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 11  Jornalismo e política: a construção do poder Emanoel Barreto  Resumo  Analis ar a relação entre polít icos e jornal istas , e os interesses em jogo ante o imperativo de veiculação de um noticiário ético e credível, é o objetivo deste trabalho. Tais atores participam de um processo negocial/relacional que medeia os componentes fato e relato, encontrando-se aí o campo de tensão onde ambos exercem as atribuições concernentes aos seus respectivos papéis. Abstract The objective of this project is to analyze the relation between politicians and journalists and their interest of transmitting an ethical and credible news. The participants of a business/relationary process links the fact and report components, nding there the tension eld where both exercise the attribution pertaining their respective activities. Key words: Journalism, politics, mass communicatio n, news.  Palavras-chave Jornalismo, política, comunicação de massa, notícia.

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    Jornalismo e poltica: a construo do poder

    Emanoel Barreto

    Resumo Analisar a relao entre polticos e jornalistas, e os interesses em jogo ante o imperativo de veiculao de um noticirio tico e credvel, o objetivo deste trabalho. Tais atores participam de um processo negocial/relacional que medeia os componentes fato e relato, encontrando-se a o campo de tenso onde ambos exercem as atribuies concernentes aos seus respectivos papis.

    AbstractThe objective of this project is to analyze the relation between politicians and journalists and their interest of transmitting an ethical and credible news. The participants of a business/relationary process links the fact and report components, finding there the tension field where both exercise the attribution pertaining their respective activities.

    Key words:

    Journalism, politics, mass communication, news.

    Palavras-chave

    Jornalismo, poltica, comunicao de massa, notcia.

  • Estudos em Jornalismo e MdiaVol. III No 1 - 1o semestre de 2006

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    1 Este artigo um excerto - com revises, para adequar-se a este espao

    editorial - da dissertao de mestrado do autor, intitulada Eleies para o

    governo do RN 2002 A cobertura do Dirio de Natal/O Poti: os discursos,

    as manchetes.

    O desenvolvimento dos meios de comu-nicao de massa supriu e minimizou a im-portncia da co-presena de pblico no tes-temunho de acontecimentos, especialmente no plano poltico. Com isso, o jornalismo passou a compensar essa ausncia, mediante o relato do fato, ocupando assim papel de relevo na poltica, chegando conjuntural-mente a integr-la, numa convergncia de processos1.

    Em funo de ser a poltica um aconte-cimento de interesse do pblico, o que conse-qentemente interessa ao jornal, este, em sua condio de artefato noticioso, legitimou-se enquanto tal, assumindo situao de locus ao transpor para as suas pginas a praa social onde se deu o fato, seja aquela um gabinete inacessvel ao homem comum ou o trombe-tear dos comcios. Num processo de flexo o jornal empalma o fato relatado, de alguma maneira passa a integr-lo e passa a ser, para o leitor, a virtual praa social onde este se deu. a notcia como equivalente da realidade.

    Dentre os diversos segmentos miditicos o jornalismo impresso tem especial im-portncia e repercusso na rea poltica, com laos historicamente firmados e legitimados. Acertou-se, ao longo do processo histrico entre jornalismo e poltica, um elo intera-tivo, num complexo e intricado sistema de ao e reao que acaba expresso no que chamaremos de atitude noticiosa, ou seja: um relato que objetiva obter repercusso. Aqui, entenda-se que o jornal se apresenta como veculo e o jornalismo como a insti-tuio legitimada. Para tanto, a instituio manifesta-se no jornal enquanto veculo, base material dinmica da notcia, o locus a que h pouco nos referamos.

    Esses dois aspectos, jornal e jorna-lismo como dados de uma mesma instncia,

    coexistem com o ato poltico que neles encontra espaos apropriados para exercer comportamentos de interferncia, insero e visibilidade junto aos leitores. Interferncia diz respeito ao conjunto de aes ou esforos dos atores polticos voltados para coloc-los no relato noticioso; insero refere a relativa incluso dos polticos na notcia, j que nem sempre logram divulgar tudo aquilo que de-sejam; visibilidade a conseqncia final, a exposio em maior ou menor grau da atua-o dos atores polticos e ocorre quando o jornal circula e efetivamente lido.

