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4 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 3 a 9 de dezembro de 2007 Edição especial Jornal da Unicamp – Em que medida este ranking pode ser um indicador dos rumos da univer- sidade contemporânea? Ben Sowter – Toda lista classi- ficatória tem de fazer concessões de alguma natureza. Fatores sujeitos à mensuração e à disponibilidade de dados influenciam decisões estratégi- cas tomadas no decorrer da confec- ção das tabelas. Não são raros os ca- sos em que muitas das virtudes das uni- versidades não são passíveis de avali- ação por tabelas classificatórias. De um modo geral, essas classifi- cações estabelecem, de uma maneira razoavelmente forte, uma correlação com a percepção de qualidade no meio industrial, de modo que, como um indicador genérico, tais ranqueamen- tos são consistentes. As alterações na metodologia empregada este ano de- vem servir para estabilizar os resulta- dos a cada ano, e fazer da classifica- ção um importante instrumento a ser sempre usado como um componente no âmbito de uma decisão complexa. JU – O que faz do ranking do Higher Education Supplement diferente dos demais? Sowter – Há três sistemas inter- nacionais classificatórios de universi- dades de maior importância. Acredi- to que aquilo que diferencia o do The Times dos demais é o fato de ele ser focado numa abordagem voltada a linhas das ciências sociais ao invés de apenas na chamada ciência pura. Os componentes são singulares em nos- so trabalho – pelo menos no contex- to internacional. Prevêem uma classi- ficação mais inclusiva, que abarca ins- tituições menos conhecidas, sediadas às vezes em países que aparentemente não teriam chances de figurar no le- vantamento. Vale lembrar que 28 na- ções estão representadas entre nossos 200 melhores classificados. JU – O levantamento entrou na sua quarta edição. Quais foram as mudanças mais signi- ficativas registradas ao longo desse período de quatro anos? Sowter O exercício em si vem ganhando reconhecimento e, portan- to, os coeficientes de participação nunca foram tão grandes, assim como a massa de dados recolhidos nas universidades. A equipe que dá suporte a esse trabalho cresceu con- sideravelmente, levando a um maior empenho na verificação e validação dos resultados. A análise dos empre- gadores foi incluída em 2005 e tem sido reforçada a cada ano – em 2007, mudamos a verificação de citações para o banco de dados da Scopus [empresa cuja sede fica na Holanda], o que nos permitiu agregar um servi- ço de inteligência à força-tarefa de pesquisa de 127 instituições. JU – O ranking revela uma as- simetria entre os indicadores das instituições de países ricos e das nações em desenvolvimento. Entre as 200 contempladas, por exemplo, temos apenas quatro instituições baseadas em três países em desenvolvimento. É possível reverter essa realidade? Se sim, de que maneira? Sowter Acredito que isso seja até certo ponto inevitável, muito embora esse fenômeno se manifeste em me- nor grau em nossas classificações do que em outras. Dinheiro é um forte atrativo para os pesquisadores mais destacados, e os países mais abasta- dos, aos quais você se refere, são também, em geral, destinos historica- mente procurados por estudantes estrangeiros. Alguns desses países mais prósperos também têm o inglês como língua nativa, o que lhes dá uma van- Revisão de critérios amplia espectro do ranking tagem nos círculos acadêmicos. Estamos trabalhando na tradução de nossas pesquisas em mais línguas – inglês e espanhol são as opções do momento – podendo, assim, levá-las a novas regiões do mundo. De um modo geral, fazer parte dessas clas- sificações é um grande desafio para as universidades de países em desenvol- vimento e um grande crédito para as poucas que conseguem. JU – O aumento da demanda por acesso a universidades de qualidade é uma tendência mundial. Há quem veja nos cur- sos mais curtos, voltados para o mercado e mais especializados, uma saída para o impasse. O se- nhor concorda com essa opção? Como resolver esta equação? Sowter Sob certa perspectiva, estar apto a fazer esses cursos numa universidade renomada aumentaria o acesso às melhores “grifes” educaci- onais. Qual seria, entretanto, seu cus- to? Cursos vocacionais, com os graus de especialização que você menciona, podem ser ótimos para o desenvolvi- mento de determinado