jornal ora-pro-nobis ed. 2

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Edição 01 - Ano 01 - Abril - 2011 Marcelo Alves Afro Resistência A luta dos movimentos de cultura negra são-joanenses Págs. 4 e 5 A vida difícil dos universitários Pág. 3 Catadores contribuem com a limpeza urbana Pág. 6 Chico Lobo leva a viola caipira para o mundo Pág. 8

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Edição nº 2 do jornal laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Federal de São João del-Rei.

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Edição 01 - Ano 01 - Abril - 2011M

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Afro ResistênciaA luta dos movimentos de cultura negra são-joanensesPágs. 4 e 5

A vida difícil dosuniversitáriosPág. 3

Catadores contribuem com a limpeza urbanaPág. 6

Chico Lobo leva a viola caipira para o mundoPág. 8

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OPINIÃO

Finalmente, a segunda edição do Jornal Laboratório do cur-

so de Jornalismo da UFSJ. Após alguma demora somada a esfor-ços, o Orapronobis está de volta com matérias sobre São João del-Rei e região, cumprindo seu com-promisso de privilegiar e promov-er a identidade local.

Mas, dessa vez, o Orapronobis vai um pouco mais longe e não discute apenas a cultura consa-grada e tida como tradicional são-joanense. A cultura afro, que aflo-ra nas periferias da cidade desde o tempo dos escravos, é debatida nas páginas principais do jornal. Cultura essa que muitas vezes é esquecida, mas que figura como uma das principais expressões populares de São João del-Rei, por entrelaçar religião, dança, folclo-re, Congado e inúmeros costumes. Por isso, denunciamos a falta de recursos de grupos afro-descen-dentes, realçamos as dificuldades encontradas para manter tradições e tentamos alertar, em nossas pá-ginas, à importância dessa heran-ça em nossa cidade.

Além disso, homenageamos uma figura importante quando o assunto é tradição: Chico Lobo, o violeiro nascido em São João del-Rei que levou a viola mineira de raiz até a China. Também discu-timos coleta seletiva, falamos um pouco sobre o barroco mineiro, e evidenciamos as dificuldades financeiras dos estudantes da UFSJ. Até o Cruzeiro e o Atlético Mineiro ganharam as páginas do Orapronobis, sob a forma de dois irmãos são-joanenses donos de bares visinhos e rivais no futebol.

Sem mais explicações e demo-ras, desejamos a todos uma boa leitura!

Foi-se o tempo em que o tempo era um problema. Se antigamente as

pessoas reclamavam de sua falta, hoje isto já é praticamente retórico. Tudo se adapta com o tempo. E o tempo se adapta a nós. Ele não corre diferente, não se apressa ou diminui sua velo-cidade por isso, mas a verdade é que está brutalmente dominado.

Todos os dias ao acordar pensamos no que temos que fazer hoje, amanhã e depois de amanhã. Trabalho, estudo, diversão tornam-se apenas marcas em uma agenda. Pensamos nisso antes mesmo de dormir. O tempo não altera sua velocidade, mas mesmo assim foi domado. É controlado, dosado e gas-to na medida de nossas necessidades. Desta forma conseguimos nos sentir responsáveis pelas nossas vidas, e até o momento de paixão acaba reduzido a uma mera formalidade, curta e va-zia.

Nossa concepção de tempo como

instrumento de sucesso acabou me-canizando nossas funções. E, como robôs, nos saímos muito bem. Apre-ndemos a dividir nosso tempo numa proporção de dez para um, na qual o lazer tem papel figurante. Afinal é o trabalho que nos torna cidadãos res-peitados, que cumprem seu dever. E assim fugimos de um dos papéis mais marginalizados da sociedade, assim ninguém nos chama de vagabundos. Desta forma somos coerentes com nossa falta de ser.

A questão é: todo esse controle realmente nos faz bem? Somos tão felizes quanto pensamos ser? Sin-ceramente, acho que não. De certa forma tem sorte aquele que não tem tempo para perceber isso. E de for-ma alguma proponho saída, já que esta é pessoal e intransferível, como os cartões de crédito. Mas, ainda me pisca uma fagulha de esperança.

Eventualmente há de se perceber

Acorda, São João!Carol Argamim Gouvêa

João Eurico Heyden

Tempo, tempo, tempo

ORAPRONOBIS: Curso de Comu-nicação Social – Jornalismo da Uni-versidade Federal de São João del-Rei Coordenador do curso: Luiz Ademir de Oliveira Orientação: Jairo Faria Mendes, João Barreto, Kátia Lombardi, Paulo Henrique Caetano e Vanessa Maia Barbosa de Paiva Editora: Carol Arga-mim Gouvêa Subeditora: Íris Marinelli Arte e Diagramação: Quéfrem Vieira Redação: Gabriel Silva Riceputi, João Eurico Heyden, Laís Gottardo, Mar-celo Alves, Rhonan Moreira Neto, Rômer Castanheira, Thamires Franco, Walquíria Domingues End: Campus Tancredo Neves (CTAN), Av. Visconde do Rio Preto, s/n°, CEP 36301360, Colônia do Bengo – São João del-Rei Gráfica: Setor de Gráfica – SEGRA Ti-ragem: 1000 exemplares E-mail: [email protected]

EXPEDIENTE

CRÔNICA

ARTIGO

São João del-Rei ainda não acordou. Parece dormir em um sono morno

e confortável, alheia a tudo que acon-tece à sua volta, mesmo com tanto ba-rulho. Ou talvez apenas feche os olhos e prefira sofrer calada. Ou os dois. O fato é que a cidade parece esquecer seu potencial cultural e turístico úni-co e querer figurar como apenas mais uma “cidadezinha qualquer”.

