jornal aldeia - novembro de 2010 - contra a destruição da amazônia

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Belo Monte custará cerca de R$ 19 bilhões, o deslocamento de mais de 20 mil pessoas, o alaga- mento de uma área de 668 km 2 , um enorme desmatamento e o ressecamento de um grande trecho do rio Xingu, alertam ativistas. > 4 Custo de usina é alto demais Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) Novembro de 2010 Tiragem: 3 mil exemplares Dizemos não à destruição da Amazônia! RESISTÊNCIA > Essa é a mensagem que movimentos sociais, ONGs, pesquisadores(as), pastorais sociais e integrantes do Ministério Público Federal gritaram bem alto durante o Encontro das Quatro Bacias Hidrográficas e o 5° Fórum Social Pan-Amazônico. Carta de encontro traça rumos da resistência CARTA DE SANTARÉM > Documento organiza luta contra grande capital na Pan-Amazônia. > 6 Cerca de 400 indígenas deram exemplo de organização: eles participaram, em agosto, do Acampamento Terra Livre (ATL) Regional Amazônia propondo uma articulação de luta con- tra a usina de Belo Monte com pequenos(as) agricultores(as) e movimentos sociais. > 5 400 indígenas prontos para a luta Desde 2001, o procurador Felício Pontes Jr., do Minis- tério Público Federal, vem demonstrando no Judiciário as irregularidades cometidas pelas empresas responsáveis por grandes projetos de in- fraestrutura, como a hidrelé- trica de Belo Monte. > 2 Ministério Público vê irregularidades A professora da UFPA Sônia Magalhães diz que a instalação da Hidrelétrica de Belo Monte é “um delírio de destruição”. > 3 Usina é “delírio de destruição” Brent Millikan, da International Ri- vers, e Matheus Otterloo, da FASE, desmistificam discurso de que hidre - létrica produz “energia limpa”. > 7 Discurso oficial é posto em xeque

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A edição de novembro de 2010 do jornal, produzido pela FASE Programa Amazônia, em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR), trata das ameaças que Belo Monte e a Iniciativa IIRSA representam para a Amazônia e os povos que a habitam.

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Page 1: Jornal Aldeia - novembro de 2010 - contra a destruição da Amazônia

Belo Monte custará cerca de R$ 19 bilhões, o deslocamento de mais de 20 mil pessoas, o alaga-mento de uma área de 668 km2, um enorme desmatamento e o ressecamento de um grande trecho do rio Xingu, alertam ativistas. > 4

Custo de usinaé alto demais

Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum

da Amazônia Oriental (FAOR)

Novembrode 2010

Tiragem: 3 milexemplares

Dizemos não à destruição da Amazônia!RESISTÊNCIA > Essa é a mensagem que movimentos sociais,

ONGs, pesquisadores(as), pastorais sociais e integrantes do

Ministério Público Federal gritaram bem alto durante o Encontro das

Quatro Bacias Hidrográficas e o 5° Fórum Social Pan-Amazônico.

Carta de encontro traça rumos da resistência

CARTA DE SANTARÉM > Documento organiza luta contra grande capital na Pan-Amazônia. > 6

Cerca de 400 indígenas deram exemplo de organização: eles participaram, em agosto, do Acampamento Terra Livre (ATL) Regional Amazônia propondo uma articulação de luta con-tra a usina de Belo Monte com pequenos(as) agricultores(as) e movimentos sociais. > 5

400 indígenas prontos para a luta

Desde 2001, o procurador Felício Pontes Jr., do Minis-tério Público Federal, vem demonstrando no Judiciário as irregularidades cometidas pelas empresas responsáveis por grandes projetos de in-fraestrutura, como a hidrelé-trica de Belo Monte. > 2

Ministério Públicovê irregularidades

A professora da UFPA Sônia Magalhães diz que a instalação da Hidrelétrica de Belo Monte é “um delírio de destruição”. > 3

Usina é “delíriode destruição”

Brent Millikan, da International Ri-vers, e Matheus Otterloo, da FASE, desmistificam discurso de que hidre-létrica produz “energia limpa”. > 7

Discurso oficial éposto em xeque

Page 2: Jornal Aldeia - novembro de 2010 - contra a destruição da Amazônia

ALDEIA2 Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro de 2010

Desde 1997, os procurado-res do Ministério Público Federal vêm acompa-

nhando as várias questões so-ciais, ambientais e patrimoniais relativas ao projeto da Hidrelé-trica de Belo Monte. Um estudo intenso que levou o MPF a ajuizar uma ação civil pública na Justi-ça Federal de Altamira, pedindo a anulação da licença prévia da hidrelétrica, concedida pelo IBA-MA. Na ação, os procuradores apontam afronta à Constituição, às leis ambientais e às resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente entre os oito problemas encontrados no licenciamento. A Justiça já recebeu nove ações ci-vis públicas sobre ilegalidades de Belo Monte.

Responsável por apontar vá-rias irregularidades na condução do empreendimento, o procura-dor da República Felício Pontes Jr. vem, desde 2001, demons-trando no Judiciário as irregula-ridades cometidas pelas empre-sas responsáveis pelo projeto. Aqui, ele destaca o erro crucial do Plano Nacional de Energia 2010-2019, onde está inserido a hidrelétrica.

”Apesar de ter um avanço em relação ao anterior – uma vez que retiraram as termoelétricas previstas – o Plano continua ex-tremamente nocivo para a Ama-zônia. A grande questão é que a maior matriz ainda seja hídrica, ainda venha da água, portanto ainda venha das hidrelétricas da Amazônia”, afirma.

O procurador lembra da di-versidade ambiental da região como alternativa para a produ-ção de energia.

“Nossa matriz pode ser a mais diversificada possível por-que temos o sol, o vento, temos a biomassa de diversas espécies. Uma série de componentes que poderiam compor a matriz ener-gética brasileira, mas infeliz-mente, continuam insistindo que a matriz seja hídrica. Isso não é possível o impacto ambiental tem sido desastroso só pode ser comparado a eventos da nature-za como terremotos, de tama-nho o impacto ambiental e social

que ele causa”, compara.Segundo ele, estudos compro-

vam que pode haver crescimento da oferta de energia no País sem a construção de novas hidrelétricas, como vem ocorrendo em países da Europa e nos Estados Unidos.

