jornal quatro julho 2010

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Reforma na saúde mental ainda provoca polêmica Especialistas, governo e familiares divergem sobre soluções QUATRO Universidade Federal de Santa Catarina Curso de Jornalismo Jornal Laboratório da disciplina Redação IV Distribuição gratuita Supervisão: Rogério Christofoletti Florianópolis, julho de 2010 Tecnologia Cultura Bem-Estar São mais de 28 milhões de brasilei- ros que usam os estabelecimentos para acessar a internet, conversar com amigos e parentes, imprimir documentos, acessar seus emails, além de jogar e se divertir. Na pe- riferia ou no centro, as lan houses são a saída para quem ainda não está conectado em casa. Livros espalhados pela cidade, his- tórias contadas dentro de uma bar- ca na Lagoa da Conceição e uma biblioteca dentro de um caminhão que passa por nove bairros. Estas são algumas das iniciativas desen- volvidas por diversas organizações da sociedade para ampliar o acesso à literatura. O perfil da mulher que interrompe a gravidez mudou. Casos são mais frequentes em mulheres com parcei- ro fixo, e 60% delas já têm filhos. A principal causa para abortar tem sido a falta de condições financeiras, se- gundo pesquisa. A internet também tem facilitado a compra de remédios clandestinos. Lan houses facilitam entrada no mundo digital Soluções criativas incentivam a leitura na Capital Aborto é escolha de um milhão de brasileiras 19>> 21>> 11>> Projetos que visam à reabilitação de detentos ajudam na reintegração social. Sem esse auxílio, não basta ganhar a liber- dade para voltar a uma vida digna. Mais de 26 mil pessoas não têm onde morar, se- gundo dados do governo federal. Histórias de vida desses personagens re- servam surpresas e dra- mas pessoais. Florianópolis cresceu 30% em uma década, mas faltou planejamen- to. Hoje, existem ao menos seis mil casos de construções em locais não permitidos. Retornar à sociedade é mais difícil Sobreviver nas ruas é para poucos Ocupações irregulares preocupam 4>> 17>> 7>> Dez anos depois da lei que previa humanização do tratamento de pacientes com transtornos mentais, os casos mais graves continuam dependendo de um hospital psiquiátrico. A redução de leitos para internação viria acompanhada da abertura de alas específicas e hospitais públicos, mas isso não ocorreu. Centrais>> Carolina Dantas Carolina Dantas Juliana Geller Carolina Dantas Política e Economia Comportamento Meio Ambiente

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Edição 5 do jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Brasil

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Page 1: Jornal Quatro julho 2010

Reforma na saúde mental ainda provoca polêmicaEspecialistas, governo e familiares divergem sobre soluções

QUATRO Universidade Federal de Santa CatarinaCurso de Jornalismo

Jornal Laboratório da disciplina Redação IVDistribuição gratuita

Supervisão: Rogério Christofoletti

Florianópolis, julho de 2010

Tecnologia

Cultura

Bem-Estar

São mais de 28 milhões de brasilei-ros que usam os estabelecimentos para acessar a internet, conversar com amigos e parentes, imprimir documentos, acessar seus emails, além de jogar e se divertir. Na pe-riferia ou no centro, as lan houses são a saída para quem ainda não está conectado em casa.

Livros espalhados pela cidade, his-tórias contadas dentro de uma bar-ca na Lagoa da Conceição e uma biblioteca dentro de um caminhão que passa por nove bairros. Estas são algumas das iniciativas desen-volvidas por diversas organizações da sociedade para ampliar o acesso à literatura.

O perfil da mulher que interrompe a gravidez mudou. Casos são mais frequentes em mulheres com parcei-ro fixo, e 60% delas já têm filhos. A principal causa para abortar tem sido a falta de condições financeiras, se-gundo pesquisa. A internet também tem facilitado a compra de remédios clandestinos.

Lan houses facilitam entrada no mundo digital

Soluções criativasincentivam a leitura na Capital

Aborto é escolha de um milhão debrasileiras

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21>>

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Projetos que visam à reabilitação de detentos ajudam na reintegração social. Sem esse auxílio, não basta ganhar a liber-dade para voltar a uma vida digna.

Mais de 26 mil pessoas não têm onde morar, se-gundo dados do governo federal. Histórias de vida desses personagens re-servam surpresas e dra-mas pessoais.

Florianópolis cresceu 30% em uma década, mas faltou planejamen-to. Hoje, existem ao menos seis mil casos de construções em locais não permitidos.

Retornar à sociedade é mais difícil

Sobreviver nas ruas é para poucos

Ocupações irregulares preocupam

4>> 17>> 7>>

Dez anos depois da lei que previa humanização do tratamento de pacientes com transtornos mentais, os casos mais graves continuam dependendo de um hospital psiquiátrico. A redução de leitos para internação viria acompanhada da abertura de alas específicas e hospitais públicos, mas isso não ocorreu. Centrais>>

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sPolítica e Economia Comportamento Meio Ambiente

Page 2: Jornal Quatro julho 2010

DA REDAÇÃOQuatro2 Florianópolis, julho de 2010

O QUATRO chega ao seu quinto número, e isso só foi possível graças a uma equipe dinâmica que con-

tou com trinta alunos, uma monito-ra de graduação e um mestrando em estágio docência. Como nas edições anteriores, os alunos da disciplina de Redação IV participaram de to-das as etapas de produção do jornal: da elaboração das pautas à apuração das informações, da revisão à distri-buição, passando pela redação das reportagens, edição das páginas e diagramação. Também fotografa-ram e produziram infográficos.

Em pouco mais de um mês, esses jornalistas em formação demons-traram entusiasmo e envolvimento, justamente os dois valores que mais insisti durante as aulas de planeja-mento. Também mostraram compe-tência, inteligência, criatividade. As próximas páginas provam isso.

Como fizemos esta ediçãoRogério Christofoletti

Nas bordas, nas margens

O exercício é sim-ples e revelador. Desenhe um pe-queno círculo numa folha de papel, pin-

tando o interior da figura. Agora, olhe a página inteira, percorrendo com os olhos toda a paisagem. O que o leitor mais vê não é centro, é periferia, pois tudo o que foge do círculo está no entorno. O que está ao redor do centro é periférico, está à margem, é marginal.

Esta edição do QUATRO tem muito claro o entendimento de que há muito ainda a se olhar para além do centro. Por isso, este número partiu de uma palavra nem sempre compreendida para conceber suas pautas e reportagens. No senso comum, “marginal” traz uma car-ga semântica negativa, repleta de conceitos pré-esta-belecidos e certezas infindáveis. Mas editores e repórte-res do QUATRO quiseram ampliar os significados de “marginal”, não só questionando a ex-clusão como con-dição, mas também extrapolando os sentidos conven-cionais da palavra. O que é ser marginal hoje em dia? Como se pode deixar de ser marginalizado? Estar à margem é muitas vezes es-tar fora de uma certa ótica, é ser exótico. Ser marginal é ser alterna-tivo, independente, é ser outro.

Por isso, nas próximas pági-nas, o QUATRO enfoca perso-nagens que, geralmente, são tra-tados como minorias, mas que se revelam numerosos, presentes e influentes na sociedade. Mulheres na política, moradores de rua, ex-presidiários, doentes mentais, co-

munidades carentes, deficientes físicos. São os fumantes cada vez mais confinados pela lei. São as gestantes que interrompem a gra-videz de forma clandestina. São moradores que constroem suas casas em áreas proibidas. Mas os personagens deste QUATRO também são aqueles que buscam se incluir numa era digital em lan houses, e os que trabalham justa-mente quando outros estão apenas se divertindo. São jovens e velhos leitores da Barca dos Livros, gente que contraria a moda e insiste em ser “bizarro”, ou os saguis que in-festam bairros em Florianópolis.

Os repórteres foram motivados a buscar histórias e personagens que estivessem em situações-limite, que vivessem em mundos diferen-tes dos seus. O desafio era desviar

a mira do cen-tro e enxergar o periférico. Com isso, a equipe lan-çou um olhar jo rna l í s t i co para capturar essa condição tão fugidia da marginalida-

de. Nesse exercício, puseram-se também em outras posições, e ex-perimentaram sabores e dissabores desconhecidos.

Como já é de costume, este jor-nal-laboratório partiu de uma pa-lavra para se desdobrar em outras tantas. É preciso frisar que este não é um número temático, mas o espí-rito “marginal” contagiou a equipe que trabalhou muito para apurar, redigir, editar, ilustrar e diagramar as 24 páginas que o leitor tem em mãos.

Que a leitura seja totalmente não convencional!

No senso comum, “marginal” é uma palavra negativa, mas exploramos outros sentidos

Nossos repórteres foram atrás dos seus personagens. De volta, editaram o melhor dessas histórias

Ano III – Nº 5 – Julho/2010 Jornal-laboratório da disciplina Redação IV Curso de Jornalismo - UFSC Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade Florianópolis – SC CEP: 88040-900 Telefone: (48) 3721-9215Blog: http://blogdo4.wordpress.com E-mail: [email protected]

Revisão: Camila Garcia da Silva, Emanuelle Marques Nunes, Gabrielle Estevans Melo de Souza, Luanna Cristina Hedler, Luisa Nucada da Costa Ramos e Úrsula Dias.

Diagramação: César Soto, Diego de Souza, Joana Ioppi Alves, Joice Balboa, Luiza Mara Pereira Lessa, Sendy Cristina da Luz.

Fotografia, Infográficos e Ilustrações: Carolina Dantas de Azevedo, Hermano Buss, Rafael Spricigo, Rodolfo Henrique Gonçalo Conceição, Victor Manuel Kehrig Acosta, Vinicius Schmidt.

Circulação: Ágatha Morigi Schmitz, Alécio Clemente, Darilson Borges Barbosa, Felipe Luís da Costa, Juliana Geller e Mariana Chiré de Toledo.

Fotolito e Impressão: Diário CatarinenseTiragem: 1500 exemplares

4ExpedienteProfessor responsável: Rogério Christofoletti, MTb 25041 (SP)Monitora: Fernanda MartinazzMestrando em Estágio Docência: Marcelo Barcelos

Editores: Bárbara Dias Lino, Bianca Yuki Enomura, Gabriella Mendez Cardoso Bridi, Isadora Mafra Ferreira, Laís Mezzari e Murilo Bomfim.

Repórteres: Ágatha Morigi Schmitz, Alécio Clemente, Bárbara Dias Lino, Bianca Yuki Enomura, Camila Garcia da Silva, Carolina Dantas de Azevedo, Darilson Borges Barbosa, Diego de Souza, Emanuelle Marques Nunes, Felipe Luís da Costa, Gabriella Mendez Cardoso Bridi, Gabrielle Estevans Melo de Souza, Hermano Buss, Isadora Mafra Ferreira, Joana Ioppi Alves, Joice Balboa, Juliana Geller, Laís Mezzari, Luanna Cristina Hedler, Luisa Nucada da Costa Ramos, Luiza Mara Pereira Lessa, Mariana Chiré de Toledo, Murilo Bomfim Lobo Braga, Rafael Spricigo, Rodolfo Henrique Gonçalo Conceição, Sendy Cristina da Luz, Ursula Dias e Vinicius Schmidt.

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tasEDITORIAL

Page 3: Jornal Quatro julho 2010

Durante muito tempo, espaços políticos, religiosos, econô-micos e militares foram áreas restritas

ao gênero masculino. Apesar da resistência histórica de aceitar mu-lheres nesses postos, a implementa-ção de políticas públicas e a ação de movimentos feministas ameniza-ram a exclusão feminina dos cargos de poder.

Embora o movimento feminista tenha se organizado no início dos anos 70, o processo de abertura política, iniciado em 1979, abriu a possibilidade de expressão e orga-nização de novos partidos e movi-mentos políticos no Brasil. Para a historiadora e coordenadora do La-boratório de Estudos de Gênero da UFSC, Cristina Scheibe Wolff, al-gumas publicações da época foram essenciais para a divulgação das ideias feministas. “Nesse período, tivemos vários jornais feministas como o Brasil Mulher e o Nós Mu-lheres, além do Mulherio. Jornais de grande circulação como a Folha de S.Paulo e o Jornal do Brasil tam-bém divulgaram estas ideias”.

Com a Constituição de 1988, as mulheres obtiveram legitimidade para suas reivindicações e conquis-taram, a partir de suas atuações, di-reitos legais. Nesse período, foram criados Conselhos de Condição Feminina, delegacias da mulher, coletivos em partidos e sindicatos e foi implantada a Lei das Cotas, que prevê que cada partido ou coligação reserve o mínimo de trinta por cen-to e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo

De acordo com a pesquisadora Cristina, a atuação dos movimentos feministas foi o catalisador da mu-dança da mentalidade machista que

se processava na sociedade. “Com certeza, se as mulheres não tives-sem se movimentado, divulgado as idéias do feminismo, esse processo teria acontecido de forma muito di-ferente, e não podemos dizer quais teriam sido os resultados”.Política de Cotas - As ações afir-mativas vêm estimulando refle-xões a respeito da participação das mulheres nos espaços de poder. O seminário Fazendo Gênero, organi-zado pelo Centro de Ciências Hu-manas da Ufsc, é um dos encontros que discute a questão. “Por mais que exista cota para mulheres, não há nada que garanta o número de mulheres eleitas. Também não há nada que garanta a participação das mulheres em cargos comissionados, o que faz com que muitas vezes a influência da classe seja quase in-significante”, pontua a antropóloga e organizadora do seminário, Mi-riam Grossi.

A aprovação da Lei de Cotas trouxe à política o debate das di-ferentes formas de enfrentamento da questão. A deputada estadual e

presidente do PC do B em Santa Catarina, Ângela Albino, não vê as ações afirmativas com preconceito. “Nesse tipo de ação acontece o que chamo de discriminação, já que traz benefícios significativos, como o avanço numérico das mulheres no âmbito político”.

A antropóloga e coordenadora de Pós Graduação Interdisciplinar do Centro de Ciências Humanas da UFSC, Joana Maria Pedro, endossa a afirmação de Ângela Albino: “É importante lembrar que esse tipo de ação tem prazo de vali-dade. As cotas, neste momento, servem para que se dê maior visi-bilidade à mulher.”

Desde a revolução sexual, o âm-bito político é visto pelas mulheres como área essencial para efetivar a igualdade de direitos entre os gêne-ros. Para Cristina, a arena política foi essencial à conquista de direitos

para a mulher. Atualmente, a batalha é outra: “Agora, é necessário que haja uma mudança cultural, onde se ensine que os espaços são de pesso-as, e não de homens ou mulheres. A mídia e a escola são fundamentais nesse processo.”

Muitas mulheres que aderem à vida política o fazem por questões de parentesco, sendo relacionadas, principalmente, aos nomes dos ma-ridos. Tal prática iniciou-se com o

intuito de fortale-cer os candidatos junto ao eleitora-do feminino. No entanto, muitas conseguiram se desvincular da imagem de pa-rentes. Ângela Albino exempli-

fica: “Quando Ângela Amin entrou no meio político, era a mulher do Esperidião Amin. Hoje, é a política Ângela”.Lideranças femininas - Ainda que numericamente inferiores, as mu-lheres são muito ativas ao defende-

rem suas causas na arena política. Um dos principais embates enfren-tados está dentro do próprio partido. “As mulheres são utilizadas muitas vezes como laranjas, servindo pra captação de votos para seus compa-nheiros de legenda”, explica Joana Maria Pedro.

Apesar do problema partidário, a antropóloga acha que é possível emergir lideranças femininas de dentro do partido. Uma das maneiras de contornar a falta de voz no par-tido é a organização feminina den-tro das legendas. “É frequente que as mulheres se sintam intimidadas quando os homens estão por perto. Muitas, em reuniões de partidos, ficam responsáveis pelo cafezinho, pela organização dos documentos. A organização feminina é a forma de ter um espaço.”

Quando Ângela Albino assumiu como vereadora em Florianópolis, em 2004, não havia banheiros fe-mininos na Câmara. Na entrada do banheiro, havia uma placa de “Vere-adores”.

Para a deputada, o problema não é só da mulher que não é educada para assumir cargos de poder. “Os homens não são instruídos para com-preender a ascensão feminina. O que faz com que as mulheres se sintam ainda mais culpadas de deixar o lar para ir ao trabalho”, afirma Angela.

Para a antropóloga Miriam Gros-si, o fato de as eleições presidências de 2010 trazerem duas candidatas mulheres é muito importante, pois se coloca em evidência a abertura polí-tica e abre espaço para que mulheres queiram se aventurar pela área.

O historiador Camilo Araújo acredita que a participação de mu-lheres como candidatas à presidên-cia mostra uma importante quebra de preconceitos. “Muitas pessoas votam também por afinidade com o candidato, então o fato de ser uma mulher influencia, sim, no resultado da eleição, mas ainda não há nenhum estudo para saber até que ponto”.

Joana Maria enfatiza que desde o momento da gravidez os homens são esperados com grandes planos, e que sobre as mulheres recaem expecta-tivas menores. Para a antropóloga, qualquer iniciativa já é uma maneira de combater este pensamento retró-grado: “Ao saber que uma mulher está grávida de uma menina, procu-ro sempre dizer: Ah, que notícia boa! Vem aí a futura presidente da Repú-blica Federativa do Brasil”.

POLÍTICA E ECONOMIA

Presença feminina desafia tradiçãoCandidaturas de Dilma e Marina à eleição presidencial de 2010 reforçam modificações no cenário político

Quatro 3Florianópolis, julho de 2010

“Muitas pessoas votam por afinidade. O fato de ser uma mulher influencia, sim”

4 Precisei, em muitos pon-tos, segurar o ímpeto de opinar, de levantar a ban-deira e assumir uma postu-ra feminista. Bastidores em http://tinyurl.com/24cekvy

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Gabrielle Estevans Hermano Buss

Fonte: STJ

Cadeiras no Legislativo

Trajetória meteórica

Page 4: Jornal Quatro julho 2010

Projetos que buscam a recuperação do preso através de auxílio edu-cacional, psicológico e laboral são iniciativas

de grande importância, tanto para o detento quanto para a comunidade. Realizar um trabalho de assistência ao recluso quando ele é liberto tam-bém faz parte do processo de reabi-litação e significa a continuação do trabalho iniciado dentro da unidade penitenciária.

A orientação e o apoio para a inclusão do preso na sociedade é um beneficio previsto pela Lei de Execução Penal nº 7210 de 11 de julho de 1984, em que através da assistência ao egresso visa preve-nir o crime e encaminhar sua volta à convivência em sociedade. Para alcançar tal objetivo a lei prevê, “além de alojamento e alimenta-ção em estabelecimento adequado, amparar e preparar o preso para o retorno à liberdade.”

Atualmente, Santa Catarina não tem um projeto unificado de reintegração ao ex-detento; cada unidade prisional adota métodos de ressocialização que variam de acordo com sua realidade política, social e financeira. Atividades que pretendem estimular a recupera-ção, remunerar o preso e diminuir a pena com trabalhos realizados em regime fechado e semi-aberto, tanto para homens como para mu-lheres, são desenvolvidos apenas durante o período de cárcere; quan-do o detento é libertado, o governo não presta mais nenhum auxílio.

O gerente de atividades laborais da Penitenciária de Florianópolis, Jorge Weickert, acredita que “o que o detento escolhe para fazer quando sai da prisão não é de responsabili-dade da penitenciária, mas sim do governo que deveria ter um órgão especializado em cuidar disso”. Para Weickert, um dos grandes mo-tivos que leva a maioria dos deten-tos voltar à prática do crime é jus-tamente essa falta de auxílio. “De uma maneira geral, pode-se afirmar que a cada 100 libertos, apenas dois são realmente reabilitados”. Da mesma forma que o gerente alega a necessidade de existir uma enti-dade responsável pela reintegração, Valdirene Daufemback, membro do Conselho Carcerário da Comunida-de de Joinville, também afirma que “baseado na lei, o governo deveria criar um ‘patronato’ ou ‘casa do egresso’ - instituição pública que cuida do ex-detento”.