    A notcia, assim, resulta das interfern-cias e inseres negociadas entre os atores polticos e o jornal/jornalista a partir do que foi apurado, declarado, constatado e afinal transposto publicao. Todas essas instn-cias de apurao, declarao, constatao e publicao so momentos negociais, en-volvem relaes de convergncias ou con-frontaes de interesses. A respeito desse processo podemos dizer:

    1) Apurao refere a atividade de verifi-cao, pelo jornalista, de algum fato a partir de conhecimento geralmente prvio e muitas vezes superficial de que algo est aconte-cendo, aconteceu ou est prestes a acontecer e que tal acontecimento se d, se deu ou se dar de uma determinada maneira, ou seja: o reprter enviado pelo jornal para verificar uma ocorrncia e assim sai em sua busca, es-timando que esta de interesse da sua ativi-dade. Apurao gnero e abrange as fases pr-redacionais a seguir mencionadas.

    2) Declarao refere o ato do dizer por parte de uma fonte procurada pelo jornalista, podendo ser a confirmao daquilo que se estava procura, ou, inversamente, consti-tuir-se em atitude oriunda da fonte, passando ao jornalista informao por este ainda

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    Toda a teia que se estabelece entre

    jornalismo e poder agrega no s

    interesses como preocupaes

    mercadolgicas, j que a notcia um produto

    desconhecida e motivadora da apurao. Neste caso, a informao indicial, elemento indicativo de onde um determinado fato ser apurado, ou ser, sob outra face, a prpria declarao um contedo ftico, a matria-prima da notcia.

    3) Constatao, como fase final do processo de busca, a confirmao da ocorrncia, ato prprio do jornalista, de sua exclusiva competncia cognoscente, embora protagonizando a cena com a fonte, que pode ser a personalidade jornalisticamente notvel ou o chamado homem comum, numa relao de interesses e valores, convergentes ou no, no todo ou em parte.

    4) Quanto publicao, o enfeixamento instrumental de todo o processo, com o jornal na rua. o fato transporto ao texto e o texto por sua vez transposto condio de fato, j que a notcia uma vez posta passa a compor um dado no mundo. Ou seja: a notcia, como um todo textual de resumo, ligado ao fato que a precedeu, tambm um ato intencional, transforma-se em fato ao ser publicada e como tal repercute no mundo. Por este apropriada e passa a integrar as decorrncias do fato que relata.

    A notcia analgica expectativa do leitor, atende a uma prefigurao difusa, vindo a ser consolidada pelo jornal. Entre o leitor e o jornal se estabelece uma relao de expectativa e atendimento. O jornal preenche essa expectativa modificando/atualizando, dia aps dia, os seus contedos, mesmo mantendo o formato grfico e suas pginas especializadas em determinados assuntos. O repertrio de cada pgina temtico, seu contedo, porm, dirio, portanto, mutvel. A analogia est no fato de que o leitor tem a certeza de que, no jornal, encontrar, naquela pgina, um determinado tipo de relato de

    atualidade, que atende ao seu interesse imediatista. Assim convergem, expectativa e oferta, a esse anncio de novidades que de alguma forma preexistem difusamente no imaginrio do leitor e no trabalho dos jornalistas. Quando ao fato, a notcia lhe homloga, ou seja, deve ter-lhe fidedignidade em sua condio de relato.

    Um jogo de equilibristasTodo o processo noticioso est envolto

    em implicaes scio-poltico-profissional-econmicas diversas e complexas. Toda essa teia que se estabelece entre jornal/jornalismo e poder agrega interesses de parte a parte, alm de preocupaes mercadolgicas, j que a notcia um produto. O processo acima descrito envolve uma realidade sempre presente no trajeto relacional entre jornalista e fonte e diz respeito ideologia que o perpassa como um todo, desde a coleta de informaes, at a notcia como sua conseqncia.

    nesse territrio que se insere a relao jornalismo e poltica, quando se encontram os atores em cena: jornalistas e/ou governos, bem como representantes de partidos, sejam detentores ou no de mandato. A convergncia entre jornalista e poltico ocorre em funo de que tanto um lado quanto o outro acredita que a publicizao de um acontecimento a melhor maneira para que se demonstre que cada um cumpriu com o seu papel: o poltico em sua funo de personagem da notcia, o jornalista como agente que relata o que se passou no cenrio do poder.