“Essas novas fontes de energia não foram incorporadas no Bra-sil como deveriam ser. Só pra se ter uma ideia, em 2010, os EUA atingiram de oferta de sua ener-gia 10% de fonte solar e eólica. E nós temos dentro de nossa ma-triz energética temos apenas 0, 5% vindo da fonte solar e eólica. É preciso mudar isso”, alerta o procurador.

O procurador também fala so-bre a decisão do governo brasileiro em relação à instalação de gran-des empreendimentos na região - vorazes consumidores de energia. “É preciso decidir que sejamos exportadores de energia através das fábricas de alumínios de ferro gusa ou vamos deixar como fez o Japão e outros países da Europa, que esse tipo de fabrica, que por precisar de muita energia, que ele seja feito em outros lugares e não pelo País”, esclarece.

Então há a necessidade de se pensar numa outro modelo de

desenvolvimento. Exemplos na própria Amazônia existem. “Aqui-lo que poderia ser replicado para o resto da Amazônia. Juntando ao mesmo tempo desenvolvi-mento econômico e preservação ambiental, como a produção de óleos vegetais que hoje estimula a indústria de cosméticos e a far-macêutica”, completa.

“São exemplos de que não precisamos mais de novas ofertas de energia”.

Quanto ao discurso de que a energia produzida pelas hidre-létricas é limpa, Felício Pontes lembra os impactos causados pelo barramento do Tocantins para a construção da hidrelétrica de Tucuruí.

“Depois do barramento do Tocantins tivemos a perda de 32 espécies de peixe. Um impacto grande não só ambiental, mas econômico para as populações locais que não puderam mais ti-rar seu sustento daquele local. Isso precisa ser mudado. Todas as formas de geração energia são impactantes, seja qual for. Quem diz que a energia produ-zida pelas barragens é limpa não conhece os locais onde elas são construídas”, afirma.

Usina é terremotoIMPACTO DE BELO MONTE SÓ PODE SER COMPARADO AOS CAUSADOS POR DESASTRES NATURAIS, DIZ PROCURADOR

n Felício Pontes Jr. alerta para o enorme impacto que obra pode causar

Uma realidade que se choca com outro discurso produzido pelo governo federal: de que a produção de energia é sustentá-vel. “O País precisa crescer de forma sustentável precisa diver-sificar sua matriz energética. Nós temos campo para isso. Só em 2010, temos 120 mil mega-watts de potência instalada no Brasil. E nós já sabemos que do ponto de vista da energia eóli-ca temos capacidade para gerar 140 mil megawatts de energia, ou seja, num exemplo grosso, que se toda nossa energia fos-

se eólica poderíamos fazer isso. Sem falar na solar. A única coisa que justifica o governo federal a incentivar a construção das hi-drelétricas é má-fé que vai be-neficiar os donos das empresas que constroem essas barragens”, denuncia.

Felício Pontes Jr. também cha-ma a atenção para um dado pou-co apresentado quando se fala da necessidade de se construir novas hidrelétricas no País para suprir a demanda de energia: a eficiência energética. A grande perda de energia que ocorrem tanto nas li-

nhas de transmissão quanto e na potenciação das usinas, algumas construídas há 30 anos.

“Há novos equipamentos que podem ser trocados novas turbi-nas com tecnologia mais eficiente que nos dariam, segundo alguns estudos, de 15 a 20% mais ener-gia sem a necessidade se construir nenhuma outra barragem.

De outro lado, as perdas nas li-nhas de transmissão são imensas. Da ordem de 15 a 20% quando o normal é de 3 a 5%. Então a troca de linhas poderia nos dar mais 10% de energia”, explica.

Só má-fé explica obra que beneficiará construtorasREALIZAÇÃO

APOIO

FASE: Rua Bernal do Couto, 1329. Umarizal. CEP 66.055-080. Telefone: (91) 4005-3773. Fax: (91) 4005-3750. E-mail: [email protected]. Site: www.fase.org.br.

Page 3: Jornal Aldeia - novembro de 2010 - contra a destruição da Amazônia

ALDEIA 3Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro de 2010

“Um delírio de destruição”. É assim que a professora da Universidade Federal

do Pará Sônia Magalhães define a instalação da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu. “Lá existem vida, pessoas e culturas e uma enorme biodiversidade que é um patrimônio nosso e do mundo. A perda disso é inestimável”, diz.

Sônia coordenou um painel de especialistas para analisar o Re-latório de Impacto sobre o Meio Ambiente (Rima) e o Estudo de Im-pactos Ambientais (EIA) da Usina de Belo Monte. “Já identificamos de cara uma questão ilegal: são áre-as protegidas, reservas indígenas e vem de encontro a tudo o que a sociedade lutou nos últimos anos: as Flonas (Florestas Nacionais), as Resex (Reservas Extrativistas) são resultado de uma luta da sociedade e a hidrelétrica vem destruir isso”.

O volume intitulado “Painel de Especialistas: Análise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte” é um conjunto de pareceres assinados por 28 pesquisadores(as), de um grupo de apoio de 42 pesquisadores (as)

de várias universidades brasileiras e algumas do exterior. Estes pare-ceres foram protocolados no dia 1 de outubro de 2009 no escritó-rio do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em Belém, e também junto ao Ministério Públi-co Federal em Altamira.

Entre os temas analisados estão a viabilidade econômica do proje-to, os impactos da construção do projeto numa área cobrindo mais de 1.000 km²; os impactos sobre as populações indígenas; o caos social que seria causado pela migração de milhares de pessoas para a re-gião e pelo deslocamento forçado de mais de 20.000 pessoas; os im-pactos sobre peixes e fauna aquá-tica em geral; a possibilidade de extinção de espécies; emissões de grandes quantidades de gases de efeito estufa; insegurança hídrica e alimentar, etc.

Uma das principais conclusões é de que o estudo realizado não contemplou todos os aspectos de um EIA/Rima, e que por isso mes-mo foi questionado pelo IBAMA, órgão responsável em autorizar a construção de empreendimento

na região. “Inexiste modelo sobre isso. Migração, emprego, desem-prego, saúde... não tem nenhum estudo sobre isso”, denuncia a pesquisadora. Pesquisadores(as) diagnosticaram um verdadeiro de-sastre econômico, social e ambien-tal caso a construção da usina seja iniciada, pois o atual projeto e a condução de sua licença estão em desacordo com as recomendações mundiais feitas pelos Princípios do Equador, pela Comissão Mundial de Barragens (CMB) e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Com relação às áreas alagadas, chegam a afirmar que a maioria da população é de aposentados. Não tem critério estatístico, não tem metodologia clara, não são estudos. Na verdade, são levantamentos sem análise, sem nenhuma regra sobre o que é um estudo sociológico”, reve-la. Isso deixa claro que não há um numero certo de famílias que serão atingidas, ao contrário dos 20 mil declarados pelo estudo. “Nossa es-timava é que deva chegar a 50 mil pessoas na área alagada”.