Reabilitação penal - O psicólogo criminal Alvino Augusto Sá expli-ca que os benefícios oferecidos aos reeducandos durante seu período na prisão – como a remissão de um dia na pena a cada três dias trabalhos - não o integram na sociedade. “Após o período de cárcere, não faz mais sentido para o detento continuar es-tudando ou trabalhando, pois não há mais vantagens”. É necessário um trabalho paralelo multidisciplinar para que o presi-diário reflita so-bre a importância de todas essas ati-vidades para sua vida; não é um atendimento psi-cológico, pois o preso não necessariamente tem pro-blemas relacionados à psique, mas um acompanhamento de uma equi-pe formada por variadas especiali-dades e pessoas da comunidade.

Augusto Sá acredita que quan-to maior o tempo de cárcere, mais difícil é a reabilitação. “O proble-ma está na formação dos valores, pois para o criminoso o sucesso é sinônimo de quantidade e tamanho de furtos. O trabalho não faz parte de sua realidade, por isso ele pre-fere roubar”. Para o professor de Criminologia do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Procurador de SC Paulo Roney Ávila Fagúndez, a situação de cárcere é desneces-sária para a reabilitação do preso, “deve haver, antes de tudo, a res-ponsabilização do sujeito pelo que

ele fez e, em seguida, o tratamento em vez de cadeia”.

Montagem de aparelhos tele-fônicos, confecção de jeans, fabri-cação de bolas e móveis, limpeza e manutenção de patrimônios pú-blicos, oficina de artesanato são alguns exemplos de atividades desempenhadas pelos presidiários em todo estado. As jornadas de tra-

balho variam de cinco a oito ho-ras diárias, sem vínculo empre-gatício e com di-reito a um salário mínimo, sendo 25% de sua pro-dução destinada ao estado. Dados de março deste ano, cedidos pela

Secretaria Executiva de Justiça e Cidadania de SC, mostram que dos 10.906 detentos do estado, 6.202 trabalham. Das 650 detentas, 571 exercem algum tipo de atividade laboral. “Existem projetos que não são implantados, pois seu custo é alto demais em relação ao número de presos beneficiados”, afirma a responsável pela gerência de orien-tação e apoio ao egresso da Secre-taria Executiva de Justiça e Cida-dania de Santa Catarina, Vanessa Beatriz da Silva.

As oficinas laborais geralmente exercitam apenas o lado mecânico do indivíduo; trabalhos que valo-rizam o potencial braçal ganham mais expressividade do que o in-telectual. Valdirene Daufemback, membro do Conselho Carcerário da Comunidade de Joinville cri-

tica esse perfil automatizado das oficinas oferecidas aos reeducan-dos. “As atividades devem agregar conhecimento de forma com que o trabalho capacite o detento para que ele garanta autonomia e espaço no mercado”. Ensino atrás das grades - Na Pe-nitenciária de Florianópolis, uma das ações desenvolvidas visando reabilitação e capacitação educa-cional do detento são as aulas ofe-recidas pela Escola Supletiva, uma parceria entre a Secretaria de Edu-cação e a Secretaria de Segurança Pública do Estado, administrada pelo Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA). A escola oferece aulas que vão desde alfabetização (1ª e 2ª séries), nivelamento (3ª e 4ª), fundamental (5ª a 8ª), ensino médio e cursos preparatórios para o vestibular da UFSC e ENEM.

Hoje, cerca de 250 alunos fre-quentam as aulas e no último ano a escola formou 40 detentos entre todas as modalidades proporcio-nadas. A coordenadora da Escola Supletiva da penitenciária de Flo-rianópolis, Rosana Volkmann Pas-chal, explica que a rotatividade de alunos devido às transferências e desistências frenquentes, prejudica o avanço do ensino. A questão da melhora do espaço físico e dispo-nibilidade de material pedagógico, também são pontos que dificultam o processo educativo na penitenci-ária.

Um dos objetivos principais da escola é incentivar a reintegração dos detentos através do conheci-mento adquirido em sala. “Trans-por os muros e atingir o olhar da

POLÍTICA E ECONOMIA

Ações isoladas que visam reabilitar o A chave para a reintegração social está na recuperação dos valores morais dos reeducandos, mas a

Quatro4 Florianópolis, julho de 2010

Joice Balboa Mariana Chiré

Um dos motivos que fazem os detentos voltarem a cometer crimes é a falta de auxílio

E a família?Buscar a conciliação e

o apoio familiar quando o preso é libertado é parte essencial no processo de reinserção, mas isso nem sempre acontece. Para Valdirene Daufemback, membro do Conselho Carcerário da Comunidade de Joinville, “a perspectiva social e a reincidência do detento estão ligadas diretamente na sua aceitação e ajuda por parte da família”. No caso do paciente do Hospital de Custódia de Florianópolis, Alfredo Luiz Iadelka Júnior, 32, não houve esse apoio. Iadelka explica que já poderia estar em liberdade, mas como não teve amparo de sua família o hospital não pôde dar alta. “Preciso de controle na minha medicação, acompanhamento e cuidados especiais, por isso, minha família deveria se responsabilizar pelo meu tratamento. Enquanto isso não acontecer, não ganho alta”. A professora da oficina de artes da penitenciária de Florianópolis, Márcia Veija, diz que “têm muitos pacientes que estão no hospital há mais de 20 anos, apenas por não terem alguém da família que se encarregue deles”.

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No complexo penitenciário de Florianópolis, a Escola Supletiva já formou mais de 40 detentos e hoje atende cerca de 250 alunos

Page 5: Jornal Quatro julho 2010

sociedade de maneira que ela acei-te os presos como pessoas úteis e reabilitadas, deve ser o principal objetivo de qualquer trabalho feito com a população carcerária”, ex-põe Rosana.

Apesar das dificuldades enfren-tadas, as aulas, em alguns casos, são significativas a ponto de trans-formar a história de vida do preso. O paciente do Hospital de Custó-dia de Florianópolis, Alfredo Luiz Iadelka Júnior, 32 anos, que está sob os cuidados do sistema desde outubro de 2007, conta que “as au-las colaboraram muito para minha recuperação, depois que comecei a estudar, percebi que é possível co-meçar de novo. Pretendo, em bre-ve, cursar Ciências Contábeis pela UFSC”. O pro-fessor de Ciên-cia e Biologia da Escola Supletiva de Florianópo-lis, Daniel Prim Janning, diz que “ensinar para um grupo de pessoas que ge-ralmente possui grande dificul-dade de aprendizado e não tem ne-nhuma base de ensino é um grande desafio, porém, isso é um direito do detento e muitas vezes o resultado é realmente positivo”.Mais projetos - A Pastoral Car-cerária de Florianópolis realiza diversos programas para atender o detento, como a realização de ofici-nas de serigrafia, confecção, sabão artesanal, além de aulas de violão. Para agosto deste ano a entidade inaugura a oficina de reciclagem de eletrônicos e oferecerá aulas de artesanato. A assistente social da Pastoral Carcerária, Taise Zanotto, relata que a instituição desenvolve um trabalho diferenciado ao deten-to liberto, auxiliando sua saída com

doação de roupas e passagem de ônibus. “A função desempenhada pela Pastoral com relação ao egres-so é orientá-lo ao seu destino. Gos-taríamos de fazer mais, porém hoje, não temos condições financeiras para isso”.

Em Joinville, o Projeto de Assis-tência Jurídica e Psicológica (PAS) realiza ações semelhantes ao da Pastoral, que encaminha e orienta o egresso e de seus familiares. A di-ferença está na formação do grupo que é dirigido por profissionais e estudantes das áreas de psicologia e direito, além de contar com a cola-boração da comunidade. “O diálogo entre a comunidade e a penitenciária estimula a interação social do preso e, principalmente, faz com que a so-

ciedade conheça a realidade do sis-tema diminuindo o preconceito”, conclui Daufem-back.

Conscientizar alunos de ensino fundamental e médio do municí-pio de Criciúma sobre o funciona-

mento do sistema prisional de SC é um dos principais projetos da Pe-nitenciária Sul do estado. “Através de visitas periódicas os estudantes passam a conhecer todos os setores da unidade e com isso buscamos desenvolver uma conscientização da população jovem sobre o crime e suas consequências”, diz o agen-te penitenciário, Jorge Luiz Borba Coelho.

Em alguns casos, as aulas chegam a transformar a vida dos presos, apesar das dificuldades

Descobrimos que o assun-to da nossa pauta não exis-tia, pois não há nenhum projeto de reintegração de egressos do sistema peni-tenciário. Bastidores em http://tinyurl.com/2etfk5v

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POLÍTICA E ECONOMIA Quatro 5Florianópolis, julho de 2010

preso não garantem ressocialização realidade mostra que o apoio após o período de reclusão também deveria fazer parte do processo

O paciente Alfredo planeja estudar Ciências Contábeis na UFSC

Distribuição dos estabelecimentos penais Cadeias Públicas: Recolhem pessoas presas provisoriamentePresídios: Para pessoas que estão aguardando o julgamento do processo de condenação.Penitenciárias: É onde estão todos aqueles que cumprem pena em regime fechado. São dividas em: - Penitenciárias de Segurança Média ou Máxima: Destinadas para pessoas presas com condenação em regime fechado com celas individuais e coletivas; - Penitenciárias de Segurança Máxima Especial: Também destinadas a pessoas presas em regime fechado, mas possuem exclusivamente celas individuais. Unidade Prisional Avançada (UPA): É um novo modelo em SC, criado para

auxiliar os estabelecimentos penais no remanejamento do contigente de reedu-candos. A UPA substitui antigos mode-los de cadeias públicas e abriga pessoas presas não condenadas. O estado hoje possui 11 UPAs.Colônias Agrícolas, Industriais ou Similares: Para pessoas presas que cumprem pena em regime semi-aberto;Casas do Albergado: abrigam pessoas presas que cumprem pena privativa de liberdade em regime aberto ou pena de limitação de fins de semana.Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico: Analisam quem, entre os detentos, são os doentes mentais do sistema penal brasileiro. Sua reclusão não é considerada uma pena, e sim uma medida de segurança em favor da sociedade.

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Unidades Penitenciárias de Santa Catarina

Fonte: Departamento de Administração Penal de Santa Catarina

1 - Oeste Casa do AlbergadoPenitenciária de ChapecóPresídio de ChapecóPresídio de ConcórdiaPresídio de JoaçabaPresídio de XanxerêUnidade Prisional Avançada de Campos NovosUnidade Prisional Avançada de CapinzalUnidade Prisional Avançada de São Miguel do Oeste2 - NorteUnidade Prisional Avançada de Barra VelhaPresídio de Jaraguá do SulPresídio de JoinvillePresídio de MafraUnidade Prisional Avançada de Porto UniãoPenitenciária Industrial de Joinville3 - Plananlto SerranoPenitenciária da Região de CuritibanosPresídio de CaçadorPresídio de LagesUnidade Prisional Avançada de Correia PintoUnidade Prisional Avançada de Videira4 - Vale do ItajaíPresídio de Balneário de CamboriúPresídio de BlumenauPresídio de ItajaíPresídio de Rio do SulUnidade Prisional Avançada de BrusqueUnidade Prisional Avançada de IndaialUnidade Prisional Avançada de Ituporanga

5 - Grande FlorianópolisCasa do Albergado de FlorianópolisColônia Penal Agrícola de PalhoçaHospital de CustódiaPenitenciária de Florianópolis Penitenciária de São Pedro de AlcântaraPresídio de BiguaçúPresídio de TijucasPresídio Feminino de FlorianópolisPresídio Masculino de Florianópolis

6 - SulPenitenciária SulPresídio de AraranguáPresídio de CriciúmaPresídio de TubarãoUnidade Prisional Avançada de ImbitubaUnidade Prisional Avançada de Laguna

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Page 6: Jornal Quatro julho 2010

MEIO AMBIENTE

Saguis se proliferam sem controleVindos de outras regiões há mais de 25 anos, animais adotados pela população podem transmitir doenças

Quatro6 Florianópolis, julho de 2010

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Os transtornos causados por saguis no meio urbano de Florianópolis são recorrentes.

O veterinário e colaborador do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA), Rogério Leonel Vieira, 35, explica que “eles são lindos e fofos, como as meninas sempre insistem em dizer, mas podem ser agressivos e passar doenças”. Uma criança ao tentar segurá-los é frequentemente mordida. A raiva é a mais transmitida, apesar de a bióloga e especialista em saguis há 15 anos, Cristina Valéria Santos afirmar que “está erradicada, não há nenhum caso há anos na capital”. Isso só comprova a eficácia da vacina.

Alguns moradores têm per-cebido uma maior frequência de aparecimento desses animais, o que revela um possível aumento da população devido aos poucos predadores existentes na Ilha, ao forte extinto de grupo da espé-cie e ao costume dos habitantes de alimentar esses bichinhos. Ao dar comida, como todo animal, os saguis retornam ao local e aca-bam adotando a casa da família como extensão do habitat. Caso não haja mais alimento, normal-mente invadem o local, urinam e abrem espaço para a transmissão de doenças, como as verminoses. O contrário também pode aconte-cer: o homem pode causar enfer-midades nos animais, como, por exemplo, a gripe comum, letal para eles. “Prejudicamos mais a saúde deles do que o inverso. De certa forma, nós manipulamos a sua comida” diz Cristina.

A estudante Rafaelle Bröering, 20, mora na Costa da Lagoa desde que nasceu e acompanhou com a mãe, a empresária Marlete Bröe-ring, 49, o aparecimento dos ani-mais. Tão graciosos e espertos, eles aguardam sentados na sacada e, mesmo que Rafaelle saiba que o correto é não alimentá-los, sem-pre oferece uma banana picada. Apesar disso, elas garantem que não houve nenhum outro incômo-do, principalmente depois de ins-talar grades nas janelas e portas.

A família começou a morar na região quando os primatas já estavam bem estabelecidos. Há mais de 25 anos, os saguis foram contrabandeados por caminhões que vinham das regiões nordeste, sudeste e centro-oeste do Brasil

para os bairros que circundam o Maciço da Costeira em Florianó-polis. Esses locais – Costa da La-goa, Campeche, Morro da Cruz, Córrego Grande, Pantanal –, onde aconteceu o processo de soltura, são as bordas das matas: o nicho ecológico deles.Diferente do mito divulgado pela cidade, eles não se alimentam de ninhos de passari-nho. O sagui de tufo preto, mais recorrente na Ilha, come frutas silvestres, insetos, pequenos ver-tebrados e extrai lascas das lenhas das árvores. Segundo Marlete, “eles eram somente três quan-do chegamos. Agora são muitos, procriaram muito rápido. Alguém tem que fazer alguma coisa. Ma-tar não é possível, porque é crime, então que seja inserido um preda-dor”.

Três espécies foram soltas de forma irrespon-sável na cidade de Florianópolis. Todas foram tra-zidas por tráfego ilegal e, além disso, outros fa-tores prejudicam a cidade ambien-talmente: “Eles podem repro-duzir entre si, criando espécies híbridas também férteis. Isso é um dos problemas da inserção de inativas que se cruzam em novos locais e pode causar desequilíbrio ecológico”, avalia Cristina.

Ao encontrar um animal do-ente ou maltratado, a polícia ambiental direciona ao centro de triagem, onde só estão nove saguis em recuperação. “É nesta

época que eles morrem de frio”, diz o soldado Cléber Machado, 25. Os animais são resgatados muitas vezes em péssimas situ-ações. É comum passarem pelas fiações e serem eletrocutados ou atropelados, logo depois podem ser encaminhados para clínicas como a do veterinário Rogério Vieira. Essas propriedades são licenciadas, com uma série de burocracias a respeitar, como não se localizar em regiões urbanas, já que os animais não podem ser domesticados.

A bióloga Cristina Santos pode listar outras preocupações: “Se me perguntam se está acontecen-do um desequilíbrio ambiental causado pela suposta superpo-pulação, eu não sei responder ao certo. Porque existem predadores e variadas causas para a morte

desses animais. Porém, se me q u e s t i o n a m quais problemas eles causam ao meio-ambiente, respondo que as habitações irregulares e o aumento desen-freado da popu-

lação urbana são preocupações muito mais importantes com rela-ção à natureza”. A especialista dá ênfase à saída mais correta para evitar mais transtornos: “invaria-velmente, deve-se evitar alimen-tá-los. Os saguis precisam buscar alimentos em ambientes mais selvagens, afastando-se das casas e evitando todos os transtornos comuns.”

Nunca tive muito interesse pela editoria de meio-am-biente. Tive uma surpresa com a resposta da reportagem, consegui os dados facilmente, me interessei pelos saguis e notei um carinho por todos os envolvidos na recupera-ção dos animais, desde a bióloga até a polícia ambiental. Bastidores em http://tinyurl.com/3aankg2

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Primatas capturados em bairros com área florestal, como o Pantanal e o Córrego Grande, são comercializados no centro da cidade

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Principais características dos saguis

A criação de espécies híbridas férteis pode causar desequilíbrios no ecossistema da Ilha

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Fonte: Cristina Valéria Santos

Page 7: Jornal Quatro julho 2010

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As fontes não nos evita-ram, mas contornavam as perguntas. Insistíamos, tentávamos vencê-los no cansaço. Às vezes con-seguíamos, outras não. Bastidores: http://tinyurl.com/2d5aywl

MEIO AMBIENTE

Ocupação irregular domina a IlhaEm Florianópolis, 50% das residências e 72% dos estabelecimentos comerciais estão em situação ilegal

Quatro 7Florianópolis, julho de 2010

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Florianópolis é destaca-da por apresentar um dos melhores índices de desenvolvimen-to humano (IDH) do

país, de acordo com a Organiza-ção das Nações Unidas (ONU), o que tem atraído muitas pessoas de outros lugares a morar na cidade. Nos últimos dez anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do município aumentou mais de 30%, fator que provocou a urbanização desenfreada e sem planejamento. Exemplos disso são as constru-ções irregulares, principalmente em áreas de preservação perma-nente (APPs) como restingas e mangezais, territórios da marinha e cursos d’água.

Desde março de 2009, a Fun-dação do Meio Ambiente de Flo-rianópolis (Floram), órgão respon-sável pela fiscalização e apuração de danos ao meio ambiente, de-moliu 130 construções irregulares na cidade. Ainda assim, dados da Secretaria Executiva de Serviços Públicos (Sesp) apontam que 72% dos estabelecimentos comerciais e mais de 50% das residências de Florianópolis estão em situação irregular. “A cidade é mais irregu-lar do que regular. A maior parte da sociedade quer que as regras sejam burladas ou adequadas às suas irregularidades”, declarou o procurador municipal, Itamar Pe-dro Bevilaqua.

Segundo a Floram, existem seis mil processos em tramitação na justiça sobre ocupações irregulares em APPs. Em 2009, foram regis-trados 1.376 processos, dos quais apenas 25 resultaram em demoli-ções. Alguns dos principais pon-tos de construções irregulares são

o bairro Tapera (em manguezais e cursos d’água), os bairros Rio Vermelho e Ingleses (em dunas), o Campeche (em cursos d’água e planície) e o canal da Barra da Lagoa.

A Lagoa da Conceição, que também está na lista dos recor-distas em edificações ilícitas, foi discutida na justiça recentemente. O bairro, um dos principais pon-tos turísticos da Ilha, sofreu um processo em que a Justiça Federal exigia da prefeitura o cumprimen-to da lei que autoriza construções apenas a partir de 30 metros da faixa de areia. Com a sentença ju-dicial, foi determinado um novo limite permitido para as constru-ções: 15 metros. A prefeitura, en-tão, ficou encarregada de fiscalizar e providenciar as demolições.

