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A lei civil mais importante discutida exaustivamente nos últimos cinco anos. O novo código se apresenta como o resultado de um consenso (possível) político e técnico-científico. É fora de dú- vida que nem todas as escolhas do novo código inspiram a concordância de todos. Assim, algumas inovações são festejadas, outras, nem tanto e ainda aquelas vistas com desconfiança. Mil e setenta e dois artigos. Sete vetos. O código ainda proje- tado foi plasmado sob 5 (cinco) objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constitui- ção Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à cau- sa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsiste- mas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão. A Parte Geral do CPC/2015 apre- senta em seus doze primeiros artigos as premissas normativas principiológicas. Colocadas propositadamente no início da codificação como um holofote com os refletores direcionados para os demais ar- tigos, põe em relevo o formalismo cons- titucional democrático embasado nos direitos fundamentais processuais dando unidade e coesão ao sistema normativo. O princípio da cooperação ganha lugar de destaque (art. 6º), demonstran- do, assim, que à luz da novel legislação, não há mais lugar para protagonismo no processo que passa a ser policêntrico. Uma das revelações do princípio é a adoção de uma “cláusula geral de negociação proces- sual” (art. 190 e 191). Assim, será possível Um novo código. Processo ou retrocesso? JORNAL DA ESCOLA SUPERIOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO 2 O TRIMESTRE DE 2015 | ED. Nº 1, ANO 1 estabelecer pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação, acordo para não promover execução provisória (enun- ciado 194 do Fórum Permanente de Pro- cessualistas Civis). De outro lado, o código não tole- ra as simulações de fundamentação nas quais o juiz repete o texto normativo que lhe pareceu adequado, sem justificar a sua opção (art. 489, §1º). Assim, deci- sões como: “Indefiro a tutela antecipada, pois ausente a prova inequívoca da veros- similhança da alegação e o periculum in mora” ou decisões que se limitam a invo- car precedente ou enunciado de súmulas, sem identificar seus fundamentos deter- minantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles funda- mentos, constituirão uma não decisão. O princípio da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIIII da CR e art. 4º do CPC/2015) apresenta diversos afloramentos no novo código, neste ho- rizonte, a regra de que os processos de- vem ser julgados de acordo com a ordem cronológica de conclusão (art. 12). De outro, o novo código adotou um modelo misto, indicando, a um só tempo, como serão praticados os atos processuais em autos de processo de papel e/ou eletrôni- co. No tocante ao sistema recursal, uni- formiza-se o prazo recursal em 15 dias, com exceção dos embargos de declaração (§5º do art. 1.003). No tocante à apela- ção, ao recurso especial e ao recurso ex- traordinário, o legislador subtrai o Juízo de admissibilidade do órgão judicial a quo para concentrá-lo no Tribunal desti- natário do recurso. (art. 1010, §3º e art. 1.028, §3º). Com a supressão do agravo retido, as decisões interlocutórias como regra deverão ser alvejadas em prelimi- nar de apelação, salvo quanto àquelas em que o legislador expressamente permitiu o agravo de instrumento. (Art. 1.009 §1º). Quanto aos embargos infringentes, um retrocesso. Deixam de existir como modalidade recursal e passam a existir como técnica de julgamento aplicável à apelação, à ação rescisória e ao agravo de instrumento.(art. 942). O CPC/2015, firme no propó- sito de conferir maior celeridade proce- dimental à execução, manteve a adoção do sincretismo processual. Este modelo de execução foi estendido, de forma ex- pressa, para o cumprimento de sentença dos alimentos e contra a fazenda pública (artigos 528 e 534 CPC/2015). O sistema jurídico brasileiro en- contra-se em movimento de convergência entre o civil law e o common law, com a utilização cada vez mais corrente de deci- sões jurisprudenciais como fonte de apli- cação do Direito. À luz do CPC/2015, o julgamento liminar de improcedência, assunção de competência, uniformização da jurisprudência, os recursos especial e extraordinário sobre matérias idênticas são reescritos no novo código. Lateral- mente surge, com ineditismo e boa dose de esperança, o incidente de resolução de demandas repetitivas com o objetivo de promover a coerência da ordem jurídica e como resultado a segurança jurídica e a isonomia, mediante julgamento em blo- co (art. 976 a 987). A tutela de urgência e de evidência é reescrita agora como espécies de Tutela Provisória. O Processo Cautelar e as me- GT Mulheres. Pg 3. CÂMARA DE COORDENAÇÃO. Pg 5. ENTREVISTA. Fredie Souza Didier Junior Pg 7. TRIBUNAIS SUPERIORES. Pg 7. Por Daniel Macedo - Defensor Público Federal no Rio de Janeiro.

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A lei civil mais importante discutida exaustivamente nos últimos cinco

anos. O novo código se apresenta como o resultado de um consenso (possível) político e técnico-cientí� co. É fora de dú-vida que nem todas as escolhas do novo código inspiram a concordância de todos. Assim, algumas inovações são festejadas, outras, nem tanto e ainda aquelas vistas com descon� ança. Mil e setenta e dois artigos. Sete vetos. O código ainda proje-tado foi plasmado sob 5 (cinco) objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia � na com a Constitui-ção Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à cau-sa; 3) simpli� car, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsiste-mas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão.

A Parte Geral do CPC/2015 apre-senta em seus doze primeiros artigos as premissas normativas principiológicas. Colocadas propositadamente no início da codi� cação como um holofote com os re� etores direcionados para os demais ar-tigos, põe em relevo o formalismo cons-titucional democrático embasado nos direitos fundamentais processuais dando unidade e coesão ao sistema normativo.