As condições de saúde, as en-fermidades virais, também não são

levadas em consideração. “Os estu-dos não foram levados a sério nem por eles mesmos. Tentaram burlar a realização desses estudos que foram feitos pra cumprir uma for-malidade legal e teriam sido aceitos como formalidade se os movimen-tos sociais não tivessem chamado a atenção e criado esse movimento inteiro”, completa Sônia.

“E tanto não tem importância que a área alagada num e noutro estudo é aumentada em 29%. Isso modifica tudo. Se eles já eram ruins, agora, com este aumento, são inúteis”, explica.

Hidrelétrica platafórmicaA construção de hidrelétricas

platafórmicas anunciada pelo pre-sidente Lula é considerada ain-da, para a professora, como uma propaganda enganosa. Inspirada nas plataformas de petróleo loca-lizadas em alto-mar, a ideia é que após a construção das usinas toda a área desmatada seja refloresta-da, fazendo dos reservatórios uma espécie de ilha ao avesso - uma porção de água cercada de floresta por todos os lados.

“Não se tem nada consistente sobre isso. A estória é para tirar a

atenção do problema mais impor-tante, que são as áreas inundadas que subtraem território, subtraem riquezas, vidas - uma porção do território a que somos obrigados a abrir mão. É mais uma propaganda enganosa”, denuncia.

Projeto contém várias ilegalidadesPARA ESPECIALISTA, CONSTRUÇÃO DA USINA DE BELO MONTE, NO XINGU, É UM “DELÍRIO DE DESTRUIÇÃO”. ATÉ O IBAMA QUESTIoNOU O PROJETO, QUE É CARREGADO DE IRREGULARIDADES

n Sônia Magalhães, da UFPA: No Xingu “existe vida, pessoas e culturas”

Construções alteram a vida dos povos da florestaA construção das usinas hidrelé-

tricas de Belo Monte, no Pará, e de Santo Antônio e Jirau,

em Rondônia, alteraram a rotina dos moradores(as) e já causaram impactos ao meio ambiente. Movi-mentos sociais e organizações não governamentais (ONGs) compro-varam que as construções provo-caram aumento populacional e da criminalidade, especulação imobi-liária e mudança do estilo de vida dos ribeirinhos(as), agricultores(as) e comunidades indígenas.

Iremar Ferreira, membro do Instituto Madeira Vivo, explica que os impactos em Rondônia, por con-ta da construção da usina de Jirau, afetaram os ribeirinhos e mora-dores da periferia do rio Madeira. Com o início das obras, mais de 70 toneladas de peixes morreram e os moradores que dependiam da agri-cultura familiar perderam as plan-tações de melancia, melão e chei-ro verde na várzea. Iremar revela ainda que os moradores são proibi-

dos de trabalhar nas margens dos rios e, consequentemente, perde-ram as suas plantações. O coorde-nador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Elias Paulo Dobrovolski, alerta para o cresci-mento populacional nas cidades, como no distrito de Jaci-Paraná, em Rondônia, onde população sal-tou de 2 mil para 20 mil, além da especulação imobiliária.

No caso de Rondônia, os em-preendimentos agravaram os pro-blemas já existentes. Iremar iden-tifica o aumento da exploração sexual de crianças e adolescentes e o crescimento da criminalidade. Os assassinatos aumentaram em 80% em apenas três meses. Ele cita ainda a falta da oferta de em-pregos e a precária infraestrutura da cidade, que não tem capacida-de para atender a enorme quanti-dade de pessoas.

A coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre e integran-te do Movimento de Mulheres do

Campo e da Cidade, Antônia Melo, afirma que os moradores de baixa renda são diretamente atingidos pela construção de Belo Monte, no Pará, e vivem na incerteza de per-der as suas terras. Com o anúncio das obras, milhares de pessoas mi-graram para a região, fazendo com que os serviços de saúde e educa-ção não suportem a demanda.

O posicionamento de movimen-tos sociais e ONGs contrários às hidrelétricas fez com que os povos da floresta passassem a ser per-seguidos. O coordenador do MAB, Elias Paulo Dobrovolski, disse que a Força Nacional Nacional foi acio-nada para evitar uma possível ex-plosão das barragens provocadas por ONGs para impedir as obras. Tudo não passava de uma arma-ção montada pelas empreiteiras e seus aliados visando desmoralizar e criminalizar as organizações da sociedade civil que lutam contra as usinas do Madeira.

Além disso, ele lembra que um

site de notícias informou a contra-tação de uma empresa de segu-rança para monitorar as organiza-ções.

Antônia Melo disse, ainda, que “os movimentos estão sendo des-moralizados diante da comunida-de” pelos interessados na cons-trução das hidrelétricas e outros grandes projetos de infraestrutura na Amazônia. Estes usam os meios de comunicação e outras formas de combater quem faz a resistên-cia a esse projeto de morte da nos-sa região.

Segundo Iremar Ferreira, do Instituto Madeira Viva, no caso dos moradores da bacia do Ma-deira, em Rondônia, a maioria dos compromissos assumidos pelas empresas não foi cumprido. “Não está dentro do esperado pela po-pulação. Há casos de famílias que saíram com a carta de crédito, mas não compensa o valor, que a médio e longo prazo não é equiva-lente, porque é pago em parcelas.

As famílias estão passando fome e não têm acesso aos rios e a mata”, afirma.

Dobrovolski, do MAB, conta que os ribeirinhos remanejados para os assentamentos e agrovilas tiveram que mudar os seus estilos de vida: “Eles foram tirados de perto do rio e da mata. Estão em áreas distan-tes onde não fazem o extrativismo. Eles não vivem bem”.

O QUE É

Exploração sexual decrianças e adolescentes:

No Brasil, a exploração sexual de crianças e adolescentes é crime previsto no artigo 244 do Estatu-to da Criança e do Adolescente.

Quem cometer o crime está sujei-to a pena de quatro a dez anos de

reclusão, além de multa.