Assim que a Floram recebe uma denúncia, um fiscal vai a campo para fazer a vistoria no lo-cal. Constatada a irregularidade, um laudo de infração é emitido ao proprietário do imóvel. Ao todo, a Floram tem 43 fiscais, dos quais 23 trabalham nas inspeções aos lugares onde existem de-núncias de ir-regularidades em nove regi-ões da Ilha. De acordo com o geógrafo e fis-cal ambiental da fundação, Bruno Augus-to Silva Palha, “o problema das construções irregulares não está na fiscalização, mas sim no núme-ro de operários, pequeno frente às demandas de demolição”.Moeda Verde - Em 2007 ocorreu uma das maiores e mais conheci-das operações da Polícia Federal no país: a “Moeda Verde” resultou na prisão temporária de 22 sus-peitos. Entres eles, empresários e políticos da “alta sociedade” catarinense envolvidos em nego-

ciações de licenças ambientais para as construções do Shopping Iguatemi e do Resort do Costão do Santinho, edificados sobre áreas de preservação.

O caso gerou um processo de investigação em que o inquérito foi concluído com o indiciamen-to, acusação sem condenação, de 52 pessoas: entre elas o prefeito de Florianópolis, Dário Berger. As alegações apontavam formação de quadrilha e crimes como advoca-cia administrativa, falsidade ideo-lógica, corrupção ativa, corrupção passiva e prevaricação.

Como punição, o Shopping Iguatemi, por exemplo, teve de fa-zer uma compensação ambiental, que incluiu desde a substituição da pavimentação em asfalto por piso ecológico e mudanças na orienta-ção viária em torno do shopping, até a criação de um parque voltado à recuperação e à preservação do ecossistema natural em diversos pontos da cidade.

Para comprar ou construir na cidade, é necessário consultar a Floram e verificar a existência

de restrições am-bientais. Os pro-jetos licenciados e autorizações ex-pedidas são fisca-lizados através de ações preventivas: vistorias progra-madas para levan-tamento de dados e informações

necessárias para que a construção seja feita de maneira adequada.

A responsável pela emissão de licença ambiental em Santa Catarina é a Fundação do Meio Ambiente (Fatma), que prevê três fases para o processo: primeiro atesta se é possível construir no local por meio da Licença Am-biental Prévia (LAP). Depois de aprovada, passa para a fase de apresentação do projeto da obra, a qual precisa estar de acordo

com a Licença Ambiental de Ins-talação (LAI). Só então, quando terminada a obra, a Fatma retorna ao local e faz a vistoria para veri-ficar se a construção está de acor-do com o projeto. Finalmente, a Fatma expede a Licença Ambien-tal de Operação (LAO) e atesta que o empreendimento pode co-meçar a funcionar.

“A maior parte da sociedade quer que as regras sejam adaptadas ao interesse pessoal”

Prédios da Lagoa da Conceição ignoram lei que exige distância mínima de 15 metros da orla. Tapera e Ingleses também são bairros com alto nível de irregularidades

Carolina Dantas

Luiza LessaÚrsula Dias

Page 8: Jornal Quatro julho 2010

Imortalizado por grandes estrelas do cinema, como Clark Gable em ...E o vento levou e Marlon Brando em Uma rua chamada peca-

do, o hábito de fumar já foi consi-derado charmoso. Nas campanhas publicitárias, que mostravam pes-soas jovens praticando esportes e caubóis bem aparentados, o ci-garro era símbolo de juventude e liberdade. As marcas faziam uso de slogans atrativos para conquis-tar novos consumidores, como Come to where the flavor is. Come to Marlboro country (Venha para onde está o sabor. Venha para o país Marlboro) e Lucky Strike means fine tabacco (Lucky Strike significa bom cigarro).

Mas o fumo vem perdendo espaço gradativamente. Os estu-dos já provaram que o consumo de tabaco aumenta o risco de câncer, principalmente no pul-mão, na boca e na garganta, do-enças cardíacas, como o infarto do miocárdio, doenças pulmo-nares, principalmente a enfise-ma, e derrame cerebral. Com isso, é cada vez maior o esforço por parte de governos e órgãos ligados à saúde para diminuir o consumo de tabaco. Proibição de publicidade, principalmente ligada aos esportes, e aumento da taxa tributária são algumas das táticas utilizadas contra a indústria do tabaco.

Fumantes e não fumantes vi-vem em tensão. O primeiro, já acostumado com a fumaça, não percebe o incômodo que causa ao segundo, que, por sua vez, geral-mente evita reclamar da fumaça para não criar uma situação des-confortável para ambos. O cheiro desagradável que fica na roupa e no cabelo dos não fumantes é uma justificativa irrefutável que eles usam para não ocupar o mes-mo espaço que o fumante. Após a aprovação da lei municipal 8.042/2009 em Florianópolis, o fumante vê seu espaço ser reduzi-do aos poucos, e a briga começa a mostrar seu desfecho.

A lei antifumo, como é co-nhecida, foi aprovada em Florianópolis no dia 28 de ou-tubro de 2009 e começou a vi-gorar em 10 de fevereiro deste ano. Segundo a lei, é proibido o consumo de cigarros e deriva-dos em qualquer local, público ou privado, de uso coletivo fe-chado ou parcialmente fechado. Isto inclui toldos, coberturas e marquises. O fumante e o dono

de estabelecimento que não res-peitarem a lei serão multados a partir da terceira notificação. No caso de um estabelecimento ser notificado pela oitava vez, seu alvará de funcionamento será cassado.

A lei vem sendo cumprida nos bares e restaurantes do bairro da Trindade. No Capitão Gourmet, os fumantes podem optar por fi-carem em uma área externa ou em um fumódromo. As mesas internas não recebem cinzeiro. Segundo informações dos fun-cionários, o restaurante só foi fis-calizado uma vez desde que a lei entrou em vigor, mas não houve problemas.

Nos bares mais próximos à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), como o Meu Escritório, é comum ver fumantes descumprindo a lei. Alguns taba-gistas não sabem que o fumo é proibido também embaixo de tol-dos e acabam por infringir a lei. Isso gera uma situação incômoda tanto para o fumante quanto para as pessoas que estão ao redor, que muitas vezes preferem não recla-mar, mesmo tendo razão.

Segundo o último Estudo Especial do Tabagismo divulga-do pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Santa Catarina aparece na 15ª posição no ranking nacional dos fumantes. A pesquisa, feita com base nos dados do Ministério da Saúde e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2008, estima que 17,1% da po-pulação catarinense acima de 15

anos é fumante, índice abaixo da média nacional, que é de 17,2%. Isso significa que aproximada-mente 1,046 milhão dos 6,118 milhões de catarinenses fumam.Mudanças no cotidiano - O es-tudante Guilherme Medeiros faz parte dessa estatística. Medeiros, hoje com 23 anos, fuma desde os 16. Começou para impressionar os amigos. “No começo era mais brincadeira. Eu queria dar uma de adulto e comprava uns cigarros avulsos na banca”. A brincadeira acabou virando o vício, sustentado por um maço de cigarros por dia. “Antes a neces-sidade era mais psicológica, mas agora eu não consigo largar. Já tentei parar duas vezes, mas não durou uma semana”.

Após a implantação da lei an-tifumo em Florianópolis, a rotina de Medeiros e dos fumantes foi alterada. Já se tornou cena comum ver pessoas na porta de bares e restaurantes para poderem fumar. A lei promoveu a retirada dos cinzeiros localizados nas entradas no Shopping Iguatemi, pois eles se localizavam embaixo de uma cobertura. Os fumantes agora são obrigados a atravessar a rua para fumar. “Acaba ficando ruim pra gente também, né? Porque a gen-te acaba de fumar e não tem onde jogar a bituca do cigarro. As pes-soas chamam o fumante de porco, mas também não pensam no nos-

so lado”, afirma Medeiros.Problema semelhante enfrenta-

va o vendedor Augusto Leonardi. Ele trabalhou seis meses em uma loja do shopping e vivenciou a mudança causada pela lei. “Antes dava pra sair rapidinho, ir ali na porta e fumar o cigarro. Quando tiraram o cinzeiro, tinha que ficar do outro lado. Perdia mais tempo, e acabava que eu não saia pra fu-mar”. Leonardi fala também de uma vez que, desatento, acendeu um cigarro na entrada do shop-

ping. “A lei tinha entrado há pou-co tempo, então ainda não tinha o costume. Tirei um tempo no ser-viço e fui lá fora. Quando acendi o cigarro, o se-gurança fez cara feia, mas eu não

entendi. Só depois que dei umas duas tragadas que ele veio me ex-plicar que não podia mais”.

O ar ficou mais limpo, sim, mas e o chão? Com as mudanças, muitos bares pararam de fornecer cinzeiros, mesmo pra quem sai da área fechada pra fumar. Em tro-ca de um ar mais limpo dentro do estabelecimento, a entrada ficou mais suja. “Não tem outro jeito! Se eu jogo a bituca no lixo nor-mal, corre o risco de pegar fogo. Então vai no chão!”, justifica-se Leonardi. Quem paga o preço por isso são os responsáveis pela limpeza. São pessoas como José Carlos Santos Barroso, o Seu Zeca, que há 18 anos é varredor.

“Eu não sou fumante, mas tenho que catar bituca de cigarro todo dia porque as pessoas jogam na calçada. Antes dessa lei, não tinha tanto cigarro no chão, mas agora sempre tem muito, ainda mais na frente de boteco. Mas eu também entendo o lado deles. Meu irmão fuma há mais de 30 anos. Todo ano ele diz que vai parar, mas nunca consegue”.

Que a lei antifumo trouxe bene-fícios para os não fumantes, isso é óbvio. Mas a situação precisa ser repensada para o lado dos fuman-tes. O consumo de tabaco talvez não reduza por causa da lei, então é preciso que fumantes e estabe-lecimentos se adaptem melhor às normas para evitar que a sujeira do ar seja despejada agora nas calçadas. O Seu Zeca agradece.

A sujeira escondida atrás da fumaçaCinco meses depois de entrar em vigor, a lei antifumo altera a paisagem urbana de Florianópolis

MEIO AMBIENTEQuatro8 Florianópolis, julho de 2010

Já é comum ver pessoas na porta de restaurantes e bares para acender cigarros

Rodolfo ConceiçãoA

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Na verdade, para entre-vistar um fumante, até que não foi difícil. Mas, abordar uma pessoa para falar sobre o seu vício, ainda mais se ela está infringindo uma lei, nem sempre é fácil. Mui-tos fumantes ficam na defensiva e não querem conversa, mas dei sorte com um grupo simpáti-co que, provavelmente motivados pelas várias cervejas que já haviam bebido naquela noite, me responderam tudo que eu perguntava. Basti-dores em: http://tinyurl.com/39arfb9

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Fonte: Ministério da Saúde

Page 9: Jornal Quatro julho 2010

Os problemas causa-dos pela urbaniza-ção e pela falta de planejamento do poder público nas

grandes cidades se tornaram cada vez mais comuns. Santa Catarina, que apresenta um dos maiores ín-dices de qualidade de vida do país, surpreendentemente foi apontada pela Associação Brasileira de En-genharia Sanitária (ABES) como o segundo pior estado brasileiro em termos de saneamento básico, ficando atrás apenas do Piauí. Dos 293 municípios catarinenses ape-nas 30, cerca de 12% da população urbana, têm acesso a tratamento de esgoto sanitário. Conforme cons-tatado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 28,18% das residências catarinenses têm acesso à rede coletora de esgoto e o serviço de fossa séptica atinge aproximada-mente 53,38% das moradias do estado. No município de Criciú-ma, por exemplo, não há rede de tratamento de esgoto em nenhuma das residências.

Em Florianópolis, de 408.161 habitantes apenas 45% da popula-ção, cerca de 183.672 habitantes, têm acesso a rede de tratamento de esgoto. Os pontos mais alarman-tes, no entanto, estão nas áreas mais carentes da cidade que cor-respondem a 16% dos habitantes (65 mil pessoas), conforme estudo feito em 2006 pela Secretaria Mu-nicipal de Habitação e Saneamen-to Básico. De acordo com o Ins-tituto Trata Brasil, das 81 cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes analisadas, a capital catarinense é a 30º colocada no ranking de saneamento ambiental. Houve, também, redução na coleta e no tratamento de esgoto: a com-paração com dados publicados há três anos mostra que, de 2007 para 2008, a queda foi de 16%.

Na comunidade Sol Nascente, no bairro Saco Grande, não há rede coletora de esgoto. Segundo o pre-sidente da Associação dos Mora-dores da comunidade de Sol Nas-cente, Geraldo Von Mühhen, uma cachoeira, antigo ponto de lazer dos moradores, é mantida há dez anos como um esgoto a céu aberto e oferece uma série de riscos aos moradores pela proximidade de casas, armazéns e de um campo de futebol bastante freqüentado. Para evitar a proliferação de ratos, ba-ratas, sapos e insetos ao redor do esgoto, principalmente durante o verão, os moradores despejam na

água o BTI, veneno ilegal que cus-ta de 80 a 90 reais por litro. Para o líder comunitário, a poluição da cachoeira ocorreu por causa da re-cente superpopulação. Os irmãos Alexssandro da Silva, 19, e Jéssi-ca da Silva, 15, que moram na co-munidade desde que nasceram, já estão acomodados com esta situ-ação. Ambos sempre moraram ao lado “do que chamam de cachoei-ra” e, até três anos atrás, costuma-vam frequentá-la para tomar banho durante o verão. “Paramos de to-mar banho quan-do percebemos o quanto estava poluída”, afir-mam. Segundo os moradores, há presença cons-tante em sua casa de animais e insetos prejudiciais à saúde devido ao esgoto e ao lixo que é despe-jado nele. Inclusive, um parente próximo já contraiu leptospirose pelo contato com a água poluída durante uma construção. “Nos-sa fossa é a cachoeira. O cano do vaso e o da pia desembocam nela”, alega Alexssandro. O bairro Saco Grande concentra o equivalente a 10% da população da capital. O levantamento feito pela Secretaria Municipal de Habitação e Sanea-mento Básico em parceria com a Companhia de Habitação de Santa Catarina (Cohab) também acusa que cerca de 61% dos moradores das áreas de carência social resi-dem em encostas, como é o caso da comunidade Sol Nascente.Luz no fim dos tubos - Entre os projetos desenvolvidos pelo mu-nicípio para regularizar a rede de

tratamento de esgoto nas perife-rias de Florianópolis está o Plano Municipal de Interesse de Sanea-mento Básico (PMISB). Segun-do o gerente de planejamento da Secretaria Municipal de Habita-ção e Saneamento Básico, Élson dos Passos, o objetivo do projeto é “planejar para definir metas de custo e universalizar o serviço no esgotamento sanitário, abasteci-mento de água, drenagem urbana e

resíduos sólidos”. O projeto irá abranger toda a região de Floria-nópolis e ainda está em fase de elaboração. Deve ser concluído en-tre julho e agosto deste ano e, pos-teriormente, será

encaminhado à Companhia Cata-rinense de Águas e Saneamento (CASAN), órgão responsável pela parte operacional do plano.

Atualmente há obras em execu-ção nas regiões norte, sul e no cen-tro da capital. Serrinha, Maciço do Morro da Cruz, Canto do Lamin e Tapera são os bairros em que há obras voltadas à implantação do Sistema de Esgotamento Sanitário feito pela CASAN. Riscos à saúde - Uma grave doen-ça prevalente no oeste catarinense, causada pela falta de tratamento de esgoto sanitário, é preocupa-ção de especialistas. De acordo com levantamento feito em Lages por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina, 3,5% de 877 habitantes analisados no município apresen-taram sorologia positiva para a cisticercose, mesma estimativa de

países endêmicos, como o México, por exemplo. A doença está asso-ciada também à criação de suínos no estado, já que estes são hospe-deiros intermediários do parasita. Segundo a farmacêutica-bioquí-mica e coordenadora da pesquisa, Maria Marcia Imenes Ishida, a transmissão da doença aos porcos ocorre quando as fezes humanas, contaminadas com os ovos da Ta-enia Solium, presentes no meio ambiente devido à falta de sane-amento básico, misturam-se ao solo e são ingeridas pelos porcos. A carne suína contaminada com larvas (cisticercos), crua ou mal-passada, se ingerida pelo ser hu-mano, dá continuação ao ciclo de desenvolvimento do parasita, que passa a hospedar-se no organismo humano, causando a teníase. No homem, a teníase pode causar in-fecção abdominal e outras reações gastrointestinais. A neurocisticerco-se é causada quando a larva se aloja no cérebro do indivíduo que ingeriu ovos do parasita e provoca desde crises convulsivas ou ataques epilé-ticos até hipertensão intracraniana, dependendo do número e local de

alojamento das larvas.No ambiente urbano, a trans-

missão ocorre através da ingestão de alimentos, como verduras cruas, contaminados com os ovos prove-nientes de fezes humanas. Há tam-bém a possibilidade de autoinfec-ção: quando as mãos contaminadas com os cisticercos são levadas à boca. Segundo a professora, a situ-ação é mais agravante, sobretudo, nas periferias, onde a maioria dos moradores não têm acesso a condi-ções sanitárias básicas.

Tudo corria bem, nos-so querido Ceará dando um verdadeiro show de fotografia naquele córre-go, quando um grupo de rapazes mal encarados nos observava de longe atentamente, com um as-pecto de reprovação. Che-gamos em um carro pre-to, éramos estranhos na comunidade e estávamos desacompanhados, o que começou a me preocupar. Bastidores em: http://tinyurl.com/38dp5ux

SC tem baixo índice de saneamentoQuatro 9Florianópolis, julho de 2010

Dos 293 municípios, somente 30 têm tratamento de esgoto. O estado fica atrás apenas do Piauí

Emanuelle Nunes

De 2007 para 2008 houve redução de 16% na coleta de esgoto na capital

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MEIO AMBIENTE

Ausência de sistema adequado para escoar dejetos transforma áreas naturais em aterros sanitários A cena é cotidiana na capital

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Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento

Page 10: Jornal Quatro julho 2010

Consequência: intoxicação e hipersensibilidade são causas de morte

Interação medicamentosa pode anular ou potencializar o efeito

Metade dos remédios vendidos não têm prescrição médica

Automedicação mata 20 mil pessoas por anoLaís Mezzari

Os preferidos da populaçãoA farmacêutica Angela Juliane Melo afirma que os principais remédios comprados sem pres-crição são anticoncepcionais, analgésicos e anti-inflamató-rios. No inverno, também entram na lista antigripais, e no verão as pomadas fungicidas. Mas alguns cuidados devem ser tomados:Analgésicos – Apesar de serem os mais vendidos no Brasil, es-tes medicamentos podem trazer efeitos colaterais. O ácido acetil-salicílico, AAS ou Aspirina, deixa o sangue mais líquido e provoca maior acidez estomacal, podendo cau-

sar azia. Portadores de gastrite e úlcera devem tomar cuidado. Tylenol e Paracetamol – Usa-do para tratar de febre e dores no corpo, podem prejudicar o fíga-do por causa da toxicidade.Anticoncepcionais – Antibióti-cos que contenham amoxilicina podem reduzir o efeito contra-ceptivo dos anticoncepcionais. A cafeína, por outro lado, en-contrada em antigripais, pode potencializar os efeitos de al-guns anticoncepcionais, tanto com relação a desconfortos que alguns causam, como dores no seio, quanto ao efeito contra-ceptivo.

BEM - ESTARQuatro10 Florianópolis, julho de 2010

Dores no corpo, en-xaqueca, tosse. Quem nunca foi até a farmácia e com-prou um remédio

indicado pela tia, amigo, vizinha ou ainda pelo próprio balconista para acabar com um desses pro-blemas? De acordo com o estudo Configuração do Complexo Eco-nômico da Saúde, realizado pela Unicamp a pedido do Ministério da Saúde em 2007, no mercado farmacêutico brasileiro, ao menos 50% das vendas dos medicamen-tos correspondem à automedica-ção. A Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas (Abifar-ma) relata que aproximadamen-te 80 milhões de brasileiros são adeptos desta prática.