E não precisa dizer como isto está errado. São João não é, nem de longe, um lugar como qualquer outro. Dona de uma arquitetura centenária (que como se não se conformasse apenas eswbanjar um singular barroco minei-ro, ainda conta com estilos coloniais, clássicos, modernistas e contemporâ-neos), de tradições únicas preser-vadas, de uma cultura efervescente e de enorme musicalidade, a cidade fig-ura como importante centro cultural e turístico.

Quer dizer, deveria figurar. O po-tencial são-joanense é enorme, não há

que o ser humano merece mais que essa maçante rotina – nascer, crescer e morrer. Talvez venha um dia em que alguém dedique seu tempo a sanar a nossa falta de tempo. Sei que é pedir muito, mas insano mesmo é aceitar sem ao menos questionar, que a vida é só isso mesmo.

Hoje depois do trabalho, ou aman-hã, no meu intervalo, vou redigir um protesto único e singelo, para quem eu não sei, talvez seja para mim mesmo. Quem sabe dentre todas as minhas obrigações eu não volte ler tal protesto um dia. Quem sabe quando lê-lo, eu não lembre de uma época em que me pegava imaginando o meu fu-turo. Não o meu trabalho, saúde ou a economia mundial, mas o meu futuro. Aquele mesmo, no qual eu me via jo-gando um frisbee para um cachorro, no parque com a família. Clichê, não? Pelo menos neste sonho eu não uso um relógio.

dúvidas. Mas uma crescente descar-acterização do patrimônio, somada à falta de conscientização da população e à falta de vontade e apoio dos gover-nantes, faz com que a cidade empaque e não atinja todo o reconhecimento que merece.

Ruas sujas, pixações e vandalismos em geral, infelizmente, marcam pon-tos turísticos de São João. E, falando em turistas, estes parecem muitas vezes perdidos devido à falta de infra-estrutura para recebê-los – reclamam até mesmo da falta de mapas e infor-mações básicas, por mais absurdo que isso pareça.

Como se não bastasse, percebemos muitas vezes a cultura gritar por ajuda. Grupos culturais reclamam de falta de apoio e recursos, o que ameaça seria-mente a manutenção de nossas impor-tantes tradições.

Algumas entidades locais ainda lu-tam para reverter esse cenário, mas maior apoio e conscientização da pop-

ulação e do poder público são essen-ciais. Afinal, onde está nosso compro-misso com nossa própria cidade? Está dormindo, por sinal.

Precisamos acordar. Ou preferire-mos deixar morrer a singular lingua-gem dos sinos, as orquestras bicen-tenárias e os rituais preservados da Semana Santa? Largaremos à deriva um conjunto arquitetônico que levou séculos para se constituir? Abriremos mão da enorme renda e geração de empregos que uma atividade turística eficiente e bem planejada pode pro-porcionar?

Estamos ficando para trás. Podemos cuidar de nosso patrimônio, preservar nossa cultura, receber mais turistas, gerar renda. Podemos nos orgulhar de ser a “Cidade dos sinos”, a “Cidade da Música”, a “Capital da Cultura para Sempre”. Podemos ser mais do que isso, só basta acordarmos. Dormir ou fechar os olhos não é uma vantagem, é uma regressão.

EDITORIAL

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Longe da casa dos pais

Com a abertura de novos cursos de gradu-ação da UFSJ, em 2009, centenas de novos alunos chegaram à cidade. Além de todas

as preocupações e responsabilidades que essa nova etapa na vida do jovem carrega consigo, existe o fator financeiro, que muitas vezes é um ponto fun-damental para a permanência do estudante dentro da fundação de ensino. Nem todos os universitári-os podem continuar contando com o auxílio famil-iar para quitar todos os gastos que vão surgindo. A universidade conta com um setor de assistência es-tudantil, mas na maioria dos casos, cabe ao próprio aluno achar um meio de se manter financeiramente.