Page 4: Jornal Aldeia - novembro de 2010 - contra a destruição da Amazônia

ALDEIA4 Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro de 2010

Se construída, a Usina de Belo Monte pode virar a terceira maior hidrelétrica do mundo. A

barragem, que vai desviar a vazão do rio Xingu - um dos afluentes mais importantes do Amazonas -, é proje-tada para fornecer eletricidade em parte para o setor de mineração e para produzir apenas 39% da energia média do total instalado.

O preço disso? Além dos cerca de R$ 19 bilhões dos cofres pú-blicos, o deslocamento de mais de 20 mil pessoas, o alagamento de uma área de 668 quilômetros quadrados, um enorme desmata-mento ainda não dimensionado e o ressecamento do rio Xingu em um trecho de cerca de 100 km, conhe-cido como Volta Grande.

Além disso tudo, o apodreci-mento de matéria orgânica no leito da barragem vai gerar a emissão de metano, um gás 25 vezes mais agressivo do que o dióxido de car-bono no processo de aquecimento global. E como as comunidades lo-cais estão enfrentando esta iniciati-va governamental?

Para Jesielita Gouveia, membro da coordenação da Aliança Tapajós Vivo, a principal dificuldade é con-trapor a propaganda oficial, que se-duz a população com a promessa de mais empregos, recursos e políticas públicas.

“Eles chegam dizendo que (a hi-drelétrica) vai ser a solução para o nosso município. Justamente por-que somos excluídos pelas políticas públicas, que chegam 20 anos atra-sadas. Nós dizemos o contrário. E como eles têm televisão e jornal, eles têm facilidade de divulgar essa informação. E quando a gente chega

com a nossa versão fica mais difícil. Nosso espaço é pequeno, é no boca a boca,” desabafa ela.

“Do outro lado vem a mídia co-locando o interesse que quer, o go-verno coloca políticas públicas. E principalmente as autoridades do município dizendo que vai ganhar royalties e que com isso vai trazer melhoria para o município”, afirma o padre Arno Longo. “Tentamos co-locar uma questão: que progresso é este? Com devastação do meio am-biente, da natureza, do mundo dos peixes, do rio?”.

Coordenador da Rádio Rural de Santarém e membro da Frente de Defesa da Amazônia, o padre Edil-berto Sena acredita que poucas pessoas têm coragem de se expor na luta contra os grandes interesses do governo e das empresas. “As pes-soas têm medo do enfrentamento. O povo vive com um certo medo do poder da polícia, do poder econômi-co, do governo. Por isso, a mobiliza-ção ainda é muito pouca (...). Não vejo ainda uma grande frente de resistência”, afirma.

A falta de esclarecimento e de formação política de muitas lideran-ças pode prejudicar a mobilização. “Para quem servem as barragens? Quem vai usar essa energia? As pes-soas não estão sabendo. Falta divul-gação, falta informação”, completa Nilfo Wandscheer, presidente do Sin-dicato dos Trabalhadores Rurais de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso.

Atingir um maior número de pessoas com informação correta se torna, então, uma das principais estratégias de enfrentamento e de resistência à instalação dos grandes projetos na Amazônia. A Internet,

saudada como uma das principais ferramentas de comunicação do sé-culo XXI, não é a solução aos olhos de padre Arno.

“É importante, mas é (para a) mi-noria. Devia ter meio de comunica-ção, não uma rádio comunitária, mas que a gente conseguisse legalizar as rádios de Jacareacanga, de Barreira, do 30, do Trairão, de Novo Progresso e Castelo e formar uma cadeia, uma corrente de comunicação, seria ma-ravilhoso conseguir mobilizar esse território”, sonha o sacerdote.

“Temos de usar todos os instru-

mentos: o altar, a rádio, as conferên-cias. E aí teremos mais pessoas com audácia em se expor na discussão; em ir aos grupos, porque os grupos não vêm até a gente. Eles não con-seguem entender que cada projeto desses violenta nossa soberania territorial. Nos priva da gente se lo-comover em nosso território. Isso é uma violência tremenda e a própria população não se dá conta disso”, diz Edilberto Sena.

No final do encontro, ficou for-talecida a ideia da criação de uma grande aliança entre as comunida-

des das quatro bacias da Pan-Ama-zônia.

“A partir da formação dessa aliança, o que fere um fere o ou-tro. Vamos juntar forças”, afirma padre Arno.

“Temos de nos juntar no sentin-do de firmar compromisso com uma estratégia de resistência, não dá para lamuriar. Temos de partir para a resistência. Como vai ser, ainda não sei, mas temos de buscar uma forma de resistir porque o governo vai querer empurrar goela abaixo”, diz Sena.

Informação é arma de resistênciaPREÇO DE BELO MONTE: R$ 19 BILHõES DOS COFRES PúBLICOS, O DESLOCAMENTO DE MAIS DE 20 MIL PESSOAS, ALAGAMENTO DE 668 kM2, DESMATAMENTO E RESSECAMENTO DO XINGU

n Com Belo Monte, apodrecimento de matéria orgânica vai gerar emissão do agressivo gás metano

O QUE É

Matéria orgânica:

São todos os elementos vivos e não vivos do solo que contêm compostos de carbono, ou seja, que servem para fertilizar o solo.

Aliança

É um pacto entre duas ou mais partes objetivando a realização de

objetivos comuns.

Metano

O metano é um gás incolor, de pouca solubilidade na água e, quando adicionado ao ar, se

transforma em mistura de alto teor inflamável. É o mais simples dos

hidrocarbonetos.

Políticas públicas

Conjunto de ações desencadea-das pelo Estado, no caso brasileiro

nas escalas federal, estadual e municipal, com vistas ao bem cole-

tivo. Elas podem ser desenvolvidas em parcerias com organizações não governamentais e, como se

verifica mais recentemente, com a iniciativa privada.

Royaltie

É uma palavra de origem ingle-sa derivada da palavra “royal”, que significa aquilo que pertence ou é relativo ao rei, monarca ou nobre, podendo ser usada também para se referir á realeza ou nobreza.

Seu plural é royalties. Na antigui-

dade, royalties eram os valores pagos por terceiros ao rei ou nobre, como compensação pela extração

de recursos naturais existentes em suas terras, como madeira,

água, recursos minerais ou outros recursos naturais, incluindo, muitas vezes, a caça e a pesca, ou ainda, pelo uso de bens de propriedade do rei, como pontes ou moinhos.

