jorge amado: um escritor engajado. a denÚncia de...

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1 JORGE AMADO: UM ESCRITOR ENGAJADO. A DENÚNCIA DE ABANDONO DE CRIANÇAS EM CAPITÃES DA AREIA Benedito Pereira Firmo 1 Resumo: A obra Capitães da Areia é um romance permeado de significados que mostram a cruel realidade do abandono de crianças e as funestas consequências da omissão do Estado em elaborar políticas que atendam às necessidades sociais. Desse modo, este trabalho tem como finalidade expor características de escritor engajado existente no livro Capitães da Areia de Jorge Amado, quando o mesmo narra em estilo de denúncia os problemas vivenciados por meninos de rua. Palavras-chave: Jorge Amado. Literatura engajada. Menino de rua. Introdução A violência e a exploração da criança sempre estiveram presentes no Brasil em se tratando da classe social baixa. Desde o início da formação da sociedade brasileira, no período colonial, a criança era vista como um adulto miniaturizado, e às vezes com obrigações incompatíveis para sua idade. Frequentemente eram lançados desde a tenra idade no mercado de trabalho, em condições indignas para um ser em desenvolvimento físico e mental. Agressões físicas e verbais sempre fizeram parte dos meios de “correções” quando a criança infringia regras criadas pelos pais e os castigos físicos até hoje são aceitos por muitas pessoas como instrumentos de “educação”. Contudo, agregado ao sofrimento imposto, aparece a revolta, ocasionando às vezes fugas dos lares e, por consequência, a triste realidade de abandono nas ruas. Ao lermos o livro Capitães da Areia, publicado por Jorge Amado, em 1937, durante a segunda fase modernista, vemos a universalidade da problemática, e então, poderemos assemelhar os relatos vividos pelas personagens na capital baiana com as condições de vida existentes em muitos outros países que possuem desigualdades sociais. O interesse em abordar este tema surgiu em razão do fato de constatarmos que passados setenta e sete anos do lançamento da obra, continua atual, tratando de problemas que ainda afligem os grandes centros urbanos. No decorrer da narrativa, é notório que o autor procura evidenciar a condição de miséria 1 Graduando em Letras do Instituto Superior de Educação da Faculdade Alfredo Nasser sob orientação da Professora Drª Michele Giacomet.

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JORGE AMADO: UM ESCRITOR ENGAJADO. A DENÚNCIA DE ABANDONO DE CRIANÇAS EM CAPITÃES DA AREIA

Benedito Pereira Firmo1

Resumo: A obra Capitães da Areia é um romance permeado de significados que mostram a cruel realidade do abandono de crianças e as funestas consequências da omissão do Estado em elaborar políticas que atendam às necessidades sociais. Desse modo, este trabalho tem como finalidade expor características de escritor engajado existente no livro Capitães da Areia de Jorge Amado, quando o mesmo narra em estilo de denúncia os problemas vivenciados por meninos de rua. Palavras-chave: Jorge Amado. Literatura engajada. Menino de rua. Introdução

A violência e a exploração da criança sempre estiveram presentes no Brasil

em se tratando da classe social baixa. Desde o início da formação da sociedade

brasileira, no período colonial, a criança era vista como um adulto miniaturizado, e

às vezes com obrigações incompatíveis para sua idade. Frequentemente eram

lançados desde a tenra idade no mercado de trabalho, em condições indignas para

um ser em desenvolvimento físico e mental. Agressões físicas e verbais sempre

fizeram parte dos meios de “correções” quando a criança infringia regras criadas

pelos pais e os castigos físicos até hoje são aceitos por muitas pessoas como

instrumentos de “educação”. Contudo, agregado ao sofrimento imposto, aparece a

revolta, ocasionando às vezes fugas dos lares e, por consequência, a triste realidade

de abandono nas ruas.

Ao lermos o livro Capitães da Areia, publicado por Jorge Amado, em 1937,

durante a segunda fase modernista, vemos a universalidade da problemática, e

então, poderemos assemelhar os relatos vividos pelas personagens na capital

baiana com as condições de vida existentes em muitos outros países que possuem

desigualdades sociais. O interesse em abordar este tema surgiu em razão do fato de

constatarmos que passados setenta e sete anos do lançamento da obra, continua

atual, tratando de problemas que ainda afligem os grandes centros urbanos. No

decorrer da narrativa, é notório que o autor procura evidenciar a condição de miséria 1 Graduando em Letras do Instituto Superior de Educação da Faculdade Alfredo Nasser sob orientação da Professora Drª Michele Giacomet.

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e abandono na qual vivem as crianças o que propicia o surgimento de vários outros

problemas como a prática de crime, a revolta, a exploração por parte de adultos

inescrupulosos que receptam as mercadorias furtadas/roubadas pelos menores.

Pode-se perceber que o autor mostra o abandono de crianças por meio de

três aspectos principais: o primeiro decorre da família desagregada em decorrência

de morte ou separação dos pais (caso do Pedro Bala, Dora, Zé Fuinha, João

Grande); o segundo está vinculado à fuga do lar em virtude de violência, maus tratos

e razões diversas (caso do Almiro); o terceiro aspecto é evidenciado de forma

genérica quando nota-se a omissão do Estado em assumir responsabilidade de

amparar e educar as crianças através de projetos sociais que promovam a dignidade

humana e retire as crianças das ruas.

Considerando a necessidade de exposição do tema ser examinado em

relação ao contexto sócio-histórico que envolveu o período de criação literária da

obra, indispensável salientar assuntos relativos a uma Bahia miscigenada, com

desigualdade econômica gritante, terra onde predomina a religiosidade, com cultura

diversificada. Fato curioso e digno de reflexão é que o escritor Jorge Amado criou na

obra Capitães da Areia personagens heróicas que estavam à margem da lei.

Percebemos que as crianças deliquentes são enaltecidas nas ações criminosas,

enquanto que são colocados como vilões a polícia, o poder judiciário, e a alta

sociedade. A questão a ser discutida como cerne do problema é o motivo da

utilização de tais personagens figurarem como heróis do romance. Antes, porém, é

imprescindível que seja abordado o aspecto da Literatura de comprometimento.

Literatura engajada

Segundo o filósofo e escritor austríaco Ernst Fischer (1966, p. 50), numa

sociedade dividida em classes, estas procuram recrutar a arte - a poderosa voz da

coletividade - a serviço de seus propósitos particulares. Fischer sentencia que a

função da arte não é a de passar por portas abertas, mas é a de abrir as portas

fechadas. Para discorrer a respeito de Literatura engajada ou comprometida é

importante lembrar o termo Literatura planificada ou dirigida, pois há uma relação de

antonímia. Vitor Manuel de Aguiar e Silva (1968, p. 114) afirma que na literatura

comprometida, a defesa de determinados valores morais, políticos e sociais nasce

de uma decisão livre do escritor; na literatura planificada, os valores a defender e a

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exaltar e os objetivos a atingir são impostos coativamente por um poder alheio ao

escritor, quase sempre um poder político, com o consequente cerceamento, ou até

aniquilação, da liberdade do artista.

De acordo com Silva (1968), ao discorrer acerca das funções da Literatura

sob a perspectiva da teoria literária, até meados do século do XVIII, conferia-se à

Literatura, quase sem exceção, uma finalidade hedonista ou uma finalidade

pedagógico-moralística. Alexander Gotlieber Baumgarten (1714-1762), a quem se

deve a criação do vocábulo “estética”, foi um dos primeiros pensadores a considerar

a arte como um domínio específico e independente da filosofia, da moral e do

prazer. Para Silva:

A Literatura, com efeito, não é uma filosofia disfarçada, nem o conhecimento que transmite se identifica com conceitos abstratos ou com princípios científicos. Todavia, a ruptura total entre Literatura e atividade cognoscitiva representa uma inaceitável mutilação do fenômeno literário, pois toda obra literária autêntica traduz uma experiência humana e diz algo acerca do homem e do mundo. (1968, p. 93, grifo meu).

Justamente sobre as relações humanas vê-se uma seara fértil de produção

literária. Todavia, Jean-Paul Sartre (1999) recomenda que a função do escritor seja

fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e se considerar inocente. Há,

portanto nessa assertiva, a nítida questão da finalidade da obra e a intenção do

autor. A respeito da motivação do escritor e sua relação com o mundo, Silva

assegura que:

O tema do compromisso é fundamental, pelas suas implicações e consequências, nas filosofias existencialistas. O homem, no dizer de Heidegger, não é um receptáculo, isto é, uma passividade recolhendo dados do mundo, mas um “estar-no-mundo”, não sentido espacial e físico de estar em, mas no sentido de presença ativa, de estar em relação fundadora, constitutiva com o mundo. Esta relação entre o existente e o mundo é uma relação de compromisso, de engagement, de pré-ocupação. (1968, p. 103, grifo meu).