O médico especialista em orto-pedia e traumatologia, Daniel de Souza Carvalho, afirma que tudo é remédio, desde uma compressa de água morna, até o atendimen-to de um fisio-terapeuta. De acordo com Car-valho, medidas caseiras, assim como a maioria dos medicamen-tos que são vendidos sem prescri-ção médica, apenas atenuam os sintomas, e podem mascarar os sinais de uma doença mais grave.

Um exemplo disso é o funcio-nário público Daniel Visalli, de 26 anos, que tomou por conta própria analgésicos contra dor de cabeça por mais de um ano e somente quando percebeu que o problema se agravava foi ao médico e des-cobriu que tinha pressão alta. O medicamento aumentava ainda mais sua pressão, que chegou a atingir 19 por seis, quando o nor-mal é 12 por oito. Combinações perigosas - As contra-indicações e os efeitos colaterais normalmente não são especificados em cartelas de com-primidos, por exemplo, e podem não atuar diretamente na parte do corpo desejada, afetando com frequência o estômago e o fígado. Porém, um dos maiores problemas quanto a automedicação é a inte-ração medicamentosa. Quando o paciente já toma um remédio, a administração de outro ao mesmo

tempo pode causar três reações: pode potencializar o resultado do primeiro, um medicamento pode conter alguma substância que anule a ação do outro, ou um deles pode alterar características como a absorção e transformação do outro remédio no organismo, influen-ciando o efeito da medicação. De acordo com Carvalho, por conta destas situações, o paciente deve relatar ao médico todas as subs-tâncias ingeridas anteriormente, inclusive anticoncepcionais, chás e remédios fitoterápicos.

Segundo dados de 2007 da Abi-farma, a cada ano, cerca de 20 mil pessoas morrem no país vítimas da automedicação. A maior incidên-cia está ligada à intoxicação e às reações de hipersensibilidade ou alergia. Devido a estas condições, os mais vulneráveis aos efeitos da automedicação são os idosos, já que estes apresentam com maior frequência doenças crônicas e to-mam mais remédios. De acordo com Linda Bernstein em seu livro

Characteriza-tion of the use and misuse of medications by elderly am-bulatory po-pulation (Ca-racterização do uso e mau uso de medi-camentos pela p o p u l a ç ã o idosa ambula-

torial, em tradução livre) a média de remédios tomados por idosos varia de 3 a 7,3 por pessoa. A pró-pria alteração corporal como a di-minuição da proporção de água no organismo e da taxa de excreção renal influenciam na absorção da substância.

A automedicação se deve a várias razões, entre elas a pro-paganda massiva de remédios incluindo a frase “se persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado”. Outros motivos tam-bém são a dificuldade e o custo de uma consulta médica, dores, informações e indicações de ami-gos ou adquiridas pela internet, insuficiência de regulamentação e fiscalização na venda e falta de programas educativos sobre os efeitos do procedimento. Outra hipótese, segundo Macário Jáco-me, em artigo ao Portal da Educa-ção, também é o elevado número de farmácias no País: uma para cada três mil habitantes, quando o número estipulado pela Organiza-ção Mundial de Saúde (OMS) é de

uma para cada oito mil. O estudo realizado pela Unicamp também mostra que a automedicação pode se tornar um ato contínuo uma vez que se o paciente se satisfaz com o remédio, continua tomando sem ir ao médico.

Carvalho ainda relata que um dos problemas mais frequentes é o paciente não seguir as reco-mendações e fazer a dosagem do medicamento de forma errada, o que também pode ser considerado automedicação, apesar da receita médica. O fato de um indivíduo ingerir a substância num intervalo de seis horas ou em jejum, quan-do a indicação é, por exemplo, de oito em oito horas ou após as refeições, pode gerar diferentes efeitos colaterais. Dados do Siste-ma Nacional de Informações Tó-xico-farmacológicas (SINITOX) revelaram que no ano 2000, de um total de 20.534 registros de into-xicação por medicamentos, 2,7% eram devidos a automedicação e 5,9% devido a erros de adminis-tração.

Em casos de medicamentos sem restrição, o farmacêutico é responsável por fazer a orientação do uso, das contra-indicações e dos efeitos colaterais ao usuário. Segundo a farmacêutica Angela Juliane Melo, o profissional não tem direito de negar a venda de um produto que não precise de prescrição médica, mas deve pas-sar todas as informações para que o cliente saia consciente.

Tentando combater a autome-dicação, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), estabeleceu em agosto de 2009, através da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) Nº 44, medidas que devem ser seguidas pelas far-mácias. Entre outros, ela determi-na que apenas os medicamentos que forem indicados pela Anvisa poderão ficar expostos ao alcance do cliente e exige que seja coloca-do um cartaz em local visível com os dizeres: “Medicamentos podem causar efeitos indesejados. Evite a automedicação. Informe-se com o farmacêutico”.

Além disso, também define que esses estabelecimentos devem ter um farmacêutico durante todo o seu horário de funcionamento. Este último item pode parecer re-dundante, mas a Associação Bra-sileira das Farmácias (Abrafarma) revela que das 13 mil farmácias no estado de São Paulo, apenas 33% têm um profissional em perí-odo integral, e em 40% delas não há nenhum contratado.

Um dos problemas mais frequentes é o paciente não seguir as recomendações do seu médico

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Daniel Visalli começou a prestar atenção e se manifestou. O personagem acabou sendo bem diferente do que eu imaginava, mas acredito que foi interessante por mostrar que a automedicação pode trazer problemas para qualquer pessoa. http://tinyurl.com/22tj2q4

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Page 11: Jornal Quatro julho 2010

Em novembro de 2006, a cabeleireira Ma-ria Augusta precisou tomar uma decisão definitiva sobre a sua

vida. Com apenas 22 anos e três filhos, ela descobriu que estava grávida outra vez. Depois de con-siderar a situação econômica ins-tável, a família já numerosa e as incertezas de criar mais uma crian-ça, Maria escolheu interromper a gestação no terceiro mês.

Sem poder ir ao hospital, os únicos meios aos quais ela po-dia recorrer eram as receitas ca-seiras. Em um dia, ingeriu uma cartela inteira de anticoncepcio-nais, vinho, noz moscada, canela e se submeteu a uma sequência de chutes na barriga, um deles do próprio marido. Em seguida, Maria foi ao hospital e após uma ultra-sonografia vaginal, foi con-firmado que ela havia perdido o bebê. O médico mostrou descon-fiança, mas não prestou queixas e a liberou no mesmo dia.

Apesar dos ferimentos, das có-licas e do sofrimento emocional, ela não se sente culpada. “Fiz este aborto, porque não tinha condi-ções de manter uma quarta crian-ça, não me arrependo e não conto pra ninguém. Esta é uma coisa que guardo só comigo”.

Casos como esse são rotineiros. O Hospital Universitário da Uni-versidade Federal de Santa Cata-rina é o único do estado que faz o aborto dentro da lei. De acordo com funcionários da equipe de en-fermagem, as mulheres que procu-ram o ambulatório, em geral, estão em condições financeiras precárias ou não tem um parceiro fixo. Aborto online - A procura por remédios abortivos está cada vez mais fácil. Através de um fórum na internet, o vendedor oferece medicamentos para interromper a gestação com instruções diretas do efeito esperado, dosagem, modo de usar e possíveis riscos, sem qualquer aprovação médica. Os preços variam, do kit com quatro comprimidos a R$300 ao kit com 16 unidades a R$1300, com pos-sibilidade de pagamento através de cartão de crédito e entrega por motoboy.

Um dos sites encontrados mais facilmente é o Women on waves, que pertence a uma organização não governamental holandesa e que tem como objetivo prevenir a gravidez indesejada e abortos

clandestinos em todo o mundo. O portal oferece ajuda a mulheres que desejam interromper a gesta-ção, e para isso disponibiliza uma lista de clínicas nos países em que o procedimento é legal e outra lis-ta para onde o aborto não é legali-zado. Nesses casos, são indicadas organizações que prestam apoio a mulheres.

Ainda nesse site, há um di-r e c i o n a m e n t o para o Women on Web, onde há instruções pre-cisas sobre os remédios abor-tivos e como consegui-los. O custo do envio do remédio é de 70 euros, equivalente a R$155. Para ser redirecionado para a com-pra do medicamento, é necessário responder a um questionário com 25 perguntas e um dos requisitos é estar grávida de menos de nove semanas. Ao fim da avaliação, é feita a indicação da dosagem dos remédios a serem enviados – um comprimido de 200mg de Mife-pristona e seis comprimidos de 200mcg de Misoprostol – e como devem ser ingeridos.

A mesma ONG tem ainda uma espécie de clínica móvel num na-vio que cruza águas internacionais,

fornece contraceptivos, faz abor-tos seguros e informa as mulheres interessadas. Os serviços no barco são legalizados e gratuitos.Fora da lei - De acordo com o Código Penal brasileiro, o abor-to é considerado “crime contra a vida” e só não é passível de pu-nição em duas situações: quando

não há outro meio de sal-var a gestante e se a gravi-dez é resulta-do de estupro. A pena para a mulher que cometer abor-to ou permitir que terceiros o façam é de um a três anos

de prisão e para o praticante é de um a quatro anos de reclusão.

O artigo da legislação que trata do crime é de 1940, e é muito dis-cutido a sua adaptação para atuali-dade. O advogado Nelson Carva-lho Neto afirma que sempre que se tenta revisar a legislação, há bar-reiras. “Ela esbarra nos ideais da igreja católica, o que gera uma po-lêmica enorme e traz como conse-quência o engessamento do tema, mas está mais na hora de tratarmos o tema de modo diferente”.

Outra questão é a interrupção da gravidez nos casos em que o feto

é anencéfalo, uma má-formação congênita em que há ausência, to-tal ou parcial, do cérebro. Cerca de 65% desses bebês nascem mortos e os 35% restantes têm perspectiva de semanas de vida.

Em 2004, o ministro Marco Aurélio Mello concedeu uma li-minar permitindo o aborto nas gestações de fetos com anencefa-lia, porém a decisão foi revogada quatro meses depois pelo Supre-mo Tribunal de Justiça. O proces-so ainda está na fila de espera para ser votado. “Não podemos esque-cer que é a gestante que merece a atenção no caso, pois esta é quem sofre com a gestação. Assim, o estudioso que abordar a questão, deve buscar uma solução para que a mesma não seja criminalizada”, destaca Neto.Procedimento químico - O aborto medicinal é a intervenção da gravidez através da combina-ção de medicamentos até a nona semana de gestação. As duas subs-tâncias mais comuns são a Mife-pristona (RU-486) e o Misoprostol (Cytotec). O primeiro inibe a ati-vidade do hormônio progesterona, sensibiliza a camada média da pa-rede uterina e impede o desenvol-vimento fetal. O segundo age no útero provocando contrações do endométrio, o que causa a expul-são do feto.

Alguns sites indicam como

administrar os comprimidos para que não possam ser detectados caso haja complicações no proce-dimento. Em um deles, o adminis-trador recomenda o uso de pílulas por não serem identificadas caso a mulher necessite ir ao hospital. Procedimento cirúrgico - No início da gravidez, o aborto geral-mente é realizado através de dila-tação e curetagem – uma espécie de raspagem do colo uterino - ou utilizando ostentação de sucção, técnica na qual se insere um apa-relho que despedaça o feto e a pla-centa e os suga do útero. A partir do quarto mês, a curetagem não pode mais ser realizada, optando-se então pela indução do parto utilizando gel de prostaglandina, substância que auxilia no amadu-recimento do colo uterino e expul-sa o feto.

Um aborto realizado por pes-soa não-habilitada ou sem condi-ções de higiene adequadas expõe a paciente a infecção, hemorragia, infertilidade futura ou mesmo morte.

BEM - ESTAR Quatro 11Florianópolis, julho de 2010

Métodos caseiros, remédios e clínicas clandestinas são encontrados principalmente em sites da internet

País tem 1 milhão de abortos ao ano

Bianca EnomuraSendy da Luz

“Fiz aborto e não conto para ninguém. Esta é uma coisa que guardo só comigo”

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Índice baixo na região SulUma pesquisa referente ao aborto no Brasil revelou da-dos alarmantes sobre o assun-to. O levantamento, feito pelo Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero (Anis) e pela Universidade de Brasília (UnB), traça um novo perfil da mulher que interrompe a gravi-dez no país. Diferente do senso comum, a maioria das mulhe-res que abortam não são jovens solteiras, mas mulheres que têm um companheiro. Quase 60% delas também já possuem filhos. De cada 100 brasileiras, 15 já fizeram pelo menos um aborto. Quase metade dessas mulheres (48%) usam remédios para in-duzir o aborto e 55% tiveram de ser internadas em seguida. Segundo a pesquisa, o menor índice de aborto é na região Sul. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada nove mulheres recorre ao aborto. A gravidade da situa-ção também se reflete no SUS. Somente em 2004, 243.988

mulheres foram internadas para fazer curetagem pós-aborto.Ocorrem anualmente 1.054.243 abortos no País. O estudo tam-bém aponta para o fato de que a curetagem pós-aborto é o se-gundo procedimento obstétrico mais realizado nos serviços pú-blicos de saúde. Todos os anos, cerca de 230 mil mulheres bus-cam atendimento do SUS de-vido a complicações como he-morragias e perfuração do útero ou da parede vaginal. Acredita-se que cerca de 10 mil mulheres morram ao ano por complicações em decor-rência do aborto. O índice de mortalidade por esse motivo é dez vezes maior que o tolerado pela Organização Mundial da Saúde, e ultrapassa o número de vítimas do câncer de mama, por exemplo. Quanto às complicações legais, 70 mulheres foram condena-das por aborto - sem provas – e receberam penas alternativas como cuidar de crianças em creches.

Correr atrás de uma personagem que não queria ser identificada é quase a mesma coisa que correr atrás de uma criança teimosa.http://tinyurl.com/2fgzyze

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Interrupções de gravidez no Brasil

Page 12: Jornal Quatro julho 2010

BEM-ESTAR

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Ana Angélica de Faria da Silva, 47, é paciente men-tal desde 1983. Seu diag-nóstico é transtorno bipo-lar. “Já tomei tudo quanto

é tipo de remédio. Agora é que tem um que está me ajudando. Eles vão testando na gente até conseguir um que dê certo”, diz. Ana Angélica possui o Ensino Médio completo. “Já tenho irmãs formadas, mas eu não. Sou doente, tentei estudar várias vezes e não consegui”. Ela também nunca manteve um emprego e vive de aposenta-doria. Jailson Luiz Belli, por sua vez, foi diagnosticado como esquizofrênico em 1979. É técnico em eletrotécnica e cur-sou turismo em uma faculdade particular, mas não concluiu a graduação. Ele mora no Hospital de Custódia da Penitenciária Pública do Estado de Santa Catarina, por-que cometeu dois homicídios durante um surto psíquico. Também é aposentado por invalidez.

Como recebem tratamento há mais de 25 anos, esses pacientes têm acompanha-do um lento e complexo processo de mu-dança: a reforma do modelo assistencial em saúde mental, mais conhecido como “reforma psiquiátrica”. No Brasil, esse processo começou legalmente em 1989, quando o deputado Paulo Delgado (PT/MG) apresentou o projeto de lei nº 3657. O documento propunha basicamente a proteção aos direitos do paciente e a ex-tinção dos hospitais psiquiátricos com o fechamento de todos os leitos para esse tipo de internação. Radical, a proposta foi rejeitada por 23 votos, sendo apenas qua-tro a favor. Depois de doze anos de trami-tação no Congresso, o texto, modificado e mais brando, foi aprovado como a lei nº 10216/2001. Seus artigos visam garantir “os direitos e a proteção das pessoas aco-metidas de transtorno mental”, através da reinserção do paciente na sociedade e da restrição à internação em instituições com características asilares. A reforma está

quase completando dez anos, mas o que de fato mudou em Florianópolis?Leitos para internação - Na região me-tropolitana, o Instituto de Psiquiatria (IPq) é a única alternativa do Sistema Único de Saúde (SUS) para pacien-tes graves que necessitam de internação e para casos de emergência, como sur-tos psíquicos. Antes cha-mado de Colônia Santana, o hospital estadual loca-lizado no município de São José vem reduzindo seus leitos para interna-ção psiquiátrica desde a década de 70. O psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), Walter Ferreira, aponta esse corte como um avanço da reforma. A redução de leitos viria acompanhada, teoricamente, da construção de serviços

substitutivos, como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e alas psiquiátricas com leitos para internação dentro de hos-pitais gerais. Os CAPS são espécies de “postos de saúde” voltados aos pacien-

tes mentais. Segundo o Ministério da Saúde, o CAPS é um serviço co-munitário que realiza “acompanhamento clí-nico e reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exer-cício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares”.

Florianópolis já tem quatro dessas uni-dades, sendo uma infantil, duas especia-lizadas em dependência química e uma para adultos. Em compensação, nenhum leito para internação foi aberto em hos-pital convencional. “Quando se tira gente

do hospital psiquiátrico, tem que haver criação de leitos em hospitais gerais. Se você tem um problema psíquico sério, de emergência, o único lugar que você tem para ir é o IPq. Nesse ponto, a reforma ficou um pou-co monstruosa porque os governos não criaram os mecanismos necessários para contrabalancear o avanço do processo. Isso é lamentável”, diz o pre-sidente da Associação Brasileira de Saúde Mental. O hospital já chegou a ter 2 mil leitos. Atualmente, conta com 411, sendo 160 para pacientes agudos e 251 para os crônicos.

A psiquiatra responsável pela Coordenadoria de Saúde Mental da

Luisa Nucada Carolina Dantas

Sem novos leitos, reforma na assistência mental se arrastaEm vigor há dez anos, a lei que humaniza o tratamento de pacientes com transtornos psíquicos ainda gera polêmica. Em Florianópolis, a redução de vagas em hospitais psiquiátricos dificulta atendimento de casos emergenciais

Centro de Atenção Psicossocial Ponta do Coral no bairro Agronômica

Ana Angélica Faria e Jaílson Belli: mudanças melhoraram condições de vida, mas ainda há muito a fazer

Centrais

“Os hospitais psiquiátricos foram enchendo e se tornaram insalubres”

Page 13: Jornal Quatro julho 2010

Secretaria Municipal de Saúde, Sônia Saraiva, afirma que foram feitos grandes investimentos nos postos de saúde e nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs). Em sua gestão, iniciada em 2007, foi inaugurado o quarto CAPS na cidade. “Agora, estamos em um processo de incrementar outras partes que estão de-ficitárias, como a emergência, a atenção às crises. Infelizmente, ainda somos de-pendentes do IPq”, afirma. “Estamos ten-tando sensibilizar os hospitais, mas existe uma resistência muito grande para abrir leitos. Como seria a porta de entrada de uma emergência recebendo pacientes em agitação psicomotora?”. Outro fator que dificulta a medida é que os hospitais ge-rais são estaduais, estão em outra instân-cia de decisão.

Para o psicólogo Felipe Brognoli, do Movimento de Luta Antimanicomial, pouca verba não é impasse para a abertura de leitos em hospitais gerais: “O que falta é vontade política, porque há recursos fi-nanceiros do Ministério da Saúde para fi-

nanciar essas ferramentas direto do Fundo Nacional de Saúde”, aponta.Por que reformar? - “Os hospitais psiqui-átricos funcionam muito mais como uma forma de contenção da loucura do que de tratamento. Eles se tornaram depósitos de

pessoas muitas vezes condenadas a uma vida inteira dentro de ambientes como es-ses”, diz Brognoli. Esse é o pensamento do Movimento de Luta Antimanicomial, que faz pressão social para que as insti-tuições psiquiátricas sejam extintas. A paciente Ana Angélica da Silva reforça as ideias da organização: “Com a reforma, eu senti que os pacientes são mais respei-tados como seres humanos. Antigamente, recebíamos choque, ficávamos confinados, éramos tratados como animais”, relembra. O presidente da Associação Catarinense de Psiquiatria, Flávio Vicente, explica que a situação atual no IPq é outra: “A crítica é pertinente porque já houve abusos, mas também é parcial. Nós carregamos uma herança ruim, que hoje em dia não é a re-alidade”, afirma.

