com a participação nos campeonatos de equi-pas históricas mas sem poder, tais como o nos-so Vitória de Setúbal. E quanto ao desporto jovem e amador? O es-tado decidiu que quem quer fazer desporto tem de pagar imposto. O desporto é um luxo e tem de ser taxado como tal. Os pais passaram a ser notificados quando as crianças jogavam à bola no Parque do Bonfim. E como já sem qualquer recurso, estas se recusavam a pagar, o resultado foi mesmo acabar com os parques e jardins. Bonfim. Vani-celos, Bela Vista, deram assim lugar a fantásticos parques de estaciona-mento, todos com o seu parquímetro de última geração, preparado para

os carros que já ninguém tem. Assim ninguém corria ou jogava sem pagar e resolveu-se a questão.

Ao meu lado direito estão as ruínas do antigo Liceu Nacional

de Setúbal. Está tam-bém quase a fazer 100 anos que o governo decidiu rasgar de vez a constituição e in-troduzir propinas na Escola Preparatória e Secundária, bem como aumentar para valores irreais os valores do Ensino Superior. Em 2 anos fecharam 2000 escolas. Estudar para quê? Não há emprego bem pago de qualquer forma e os países ami-gos fecharam as fron-

teiras, tal foi a emigração descon-trolada desse famoso ano de 2013.

Chego ao meu destino e antes de entrar olho de relance para a Pedreira da Arrábida. Há quem diga que existiu ali a serra mais bonita de Portugal…

Nuno VieiraEstudante de engenharia física

Terça-Feira, 18 de Dezembro de 2112

“ (...) vão abolirr os forruns, e só vai haverr lojas caninas comá minha, serrá uma cidade típica e pacata com munta coisa prra mostrrárr

“ (...) Bonfim. Vanicelos, Bela Vista, deram assim lugar a fantásticos parques de estacionamento, todos com o seu parquímetro de última geração, preparado para os carros que já ninguém tem.

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Viagem a Setúbal do séc. XXII

A principal indústria setubalense à beira do colapso!

Acordo, embriagado pelo tem-po, num futuro presente.

Da memória confusa, saltam fragmentos de noite, regada de uva moscatel a bombar e gené-ticas companhias do velho ADN.

Estalo os ossos, levanto os caniços dos degraus cinzentos e reconheço a moldu-ra laranja e salgada no Largo do Zeca.

Olho à minha vol-ta, não vejo os golfi-nhos e penso ator-doado no que terá acontecido.

O anfiteatro, dei-xado às ventanias do momento, é agora ecrã gigante de pro-paganda audiovisual, onde caras estranhas falam de coisas e lu-gares e pessoas da nossa cidade. Para meu espanto, reparo a data no rodapé da tela gigante e vejo: 21 de Dezembro de 2112.

Penso, com os meus botões, que afinal o calendário da Maia continuou a rolar e, se não é uma brincadeira de mau gosto, em vez ter acabado, o mundo girou pelo menos mais uma centena de anitos.

Esfrego cabelos e olhos chei-rados pelo tabaco, limpo os óculos embaciados e decido resolver tal mistério. Ao primeiro transeunte interrompo:

- Desculpe, companheiro! O que é que aconteceu esta noite à cidade? e ao tempo? Porque é que esta data está no ecrã e quem tirou os golfinhos do sítio?

A resposta tardia, em charroco erudito, não ajudou ao esclarece-

mento: - Atã soce? tás

marreado dos cornes? vê lá se te endirreitas e vais à beirra marre arrumarre as ideas...

Pelo menos, o dialecto ainda está a funcionar, pensei com os meus botões. Sem perceber ainda ao certo o que aconteceu ao tempo, apressei-me para sul ao encon-tro do rio. Ao chegar à

Lota, percebi definitivamente que estava num outro tempo e, por pouco, noutra cidade. Não mais era um local de venda e desembar-que do peixe, mas um complexo edifício de fabrico do peixe. Ouvi uns velhotes comentarem:

- No mê tempe ainda se apa-nhava pexe aqui do rio, agora comemos sarredinha plastificada fabrricada em viverres.