O setor de assistência estudantil conta com di-versos tipos de bolsas de auxílio para os univer-sitários. A bolsa atividade, que é a principal bolsa ligada diretamente ao setor, tem como objetivo alo-car os alunos em projetos ligados à própria univer-sidade. Francisco Avelino da Silva Júnior, chefe do setor de assistência, destaca essa nova visão para a bolsa: “Antigamente os bolsistas acabavam reali-zando algum serviço dentro da área administrativa. Hoje em dia a gente tenta encaminhar esses alunos para algum trabalho ligado à área acadêmica, como em algum projeto de pesquisa”. Francisco apon-ta o curso pré-vestibular implantado no bairro do Tejuco como uma demonstração dessa nova função para os bolsistas. “Com o trabalho dos bolsistas no cursinho, conseguimos realizar duas tarefas ao mesmo tempo. Ajudamos na permanência do aluno dentro da instituição, ao mesmo tempo em que pro-movemos o acesso dos jovens mais carentes para nossa universidade”.

Além da bolsa atividade, o setor beneficia alguns alunos com o auxílio alimentação, uma ajuda tem-porária, enquanto não é inaugurado o restaurante universitário da UFSJ. Todos os estudantes benefi-ciados pela bolsa atividade são contemplados com os cupons do auxílio alimentação, recebendo dois cupons para cada dia, referente a almoço e janta. Além dos bolsistas, mais uma seleção de alunos é feita para receber somente o cupom referente ao almoço. No 2º semestre de 2010, foram 135 alunos contemplados pela bolsa atividade e mais 129 que receberam somente o auxílio alimentação. Existem outras bolsas, todas com processos de seleção mais restritos às coordenadorias de cada curso, como as bolsas de monitoria, de extensão e de iniciação científica.

A estudante do curso de economia, Talita de Pai-va Moura, recorreu à iniciativa privada ao ter seu pedido de bolsa recusada pelo setor de assistência estudantil: “Me inscrevi tanto para a bolsa ativi-dade e o auxílio alimentação, mas não fui selecio-nada para nenhum dos dois”. Talita, que trabalha em um restaurante como garçonete, diz que pro-curou o emprego para ter uma maior da família, mas conta que ainda recebe um auxílio financeiro

Gabriel Silva Riceputi

POLÍTICA E ECONOMIA

”“

Íris Marinelli

A difícil realidade financeira dos universitários em São João del-Rei

É incrível como as pessoas não estão que-rendo alugar para os estudantes. Por um tempo, tive que ficar com amigos, pulando

de casa em casa

O aluno de Teatro, Bruno Padilha (esquerda), faz malabares no semáforo da Avenida Leite de Castro

dos pais: “Peguei esse emprego para ter dinheiro para me manter, ter minhas coisas, minhas roupas e para meu lazer também. Mas não conseguiria me manter só com o salário que ganho aqui”, comple-menta a estudante.

Wander de Freitas, formado já há dois anos em administração pela UFSJ, diz ter encontrado os mesmos problemas financeiros enquanto cursava a faculdade: “Cheguei a ser beneficiado com a bolsa de monitoria, mas realmente é um valor que serve mais de auxílio do que como meios de se manter

integralmente”. Wander, que hoje é gerente em uma loja de departamentos, diz que acabou encon-trando no trabalho que arrumou para se sustentar durante o curso, um emprego estável e seguro. “O plano de carreira dentro da empresa é muito bom e permite o empregado subir rápido. Tenho ótimos benefícios e, como estou trabalhando dentro da minha área de formação, posso crescer dentro da empresa”.

Já Bruno Padilha, do 5º período do curso de

Teatro , encontrou uma saída bem diferente para resolver seus problemas: trabalha por conta própria em um sinal de trânsito da Avenida Leite de Castro, fazendo malabares e encenações para os carros.

Aluguéis para repúblicasAlém do fator principal de como conseguir pagar

as contas, a leva extra de estudantes que chegaram junto com os novos cursos, trouxeram consigo um novo problema: o de moradia. Com o aumento de estudantes, a procura por imóveis cresceu muito na cidade, alavancando os preços dos aluguéis das ca-sas. E a oferta não seguiu o mesmo ritmo da chega-da dos estudantes.

Francisco Avelino, chefe do setor de assistência, afirma que as imobiliárias acabam tornando prati-camente inviável o aluguel de um imóvel para es-tudantes. “Eles exigem a apresentação de dois fia-dores residentes em São João. Como um aluno, que está acabando de chegar na cidade, vai achar duas pessoas para botar a mão no fogo por ele assim?”. Por conta disso, Francisco afirma que o cadastro de oferta de moradia, serviço fornecido pelo setor de assistência e atualizado a cada semestre, acaba sendo ofuscado pela ação dos próprios estudantes: “O pessoal vai divulgando nos murais do campus, fazendo sua própria propaganda”.

Wallace Campos Prado, estudante do curso de filosofia, afirma ter encontrado grande dificuldade em achar moradia: “É incrível como as pessoas não estão querendo alugar para os estudantes. Por um tempo, tive que ficar com amigos, pulando de casa em casa. Finalmente encontrei um imóvel e, junto com mais dois amigos, a casa está alugada, direta-mente com a proprietária”.