O princípio da cooperação ganha lugar de destaque (art. 6º), demonstran-do, assim, que à luz da novel legislação, não há mais lugar para protagonismo no processo que passa a ser policêntrico. Uma das revelações do princípio é a adoção de uma “cláusula geral de negociação proces-sual” (art. 190 e 191). Assim, será possível

Um novo código. Processo ou retrocesso?JORNAL DA ESCOLA SUPERIOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO 2O TRIMESTRE DE 2015 | ED. Nº 1, ANO 1

estabelecer pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação, acordo para não promover execução provisória (enun-ciado 194 do Fórum Permanente de Pro-cessualistas Civis).

De outro lado, o código não tole-ra as simulações de fundamentação nas quais o juiz repete o texto normativo que lhe pareceu adequado, sem justi� car a sua opção (art. 489, §1º). Assim, deci-sões como: “Inde� ro a tutela antecipada, pois ausente a prova inequívoca da veros-similhança da alegação e o periculum in mora” ou decisões que se limitam a invo-car precedente ou enunciado de súmulas, sem identi� car seus fundamentos deter-minantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles funda-mentos, constituirão uma não decisão.

O princípio da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIIII da CR e art. 4º do CPC/2015) apresenta diversos a� oramentos no novo código, neste ho-rizonte, a regra de que os processos de-vem ser julgados de acordo com a ordem cronológica de conclusão (art. 12). De outro, o novo código adotou um modelo misto, indicando, a um só tempo, como serão praticados os atos processuais em autos de processo de papel e/ou eletrôni-co. No tocante ao sistema recursal, uni-formiza-se o prazo recursal em 15 dias, com exceção dos embargos de declaração (§5º do art. 1.003). No tocante à apela-ção, ao recurso especial e ao recurso ex-traordinário, o legislador subtrai o Juízo de admissibilidade do órgão judicial a quo para concentrá-lo no Tribunal desti-

natário do recurso. (art. 1010, §3º e art. 1.028, §3º). Com a supressão do agravo retido, as decisões interlocutórias como regra deverão ser alvejadas em prelimi-nar de apelação, salvo quanto àquelas em que o legislador expressamente permitiu o agravo de instrumento. (Art. 1.009 §1º). Quanto aos embargos infringentes, um retrocesso. Deixam de existir como modalidade recursal e passam a existir como técnica de julgamento aplicável à apelação, à ação rescisória e ao agravo de instrumento.(art. 942).

O CPC/2015, � rme no propó-sito de conferir maior celeridade proce-dimental à execução, manteve a adoção do sincretismo processual. Este modelo de execução foi estendido, de forma ex-pressa, para o cumprimento de sentença dos alimentos e contra a fazenda pública (artigos 528 e 534 CPC/2015).

O sistema jurídico brasileiro en-contra-se em movimento de convergência entre o civil law e o common law, com a utilização cada vez mais corrente de deci-sões jurisprudenciais como fonte de apli-cação do Direito. À luz do CPC/2015, o julgamento liminar de improcedência, assunção de competência, uniformização da jurisprudência, os recursos especial e extraordinário sobre matérias idênticas são reescritos no novo código. Lateral-mente surge, com ineditismo e boa dose de esperança, o incidente de resolução de demandas repetitivas com o objetivo de promover a coerência da ordem jurídica e como resultado a segurança jurídica e a isonomia, mediante julgamento em blo-co (art. 976 a 987).

A tutela de urgência e de evidência é reescrita agora como espécies de Tutela Provisória. O Processo Cautelar e as me-

GT Mulheres.Pg 3.

CÂMARA DE COORDENAÇÃO. Pg 5.

ENTREVISTA. Fredie Souza Didier Junior Pg 7.

TRIBUNAIS SUPERIORES. Pg 7.

Por Daniel Macedo - Defensor Público Federal no Rio de Janeiro.

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EDIT

ORI

AL editorial

Apresentamos, com muita satisfação, a 1ª. edição do Jornal “Fórum DPU”, cujo nome foi escolhido, por votação da maioria dos membros da Defensoria Pú-blica da União, após consulta.

A pretensão da Escola Superior da Defensoria Pública da União, com este veículo informativo, é, simultaneamente, aproximar os Defensores Públicos Fede-rais das atividades acadêmicas, cientí� cas e de capacitação perpetradas por nossa ESDPU; fomentar e valorizar a propa-gação do conhecimento, cuja temática

se re� ra ou, no mínimo, tangencie a ati-vidade � nalística da Instituição; e, por � m, revelar a ESDPU como um órgão parceiro que almeja aperfeiçoar e atuali-zar técnica e pro� ssionalmente os mem-bros e servidores da Defensoria Pública da União.

A intenção é, a cada edição, apre-sentar, na capa, um artigo, conciso, sobre algum tópico que esteja sendo, hodierna-mente, debatido no domínio acadêmi-co-jurídico. Nesta edição, optou-se por dedicar esta seção ao novo Código de Processo Civil.

Constarão do jornal, também, as atividades acadêmico-cientí� cas e técni-co-pro� ssionais oferecidas e as que serão em breve disponibilizadas.

A relevância das Câmaras de Co-ordenação e Revisão da Defensoria Pú-blica da União (Câmara Criminal, Câ-mara Cível, Câmara Trabalhista, Câmara Previdenciária e Câmara de Direitos Hu-manos e Tutela Coletiva) e a correspon-dente função de padronizar, harmonizar e planejar estrategicamente a atuação constitucional da Instituição sugeriram a reserva de uma coluna deste jornal para cada uma das Câmaras, uma por edição, sendo, nesta, dedicada à Câmara de Co-ordenação Cível.