De acordo com o escritor Jean-Paul Sartre (1999), em sua obra Que é a

Literatura?, temos o direito de perguntar ao escritor: com que finalidade você

escreve? Sartre, evidencia ainda que “o escritor é um falador”, e em seu desiderato

de publicar o que escreve, sobretudo na prosa que acarreta um império de

significados, ele ordena, recusa, interpela, suplica, insulta, persuade, insinua.

Segundo Sartre:

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Um escritor é ENGAJADO quando trata de tomar a mais lúcida e integral consciência de ter embarcado, isto é, quando faz o engajamento passar, para si e para os outros, da espontaneidade imediata ao plano refletido. O escritor é um mediador por excelência e o seu engajamento é mediação. (1999, p. 61).

O escritor Jorge Amado deixou transparecer em seu ofício a condição de

mediador por excelência. Ao escrever esse livro não o fez destinado à mera

atividade contemplativa. Há uma universalidade de mensagens por trás da

exposição de cada obra, o que o fez um escritor engajado, comprometido em mudar

a realidade. Transferiu seus ideais para o papel e em seguida lançou às massas em

brado retumbante, sendo admirado, sobretudo, por àqueles que se opunham à

ditadura no período de 1964 a 1985. Contrapondo-se à literatura planificada,

podemos então definir especificamente que a obra Capitães da Areia faz parte da

“literatura de resistência” na concepção do crítico literário Alfredo Bosi, quando o

mesmo esclarece acerca dos vocábulos ético e estético:

Resistência é um conceito originariamente ético e não estético. O seu sentido mais profundo apela para a força de vontade que resiste a outra força, exterior ao sujeito. Resistir é opor a força própria à força alheia. A translação de sentido da esfera ética para estética é possível, e já deu resultados notáveis, quando o narrador se põe a explorar uma força catalisadora da vida em sociedade: os seus valores. Estes por sua vez combatem os antivalores respectivos. (2002, p. 118 - 120).

Os valores, como conjunto de características do indivíduo, fazem-se

presentes durante a narrativa à medida que se sabe que Jorge Amado teve durante

toda a sua trajetória de escritor um olhar aguçado, como um flâneur2 de Charles-

Pierre Baudelaire, acerca da vida social. Caminhou, observou, imaginou e registrou

em dezenas de livros elementos da cultura brasileira misturados em tramas que

denotam muito bem as relações de poder envolvendo patrão/empregado

dominante/dominado, rico/pobre, superior/subordinado. Na obra analisada, percebe-

2 Segundo o dicionário de francês michaelis.uol.com.br, flâneur, é um adjetivo que significa: pessoa que passeia ociosamente. Porém, no sentido exposto por Baudelaire, significa andar observando atentamente o espaço que o cerca, extraindo detalhes do ser e do existir.

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se um narrador heterodiegético 3 preocupado em relatar ao leitor uma história

comovente, que de certa forma desestabiliza, por se tratar de crianças, ou seja, o

futuro do país. Acerca do flâneur, extrai-se que:

Para o perfeito flâneur, para o observador apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no numeroso, no ondulante, no movimento, no fugidio e no infinito. Estar fora de casa, e, contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados imparciais, que a linguagem não pode definir senão toscamente. (BAUDELAIRE, 1996, p. 20, grifo meu).

Analisando a obra objeto de estudo, o escritor foi um flâneur e observador

apaixonado, na visão de Flaubert, porém, não podemos caracterizá-lo imparcial,

nem permaneceu oculto. Diante da opção de escolher um dos lados entre Situação

e Oposição política, lançou-se à esquerda partidária. Seus ideais não coadunavam

com o contexto político vigente e o vocábulo RESISTÊNCIA repercutiu em alguns de

seus livros. Para Bosi (2002), a ideia de resistência quando conjugada a de narrativa

dar-se tanto como “tema” como “processo inerente à escrita”:

A resistência é um movimento interno ao foco narrativo, uma luz que ilumina o nó inextrincável que ata o sujeito ao seu contexto existencial e histórico. Momento negativo de um processo dialético no qual o sujeito, em vez de reproduzir mecanicamente o esquema das interações onde se insere, dá um salto para uma posição de distância, e deste ângulo, se vê a si mesmo e reconhece e põe em crise os laços apertados que o prendem à teia das instituições. (2002, p. 134).

Assim, durante o regime de exceção, o braço armado do Estado enxergou o

escritor Jorge Amado inserido na narrativa e sua imagem tornou-se indissociável do

narrador de terceira pessoa. Aqui, faz-se necessário abrir momentaneamente uma

lacuna para expor a questão do autor implicado (ou autor implícito, como queira).

Autor e obra podem ou não estar imbricados. Segundo o escritor e crítico literário

norte-americano Wayne Booth (1983), para ter sucesso em escrever alguns tipos de

trabalhos, alguns romancistas acreditavam ser necessário repudiar todas as causas

intelectuais ou políticas. Um deles, o escritor francês Gustave Flaubert (1853, apud

BOOTH, 1983, p. 69-70), escrevendo em 1853, afirmava que mesmo o artista que

3 Heterodiegético: o narrador não é personagem da história. Vide A tipologia de Norman Friedman in: Excertos de O Foco Narrativo/Ligia Chiappini Moraes Leite, no link: http://www.ufrgs.br/proin/versao_1/foco/index02.html

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reconhece as exigências para ser um “triplo-pensador", até mesmo o artista que

sabe da necessidade de possuir ideias em abundância, não deve ter religião, nem

país, nem convicção social. Esta questão é relativa e remete aos gêneros literários,

a qual público é destinado a leitura e que mensagem deseja o escritor transmitir em

cada tipo ficcional que produzir. Booth acrescenta que essa pretensão de

neutralidade, citada por Flaubert, nunca vai ser refutada, e não vai sofrer mudanças

na teoria literária ou em uma tendência filosófica de determinada época. (É válido

salientar que o teórico utiliza o termo fashion, “moda”, mas optou-se por tendência

de época, pois nesse contexto carrega este sentido implícito). Tal como o seu

oposto, a afirmação existencialista do escritor francês Jean-Paul Sartre e outros, que

o artista deve ser totalmente engajado, sua validade depende do tipo de romance

que o autor está escrevendo, conforme citação extraída do capítulo Pureza e

retórica:

Purity and rhetoric To succeed in writing some kinds of works, some novelists find it necessary to repudiate all intellectual or political causes. Flaubert, writing in 1853, claims that even the artist who recognizes the demands to be a "triple-thinker", even the artist who recognizes the need for ideas in abundance, must have neither religion, nor country, nor social conviction. Unlike the claim to complete neutrality, this claim will never be refuted, and it will not suffer from shifts in the literary theory or philosophical fashion. Like its opposite, the existentialist claim of Sartre and others that the artist should be totally engagé, its validity depends on the kind of novel the author is writing. (BOOTH, 1983, p. 69-70). Pureza e retórica Para ter sucesso em escrever alguns tipos de trabalhos, alguns romancistas acham necessário repudiar todas as causas intelectuais ou políticas. Flaubert, escrevendo em 1853, afirma que mesmo o artista que reconhece as exigências para ser um "triplo-pensador", até mesmo o artista que reconhece a necessidade de idéias em abundância, não deve ter nem a religião, nem país, nem convicção social. Ao contrário da pretensão de neutralidade, esta alegação nunca vai ser refutada, e não vai sofrer de mudanças na teoria literária ou tendência filosófica. Tal como o seu oposto, a afirmação existencialista de Sartre e outros que o artista deve ser totalmente engajado, sua validade depende do tipo de romance que o autor está escrevendo. (Tradução nossa).

Examinando uma obra, é possível que encontre o autêntico pensamento de

um autor real ou simplesmente a sua retórica, artificiosamente emanada.

Parafraseando Fernando Pessoa (2014), seria dizer que não somente o poeta, mas,

o escritor é um fingidor. “Finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a

dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, na dor lida sentem

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bem. Não as duas que ele teve, mas só a que eles não têm”. Vale ressaltar que a

Literatura não tem compromisso com a verdade, todavia, preza pela

verossimilhança.