conjunto de habilidades, não se constituindo, po- rém, um benefício para a educação da sociedade como um todo – certamente não às custas de graus plenos. O que é possível tornar-se realida- de é que, particularmente em relação aos países desenvolvidos, um bacha- relado não proverá adequado discer- nimento entre aqueles que estão em busca de emprego. Haverá uma luta para que seja “adornado” o currícu- lo educacional – uns optarão por pro- gramas de MBA, masters ou PhD; por outro lado, muitos buscarão um re- médio mais rápido proporcionado, por exemplo, por um curso profissiona- lizante de curta duração. JU – O senhor concorda com a tese de que é preciso romper as barreiras departamentais? Sowter – Ah... Convergência! Não creio que “barreira” seja um ter- mo apropriado – apesar de que, mui- tas vezes, possa dar essa impressão. O conhecimento precisa ser decom- posto em unidades para que possa- mos administrá-lo e levá-lo adiante. E eu não tenho expectativas de ver uma mudança no modo em que as univer- sidades são estruturadas. Aquelas que conseguirem serão as mais aptas a estabelecer uma sinergia. O ambiente acadêmico ideal pode- ria assemelhar-se a uma série de células adjuntas separadas por membranas, sendo o “combustível” individualmen- te por elas requerido – o conhecimento – trocado por osmose. As zonas fron- teiriças devem existir simplesmente para a administração de pessoas e or- ganizações, mas não deveriam ser vis- tas ou usadas como barreiras. JU – Nesse contexto, especi- alistas apontam uma situação paradoxal: apesar de todo o avanço da ciência, a maior par- te gerado nas próprias institui- ções de ensino superior, a uni- versidade não está conseguindo acompanhar a evolução do co- nhecimento. Isso de fato aconte- ce? Qual seria o modelo ideal? Sowter – Penso ter, de certa for- ma, abordado isso em minha resposta anterior, mas entendo que o foco não deveria estar no nível da universida- de, mas na comunidade acadêmica, em todas as nações e no âmbito das disciplinas. Creio que o melhor ambi- ente, tanto para o sucesso institucio- nal como para o aprimoramento da sociedade, deveria ser o da “compe- tição colaborativa”, – se dois labora- tórios trabalham objetivando a cura do câncer, até alcançá-lo existe uma sé- rie de passos a serem dados. As descobertas feitas ao longo desse caminho precisam ser reveladas integralmente, tendo em vista que o outro laboratório pode estar em me- lhor posição para dar o próximo pas- so. É preciso sentir-se à vontade para ver reconhecido cada pequeno passo, mas não interromper o progresso na busca da grande vitória. JU – Guardando as peculiari- dades de cada país, a dicotomia financiamento público e privado é recorrente. Na sua opinião, qual é o papel do Estado e o da empresa no financiamento da pesquisa e do ensino? Sowter Acredito que o fato des- sas instâncias assumirem uma abor- dagem mais personalista está de acor- do com os interesses das universidades – a competição move o progresso, e os governos necessitam que seus se- tores de educação superior sejam competitivos para gerar capital huma- no e pesquisa para impulsionar o cres- cimento econômico. As companhias, por sua vez, precisam de idéias e pessoas capazes de gerar renda dire- ta e indireta. O setor privado provavelmente só exercerá um papel nesse crescimen- to na medida em que recursos estatais sejam estendidos a mais universida- des e estudantes. A dificuldade está em avaliar e priorizar fatores que trazem menos benefícios diretos – muitos governos vêem a engenharia, a ciên- cia e a tecnologia como áreas funda- mentais de investimento, mas desva- lorizam as artes e humanidades em termos de contribuição para o progres- so social. Não obstante a urgência aplicada pela maioria dos sistemas democráticos, os governos deveriam tentar resistir ao esforço para o suces- so rápido se este vem em detrimento dos ganhos de longo prazo. JU – O ranking aponta que as universidades mais bem-sucedi- das são aquelas que conseguem conectar-se a uma economia que investe e premia o conheci- mento novo, sobretudo por meio de patentes. O processo de ob- tenção de patentes, entretanto, é invariavelmente caro e depen- de de investimentos na maioria dos países. Ademais, em muitos países – Brasil, inclusive – falta aproximação entre a indústria e a academia. O que é preciso fa- zer para que os processos que geram a