Do mesmo modo, em decorrência do brilhante trabalho desenvolvido pelos

Grupos de Trabalho (Combate ao Trá� co de Pessoas, Comunidades Indígenas, Co-munidades Quilombolas Tradicionais, Encerramento das Atividades nos Lixões, Erradicação do Trabalho Escravo, Garan-tia e Segurança Alimentar, Migrações e Refúgio, Mulheres, Presos e Rua) insti-tuídos no âmbito da Defensoria Pública da União, competirá a um destes GTs, na hipótese de aceitarem, expor tecnica-mente as di� culdades enfrentadas e as so-luções alcançadas, a � m de permitir que a atividade � nalística e individualizada do Defensor Público seja mais efetiva.

No mesmo contexto, com o intui-to de potencializar a prestação da assis-tência jurídica, será destinado um espaço para que seja apreciado, sob o enfoque de um membro da Defensoria Pública, um julgado dos Tribunais Superiores, a � m de que esta jurisprudência seja disseminada e discutida internamente pela carreira.

Por � m, a última seção do nosso jornal será, sempre que possível, destina-da a um doutrinador exógeno à carreira e de exponencial saber, com o almejo de responder às perguntas encaminhadas pela ESDPU, em tema contemporâneo e de interesse da Instituição. Nesta opor-tunidade, agradecemos ao Livre-Docente (USP) e Professor Doutor Fredie Didier Jr. por participar deste projeto.

A novel legislação ao tempo que combate a conhecida jurisprudência de-fensiva dos Tribunais de superposição, supera diversos entendimentos com pre-visão em súmulas e julgados das Cortes Superiores (não menos do que 19 posi-cionamentos).

Contudo, as inovações não serão su� cientemente frutíferas se não vierem acompanhadas de uma mudança de mentalidade e com a assunção de uma postura mais discursiva no procedimen-to. Lateralmente, a má gestão judicial

dos processos, a inoperância das agências reguladoras, a formação excessivamen-te contenciosa dos alunos de direito, a pouca difusão das formas alternativas de resolução dos con� itos - em especial a mediação - a de� ciência do contencioso administrativo e o excesso de demandas tendo como parte o Estado são alguns fatores que contribuem sobremaneira para retardar o que é esperado pelo novo código. Apenas o tempo dará a resposta. O código é um avanço no retrocesso da sociedade.

didas cautelares típicas deixam de existir como � guras e regramento autônomos. As medidas cautelares, então existentes, serão requeridas no bojo do mesmo pro-cesso, sem a necessidade de instauração de relação jurídica processual nova.

Um título dedicado exclusivamen-te à Defensoria Pública no CPC/2015 (Título VII, Da Defensoria Pública). Bas-ta pensar que a novel legislação faz alusão à “Defensoria Pública” ou ao “Defensor Público” em não menos que 57 (cinquen-ta e sete) oportunidades.

Fernando Mauro Barbosa de Oliveira Junior Defensor Público Federal - Diretor da Escola Superior da Defensoria Pública da União.

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GT Mulheres

A partir de articulações com a Secreta-ria Especial de Proteção às Mulheres, vinculada diretamente à Presidência da República, a Defensoria Pública da União criou, por meio da Portaria n. 907, de 25 de novembro de 2013, um grupo de trabalho para tratar do tema: “GT Acesso à Justiça Gratuita e Integral às Mulheres Vítimas de Violência Pro-cessadas por Sequestro Internacional de Crianças da Convenção de Haia, bem como às Migrantes nas Fronteiras Secas, às Estrangeiras em Situação de Prisão e Vítimas de Trá� co Internacional de Mu-lheres”, que � cou conhecido como GT Mulheres. O GT conta como membros os Defensores Públicos Federais: Daniela Corrêa Jacques Brauner (presidente, titu-lar centro-oeste), Nara de Souza Rivitti (titular sudeste), Carlos Eduardo Regí-lio Lima (titular sul), Mariana Doering Zamprogna (titular norte), Átila Ribeiro Dias (titular nordeste), Celso Gabriel de Rezende (suplente centro-oeste), Érico Lima de Oliveira (suplente sudeste), Éri-ca de Oliveira Hartmann (suplente sul), Vanessa Almeida Moreira Barossi (su-plente norte) e Pedro de Paula Lopes de Almeida (suplente nordeste).

O grupo se debruçou, neste últi-mo ano, sobre o tema da subtração in-ternacional de crianças, mais especi� ca-mente na defesa das mulheres acusadas de sequestro internacional. A par do direito de defesa que deve ser garantido no âmbito do real (e não apenas formal), impende observar que a questão relativa a esse ponto envolve direitos fundamen-tais tanto do ponto de vista da criança, que é o indivíduo chave da proteção da Convenção da Haia, quanto do ponto de vista dos pais que estão em disputa pelo seu retorno ou não ao país de residência habitual. Nesse ponto, revela-se a impor-

tância de atuação do GT para a defesa das mulheres quando acusadas de subtra-ção ilegal de seus � lhos.

Esse recorte de gênero é impor-tante, pois se observou uma vulnera-bilidade maior desse grupo com uma identidade própria. Embora a igualdade formal entre homens e mulheres esteja prevista expressamente no ordenamento jurídico brasileiro, a igualdade material ainda está longe de ser alcançada. A di-visão sexual do trabalho, que associa os homens à esfera pública e as mulheres à esfera privada, é determinante das situa-ções vividas por cada um de acordo com o gênero. Assim, a esfera pública ainda é ocupada majoritariamente por homens, sendo um exemplo expressivo o reduzido número de mulheres ocupantes de car-gos eletivos. De outro lado, as mulheres seguem sobrecarregadas com as tarefas domésticas e de cuidados, o que di� cul-ta o exercício de atividades pro� ssionais, manutenção no emprego e ascensão na carreira. Quando desempenham ativida-des pro� ssionais, as mulheres recebem menos do que os homens.