Jailson Belli já foi internado duas vezes no hospital, em 1982 e 1985. “Não é um ambiente tão hostil como falam. É claro que me senti recluso, dopado, porque lá a medicação é acentuada, mas eu sei que foi necessário para meu tratamento”, diz. Para o psiquiatra Geder Grohs, os hospitais psi-quiátricos tiveram seu valor ao longo da história, e sempre funcionaram de acordo com os conhecimentos da época. “Mas com o aumento da população, os hospitais psi-quiátricos foram enchendo e se tornando insalubres”. Essas instituições possibilita-ram, por exemplo, a distinção entre bipo-lares, esquizofrênicos e portadores de Mal de Alzheimer, separando os pacientes e seus tratamentos. Grohs concorda com a refor-ma, mas não da maneira como está sendo feita, fechando leitos sem abrir novas vagas em hospitais gerais: “O desmantelamento foi muito mais rápido do que a construção de alternativas”. Para ele, toda a discussão que envolve o processo de mudança é muito mais ideológica do que técnica: “A reforma tem um forte cunho político-partidário. Não é à toa que Pedro Delgado, o coordenador nacional de saúde mental há mais de dez anos, é irmão de Paulo Delgado, o deputado que apresentou o projeto de lei que deu ori-gem à reforma”.

Para a paciente Ana Angélica, ainda há muito o que mudar, depois de quase dez anos de reforma: “Nossas reivindicações são as seguintes: um CAPS em cada regional, casas

residenciais terapêuticas, que nossas famílias não nos rejeitem, que a sociedade nos trate com mais respeito e tenha mais cuidado com nossa doença”. Jailson Belli tem muitas re-clamações: “Apesar de eu ter estudado, não consigo emprego por causa da minha idade. Não posso ter namorada porque encontros conjugais não são permitidos no Hospital de Custódia. Ganho menos que um olheiro do tráfico. Com minha aposentadoria, não con-sigo nem dividir um quarto de pensão com ratos e baratas”, afirma. Ele também acha que a reforma do modelo assistencial cami-nha com passos lentos e às vezes empaca, mas está melhorando a vida dos pacientes. “As abóboras se arrumam com o andar da carroça”.

BEM-ESTAR

Philippe Pinel, médico francês do século XVIII, é considerado o pai da psiquiatria moderna. Interessou-se pela saúde mental por causa de um ami-go que sofria de transtorno bipolar. Atuando em hospícios, onde doentes mentais e criminosos ficavam acor-rentados juntos, sem distinção, Pinel sensibilizou-se pela situação insalubre dos “loucos” e percebeu a necessidade de tratá-los, ao invés de prendê-los. Em sua época, acreditava-se que os transtor-nos mentais seriam resultado de posses-são demoníaca e que ferir os pacientes pudesse curar. O médico concluiu que o sofrimento psíquico daquelas pessoas era causado por tensões psicológicas ou sociais excessivas, fatores genéticos ou acidentes físicos. Pinel foi pioneiro na classificação de várias psicoses e res-ponsável pela criação de um tratamen-to moral, mais humano e próximo dos pacientes, extinguindo métodos como sangrias, purgações (sujeitar o indiví-duo a sofrimento) e vesicatórios (apli-cação de medicamentos que provocam a formação de bolhas). Hoje, o termo “pinel” é um sinônimo para louco.

Já a antipsiquiatria tem história mais recente, e tem no filósofo Michel Foucault (1926-1984) uma de suas ra-ízes conceituais. Nas décadas de 60 e 70, Foucault estudou as relações de poder na sociedade dentro de grupos marginalizados, como os pacientes mentais, mendigos e prostitutas. Na visão do pensador, no ambiente hospi-talar, o conhecimento estabelece uma relação de dominação. O que conta é a razão, por isso os insanos ficam sub-missos aos sãos. Para Foucault, Pinel se apoderou da loucura, trazendo-a para o campo da medicina para que os médicos exercessem controle e regula-ção sobre as pessoas que não se enqua-drassem na nova ordem social da era industrial. Assim, o hospital psiquiátri-co não é um estabelecimento médico, mas uma estrutura semi-jurídica que decide, julga e executa. O diagnósti-co foucaultiano e as muitas mudan-ças ideológicas e comportamentais da década de 60 foram fundamentais para o surgimento de um movimento antimanicomial na Europa e no resto do mundo.

Florianópolis, julho de 2010

Psiquiatria ou Antipsiquiatria?

O doente mental pode ser muito lúcido e muito abstrato ao mesmo tempo. A dificul-dade foi entender cada ex-pressão certa, driblar cada disputa política e entender a rixa de interesses que envolve uma reforma desta magnitu-de, a Reforma Psiquiátrica. Nos impressionamos com as histórias de sofrimento, com a impotência e a rejeição aos portadores de transtornos mentais, agradecendo pela sanidade que ainda nos resta-va. Bastidores: http://tinyurl.com/2g7yz35

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Sem novos leitos, reforma na assistência mental se arrastaEm vigor há dez anos, a lei que humaniza o tratamento de pacientes com transtornos psíquicos ainda gera polêmica. Em Florianópolis, a redução de vagas em hospitais psiquiátricos dificulta atendimento de casos emergenciais

Centro de Atenção Psicossocial Ponta do Coral no bairro Agronômica

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Page 14: Jornal Quatro julho 2010

São oito horas da ma-nhã. O médico Alexan-dre Sawada Vegas, 33, encerra as atividades de 12 horas de plantão

no Hospital Universitário, iniciado no sábado, dia dos namorados. Há quatro anos, ele atua como médi-co plantonista. Para ele, isso não é problema: “Eu gosto de medici-na. O plantão é estrategicamente planejado para facilitar as trocas de turno. Durante a faculdade, re-cebemos treinamento para realizar profissionalmente esse tipo de ta-refa”, explica. Por ser uma cidade litorânea e capital do estado, Flo-rianópolis tem uma vida noturna agitada. Muitas pessoas decidem trabalhar em casas noturnas, tea-tros e cinemas procurando diver-são. Outras prestam serviços nas ruas por necessidade, em busca de melhores condições.Bastidores do entretenimento - O Teatro Álvaro de Carvalho não seria o mesmo sem o seu homem da luz. Eugênio Luiz de Andrade, 48, trabalha nos bastidores das apresentações artísticas que acon-tecem no TAC, como as da orques-tra Camerata. Iniciou sua carreira na bilheteria, mas sua intenção era trabalhar como iluminador nos es-petáculos da casa. Ele é eletricis-ta cênico e coordenador de palco no teatro há 27 anos. Trabalhar na iluminação do palco sempre foi sua grande paixão. Ele explica que outros profissionais, como o sonoplasta e maquinista também auxiliam na montagem dos espetá-culos. Mas o perfil do profissional está mudando. “As profissões de iluminador, maquinista e sono-plasta estão acabando. Apesar de a briga das entidades de classe, a modernidade exige um melhor preparo. A tendência é o profis-sional de teatro saber realizar as três funções”, afirma Andrade. O momento mais marcante da sua carreira no TAC foi a apresentação da atriz Bibi Ferreira, num espetá-culo sobre a cantora Edith Piaf, em 1983. O espetáculo trouxe como diretor e iluminador Flavio Rangel e Andrade auxiliou na iluminação da peça de Bibi Ferreira. Para ele, seu trabalho sempre é garantia de entretenimento. “Essa atividade pra mim sempre foi divertida. É sorte ter um trabalho interessante. A arte recompensa”, explica. O palco não é sua área, mas Sérgio Luiz Leal, 27, também se diverte na sua atividade. Ele é funcionário há oito meses da rede de cinemas

CineSystem, no Shopping Iguate-mi. Sua paixão por filmes come-çou na adolescência, quando ainda era empregado numa vídeolocado-ra. Na sua jornada de sete horas por dia ele traba-lha como treina-dor e auxilia no funcionamento do cinema sob orientações da administração. Nas suas horas de folga, Leal também respi-ra filmes. “Para trabalhar aqui a pessoa preci-sa gostar. Quando fico em casa, sempre estou vendo um filme e gosto de falar sobre cinema com os clientes. É ainda mais divertido quando há reconhecimento, você

se sente realizado”, explica. Seu grande sonho é trabalhar na sala de projeção.Melhores condições - Mariste-la Ventura Pacheco, 38, decidiu

fazer faxina à noite porque a atividade lhe oferece benefí-cios trabalhistas como férias, se-guro-desempre-go e 13º salário. Há dois anos e três meses, ela trabalha para uma empresa de limpeza ter-

ceirizada que realiza a faxina do Terminal Rodoviário Rita Maria, das 23 horas até às 7 da manhã. Seu trabalho só pode ser realiza-do à noite, horário em que o flu-

xo de pessoas diminui. Ela traba-lha com mais cinco funcionários. “O serviço é calmo e tranquilo. Hoje, tenho a possibilidade de receber benefícios trabalhistas porque minha carteira é assina-da”, afirma Maristela. O faxi-neiro José Luiz dos Santos, 51, não compartilha da opinião de sua colega. Para ele, o trabalho tornou-se rotineiro. Ele exerce sua profissão há oitos anos, lim-pando banheiros da casa noturna El Divino, no centro da cidade. Foi prestar seus serviços na casa por acaso, através da indicação feita por um vizinho. Santos ini-cia a limpeza dos banheiros às 22 horas, antes da balada começar, e só encerra o trabalho depois que a festa termina, perto das 5 horas da manhã. O trabalho tornou-se um peso, ele salienta: “Eu que-

ro sair da noite, tem pessoas que não respeitam meu serviço. Há muito tempo trabalho como faxi-neiro e é desgastante. Prejudica a realização de outras atividades durante o dia”, explica.

Profissionais trocam o dia pela noite e encaram as surpresas da madrugada na capital catarinense

BEM - ESTARQuatro14 Florianópolis, julho de 2010

4No El Divino, conversei com três pessoas diferentes da administração para poder entrevistar o funcionário que faz a faxina dos banheiros. Consegui a autorização após dois dias de negociação. A entrevista aconteceu na pista, enquanto alguns DJ́ s testavam o equipamento de som e o faxineiro terminava de colocar seu uniforme, um pouco antes da balada começar. Bastidores http://tinyurl.com/2b9bhnb

Apaixonado por iluminação de palco, Andrade trabalha no TAC há quase três anos. Momento marcante foi o encontro com Bibi Ferreira

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Leal começou em locadora, mas hoje se diverte falando sobre filmes com os clientes do cinema Para Santos, não há reconhecimento

Darilson Barbosa

“Para trabalhar aqui, é preciso gostar. Com reconhecimento, é mais divertido”

Você se diverte, mas eles trabalham

Page 15: Jornal Quatro julho 2010

Inserção social é desafio brasileiroPara assistentes sociais, desconhecimento dos próprios direitos leva cidadãos à vulnerabilidade

COMPORTAMENTO E SOCIEDADE Quatro 15Florianópolis, julho de 2010

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“Há pessoas que não conhecem seus direitos, que não cumprem seus deveres como cidadãs por fal-ta de conhecimento e, por isso, perdem a con-dição de cidadania plena e vivem à mercê das relações sociais”, explica o filósofo integrante

da Academia Catarinense de Letras, Pedro Bertolino. Mas não existe exclusão sem inclusão.

Para esclarecer esta parcela da sociedade sobre os direi-tos do cidadão, existe o Centro de Referência em Assistên-cia Social, o CRAS, parte do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O órgão público e federal foi criado há cinco anos e trabalha diretamente com pessoas e famílias que sofrem algum tipo de exclusão.

A equipe do QUATRO conversou com Eoni Conceição Gesser e Nádia Oliveira de Aquino, assistentes sociais que trabalham no CRAS do Sul da Ilha, para entender como funcionam as políticas de inclusão social do governo.

Quatro – Qual o principal objetivo de um programa como o CRAS?

Nadia Aquino – O CRAS é hoje considerado a porta de entrada das Políticas Sociais Públicas; não só de assistên-cia, mas de qualquer política pública.

Eoni Gesser – Procuramos atender as famílias em situ-ação de vulnerabilidade social para que elas possam con-seguir se profissionalizar, entrar no mercado de trabalho e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida não só pra os indivíduos, mas também, para as suas famílias.

4 – O CRAS é parte do SUAS e trabalha com inclusão social. Como é feito este trabalho, quais são os procedi-mentos?

EG – Inicialmente, a gente tem a parte dos cursos de qualificação profissional. Nós fazemos um processo de se-leção para chegar aos cursos, entramos em contato com as principais instituições de ensino – Senai, Senac, que são referências. No primeiro semestre, fazemos essa monta-gem dos locais, das comunidades, dos lugares possíveis de colocar esses cursos e no segundo semestre a gente apli-ca.

NA – Verificamos a mão de obra que o mercado está precisando para ter certeza que estamos criando oportu-nidades reais de emprego. Tem cursos, como os de ma-nicure, pedicure, panificação, que nunca saem do calen-dário, porque são muito procurados. Atuamos sempre em parceria. O CRAS através do recurso, da divulgação, da verificação da qualidade do curso. E o Instituto de Gera-ção de Oportunidade de Florianópolis (IGEOF) através de convênios, e da parte após a certificação, das verificações das possibilidades de emprego, etc..

4 – Como vocês fazem a seleção de pessoas para aten-dimento?

NA – A lei da assistência social, como está na Consti-tuição Federal, é a quem dela necessitar. Nós atendemos todas as pessoas que nos procuram. Seja para problemas psicológicos ou de vulnerabilidade social. Às vezes, as pessoas só precisam de uma orientação.

EG – Na verdade, a gente faz a divulgação dos cursos nas escolas, postos de saúde e creches de toda a região sul, que compete ao CRAS. Então, à medida que as pessoas tomam conhecimento, elas entram em contato e fazem um pré-cadastro, onde levantamos dados que nos auxiliam na hora da triagem. A segunda etapa é o processo seletivo. Um dos critérios mais importantes na hora da seleção é a questão da renda dessa família, mas claro que avaliamos cada situação. Se percebemos que com este curso a família pode conseguir sua emancipação social, isso também se torna um critério de peso.

4 – Qual o perfil do público atendido pelo CRAS?

NA – O nosso público-alvo é formado por famílias que estão em situação de vulnerabilidade social, idosos acima de 65 anos, pessoas com deficiências e participantes do programa Bolsa Família. Como este programa é para ser temporário, o nosso ideal é ajudar na profissionalização das pessoas que compõe o Bolsa Família para que eles consigam adquirir renda própria, já que essa é uma ques-tão de dignidade e cidadania, porque dá autonomia.

4 – Como vocês caracterizam essas pessoas? Pode-se dizer que são excluídos sociais?

NA – Existem vários tipos de exclusão, na verdade. Às vezes é uma questão de desconhecimento dos seus direitos. A falta de informação já é em si uma exclusão, pois deixa o cida-dão à margem das relações sociais, sem direitos trabalhistas, de saúde ou de assis-tência. É nesse ponto que focamos muito, informando, ajudando.

4 – Qual o público que tem maior difi-culdade de ser “incluído” na sociedade e por quê?

NA – É muito relativo, mas nós perce-bemos que quanto menos conhecimento a família ou a pessoa tem, maior vai ser o nosso empenho para ajudá-la. Nós sabemos que o trabalho com um analfabeto, por exemplo, requer mais conversa, mais calma, repetições e sempre perguntar se a pessoa está entendendo.

EG – Para mim, um dos agravantes é a acomodação, porque mesmo que exista dificuldade para lidar com os analfabetos, muitos vão em busca dos seus direitos após a orientação. Então vai muito do interesse da pessoa. Mas os acomodados se contentam com muito pouco, com um trabalho informal aqui, outro ali... é cultural. A gente ten-ta romper com isso, porque dificulta muito a garantia dos direitos deles.

4 – Vocês possuem estatísticas do resultado dos aten-dimentos?

EG – Nós não temos um trabalho estruturado quanto a isso, até porque temos uma demanda muito grande. A gente tem retorno, mas não de uma forma estatística. À medida que fazemos os atendimentos, percebemos a evo-

lução das pessoas.4 – O excesso de burocracia que uma instituição públi-

ca, como o CRAS, exige é uma das dificuldades que vocês encontram no trabalho?

EG – É um agravante.NA – É um excesso de burocracia sim, mas existem

assuntos que tem de ser legalizados. As partes de fiscaliza-ções, de recursos, por exemplo.

EG – O CRAS é muito novo, mas a gente está evoluin-do. Com as NOBs que vão surgindo, a tendência é aprimo-rar nosso trabalho e estruturação. Antes não se tinha um

modelo de CRAS. Hoje existem normas sobre o que um CRAS deve ter na sua estrutura física: salas de atendimento, de espera, de reunião, do administrativo.

4 – Quais as maiores dificuldades que vocês encontram como profissionais?

NA – O nosso grande desafio hoje é a política do NOB-RH (Norma Opera-cional Básica de Recursos Humanos), de expandir o número de profissionais, mostrar para a sociedade que não temos mais um caráter assistencialista, que se-ria de ajudar com favores. A gente rom-

peu isso, a legislação avançou para mudar essa história que a gente trouxe por muitos anos. Além de trabalharmos com casos de carência financeira, temos também casos de carência emocional, que são mais difíceis de trabalhar. É um trabalho de desafios e construções no dia a dia.

Camila GarciaLuanna Hedler

“A falta de informação deixa o cidadão à margem das relações sociais”

Nosso trabalho não deixava brechas para ligações à procura de fontes, tivemos proble-mas com nossa matéria anterior, prazos, tem-po para nos deslocar e entrevistar e como se não fosse o suficiente, era final de semestre. Descobrimos que entrevistar é muito mais do que fazer perguntas e receber respostas. A experiência serviu para que aprendêssemos à lição de que nem tudo é como queremos e que entrevistar vai muito além.http: // tinyurl.com/28ej9am

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O programa já não tem o caráter de ajudar através de favores. Hoje, o objetivo do CRAS é oferecer oportunidades

Page 16: Jornal Quatro julho 2010

Eles são inconfundíveis. Usam cabelos curtos e bem aparados, vestidos com camisa e calça so-

ciais, gravata e um sapato preto de sola grossa. No lado esquerdo do peito, pendurado no bolso, o crachá preto ostenta a palavra “El-der” antes do nome. O termo, de origem inglesa, é uma referência a alguém mais experiente, usada como tratamento respeitoso reser-vado a veteranos. No sentido reli-gioso, indica um sábio ancião que ensina aos outros. É utilizado entre eles como forma de diferenciá-los de outros grupos. Eles são missio-nários Mórmons.

A missão desses religiosos é disseminar a fé da Igreja de Je-sus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, nome oficial da religião. O nome Mórmon vem do terceiro testamento estudado pelos mem-bros da igreja, O Livro de Mór-mon: o outro testamento de Jesus Cristo. É um registro da comuni-cação de Deus com os antigos ha-bitantes das Américas, escrito pelo profeta Mórmon.

Os rapazes começam a missão ainda jovens, entre 19 e 26 anos. É uma oportunidade que os ho-mens podem realizar apenas uma vez na vida. As mulheres podem se candidatar a partir dos 21 anos e sem limite de idade. A missão tem duração de dois anos para os homens, e um ano e meio para as mulheres. En-quanto exer-cem esta fun-ção, eles são chamados de Elder e Sister, respectivamente.