inovação sejam difun- didos e barateados? Sowter Sucesso em muitos campos é um ciclo virtuoso. Não é di- ferente entre as universidades. Suces- so atrai dinheiro, que paga pessoas e instalações, que por sua vez facilitam o sucesso. Esses fatores disparam o efeito “bola-de-neve”. Atualmente, a inovação é um componente funda- mental do sucesso – uma vez alcan- çado, o dinheiro para a requisição de patente é obtido. Mas como chegar lá? Bem, ainda depende da produção de trabalho excelente e de promover sua implementação. Conheci, há pouco tempo, um empreendedor do setor de eletrônica que me disse não se importar em obter a patente. Segundo ele, no momento em que conseguem a paten- te, a tecnologia já está obsoleta. Ade- mais, ele me disse que a China está fabricando versões mais baratas de seus produtos. O empresário acredi- tava que a vida útil de um novo pro- duto era de, no máximo, 9 meses. O melhor exemplo de incremento à inovação numa universidade foi a que vi na Universidade Politécnica de Hong Kong, onde eles realizavam pesquisa acerca dos estágios iniciais do desenvolvimento de produtos. Os investidores não vêem somente equa- ções, mas também a aplicação de uma ciência parcialmente desenvolvida – eles têm no campus o que chamam de “casa da inovação”, que usam para abrigar eventos públicos e está aber- ta ao público diariamente. Muitas lide- A lista por dentro Peso 40% 20% 20% 10% 5% 5% 5,1 mil acadêmicos elegem as melhores instituições em suas áreas de atuação Número total de citações entre 2002 e 2006 Razão entre o número de acadêmicos e de estudantes Preferências de 1,4 mil empregadores dos setores público e privado Quantidade de acadêmicos estrangeiros na universidade Número de estudantes estrangeiros na instituição Critérios ranças do mundo dos negócios não são cientistas – a abordagem adotada por esta universidade faz com que os riscos em que incorrem os empresá- rios sejam muito menores, o que com- prova ser uma estratégia muito eficaz para atrair investimentos. JU – Na sua opinião, o que o ranking apontou de mais sur- preendente? Sowter – Uma surpresa consis- tente é a de que um maior número de universidades da Europa continental não se apresentam com maior brilho em nossa metodologia. Instituições britânicas, australianas e holandesas apresentam, talvez, um desempenho mais vigoroso do que o esperado – a inclusão de duas instituições brasilei- ras dentre as 200 melhores foi defini- tivamente uma agradável surpresa. Maior surpresa, ainda, não foi tanto os resultados mas a variedade de re- ações evocadas. JU – A Unicamp saltou da 448ª para 177ª lugar no ranking? A que o senhor atribui esse de- sempenho? Sowter Desde o lançamento do ranking, em 2004, detectaram-se os- cilações na análise comparativa de dados finais de diferentes edições. Isso nos chamou a atenção para a ocorrên- cia de eventuais falhas na nossa meto- dologia. Passamos então a desenvolver um intenso trabalho visando estabilizar os resultados subseqüentes. O salto do 448 o lugar para o 177 o. foi, inquestio- navelmente, muito expressivo. Tal fato, entretanto, pode ser uma evidência, em certa medida, de que nossos dados não foram suficientes para a avaliação do desempenho da Unicamp nas edições anteriores, ou seja, mascararam a sua real condição. JU – Para onde caminha a universidade do século 21? Sowter – Penso que instituições de segundo escalão vão se especializar, tornando-se excelentes em, pelo menos, uma área; a pesquisa continuará sendo o foco das melhores universidades; haverá uma indistinção das áreas limí- trofes entre disciplinas, setores, institui- ções e mesmo entre nações; e o núme- ro de estudantes, em proporção, conti- nuará a aumentar com um particular foco na educação de pós-graduação. TRADUÇÃO: Luís Antonio Vivarelli Curti ÁLVARO KASSAB [email protected] inglês Ben Sowter, coordenador do ranking organizado pela QS Quacquarelli Symonds e publicado no The Times Higher Education Supplement, vê a inclusão da USP e da Unicamp como uma das surpresas da lista. No caso da Unicamp, Sowter sugere que a Universidade já poderia estar no ranking caso tivessem sido adotados, em edições anteriores, critérios introduzidos no últi- mo levantamento. Na entrevista que segue, Sowter revela as novidades do ranqueamento e analisa os rumos da universidade contemporânea. O Foto: Antonio Scarpinetti A lista por dentro