Não é possível manter uma noção de direitos humanos pretensamente neu-tra, que ignora a realidade sexuada e que não questiona a desigualdade de poder de origem sexual em nossas sociedades.

A distribuição de poder (político, econômico, de decisão) é desigual entre homens e mulheres, nas diferentes esferas da existência (doméstica, familiar, pro� s-sional, pública). Uma instituição como a Defensoria Pública, que tem como um dos objetivos promover a igualdade, não pode ignorar essa desigualdade de base, sendo necessário que atue ativamente para eliminar a discriminação sexista e possibi-litar a garantia dos direitos das mulheres, de todas as mulheres em sua diversidade.

As mulheres estão em situação de desvantagem em nossa sociedade, e em decorrência disso vivem experiências de maior vulnerabilidade em algumas si-tuações. Tendo a Defensoria Pública da União, em conjunto com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, constatado que em situa-ções especí� cas relacionadas à migração as mulheres sofrem privações especí� cas decorrentes das desigualdades de gênero, deliberou-se pela necessidade de instituir um grupo especí� co para garantir que os direitos dessas mulheres sejam assegura-dos em sua plenitude.

No âmbito da subtração interna-cional de crianças, o GT tem como ob-jetivo atender a 100% dos casos em que o órgão for procurado para a defesa das mulheres processadas, independentemen-te se, no local, há sede da Defensoria Pú-blica da União, � exibilizando o parâmetro da renda no que tange à possibilidade de atuação. Considera-se para tanto a políti-ca de gênero envolvida na criação do GT e o critério de hipossu� ciência social.

Identi� ca-se, no contexto das mu-lheres processadas por subtração interna-cional de crianças, uma vulnerabilidade social, atinente à questão envolvendo a complexidade do direito internacional privado, do papel do Estado brasilei-ro como articulador para fazer cumprir um tratado (o aparelhamento do Estado anteriormente analisado) e mais, uma possibilidade concreta de violação de um direito fundamental relacionado à convi-vência familiar entre mãe e � lho. Assim, identi� cada essa vulnerabilidade associa-da à defesa e promoção dos direitos fun-damentais como função do Estado, está justi� cada a atuação dos GT a todas as mulheres que busquem suporte na De-fensoria Pública como instituição pro-

GT’

S

Por Daniela Correa Jacques Brauner - Defensora Pública Federal em Brasília. Presidente do Grupo de Trabalho Mulheres.

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motora de seu direito de defesa no pro-cesso envolvendo a discussão a respeito da violação à Convenção da Haia sobre Sequestro Internacional.

O objetivo principal de atuação é efetivar uma defesa de qualidade para que os casos de exceção ao retorno, dan-tes mencionados, possam ser conhecidos e analisados pela autoridade competen-te. O deferimento de assistência jurídica integral a essas mulheres constitui uma forma de paci� cação social e de proteção à criança, pois além do auxílio extraju-dicial no sentido de fornecer todos os parâmetros de compreensão necessários ao entendimento do processo, equilibra a relação endoprocessual, pois possibilita uma equiparação de forças no processo de retorno em que tão bem estruturado se apresenta o Estado brasileiro.

Assim, o GT, respeitando a inde-pendência funcional como princípio que deve reger a atuação do Defensor Pú-blico, elaborou um roteiro de atuação e modelos de peças visando a subsidiar a prática jurídica relacionada a esses casos. Esses modelos, em breve, estarão dispo-níveis na intranet, mas, por enquanto, podem ser requeridos a qualquer um dos membros do GT ou por nosso e-mail.

Foi criado também um e-mail de comunicação direta com o GT tanto em relação aos membros que queiram enca-minhar casos ou trocar ideias como tam-bém para as assistidas que podem obter orientação jurídica diretamente do GT,

independentemente do local em que este-jam. Trata-se do e-mail: [email protected]. Recentemente, uma brasileira, na Argentina, buscou contato com a DPU de Porto Alegre através de um parente próxi-mo e o caso foi encaminhado ao GT pela Defensora Dra. Lilian Alves Ackermann. Conjuntamente, já que grande parte do trabalho já estava sendo realizado pela colega de Porto Alegre, o GT entrou em contato com a assistida para prestar orien-tações jurídicas sobre a subtração interna-cional de crianças e a Convenção da Haia, visando a subsidiar as ações tomadas pela parte para a proteção de sua convivência familiar com a � lha.

Com relação aos locais em que não haja sede da Defensoria Pública da União e caso a requerente se dirija a um núcleo próximo, pedimos que seja aber-to o PAJ e encaminhado à Assessoria Internacional, que fará conclusão a um dos membros do GT para atuação a dis-tância. Recentemente, foi realizado um atendimento a uma assistida nessa situ-ação e, com sucesso, foi obtido acordo e a mesma retornou para o país de origem, tendo sido prestada assistência jurídica integral e gratuita, sem qualquer ônus de deslocamento, por meio de uma inte-grante do GT. Nos casos em que for ne-cessário deslocamento, o GT providen-ciará o requerimento por meio de DPU Itinerante.

A par dessa função, o GT estabe-lece como meta primordial a busca pela

conciliação entre as partes. Neste ponto, atua junto às autoridades competentes, visando à concretização de acordos que envolvam toda a temática cingida na so-lução do con� ito entre os genitores em disputa. Entende-se que o retorno, na realidade, põe � m ao processo de resti-tuição, mas não ao con� ito familiar que está subjacente.