    Apesar disso, no relacionamento jorna-lstico-poltico muitas vezes o vrtice que os liga se transforma em vrtice, quando ocorre distanciamento entre fato e relato. Ao partilhar crenas e valores comuns com os atores polticos, o jornalista pode privilegiar

  • Estudos em Jornalismo e MdiaVol. III No 1 - 1o semestre de 2006

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    O relacionamento jornalismo e poltica historicamente po-lmico e paradoxal-mente intercomple-

    mentar

    certas aptides e/ou pronunciamentos de alguns deles em detrimento dos demais. Isso um efeito prtico da ideologia, que se faz imperceptvel aos esquemas mentais e cognoscitivos do jornalista, quando busca exatamente cumprir com o seu papel.

    importante lembrar ainda que mdia e poltica so, a rigor, abstraes. A relao entre elas toma a forma concreta de relaes interpessoais entre agentes dos dois campos. Desejo orientar o foco [...] para os contatos entre jornalistas, de um lado, e lderes polticos, de outro. De maneira esquemtica, possvel distribu-lo em trs categorias. Em primeiro lugar, os jornalistas testemunham eventos polticos que, ainda que possam ser pensados para divulgao na mdia, em princpio ocorreriam mesmo na ausncia dela: debates e votaes parlamentares, assinaturas de decretos e nomeaes, atas de posse, reunies partidrias. Depois, existem interaes relativamente formalizadas entre reprteres e polticos, na forma de entrevistas (coletivas e individuais). Por fim, h a relao cotidiana entre os profissionais de imprensa e aqueles que, no jargo do meio, so chamados de suas fontes. Qualquer indivduo que proporcione dados para a elaborao de uma reportagem uma fonte. Quem interessa aqui, porm, aquela fonte mais ou menos permanente, que fornece informaes continuadas e, em algum grau, exclusivas ao mesmo reprter, muitas vezes com a garantia do anonimato na publicao da notcia (MIGUEL, 2002:13).

    O relacionamento jornalismo e poltica historicamente polmico e paradoxalmente intercomplementar. Esse intercmbio est

    permanentemente envolto em circunstncias de presses e contrapresses de bastidores, bem como nos interesses econmicos das empresas jornalsticas, ao mesmo tempo em que o imperativo de informar bem socialmente cobrado. O pblico quer afirmaes, rejeita infirmaes ou meios termos.

    O exame da micro-relao entre o jornalista e sua fonte permite observar o entrelaamento de prticas distintas, de agentes que pertencem a diferentes campos e, portanto, se orientam na direo de objetivos diversos. Contudo, devido dinmica prpria de sua integrao, precisam incorporar em alguma medida a lgica um do outro. Sob pena de perder a fonte, o jornalista deve ponderar aquilo que publica, calculando seus efeitos sobre o campo poltico; e fazer concesses aos interesses do outro, divulgando o destaque de certas notcias (mas nunca ao ponto de comprometer a prpria credibilidade). J a fonte, para manter seu acesso privilegiado imprensa, deve reconhecer o material que til ao jornalista e, sobretudo, manter a prpria confiabilidade diante dele, no transmitindo informaes equivocadas em busca de benefcios de curto prazo (MIGUEL, 2002:14).

    Frente a tal realidade, que resulta de um relacionamento humano e, portanto, passvel de falhas, o profissional toma precaues, resguarda-se quando busca elaborar com exa-tido a matria que far sentido no mundo. Havendo isso, confia, haver tica.E mais: havendo racionalidade, equilbrio, entende-se nos meios jornalsticos que haver fideli-dade narrativa, para a qual, entretanto, um ingrediente tambm essencial: preciso

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    2 MERRIL, J.C. El Imperativo de la Libertad. Filosofia da autonomia perio-

    dstica. Mxico: EDAMEX, 1982:196-197.

    3 Ad tempora, a citao alude a discurso recorrente do apresentador

    de TV Chacrinha, figura polmica e polissmica que, nos anos 60 e 70 do sculo passado, carnavalizava a realidade brasileira em auditrios

    lotados. Era um crtico inconsciente do absurdo da cena brasileira, de cujo

    repasto miditico/comercial, entretanto, tambm se nutria.

    que aquilo que o poltico declarou coincida com a realidade.

    Os polticos buscam afinar-se pelo dia-paso deste comportamento vigente nas re-daes, a fim de ganhar espao no pdio da notcia. O jornalista, ao buscar informaes, precata-se quanto credibilidade destas, tra-balhando em meio s determinaes da linha editorial do jornal e de suas prprias convic-es. uma relao de equilibristas. Em meio ao que foi declarado, pode haver algo que no deveria ser escrito por ser incompatvel com a realidade.