Olhei à minha volta e vi uma ponte lançada sobre o rio que fazia da Tróia um novo bairro de Setú-bal. Olhei para Oeste e, no lugar das encostas onde em tempos Sebastião se inspirou, havia um imenso planalto do qual a Fortale-za do Filippo Terzi era o ponto mais alto das redondezas. Lá con-seguiram melhorar as vistas para o oceano e tiraram aqueles mon-tes incómodos, grace-jei aos ventos:

-Graças ao Deus que, pelo menos, a Secil conseguiu re-sistir às abusivas reclamações setubalenses.

Aceitando, finalmente, este meu regresso ao futuro, resolvi indagar mais a fundo esta nova Setúbal do séc. XXII. Dirigi-me a um dos muitos ecrãs transparentes patrocinados

pela sapo e espalhados pelas ruas, para fazer uma pesquisa mais deta-lhada do que aconteceu neste lapso temporal. Abri a página do Setúbal na rede, e lá fui surfando pelo arquivo virtual das memórias setubalenses. Nos inúmeros disparates que fui len-

do retive, em especial, a década dos anos 40, onde o velho Vitória ga-nhou tudo o que havia a ganhar, nacional e internacionalmente, à bolina do grande Mou-rinho. Não só ganhou tudo no mundo do des-porto como pelos vistos deixou-nos uma dinas-

tia fidalga de vencedores, presidentes e bem feitores deste pequeno reino à sombra da capital. - Ahhh! ganda Mourinho! - desabafei...

Deixando a bola de lado, e pas-sando ao urbanismo, observei com curiosidade a expansão da cidade

com a mais bela baía, e a velha pe-nínsula verde banhada a azul deu lugar a uma malha urbana qua-driculada e bem arejada ao estilo francês, ou melhor, estilo Pombalino (para os mais esquecidos, é o gajo que ensinou o Corbusier). Fiquei triste, por um lado, ao descobrir que a razão de tal metamorfose, deveu-se à velha profecia, o terramoto de 2055, mas logo contente, por outro, ao ver que o esforço da Moderna em fabricar tantos arquitectos foi útil ao reflorescimento da nova Se-túbal e que, pelo menos, o cimento da Arrábida deu lugar a uma nova reserva “natural”, uma floresta em betão. Dei comigo a divagar:

- Era giro escrever um livri-to sobre isto e enviar aos meus conterrâneos do século passado.

Gonçalo GuerreiroArquiteto

Setubalense na diáspora

Fontes próximas do governo afirmam que o relatório do la-boratório de medicina legal, vem confirmar as piores expectativas, para os setubalenses, claro, que sem forma de contribuir para a Grande Dívida, poderão ver-se a braços com um projecto de higie-nização, ou seja, a substituição da população e consequente incine-ração da actual.

Representantes da PRHA (Pro-tejam a Raça Humana Amorfa) já vieram a terreiro defender as gen-tes da cidade, “os descendentes não têm culpa que na era das grandes manifestações, há um século atrás, os seus antepassados nada tenham feito”, “temos de tratar os actuais setubalenses como seres sencien-tes, apesar de incapazes de votar ou escolher” afirmou o defensor dos direitos dos humanos amorfos.

O especialista em genética e evolucionismo meta-moderno afirma, que o caso dos habitantes setubalistas ganha contornos es-tranhos “como é sabido, para fazer melhor estrume, é necessário que o cérebro seja triturado com o corpo,

mas no caso setubalista, o atrofio cerebral tem sido de maior rapi-dez em comparação às populações nas outras cidades estrumeiras”. O especialista indicou ainda que houve a tentativa de impedir esta rápida regressão através de música, dança, teatro ou cinema, práticas que obtiveram bons resultados noutras populações, conse-guindo nalgumas até parar o atrofio cere-bral. Mas para o es-pecialista em genética, apenas os especialistas em história podem explicar esta clara falha no cérebro dos setubalistas.