Assim, o papel da Defensoria não se resume exclusivamente à defesa dessas mulheres processadas em juízo, senão também abrange a orientação jurídi-ca e a promoção dos direitos humanos, conforme art. 3º da Lei Complementar 132/2009. O papel da Defensoria na Convenção da Haia visa a equilibrar o quadro apontado anteriormente de iso-lamento do indivíduo que se vê proces-sado pelo Estado brasileiro por subtração internacional de crianças. Esse equilíbrio é buscado por meio de uma articulação, dentro do órgão, para atender a deman-da, sobretudo, mas não excludente, do grupo de mulheres acusadas de seques-tro, por meio de um GT especí� co para esse � m.

A � m de subsidiar a atuação do GT e orientar políticas especí� cas para essa proposta, solicita-se aos núcleos que os casos de subtração sejam identi� cados com um marcador especí� co “subtração internacional de crianças”, o que facili-tará, para o futuro, a identi� cação dos casos em que a Defensoria Pública da União tenha atuado.

A Câmara de Coordenação e Revisão Cí-vel da Defensoria Pública da União, que é órgão setorial de padronização e har-monização, bem como de planejamento estratégico e acompanhamento da atua-ção da instituição em nível nacional, e de

assessoramento ao exercício da atividade de prestação da assistência jurídica da Defensoria Pública da União (Resolução DPU/CSDPU nº 33 de 21/10/2009), possui um enorme desa� o institucio-nal e jurídico com a promulgação do

Câmara de Coordenação e Revisão Cível e o Novo Código de Processo Civil

Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 13.105/15).

Diante de uma série de novidades introduzidas pelo recém-nascido diploma processual, contemplando, signi� cativa-mente, a Defensoria Pública como legíti-

CÂM

ARA

S

Por Wagner Ramos Kriger - Defensor Público Federal em Natal. Membro da Câmara de Coordenação e Revisão Cível.

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ma instituição constitucional prestadora de assistência jurídica à parte hipossu� ciente, com sua integração aos demais órgãos ou instituições participantes da relação jurídi-ca processual, passando a ter um capítulo exclusivo (Título VII – art. 185 e seguin-tes), a harmonização e o acompanhamen-to nacional serão tarefas irrenunciáveis da Câmara Cível, para que seja mantida uma só liturgia processual de atuação da Defen-soria em âmbito nacional.

A vicissitude da Câmara será pri-mordial, pois ela passará a ser um órgão consultivo/colaborador do Defensor, ao invés de mero revisor de arquivamento. Aliás, nos últimos anos, a Câmara de Coordenação e Revisão Cível (CCRC) funcionará apenas como órgão revisio-nal, em decorrência de inúmeros fatores, dentre eles destacam-se: o reduzido nú-mero de defensores membros em cada Câmara; a falta de estrutura logística e pessoal; o não afastamento dos defenso-res membros das atividades originárias; a ausência de diretrizes; a reduzida pontu-ação para � ns de promoção.

A participação proativa da Câ-mara de Coordenação e Revisão Cível (CCRC) é de fundamental importância para engrandecimento da Defensoria Pública da União, promovendo e di-vulgando teses jurídicas institucionais, a padronização de procedimentos, a ge-ração de banco de peças, a publicação mensal de suas decisões mais relevantes, dentre outras medidas. Dessa maneira, a Câmara deixaria seu papel secundário e passaria a ter função primária ao lado dos Defensores, proporcionando-lhes um su-porte jurídico institucional sem afrontar o princípio da independência funcional. Todavia, apesar do esforço hercúleo de seus membros, não é possível a referida atuação hodiernamente.

Com o Novo CPC, esse cenário impreterivelmente tem que mudar, sob pena de os Defensores se tornarem me-ros “advogados dativos” e não membros de uma instituição essencial e constitu-cionalmente estabelecida.

Vejamos um ponto de extrema sensibilidade e de profunda interpreta-ção, cuja contribuição da Câmara Cível será de fundamental importância, que diz respeito ao novel instituto denomi-

nado de incidente de resolução de de-mandas repetitivas, previsto no art. 976 e seguintes, inspirado no “Kapitalanle-ger-Musterverfahren” do direito alemão, visando sanar, perante os Tribunais, con-trovérsia de tese jurídica deduzida em demanda repetitiva, que venha a gerar insegurança jurídica. Com a instauração do incidente, os processos pendentes (in-dividuais ou coletivos), que tramitam no Estado ou na Região, serão suspensos até decisão � nal do Tribunal.

Com a de� nição da tese jurídica pelo Tribunal, todos os processos repeti-tivos seguirão a mesma sorte, ou seja, a tese jurídica será aplicada a todos os pro-cessos que versem sobre idêntica ques-tão de direito e que tramitam na área de jurisdição do respectivo Estado ou Re-gião, inclusive àqueles que correm nos juizados especiais. A decisão alcançará, inclusive, futuras demandas que versem sobre idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de com-petência do Tribunal.