Por fim, Booth lança para a posteridade o termo autor implicado/implícito

(implied author) na obra A retórica da ficção, argumentando que toda narrativa é

uma forma de retórica. Dessa forma, a narrativa estaria marcada de vários

“compromissos”, secretos ou abertos oriundos do autor. Booth acrescenta que

grande parte desses compromissos são vinculados aos costumes e à moral, e que o

“alto-falante” na narrativa é o autor implícito, que Booth também chamou "segundo

eu", neste último caso, termo utilizado pela escritora Kathleen Tillotson. Conforme

citação, a imagem que o leitor recebe dessa presença é um dos efeitos mais

importantes do escritor:

Whether we call this implied author an “official scribe”, or adopt the term recently revived by kathleen Tillotson - the author's "second self"- it is clear that the picture the reader gets of this presence is one of the author's most important effects. (BOOTH, 1983, p. 71). Quer chamemos este autor implícito um "escriba oficial", ou adotar o termo recentemente revivido por Kathleen Tillotson - "segundo eu" do autor - é claro que a imagem que o leitor recebe desta presença é um dos efeitos mais importantes do autor. (Tradução nossa).

A presença do autor implicado abrange não só os significados extraíveis na

narrativa, mas também o conteúdo moral e emocional de cada trecho de ação e

sofrimento de todos os personagens. Segundo Booth (1983, p. 12): “Our sense of

the implied author includes not only the extractable meanings but also the moral and

emotional content of each bit of action and suffering of all of the characters.”4

Veremos isso detidamente nas personagens criadas por Jorge Amado, em

Capitães da Areia, em uma mistura de Realismo e Romantismo. Outro escritor que

trabalhou a presença do autor implícito foi o filósofo francês Paul Ricoeur (1997), na

obra Tempo e narrativa – Tomo III, ao discorrer acerca do processo de interação

entre o texto e o leitor, vêem-se duas vertentes: o autor real, objeto da biografia, e o

autor implicado:

4 Nossa percepção do autor implícito inclui não apenas os significados extraíveis, mas também o conteúdo moral e emocional de cada trecho de ação e sofrimento de todos os personagens. Tradução nossa.

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O apagamento do autor é uma técnica retórica entre outras; ela faz parte da parafernália de disfarces e de máscaras de que serve o autor real para se transformar em autor implicado. A retórica da dissimulação, esse da retórica, da ficção, não deve iludir a crítica, embora possa iludir o leitor. Os procedimentos retóricos pelos quais o autor sacrifica a sua presença consistem precisamente em dissimular o artifício pela verossimilhança de uma história que parece contar-se sozinha e deixar falar a vida, que assim, é chamada de realidade social, comportamento individual ou fluxo de consciência. (RICOEUR, 1997, p. 279)

Retomando a assertiva feita anteriormente, que a ditadura enxergou o escritor

Jorge Amado indissociável da narrativa, essa ideia não foi compartilhada por alguns

críticos, segundo Booth (1983), que defendia a "erradicação" da presença autoral.

Booth argumentou que é impossível falar de um texto sem falar de um autor, porque

a existência do texto implica a existência de um autor. Tal engajamento custou ao

escritor Jorge Amado perseguições políticas e o consequente exílio. De acordo com

Rossi (2009), Amado incorporou a linguagem popular na narrativa do romance,

demonstrando o compromisso com a realidade através de uma arte militante, uma

literatura proletária. Ainda, segundo Rossi (2009), foi membro da Juventude e do

Partido Comunista brasileiro desde meados de 1932 e não separava o projeto

literário da política. Para fundamentar tal assertiva, Capitães da Areia foi um livro

censurado pelo Regime Militar, sendo queimados vários exemplares em praça

pública, sob alegação de ser propaganda do Comunismo. Para Zélia Gatai:

“Capitães da Areia, Mar morto, Jubiabá, Cacau, Suor e O país do carnaval - foram queimados em praça pública, com ata oficial, na Bahia e em São Paulo e proibidos de serem vendidos. Naqueles anos de ditadura quem fosse apanhado lendo um livro de Jorge Amado era fichado de comunista e cadeia com ele. A liberdade de ação e de pensamento era cerceada e ai de quem ousasse abrir a boca!” (2001, p. 12 - 13, grifo meu).

Demonstrando uma personalidade voltada para as massas, Jorge Amado não

deixou de transferir para a obra o seu conhecimento de mundo, seus ideais políticos,

filosóficos e sua posição pela liberdade religiosa conforme veremos em sequência.

Menino de rua

Consolidando o aspecto engajado do escritor, resta apontar na obra Capitães

da Areia, quais trechos de enunciados comprovam o discurso de denúncia de

abandono de crianças e conseguintes implicações na sociedade. Cada personagem

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do livro, cada episódio, cada sentença representa algo muito maior em significado.

Embora algumas citações extraídas sejam demasiadamente longas, foi necessário

que assim se fizesse para dar maior autenticidade e qualidade na fundamentação.

No capítulo “Cartas à redação” lê-se o seguinte:

CRIANÇAS LADRONAS Esse bando que vive da rapina se compõe, pelo que se sabe, de um número superior a 100 crianças das mais diversas idades, indo desde os 8 aos 16 anos. Crianças que, naturalmente devido ao desprezo dado à sua educação por pais pouco servidos de sentimentos cristãos, se entregaram no verdor dos anos a uma vida criminosa. São chamados de "Capitães da Areia" porque o cais é o seu quartel-general. E têm por comandante um mascote dos seus 14 anos, que é o mais terrível de todos, não só ladrão, como já autor de um crime de ferimentos graves, praticado na tarde de ontem. Infelizmente a Identidade deste chefe é desconhecida. (AMADO, 1982, p. 10, grifo meu).

Nota-se que o termo “bando” carrega em si a pejoração. O que se pode inferir

é que além do sentido estrito da palavra “pais” como “família”, se substituirmos o

termo “pais” por “país” vemos o descaso do Estado à educação, que por

consequência remete à criminalidade. Reformulando o enunciado, há: os filhos da

pátria estão desprezados. Não possuem lar e, por isso, como mendigo habita a areia

do cais. O chefe representa a coletividade de meninos de rua. A sentença

“Infelizmente a Identidade deste chefe é desconhecida” carrega o sentido da

amargura de não ter o valor, o respeito, a dignidade de alguém que é “conhecido”

por ter as condições mínimas de cidadania. Em um poema dedicado ao menino de

rua, o poeta cearense Patativa do Assaré interpreta bem essa triste realidade:

Meu Deus! Que tristeza! Que vida esta tua Menino de Rua, Tu andas em vão Ninguém te conhece, nem sabe o teu nome Com frio e com fome Sem roupa e sem pão (ASSARÉ, 2013, grifo meu).

Segundo o antropólogo Roberto DaMatta (1997, p. 55), o ponto crítico da

identidade social no Brasil é, sem dúvida, o isolamento (é a individualização) quando

não há nenhuma possibilidade de definir alguém socialmente por meio de sua

relação com alguma coisa (seja pessoa, instituição ou até mesmo um objeto ou

atividade). Nada pior do que não saber responder a tremenda pergunta: Afinal de

contas, de quem se trata?

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No tópico “Na residência do Comendador José Ferreira”, temos:

No Corredor da Vitória, coração do mais chique bairro da cidade, se eleva a bela vivenda do Comendador José Ferreira, dos mais abastados e acreditados negociantes desta praça (...). É um gosto ver o palacete do comendador, cercado de jardins, na sua arquitetura colonial. O jardineiro notou que algumas crianças vestidas de molambos rondavam o jardim da residência do comendador. O jardineiro tratou de afastar da frente da casa aqueles incômodos visitantes. (AMADO, 1982, p. 11, grifo meu).

Há um contraste social nos tópicos “crianças ladronas” e “Na residência do

Comendador José Ferreira”. Um polo representa a miséria, o outro a opulência.

Logo, torna evidente que o escritor enfatiza a existência da divisão de classes. A

invasão dos meninos de rua ao palacete do Comendador José Ferreira não significa

apenas uma descrição de um furto, mas uma denúncia de um grave problema social

vinculado à desigualdade econômica, como se vê no excerto:

A nossa reportagem ouviu também o pequeno Raul, que, como dissemos, tem onze anos e já é dos ginasianos mais aplicados do Colégio Antônio Vieira. Raul mostrava uma grande coragem, e nos disse acerca da sua conversa com o terrível chefe dos "Capitães da Areia". Ele disse que eu era um tolo e não sabia o que era brincar. Eu respondi que tinha uma bicicleta e muito brinquedo. Ele riu e disse que tinha a rua e o cais. (AMADO, 1982, p. 13, grifo meu).

Dois pontos chamam atenção neste trecho. A reportagem do Jornal da Tarde

ouviu os reclamantes, mas não registra que a imprensa tenha feito matéria

vitimizando os meninos de rua. Parece que o escritor intencionalmente mostra na

obra que a imprensa era tendenciosa, fato sugerido mais adiante na narrativa.