    A tica tem a ver com o dever: o dever para consigo e/ou para com os demais. individual ou pessoal ainda quando se relacione com obrigaes e direitos para com os outros. A qualidade da vida humana tem a ver com ambas as coisas, solido e sociabilidade. [...] Esta dualidade da moral individual e social est implicada no prprio conceito da tica. O jornalista, por exemplo, no est simplesmente escrevendo para o consumo de outros; est escrevendo como uma expresso de si mesmo e se pe a si e seu prprio eu em seu jornalismo. Ele comunica a si mesmo de uma maneira muito real. Agrada-se ou desagrada-se a si mesmo, no s audincia. O que realiza para atingir certo patamar dentro de si no s afeta as atividades e crenas de outros, mas tambm, de forma muito viva, a essncia de sua prpria vida (MERRIL2, citado por GOMES, 1997:70).

    O trabalho de simbolizar o mundo se ins-creve, entretanto, numa circularidade: a per-manente busca pela notcia, que faz o jornalista voltar sempre ao convvio das fontes polticas, e a continuada busca destas pela mdia. Na en-

    fatizada convergncia entre a busca de notcia e a busca de ser notcia, h o interesse entre mdia e poltica para o destaque de assuntos episdicos, aqueles que chamem ateno pelo carter de coisa social inusitada, um cometa noticioso que de repente aparece.

    Ao legitimar-se enquanto estrutura indus-trial e tcnica para a distribuio do produto notcia, o jornalismo formalizou com os leito-res o compromisso de manter sempre em suas pginas informaes de atualidade. Isso, den-tro do exguo perodo de 24 horas.

    O aprazamento implicou a formulao de toda uma organizao funcional cujos desdo-bramentos resultaram, ao longo do tempo, na excluso de modelos noticiosos mais aprofun-dados, em favor do relato episdico. No h tempo, nem objetivo do jornalismo, a elabo-rao de um tratado a cada novo acontecimen-to, a cada nova edio. Antes, preciso, ape-nas, trat-lo, dar-lhe forma redacional tpica do jornalismo, para fazer sentido no mundo. No vim para explicar: vim para confundir3

    Quando da cobertura de assuntos polticos, o jornalismo dirio, ao optar pela prevalncia de matrias incidentais, relativas a acontecimentos editorialmente descontextualizados, consolida atitude que descura uma viso ampla e aprofundada da realidade. O jornal fica preso aos fatos polticos acontecidos, ao dito, ao declarado, quando poderia buscar, pela ao investigativa, um aprofundamento crtico e desvelador de quadro, uma vez que em poltica larga a teia de interacontecimentos. Nada acontece sem causa remota ou prxima a essa ocorrncia. E essa, por si s, implicar outro fato, previsto ou inesperado.

  • Estudos em Jornalismo e MdiaVol. III No 1 - 1o semestre de 2006

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    No jornalismo episdico a poltica mostrada

    sem o seu mais essencial elemento de constituio: o

    debate, o confronto de idias, para ser apenas

    relatada de forma circunstancial, mesmo que exibida pela ao grfico-declaratria de

    uma manchete

    No jornalismo episdico a poltica mostrada sem o seu mais essencial elemento de constituio: o debate, o confronto de idias, para ser apenas relatada de forma circunstancial, mesmo que exibida pela ao grfico-declaratria de uma manchete. Sem um enunciado interpretativo, sem contextualizao, podem prevalecer interes-ses ocultos, o jogo de luz-e-sombra da luta poltica, cuja formulao o jornalismo acompanha ao elaborar relatos meramente indiciais, que se referem ao jogo do poder, mas sem fora elucidativa. Quanto citao de Abelardo Barbosa, o Chacrinha, esta nos leva a uma reflexo a respeito do relacionamento entre imprensa e poder. Ao dizer no vim para explicar; vim para confundir, o discurso chacriniano assume, por inverso, uma atitude cnico-explicativa ao inserir sua presena histrinica ao universo comunicacional.

    Ao dizer que no viera para explicar, deixa implcito que h dvidas pr-exis-tentes, incertezas formalizadas, jogos de es-pelho, duplicidade e vaguido direcionada, ou seja, um processo prvio e organizado para a desorganizao. H uma irrealidade construda, visvel, porm disfarada e no reconhecvel pelo pblico. Infere ento que, como ele, sempre em destaque na mdia, h orquestradores e organizadores de tal confuso. Mas ele estava exposto e, mesmo falando em confundir, flagrava a confuso. Quanto aos detentores de fora poltica, no: ocultavam-se, como ainda se ocultam, nos vieses de discursos de convencimento, garantindo que podem descobrir o caminho certo na poltica e, como tal, na vida em sociedade.