Encontram-se poucas mulheres desempenhando o trabalho. Nada as impede de se candidatar, porém a igreja as orienta a se preparar para o casamento. Eventualmente, ela poderá acompanhar o marido em missão depois que os filhos es-tiverem crescidos. Como no caso da gaúcha Sister Leonídia da Silva, casada com José Carlos da Silva, que já esteve em missão na Ama-

zônia. Os dois se encontraram na igreja há quarenta anos e hoje for-mam um casal missionário.

Shaun Kirt Nyman, o Elder Nyman, é outro exemplo. Assim como outros jovens, ele se inscre-veu em um “programa” da igreja e foi chamado para a missão. Ele poderia ir para qualquer lugar no mundo, exceto a China e alguns países da África, lugares onde a igreja ainda não chega. Acabou sendo enviado para o Brasil.A chegada de um Elder - Nyman chegou ao Brasil com 19 anos, sem saber uma palavra em português. Vindo de uma cidade com 400 ha-bitantes, chamada Big Piney, loca-lizada no centro-oeste dos Estados Unidos, se impressionou com os prédios, carros e a quantidade de pessoas quando chegou a São Pau-lo, em janeiro de 2009, onde foi orientado para a missão.

Apesar de não receberem for-mação teológica, os missionários são preparados antes de sair a campo. No caso do Brasil, os es-trangeiros permanecem no treina-mento por nove semanas, apren-dem português e fazem visitas com colegas mais experientes que já estão na fase final de suas mis-sões. Os brasileiros permanecem no centro de treinamento por ape-nas três semanas.

Sempre em duplas, os Mór-mons atuam por regiões da cidade. O trabalho consiste em abordar as pessoas na rua, visitar em casa al-guém que tenha sido indicado, ou, em último caso, bater de porta em

porta. Então, fa-lar um pouco so-bre a igreja e pre-gar o evangelho. Ao final da visita se oferecem para fazer uma oração e uma bênção. Pode parecer simples, mas eles nem sempre são

bem recebidos. Nyman ouviu his-tórias de colegas que estavam fa-zendo visitas e foram espantados por pessoas armadas. Ele mesmo já passou por uma situação emba-raçosa. “Fui fazer uma visita em São José com meu parceiro, bate-mos na porta da casa e uma mulher nos expulsou aos gritos dizendo que fazíamos parte de Satanás”.

No período da missão, a famí-lia de Nyman paga à igreja 400 dólares por mês, aproximada-mente R$700. Em contrapartida, ele recebe moradia e transporte, além de ganhar uma mesada para gastos com a alimentação. Apesar de ter deixado a família em Big Piney, ele pode entrar em contato uma vez por semana através de e-

mail ou carta. O telefone só pode ser usado duas vezes ao ano, uma no dia das mães e outra no Natal. Essas são as regras. Se o missio-nário estiver sentindo muita falta da família, pode recorrer ao pre-sidente da missão e pedir ajuda. Em último caso ele pode desistir, ficando desobrigado com a missão e retornando para casa. A Sister da Silva afirma que são raros os ca-sos, alguns envolvendo problemas de saúde.Perto ou longe - Assim como um Elder pode ir para o exterior, ele também pode permanecer em seu país. É caso do parceiro de Ny-man, o gaúcho de Cruz Alta, Fe-lipe Barasoul Machado, o Elder Barasoul. Sua missão ficou no es-tado de Santa Catarina, passando pelas cidades de São José, Tuba-rão, Lages e agora em Florianó-polis. Barasoul conta que ficou um pouco desapontado quando soube que viria para um estado vizinho. “Eu gostaria de ter ido para outro país, Inglaterra ou Es-tados Unidos, mas aceito a minha missão. Afinal de contas, convivo com pessoas e culturas diferentes da minha”.

Nyman está no Brasil há um ano e sete meses, quase no fim de sua missão. A saudade da mãe, pai e ir-mãos é enorme e ele não vê a hora de voltar para casa, mas quando questionado se gostou dos dias no país, ele responde com um sorriso largo: “Foi a coisa mais louca e

mais interessante que já fiz em toda minha vida”. Quando voltar para casa, ele diz que vai contar sobre a comida, a cultura e, é claro, a gi-gante São Paulo. Pretende voltar à faculdade de fisioterapia, que teve de interromper após um ano de cur-so. E depois de aprender português, ele quer aprender espanhol.

Barasoul também sabe o que vai fazer quando terminar sua missão. Quer começar a faculdade de letras-inglês. Por enquanto, ele pode aprender um pouco do idioma com o colega americano. Quando forem dispensados, os dois entrarão para um grupo da igreja

chamado Quorum. Isso significa que irão atuar na preparação do ritual dominical celebrado por sacerdotes.

Uma das curiosidades da igreja é que os fieis são orientados a não consumir chá preto, café, cigarro, álcool e drogas como maconha e cocaína. Segundo Nyman, não existe nada proibido, são apenas conselhos e cabe aos membros decidir se irão ou não aceitar. Mas se utilizarem alguma dessas subs-tâncias, perderão pontos nos bônus computados pela igreja, além de serem orientados a se afastar de tais produtos.

COMPORTAMENTO E SOCIEDADE

Mórmons realizam missões de féOs jovens missionários são enviados para quase todos os países do mundo. Só não podem escolher o destino

Quatro16 Florianópolis, julho de 2010

Alécio Clemente Rafael Spricigo

Na véspera do deadline, a entrevista foi cancelada. O prazo ia até às 23h59. E, até então, não tínhamos nada. Bastidores em http://tinyurl.com/2vfdbwc

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Após quase dois anos, a missão do Elder Nyman está próxima do fim

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“Aceitar a missão e vir ao Brasil foi a coisa mais louca e a mais interessante que já fiz na vida”

Fonte: www.mormontemples.com

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Page 17: Jornal Quatro julho 2010

Pouco antes das sete da noite eles já começam a chegar e se reunir. Alguns sentados nos bancos por

ali, outros em pé, apoiados nas pa-redes. Todos com um mesmo dese-jo: um jantar decente, banho e uma cama limpa e quente para passar a noite. A cena se repete diariamente ao lado do albergue para pessoas carentes, localizado na Avenida Hercílio Luz, em Florianópolis.

São apenas 20 vagas para ho-mens e quatro para mulheres. Para ficar no abrigo é necessário ter documento com foto, não estar embriagado ou sob efeito de dro-gas e a preferência é para quem está em busca de trabalho.

No albergue, a disciplina, a lim-peza e a organização surpreendem. A rotina é mantida rigorosamente: entrada às 19h30, banho e jantar. Após a refeição, os próprios alber-gados fazem a limpeza do lugar para ganharem senso de respon-sabilidade, segundo os superviso-res, e a televisão é ligada somente durante o Jornal Nacional. Todos dormem com pijamas que ficam dobrados em cima das camas. O dormitório masculino tem dez be-liches e o feminino tem quatro ca-mas, que raramente são ocupadas. Às 6h20 é hora de acordar, trocar de roupa, fazer a higiene pessoal, tomar café da manhã e sair por vol-ta das 7 horas.

O local é mantido por membros da maçonaria e recebe apoio de po-liciais militares. A cada noite, um soldado é destacado para cuidar da entrada e checagem de documen-tos dos albergados e de manter a ordem. Segundo os oficiais, nunca foram registrados episódios de vio-lência dentro do lugar.Um dormitório, muitas histórias - Se naquele momento o desejo de todos os homens é o mesmo, as his-tórias são bem distintas e muitas ve-zes impressionantes. O economista Sérgio Lima, 52, já passou outras vezes pelo albergue. Paulista natural de Campinas, Lima já foi diretor da

Enciclopédia Britânica em Santa Ca-tarina. Quando abandonou a família em Florianópolis, há quase dez anos, chegou a viver na rua por dois anos. Para ele, quando se chega a esta si-tuação, o mais difícil é enfrentar o medo de pedir ajuda para os outros. Nos últimos anos, Lima vivia com a segunda esposa e dois filhos em Aracaju, mas descobriu que está com câncer na bexiga e fígado e decidiu voltar e procurar a ajuda dos filhos mais velhos e da ex-mulher, que é enfermeira. O albergue não aceita doentes e para dormir lá ele não pode declarar que tem tumores.

Oséias Vargas passou o mês de dezembro morando na rua. Veio do Rio Grande do Sul para trabalhar em uma fábrica em Palhoça, mas acabou se envolvendo com drogas e só saiu da rua quando se internou no CRETA – Centro de Reeduca-ção de Toxicômanos e Alcoólicos, em São José, mas fugiu da casa de reabilitação e foi visitar a mãe no interior do estado vizinho. Agora voltou para Santa Catarina com es-peranças de conseguir um emprego novamente, mas confessa não estar completamente livre do crack.

Há também pessoas sem di-nheiro, que acabam ficando em abrigos ou na rua, como Nehru Selektah, colombiano que saiu do seu país para conhecer o mundo, e Neri Gozzi, de Caxias do Sul, que diz estar viajando em busca de vi-vências. Além de casos como o de Ilson Furlan, que foi abandonado pela esposa e dorme no albergue há pelo menos 10 dias.Quando a rua é única opção - Nas ruas e praças da cidade, é muito co-mum encontrar pedintes e pessoas dormindo em bancos ou em cima de caixas de papelão. Tão comum que poucos ainda olham para esses

indivíduos como pessoas. Gui-lherme Gomes tem 42 anos e vive na rua há 17. Ele saiu de casa, no interior do estado, aos 13 anos de idade, por causa da pobreza. “Ti-nha que andar 13 quilômetros para ir pra escola e quando chegava em casa não ti-nha mais o que comer”, conta ele, que estudou até a 4ª série. Durante sete anos, viveu em Balneário Cam-boriú, de onde saiu depois de ser agredido por policiais. Já em Florianópolis, guardava carros na Avenida Beira Mar até ser atropelado. Hoje, ele costuma pedir esmolas próximo ao calçadão da Rua Deodoro, onde fica sentado com sua mochila de roupas. Ele diz que o mais difícil quando se mora na rua é tomar ba-nho, já que na rodoviária é preci-so pagar R$4, o que para ele é um

preço alto. Gomes não sabe mais nada sobre sua família, não tem documentos e nem amigos.

Violência entre os próprios mo-radores de rua também faz parte da rotina, segundo eles mesmos. Os motivos, geralmente, são disputas

por lugares para dormir ou pe-dir. Além disso, muitos deles dizem não ter perspectivas de sair das ruas por já terem se ha-bituado a viver desta maneira e por ser mui-

to difícil encontrar ajuda. A maioria vem de famílias desestruturadas, com histórias de violência doméstica e pobreza. Junto ao abandono fami-liar, as drogas, principalmente o cra-ck, é um dos fatores determinantes que levam estas pessoas a abandonar suas casas.

Um censo nacional da popula-ção de rua foi anunciado em 2004,

depois de um massacre de mora-dores de rua em São Paulo, mas pouco se avançou no assunto. Dos 76 municípios para onde foram enviados questionários, apenas 53 responderam, e 20 destes, inclusi-ve capitais como Rio de Janeiro e Manaus, dizem não ter um número exato de moradores. Os números recebidos pelo Ministério do De-senvolvimento Social e Combate à Fome apontam que o Brasil teria 26.615 pessoas em situação de rua, dos quais 80% seriam homens par-dos ou negros entre 25 e 60 anos.

Florianópolis é uma das poucas capitais que não conta com abri-gos da prefeitura. O único serviço voltado para moradores de rua é o projeto Abordagem de Rua, da Se-cretaria de Assistência Social, que pretende reinserir os sem-teto em suas famílias e comunidades, sejam eles crianças, adultos ou adolescen-tes. As abordagens podem ser soli-citadas gratuitamente pelo telefone 0800 6431407 ou pessoalmente na Avenida Mauro Ramos, 1277.

Quando cheguei na fila do abrigo e me apresentei, eles disputavam minha atenção para falar. Cada vez que olhava alguém nos olhos, a empolgação era perceptível, a felicidade de ser tratado mais como gente e menos como bicho. Quando tirei minha câmera da bolsa, fizeram pose e pediram para tirar uma foto, que vai para o Facebook e o Orkut deles” Bastidores: http://tinyurl.com/2f2bcax

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Ruas servem de refúgio para 26 mil

Por hábito ou falta de ajuda, muitos não esperam sair da rua

COMPORTAMENTO E SOCIEDADE Quatro 17Florianópolis, julho de 2010

Juliana Geller

Diariamente ignorados, eles têm histórias inesperadas e são mais integrados àsociedade do queaparentam

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A maioria dos moradores de rua são homens negros ou pardos com idade entre 25 a 60 anos

Pobreza, violência familiar e drogas são fatores que levam as pessoas a morar na rua, onde dormem em bancos ou em caixas de papelão

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Page 18: Jornal Quatro julho 2010

Lan houses democratizam internet

A maioria das lan houses do centro de Florianópolis segue um padrão: são grandes e fi-

cam dentro de prédios antigos da cidade. As placas que sinalizam que ali tem “internet, impressão e jogos online” ficam perdidas, empilhadas em meio aos sinais de consultórios dentários, sapa-teiros, gráficas e outros serviços. A correria da rua Felipe Schmidt, uma das mais movimentadas da cidade, deixa evidente que as lan houses estão ali muito por cau-sa dos apressados que sobem as escadas com o dinheiro na mão para imprimir um documento ou checar um dado importante no e-mail. Segundo Teresa Ribeiro, funcionária de um desses esta-belecimentos, a clientela vem mudando. “Quando comecei a trabalhar aqui, o público era formado por jovens que aparen-tavam ter no máximo 20 anos. Vinham em grupo e sabendo o jogo que queriam jogar. Agora, as pessoas vem mais para aces-sar as redes sociais e conversar pelo Messenger. Muitos vem para imprimir trabalhos e docu-mentos.”

Laura Massoti destoa das ou-tras quatro pessoas que utilizam os computadores de uma des-sas muitas lan houses da Felipe Schmidt. Com 69 anos, ela se auto-define como uma “vovó digital”, e diz que não cos-tuma frequentar lan houses por-que tem compu-tador em casa, mas foi ao local com pressa para imprimir formu-lários requeridos pela prefeitura. Com os cabelos bem brancos e estatura baixa, a senhora parece não combinar muito com o com-putador, mas assim que o funcio-nário da casa autoriza o uso da máquina ela rapidamente abre o navegador de internet, acessa o site e faz o download dos papéis. “Tinha que dar para fazer tudo pela internet”, reclama Laura, que acessa sua conta bancária e efetua o pagamento de faturas pela rede mundial de compu-tadores. O aprendizado veio de um curso de seis meses, já que os filhos e netos negaram-se a

ensinar “e ainda a censuraram”. “Tive de deletar meu Orkut por-que meu filho mais velho disse que era uma coisa para jovens”, completa.

A aposentada tem cinco netos e diz que nenhum teve tempo de lhe ensinar porque “estavam to-dos sempre ocupados, cada um no seu computador”. O comple-mento do que viu no curso veio através de amigas com quem conversa todos os dias por cor-

reio eletrônico e programas de mensagens instantâneas. “Falo com amigas que moram longe. Esse é o lado bom da inter-net. O ruim é ter o compro-misso de res-

ponder mensagens todos os dias, senão elas acumulam.” Sobre namorados, Laura conta que não conversa com homens pelo computador porque tem medo de ser vítima de algum golpe. “Nas poucas vezes que entrei em uma lan house, os funcionários me alertaram sobre golpes. Eu sou idosa, não desinformada”, diz sorridente. Jovens dominam - Segundo Wilson Lara, funcionário da casa onde Laura imprimiu o docu-mento, não é tão raro ver idosos ali, porém o público jovem ainda é o que ocupa a maioria dos com-putadores. Lara diz que “muitos

procuram as lan houses porque não tem computador em casa, e o preço do uso por hora caiu bas-tante desde que a casa abriu as portas”. O valor médio da hora varia entre dois e três reais. “No começo, era cobrado em torno de oito reais por hora”.

O atendente da lan house Real Time, Emerson da Silva, 20, acre-dita que o computador e a inter-net já se tornaram ferramentas essenciais para a vida das pesso-as. “Nós recebemos muita gente que está sem computador em casa ou que está trabalhando. A maio-ria vem para usar MSN, Orkut e fazer impressões de trabalhos”. Segundo ele, a média de idade dos frequentadores do lugar é en-tre 20 e 25 anos.

Ogris Ben Hur Alvez, 20, é um exemplo dos clientes que utilizam o estabelecimento do bairro josefense. Ele se diz vi-ciado em lan house. “Eu venho quase todo dia aqui, principal-mente para jogar games na in-ternet. Estou sem computador em casa e estou até procurando emprego em alguma lan house pra poder ficar brincando o dia inteiro. Acho que vou conse-guir aqui na Real Time”, brinca Alvez. Assim como ele, muitas outras pessoas se dizem vicia-das em lan houses. No Orkut, há dezenas de comunidades sobre esse assunto e na própria defi-nição de umas dessas comunida-des eles afirmam que “É ótimo ter um PC em casa, só que é bem mais emocionante estar com a

galera e zuar em grupo!!!”.Para a assistente administra-

tiva, Cléia Pereira dos Santos, 26, a internet serve para ver os parentes e o namorado que estão no Paraná. “Eu venho aqui pra conversar com meus pais e ma-tar a saudade do meu namorado que ficou em Cascavel. Estou fazendo um curso de dois meses em Florianópolis. O computador ajuda a diminuir as distâncias”.

Segundo dados divulgados pela Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), das 107 mil lan houses existentes no país, apenas 10% estão em confor-midade com as leis, porque não há legislação específica. De acordo com o Comitê Gestor de Internet no país, autoridade na área, quase metade das pessoas que acessam a rede mundial de computadores faz uso das lan houses. Os dados apontam que 45% dos internautas - cerca de 28 milhões de pessoas - usam os estabelecimentos para entrar em contato com o mun-do virtual e outros 4% utilizam a internet em centros públicos de acesso gratuito.

Cerca de 28 milhões de pessoas, 45% dos internautas brasileiros, utilizam lan houses para se conectar à rede

Falar com parentes, encontrar amigos, estudar e trabalhar são alguns dos usos mais comuns

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TECNOLOGIAQuatro18 Florianópolis, julho de 2010

Diego SouzaFelipe Costa

4Enquanto algumas pessoas não aguentam mais a tecnologia, outras só pensam em um forma de ficar mais tempo conectadas no mundo virtual. Bastidores emhttp://tinyurl.com/2f6hguu

Desde o início do ano, os donos de lan houses e ciber café em Santa Catarina são obrigados a cadastrar todos clientes e pôr câmeras de vigilância nos seus estabelecimentos. Quem descumprir tal de-terminação poderá pagar multa e ter o local fechado. A Polícia Civil ficou res-ponsável por fiscalizar as lan houses para cumprir a lei estadual criada pelo de-putado Manoel Mota.

O projeto foi criado após denúncias de pedo-filia no Estado e, para o deputado Mota, a internet teria papel importante nes-ses crimes. A principal exi-gência é a obrigatoriedade da instalação de sistema de monitoramento de câmeras de vigilância nos acessos aos computadores. As lan houses devem manter o cadastro dos usuários com número de identidade, en-dereço, telefone, número do equipamento usado e horários de utilização por dois anos.

Em Florianópolis, a fis-calização ficou sob respon-sabilidade da Delegacia de Jogos e Diversões. Na época, a Polícia Civil fa-lava sobre a esperança de aumentar o controle sobre as pessoas que frequentam esses espaços e divulgou que na capital catarinense haviam 108 lan houses ca-dastradas.

Na internet, muitos usuá-rios se manifestaram contra essa decisão que, segundo eles, atacava a liberdade das pessoas. Os debates sobre a internet e a forma como as pessoas lidam com ela ain-da são muitos. O Ministério da Justiça está criando o “Marco Civil”, projeto de lei que pretende estabelecer regras para a web brasileira, prevendo direitos e deveres de cidadãos, provedores de acesso e governo em rela-ção às atividades realizadas na rede. A população vai ter participação ativa nesse processo podendo opinar e discutir. Para saber mais, acompanhe o blog http://culturadigital.br/marcocivil/ ou o Twitter @marcocivil.