Interessante notar que Jorge Amado faz um paralelo entre duas infâncias e reitera

as extremidades. Enquanto uma criança é rica, estuda em bom colégio, tem diversos

brinquedos, mas, parece viver reclusa em um palácio, a outra não tem “posses”,

mas, tem a liberdade de viver na rua. A propósito, o sociólogo Gilberto Freyre, ao

discorrer acerca da decadência do patriarcado rural e o desenvolvimento do urbano

no Brasil, criou-se fortes distinções nos papéis sociais:

Menino de sobrado que brincasse na rua corria o risco de degradar-se em moleque; Iaiá que saísse sozinha de casa, rua afora, ficava suspeito de mulher pública. Lugar de menino brincar era o sítio ou quintal; a rua, do moleque. (2003, p. 270).

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Quanto ao reformatório, local destinado aos menores infratores, Jorge Amado

utilizou o gênero carta do leitor publicado no Jornal da Tarde para denunciar as

condições degradantes dos internos. Desta forma, ressalta-se o valor da imprensa

como meio de divulgação de arbitrariedade.

Se o jornal mandar uma pessoa lá secreta há de ver que comida eles comem, o trabalho de escravo que têm, que nem um homem forte aguenta, e as surras que tomam. Mas é preciso que vá secreto senão se eles souberem vira um céu aberto. (AMADO, 1982, p. 17).

De fato, a reportagem do Jornal adentrou ao reformatório, porém, se percebe

pelo teor da matéria publicada que claramente atende aos interesses do reclamado.

Escrevendo dessa maneira, Jorge Amado deixou ao leitor a liberdade de inferir o

modo tendencioso e manipulador que alguns jornalistas escrevem. Comportamento,

atualmente, muito criticado por parte da sociedade que não aceita este tipo de

conduta, embora imperceptível aos incautos. Caso seja feita uma leitura

descontextualizada do trecho seguinte, é ponderável pensar que estejam fazendo

propaganda do reformatório, posto que apareça sutilmente a linguagem apelativa.

UM ESTABELECIMENTO MODELAR ONDE REINAM A PAZ E O TRATADO - UM DIRETOR QUE É UM AMIGO - ÓTIMA COMIDA – CRIANÇAS LADRONAS EM CAMINHO DA REGENERAÇÃO - ACUSAÇÕES IMPROCEDENTES - SÓ UM INCORRIGÍVEL RECLAMA - O REFORMATÓRIO BAIANO É UMA GRANDE FAMÍLIA - ONDE DEVIAM ESTAR OS CAPITÃES DA AREIA. (AMADO, 1982, p. 21).5

É possível que Jorge Amado tenha utilizado essa fictícia matéria como

instrumento de exposição da condição de certos jornalistas parciais (manipulados e

manipuladores). A reportagem é tendenciosa ao exaltar as qualidades do

reformatório, até mesmo no estilo de construção frasal, caixa alta e em formato de

sentença. Outra característica que denota a parcialidade em redigir está nos trechos

das cartas que logo abaixo constam detalhes do editorial, tais como o título “Será

verdade?”. Outros detalhes que indicam a parcialidade estão no espaço concedido

para cada parte da lide. A mãe de um menor teve a carta publicada entre anúncios,

sem foto e sem comentário. Na matéria que exalta o trabalho do reformatório, houve

5 Texto original da obra Capitães da Areia está grafado em caixa alta.

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espaço maior, ocupando toda a primeira página do jornal, com diversas fotos do

prédio e do diretor da instituição.

Jorge Amado inicia o primeiro capítulo falando sobre o trapiche6, o qual se

constituía no lar dos meninos de rua. De maneira realista, são descritas as

condições em que as crianças vivem:

Sob a lua, num velho trapiche abandonado, as crianças dormem. (...) Durante anos foi povoado exclusivamente pelos ratos que aí atravessavam em corridas brincalhonas, que roíam a madeira das portas monumentais, que o habitavam como senhores exclusivos. Em certa época um cachorro vagabundo o procurou como refúgio contra o vento e contra a chuva. Na primeira noite não dormiu, ocupado em despedaçar ratos que passavam na sua frente. (AMADO, 1982, p. 25).

É notável como o escritor intensifica a indignação no momento em que

descreve a condição degradante que as crianças enfrentam as adversidades.

Manifesta por meio da arte degradação do ser humano quando este é nivelado com

animais irracionais ao habitar um local insalubre. No trecho seguinte, percebe-se

que autor também registrou a peculiaridade da miscigenação ao referir-se à

epiderme dos meninos de rua, induzindo assim a refletir que o problema social

estava desvinculado à característica de raça, conforme citação:

Estranhas coisas entraram então para o trapiche. Não mais estranhas, porém, que aqueles meninos, moleques de todas as cores e de idades as mais variadas desde os nove aos dezesseis anos, que à noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da ponte e dormiam indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que muitas vezes os lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos às canções que vinham das embarcações... (AMADO, 1982, p. 26, grifo meu).

Curioso notar que em toda a obra aparece a figura marcante do líder dos

meninos de rua personificado em um nome, digamos, "forte": Pedro Bala.

Ratificando o que foi escrito no intróito deste trabalho, esse livro é plurisignificativo.

Recorrendo ao conhecimento religioso, a Bíblia Sagrada (2014) cita no livro de João

capítulo 18 versículo 1-13 que no momento da prisão de Jesus Cristo, no Monte das

Oliveiras, o apóstolo Pedro, decepou a orelha do servo do sumo sacerdote que

estava acompanhado por soldados romanos. O sobrenome Bala remete

automaticamente ao homônimo "bala" com sentido de "projétil", "munição" termo

muito apropriado à ideia de revolução, considerando o perfil engajado do escritor. A

6 Armazém abandonado onde se guardavam mercadorias para embarque, junto ao cais.

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seguir, Jorge Amado traça em poucas linhas o triste histórico de vida dos meninos,

colhidos pela orfandade conforme citação.

É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde seus cinco anos. Hoje tem 15 anos. Há dez que vagabundeia nas ruas da Bahia. Nunca soube de sua mãe, seu pai morrera de um balaço. Ele ficou sozinho e empregou anos em conhecer a cidade. (AMADO, 1982, p. 26, grifo meu).

Assim, se não justifica o comportamento delinquente, explica-lhe a origem. A

seguir, o escritor registra o descaso do poder público, a quem em tese, deveria

cuidar dos marginalizados, considerando que Estado sempre arrecadou fortunas em

impostos. Quando o narrador afirma que nunca ninguém soube a quantia de

crianças abandonadas, não exclui a sociedade como partícipe em ignorar o

problema que próprio lhe aflige como nota-se na assertiva:

Nunca ninguém soube o número exato de meninos que assim viviam. Eram bem uns cem e destes mais de quarenta dormiam nas ruínas do velho trapiche. Vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro (...). (AMADO, 1982, p. 26, grifo meu).

Verifica-se um forte nexo entre o estado de penúria, maus costumes e

liberdade, no sentido de fazerem o que bem entenderem. O fato de viverem soltos,

sem ninguém para educá-los, acarreta o comportamento agressivo e impetuoso de

falar palavras de baixo calão como foi mencionado. É recorrente entre uma

descrição e outra de uma personagem, o autor traçar o perfil histórico de sofrimento

e ausência de responsáveis modelares para encaminhar as crianças para o bem.

Em relação à personagem “João Grande”, Jorge Amado escreve sobre a orfandade:

Passa um vento frio que levanta a areia e torna difíceis os passos do negro João Grande, que se recolhe. Vai curvado pelo vento como a vela de um barco. É alto, o mais alto do bando, e o mais forte também, negro de carapinha baixa e músculos retesados, embora tenha apenas treze anos, dos quais quatro passados na mais absoluta liberdade, correndo as ruas da Bahia com os Capitães da Areia. Desde aquela tarde em que seu pai, carroceiro gigantesco, foi pegado por um caminhão quando tentava desviar o cavalo para um lado da rua, João Grande não voltou a pequena casa do morro. (AMADO, 1982, p. 28, grifo meu).

Embora fique claro que a personagem tenha saído de casa por livre e

espontânea vontade, nota-se a falta do apoio psicológico para minorar a angústia

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causada pela morte do pai. Na vida real, não é raro encontrar pessoas, seja criança,

adolescente ou adulto, vagando pelas ruas em condição de abandono. E

perscrutando o histórico social dessa pessoa, vêem-se os abalos emocionais como

agente principal de estarem à margem da sociedade. Ter consciência dessa

situação e buscar o conhecimento crítico é o que o autor sugere entrelinhas. No

trecho seguinte, percebe-se que o autor enaltece a importância da leitura. Enfatiza

que a educação é uma ferramenta que liberta da ignorância e conscientiza o

indivíduo.