Então, imagina-se uma demanda de estudante contemplado pelo Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), ob-jetivando a dispensa de � ança convencio-nal ou solidária, mediante sua adesão ao Fundo de Garantia de Operações de Cré-dito Educativo (FGEDUC), ainda que seu contrato seja anterior ao ingresso da Faculdade no referido fundo, lembrando que o fundo, sob a gestão do Banco do Brasil, tem por objetivo garantir eventual inadimplência do contrato de � nancia-mento estudantil, sem a necessidade de garantia � dejussória, cuja adesão do estu-dante dependente de prévio ingresso de sua instituição de ensino superior (IES) ao Fundo , em regime de coparticipação � nanceira. A tese jurídica suscitada, em sede de incidente, e decidida pelo Tribu-nal Regional Federal, foi a de que não é possível a inclusão do estudante no FGEDUC em respeito ao ato jurídico perfeito, uma vez que, quando da cele-bração do contrato de FIES, a IES não havia ingressado o contrato com FGE-DUC. Logo, não é possível a alteração da garantia contratual superveniente se o contrato é anterior à participação da IES no FGEDUC.

Com a de� nição da tese jurídica,

todas as demandas ajuizadas pela Defen-soria sobre a mesma questão jurídica ou as que serão ajuizadas, não obterão êxi-to. Destarte, ciente do posicionamen-to do Tribunal em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas, cabe ao Defensor determinar o arquivamen-to do PAJ por inviabilidade jurídica da pretensão, com a devida homologação da Câmara de Coordenação e Revisão Cível (CCRC). A � m de colaborar juri-dicamente, a Câmara poderá editar um enunciado de aplicação restrita às unida-des de atuação dentro da jurisdição do Tribunal, que de� nira a tese jurídica, reproduzindo tal entendimento, evitan-do-se, dessa forma, a remessa de processo de assistência jurídica ao órgão quando o defensor fundamentar seu arquivamen-to na idêntica tese jurídica. Além disso, com enunciado editado pela Câmara, passa-se a consubstanciar uma tese jurí-dica institucional, que servirá de diretriz endoprocessual e extraprocessual.

En� m, o diploma processual, que entra em vigor no dia 16 /03/ 2016, será um desa� o para todos aqueles que atuam e participam do sistema jurídico processual, culminando na dissemina-ção de diversas interpretações de seus dispositivos. Desta feita, cabe à DPU cumprir seu papel institucional e pro-cessual, deixando de ser mera coadju-vante e, sim, protagonista da efetiva consolidação do novo sistema proces-sual, e, por meio da Câmara de Coor-denação e Revisão Cível, propugnar e cooperar com os novos entendimentos que surgirão e serão consolidados, em sua maioria, perante o Superior Tribu-nal de Justiça, cuja interpretação será consagrada em âmbito nacional.

Assim, com o novo diploma pro-cessual, a Câmara de Coordenação e Revisão Cível da Defensoria Pública da União cooperará, na medida do possível, com a construção interpretativa da nova legislação e orientará os Defensores.

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O Código Penal atual estabeleceu, na re-dação a ele dada pela Lei 7.209/1984, em seu artigo 64, inciso I, limitação temporal máxima para a consideração de crime an-terior como capaz de gerar reincidência. Assim, passados mais de 5 (cinco) anos entre o cumprimento ou a extinção da pena e a infração posterior, o acusado não será considerado reincidente.

Entretanto, o mesmo texto legal foi omisso quanto aos maus antecedentes, não � xando prazo máximo para a consi-deração de condenação anterior.

Assim, parte predominante da juris-prudência brasileira entendia não haver qualquer limitação temporal para a in-vocação de condenações pretéritas como maus antecedentes.

A Defensoria Pública da União, in-conformada com a posição prevalecente, e com base principalmente na vedação contida na Carta Constitucional de 1988, mais precisamente em seu artigo 5º, inci-so XLVII, “b”, que estabelece que não ha-verá penas de caráter perpétuo, impetrou diversos habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal pugnando pela aplicação do mesmo período depurador estabeleci-do para a veri� cação de reincidência, ou seja, 5 (cinco) anos.

Inicialmente, os pedidos restaram in-deferidos, vide, como exemplo, decisão proferida pela Colenda 1ª Turma, em julgamento ocorrido em 08/02/2011, no RHC 106814.

Mais recentemente, entretanto, o ci-tado colegiado alterou seu entendimento para limitar a consideração de maus ante-

cedentes em 5 (cinco) anos após o � nal da pena, nos termos da decisão prolatada no julgamento do HC 119200, ocorrido em 11/02/2014 e no RHC 118977, julgado em 18/03/2014.

Por sua vez, a Colenda 2ª Turma, em julgamento datado de 22/04/2014, do RHC 116070, afastou o limite temporal para a aplicação dos maus antecedentes, sob o fundamento de não ser ele aplicável como ocorre na reincidência.

Entretanto, o E. Ministro Celso de Mello, ao conceder monocraticamente, em decisão proferida em 25/02/2015, o HC 123189, versando sobre a temática em comento, invocou precedente relata-do pelo Ministro Gilmar Mendes, julgado pela 2ª Turma, em que a ordem foi conce-dida. Trata-se do HC 110191, apreciado em 23/04/2013.

Foram pautados, em data recente, dois feitos por E. Ministros que compõem a 2ª Turma discutindo o mesmo assunto, são eles os Habeas Corpus 126315 e 125586. Em ambos, os Relatores votaram pela concessão da ordem, Ministros Gilmar Mendes e Dias To� oli respectivamente, sendo os julgamentos interrompidos por pedidos de vista formulados pela Ministra Cármen Lúcia, Relatora, aliás, do RHC 116070, supracitado.

Certo é que o tema, ao que parece, considerando-se as posições até agora ex-ternadas em julgamentos recentes por Mi-nistros que compõem as duas Turmas, de forma majoritária, consolida-se cada vez mais no sentido do que buscado pela De-fensoria Pública, ou seja, de que deve ha-

ver prazo máximo para a consideração de fato anterior como antecedente ne-gativo, nos termos do que ocorre com a reincidência, que, frise-se, é mais gra-ve e ainda assim é limitada no tempo.