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“A Linguagem dos sinos, a Maria Fumaça com

bitola de 32 milímetros, a única em funcio-namento no mundo, as orquestras mais an-

tigas do Brasil, as imponentes igrejas barrocas, a arquitetura variada. Esses elementos são parte das tradições de São João del-Rei. Parte. Ou, pelo me-nos, o que é comentado, divulgado, patrocinado e preservado. Do alto dos montes, da periferia e dos recantos da cidade ecoam, ainda, os batuques dos negros de descendentes de escravos e as rezas de Candomblé e Umbanda.

Abandonados pelo poder público, os movimentos como Congado, Candomblé e grupos de incultura-ção vão tentando sobreviver. Na luta do dia-a-dia, a memória e a identidade negras são preservadas por pequenos círculos de amigos que investem dinheiro do próprio bolso em vestimentas, em instrumentos, em consertos, em oficinas e em despesas com a sede.

RaízesDe acordo com o folclorista, Ulisses Passarelli, a

cultura negra está presente em São João desde suas origens. O Arraial das Mortes foi formado no ciclo do ouro. A economia era movimentada pela minera-ção e os garimpos, explorados com a força braçal dos escravos africanos. “Em 1704, foram descober-tas as minas e, em 1705, começou a extração”, conta o folclorista. Por algum tempo, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário centralizou as tradições afri-canas. “Em torno dela é que os negros faziam suas comemorações”, diz Passarelli.

Há poucos estudos sobre o desenvolvimento das manifestações afro na cidade. Sobraram apenas as memórias dos movimentos mais antigos e ensina-mentos orais transmitidos de pai para filho. É o que

conta o presidente da Associação de Congado Santa Ifigênia, Nivaldo Neves, do Bairro São Geraldo. Ele afirma que, na década de 40, existiam grupos de Congado no bairro do Tijuco e na região de Santa Cruz de Minas.

“Teve uma época que se dançou no Centro, na Igreja do Rosário. Mas isso foi se perdendo por falta de incentivo e adeptos”, comenta Neves. Nivaldo

CULTURA

Luta, abandono e perseverançaMarcelo Alves

”Para perpetuar a

tradição, precisa-mos de incentivos. Mas não há uma política voltada

para isso.garante que o Grupo de Congado Nossa Senhora do Rosário, do Rio das Mortes, tem mais de 200 anos, passando as atividades de pai para filho.

Reconhecimento (ou falta de)“O Congado é a maior expressão da cultura afro

na região”, informa Ulisses Passarelli. Os líderes dos grupos são categóricos ao falar sobre subvenção

municipal. “Para perpetuar a tradição, precisamos de incentivos. Mas não há uma política voltada para isso. Aí, o jovem fica perdido ou, senão, participa e desanima”, argumenta o presidente da Associação de Congado do São Geraldo.

Nesse sentido, o secretário de Cultura e Turismo, Ralph Araújo Justino, reconhece que o poder públi-co está em débito com os grupos afro-descenden-tes. “Precisamos ajudá-los, mas não fizemos nada, até agora. As dificuldades da prefeitura são muito grandes. Pretendemos convocar o pessoal da cultura afro para poder ter uma atuação mais próxima, in-clusive com verba do Fundo de Cultura”, afirma.

O diretor técnico do escritório do IPHAN em São João, Mario Ferrari, informou que o instituto não tem nenhuma política municipal voltada para es-sas manifestações. “Não temos nenhum projeto de apoio, infelizmente”, lamenta.

Mesmo assim, os grupos vão se mantendo com a ajuda da comunidade, com doações e às despesas de seus integrantes. A presidente do Grupo de Incul-turação Afro-descendente Raízes da Terra, Vicen-tina Neves, relatou que chegou a buscar apoio na Secretaria de Cultura. “Mas eles não nos valorizam. Usam, mas não valorizam”, desabafa.“Não só a afro, mas a cultura folclórica também está abandonada”, sentencia Ulisses Passarelli.

Segundo Nivaldo Neves, os movimentos precisam de um local para oferecer oficinas de pintura, alfa-betização, aulas de informática e acompanhamento social. “Hoje estamos tentando adquirir um terreno na prefeitura para fazer as atividades. Temos CNPJ, tudo direitinho e legalizado para receber verba, mas não temos nenhum tipo de apoio da prefeitura”, diz.

Membros do grupo de percursão Abafú

Marcelo Alves Marcelo Alves

Jovens do São Geraldo dançam no Grupo Raízes da Terra

Movimentos afro-descendentes em São João del-Rei sobrevivem mesmo sem apoio

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”“Rosário permitem o desfile de grupos de congado e de cantos africanos. No entanto, o pároco que nem todos os elementos da crença são autorizados. “É fonte de estudo aquilo que pode ser colocado e aq-uilo que não pode. Há ritos de outras divindades que não batem bem com o catolicismo. Temos cuidado ao analisar o que pode ser acrescentado na liturgia afro para não virar uma mistura de catolicismo, um-banda, candomblé”, comenta Raimundo da Silva.

A Igreja preserva no momento em que abre as

Marcelo Alves

Escola e sociedadeAs escolas trabalham conteúdo afro no final do

ano, perto da data da morte de Zumbi. No restante do anos não se fala sobre a cultura afro. Muitas vezes, os professores não estão adequados a esse trabalho. “Vemos muito preconceito dentro das escolas. Ou-vimos relatos de meninos contando que os chamam de macumbeiros na escola por serem inseridos em religião de matriz africana.”, diz Nivaldo Neves.