Na atualidade, royaltie é o termo utilizado para designar a importância paga ao detentor ou proprietário ou um território, recurso natural, produ-to, marca, patente de produto, pro-

cesso de produção, ou obra original, pelos direitos de exploração, uso, distribuição ou comercialização do referido produto ou tecnologia. Os

detentores ou proprietários recebem porcentagens geralmente pré-fixadas das vendas finais ou dos lucros obti-dos por aquele que extrai o recurso

natural, ou fabrica e comercializa um produto ou tecnologia, assim como o concurso de suas marcas ou dos

lucros obtidos com essas operações. O proprietário em questão pode ser uma pessoa física, uma empresa ou

o próprio Estado.

Page 5: Jornal Aldeia - novembro de 2010 - contra a destruição da Amazônia

ALDEIA 5Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro de 2010

Um dos segmentos mais pre-judicados pelos grandes projetos previstos para a

região amazônica, os indígenas, se organizam e vêm participando ati-vamente de ações em defesa de seus direitos. Em agosto, em Alta-mira, eles estiveram presentes no Acampamento Terra Livre (ATL) Regional Amazônia, evento que reuniu cerca de 400 indígenas.

O ATL regional discutiu a re-sistência à construção da hidre-létrica de Belo Monte, fechando uma articulação de luta contra a usina entre indígenas, pequenos agricultores(as), ribeirinhos(as) e movimentos sociais.

“Para nós, esse grande momen-to foi importante para percebermos que, apesar de estarmos distantes, não estamos sós. Temos não só ín-dios, mas outros movimentos e ONGs na luta para defender a água, essência para a vida da humanida-de”, diz Eva Canoé, do município de Guajará-Mirim, em Rondônia.

“A experiência nos ajudou mui-to, nos fez pensar que não pode-mos desistir. Nosso propósito em Rondônia - a barragem em Jirau já está sendo construída – é impedir que a próxima usina em Ribeirão se inicie”, afirma ela.

Uma das estratégias do governo e das empresas para a construção das barragens na Amazônia é a divisão

dos povos indígenas. Em Rondônia, explica Eva Canoé, a situação não é diferente. “Procuramos nos manter unidos, embora tenhamos lideran-ças com pensamentos diferentes. As empresas chegam mostrando os be-nefícios. E por falta de informação algumas lideranças acreditam que vai ter melhoria de vida”.

A reação vem se dando atra-vés de mobilizações e formação de novas lideranças. “Nós, como movimento indígena, como lide-rança, estamos fazendo encontro de formação, com apoio do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e da COIAB (Coordenação das Or-ganizações Indígenas da Amazônia Brasileira), para falar dessa situa-ção, que esses grandes projetos vão nos prejudicar”, completa.

A líder indígena disse também que a construção das usinas hidre-létricas do rio Madeira vai atingir os povos que vivem naquela região, ao contrário do que afirmam os técni-cos da empresa que trabalham no projeto. “Levamos às comunidades que o que as empresas estão falan-do não é verdade. Por trás disso há grande prejuízo para as áreas de Lage Novo, Lage Velho e Linha 10 e, também, abaixo do rio Guaporé. Vai ter alagação. E nessa parte indí-gena já tem dificuldade de falta de peixe... com os empreendimentos, vai ter mais falta e mais ocupação

de madeireiro”, denuncia.O desafio de construir uma arti-

culação entre as diferentes comuni-dades a serem atingidas pelos gran-des projetos esbarra nas grandes distâncias entre os povos e a falta de comunicação. “É possível a gen-te unir força, a gente nunca perde a esperança. Se tiver um meio de comunicação entre as organizações, uma forma de passar as informações e uma forma de eu transmitir seria um grande avanço. Temos, através da Igreja Católica, um programa de rádio há sete anos. Eu aproveito para falar o que está acontecendo em re-lação a esses grandes projetos. Isso é muito importante, nos fortalece, nos dá ânimo em continuar lutando”.

Eva Canoé também fez um desabafo contra o discurso desen-volvimentista dos defensores das hidrelétricas na Amazônia. “Nós indígenas não somos contra o pro-gresso. Não somos um empecilho para o progresso do Brasil. Isso não é verdade. Mas não se pode fazer progresso destruindo vidas huma-nas e vidas relacionadas ao meio ambiente. Não se pode fazer desse jeito, em que uns se beneficiam contra a maioria da população, não só indígenas são os maiores prejudicados. Como Rondônia de modo geral... porque a energia nem vai ficar lá e o povo é que vai ficar com o prejuízo”, afirma.

Indígenas contra os grandes projetosUM DOS SEGMENTOS MAIS PREJUDICADOS PELOS GRANDES PROJETOS PREVISTOS PARA A AMAZôNIA SÃO OS INDÍGENAS. ELES JÁ ESTÃO SE ORGANIZANDO EM DEFESA DE SEUS DIREITOS.

n Em agosto, 400 indígenas participaram do Acampamento Terra Livre

O QUE É

Desenvolvimentismo

Dá-se o nome de desenvol-vimentismo a qualquer tipo de

política econômica voltada quase exclusivamente ao crescimento

econômico – da produção industrial, da infraestrutura e do consumo de

massa –, com participação ativa do Estado, beneficiando grandes grupos econômicos nacionais e

estrangeiros. O desenvolvimentis-mo é uma política de resultados, e foi aplicado essencialmente em sistemas econômicos capitalistas, como no Brasil (governo Jk) e no

governo militar, época do “milagre econômico brasileiro”.

Editorial

O conflito está disseminado na Amazônia. Em grande parte isto se dá em decorrência das dispu-tas que envolvem diferentes seg-mentos para ver quem garantirá o acesso, o uso e o controle sobre os recursos naturais da região. De um lado, é possível identificar-mos governos, grandes empresas nacionais e estrangeiras, ban-cos, empreiteiras, parlamenta-res de diferentes partidos, mídia (jornais, TVs, rádios e revistas), grileiros, maior parcela do Judi-ciário, o agronegócio e até mes-mo alguns movimentos sociais e ONGs; todos juntos defendendo o atual modelo de desenvolvimento econômico, baseado na explo-ração intensiva da natureza e da mão-de-obra, destruidor do meio ambiente e promotor de desi-gualdades. De outro, movimentos sociais, ONGs, pastorais sociais, ribeirinhos(as), indígenas, extrati-vistas, agricultores(as) familiares, remanescentes de quilombos, sem terra, atingidos(as) por barragens, alguns(mas) parlamentares e am-bientalistas, grupos de mulheres e de jovens, rádios comunitárias, in-tegrantes dos Ministérios Públicos

Federal e Estaduais e outros(as), defendendo o respeito aos direitos humanos, à democracia, à justiça, à preservação ambiental e a um outro modelo de produção e de consumo.