O entendimento defendido pela Instituição tem como supedâneo prin-cipal a vedação das penas de caráter perpétuo, vez que condenação ante-rior não pode ser utilizada inde� nida-mente para majorar outra sem qual-quer limite. Aliás, a se entender pela consideração de condenação pretérita como maus antecedentes indepen-dentemente de lapso temporal, cria-se uma pena que ultrapassa até mesmo o prazo máximo prescricional previsto no Brasil de 20 (vinte) anos, lembran-do-se ser a prescritibilidade regra em nosso ordenamento.

Por � m, vai ao encontro das se-guidas manifestações da Defensoria Pública quanto ao tema o disposto no artigo 80 do Anteprojeto de Código Penal, entregue em junho de 2012 ao Presidente do Senado pela Comissão Especial de Juristas, presidida pelo Mi-nistro Gilson Dipp, do STJ, que � xou prazo máximo de 5 (cinco) anos para a consideração de condenação anterior que não gere reincidência como maus antecedentes.

Adotada a redação sugerida pela Comissão, o problema estará sanado. Até lá, cumpre ao Poder Judiciário dar ao tema tratamento consentâneo com a proporcionalidade, a razoabilidade e a vedação das penas de caráter perpétuo.

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Por Gustavo de Almeida Ribeiro - Defensor Público Federal em Brasília. Assessor com Atuação no STF.

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entrevista

1. Quais as novas alterações do novo CPC no que diz respeito ao processo co-letivo? Como estas alterações interferem na atuação da Defensoria Pública?

R. Desde a elaboração do anteprojeto de novo CPC, decidiu-se por não me-xer no processo coletivo. Apesar disso, o CPC-2015 foi aprovado no Senado com a inclusão da conversão da ação in-dividual em ação coletiva (art. 334). O dispositivo foi integralmente vetado pela Presidenta da República, porém. Assim, não houve mudanças expressas sobre o processo coletivo. Isso não quer dizer que o novo CPC não repercuta no processo coletivo: As novidades trazidas pelo Có-digo certamente imporão uma releitura da legislação processual coletiva, à luz desses novos parâmetros – distribuição dinâmica do ônus da prova, interpreta-ção do pedido, translatio iudicii, sistema de precedentes etc. Há, ainda, o micros-sistema de gestão e julgamento de casos repetitivos, cuja análise será feita na res-posta à próxima pergunta: esse micros-sistema passa a estruturar outra técnica de tutela coletiva de direitos, ao lado das ações coletivas.

2. Quais as novas alterações do novo CPC no que diz respeito às demandas repetiti-vas? Como estas alterações interferem na atuação da Defensoria Pública?

R. Uma das principais novidades do CPC-2015 foi a estruturação de um microssistema de gestão e julgamento

de casos repetitivos. Esse microssistema é formado pelo incidente de exame da repercussão geral no recurso extraordi-nário, pelo incidente de resolução de demandas repetitivas e pelos recursos extraordinário e especial repetitivos. O sistema foi completamente revis-to. Primeiramente, cria-se o incidente de resolução de demandas repetitivas, para os tribunais de justiça e tribunais regionais federais. Depois, deixa-se cla-ro que esses incidentes, todos eles, pos-suem uma natureza híbrida: servem, a um só tempo, para julgar casos (os repetitivos, que estão pendentes) e � r-mar precedentes obrigatórios para casos futuros. O papel da Defensoria Pública é relevantíssimo, quer porque tem le-gitimidade para requerer a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, quer porque poderá inter-vir como amicus curiae em qualquer desses incidentes. Eu não tenho dúvida que esse microssistema deve ser um dos principais objetos de estudo pela De-fensoria e pelos defensores.

3. Quais as principais alterações do novo CPC no que diz respeito à assis-tência jurídica e à Defensoria Pública, notadamente à função e legitimidade desta Instituição?

R. Em relação ao benefício da gra-tuidade da justiça, houve diversas alte-rações, implicando a quase revogação total da Lei n. 1.060/1950. Destaco as seguintes: a) regulamentação do reque-

rimento formulado por pessoa jurídica; b) simpli� cação dos aspectos processuais, com o � m dos incidentes previstos na lei de 1950; c) possibilidade de concessão parcial do benefício, em percentual ou relativamente às despesas de um ato; d) possibilidade de substituição da conces-são do benefício pelo parcelamento do adiantamento das despesas; e) organiza-ção do sistema recursal em torno das de-cisões que examinam esse tema.

A Defensoria Pública teve, no CPC-2015, o merecido destaque. De institui-ção simplesmente ignorada pelo CPC-1973, passou a ter capítulo próprio, com a consagração de todas as suas prerrogati-vas processuais, além de garantir-lhe legi-timidades importantes, como a de susci-tar o incidente de resolução de demandas repetitivas, tal como disse na resposta à segunda questão.

4. A regra do parágrafo único do art. 341 é positiva ou negativa para a pes-soa assistida pela Defensoria Pública?

R. A regra é muito ruim, para todos. Parece-me, inclusive, inconstitucional. Não há razão para dispensar o defensor público, que não é curador especial, do ônus da impugnação especi� cada. O curador especial está dispensado de obser-var esse ônus ao elaborar a defesa do seu representado. Isso porque é representante que assume suas funções em situação que não lhe permite, no mais das vezes, ter acesso imediato ao réu, de quem pode-ria extrair as informações indispensáveis

Entrevista com Fredie Souza Didier Juniorconcedida à ESDPU por e-mail em 22/04/2015.