Dona Vicentina conta que a UFSJ é a única in-stituição que tenta apoiar os grupos, oferecendo es-paço e acompanhamento por meio de cursos. Mas ela ressalta que isso é insuficiente. “A UFSJ nos ofereceu espaço, mas lá descentraliza o movimento, perderíamos nossas raízes do São Geraldo”, afirma.

Inculturação, o paradoxo católicoCom a indiferença das instituições laicas, os mov-

imentos afro se voltam para a Igreja. Dona Vicentina afirma que algumas paróquias abrem as portas para os grupos. Nivaldo e Ulisses lembram, por outro lado, que a aceitação é recente. “Quando começa-mos, em 94, não éramos reconhecidos pela Igreja. Com o tempo, conseguimos entrar”, confirma o con-gadeiro.

Certas paróquias realizam as missas incultura-das. O vigário geral da paróquia de Nossa Senhora da França de Resende Costa, Raimundo Inácio da Silva, explica que a missa inculturada é uma forma de resgatar a riqueza da cultura afro-descendente. “Celebramos a Missa Romana, com introduções de elementos afro”, diz.

A Festa do Divino e a Festa de Nossa Senhora do

O candomblé éum museu vivo decultura imaterial

portas e permite que as manifestações aconteçam, enfatiza Ulisses Passarelli. “Mas uma coisa é mis-sa inculturada, outra, é uma sessão de Candomblé, Umbanda ou de Quimbanda. São coisas diferentes. Não vão se estabelecer um dentro do outro”, atenta. Esse momento ecumênico é importante no momento em que respeita as diferenças. Isso permite com que as pessoas conheçam a cultura da periferia.

“A Igreja descaracteriza quando cria amarras para a tradição, quando proíbe que certa coisa aconteça ou define como deve acontecer”, critica o folclorista. A Igreja não pode interferir na manifestação, precisa trabalhar em conjunto e não estipular normas. “Ao mesmo tempo em que a Igreja ajuda a preservar,

ela descaracteriza. Sempre foi assim. Isso, eu não sei se muda”, opina. “Dos males o menor, porque houve tempo em que eram proibidas certas mani-festações”, acrescenta.

São João abriga também terreiros de Candom-blé, Umbanda e Quimbanda. O babalorixá Edimar do terreiro do Alto das Mercês propõe a inclusão do negro “Mostrar que o Candomblé não é só uma religião, mas uma cultura, um ritmo e uma arte. O candomblé é um museu vivo de cultura imaterial”.

“No princípio, sofremos muita marginalização. Porque, em São João, predomina uma religião de origem portuguesa. Tudo que é oriundo do negro ai-nda sofre uma discriminação muito grande, apesar de ter pessoas aberta ao diálogo”, enfatiza o baba-lorixá.

O terreiro foi reaberto há três anos. Contudo, ai-nda não foi regularizado por falta de verbas. Essas casas são, geralmente, instaladas em bairros mais pobres e marginalizados. “Essas comunidades são mais receptivas. Não temos espaço no Centro, onde predomina o cristianismo. Hoje a marginalização do rito é bem menor por causa dos direitos humanos garantidos pela Constituição e pela Justiça. Mesmo assim, ainda há discriminação”, conta Edimar.

A relação com dos terreiros com a religião católica varia entre as paróquias, de acordo com Edimar. “O que difere muito dos evangélicos, que não tem a tolerância de alguns segmentos da Igreja Católica”. Porém, o baba-lorixá explica que os afro-descendentes foram levados a abandonar suas tradições. “Já é discriminado por ser negro e, também, por sua religião. Muitos tentam bran-quear sua negritude e os aspectos de sua cultura”, afirma.

Dança típica da cultura afro-descendente

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CIDADE

Outro destino para o lixo

Trabalhadores da Ascas prensam papel e papelão

Thamiris Franco e Walquíria Domingues

Amanhece o dia em São João del-Rei. O lixo é jogado nas calçadas para a coleta

periódica, sujando as ruas e deixando um aspecto de abandono e descaso na cidade. A catadora de material re-ciclado Maria Rosa Murilo Martins levanta cedo e, com seu carrinho, começa a recolher objetos jogados no lixo, sua contribuição pessoal para amenizar a sujeira da cidade.

Maria tem 34 anos, é casada e pos-sui três filhos. Parou de estudar ainda criança para ajudar a família e cuidar dos irmãos. Hoje, recolhe garrafas, plásticos, papelões, alumínios e out-ros materiais, fazendo o trabalho de coleta seletiva, que deveria ser ob-rigatório em todos os bairros.

Maria Rosa e outros catadores se sustentam do lixo. Não são mais vis-tos pela população e pela adminis-tração municipal de maneira estig-matizada, como pessoas que sujam a cidade ao remexerem os detritos e espalhá-los pelas calçadas. Hoje, organizados em entidades como a Associação dos Catadores de Mate-rial Reciclável (Ascas), são consid-erados colaboradores com a limpeza da cidade.