    A irrealidade construda, resultante de uma realizao roteirizada, com sua produo massiva de significados, parte da ao

    poltico-comunicacional, apresentando o espetculo da informao como deleite de consumo, que exatamente a inteno dos atores polticos, quando protagonizam atos que sero jornalisticamente aproveitados. A chacrinizao dos acontecimentos polticos, sua condio de produto, portanto, inscreve-se tranqilamente nessa relao de causa e efeito programados para repercutir no grande auditrio social. exatamente nesse cenrio translcido onde a lucidez perde espao. No se vem os figurantes por completo, suas reais intenes, somente as suas silhuetas, que saem da linha de montagem da indstria cultural da qual so atores e autores.

    En todos sus campos se confeccionam, ms o menos de acuerdo a um plan, los productos que se estudian para el consumo de las masas y que determinam em gran medida ese consumo. Los diversos campos se parecen por su estructura o al menos se interrrelacionam. Se completan casi sin carencias, para constituir um sistema. Eso, debido tanto a los medios actuales de la tcnica como a la concentracin econmica y administrativa. La industria cultural es la integracin deliberada de sus consumidores, em su ms alto nivel. [...]. La industria cultural tiene em cuenta sin duda el estado de conciencia e inconciencia de los millones de personas a quienes se dirige, pero las masas no son el factor primordial, sino um elemento secundario, um elemento de clculo; um accesorio de la maquinaria. Ele consumidor no es rey, como queria na industria cultural; no es sujeto, sino el objeto. [...]. Sin embargo, no se trata em primer lugar de las masas, ni de las tcnicas de comunicacin como tales, sino del espritu que les es insuflado a travs de la voz de su conductor (ADORNO e MORIN, 1967:9-10).

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    Quando o jornal se alinha aos acordes

    dissonantes da confuso, tambm

    chega para confundir, no para explicar

    A indstria cultural, ao assimilar me-taforicamente o modo de produo industrial, com seus passos de produo, organizao e resultado final, o produto simblico, assegura a este uma qualidade ideolgica, da mesma forma que uma fbrica pe no mercado produtos de qualidade para uso. A qualidade ideolgica de um produto simblico, o produto poltica, encontra-se no fato de que garante aos seus atores/autores que um determinado estado de coisas permanecer segundo aquilo que objetivam. A aqui enunciada qualidade ideolgica somente atende aos interesses de quem a produz. Quanto ao consumidor da indstria cultural, este no frui nem usufrui daquilo que lhe enviado, no caso a poltica. Antes, a esta torna-se vinculado pela ideologia. A qualidade ideolgica resulta exatamente nessa vinculao, nessa fidelizao do consumidor ao produto poltica. A sistematizao industrializada de material simblico e ideologizado alude poltica como uma pretendida forma de participao popular; elide esta mesma participao ao contribuir para assegurar uma situao de assimetria entre elites e povo; e ilude, no final do processo, queles que confiam estar efetivamente deste participando, uma vez mantidas as situaes de assimetria poltica e social.

    Assim, quando o jornal se alinha aos acordes dissonantes da confuso, tambm chega para confundir, no para explicar. Uma questo, todavia, se impe: a resistncia dos profissionais s crticas, como se as crticas pregassem o fim da imprensa.

    Tanto os proprietrios como os traba-lha-dores profissionais precisam tomar em ateno as sbias palavras do jornalista norte-americano Walter Lippmann, que exactamente h 78 anos observou que

    quando a ira ou a desaprovao pblicas se tornam suficientemente veementes, os media noticiosos fariam bem em se regu-larem efectivamente, ou um dia os polti-cos famintos do seu legtimo alimento espiritual, iniciem uma caa selvagem e febril ao homem e no se detenham no canibalismo. Era verdade nos anos 20 e verdade hoje que a caa ao homem j comeou, tal como foi evidenciado no apenas pelo crescente ultraje pblico con-tra a escandalosa invaso da privacidade por membros vorazes dos media noticio-sos - to eloquentemente exemplificado pela morte da princesa Diana e a condena-o unnime dos paparazzi - mas tambm pela litania de crticas por muitos diver-sificados segmentos da sociedade, inclu-indo membros da comunidade acadmica (TRAQUINA, 2001:189).

    A persistncia de hbitos de convivncia com o poltico, e facilidades ou facilitaes de acesso de grupos de interesse a jornalistas ou editores, com fim de beneficiar queles, pode criar um clima de permissividade, cuja cognio pelo social pode ser alvo de crticas e repdios, uma vez que, mesmo ante a presena da ideologia que se emaranha aos processos de representao, existem filtros sociais que permitem, no caso ao leitor, a percepo de desvios.