A cada dia fica mais evidente que nossa luta não é contra uma ou outra empresa, mas contra um bloco de forças políticas e econô-micas nacionais e internacionais interessadas em apropriar-se a qualquer custo da Amazônia e de seus recursos, nem que para isso precise alagar florestas, retirar mi-lhares de pessoas de suas terras, desmatar, levar espécies animais e vegetais à extinção; poluir rios, lagos, igarapés e o ar, envenenar o solo com grande quantidade de produtos químicos, secar fontes de abastecimento da população e aprofundar as desigualdades so-ciais, de gênero e étnico-raciais, entre tantos outros males.

Este bloco vem executando ampla campanha na mídia para garantir o apoio da população aos empreendimentos, ao mesmo tempo em que busca criminalizar movimentos sociais, ONGs e lide-ranças que se opõem a esse proje-

to de morte.Apesar disso, resistimos! Lu-

tamos, nos mobilizamos, nos manifestamos e percebemos que somente unidos(as) podemos con-quistar vitórias significativas. Daí cada vez mais atuarmos através de redes e fóruns, pois tomamos consciência que precisamos atuar desde a comunidade até o pla-no internacional, se quisermos defender a Amazônia e garantir melhoria da qualidade de vida à maioria da população, não so-mente daquela que aqui reside, mas também de quem vive fora da região, pois evitar a destruição da Amazônia é proteger a vida em todo o planeta.

A realização do Encontro das quatro Bacias, em Itaituba, no Pará, que reuniu 600 represen-tantes de diversas organizações sociais que atuam nas bacias dos rios Madeira (Rondônia), Teles Pi-res (Mato Grosso), Tapajós e Xingu (Pará) foi mais um passo impor-tante para fortalecermos nossas ações de resistência e à constru-ção de uma plataforma coletiva de mobilização e de proposições.

Este jornal traz informações

importantes sobre o Encontro das Quatro Bacias, bem como sobre os motivos pelos quais nos opomos à proliferação de hidre-létricas na Amazônia que, a nosso ver, somente beneficiarão gran-des grupos econômicos do Brasil e do exterior, interessados em controlar os recursos naturais da nossa região.

Aqui, indígenas, organizações de mulheres, representantes de movimentos sociais, de ONGs e do Ministério Público, entre ou-tros, explicam os motivos que os movem a lutar contra o Progra-ma de Aceleração da Destruição da Amazônia (PAC), denunciam os atos de violência cometidos por empresas, governos e seus aliados contra comunidades e os movimentos sociais, assim como apontam alternativas possíveis para desenvolver a região sem destruir o meio ambiente.

Há ainda notícias sobre o 5° Fó-rum Social Pan-Amazônico, que se realizou de 25 a 29 de novembro deste ano, em Santarém (PA), e reuniu cerca de 4.000 pessoas. O Fórum debateu questões relevan-tes aos povos da Pan-Amazônia,

como o militarismo, o machismo, as consequências dos grandes projetos de infraestrutura para a região, direitos humanos, cultura popular e comunicação. O evento também se constituiu num mo-mento de profunda confraterni-zação entre os representantes do Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, Ve-nezuela, Guiana, Guiana France-sa, Equador e Suriname, além de convidados(as) de outros países.

O Fórum foi um momento im-portante de debate, trocas de experiências, de articulação polí-tica e de definição de estratégias comuns que devemos colocar em prática ao longo dos próximos anos, a fim de construirmos uma Pan-Amazônia soberana, demo-crática, justa, solidária e ambien-talmente sustentável.

Desejamos a você uma ótima leitura e não se esqueça de divulgar as informações aqui contidas na sua organização, entre amigos e familia-res, nas escolas e comunidades. En-fim, em todos os lugares possíveis. Vamos espalhar as nossas ideias, conquistar corações e mentes para o projeto de uma nova sociedade, pois OUTRO MUNDO É POSSÍVEL.

Mobilização social prova que um outro mundo é possível

Page 6: Jornal Aldeia - novembro de 2010 - contra a destruição da Amazônia

ALDEIA6 Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro de 2010

“Temos uma utopia: A cons-trução de um continente sem fronteiras, a Aby-

Ayala, terra de muitos povos, iguais em direitos e solidários entre si. Uma terra livre de toda opressão e exploração. A vida em harmonia com a Natureza é condição fundamental para a existência de Aby-Ayala. A Ter-ra não nos pertence. Pertencemos a ela. A Natureza é mãe, não tem pre-ço e não pode ser mercantilizada.

Compreendemos que Aby-Ayala deva ser construída a partir de esta-dos plurinacionais que substituam o velho estado centralizador, patriarcal e colonial, dando à luz novas formas de governo, onde a democracia se exerça de baixo para cima, seguindo a máxima do mandar obedecendo, onde exista um diálogo de saberes e culturas, onde cada povo seja livre para decidir como quer viver.

A participação plena e igualitária das mulheres é uma condição funda-mental na construção das novas socie-dades. Da mesma forma a proteção integral das crianças, como portado-ras do futuro da Humanidade.

A Terra, nossa casa comum, se encontra ameaçada por uma heca-tombe climática sem precedentes na história. O derretimento dos glaciares dos Andes, as secas e inundações na Amazônia são apenas os primeiros sinais de uma catástrofe provocada pelos milhões de toneladas de ga-ses tóxicos lançadas na atmosfera e

os danos causados à Natureza pelo grande capital, através da minera-ção descontrolada, a exploração petrolífera na selva e o agronegócio. Tal situação é agravada pelos mega-projetos, integrantes do IIRSA, como são a construção de hidrelétricas nos rios amazônicos e as grandes rodo-vias que destroem a vida de povos ancestrais, criando novos bolsões de miséria. Para deter este ciclo de mor-te é necessário defendermos nossos territórios exigindo o imediato reco-nhecimento e homologação das ter-ras indígenas, titulação coletiva das terras quilombolas e comunidades tradicionais, bem como o pleno di-reito de consulta livre bem informada e consentimento prévio para proje-tos com impacto social e ambiental, preservando assim nossa terra, nosso modo de viver e a nossa cultura, de-fendendo a natureza e a vida.