Desde 2003, a Ascas tem con-tribuído muito para remodelar o cenário de São João del-Rei em relação ao destino do lixo. Por mês, são coletadas 40 toneladas de deje-tos e cada catador retira, em média, com este trabalho, uma renda de R$ 800 mensais. “Minha vida mudou muito quando comecei a trabalhar na Ascas, pois agora estou ajudando em casa com as contas, e eu e meu marido começamos a construir nossa casa”, conta Maria Rosa.

O projeto é realizado em parce-ria com entidades como a UFSJ, a Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte, a Associação Com-ercial e Industrial de São João del-Rei, o Sindicato de Comércio Vare-jista, a Cemig, a Fundação Bradesco e a Prefeitura de São João del-Rei.

Participar da Ascas, contribui para a auto-estima dos catadores. A aquisição do conhecimento, a possibilidade de aumento de renda e melhoria nas condições de trab-alho e de vida dos associados são os outros ganhos do projeto. “Meu trabalho hoje é de administrador. Faço a pesagem e venda do mate-rial, o pagamento dos associados,

cuido das contas do galpão. Em três eleições eles me escolheram como tesoureiro. Os alunos da UFSJ me ensinaram a trabalhar. Tive também aula de informática, e outros cursos. Foi muito importante pra mim, pois eu adquiri conhecimento”, conta o administrador da Ascas, Márcio Far-ia da Silva.

Os catadores sabem que através da prática de recolher resíduos recic-láveis pela cidade, podem ter novas oportunidades de negócios, além de contribuírem para que a conscien-tização ambiental e a coleta seleti-va cheguem a mais lugares. “Gosto de ajudar a cidade, a população e a natureza. E na Ascas sou mais bem aceita pelas pessoas, trabalhando uniformizada e legalmente como agente ambiental”, conta a catadora Maria das Graças, 50 anos.

A Ascas faz ainda um trabalho de conscientização ecológica, pedindo aos moradores do Bairro Matosin-hos para que façam a separação do lixo orgânico e inorgânico. Também já promoveu encontros de educação ambiental em várias escolas públi-cas de São João del-Rei, levando informações sobre coleta seletiva e reciclagem.

Cidade sem coleta seletivaO integrante da diretoria da Ascas,

Marco Antônio Rodrigues, reclama da falta de um programa de coleta seletiva na cidade, o que dificulta o trabalho dos catadores. Além disso, a entidade não possui um veículo motorizado, o que dificulta o trans-porte e desgasta fisicamente seus associados. “A população não ajuda muito nosso trabalho, então nós cat-amos mais na rua. O ruim é que o trabalho é um pouco cansativo, mas o lucro certo e a ajuda que damos a cidade compensam”, conta a catado-ra Rosângela Maria da Silva.

Um apoio maior da prefeitura para a criação de uma coleta seletiva poderia ser uma saída para os prob-lemas da Ascas. Entretanto, segundo o técnico da Secretaria de Meio Am-biente, Alberto de Oliveira, “a coleta seletiva não poderia ser feita a do-micílio, pois mesmo quando o lixo é separado em casa, ele se mistura ao ser lançado no caminhão”. Para ele, o que está sendo feito pelos catado-res da associação já é o suficiente para São João del-Rei.Pelo computador os catadores fazem o controle da produção

Reciclagem gera renda e colabora com a limpeza urbana

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ESPORTE

Rivais só na torcida

Dentro da casa dos irmãos Donizete e José Avelino, conhecidos como Kiko e

Nego, respectivamente, havia in-fluência para todos os gostos: a mãe é torcedora do Cruzeiro e o pai foi um atleticano fervoroso. Essa prefer-ência pelos dois maiores rivais de Minas Gerais foi herdada por eles, e o primeiro escolheu o lado do pai, enquanto o outro preferiu acompan-har a mãe. Juntos, tempos depois, os irmãos abriram um bar, na Avenida 31 de Março, principal via do bair-ro Colônia do Marçal, em São João del-Rei. Com o passar do tempo, en-tre casamentos e uma separação, há quinze anos o bar se dividiu e cada um seguiu com seu próprio negócio.

Tanto no estabelecimento de Kiko quanto no de Nego, a decoração não engana. O primeiro tem como cor base de seu bar o preto, branco e amarelo, presentes na bandeira do time do co-ração. As mesas são dispostas dentro e fora do bar e todas possibilitam boa visibilidade da grande TV do lado de fora. O Atlético é lembrado por todo canto, em forma de Galo – seu mas-cote – ou através de acessórios como

a própria bandeira e portas-cerveja.O irmão, Nego, conta com maior

espaço em seu bar, onde, também, é fácil descobrir que o dono é cruzei-rense. Azul e branco estão em to-das as paredes e a raposa pintada na parede externa explicita o time. Ex-iste como símbolo da paixão cárdeo-branca uma telha, onde o símbolo do time está pintado, talvez como alusão a uma estrutura de casa, onde a base é o time.