    Os grupos polticos trabalham, todos, na busca de visibilidade e, a depender da maior ou menor abertura que lhes apresente o jornal, tendem busca enftica de maiores espaos nas pginas dirias, tentando colocar-se em situao privilegiada.

    Assim, os acontecimentos podem ser per-feitamente programados, ciosamente pelos atores polticos, de forma a se inserir num

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    Todos intentam se inserir nos

    procedimentos de seleo daquilo que

    ser notcia, uma vez que elevam suas vozes, buscando visibilidade

    no jornalismo

    certo perfil, o perfil noticioso, causando rumor social e atraindo a ateno do noticirio.

    O rumor social confere a um acontecimento que parecia bem marcado um rastro no tempo que Claude Labrosse designa como seu horizonte, um horizonte desprovido de sintaxe que no pode jamais ser en-volvido. O acontecimento torna-se ento um conjunto de limites pouco precisos. A partir do momento em que o rumor social includo no acontecimento, a mdia torna-se partidria do mesmo. , ao mesmo tempo, externa e interna a um acontecimento ao qual atribui limites por seu prprio discurso. No se lida mais com uma mol-dura posta sobre a realidade, mas com um enquadramento cuja expanso constitui a prpria realidade (o que chamamos cena do acontecimento). O acontecimento e a mdia confundem-se em um ponto em que a fala da mdia torna-se performativa, e no mais, apenas, descritiva. [...] o acontecimento e seu comentrio formam um nico ente. Em ltima anlise, a definio de acon-tecimento torna-se uma definio vazia: acontecimento aquilo que definido como acontecimento. O acontecimento no mais descritivo e, sim, reflexivo (MOUIL-LAUD, 2002:66).

    exatamente esse rumor social que os grupos de interesse tentam provocar, no instante em que buscam inscrever no jornal os seus prprios contedos. Nesse ponto d-se o entrecruzamento de interesses entre o jornal e os polticos. As redaes tambm tm conscincia do rumor social que podem amplificar com suas notcias e efetivamente do o seu contributo a esse estado de coisas.

    Ou seja, num ambiente de acerbo conflito de interesses, inimaginvel que os meios de comunicao sejam os porta-vozes impar-ciais do debate poltico, como a imprensa europia teria sido em seus primrdios [...]. Isto no significa que se deva descair para o conformismo, j que a mdia sempre de-fender certos segmentos sociais, mas sim que necessrio perceber que a mudana passa pela presso da sociedade, isto , dos grupos prejudicados pela forma dominante de gesto da comunicao. [...] O elitismo que subjaz ausncia da mdia na anlise da realidade poltica tambm pode ser apre-ciado por outro ngulo. Nas sociedades for-malmente democrticas em que vivemos, corrente a diviso da poltica em basti-dores, as salas secretas em que se fazem os acordos e se tomam as grandes decises, e palco, o jogo de cena representado para os no-iniciados, isto , para o povo em geral. O que ocorre no palco serviria apenas para distrair a platia e manter a es-tabilidade do sistema, perpetuando o mito da democracia como governo do povo. Por motivos bvios, a mdia pertence a este segundo espao, mas os fatos polticos rel-evantes ocorreriam no primeiro, nos basti-dores (MIGUEL, 2002:5).

    A compreenso ou intuio do rumor social das notcias abrange tanto as elites quanto os segmentos populares, que tam-bm buscam se expor na mdia, quando fa-zem protestos, passeatas ou atos pblicos, buscando impor/expor seus interesses. To-dos intentam se inserir nos procedimentos de seleo daquilo que ser notcia, uma vez que elevam suas vozes, buscando visibili-dade no jornalismo.

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    O jornal no determina ou limita conseqncias, mas integra o processo

    poltico do princpio ao fim e a este se

    mantm ligado em seus desdobramentos

    Polticos: visveis nas pginas, longe das multides

    A afirmao do jornal como espao legitimado para a divulgao de fatos tidos como relevantes colocou-o como um referente de mundo, assumindo alguma centralidade frente aos processos sociais junto aos quais busca influir. O jornal no determina ou limita conseqncias, mas integra o processo poltico do princpio ao fim e a este se mantm ligado em seus desdobramentos.

    A constituio e autonomizao do campo das mdias (ou da comunicao miditica), em verdade, configuram o ponto de inflexo a partir do qual as conexes entre comunicao e poltica abandonam suas modalidades tradicionais, inclusive aquelas adstritas a uma dimenso instrumental, e redefinem-se em termos de interlocuo de campos sociais particularmente conformados. Comunicao e poltica interagem agora em outro patamar, o que no exclui a realizao pontual de modos tradicionais de interlocuo, agora totalmente redefinidos em outro contexto de produo de sentidos. Poltica e comunicao no aparecem mais como momentos e empreendimentos singulares, mas como campos sociais articulados em combinatrias determinantes conjunturalmente (RUBIM, 1998:83).