João José, o Professor, desde o dia em que furtara um livro de histórias numa estante de uma casa da Barra, se tornara perito nestes furtos. Nunca, porém, vendia os livros, que ia empilhando num canto do trapiche, sob tijolos, para que os ratos não os roessem. Lia-os todos numa ânsia que era quase febre. Gostava de saber coisas e era ele quem, muitas noites, contava aos outras histórias de aventureiros, de homens do mar, de personagens heróicos e lendários, histórias que faziam aqueles olhos vivos se espicharem para o mar ou para as misteriosas ladeiras da cidade, numa ânsia de aventuras e de heroísmo. João José era o único que lia correntemente entre eles e, no entanto, só esteve na escola ano e meio. Mas o treino diário da leitura despertara completamente sua imaginação e talvez fosse ele o único que tivesse uma certa consciência do heroico das suas vidas. (AMADO, 1982, p. 28, grifo meu).

De fato, as crianças mencionadas vivem o opróbrio e não possuem a lucidez

da força hercúlea de viver mais um dia sem expectativa nenhuma de melhora. Há

também um vínculo entre a criança abandonada e formação do caráter. A exposição

à delinquência é uma variável constante. No capítulo “Noite dos Capitães da Areia”,

Jorge Amado expõe através do diálogo das personagens como ocorre o ciclo vicioso

do furto/receptação/comercialização. Os garotos planejam o furto de objetos a fim de

abastecer um comércio, como se vê na seguinte passagem:

- Gonzales do 14 falou hoje comigo... - Quer mais corrente de ouro? Da outra vez... - atalhou O Sem-Pernas. - Não. Tá querendo chapéu. Mas só topa de feltro. Palhinha não vale, diz que não tem saída. E também... - Que é que tem mais? - novamente interrompeu o Sem-Pernas. - Tem que muito usado não presta. - Tá querendo muita coisa. Se ainda pagasse que valesse a pena. - Tu sabe, Sem-Pernas, que ele é um bicho caiado. Pode não pagar bem, mas é uma cova. Dali não sai nada, nem a gancho. -Também paga uma miséria. E é interesse dele não dizer nada. Se ele abrir a boca no mundo não há costas largas que livre ele do xilindró... (AMADO, 1982, p. 31, grifo meu).

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O personagem Sem-Pernas representa a manifestação da revolta decorrente

do abandono. Jorge Amado traça um perfil de um garoto perverso que zombava de

todos, dentre tantas, fez tremendas crueldades com um gato que entrara no

trapiche. Violento, cortara de navalha um garçom de restaurante para furtar apenas

um frango assado. Frio, um dia em que teve um abscesso na perna o rasgou

friamente a canivete e na vista de todos o espremeu rindo. Segundo Amado (1982,

p. 33), “E rindo, e ridicularizando, era que fugia da sua desgraça. Era como um

remédio.” Mas, no fundo, era uma criança revoltada com as agruras da vida e

desejava outro destino, como podemos perceber na seguinte passagem:

Queria alegria, uma mão que, o acarinhasse, alguém que com muito amor o fizesse esquecer o defeito físico e os muitos anos (talvez tivessem sido apenas meses ou semanas, mas para ele seriam sempre longos anos) que vivera sozinho nas ruas da cidade, hostilizado pelos homens que passavam, empurrado pelos guardas, surrado pelos moleques maiores. Nunca tivera família. Vivera na casa de um padeiro a quem chamava meu padrinho e que o surrava. Fugiu logo que pôde compreender que a fuga o libertaria. Sofreu fome, um dia levaram-no preso. Ele quer um carinho, uma mão que passe sobre os seus olhos e faça com que ele possa se esquecer daquela noite na cadeia, quando os soldados bêbados o fizeram correr com sua perna coxa em volta de uma saleta. Em cada canto estava um com uma borracha comprida. As marcas que ficaram nas suas costas desapareceram. Mas de dentro dele nunca desapareceu a dor daquela hora. (AMADO, 1982, p. 34).

Assim, a revolta da personagem Sem-Pernas é canalizada para desembocar

na delinquencia, o que o faz traiçoeiro e cruel, transferindo para suas vítimas a culpa

de estar marginal. Segundo Sartre (2014), a literatura representa as ideias de uma

época. Assim, Jorge Amado não fugiu a essa regra quando escreveu essa obra. Por

ter sido contemporâneo do cangaceiro Lampião (Virgulino Ferreira da Silva –

07/07/1897 – 27/07/1938 – conforme Vainsencher, 2014), considerando que

Capitães da Areia foi publicado em 1937, é descrito na obra o perfil da personagem

Volta Seca, o menino de rua que sonhava em ser cangaceiro. Vale ressaltar que

para alguns, o cangaço, denominação dada ao tipo de luta armada ocorrida

principalmente no sertão nordestino, era visto como meio de se fazer justiça, face a

inoperância do Estado. Contudo, o cangaceiro era uma espécie de Robin Hood, ou

seja, um fora-da-lei que roubava da nobreza (governo/ricos) para dar aos pobres,

razão pela qual foi admirado.

- Professor... Professor...

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- O que é? Professor estava semi-adormecido. - Eu quero uma coisa. Professor sentou-se. O rosto sombrio de Volta Seca estava meio invisível na escuridão. - É tu, Volta Seca? Que é que tu quer? - Quero que tu leia pra eu ouvir essa notícia de Lampião que o Diário traz. Tem um retrato. - Deixa pra amanhã que eu leio. - Lê hoje, que eu amanhã te ensino a imitar direitinho um canário. O Professor buscou uma vela, acendeu, começou a ler a notícia do jornal. Lampião tinha entrado numa vila da Bahia, matara oito soldados, deflorara moças, saqueara os cofres da Prefeitura. O rosto sombrio de Volta Seca se iluminou. Sua boca apertada se abriu num sorriso. E ainda feliz deixou o Professor, que apagava a vela, e foi para o seu canto. Levava o jornal para cortar o retrato do grupo de Lampião. Dentro dele ia uma alegria de primavera. (AMADO, 1982, p. 44, grifo meu).

É nítida a oposição de valores na mente da personagem Volta Seca. O que

a torna feliz é exatamente o que seria moralmente incorreto. Desta forma, o autor

infere a preocupação que devemos ter na formação educacional de nossas crianças.

No capítulo “As luzes do carrossel”, percebe-se um significado amplo em relação à

palavra “luzes”. Não se restringe somente às lâmpadas coloridas que enfeitavam o

parque de diversão, mas, a mudança de estado de espírito que os brinquedos

proporcionavam às crianças que visitavam o parque, aos meninos de rua que

ocasionalmente era permitido pelo proprietário que brincassem, e até mesmo ao

bando de cangaceiros que também se divertiram e por um momento não praticou

crimes.

Voltando à questão da intenção do escritor a que se refere Sartre (1999),

Jorge Amado enfatiza a importância do lúdico na transformação do ser. É fato que

brincar faz parte da infância, sendo fundamental para o desenvolvimento cognitivo,

físico e afetivo. Por meio da satisfação oriunda das brincadeiras, a criança dá asas à

imaginação tornando sua vida mais prazerosa. No trecho seguinte, o autor trespassa

a importância do lúdico, da criança para o adulto, inferindo que os adultos

marginalizados, em seu íntimo são também crianças carentes do prazer de brincar.

Mas na sexta-feira Lampião entrou na vila com vinte e dois homens e então o carrossel teve muito que trabalhar. Como as crianças, os grandes cangaceiros, homens que tinham vinte e trinta mortes, acharam belo o carrossel, acharam que mirar suas luzes rodando, ouvir a música velhíssima da sua pianola e montar naqueles estropiados cavalos de pau era a maior felicidade. E o carrossel de Nhozinho França salvou a pequena vila de ser saqueada, as moças de serem defloradas, os homens de serem mortos. Só mesmo os dois soldados da polícia baiana que lustravam as botas na frente do posto policial foram fuzilados pelos cangaceiros, assim mesmo antes que eles vissem o carrossel armado na Praça da Matriz. Porque talvez até os soldados da polícia baiana Lampião perdoasse nessa noite de suprema

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felicidade para o bando de cangaceiros. Então eles foram como crianças, gozaram daquela felicidade que nunca haviam gozado na sua meninice de filhos de camponeses: montar e rodar num cavalo de madeira de um carrossel, onde havia música de uma pianola e onde as luzes eram de todas as cores: azuis, verdes, amarelas, roxas vermelhas, como o sangue que sai do corpo dos assassinados. (AMADO, 1982, p. 58, grifo meu).