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Page 1: JORNAL DA UNICAMP Revisão de critérios amplia espectro do ... · Jornal da Unicamp – Em que medida ... 200 melhores classificados. JU – O levantamento entrou na sua quarta edição

4 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 3 a 9 de dezembro de 2007 Edição especial

Jornal da Unicamp – Em quemedida este ranking pode ser umindicador dos rumos da univer-sidade contemporânea?

Ben Sowter – Toda lista classi-ficatória tem de fazer concessões dealguma natureza. Fatores sujeitos àmensuração e à disponibilidade dedados influenciam decisões estratégi-cas tomadas no decorrer da confec-ção das tabelas. Não são raros os ca-sos em que muitas das virtudes das uni-versidades não são passíveis de avali-ação por tabelas classificatórias.

De um modo geral, essas classifi-cações estabelecem, de uma maneirarazoavelmente forte, uma correlaçãocom a percepção de qualidade no meioindustrial, de modo que, como umindicador genérico, tais ranqueamen-tos são consistentes. As alterações nametodologia empregada este ano de-vem servir para estabilizar os resulta-dos a cada ano, e fazer da classifica-ção um importante instrumento a sersempre usado como um componenteno âmbito de uma decisão complexa.

JU – O que faz do ranking doHigher Education Supplementdiferente dos demais?

Sowter – Há três sistemas inter-nacionais classificatórios de universi-dades de maior importância. Acredi-to que aquilo que diferencia o do TheTimes dos demais é o fato de ele serfocado numa abordagem voltada alinhas das ciências sociais ao invés deapenas na chamada ciência pura. Oscomponentes são singulares em nos-so trabalho – pelo menos no contex-to internacional. Prevêem uma classi-ficação mais inclusiva, que abarca ins-tituições menos conhecidas, sediadasàs vezes em países que aparentementenão teriam chances de figurar no le-vantamento. Vale lembrar que 28 na-ções estão representadas entre nossos200 melhores classificados.

JU – O levantamento entrouna sua quarta edição. Quaisforam as mudanças mais signi-ficativas registradas ao longodesse período de quatro anos?

Sowter – O exercício em si vemganhando reconhecimento e, portan-to, os coeficientes de participaçãonunca foram tão grandes, assimcomo a massa de dados recolhidosnas universidades. A equipe que dásuporte a esse trabalho cresceu con-sideravelmente, levando a um maiorempenho na verificação e validaçãodos resultados. A análise dos empre-gadores foi incluída em 2005 e temsido reforçada a cada ano – em 2007,mudamos a verificação de citaçõespara o banco de dados da Scopus[empresa cuja sede fica na Holanda],o que nos permitiu agregar um servi-ço de inteligência à força-tarefa depesquisa de 127 instituições.

JU – O ranking revela uma as-simetria entre os indicadores dasinstituições de países ricos e dasnações em desenvolvimento.Entre as 200 contempladas, porexemplo, temos apenas quatroinstituições baseadas em trêspaíses em desenvolvimento. Épossível reverter essa realidade?Se sim, de que maneira?

Sowter – Acredito que isso seja atécerto ponto inevitável, muito emboraesse fenômeno se manifeste em me-nor grau em nossas classificações doque em outras. Dinheiro é um forteatrativo para os pesquisadores maisdestacados, e os países mais abasta-dos, aos quais você se refere, sãotambém, em geral, destinos historica-mente procurados por estudantesestrangeiros. Alguns desses países maisprósperos também têm o inglês comolíngua nativa, o que lhes dá uma van-

Revisão de critérios amplia espectro do ranking

tagem nos círculos acadêmicos.Estamos trabalhando na tradução

de nossas pesquisas em mais línguas– inglês e espanhol são as opções domomento – podendo, assim, levá-lasa novas regiões do mundo. De ummodo geral, fazer parte dessas clas-sificações é um grande desafio para asuniversidades de países em desenvol-vimento e um grande crédito para aspoucas que conseguem.

JU – O aumento da demandapor acesso a universidades dequalidade é uma tendênciamundial. Há quem veja nos cur-sos mais curtos, voltados para omercado e mais especializados,uma saída para o impasse. O se-nhor concorda com essa opção? Como resolver esta equação? Sowter – Sob certa perspectiva,

estar apto a fazer esses cursos numauniversidade renomada aumentaria oacesso às melhores “grifes” educaci-onais. Qual seria, entretanto, seu cus-to? Cursos vocacionais, com os grausde especialização que você menciona,podem ser ótimos para o desenvolvi-mento de determinado conjunto dehabilidades, não se constituindo, po-rém, um benefício para a educação dasociedade como um todo – certamentenão às custas de graus plenos.