    Todo homem, quando envereda pelo universo da poltica, tem por objetivo o poder, seja pela convico de prestar um servio socialmente relevante, seja pelo fato de, com isso, agregar mais poder ao que anteriormente j detinha em razo de condio econmica ou outra forma de capacidade decisria pessoal e

    egosta. Assim, busca visibilidade para obter destaque (WEBER, 1968). O desenrolar dos fatos polticos veiculados pelo jornal fortaleceu a convico de que a atividade poltica exige desenvoltura para que os seus agentes consigam transitar junto s pginas impressas. Assim, o corolrio de suas aes passou a incluir a administrao da visibilidade como algo prioritrio, se no suficiente pelo menos necessrio a que este leve adiante empresas de porte como candidaturas a altos cargos ou realizao de obras faranicas, bem como adoo de medidas impopulares que possam ser, de alguma maneira, explicadas via jornal:

    O poltico espera, deseja e busca sempre a apario miditica movido pela necessidade de manter-se apto a chegar ou a permanecer em situao de poder, quaisquer que sejam os seus motivos e convices, destacando-se, dentre estes,

    A vaidade ou, em outras palavras, a necessidade de se colocar pessoalmente, da maneira mais clara possvel, em primeiro plano. [...]. O demagogo obrigado a contar com o o efeito que faz razo por que sempre corre o perigo de desempenhar o papel de um histrio ou de assumir, com demasiada leviandade, a responsabilidade pelas conseqncias de seus atos, pois est preocupado continuamente com a impresso que pode causar aos outros. De uma parte, a recusa de se colocar a servio de uma causa o conduz a buscar a aparncia e o brilho do poder, em vez do poder real; de outra parte, a ausncia do senso de responsabilidade o leva a s gozar do poder pelo poder, sem deixar-se animar por qualquer propsito. Com efeito, uma vez que, ou melhor, porque o poder o instrumento inevitvel da poltica, sendo o desejo do poder, conseqentemente, uma de suas foras motrizes (WEBER, 1968:107).

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    Para o poltico, os contatos com

    os jornalistas so arriscados por dizer

    respeito a um terceiro interveniente, o leitor,

    que se encontra na qualidade de julgador social de sua atuao, mediante a leitura do

    noticirio

    A expresso ao pensamento weberiano nos alude, de alguma forma, chacrinizao poltica promovida e autoralizada pela ao dos polticos, que buscam na foto, no texto, na manchete ou na simples notinha de uma coluna assinada, imprimir o seu sinete. Uma visibilidade positivada algo do qual o ator poltico no pode prescindir, de tal forma que

    Hoje, a cuidadosa apresentao pessoal diante dos outros cuja fidelidade deve ser constantemente sustentada, e cujo apoio vitalmente requerido de tempo em tempo, mais que uma opo, um imperativo para os lderes polticos e os aspirantes vida pblica. [...] Renunciar administrao da visibilidade atravs da mdia seria um ato de suicdio poltico ou uma expresso de m-f de quem foi to acostumado arte da auto-apresentao, ou foi to bem colocado numa organizao que praticou a arte do bom resultado, que pode dispens-la (THOMPSON, 1998:24).

    A preocupao com a visibilidade tem ocu-pado o tempo dos polticos e preocupado seu planejamento de mdia pelo fato de que o jor-nal, da mesma forma como pode trazer not-cias favorveis, permite-se exibir noticirio onde estes sejam flagrados em atitudes pes-soais ou administrativas inconciliveis com o que se espera de algum no desempenho de funo pblica. Esse processo complicado, do ponto-de-vista de relaes com os jornalis-tas. Os contatos com os jornalistas so arrisca-dos para o poltico por dizer respeito a um terceiro interveniente, o leitor, que se encontra na qualidade de julgador social de sua atuao, mediante a leitura do noticirio.

    A ao do poltico ao trabalhar acon-tecimentos, seja em sua suposta prtica

    (simulao), seja em seu disfarce (dis-simu-lao), pode lograr xito, mas tambm pode obter resultado contrrio. Como se trata de atitudes programadas, no so fatos, mas atos, o ator poltico pode ser flagrado em sua encenao, uma vez que o jornalismo tem o poder tanto de plasmar no apenas a realidade, como a irrealidade que se queira impor, pelo seu desmascaramento.