O autor, ao registrar na narrativa a existência de música associada à

brincadeira, torna perceptível um ambiente alegre, festivo. Em seguida, Jorge

Amado expõe alegria dos meninos de rua em brincar no parque, bem como faz

reflexões de lembranças vividas pelos garotos. Em relação ao personagem Sem-

Pernas, o autor deixa transparecer que a injustiça conduz à delinquência. Evidencia

a discriminação existente em uma sociedade que aprecia a imagem reluzente de

vestimentas, que julga as pessoas pelo que vestem.

O Sem Pernas já tinha mesmo (certo dia em que penetrou num Parque de Diversões armado no Passeio Público) chegado a comprar entrada para um, mas o guarda o expulsou do recinto porque ele estava vestido de farrapos. Depois o bilheteiro não quis lhe devolver o bilhete da entrada, o que fez com que o Sem-Pernas metesse as mãos na gaveta da bilheteria, que estava aberta, abafasse o troco, e tivesse que desaparecer do Passeio Público de uma maneira muito rápida, enquanto em todo o Parque se ouviam os gritos de: Ladrão!, ladrão! Houve uma tremenda confusão, enquanto o Sem-Pernas descia muito calmamente a Gamboa de Cima, levando nos bolsos pelo menos cinco vezes o que tinha pago pela entrada. Mas o Sem-Pernas preferiria, sem dúvida, ter rodado no carrossel, montado naquele fantástico cavalo de cabeça de dragão, que era sem dúvida a coisa mais estranha e tentadora na maravilha que era o carrossel para os seus olhos. Criou ainda mais ódio aos guardas e maior amor aos carrosséis distantes. (AMADO, 1982, p. 59, grifo meu).

Jorge Amado, ao traçar o perfil emocional da personagem Volta Seca

reverbera o poder cativante da música, essa arte encantadora que comove. A

música tem uma relação estreita com a história, e esta com a Literatura. Se a poesia

carrega com maior veemência a musicalidade, a prosa também comporta

sonoridade. O próprio termo “fonema” expressa o sentido de qualquer som

elementar, seja vogal ou consoante, de uma língua. O artista, então aplica a tríade

(história, literatura, música) para produzir a arte. Típico exemplo é o cantor e

compositor Renato Russo que buscou na Bíblia Sagrada, no capítulo 13 do livro de

Coríntios, trecho para compor a música Monte Castelo (Ainda que eu falasse a

língua dos homens. E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.); juntou a

estrofe de Os Lusíadas do poeta Luís Vaz de Camões (É um não querer mais que

bem querer. É solitário andar por entre a gente. É um não contentar-se de contente.

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É cuidar que se ganha em se perder.). Assim, a música marca na memória do

ouvinte fatos e sentimentos, mexe com as emoções como se percebe na citação

seguinte.

O sertanejo (Volta Seca) trepou no carrossel, deu corda na pianola e começou a música de uma valsa antiga. O rosto sombrio de Volta Seca se abria num sorriso. Espiava a pianola, espiava os meninos envoltos em alegria. Escutavam religiosamente aquela música que saía do bojo do carrossel na magia da noite da cidade da Bahia só para os ouvidos aventureiros e pobres dos Capitães da Areia. Todos estavam silenciosos. Um operário que vinha pela rua, vendo a aglomeração de meninos na praça, veio para o lado deles. E ficou também parado, escutando a velha música. Então a luz da lua se estendeu sobre todos, as estrelas brilharam ainda mais no céu, o mar ficou de todo manso (talvez que Yemanjá tivesse vindo também ouvir a música) e a cidade era como que um grande carrossel onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia. Neste momento de música eles sentiram-se donos da cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram irmãos porque eram todos eles sem carinho e sem conforto e agora tinham o carinho e conforto da música. Volta Seca não pensava com certeza em Lampião neste momento. Pedro Bala não pensava em ser um dia o chefe de todos os malandros da cidade. O Sem-Pernas em se jogar no mar, onde os sonhos são todos belos. Porque a música saía do bojo do velho carrossel só para eles e para o operário que parara. (AMADO, 1982, p. 61, grifo meu).

Ato contínuo, o escritor, com sua percepção aguçada, narra o estado de

êxtase da personagem Sem Pernas ao deslocar-se para um brinquedo do parque. O

prazer de brincar no carrossel sobrepõe naquele momento todas as angústias e

sofrimentos vividos. Nesse ínterim, Jorge Amado enfatiza a condição de abandono,

a falta de vínculos familiares das crianças. Há um contraste entre o que deveria ser

vivenciado e o que é experimentado pela criança carente. Consciente que esse

estado de júbilo é efêmero, a personagem tenta usufruir o máximo daquele

momento.

Depois vai o Sem-Pernas. Vai calado, uma estranha comoção o possui. Vai como um crente para uma missa, um amante para o seio da mulher amada, um suicida para a morte. Vai pálido e coxeia. Monta um cavalo azul que tem estrelas pintadas no lombo de madeira. Os lábios estão apertados, seus ouvidos não ouvem a música da pianola. Só vê as luzes que giram com ele e prende em si a certeza de que está num carrossel, girando num cavalo como todos aqueles meninos que têm pai e mãe, e uma casa e quem os beije e quem os ame. Pensa que é um deles e fecha os olhos para guardar melhor esta certeza. Já não se vê os soldados que o surraram, o homem de colete que ria. Seu coração bate tanto, tanto, que ele o aperta com a mão. (AMADO, 1982, p. 62, grifo meu).

Aqueles que têm pai e mãe, uma casa significa dizer também: aqueles que

não se situam tão à margem da sociedade. No início do século XX, época em que foi

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escrito Capitães da Areia, deu-se início a organização do movimento operário. A

ascensão das oposições sindicais criava um clima favorável ao surgimento de

reivindicações por melhorias na qualidade de vida. É criado em 1922 o Partido

Comunista Brasileiro, o qual exerceu forte influência na classe trabalhadora. No

capítulo Docas, Jorge Amado deixa transparecer seu caráter de escritor engajado ao

registrar o trabalho dos estivadores que carregam/descarregam os navios no cais.

Conhece-se o passado dramático dos pais de Pedro Bala, chefe dos Capitães da

Areia. É enaltecida a importância da greve como meio de aquisição de direitos

sociais. João de Adão, que trabalhou juntamente com o Raimundo, o pai de Pedro

Bala, fala da origem do menino abandonado que sonha em seguir o exemplo do pai,

militante político, que fora assassinado enquanto participava de movimento grevista:

Vi quando ele (Raimundo), quase menino assim como tu (Pedro Bala), fez a primeira greve aqui nas docas. Naquele tempo ninguém sabia que diabo era greve. (...) João de Adão balançou a cabeça que sim, fechou os olhos recordando os longínquos tempos da primeira greve que chefiara nas docas. Raimundo morreu na greve. (...) Mataram ele bem aqui, naquele dia que a cavalaria atropelou a gente. (...) Tu tinha uns quatro anos. Depois disso tu andou um ano da casa de um pra casa de outro até que tu fugiu. Depois a gente só veio a saber de tu quando tu já era chefe dos Capitães da Areia. Mas a gente sabia que tu havia de te arranjar. (...) Tua mãe morreu quando tu nem tinha seis meses. (AMADO, 1982, p. 76 – 77, grifo meu).

A narrativa do capítulo Docas traz, contudo algo repugnante ao leitor. Após

saber os detalhes dramáticos de seu passado, Pedro Bala sai sozinho pelo areal e

se depara com uma garota de aproximadamente quinze anos, a qual, violenta

sexualmente. Apesar do escritor ter registrado a má índole do protagonista nesse

episódio, sua delinquência é eufemizada, sendo assim, supostamente atribuído o

seu comportamento ao resultado da exclusão social, do abandono.

Ela, antes de desaparecer na esquina, cuspiu no chão num supremo desprezo e ainda repetiu: - Desgraçado... Desgraçado. Primeiro ele ficou parado, depois deitou a correr no areal ia como se os ventos o açoitassem, como se fugisse das pragas da negrinha. E tinha vontade de se jogar no mar para se lavar de toda aquela inquietação,a vontade de se vingar dos homens que tinham matado seu pai, o ódio que sentia contra a cidade rica que se estendia do outro lado do mar, na Barra, na Vitória, na Graça, o desespero da sua vida de criança abandonada e perseguida, a pena que sentia pela pobre negrinha, uma criança também. Uma criança também - ouvia na voz do vento, no samba que cantavam, uma voz dizia dentro dele. (AMADO, 1982, p. 85).