Cibervigilância

“Muitos procuram as lan houses porque não têm computador, e o preço diminuiu”

Page 19: Jornal Quatro julho 2010

TECNOLOGIA Quatro 19Florianópolis, julho de 2010

O projeto Visita Virtual pretende reforçar a ligação entre deten-tos de penitenciá-rias federais e suas

famílias. Iniciado em maio, é uma parceria do Departamento Nacional de Penitenciárias (DEPEN) e da Defensoria Pública da União (DPU), ligados ao Ministério da Justiça. Por meio de videoconferências, é possí-vel conversar de uma DPU com qual-quer uma das quatro penitenciárias federais, localizadas em Catanduvas (PR), Campo Grande (MS), Mossoró (RN), e Porto Velho (RO).

No mesmo projeto, estão inclu-ídas audiências judiciais via web-conferência, mas que ainda não têm data programada para início. Ao todo, foram investidos R$1 milhão em equipamentos para todo o país. Segundo a coordena-dora de Tratamento Penitenciário do DEPEN, Rosângela Peixoto, o projeto trará uma economia anual de R$ 2 milhões aos cofres públi-cos em locomo-ção de presos para audiências.

A ideia das visitas virtuais surgiu em 2007. Em um estabele-cimento federal, há internos vin-dos de diversas unidades pri-sionais do país. Segundo a coor-denadoria chefiada por Rosângela, de um total de 476 detentos, 50% não recebe visita social devido às questões econômicas da família. Foi a partir desse dado que os orga-nizadores do projeto definiram duas vertentes: proporcionar a manuten-ção de laços afetivos e auxiliar no processo de humanização da pena. “A gente tem um Estado democrá-tico de direito, onde a visita é um ponto fundamental no processo de melhoria até o cumprimento dessa pena”, afirma.

O projeto está em fase de adap-tação. Rosângela salienta que o ca-dastro e a divulgação entre os fami-liares e presos devem ser ampliados. Além disso, os servidores de peni-tenciárias passarão por treinamento para entender a nova rotina. Uma das dificuldades encontradas é a lo-comoção das famílias do interior até a DPU, localizada na capital. Mas as necessidades específicas serão levantadas e estudadas para que a visita seja possível. “É um projeto

pioneiro e acreditamos que ele terá que ser ajustado da melhor forma para ser efetivo”, diz Rosângela.

Uma das beneficiadas pelo projeto é a doméstica Maria Elza Barbosa Pereira. Única mulher entre quatro filhos, Maria Elza perdeu os pais aos 20 e logo viu a família segregada. Depois de 20 anos sem falar com Adão, um de seus irmãos, o reencontro acon-teceu no último dia 28 de maio: estrearam o sistema de visitas vir-tuais em penitenciárias. Uma das assistentes sociais da Penitenciária Federal de Campo Grande, para onde Adão foi transferido, colheu informações com o detento e en-trou em contato com Maria Elza. “Descobri onde ele estava com o telefonema da assistente. Também não sabia da existência do proje-to, foi uma emoção muito grande poder conversar com meu irmão”, diz em tom de gratidão. A conver-sa teve a duração-padrão de 30 mi-nutos e Maria Elza ainda não sabe quando serão as próximas visitas, mas pretende voltar à DPU de Goiânia para que outros familiares também possam falar com Adão. “Estou muito feliz de ter tido essa oportunidade. Isso que eles fize-

ram é muito bom porque vai bene-ficiar não só a mi-nha família, mas muitas outras”, pondera. A prin-cípio, Maria Elza deverá esperar 15 dias para poder conversar nova-mente com Adão. Condenado por homicídio dolo-

so, eles ainda não sabem quando irão se encontrar pessoalmente.Dificuldades - O fato de Maria Elza morar na capital goiana ajuda na realização da videoconferência. Segundo o diretor da Penitenciária Federal de Campo Grande, Washington Plark, 90% dos inter-nos do MS são de outros estados e nem todas as famílias moram nas capitais, onde estão as DPUs com o equipamento e a segurança necessá-rios para o encontro. Esse desloca-mento, que atualmente é pago pelos famíliares, é um dos fatores que difi-culta a comunicação entre o detento e a família. “Algumas das pessoas que demonstraram interesse não conseguiram fazer a visita por esse motivo”, lamenta Plark. O diretor, que acompanhou a estreia do pro-jeto através de três conexões entre Campo Grande e Goiânia (inclusive a de Adão), considera o resultado satisfatório. Os três primeiros meses de videoconferência são experimen-tais e as regras ainda não têm defini-

ção permanente. Como a penitenciá-ria é de segurança máxima e já conta com boa estrutura, a única medida a ser tomada, além da presença de um agente no lado de fora da sala onde são feitas as transmissões, é o uso de algemas no tornozelo.

Os internos devem manifestar a um superior o desejo de participar do projeto e informar nome de três pessoas, entre familiares e amigos, para que uma assistente social pos-sa entrar em contato. A prioridade é dada àqueles que não recebem visitas sociais na penitenciária. Os encontros acontecem todas as sex-tas-feiras das 9h às 17h. A princípio, as conversas não ficarão gravadas. “Não há nenhum assunto censurado, é um critério do interno. Pede-se que não se mande recado de cunho cri-minoso, o que arriscaria a existência do projeto”, afirma Plark. Apesar de ser um direito do detento, o diretor alerta que “é impossível nos casos de visita, virtuais ou não, ter 100% de privacidade”. Logo, se alguma situação inadequada for detectada, a transmissão é interrompida. Sobre o número de familiares autorizados a participar da conferência, Plark acredita que a regra de três pessoas funciona como um controle, para não “superlotar” a DPU. “Creio que se um número maior de familiares, como cinco ou sete pessoas, compa-recer à defensoria não haverá pro-blema. Lá, as medidas de segurança não precisam ser tão rígidas”.

Detentos ganham liberdade virtual

4Conversar com a doméstica era importante não só por ela ter “inaugurado” as visitas virtuais, mas pelo motivo de que ela não tinha notícias do irmão havia 20 anos. Bastidores em http://tinyurl.com/2eoyntn

Gabriella Bridi Murilo Bomfim

Ministério da Justiça oferece visitas pela web para estreitar laços familiares e humanizar a pena

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“É um projeto pioneiro. Cremos que ele terá que ser ajustado para ser efetivo”

Rede será segura e velozAs visitas virtuais por en-

quanto acontecem através de uma rede de comunicação interna comum, a intranet. Futuramente, o meio será subs-tituído por um sistema cria-do pelo Conselho de Justiça Federal (CJF): a Infovia. A nova rede de telefonia e trans-ferência de dados será inde-pendente de internet e terá uso exclusivo dos órgãos da justiça federal: cinco tribunais regio-nais federais (Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Recife e Porto Alegre), as 27 seções judiciárias do país e as quatro penitenciárias federais.

Além de conferir a seguran-ça e a velocidade necessárias às conferências, o recurso tecnoló-gico pretende aliviar a demanda dos serviços judiciários, padro-nizar e integrar o trabalho dos setores ligados ao Ministério da Justiça localizados em áreas remotas do país. O projeto pre-vê distribuição equilibrada de

verba para tecnologia entre as instituições envolvidas.

De acordo com a assessoria do CJF, a Infovia passa atu-almente por análise feita por uma comissão composta por integrantes do Conselho e re-presentantes dos tribunais. Será definido o tipo de infraestrutura que deve ser utilizada de acor-do com as necessidades de cada seção judiciária. As conclusões serão encaminhadas ao Comitê do Sistema de Tecnologia da Informação da Justiça Federal. Depois disso, o processo de licitação será aberto: “não sa-bemos ainda quais empresas pretendem competir, mas não serão quaisquer empresas. O projeto é grande e exige uma organização que esteja estável no mercado”, explica uma das assessoras do Conselho, que completa: “depois da licitação feita, a responsabilidade será integralmente da empresa ven-cedora”.

Page 20: Jornal Quatro julho 2010

Todos aqueles que fa-zem parte de algum grupo, que cultuam ídolos ou aqueles que poderiam se sentir os

únicos no mundo por algum moti-vo não estão sozinhos. A internet, e principalmente as redes sociais como Orkut, Facebook e Twitter, têm ampliado o espaço social e per-mitido que cada vez mais pessoas se identifiquem e se reconheçam em grupos, as tribos virtuais.

A estudante Taiane Martins, 16 anos, é fã da banda de rock Fresno. Assim como muitas outras meninas que têm algum ídolo, ela encontra na internet inúmeras possibilidades de buscar informações, conversar com outros fãs e até interagir de alguma forma com a banda. Taiane tem várias amigas que conhece ape-nas pela internet e com as quais o único assunto é a Fresno. Ela conta que dedica boa parte do seu tempo em frente ao computador. “Ficar na internet procurando informações e conversando sobre as novidades da Banda é o que eu mais faço”.

Samara Oker, fã da mesma ban-da, é a criadora de uma das comu-nidades da Fresno no Orkut. Para ela, o espaço serve para conhecer pessoas novas e partilhar o sonho de conhecer os músicos, além de reunir os fãs e trocar informações. Samara garante que sem as redes sociais seria muito mais complica-da a comunicação entre fãs e a tro-ca de informações. “A internet nos aproxima dos nossos ídolos. Não conseguimos imaginar o fã clube sem ela.”Conforto e preconceito - A opor-tunidade de conviver em um am-biente onde é possível encontrar pessoas com pensamentos comuns atrai muita gente para as redes so-ciais. Mas a troca de ideias de for-ma livre na web pode servir para a divulgação de pensamentos precon-ceituosos. É o que explica a psicó-loga Laila Graf, no trabalho sobre a relação dos Emos com a internet e as questões de gênero envolvidas no assunto. No trabalho intitulado “Emo-ção gays? Análise das re-presentações Emos na internet” a pesquisadora aborda a questão do preconceito em relação à caracterís-tica principal da tribo, o sentimenta-lismo. Laila questiona o fato de que os Emos são apontados como um grupo exclusivamente homoafeti-vo. Segundo ela, isso ocorre, pois, culturalmente, o sentimentalismo é considerado um atributo apenas feminino.

Um exemplo de como o pre-conceito é disseminado através das redes são as comunidades no Orkut que trazem no nome o tom pejora-tivo, como “Se ema é bixo, emo é bixa”, “Todo emo é viado”. Laila explica que esse tipo de atitude ocorre porque nas relações sociais existe a necessidade não só da identifica-ção e segurança, mas também da rivalidade e pre-conceito. Para a especialista em redes sociais, Raquel Recuero, os comportamentos nos sites refletem práticas que já existem offline. “A internet pode ajudar a potencializar

essas práticas, tanto negativas quan-to positivas, pois auxilia os grupos a se juntarem em torno dos interes-ses.”

A organização de grupos em torno de causas sociais também ga-

nhou muito com a internet. Um bom exemplo disso é a mobilização con-tra o aumento da tarifa dos ônibus em Florianópolis. O coordenador do Movimento Frente de Luta pelo Transporte Público, Diógenes

Breda, conta que as redes sociais, principalmente o Twitter, têm aju-dado a engajar grupos, pois antes havia uma grande dificuldade de

reunir os militantes, e hoje boa parte das decisões são tomadas pela in-ternet. “No começo eu não gostava da ideia de usar o Twitter, mas tem funcionado bem. As pessoas ficam sabendo das nossas ações de uma forma bastante rápida.”Vitrine - As redes sociais também se mostram como uma boa oportu-nidade para os negócios. A empresa Zero Track, de Florianópolis, pres-ta consultoria de concepção e pla-nejamento para web. Tiago Jaime Machado, diretor de criação da empresa, explica que hoje, para ter sucesso na comunicação, é necessá-rio estar nos meios onde as coisas acontecem. “As redes sociais são um meio vibrante, mas estar nelas requer conhecer os diferentes públi-cos e saber a forma correta de abor-dar cada um deles”, ressalta.

Segundo uma pesquisa divul-gada pela Nielsen, empresa espe-cializada em pesquisas de mercado na internet, um em cada 11 minu-tos online no mundo é dedicado às redes sociais e blogs e o Brasil é campeão de acessos. De todos os internautas brasileiros, 80% são membros de algum tipo de rede so-cial ou blog, na frente da Espanha, com 75%, Itália, com 63% e Japão, com 70%.

René de Paula Junior, que já atuou em empresas como Yahoo, Sony e Microsoft, sempre ligado a núcleos que gerenciam o contato de grandes companhias com o público na internet, acredita que a inclusão digital está ajudando a reforçar os abismos sociais. “Os tolos perdem tempo online com tolices, o capaz aproveita para se tornar mais capaz ainda”, defende.

A possibilidade de interagir facilmente na internet não atrai somente usuários com boas inten-ções. Ao mesmo tempo em que os nicknames, ou apelidos, podem servir como um importante aliado para os tímidos, também ajudam a mascarar crimes online. Redes de pedofilia, prostituição, incentivo a brigas de torcidas e até roubos tem se dado via internet. Isso acontece pois muitas vezes há ingenuidade de algumas pessoas em expor os da-dos pessoais na internet como fotos, números de telefone e endereço.

A Cartilha de Segurança para Internet, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, alerta para esse tipo de prática: “Estas informações podem não só ser utilizadas por alguém mal-intencionado, como também para atentar contra a se-gurança de um computador, ou até mesmo contra a segurança física do próprio usuário.” Não é por acaso que, segundo o Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil (CERT.br), o número de crimes pela internet aumentou 61% no ano passado.

Mesmo com os números cres-centes, Raquel Recuero acredita que a popularização das redes so-ciais não oferece de fato algum pe-rigo à sociedade “Os riscos são os mesmos da popularização de qual-quer ferramenta. Depende do uso. Pode potencializar tanto práticas positivas quanto negativas.”

TECNOLOGIA

Tribos se conectam no ciberespaçoQuatro20 Florianópolis, julho de 2010

Bárbara Dias Lino

Um em cada 11 minutos online no mundo é dedicado a blogs e redes sociais

Pela internet, Samara (à direita) conhece outros fãs e compartilha informações sobre a banda favorita

Encontrei então o espírito da minha reportagem: existem pessoas que sem a internet jamais se en-contrariam, jamais se reuniriam. A internet é um novo, e imenso, espaço social. Bastidores: http://tinyurl.com/26vdunb

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Cada vez mais, pessoas descobrem as redes sociais como lugar de encontro e troca de ideias comuns

Orkut - é uma rede social filiada ao Google que tem como objeti-vo criar redes de relacionamen-tos virtuais e comunidades de in-teresse. Ele foi criado em 24 de janeiro de 2004 e esse nome se deve ao projetista chefe, Orkut Büyükkokten, engenheiro turco do Google. O Brasil é o país que mais acessa o Orkut, na frente de Índia e Estados Unidos. Facebook - foi lançado no dia 4 de fevereiro de 2004, inicial-mente para os estudantes da Universidade de Harvard. Mas foi crescendo e atingindo ou-tras universidades pelo mundo até que no dia 11 de setembro de 2006 tornou-se possível para qualquer usuário com mais de 13 anos de idade ingressar na rede.

Twitter - é uma rede social que permite que os usuários se co-muniquem através de frases cur-tas (até 140 caracteres), que res-pondem à pergunta: “o que está acontecendo?” As atualizações são exibidas no perfil de um usuário em tempo real e tam-bém enviadas a outros usuários seguidores que tenham assinado para recebê-las. Flickr - é um site que hospeda e permite o compartilhamento de fotografias, ou eventualmente documentos gráficos como de-senhos e ilustrações. O Flickr permite a seus usuários criarem álbuns para armazenamento de suas fotografias e entrarem em contato com fotógrafos variados e de diferentes locais do mundo

Amiguinhos - foi lançado no dia 25 de Abril de 2002 na Uni-versidade de Engenharia do Por-to, por três estudantes do curso de Informática. O Amiguinhos.com destaca-se de projetos se-melhantes pelo fato de conti-nuar a ser desenvolvido pelas mesmas pessoas que o criaram. Possui 30.000 membros.Broto Bacana - pertence à em-presa DI Publicidade e é um portal de relacionamento volta-do para o público com mais de 40 anos.Iscambo - Rede social criada para que os usuários possam ex-pressar suas opiniões sobre pro-dutos e serviços em geral.Porkut - Rede social criada para torcedores do Palmeiras.

Para que serve cada uma das redes?

Caro

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Page 21: Jornal Quatro julho 2010

CULTURA

Logo na entrada do termi-nal de ônibus de Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis, pode-se ver o quiosque bran-

co com dizeres bastante incomuns: “Livros 24h”. Trata-se do projeto Epopéia Literária, desenvolvido pelas bibliotecárias Ana Cláudia Oliveira e Inez Helena Garcia. A ini-ciativa, que começou em outubro de 2007, tem como objetivo incentivar o espírito de leitura nas pessoas que passam pelo terminal. O livro que estiver disponível pode ser retira-do gratuitamente e não há prazo estipulado para devolução. Sem fins lucrativos, o projeto é manti-do pela bibliote-ca da Faculdade Cesusc, que re-cebe doações de alunos, professores e parceiros. Em três anos, quase três mil livros já fo-ram emprestados.

Iniciativas como esta tentam aproximar a leitura da população de Florianópolis, facilitando o acesso aos livros. Em um país em que o índice de leitura é de 4,7 livros ao ano por habitante – segundo a pes-quisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2008, do Instituto Pró-Livro –, po-líticas de incentivo são bem-vindas. Com elas, é possível diminuir o abismo entre a população e os caros títulos que figuram nas prateleiras das livrarias. Dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) mostram que o preço médio do li-vro é de R$25,00, tornando difícil o acesso das classes menos favoreci-das, já que o valor equivale a 4,9% do salário mínimo brasileiro.

No caso de Florianópolis, as duas bibliotecas públicas ficam no centro da cidade, e as de colégios públicos só atendem aos próprios estudantes – fato que distancia os livros das comunidades mais dis-tantes. Além disso, muitas vezes, os livros também estão em estado precário. “Gosto de ler, mas nunca pego livros porque a biblioteca da escola está sempre fechada”, quei-xa-se Emerson Virgílio Silva, de oito anos, aluno da Escola Básica Presidente Juscelino Kubitschek. Por isso, muitas instituições, comu-nidades e o governo vêm tentando resolver esse problema apostando em transformar certos hábitos para aproximar a leitura da população.

Iniciativas que deram certo - Instalada na Grande Florianópolis, desde 2008, a BiblioSESC, proje-to idealizado pelo Departamento Nacional do SESC, é uma biblioteca móvel montada sobre um caminhão, com mais de três mil títulos dispo-níveis para consulta e empréstimos. Atende nove bairros: Canasvieiras, Forquilhinhas, Rio Vermelho, Capoeiras, Kobrasol, Saco Grande, Ribeirão da Ilha, Areias e Abraão. A cada 15 dias, a unidade retorna ao bairro para a devolução dos livros, procurando criar um vínculo cada vez maior com as comunidades. A BiblioSESC já possui 3,5 mil pesso-as cadastradas, e em média são feitas cem locações por dia. Segundo a bi-

bliotecária e coor-denadora do pro-jeto Valdeci Maria Clemente, “incutir o gosto pela leitu-ra nas pessoas não é fácil, mas fa-zemos nosso tra-balho e estamos satisfeitos com os atendimentos rea-lizados”.

A biblioteca Barca dos Livros, idealizada pela professora Tânia Piacentini, com sede na Lagoa da Conceição desde 2007, também é referência em projeto de incentivo à leitura e difusão cultural. Conta com acervo de cinco mil livros e 800 visi-tas por dia. O que mais atrai pessoas é o passeio do barco com narração de histórias, porque, segundo a vo-luntária Deise Pahim, “é quando as crianças mais se divertem e por isso trazem a família e os amigos”.