Defendemos e construímos a aliança entre os povos da floresta, dos campos e das cidades. Fazem parte de nosso patrimônio comum a luta dos camponeses pela terra, os direitos dos pequenos agricultores a assistência técnica, crédito barato e simplificado, e os justos reclamos por saúde, educação, transporte e ha-bitação dignas para todos. Lutamos por uma sociedade sem exclusões, com liberdade, justiça e soberania popular. Combatemos no dia a dia todas as formas de exploração e discriminação baseadas em gênero,

etnia, identidade sexual e classe so-cial. Particularmente nos esforçare-mos para superar a invisibilidade da população afrodescendente nas suas lutas e propostas sobre poder, auto-nomia e território. A Amazônia Sul-americana possui problemas urbanos extremamente graves, nesse sentido é fundamental lutar pela construção de cidades justas, democráticas e sustentáveis, adequadas as diferentes realidades desta região, contemplan-do a diversidade dos atores sociais que vivem nessas cidades.

Na Pan-Amazônia, como em toda a América Latina, enfrentamos o mili-tarismo que atua como mediador en-tre o colonialismo e o imperialismo. Condenamos a utilização das forças militares, corpos policiais, paramili-tares e milícias como agentes repres-sivos das lutas dos povos, bem como os intentos de se utilizar a Justiça para criminalizar os movimentos so-ciais, a pobreza e os povos indígenas. Denunciamos a presença de tropas norte-americanas na Colômbia e a reativação da IV Frota estadunidense como ameaças à paz no continente. Repudiamos o colonialismo francês na Guiana e apoiamos os esforços de seus povos para alcançarem a inde-pendência. Nos manifestamos contra o golpe militar em Honduras e a ocu-pação militar do Haiti. Da mesma for-ma, protestamos contra as barreiras que procuram impedir a livre circu-lação dos povos entre nossos países,

Carta de Santarém é lançadaORGANIZAÇõES SOCIAIS DO BRASIL, PERU, EQUADOR, BOLÍVIA, COLôMBIA, VENEZUELA, GUIANA, SURINAME E GUIANA FRANCESA TROCAM EXPERIêNCIAS E APRESENTAM SEUS DESAFIOS

n Fórum Social mobilizou milhares de pessoas em defesa da região

n Lutar pela produção de outras formas de energia em pequena es-cala, fortalecendo a autonomia e a autogestão da Amazônia e de suas comunidades;n Realizar campanha pelo reconheci-mento, demarcação e homologação das terras indígenas, titulação coleti-va das terras quilombolas e de comu-nidades tradicionais;n Lutar pela titulação de terras aos trabalhadores do campo e da cida-de;n Realizar campanhas pela aprova-ção de leis regulamentando a con-sulta prévia livre bem informada e consentimento prévio para projetos com impacto social e ambiental nos países Pan-Amazônicos;n Organizar fóruns regionais para tro-ca de conhecimentos e implementa-

ção de ações, com organizações de outras regiões, em cada local onde a Mãe Terra esteja sendo agredida, ou ameaçada;n Participar das redes que investi-gam a ação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Brasil), contribuindo para obstruir os financiamentos a projetos que des-troem o meio ambiente;n Promover ações articuladas de de-nuncia e pressão contra projetos de caráter sub-imperialista do governo brasileiro na Pan-Amazônia;n Unificar as lutas contra a cons-trução de represas hidrelétrica nos rios da Amazônica, em especial as lutas contra Belo Monte, Inambary, Paitzpatango, Tapajós, Teles Pires, Jirau, Santo Antonio e Cachuela Es-peranza;

n Realizar encontros e marchas de-nunciando as diversas formas de opressão, como o machismo, racis-mo e homofobia, e apresentando as soluções propostas pelas organiza-ções e movimentos sociais;n Pensar formas de avançar nos processos de debate e avaliação coletiva, incluindo a elaboração de materiais que possam auxiliar nestes momentos;n Avançar na elaboração de propos-tas para garantir vida digna a todos os povos da Pan-Amazônia, conside-rando suas diferenças intra e inter-regionais;n Mobilizar as sociedades civis Pan-Amazônicas, contra as falsas solu-ções de mercado para o clima, como o REDD;n Desenvolver lutas contra o paten-

teamento do conhecimento das po-pulações tradicionais, que apenas promovem os interesses das grandes corporações transnacionais;n Mobilizar as organizações contra as estratégias dos governos e das grandes empresas, voltadas à flexi-bilização da legislação ambiental na Pan-amazônia;n Lutar pelo reconhecimento legal de “territórios livres da mineração” e de outros empreendimentos, nos ordenamentos jurídicos dos países da Pan-Amazônia;n Articular a criação do “Dia da Pan-Amazônia”, onde todas as or-ganizações realizem manifestações e discussões conjuntas, chamando a atenção mundial para os problemas ambientais, sociais, econômicos, cul-turais e políticos que ocorrem nesta

região;n Constituir um centro de comunica-ção do FSPA, de maneira comparti-lhada, com a função de interligar os movimentos sociais da Pan-Amazô-nia, socializar debates e iniciativas de ação;n Divulgar as ações, discussões e re-sultados do FSPA nas comunidades, através de uma rede de comunica-ção;n Construir uma presença marcante da Pan-Amazônia na reunião do FSM em Dakar, no Senegal, em fevereiro de 2011;n Inserir o FSPA em redes e articula-ções que tenham causas comuns;n Realizar o FSPA de dois em dois anos, em países diferentes, com candidatu-ras antecipadas que deverão ser apro-vadas pelas instancias do FSPA.

LINHAS DE AÇÃO

defendemos o direito dos migrantes de terem uma vida plena e digna no país que escolherem para morar.

Lutamos por construir países apoiados em economias que man-tenham a soberania e a segurança alimentar, que desenvolvam alterna-tivas aos modelos predatórios e ex-trativistas e que tenham na economia solidária e na agroecologia, pilares na edificação do bem estar social. Para nós os saberes ancestrais são fontes de aprendizagem e ensinamento em igualdade de condições com o chamado conhecimento científico; a democratização dos meios de comu-nicação uma necessidade inadiável; a liberdade de expressão e a apropria-

ção das novas tecnologias um direito de todos; bem como uma educação que estimule o diálogo, os contatos sem barreiras, os dons e talentos in-dividuais e coletivos que dissemine valores humanos, abrindo caminho para a transformação íntima e social.

Reafirmamos nossa identidade amazônida através de nossas múl-tiplas faces, honrando a tradição e construindo o novo. Fazem parte des-ta identidade as línguas originais dos nossos povos e seus conhecimentos tradicionais.