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No capítulo Aventura de ogum, são descritas as condições degradantes do

trapiche, local de refúgio e convivência. Porém, quando chove, inunda o local,

tornando mais dramática a situação em que vivem. Para dar maior conotação de

tristeza e comover o leitor, o escritor explora o lado inocente das crianças que ainda

temem dragões e monstros. É ressaltado o caráter solidário dos membros do grupo

quando os maiores protegem os menores. Nesse capítulo, o autor insere a questão

da religiosidade e miscigenação. Vincula a raça negra à religião afro-brasileira. Faz-

se também referência ao Xangô, termo estritamente relacionado a uma divindade do

candomblé, representado pela personagem mãe de santo Dona Aninha, ao passo

que também é afirmada a presença marcante do catolicismo representado pela

personagem Padre José Pedro.

A chuva entrava pelos buracos do teto, a maior parte dos meninos se amontoavam nos cantos onde ainda havia telhado. O Professor tentara acender sua vela, mas o vento parecia brincar com ele, apagava-a de minuto a minuto. (...) Nestas noites de chuva eles não podiam dormir. De quando em vez a luz de um relâmpago iluminava o trapiche e então se viam as caras magras e sujas dos Capitães da Areia. Muitos deles eram tão crianças que temiam ainda dragões e monstros lendários: Se chegavam para junto dos mais velhos, que apenas sentiam frio e sono. Outros, os negros, ouviram no trovão a voz de Xangô. Para todos estas noites de chuva eram terríveis. (...) Ficavam todos juntos, inquietos, mas sós todavia, sentindo que lhes faltava algo, não apenas uma cama quente num quarto coberto, mas também doces palavras de mãe ou de irmã que fizessem o temor desaparecer. Ficavam todos amontoados e alguns tiritavam de frio, sob as camisas e calças esmolambadas. Outros tinham paletós furtados ou apanhados em lata de lixo, paletós que utilizavam como sobretudo. O Professor tinha mesmo um sobretudo, de tão grande arrastava no chão. (AMADO, 1982, p. 88).

No capítulo Deus sorri como um negrinho, o escritor demonstra a crise de

consciência da Personagem Pirulito face ao desejo de se tornar seminarista e a vida

delinquente que levava. Os conselhos que o Padre José Pedro dava ao Pirulito

faziam-no refletir sobre ações no cotidiano, arrependendo-se dos furtos praticados.

Destarte, é possível inferir acerca do poder que a igreja possui em regular conduta

de algumas pessoas, tornando-a mais comedida. Novamente, o escritor persuade

que os meninos de rua são vítimas do sistema, e não criminosos que devem ser

apenados, conforme trecho:

Pirulito mirou o céu azul onde Deus devia estar e agradeceu num sorriso e pensou que Deus era realmente bom. E pensando em Deus pensou também nos Capitães da Areia. Eles furtavam, brigavam nas ruas, xingavam nomes, derrubavam negrinhas no areal, por vezes feriam com

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navalhas ou punhal homens e polícias. Mas, no entanto, eram bons, uns eram amigos dos outros. Se faziam tudo aquilo é que não tinham casa, nem pai, nem mãe, a vida deles era uma vida sem ter comida certa e dormindo num casarão quase sem teto. Se não fizessem tudo aquilo morreriam de fome, porque eram raras as casas que davam de comer a um, de vestir a outro. E nem toda a cidade poderia dar a todos. (AMADO, 1982, p. 97).

Inseridos na obra os relatos de abandono, acompanha também trechos

recorrentes de apoio à mudança da conjuntura política do país. Jorge Amado mostra

de um lado a postura resignada da igreja católica, e do outro, o comportamento

insatisfeito de um trabalhador que almeja transformações na sociedade. Vê-se então

a dialética em discussão, pois, enquanto o poder eclesiástico está buscando a

salvação da alma, a classe trabalhadora está preocupada com a sobrevivência do

corpo num país assolado pela inflação. Contudo, o escritor não deixou de especificar

que numa instituição fundamentada na hierarquia e disciplina também houvesse

membro que discordasse. A personagem padre José Pedro simboliza este fato,

embora nada fizesse para mudar.

O padre José Pedro dizia que a culpa era da vida e tudo fazia para remediar a vida deles, pois sabia que era a única maneira de fazer com que eles tivessem uma existência limpa. Porém uma tarde em que estava o padre e estava o João de Adão, o doqueiro disse que a culpa era da sociedade mal organizada, era dos ricos... Que enquanto tudo não mudasse, os meninos não poderiam ser homens de bem. E disse que o padre José Pedro nunca poderia fazer nada por eles porque ricos não deixariam. O padre José Pedro naquele dia tinha ficado muito triste, e quando Pirulito o foi consolar, explicando que ele não ligasse ao que João de Adão dizia, o padre respondeu balançando a cabeça magra. Tem vezes que eu chego a pensar que ele tem razão, que isso tudo está errado. Mas Deus é bom e saberá dar o remédio... (AMADO, 1982, p. 98).

Jorge Amado, comunista assumido, reitera por meio do cunho literário a

propagação da ideologia partidária. Outro trecho em que o autor insere a ideia

comunista por meio da revolução aparece na obra quando é mencionada a condição

social da cidade alta (trata-se da parte maior e mais moderna da cidade de

Salvador-Bahia) e a cidade baixa (é a área litorânea, banhada pela Baía de Todos

os Santos). Deste modo, a personagem Pirulito fica dividida em acreditar no

posicionamento ideológico do padre José Pedro e o trabalhador João de Adão:

O difícil para o padre José Pedro era conciliar as coisas. Mas ia tenteando e por vezes sorria satisfeito dos resultados. A não ser quando João de Adão ria dele e dizia que só a revolução acertaria tudo aquilo. Lá em cima, na cidade alta, os homens ricos e as mulheres queriam que os Capitães da Areia fossem para as prisões para o reformatório, que era pior que as

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prisões. Lá embaixo, nas docas, João de Adão queria acabar com os ricos, fazer tudo igual, dar (p. 103) escola aos meninos. O padre queria dar casa, escola, carinho e conforto aos meninos sem a revolução, sem acabar com os ricos. (AMADO, 1982, p. 99, grifo meu).

O diálogo entre o padre José Pedro e o cônego a respeito de ajudar ou não

os meninos de rua levantou a discussão do comunismo que começava a ganhar

espaço no Brasil. Percebem-se as ideias antagônicas, enfrentadas dentro da própria

igreja católica frente ao novo partido político. É notório o preconceito contra o

comunista, considerado como pessoa de baixa condição moral, cultural e social. O

escritor critica a posição autoritária do cônego em relação ao padre José Pedro.

É que o senhor não conhece estes meninos... - o Cônego lhe deitou um olhar duro. - São meninos iguais a homens. Vivem como homens, conhecem a vida toda, - É preciso tratar com jeito, fazer concessões. - Por isso o senhor faz o que eles querem... - Às vezes tenho que fazer para conseguir um bom resultado... - Compactua com os roubos, com os crimes destes perversos... - Que culpa eles têm? - o padre se lembrava de João de Adão. - Quem cuida deles? Quem os ensina? Quem os ajuda? Que carinho eles têm? - estava exaltado e o Cônego se afastou mais dele, enquanto o fitava com os olhinhos duros. - Roubam para comer porque todos estes ricos que têm para botar fora, para dar para as igrejas, não se lembram que existem crianças com fome... Que culpa... - Cale-se. - a voz do Cônego era cheia de autoridade. - Quem, o visse falar diria que é um comunista que está falando. E não é difícil. No meio dessa gentalha o senhor deve ter aprendido as teorias deles... O senhor é um comunista, um inimigo da Igreja... O padre o olhou horrorizado. O Cônego levantou-se, estendeu a mão para o padre: - Que Deus seja suficientemente bom para perdoar seus atos e suas palavras. O senhor tem ofendido a Deus e à Igreja. Tem desonrado as vestes sacerdotais que leva. Violou as leis da Igreja e do Estado. Tem agido como um comunista. (AMADO, 1982, p. 134 - 135, grifo meu).

Ao sair da sala do cônego, o padre José Pedro faz reflexões sobre o que tem

feito para ajudar as crianças e o que ouviu de seu superior acerca do comunismo. O

escritor instiga o leitor a criar suas próprias opiniões, e não aceitar cegamente o

discurso proferido, muitas vezes, permeado de interesses obscuros. O período

seguinte aponta para o hábito de rotularem as pessoas, avaliando o ser a partir da

concepção que este tem por pensar e agir diferente.

(...) Um comunista como João de Adão... Mas os comunistas são maus, querem acabar tudo... João de Adão era um homem bom... Um comunista... E Cristo? Não, não podia pensar que Cristo fosse um comunista... (AMADO, 1982, p. 135, grifo meu).