A separação do bar em nada alter-ou a convivência familiar. Ao serem questionados sobre o que acontece nas reuniões de família, quando o assunto “futebol” é posto em pauta, ambos foram enérgicos dizendo que em nada a rivalidade dos times influ-encia. “Apesar de sermos seis irmãos e somente eu e minha irmã sermos cruzeirenses, discussões por causa de time, em família, não existem”, diz Kiko. “Entre nós, irmãos, quase não falamos de futebol”, completa Nego.

A passagem das preferências de pais para filhos parece ter parado na geração dos irmãos. Enquanto Nego diz que seus filhos “já nasceram cru-zeirenses”, Kiko fala que seu filho,

Rômer Castanheira e Laís Gottardo

Íris Marinelli Carol Argamim Gouvêa

de nove anos, tem preferência pelo São Paulo, em se tratando de futebol. Mas, e se acontecesse de os times deles serem rivais dos times dos pais? “Aí eu não poderia fazer nada. Não sou fanático a esse ponto; não adian-ta”, diz Nego. “Eu tenho que aceitar né? Não gosto, mas fazer o que?”, completa Kiko.

Quanto ao pai de Nego e Kiko, não faltou a tentativa, pelo menos uma vez, de fazer o filho cruzeirense mudar de lado. Nego conta que sua primeira ida ao estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão, foi em 1977, em um clássico para final de campeonato. Seu pai o levou para assistir ao jogo, porém na torcida adversária. “Tive que assistir o Cru-zeiro vencer o Atlético por 3 a 0 e ser campeão, quietinho no meu canto.”

Apesar de se tratar da maior paixão brasileira, ao contrário do que acon-tece muitas vezes nos estádios ou em situações como a dos bares dos dois irmãos, não há, segundo eles, casos de brigas em dias de clássico. “O que acontece é de às vezes virem pessoas de fora e não entenderem a brinca-deira que acontece nos bares, de uma

Irmãos donos de bares dividem torcedores atleticanos e cruzeirenses

torcida caçoar da outra quando seu time faz gol. Com isso, podem ocor-rer algumas discussões, mas brigas mesmo, não”, diz Kiko.

E entre a batalha, Dona MargaridaNa casa que separa os dois bares da

Colônia do Marçal, mora, há mais de 40 anos, Dona Margarida Assunção Mendonça, com dois de seus filhos. A senhora de 78 anos, viúva e aposen-tada, diz que aprecia futebol, porém, sem “falação”. “Tenho uma filha com síndrome de Down que eu não posso trazer na frente da minha casa em dia de jogo, porque ela não aguenta o barulho”. Segundo Dona Margarida, aos finais de semana de clássico, os frequentadores dos bares estacionam carros com som alto em frente a sua casa e “chega até a estremecer”.

Quando questionada sobre sua preferência entre os dois times, Dona Margarida diz: “Para mim, o time que jogar melhor é o que deve ganhar, seja Cruzeiro ou Atlético. Eu gosto mais quando empata, porque aí não dá briga” – mostrando mais uma vez sua simpatia habitual e sua compreen-são como vizinha dos irmãos Batista.

À esquerda o atleticano Kiko e à direito seu irmão cruzeirense Nego

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A entrevista começou em um sábado, na cidade de Barroso, onde o violeiro, cantor e com-positor Chico Lobo fez uma apresentação.

Após o show, fui até ele para conseguir um autó-grafo em seu DVD e dizer que o veria novamente em Lagoa Dourada, uma semana depois, no show da Festa do Rocambole. Foi aí que conheci a simpatia desse monstro da viola sertaneja. “Semana que vem passa lá no meu camarim pra gente conversar”.

Convite feito, convite aceito. Uma semana depois, já em Lagoa Dourada, estava eu no palco, cerca de três horas antes do show. Vestindo um agasalho de moletom, usando óculos e sem o chapéu de feltro característico de suas apresentações, o velho Lobo fazia os últimos ajustes e parecia estar em seu primei-ro show, pelo cuidado com cada detalhe. Chico co-ordenava tudo e trocava idéias com os músicos. Lá de cima, batendo as cordas da viola decorada com as fitas de devoção aos Santos Reis, cumprimentava os apreciadores da boa música, que se aproximavam do palco, gritavam seu nome e acenavam para o vio-leiro. Ao final da passagem do som, fui convidado pela equipe para jantar com eles e lá realizar a ent-revista. Mais uma vez, convite aceito.

A prosa com o “Chico Mineiro” rendeu. Enquanto esperava a couve e o angu, conversei com o súdito das folias de reis, dos congados e das catiras. Ele, que desde criança e por influência de seu avô e de seu pai, tomou gosto pelas cantigas tocadas ao som que sai do bojo da viola. Essa viola que é o seu ganha pão, mas que poderia não ter sido. Chico Lobo for-mou-se em Educação Física, com Pós-Graduação em Psicomotricidade do Movimento.