Uma mudança de hábitos que pode ser percebida nesses proje-tos é a influência que os filhos têm revelado sobre os pais. Mudança porque, de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, as maiores influenciadoras na leitu-ra para as crianças são suas mães. Valdina Bernardes Kuhn, mãe de Ana Clara, confirma esta hipótese quando vai a BiblioSESC. “Vim pegar um livro porque minha filha me trouxe. Eu, particularmente, não gosto de ler”. Na Barca dos Livros, “tem muita criança que vem aqui com a escola e depois quer apre-sentar a barca aos pais e assim acaba trazendo mais um leitor pra biblioteca”, explica a bibliotecária do local, Ketlen Stueber.

Ainda há outros projetos como o Passe-Adiante, criado pelas Livrarias Catarinense em 2005. Baseia-se em uma corrente de lei-tura, onde livros marcados com o adesivo do projeto são espalhados pelo centro da cidade, para que sejam encontrados por terceiros. Depois da leitura, o livro deve ser

deixado em algum outro lugar pú-blico, para que mais um leitor o encontre. Este projeto já espalhou mais de oito mil livros em Santa Catarina, Paraná e São Paulo.

O governo também tem realiza-do políticas públicas para estimular o crescimento de leitores no país. No dia 25 de maio, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei 1.244/2010, que obriga todas as insti-tuições de ensino públicas e privadas do país a terem bibliotecas. O acervo mínimo exigido será de um título por aluno. As escolas terão até dez anos para instalar os espaços destinados aos livros, vídeos, documentos para consulta, pesquisa e leitura.

Mesmo com tantos incentivos, ainda falta mudar o mais difícil: o

baixo interesse pela leitura. Segundo a coordenadora da Biblioteca Pública de Santa Catarina, Rosalba de Paula, “estes projetos têm alcan-ces significantes, mas não podemos deixar de lado a educação, que faz com que o povo realmente reconhe-ça a importância de ler”. O projeto Epopéia Literária vem passando por dificuldades desde o ano passado, com a redução de doações e a falta de livros para distribuir no quiosque, sem contar com as devoluções que dificilmente ocorrem. “Sabíamos que isto podia acontecer. Mas se uma pessoa se beneficiar com o livro, já estaremos fazendo nosso papel so-cial.” afirma a bibliotecária da uni-versidade, Juliana Frainer. Também nota-se resistência de alguns pais em

deixar o filho levar o livro pra casa, “Eles têm medo que as crianças per-cam os livros. Mas é um risco que temos que correr”, explica Valdeci Maria Clemente.

Achei , vasculhando sem rumo pela internet, uma lei que obrigava todas as universidades públicas e privadas do Brasil a terem uma biblioteca e pensei: como assim não se tem bibliotecas em todas as escolas? Bastidores: http://tinyurl.com/2b7ah32

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Projetos incentivam leitura na capitalBibliotecas alternativas procuram aumentar o interesse e facilitar o acesso da população à literatura

Quatro 21Florianópolis, julho de 2010

Públicos de todas as idades da Grande Florianópolis têm à disposição obras e autores diversificados

Pesquisa de 2008 revela que são lidos 4,7 livros por habitante ao ano no Brasil

Joana Ioppi

A Barca dos Livros disponibiliza acervo de cinco mil publicações e conta com cerca de 800 visitas por dia

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Page 22: Jornal Quatro julho 2010

Quatro22 Florianópolis, julho de 2010CULTURA

Uma vez por semana, ao final do expediente na Secretaria Municipal de Educação, a professora de português, Iná Moritz, 50 anos, dirige-se ao

prédio da Fundação Cultural Badesc, no centro de Florianópolis. Seu objetivo, assim como o de outras 44 pessoas que lotam o mini-auditó-rio, é assistir à sessão de filmes italianos do ci-neclube promovido pela entidade, que acontece todas as terças-feiras às 19 horas. São jovens, idosos e adolescentes reunidos na sala para compartilhar seu gosto em comum pela Sétima Arte. Dona Iná frequenta periodicamente as exibições há três anos, e conta que é sempre assim: sessão lotada e filmes de qualidade.

Os primeiros cineclubes datam da década de 1920, na França, e a novidade não demorou a chegar ao Brasil, já que em 1928, foi criado no Rio de Janeiro o ChaplinClub. Segundo es-timativas do Conselho Nacional de Cineclubes (CNC), existem pelo menos mil associações es-palhadas por todo país, das quais metade é filia-da ao CNC. Destes, a maior concentração está em São Paulo, com 78, seguida da Bahia, com 54, e do Rio de Janeiro, com 45, e o número só tende a crescer. Com o aumento do acesso aos materiais em vídeo e a evolução da tecnologia de reprodução, ficou mais fácil fazer um cine-clube. Soma-se a isso o incentivo do governo federal, que criou programas como o Cine Mais Cultura, edital que premia as associações de ci-néfilos com um kit digital contendo projetor, tela e aparelho de DVD, além do sistema de som. Os contemplados ainda podem participar de ofici-nas de capacitação no Brasil inteiro.

A principal característica do cineclubismo é apresentar ao público filmes alternativos, muitas vezes ignorados pelo circuito comer-

cial. A seleção de títulos funciona de modo diferente para cada associação, geralmen-te seguindo ciclos temáticos. No Cineclube Rogério Sganzerla, projeto de extensão do curso de Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina, além de escolher os filmes, os alunos responsáveis por cada sessão produzem textos com informações teóricas que servem de base para as discussões que acontecem depois de cada exibição, sempre às quintas-feiras, às 18h30. O coordenador do projeto, professor Jair Tadeu, ressalta que “esses debates são im-portantes porque desmistificam a ideia de que as produções audiovisuais tornam o expectador passivo.”

Na opinião do secretário geral do CNC,

João Baptista Neto, a maior relevância do mo-vimento cineclubista é atingir todas as cama-das da sociedade, através da gratuidade das sessões. Uma parcela pequena dos filiados ao CNC, cerca de 5%, cobra a chamada “taxa de manutenção”, valor que é revertido integral-mente em melhorias para o próprio cineclube, não gerando lucro para os seus organizadores. “O que nós defendemos com essa posição é a democratização do acesso à produção audiovi-sual”, destaca Baptista Neto. E dona Iná con-corda: “Sinto-me num país de primeiro mundo ao participar de tamanho incentivo à arte que essas sessões representam”. Ela ainda acres-centa: “Cinema é arte, e com arte, tudo vale a pena”.

Mais de mil associações no país apresentam produções cinematográficas fora do circuito comercial

Poltrona nobre para os alternativos

Há nove anos, tem sessão toda sexta e sábado

Exibição na Fundação Cultural Badesc apresenta filmes italianos todas às terças-feiras, às 19 horas. Público é exigente.

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Embora seja conhecida como cidade da dança, Joinville também tem criado projetos tradicionais no cinema. Des-de março de 2001, a Funda-

ção Cultural de Joinville organiza os Ci-clos de Cinema, que a partir de um tema definido para o mês, seleciona filmes e os exibe gratuitamente nas sextas e sá-bados, às 19h15. Devido a reformas, as apresentações que inicialmente aconte-ciam no Cidadela Cultural Antártica, es-tão sendo feitas no Museu Arqueológico de Sambaqui.

Idealizado pelo jornalista, advogado, escritor e cinéfilo Germano Jacobs, o projeto Ciclos de Cinema, hoje, é orga-nizado pelo gerente de ensino e artes da

Fundação Cultural de Joinville, Borges de Garuva.

Segundo Borges, a seleção dos filmes prioriza aqueles que estão fora do circui-to comercial da região, mas que são sig-nificativos no contexto da arte cinemato-gráfica. Em junho, por exemplo, foram exibidos produções de Werner Herzog, um dos representantes máximos do Novo Cinema Alemão (anos 60 e 70). Já em maio o tema foi “Cinema sobre cinema”, contemplando produções regionais e atu-ais como Cinemaiêutica, do joinvillense Rodrigo Falk Brum e clássicos como os bastidores de Irreversível e Os 7 samu-rais.

Outra iniciativa, desta vez ligada à Universidade da Região de Joinville (Univille), é o projeto Salve o Cinema: Leitura Crítica da Linguagem Cinemato-gráfica, realizado pela primeira vez em 2004, sob a supervisão da professora Tai-za Mara Rauen Moraes e do estudante de

Letras Fábio Henrique Nunes Medeiros. Ramificação do Programa Institucional

de Incentivo à Leitura (Proler), o Salve o Cinema tem como objetivo proporcionar um espaço para discussão sobre o cinema de arte e encontro dos seus apreciadores e, assim como o Ciclos de Cinema, exibir filmes que estejam fora do eixo comer-cial. Por isso, a seleção dos filmes é feita a partir de aspectos como fotografia, li-teralidade, musicalidade, plasticidade e a metalinguagem cinematográfica.

Depois de cada sessão, que acontece quinzenalmente, às 19h15, no anfiteatro da Biblioteca da Univille, é feita uma discussão sobre o filme, supervisiona-da por um mediador crítico. O resultado dessas mediações pode ser visto no livro de mesmo nome do projeto, lançado em 2006, que conta com a apresentação do Salve o Cinema e as análises feitas pelos especialistas convidados sobre os filmes apresentados durante os anos de 2004 e

2005. Esta publicação teve tiragem de 500 exemplares, e está disponível na in-ternet.

A produção de cinema também está ganhando espaço na cidade. Dos dias 27 a 29 de agosto acontece a Mostra de Ci-nevídeo Joinville 2, que visa divulgar a produção local e proporcionar o contato com diretores e documentaristas de Santa Catarina. Os melhores curtas-metragens do evento serão selecionados para a pro-dução de um DVD que terá mil cópias distribuídas gratuitamente. Os interessa-dos em participar, podem obter mais in-formações no site www.mostracinevideo.com.br.

Isadora Mafra

Laís Mezzari

4Ainda me sinto insegura quando preciso falar com uma pessoa que não conheço e tentar extrair dela o máximo de contribuições para a história que estou contando. Bastidores em http://tinyurl.com/3a83jer

4 Pensei em fazer um infográfico ou box, mas optei por ir para rua e ser repórter da minha própria editoria.Bastidores: http://tinyurl.com/24wf6hw

Page 23: Jornal Quatro julho 2010

Vítima de uma poliomielite que a deixou tetraplégica aos oito me-ses de vida, Daniela Caburro, de 39, aprendeu a pintar com o pin-cel entre os dentes aos 24, com

a ajuda de um dispositivo especial colocado em sua boca para segurar os pincéis. Pela internet, ela consegue divulgar e vender seus quadros. ‘’Pintar e vender meus trabalhos faz com que eu me sinta útil e feliz’’, comemora. A artista já realizou pa-lestras e exposições por muitas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, e em outubro de 2009, viajou à Argentina para apresentar suas obras. Também já recebeu diversas homenagens, como o Título de Cidadã Benemérita de São Carlos (SP), em 2008.

Apesar de ter iniciado com 24 anos, Daniela tem amor pelas artes desde criança: ‘’Na adoles-cência, comecei a pintar tecidos, como panos de prato e camisetas. Mas nunca desisti do desejo de pintar telas a óleo’’. Com a ajuda de amigos, ela conhe-ceu a artista plástica Mara Toledo, que lhe ensinou as técnicas. ‘’A pintura, hoje, é minha vida. Sempre batalhei por uma profissão e a arte me proporcionou isso. Pintar me transmite liberdade! Cada tra-balho, cada tema, é uma via-gem diferente. No momento em que estou pintando, me transporto para a tela’’, com-plementa. Em breve, sua biografia deve chegar às livrarias de todo o Brasil, escrita pela jornalista Hebe Rios.

Mas assim como Daniela há outros, ela é uma das artistas da Associação de Pintores com a Boca e os Pés (APBP), que realiza um trabalho de in-centivo e apoio a pessoas que, por variadas razões, não conseguem pintar com os braços. A instituição foi criada em 1957, pelo alemão e pintor com a boca, Erich Stegmann, que conseguiu reunir 16 outros artistas que se comprometeram a levantar a associação. Hoje, mais de 700 pintores fazem par-te da APBP, em 74 países. O dinheiro arrecadado pelos associados é repassado às suas filiais, que o distribui em valores fixos para cada membro. Parte do lucro é revertido em bolsas escolares, dadas a pintores com bocas e pés que estejam iniciando a vida artística.Música como motivação - A paixão pela música foi o que motivou Marco Valente, 49. Apaixonou-se pela profissão aos 14, ouvindo os discos do vi-zinho. O interesse em aprender algum instrumento surgiu quando um dos três irmãos começou a tocar bateria. Fã do rock progressivo, Valente queria to-car teclado, mas não podia. Portador de focomelia, aproximação ou encurtamento dos membros, ele desistiu do instrumento e passou a se dedicar ao baixo.

Até os nove anos, ele já havia feito mais de 13 operações cirúrgicas. Aos sete, foi para os Estados Unidos passar por uma cirurgia no Hospital Naval da Filadelfia. Em contato com vítimas da Guerra do Vietnã, na época em seu ápice, ele diz que aprendeu uma das suas maiores lições. “Depois de ver homens sem braços e pernas, vítimas de

Napalm e soldados agonizando de dor, eu pensei ‘Poxa! Eu só tenho um problema nas mãos!’”. A motivação trazida dos EUA o levou a fazer au-las de baixo e se formar no curso de Música da Udesc, com 30 anos. Atualmente na Damadera, Valente já tocou em mais de 30 bandas, e relata que sofreu muito com o preconceito: “As pessoas me olhavam e falavam que eu não podia tocar”. Desde 2001 no Departamento de Arte e Cultura da UFSC, é coordenador do projeto 12:30 - que apre-senta shows e manifestações culturais no pátio da Universidade.

Marco é casado e tem dois enteados. Para ele, os deficientes físicos têm que se mobilizar e der-rubar a imagem de isolados da sociedade. “Quem nasce com deficiência tem duas opções: ou aceita que vai ser assim para sempre e vive a vida, ou se fecha em uma bolha. Se eu tenho alguma neces-sidade especial, é dinheiro!”, comenta com bom humor.Viciada em desafios - Bailarina profissional, Carolina Beiro Silveira, 23, dança sob cadeiras de rodas e tem um currículo invejável. Participou três vezes do Somos Todos Brasileiros, evento anual pela afirmação da cidadania de pessoas com de-

ficiência , foi premiada no Edital de Apoio à Cultura com o projeto Dançando com a Alma, e pelo sucesso do espetáculo, foi convidada para o Festival de Dança de Joinville, onde se apresentou por dois anos. Dançou tam-bém na abertura dos Jogos Pan-Americanos em 2007, sediados no Brasil.

Vitimada por uma parali-sia cerebral durante seu parto,

teve o desejo pela dança revelado aos oito anos, através da influência do sonho de dançar de uma amiga que possuía Esclerose Lateral Amiotrófica, doença que paralisa e atrofia os músculos. Carolina decidiu propor atividades de dança como terapia a uma professora da escola, e desde então essa se tornou uma das maneiras que encontrou para, como gosta de dizer, ‘quebrar paradigmas’, o que definitivamente provou ao praticar bungee jum-ping, parapente, rapel, rafting, mergulho e salto de paraquedas.

Com o seu grupo de dança, o Segue, apresen-tou-se em palcos do Brasil por 15 anos, e em 2010 decidiu se despedir da atividade, para terminar o curso de Psicologia. ‘‘A dança foi de extrema im-portância no fortalecimento da minha autoestima e da minha capacidade de realização” conta.

Em 2002, o circo do ator Marcos Frota esteve em Joinville, onde Carolina reside, e a música de um dos espetáculos era a mesma da coreografia ‘Vida’, dançada por ela no Grupo Segue. Diante da coincidência, pediu para falar com Frota, pois achou que era uma oportunidade para dançar du-rante um espetáculo. Convencido pelos argumen-tos de Carolina, mas temendo que o público não estivesse preparado para a dança, Frota a convidou para abrir a apresentação de uma noite de quinta-feira, por ser um dia de poucos espectadores. O sucesso foi muito além do que imaginavam, e ela repetiu a dança também no domingo, despedida do circo da cidade, com as arquibancadas lotadas.

‘‘Gosto de desafios e de me entregar para su-perá-los. A deficiência, para mim, não é nada mais do que uma provocação para ultrapassar o que meus limites aparentam’’, finaliza.

Deficiência física não é limitaçãoArtistas especiais mostram como a pintura, a música e a dança serviram como estímulo para suas vidas

Ágatha MorigiVinicius Schmidt

Teoricamente eu tenho contatos,

conheço e convivo com

portadores de deficiência, já

que também sou um. Então,

não me assustei ao ler a pauta.

Quem dera fosse fácil.

Bastidores em http://tinyurl.com/2bxtoms

4

CULTURA Quatro 23Florianópolis, julho de 2010

Daniela começou a pintar aos 24 anos e hoje vende quadros pela internet

Carolina Beiro se apresentou no circo do ator Marcos Frota

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“A deficiência é uma provocação para eu ultrapassar o que meus limites aparentam”

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Page 24: Jornal Quatro julho 2010

A cidade guarda um exótico armazém

Uma jiboia tem dois metros de compri-mento da cabeça ao rabo, e somente ela

pode matar de forma certeira na selva, segundo a cultura Tupi. Encontra-se uma delas pelo centro da cidade, em uma loja de animais de estimação, junto aos gatos e ca-chorros. Carlos Alberto, proprie-tário da loja, diz que pode passar até quatro meses sem receber uma, mas que há sempre alguém para

comprar o animal.Existem apenas 200 cópias do

disco The Grand Levitation, últi-mo álbum do Led Zeppelin, gra-vado em Londres em 2007. Lilian Martins, 35 anos, vende muitos discos, mas tem mais carinho por esse. Custa 700 reais. Procurado por outro fetiche, que não o musi-cal, o pó Hypnotic Dreams realiza a mais bizarra fantasia. Segundo a gerente da sexshop Eros Store, Tattiana Brito, quando aplicado na cabeça do pênis durante o ato se-xual permite ejaculação colorida.

Mas existem outros instrumen-tos raros por aí, como o fagote. Quase não existem aulas para

aprender a tocá-lo. É difícil encon-trar um para comprar, mas Char-les Fernando Bento, o gerente de uma dessas lojas musicais, mostra a embocadura. O som do fagote é diferente de qualquer outro, com um grave fraco, mas charmoso. É o artigo mais caro da loja, custa 10 mil reais.

Nas ruas de Florianópolis, con-vivem o exótico, o raro e o bizarro. O tatuador Eduardo Martins des-fila com naturalidade em meio a esse armazém raro e curioso. Para Martins, ter no corpo muitas tatu-agens não é exótico ou raro, nem excêntrico e muito menos bizarro. É ser como ele é.

Texto e FotosCarolina Dantas

O corpo do tatuador serve de painel e vitrine da própria arte. Eduardo Martins não vê excentricidade ali

A quilômetros de seu habitat natural, a jiboia espreita do aquário da loja no centro de Florianópolis

Luxúria, volúpia e criatividade...

...e artigos que podem ser... ...curiosos, e difíceis de ver por ai

... no sexo, com complementos...

Bento e o fagote: instrumento para poucos, personalidade no timbre

Artigo de colecionador, último álbum do Led Zepelin custa R$ 700,00

TEXTOS CURTOS SOBRE TEMAS QUE SE ESTENDEM

Pelas ruas, sempre há um objeto raro, diferente ou bizarro. Nas esquinas, personagens e histórias

Quatro minutos

4 As fotografias mais curiosas de se fazer, apesar do cansaço de bater pernas pelo centro inteiro. Bastidores em http://tinyurl.com/26cwt8r

+

Florianópolis, julho de 201024 Quatro

Rod

olfo

Con

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