    Consideraes finaisUma das caractersticas mais marcantes

    dos processos sociais, desde a segunda metade sculo XX, a crescente importn-cia da mdia. Os meios de comunicao de massa, o jornal impresso, no caso, funcio-nam como elo entre a sociedade e os fatos noticiados. Esta viso, indicando que o jor-nalismo seria uma espcie de hfen miditi-co entre o fato e o pblico, um espelho da realidade, em essncia inconsistente em funo de uma segunda vertente, ou seja: entre o fato e o relato h um longo caminho a ser percorrido. O fato re-tratado, ins-crito e circunscrito a tcnicas de produo e redao, interesses internos e externos redao, de forma a adequar-se tica e a normas e padres tcnicos que o tornem passvel de ser noticiado.

    Este proposto hfen miditico, en-tretanto, conceitualmente, existe. Enquanto e meta-frica e instrumentalmente um admitido trao-de-unio comunicacional. Existe, considerando-se o jornal como ve-tor, artefato de divulgao/tratamento de material noticioso, constituindo-se assim, inegavelmente, em elo entre o fato ali rep-resentado e o pblico. E esse re-tratamento intencional, direcionado, intervencionis-ta, a partir da conscincia do jornalista de que seu texto far sentido no mundo,

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    tendo o jornal como base veicular. Da mesma forma que o hfen, como circunstncia lingstica rene, e move para um terceiro sentido, duas palavras que, em sua nuclearidade, encontravam-se distanciadas e a estas se inclui como elemento ressignificador, o jornal coloca-se como dispositivo entre o fato e o receptor da mensagem, fazendo sua interligao. Desta forma, redinamiza uma viso de mundo socialmente experienciado, tanto por parte dos atores do fato relatado, no caso os polticos, quanto pelo lado do pblico.

    Tais circunstncias exigem uma atitude analtica a respeito da produo da notcia, especialmente no mbito da poltica. Os grupos polticos vem na notcia literalmente um bem, valorizam-na como parte do seu patrimnio ideolgico-eleitoral e entendem como coisa disponvel e instrumentalizvel aquele fato lingisticamente simbolizado e afinal impresso. E disputam esse bem com todos os artifcios disponveis, buscando notoriedade positivada, visibilidade e sucesso.

    O jornal, ao que se observou, no apenas tem condies invasivas, possibilidade de partir em busca do fato e transport-lo para a situao de realidade noticiada, mas palco de aes vindas de fora, por parte dos que buscam marcar sua presena junto ao pblico. O jornalismo poltico trabalha com sistemas de foras que buscam, de forma injuntiva, expor-se e/ou impor-se conjuntura do noticirio. O jornalista obrigado a articular-se com a sociedade e seus processos, a conviver tanto com situaes prvias quanto a administrar imprevistos e a interagir com outros atores, s vezes em contrafao.

    Fenmeno social, a notcia nos chega

    cotidianamente. Como objeto de estudo, preciso que se estabelea uma relao dialogal entre os modelos explicativos que se debruam sobre si. A notcia interface entre o real e o leitor. E, mesmo no sendo referente exato da realidade, recombina efetiva e discursivamente o mundo, fazendo sentido junto aos leitores, cujos filtros cognitivos, sejam culturais, ideolgicos ou oriundos de crenas dos mais variados matizes, a acatam ou refratam.

    Sobre o autor

    Emanoel Barreto jornalista pela Univer-sidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Mestre em Cincias Sociais pela UFRN. Doutorando em Cincias Sociais pela UFRN. Professor do Curso de Comunicao Social da UFRN. Autor do Livro: Crnicas para Natal, as crnicas do Jornal do Dia. Jornalista h 32 anos com experincia em jornal e TV. Dedicou-se eminentemente ao jornalismo poltico. Exerceu cargos em edi-torias setoriais e de editor-chefe. Atualmen-te, mantm o blog Coisas de Jornal.

    BibliografiaADORNO, Theodor W.; MORIN, Edgar. La in-dustrial cultural. Buenos Aires: Editorial Galer-na, 1967.BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televiso. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.GOMES, Pedro Gilberto. Comunicao Social: filosofia- tica- poltica. So Leopoldo: Unisinos, 1997.MIGUEL, Luis Felipe. Os meios de comunica-o e a prtica poltica. Lua Nova, 2002, n. 55-56.

  • Estudos em Jornalismo e MdiaVol. III No 1 - 1o semestre de 2006

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