“Nos setubalistas só existe actividade cerebral com toura-das, festas com nome de peixe e formas culturais que não fazem pensar ou questionar nada, ape-sar de algumas dizerem conter música ou teatro, mas, como é óbvio, só os cérebros em acto de raciocínio podem evoluir, esta é a principal razão”, diz-nos mais: “colegas meus ainda hoje esperam os relatórios que possam confir-mar a predilecção da ancestral

população nestes géneros cul-turais. Terão sido as tóxinas da co-incineração, na Secil (empresa ambientalista que guarda a úni-ca árvore da outrora Arrábida) a

haver com o caso?” “Não quero entrar em mitos”, afirma ao O Setubalista, de forma contundente, o especialista em história das cidades que poderiam ter sido. E adianta-nos ainda mais, “o caso que temos em mão

afigura-se de uma especial re-gressão por uma única razão, a regressão do cérebro já tinha co-

meçado anteriormente, as práticas dos seus antepassados trilharam este destino, sabemos que não serão os úni-cos culpados, mas se nem para o contrato da derradeira opor-tunidade do FMI ser-vem, não servem para nada. Pelo menos que servissem para estru-me, neste dias nem isso!”.

A todo o momento aguarda-se que o gabinete do representante alemão, no território anteriormen-te conhecido como Portugal, emita a ordem de incineração desta po-pulação que perdeu a utilidade. Poder-se-ia dizer que há 100 anos

atrás ainda teriam vindo a tempo de sair à rua e protestar, de fazer

o cérebro funcionar e exigir políticas cultu-rais para que os seus descendentes não ficassem humanos amorfos… Agora é tarde! Hoje o debate que se impõe é o fu-turo: Setúbal, parque

de estacionamento ou cidade es-trumeira re-colonizada? O nosso jornal acompanhará de perto este debate.

Leonardo SilvaPresidente da

Prima folia Cooperativa Cultural

Setúbal, 5 de Dezembro de 2112

in "O Setubalista", 21 de Dezembro de 2112

“ Graças ao Deus que, pelo menos, a Secil conseguiu resistir às abusivas reclamações setubalenses.

“ (...) velha península verde banhada a azul deu lugar a uma malha urbana quadriculada (...) tal metamorfose, deveu-se à velha profecia, o terramoto de 2055,

“ (...) temos de tratar os actuais setubalenses como seres sencientes, apesar de incapazes de votar ou escolher

“ (...) como é óbvio, só os cérebros em acto de raciocínio podem evoluir

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Cronologia sadina rumo ao ano de 2100

Durante a época natalícia é co-mum surgir no imaginário das pes-soas “Um conto de natal” de Charles Dickens, em que o velho Ebenezer Scrooge é visitado por três espíritos: do passado, do presente e do futuro.

Pegando neste conto, peço ao leitor que por momentos ocupe o papel do velho Scrooge e que en-quanto cidadão setubalense se deixe visitar pelo espirito do natal futuro que nos le-vará até ao ano de 2112.

Como se encontra-rá a cidade de Setúbal nesse ano? Será uma cidade com futuro? Muitas questões se le-vantam quando olha-mos para as políticas do presente e tentamos visualizar o futuro. De-certo não darei respos-tas mas proponho-me a levantar algumas ques-tões que podem colocar em causa a cidade de Setúbal.

De todos os problemas que so-fremos agora, sendo resultado direc-to ou não da crise nacional, existem quatro ou cinco problemas que me parecem fundamentais no desen-volvimento e na sustentabilidade de Setúbal.

A primeira questão prende-se com a existência da cultura. Olhando hoje para cidade de Setúbal, vemos uma cultura reduzida a pequenos grupos em que mesmo assim, a gran-de maioria se encontra em condições precárias. Que se pode esperar a nível cultural daqui a cem anos? As ex-pectativas não são muito grandes. A grande questão é mesmo se daqui a um século Setúbal terá sequer cultura

que seja digna desse nome, uma vez que a política local, seguindo a na-cional, tem sido a de precarização e desvalorização da mesma em nome de outros interesses.