Estes são os nossos compromissos. Devemos transformá-los em ação”.

Santarém, 29 de novembro de 2010.

Page 7: Jornal Aldeia - novembro de 2010 - contra a destruição da Amazônia

ALDEIA 7Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro de 2010

n Se o máximo de dois graus de aquecimento for alcançado, haverá mais subidas de rios e a vida estará ameaçada

““TEMOS UM TETO MÁXIMO QUE PODEMOS PERMITIR DE AUMENTO DA TEMPERATURA. EM UMA DÉCADA É DE NO MÁXIMO DOIS GRAUS”, ALERTA MATHEUS OTTERLOO, EDUCADOR DA FASE

A s grandes empreiteiras e o governo querem que as pessoas acreditem que a

eletricidade das usinas hidre-létricas é “energia limpa”. Do ponto de vista ambiental isso é uma meia verdade. Elas são menos poluentes que as usinas termoelétricas, que consomem muito diesel ou carvão; e não têm riscos de contaminação com materiais radioativos das usinas termonucleares. Mas es-tão longe de serem “limpas”.

“As hidrelétricas alagam grandes áreas onde se tem a energia mais suja. Primeiro, tem as emissões de metano do alagamento de grandes áreas com biomassa que depois se transforma, com a deteriora-ção, em gás metano . Mas não é só isso. Tem os impactos so-bre as populações locais: indí-genas, ribeirinhos(as) e outras que dependem dos rios sadios para a sustentação da vida. Isso nos faz concluir que ‘ener-gia limpa’ é um equivoco e ser-ve para esconder os problemas sociais criados pelas hidrelétri-cas”, diz Brent Millikan, da In-ternational Rivers.

Além disso, com a diminui-ção no tamanho da floresta pelas hidrelétricas, também é diminuída a capacidade das matas de absorver a poluição. Matheus Otterloo, educador da Fase, alerta ainda para o fato de as hidrelétricas contribuí-rem com o efeito estufa - escu-do que se forma na atmosfera e que dificulta a transposição de raios solares, fazendo com que a temperatura aumente deva-gar. “É um fenômeno que já existe sem a intervenção huma-na, mas já está provado que a partir da revolução industrial a interferência humana começou a acelerar a temperatura do planeta”, diz. E como os gran-des projetos alteram os biomas amazônicos, o ritmo da nature-za, eles têm uma contribuição alarmante para as mudanças climáticas.

Otterloo alerta que o pro-cesso está chegando num pa-tamar preocupante. “Temos um teto máximo que podemos permitir de aumento da tem-peratura. Em uma década é de

no máximo dois graus. Se isso for ultrapassado vai provocar mais subida dos rios e desastres catastróficos e se tornará in-sustentável a vida no planeta”, avisa. E não é de estranhar que a Amazônia já sofra com as mu-danças no clima. Secas e gran-des inundações em na região já são quase comuns. “Não posso dizer que todas as mudanças no planeta estão relacionadas com o que ocorre aqui, mas com certeza uma parte considerá-vel sim. Além das hidrelétri-cas, a devastação da Amazônia contribui para esse fenômeno. Está claríssimo que isso colabo-ra”, diz.

Lula - Nas últimas convenções internacionais que discutiram as mudanças climáticas, o governo Lula assumiu uma série de com-promissos para combater o aque-cimento global. Mas, por outro lado, anunciou, no País, o Plano de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2), que prevê a construção de hidrelétricas na Amazônia, o investimento no agronegócio e a permissão da exploração de no-vas fontes de minério e de no-vas áreas ricas em estoque ma-deireiro por grandes empresas transnacionais.

Então, a pergunta que fica é: como é possível conciliar o combate ao aquecimento glo-bal com essa política que ace-lera a destruição da floresta? Para Millikan é uma grande questão que, necessariamen-te, precisa ser respondida pela participação popular e transpa-rência pelo governo. “No início do governo Lula se buscou um caminho. Houve esse esforço: o Plano Amazônia Sustentável, por exemplo, e outros, em que a chave era ouvir as populações locais. Mas em nome da gover-nança, Lula fez alianças políti-cas e econômicas com grandes grupos, o que foi um retrocesso pois significou estimular o de-senvolvimento a qualquer cus-to. Com essa visão e a febre de construir hidrelétricas, de enxergar o meio ambiente e as populações tradicionais como obstáculo ao desenvolvimen-to, ele não conseguirá cumprir seus acordos internacionais”, analisa.

Destruição e mudanças climáticas

O QUE É

Bioma:

Conjunto de ecossistemas com certo nível de homogeneidade. São as comunidades biológicas, ou seja, as populações da fauna e da flora interagindo entre si e

com o ambiente físico.

Agronegócio:

É toda relação comercial e industrial envolvendo a cadeia produtiva agrícola ou pecuária. No Brasil, o termo é usado para definir o uso econômico do solo para o cultivo da terra associado

com a criação de animais.

O QUE ÉEfeito estufa:

O QUE É

Plano Amazônia Sustentável:Lançado em 8 de maio de 2008,

é um plano do governo federal em parceria com os governadores dos Estados da Amazônia (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia,

Roraima e Tocantins). Tem como objetivo definir as diretrizes para o desenvolvimento sustentável

na região. O PAS não é um plano operacional, mas estratégico,

contendo as diretrizes gerais e as recomendações para implementa-ção. As ações operacionais serão os planos sub-regionais, alguns já elaborados ou em processo

de elaboração, como o Plano de Desenvolvimento Regional Sus-

tentável para a Área de Influência da Rodovia BR-163 (Cuiabá-San-tarém), o Plano de Desenvolvim-ento Territorial Sustentável para o Arquipélago do Marajó e o Plano de Desenvolvimento Regional

Sustentável do Xingu.

GovernançaÉ o exercício da autoridade,

controle, administração, poder de governo. É a maneira pela qual o

poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos

de um país.

O QUE É

Aquecimento global:

Aumento da temperatura média dos oceanos e do ar perto

da superfície da Terra ocor-rido desde meados do século XX e que deverá continuar no século XXI. Segundo o Quarto

Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre

Mudanças Climáticas (de 2007), a temperatura na superfície

terrestre aumentou 0,74 ± 0,18 °C no século XX. A maior parte

do aumento foi causada por con-centrações crescentes de gases do efeito estufa, como resultado de atividades humanas como a

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