Quando perguntei do motivo de um violeiro nas-cido nas Vertentes mineiras (Chico Lobo é de São João del-Rei e radicado na capital Belo Horizonte) se interessar por essa área, Chico disse que buscava unir a Educação Física à viola. Usava o instrumento nas rodas com os alunos, tornando as aulas lúdicas. Talvez o universo dos violeiros não tivesse o brilho dessa estrela mineira não fosse um acidente no qual fraturou a mão esquerda. Foi a partir daí que Chico resolveu se dedicar exclusivamente às cordas que cantam as culturas do sertão.

Enquanto conversávamos, o violeiro pediu licen-ça para verificar o celular, achando que poderia ser uma ligação de um de seus três filhos com a esposa

e assessora Ângela Lopes, a quem chama de “Guer-reira”. Foi aí que perguntei se os filhos iam seguir os passos do pai. Chico, que nunca estudou música, disse que é perceptível nos filhos certo talento para o mundo das artes, mas que prefere deixar que eles façam suas escolhas. “Eu não vou forçar nada”.

Chico Lobo integrou o grupo folclórico Aruanda, de Belo Horizonte, que atua na pesquisa, preserva-ção e divulgação de danças e folguedos populares. Tempos depois, decidiu seguir carreira solo. Con-sidera-se, um desbravador, pela dificuldade de pro-mover a viola sertaneja pelo país. Mas, para ele, a moda de viola é mais conhecida e melhor divulgada que no passado. “Atualmente toda casa tem um tele-visor, muita gente tem acesso à internet, e isso fa-cilita o nosso trabalho”, ressaltou.

PERFIL

O uivo daviola

Rhonan Moreira Neto

Rhonan Moreira Neto

”“Quando um artista

canta a sua verdade, canta com sinceridade,

o público também éverdadeiro com ele

Perguntei a ele se o sertanejo universitário tam-bém ajuda e ele foi direto: “O sertanejo universitário não é da viola (...). Sertanejo é música que vem do sertão e esse novo estilo não vem. Quando alguém toca viola num show desses, a juventude acha que o instrumento é um suvenir ou enfeite, ela fica pi-toresca”. A viola é uma coisa das comunidades. Ela existe por causa das catiras, folias e congados, do amor de muitos assim como ele. Há um mercado paralelo que a faz sobreviver.

Chico Lobo divide suas atividades entre shows e apresentação de programas de rádio e televisão. Quando encontra tempo livre na agenda, procura adiantar a gravação dos programas da TV. Se viaja para o exterior, lança mão desse material e também de algumas reprises, além de ficar um pouco longe dos palcos brasileiros. As experiências fora do país foram muitas, apresentando-se em lugares como Itália, Canadá, Áustria, Portugal, Chile e, mais re-

centemente na China, onde representou a música brasileira em um evento internacional. “Na Itália foi muito especial, pois foi minha primeira turnê ao ex-terior, convite que recebi logo depois da indicação ao Prêmio Sharp como revelação da música regional brasileira com o disco ‘No Braço Dessa Viola’. Mas tocar em Portugal é sempre mais profundo, pois nos-sa viola tem ligação íntima com a viola portuguesa.”

Chico também quer conquistar o mercado da América Latina, mas acha a tarefa um pouco mais difícil, devido à grande diversidade de coisas que chegam todos os dias até as pessoas. Já na China, a experiência segundo ele foi inusitada, pois teve boa receptividade e os chineses gostaram muito. “Quan-do um artista canta a sua verdade, canta com sinceri-dade, o público também é verdadeiro com ele”.

Já com o cheiro da comida tomando conta do ambiente, e com o tempo até o início do show fi-cando mais curto, perguntei ao violeiro sobre seus próximos projetos. Ele, que já possui diversos dis-cos e parcerias lançadas, além de ter sido indicado em 2002 ao Grammy Latino com o disco Cantoria Brasileira, abriu um sorriso dizendo que foi convi-dado para retornar à China e que pretende lançar em breve outros dois trabalhos: seu primeiro disco in-strumental, chamado de “3 Brasis”, no qual Chico faz parceria com o consagrado clarinetista Paulo Sérgio Santos e com o violoncelista Márcio Malard, e um outro trabalho temporariamente batizado de “Caipira Universal”, no qual Chico recebeu músicas de compositores de todo o país (incluindo Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro, dentre outros) e que terá a participação especial de nomes como Zé Geraldo, Virgínia Rosa, Banda de Pau e Corda e do próprio Zeca Baleiro.

Pausa para o jantar, fotos com alguns fãs e Chico corre para se aprontar para o show. A pontualidade é uma característica do Lobo. Após atender a mais pessoas, rever alguns velhos conhecidos da região, posar para fotografias e receber presentes, ele sobe ao palco e encanta a todos com as mais belas músi-cas do cancioneiro popular. De cima do palco, pude perceber o entusiasmo de pessoas de todas as gera-ções. Depois de uma hora e meia de apresentação, o artista agradece a todos e retorna ao camarim para atender a uma legião de admiradores que já o aguar-davam.