Outras problemáticas, como são a questão do emprego e da habita-ção, surgem constantemente e como se tem verificado, pouco avanço se tem dado nestas matérias. Neste

momento assistimos a uma cidade que se acomodou enquanto cidade-dormitório, preenchida por um número crescente de desempregados e que não tenta criar alter-nativas para os seus cidadãos, em particular para a população mais jovem que começa a entrar no mercado de trabalho e a pensar em ter uma casa. Assim, o que se pode claramen-

te esperar daqui a cem anos é um aumento de desemprego (que já se encontra perto dos 9 mil) e des-truição do débil aparelho produtivo setubalense, assim como a contínua falta de reabilitação urbana que se-ria crucial para dinamizar a cidade e reerguer o comércio local.

Chegamos então a uma outra questão que a longo prazo terá bastantes consequências, a contínua destruição da serra da Arrábida. Já todos nos questionámos acerca do girassol que é o símbolo d’Os Verdes e que compõe a coligação CDU. É que, pelo que se pode constatar, um bloco de cimento ou um uma viven-da de luxo fariam o mesmo efeito enquanto símbolo, já que a políti-

ca autárquica tem sido a de deixar destruir o património ambiental em prole do betão. Portanto, bem nos podemos preparar para que daqui a cem anos em vez de uma árvore para cada pessoa, tenhamos uns sacos de cimento para cada um de nós, ou uma qualquer obra megalómana.

Por fim, chegamos à questão da especulação imobiliária. E mais uma vez, os sucessivos governos locais têm sido pródigos nesta ma-téria. O que são uma centena de sobreiros ou uma península como a de Tróia, quando podemos er-guer gigantes de betão a torto e a direito? O passeio de domingo no centro comercial chega per-feitamente. Almejar uma praia do povo, ou utilizar o meio ambiente em benefício da comunidade, em vez de interesses dos grupos eco-nómicos, são coisas de utópicos idealistas e que não terão lugar daqui a cem anos. Talvez possa-mos esperar que em 2112 Tróia seja privada (esperemos que o nossos amigos neoliberais e os responsá-veis autárquicos não leiam isto, não quero ser responsabilizado por mais uma ideia triste).

Com estes cinco apontamentos concluo o meu breve papel de es-pírito do futuro, esperando que os Scrooges que detêm o poder local, reflitam um pouco, nesta época na-talícia e comecem a projectar um futuro que tenha em conta as pessoas e não os interesses financeiros, evi-tando assim, que num futuro próxi-mo Setúbal se aproxime da Inglaterra vitoriana de Charles Dickens.

João SantosEstudante Universitário

2013 • O preço do tabaco aumenta (novamente), para desgraça de todos os escritores mal pagos.

2017 • A Biblioteca Pública Muni-cipal de Setúbal é oficialmente extinta, o seu edifício vendido e transformado numa loja de telemóveis; pela primeira vez na história a sua afluência diária excede aquela dos seus funcionários e das pessoas que lá entravam por mero engano.

2024 • Arranca a implementação do Programa Polis II como forma de dar continuidade à requalificação ur-bana e valorização ambiental de mui-tas das cidades do distrito; no concelho de Setúbal o mesmo é usado para polir as pedras da calçada e para remodelar a rotunda da Avenida Luísa Todi, de quadrada para triangular (uma verdadeira inovação mun-dial), um facto que acaba por impedir toda e qual-quer futura circulação automóvel.

2032 • Mais ou me-nos seguindo a distopia do filme “RoboCop” (1987), é, com grande aparato, inaugurada a primeira parcela daquilo que passa a ser conhecido como a Neo-Setúbal, uma promessa de nova cidade futuris-ta onde todo o crime que caracterizava a Velha Setúbal é abolido; espera-se que o projecto esteja concluído no ano de 2040.