O que é possível tornar-se realida-de é que, particularmente em relaçãoaos países desenvolvidos, um bacha-relado não proverá adequado discer-nimento entre aqueles que estão embusca de emprego. Haverá uma lutapara que seja “adornado” o currícu-lo educacional – uns optarão por pro-gramas de MBA, masters ou PhD; poroutro lado, muitos buscarão um re-médio mais rápido proporcionado, porexemplo, por um curso profissiona-lizante de curta duração.

JU – O senhor concorda coma tese de que é preciso romperas barreiras departamentais?

Sowter – Ah... Convergência!Não creio que “barreira” seja um ter-mo apropriado – apesar de que, mui-tas vezes, possa dar essa impressão.O conhecimento precisa ser decom-posto em unidades para que possa-mos administrá-lo e levá-lo adiante. Eeu não tenho expectativas de ver umamudança no modo em que as univer-sidades são estruturadas. Aquelas queconseguirem serão as mais aptas aestabelecer uma sinergia.

O ambiente acadêmico ideal pode-ria assemelhar-se a uma série de célulasadjuntas separadas por membranas,sendo o “combustível” individualmen-te por elas requerido – o conhecimento– trocado por osmose. As zonas fron-teiriças devem existir simplesmentepara a administração de pessoas e or-ganizações, mas não deveriam ser vis-tas ou usadas como barreiras.

JU – Nesse contexto, especi-alistas apontam uma situaçãoparadoxal: apesar de todo oavanço da ciência, a maior par-te gerado nas próprias institui-ções de ensino superior, a uni-versidade não está conseguindoacompanhar a evolução do co-nhecimento. Isso de fato aconte-ce? Qual seria o modelo ideal?

Sowter – Penso ter, de certa for-ma, abordado isso em minha respostaanterior, mas entendo que o foco nãodeveria estar no nível da universida-de, mas na comunidade acadêmica,em todas as nações e no âmbito dasdisciplinas. Creio que o melhor ambi-ente, tanto para o sucesso institucio-nal como para o aprimoramento dasociedade, deveria ser o da “compe-tição colaborativa”, – se dois labora-tórios trabalham objetivando a cura docâncer, até alcançá-lo existe uma sé-

rie de passos a serem dados.As descobertas feitas ao longo

desse caminho precisam ser reveladasintegralmente, tendo em vista que ooutro laboratório pode estar em me-lhor posição para dar o próximo pas-so. É preciso sentir-se à vontade paraver reconhecido cada pequeno passo,mas não interromper o progresso nabusca da grande vitória.

JU – Guardando as peculiari-dades de cada país, a dicotomiafinanciamento público e privadoé recorrente. Na sua opinião,qual é o papel do Estado e o daempresa no financiamento dapesquisa e do ensino?

Sowter – Acredito que o fato des-sas instâncias assumirem uma abor-dagem mais personalista está de acor-do com os interesses das universidades– a competição move o progresso, eos governos necessitam que seus se-tores de educação superior sejamcompetitivos para gerar capital huma-no e pesquisa para impulsionar o cres-cimento econômico. As companhias,por sua vez, precisam de idéias epessoas capazes de gerar renda dire-ta e indireta.

O setor privado provavelmente sóexercerá um papel nesse crescimen-to na medida em que recursos estataissejam estendidos a mais universida-des e estudantes. A dificuldade está emavaliar e priorizar fatores que trazemmenos benefícios diretos – muitosgovernos vêem a engenharia, a ciên-cia e a tecnologia como áreas funda-mentais de investimento, mas desva-lorizam as artes e humanidades em

termos de contribuição para o progres-so social. Não obstante a urgênciaaplicada pela maioria dos sistemasdemocráticos, os governos deveriamtentar resistir ao esforço para o suces-so rápido se este vem em detrimentodos ganhos de longo prazo.

JU – O ranking aponta que asuniversidades mais bem-sucedi-das são aquelas que conseguemconectar-se a uma economiaque investe e premia o conheci-mento novo, sobretudo por meiode patentes. O processo de ob-tenção de patentes, entretanto,é invariavelmente caro e depen-de de investimentos na maioriados países. Ademais, em muitospaíses – Brasil, inclusive – faltaaproximação entre a indústria ea academia. O que é preciso fa-zer para que os processos quegeram a inovação sejam difun-didos e barateados?