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para a elaboração de uma defesa especí-� ca. Ele aterrissa no processo de (sem?) “paraquedas”. Nestas circunstâncias, jus-ti� ca-se plenamente a não-incidência da regra de não impugnação especi� cada: para que não tenha de mentir ou esfor-çar-se na criação de uma “estória do réu”, autoriza-se que esse representante formu-le uma defesa genérica. Mas dispensar o defensor público, genericamente, como faz o parágrafo único do art. 341, não é bom, pois, de tão geral, a regra pode tor-nar-se fator de desequilíbrio processual injusti� cado e, por isso, inconstitucional.

A incidência da regra deveria pressu-por a di� culdade concreta de comunica-ção entre o representante judicial e o réu, que pode não existir na relação entre o defensor público e o cidadão carente. A exceção, inclusive, parece não se compa-

tibilizar com a Constituição, por violar o princípio da igualdade. Caso representa-do por defensor público, o autor tem o ônus de formular pedido certo e deter-minado, sem qualquer ressalva legal que lhe retire do âmbito normativo da disci-plina geral do pedido – somente poderia formular pedido genérico nos mesmos casos em que qualquer pessoa poderia; nesse mesmo processo, porém, caso re-presentado também por defensor públi-co, o réu não teria o ônus da impugnação especi� cada, podendo formular defesa genérica, pouco importa qual tenha sido o objeto da demanda. A exceção, ainda, parece considerar que o defensor público sempre terá di� culdade de formulação de defesa especí� ca, em qualquer situa-ção. Não há justi� cativa alguma para esse tratamento desigual, não apenas em rela-

ção aos advogados (privados e públicos), mas também em relação aos próprios defensores públicos (quando patrocina-rem interesses do autor, conforme visto). Não há razão para dispensar os defenso-res públicos desse ônus, até mesmo por uma questão ética: ao advogado particu-lar cabe a tarefa de manifestar-se preci-samente sobre o que a� rma a parte ad-versária; o defensor público, quali� cado após a aprovação em concursos públicos concorridíssimos, poderia, simplesmen-te, não manifestar-se sobre as a� rmações da parte adversária, sem qualquer conse-quência? O papel do defensor público na construção da decisão judicial justa não pode ser desprezado. A ressalva feita ao defensor público, no par. ún. do art. 341 do CPC-2015, é verdadeira capitis demi-nutio desses pro� ssionais.

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TAS VOCÊ SABIA QUE...

...o � uxo de submissão de traba-lhos para a Revista da DPU, desde a edição n.º 7, é contínuo. Assim, o material enviado a qualquer época é avaliado pelo Conselho Editorial e, se aprovado, poderá ser publicado em edições futuras do periódico. As regras de submis-são podem ser conferidas no site: http://www.dpu.gov.br/esdpu/in-dex.php/revistadadpu.html, onde também estão disponíveis mode-los de artigo cientí� co, resenhas e comentários à jurisprudência.

SELEÇÕES INTERNAS

Em abril, foi realizado Proces-so Seletivo Simpli� cado com vistas à escolha de Conteudista e Professor-Tutor para curso a respeito do novo CPC. A sele-ção constitui a primeira etapa do projeto de capacitação de Defensores Públicos Federais na temática “Novo Código de Processo Civil – suas alterações e polêmicas”. Na ocasião, foi selecionado o Defensor Público Federal, Dr. Daniel de Macedo Alves Pereira.

FIQUE POR DENTRO

No âmbito das ações de capa-citação, o Defensor Federal e Membro do Conselho Penitenci-ário do Estado do Piauí, Dr. José Rômulo Plácido Sales elaborou paper após sua participação na IV Conferência Internacional de Direitos humanos, ocorrido em Belém, no período de 27 a 29 de abril de 2015. O conteúdo do material encontra-se disponível no sítio da ESDPU, menu “Re-positório do Conhecimento”.

PROGRAME-SE!

Foram abertas as inscrições, por meio do Edital ESDPU n°19/2015, para o processo de seleção de membros e servidores da DPU para provimento das vagas existentes no Programa de Capacitação e Especialização de Defensores Públicos Federais e Servidores para cursos de longa duração. Os interessados podem se inscrever do dia 24 de junho até às 18h do dia 10 de julho de 2015. Serão ofertadas 12 vagas, sendo 8 para Defensores e 4 para Servidores. Informações: [email protected] ou pelo tel.: (61) 3319-0286/0288.

MAIS UM CANAL DE CAPACITAÇÃO

A ESDPU está trabalhando a todo vapor em mais um canal de capaci-tação. O portal de Cursos EaD, além de ampliar suas ações, nos pos-sibilita também o alcance de um maior número de pessoas em ações de treinamento. As ações em aberto poderão ser acompanhadas pelo endereço: http://ead.dpu.gov.br/. Visite o portal! A primeira turma de Direito Previdenciário – Aspectos Práticos com ênfase na atuação da DPU será de 01.06 a 06.07, totalizando 40h/a, com instrutória do Defensor Público Federal, Dr. Jair Soares Júnior. Em breve será lan-çado, também, o curso de Legislação de Pessoal (autoinstrucional).

PROGRAMA DE IDIOMAS

Foi realizada, em março, a segunda seleção de Defensores Públicos Federais para o Programa de Incentivo ao Estudo de Idioma Estran-geiro. Na primeira etapa, realizada em 2014, foram ofertadas 17 (de-zessete) vagas para custeio de cursos de espanhol e, nesta segunda etapa, o mesmo número para custeio de cursos de inglês. A Escola estuda a ampliação dos idiomas a serem abarcados pelo Programa, bem como a alteração de suas regras, incluindo a de� nição de perio-dicidade das seleções.