2032 (alguns dias depois) • O pro-jecto da Neo-Setúbal é completamente descartado quando se descobre que as primeiras habitações que haviam custado vários milhões de euros eram feitas de contraplacado e, para deses-pero de todos, incapazes de permitir a mais pequena forma de insonorização entre casas de vizinhos; a empresa responsável pela construção não só nunca seria levada à justiça, como, numa reviravolta inesperada, acabaria mesmo por ser indemnizada pelas autoridades públicas por flagrante violação do contrato.

2039 • Cristiano Ronaldo, jr, 29 anos, e Thiago Messi, 27 anos (filhos de Cristiano Ronaldo e de Lionel Messi, reconhecidamente, dois dos maiores jogadores da história do futebol), as-sinam um contrato válido por 4 tem-poradas com o Vitória FC de Setúbal; ambos haviam sido dispensados do Amora FC.

2041 • A cidade de Setúbal deixa de ser capital de distrito, honra que passa para Almada onde se acaba de construir mais dois colossais centros

comerciais, cada qual contendo uma FNAC e uma dúzia de salas de cinema com a mais recente tecnologia 5-D (3 dimensões, mais mau cheiro, mais comentários irritantes de adolescen-tes durante o filme) – um verdadeiro pináculo civilizacional.

2058 • Devido a um estranho ví-rus informático, o “Facebook” acaba; milhões de pessoas em todo o mundo ficam sem saber o que fazer durante 16 horas do seu dia.

2070 • Nada de particularmente relevante ocorreu.

2071 • Milhares de “Halobatrachus didactylus” mutantes (vulgarmente conhecidos como charrocos), com dois metros de comprimento e ainda mais feios que o habitual, avançam

sobre terra seca com a intenção de escravizar toda a raça hu-

mana em retaliação por vários anos de gozo in-sultuoso; há relatórios de ocorrências deste estra-nho fenómeno por toda

a zona litoral do distrito de Setúbal, ao qual se circunscre-

ve, onde os seus habitantes são cha-mados como primeira linha de defesa; a ofensiva, no entanto, é rapidamente frustrada, durando apenas 10 minutos, devido ao facto de as estranhas cria-turas se demonstrarem incapazes de respirar fora de água – um pormenor que acabaria por servir para alimentar mais uns copiosos anos de reinação.

2072 • É inaugurada uma está-tua de Tiago Apolinário Baltazar em Alcácer do Sal (cidade onde este se recolhera nos seus últimos anos de vida), em reconhecimento pela pro-fética advertência da invasão dos “Halobatrachus didactylus” num texto obscuro de 2012.

2086 • É descoberto um novo planeta, Chiron, no sistema solar Al-pha Centauri, capaz de suportar vida humana.

2100 • A humanidade abandona o planeta Terra com pretensões de fundar em Chiron uma nova civi-lização, em todos os sentidos su-perior e perfeita; todo o distrito de Setúbal é estranhamente convidado a não acompanhar a nova aventu-ra, com a suposta desculpa de que alguém teria que ficar de modo a receber uma encomenda urgente dos correios que estaria para ser entregue.

Tiago Apolinário [email protected]

Setúbal XXII – Uma cidade com futuro?

“ Que se pode esperar a nível cultural daqui a cem anos? As expectativas não são muito grandes. A grande questão é mesmo se daqui a um século Setúbal terá sequer cultura que seja digna desse nome

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ParapenteUm lugar nunca o é, realmente,

até passar a ser amado por nós. No entanto, aquele lugar não me era, de todo, desconhecido. Tivera várias aproximações prévias e sabia que não me deixaria incólume. Havia sonhado anos antes com isso; e os sonhos têm essa mania de serem cer-teiros premonitores das realidades futuras. Em verdade, havia sonhado que fazia parapente com um gran-de amigo numa das praias da região. Ele havia-me questionado sobre o que fazer a seguir, ao qual eu havia respondido que não se preocupasse, pois eu sabia o que fazer em segui-da, afinal, conhecia a região como as palmas da minha própria mão, o que não era verdade. Há pormenores interessantes no sonho, porquanto nunca fiz parapente, apesar de estar ao alcance da minha vontade, mas menos opcional foi o facto de ir parar a esta região e passar a conhecê-la como às palmas da minha mão (ex-tremamente confusas, diga-se). No entanto, o amigo também poucas vezes veio a esta região e, de facto, a situação principal, em si, nunca fez qualquer sentido. Na altura em que tive o sonho, contudo, o lugar, pouca ou nenhuma importância, assumia. O parapente, em si, nunca fez senti-do porquanto esse meu amigo tem