Sowter – Sucesso em muitoscampos é um ciclo virtuoso. Não é di-ferente entre as universidades. Suces-so atrai dinheiro, que paga pessoas einstalações, que por sua vez facilitamo sucesso. Esses fatores disparam oefeito “bola-de-neve”. Atualmente, ainovação é um componente funda-mental do sucesso – uma vez alcan-çado, o dinheiro para a requisição depatente é obtido. Mas como chegar lá?Bem, ainda depende da produção detrabalho excelente e de promover suaimplementação.

Conheci, há pouco tempo, umempreendedor do setor de eletrônicaque me disse não se importar emobter a patente. Segundo ele, nomomento em que conseguem a paten-te, a tecnologia já está obsoleta. Ade-mais, ele me disse que a China estáfabricando versões mais baratas deseus produtos. O empresário acredi-tava que a vida útil de um novo pro-duto era de, no máximo, 9 meses.

O melhor exemplo de incrementoà inovação numa universidade foi aque vi na Universidade Politécnica deHong Kong, onde eles realizavampesquisa acerca dos estágios iniciaisdo desenvolvimento de produtos. Osinvestidores não vêem somente equa-ções, mas também a aplicação de umaciência parcialmente desenvolvida –eles têm no campus o que chamam de“casa da inovação”, que usam paraabrigar eventos públicos e está aber-ta ao público diariamente. Muitas lide-

A lista por dentro Peso

40%20%20%10%

5%5%

5,1 mil acadêmicos elegemas melhores instituições emsuas áreas de atuaçãoNúmero total de citaçõesentre 2002 e 2006

Razão entre o número deacadêmicos e de estudantes

Preferências de 1,4 milempregadores dos setorespúblico e privado

Quantidade de acadêmicosestrangeiros na universidade

Número de estudantesestrangeiros na instituição

Critérios

ranças do mundo dos negócios nãosão cientistas – a abordagem adotadapor esta universidade faz com que osriscos em que incorrem os empresá-rios sejam muito menores, o que com-prova ser uma estratégia muito eficazpara atrair investimentos.

JU – Na sua opinião, o que oranking apontou de mais sur-preendente?

Sowter – Uma surpresa consis-tente é a de que um maior número deuniversidades da Europa continentalnão se apresentam com maior brilhoem nossa metodologia. Instituiçõesbritânicas, australianas e holandesasapresentam, talvez, um desempenhomais vigoroso do que o esperado – ainclusão de duas instituições brasilei-ras dentre as 200 melhores foi defini-tivamente uma agradável surpresa.Maior surpresa, ainda, não foi tantoos resultados mas a variedade de re-ações evocadas.

JU – A Unicamp saltou da 448ªpara 177ª lugar no ranking? Aque o senhor atribui esse de-sempenho?

Sowter – Desde o lançamento doranking, em 2004, detectaram-se os-cilações na análise comparativa dedados finais de diferentes edições. Issonos chamou a atenção para a ocorrên-cia de eventuais falhas na nossa meto-dologia. Passamos então a desenvolverum intenso trabalho visando estabilizaros resultados subseqüentes. O salto do448o lugar para o 177o. foi, inquestio-navelmente, muito expressivo. Tal fato,entretanto, pode ser uma evidência, emcerta medida, de que nossos dados nãoforam suficientes para a avaliação dodesempenho da Unicamp nas ediçõesanteriores, ou seja, mascararam a suareal condição.

JU – Para onde caminha auniversidade do século 21?

Sowter – Penso que instituições desegundo escalão vão se especializar,tornando-se excelentes em, pelo menos,uma área; a pesquisa continuará sendoo foco das melhores universidades;haverá uma indistinção das áreas limí-trofes entre disciplinas, setores, institui-ções e mesmo entre nações; e o núme-ro de estudantes, em proporção, conti-nuará a aumentar com um particularfoco na educação de pós-graduação.

TRADUÇÃO: Luís Antonio Vivarelli Curti

ÁLVARO [email protected]

inglês Ben Sowter, coordenador do ranking organizado pela QSQuacquarelli Symonds e publicado no The Times HigherEducation Supplement, vê a inclusão da USP e da Unicampcomo uma das surpresas da lista. No caso da Unicamp, Sowtersugere que a Universidade já poderia estar no ranking caso

tivessem sido adotados, em edições anteriores, critérios introduzidos no últi-mo levantamento. Na entrevista que segue, Sowter revela as novidades doranqueamento e analisa os rumos da universidade contemporânea.

OFoto: Antonio Scarpinetti

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