profundas e angustiosas vertigens, que pude verificar em diversas situ-ações, muito menos melindrosas que o voo a céu aberto. Os sonhos são isto mesmo, um conjunto de verdades indecifráveis, que só adquirem sentido pleno na altura em que o têm de fazer.

Não posso dizer que não existia simpatia por aquele lugar, pois, na realidade, existia. O mar, mesmo ali, ao alcance da minha mão, conjuga-do com o pitoresco, faziam com que houvesse, nos dias de intensa bruma, um encanto muito próprio. Apesar de muito ligado ao meu mundo raiz, o espírito quixotesco compelia-me a procurar novas paisagens. É difícil

explicar o que dificilmente encontra uma explicação, mas, mesmo assim, tentarei ser o mais sucinto possível na procura de explicitar o óbvio; e não há nada mais difícil do que o evidente.

Fui visitar uma grande herdade junto ao Sado, uma herdade mágica, a Quinta das Corujas. Como todo o espaço que merece ser nominalmente referido, tem características muito específicas. Logo à entrada temos um portal com um nicho em forma de vieira, onde, antigamente, muito antes de ser a Quinta das Corujas, estaria o santo, esse ser pétreo de carácter mágico-telúrico, que daria o nome e a tutela ao lugar, talado em brecha da

Arrábida. Os fenícios chamavam-lhes Baallim, os romanos Manes, mas nós perdemo-los algures. Tratam-se dos Senhores do lugar, as forças ambiguamente naturais e sobrenatu-rais que exprimem o carácter de cada local. Para nós já não exis-tem lugares com alma, para nós já nem existe a alma dos tempos. Para nós, nada de nada…só sabemos medir - o espaço e o tempo já não são nada mais que números e unidades de quantificação.

A Quinta das Corujas sofre deste mal moderno, o desrespeito puro e duro, incontido e incontrito, de tudo o que existe. É das Corujas, porque só elas atualmente ali habitam, só elas se lembram ainda de como aquele sítio foi um espaço propriamente dito, com personalidade própria (agora, só lhe resta a personalidade jurídica), bem vincada e particular. Os muros estão decrépitos, aspetos da sua anterior grandeza despontam do solo, de quando em vez, amálgama de aterros de 1001 “patos bravos” que para ali atiraram o que os ou-tros quiseram esquecer. No entanto,

a sua nobreza de palácio do povo dos tempos idos de quinhentos e seiscentos quase não se reconhece,

está tudo esburacado e dilacerado por todo o tipo de vilipêndios imaginados pelos hu-manos. Aos olhos ex-perientes destas lides já é impossível classificá-la como cidade, apenas uma ruína em razoável estado de conservação. Trata-se de um patri-mónio a requerer clas-sificação e conservação, já da especialidade dos

arqueólogos, historiadores de arte e museólogos, de modo a permitir, quiçá, após um árduo consenso, or-ganizar visitas guiadas às escolas e aos turistas gringos que vêm visitar esta vetusta região, típica nas suas muitas mentiras de criação e enganos nas prioridades. Ali ainda há vida no para além da terra erma, gretada e estéril, que observamos à superfície. Nada é simplesmente o que parece, na impressão rasgada na pele que é uma deslumbrante e aterradora natureza morta.

José Luís NetoSubdirector do jornal O Sul

Setubalenses na Diáspora

Antes . 2012 Depois . 2112

“ Aos olhos experientes destas lides já é impossível classificá-la como cidade, apenas uma ruína em razoável estado de conservação

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