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No capítulo “Filha de bexiguento”, Jorge Amado narra o triste destino de Dora,

uma adolescente de treze anos e seu irmão Zé Fuinha, uma criança de seis anos

que ficaram órfãos em razão da epidemia de varíola e após vagarem com fome

pelas ruas de Salvador, se integram ao grupo “Capitães da areia”. O autor evidencia

neste capítulo o preconceito das pessoas em oferecer emprego para outras que

conviveram com doentes de varíola.7

Dora contou que a mãe tinha morrido: - A senhora tinha me prometido um emprego... - De que foi que Margarida morreu? - De bexiga, sim senhora. Dora não sabia que dizendo aquilo tinha perdido a possibilidade do emprego. - De varíola? A mocinha se afastou receosa. Até o rapaz se desviou um pouco, pensou nos seios pequenos de Dora marcados de varíola. Cuspiu com nojo. Dona Laura tomou um tom triste: - É que já tomei outra empregada. Agora não tenho necessidade... Dora pensou em Zé Fuinha: - A senhora não tem precisão de um menino pequeno pra fazer compra, recados, estas coisas? É meu irmão... - Não, minha filha, não tenho. - Não sabe de ninguém? - Não. Se soubesse recomendaria você... Queria acabar a conversa. Voltou-se para o filho: - Você tem dois mil-réis aí, Emanuel? - Pra que, mamãe? - Me dê. O rapaz deu, ela pôs em cima da grade. Tinha medo de tocar em Dora, queria que fosse dali, antes de contagiar a casa. - Leve isso para você. Que Deus lhe ajude... Dora voltou a descer a rua. O rapaz ainda espiou as nádegas que apareciam redondas sob o vestido apertado. Mas a voz de dona Laura o interrompeu. Ela falava para a empregada: - Dos Reis, passe um pano com álcool no portão, onde esta menina pegou. Não é bom brincar com varíola... (AMADO, 1982, p. 147 - 148).

No capítulo “Dora, mãe”, o autor explora a carência afetiva dos meninos de

rua que encontram na colega Dora o afeto de uma mãe. Dora se dispôs a fazer

atividades domésticas no trapiche e, em certa ocasião, costurou a camisa de Gato.

Este buscou na lembrança os momentos que passou com a mãe que morrera cedo.

Inicialmente, o grupo resistiu na ideia de aceitar uma menina vivendo junto. Com o

passar do tempo, os meninos identificaram na adolescente a figura materna. No

trecho seguinte, vê-se que a orfandade é recorrente dentre os meninos de rua:

A mão dela (unhas maltratadas e sujas, roídas a dente) não queria excitar, nem arrepiar. Passava como a mão de uma mãe que remendava camisas do filho. A mãe do Gato morrera cedo. Era uma mulher frágil e bonita. Também tinha as mãos maltratadas, que esposa de operário não tem manicura. E era dela também aquele gesto de remendar as camisas de Gato, mesmo nas costas de Gato. A mão de Dora o toca de novo. Agora a sensação é diferente. Não é mais um arrepio de desejo. É aquela sensação de carinho bom, de segurança que lhe davam as mãos de sua mãe. Dora está por detrás dele, ele não vê. Imagina então que é sua mãe que voltou.

7 Varíola: é uma doença infecto-contagiosa também conhecida como bexiga. Causada pelo Orthopoxvirus variolae, é considerada, pela Organização Mundial de Saúde, erradicada desde o fim da década de setenta, graças à vacinação. Fonte: http://www.sobiologia.com.br

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Gato está pequenino de novo, vestido com um camisolão de bulgariana e nas brincadeiras pelas ladeiras do morro o rompe todo. E sua mãe vem, faz com que ele se sente na sua frente e suas mãos ágeis manejam a agulha, de quando em vez o tocam e lhe dão aquela sensação de felicidade absoluta. Nenhum desejo. Somente felicidade. Ela voltou, remenda a camisa do Gato. Uma vontade de deitar no colo de Dora e deixar que ela cante para ele dormir, como quando era pequenino. Se recorda que ainda é uma criança. (AMADO, 1982, p. 155, grifo meu).

Finalizando a obra, o escritor conclui que as crianças integrantes do grupo

Capitães da Areia não tiveram uma infância normal. Foram abandonados pela

família, pela sociedade, pelo Estado. Expõe a desigualdade econômica e social e

aponta as consequências. De certa forma, o autor justifica no trecho abaixo o

dramático destino que algumas delas tiveram.

Quando eram presos apanhavam surras como os homens. Por vezes assaltavam de armas na mão como os mais temidos bandidos da Bahia. Não tinham também conversas de meninos, conversavam como homens. Sentiam mesmo como homens. Quando outras crianças só se preocupavam com brincar, estudar livros para aprender a ler, eles se viam envolvidos em acontecimentos que só os homens sabiam resolver. Sempre tinham sido como homens, na sua vida de miséria e de aventura, nunca tinham sido perfeitamente crianças. Porque o que faz a criança é o ambiente de casa, pai, mãe, nenhuma responsabilidade. Nunca eles tiveram pai e mãe na vida da rua. E tiveram sempre que cuidar de si mesmos, foram sempre os responsáveis por si. (AMADO, 1982, p. 208).

Jorge Amado insere nas páginas finais da obra o anseio do início de uma

revolução ao afirmar “A revolução chama Pedro Bala.” Esse garoto, por tratar-se do

chefe dos Capitães da Areia, representa a coletividade. No trecho abaixo fica claro

que a sociedade organiza-se almejando mudanças políticas. Enfim, o próprio livro é

um mecanismo de denúncia da exploração e publicidade ideológica.

Pedro Bala foi aceito na organização (...). Agora comanda uma brigada de choque formada pelos Capitães da Areia. O destino deles mudou, tudo agora é diverso. Intervêm em comícios, em greves, em lutas obreiras. O destino deles é outro. A luta mudou seus destinos. Ordens vieram para a organização dos mais altos dirigentes. Que Alberto ficasse com os Capitães da Areia e Pedro Bala fosse organizar os índios Maloqueiros de Aracaju em brigada de choque também. E que depois continuasse a mudar o destino das outras crianças abandonadas do país. (AMADO, 1982, p. 229).

O último capítulo, intitulado “Uma pátria e uma família” simboliza o ideal de

fortalecimento das forças políticas organizadas. Retrata bem o perfil engajado de

mobilizar as pessoas para uma causa. Aponta a imprensa, mesmo que modesta e

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que alcança apenas trabalhadores de fábricas, como aliada para massificação

conforme citado:

Anos depois os jornais de classe, pequenos jornais, dos quais vários não tinham existência legal e se imprimiam em tipografias clandestinas, jornais que circulavam nas fábricas, passados de mão em mão, e que eram lidos à luz de fifós,8 publicavam sempre notícias sobre um militante proletário, o camarada Pedro Bala, que estava perseguido pela polícia de cinco estados como organizador de greves, como dirigente de partidos ilegais, como perigoso inimigo da ordem estabelecida. No ano em que todas as bocas foram impedidas de falar, no ano que foi todo ele uma noite de terror, esses jornais (únicas bocas que ainda falavam) clamavam pela liberdade de Pedro Bala, líder da sua classe, que se encontrava preso numa colônia. E, no dia em que ele fugiu, em inúmeros lares, na hora pobre do jantar, rostos se iluminaram ao saber da notícia. E, apesar de que fora era o terror, qualquer daqueles lares era um lar que se abriria para Pedro Bala, fugitivo da polícia. Porque a revolução é uma pátria e uma família. (AMADO, 1982, p. 231).

Encerrando este tópico acerca de meninos de rua, indispensável fazer um

paralelo entre escritor e obra, enfatizando alguns pontos. Recorrendo ao escritor

Bosi (2002, p. 121), o romancista dispõe de um espaço amplo de liberdade

inventiva. A escrita trabalha não só com a memória das coisas realmente

acontecidas, mas com todo o reino do possível e do imaginável. Todavia, nada obsta

que o escritor transfira para a obra vivência pessoal. Neste sentido, é possível fazer

algumas inferências. De acordo com a biografia de Jorge Amado (2013), com

apenas dez meses, vê seu pai ser ferido numa tocaia. Mais tarde escreve o livro Os

Subterrâneos da Liberdade - Agonia da Noite onde se lê:

Avô, mesmo que a gente morra, é melhor morrer de repetição9 na mão,

brigando com o coronel, que morrer em cima da terra, debaixo de relho, sem reagir. Mesmo que seja pra morrer nós deve dividir essas terras, tomar elas para gente. Mesmo que seja um dia só que a gente tenha elas, paga a pena de morrer". (AMADO, 2014, p. 45)

Na obra Capitães da Areia, a vítima de assassinato é Raimundo, militante

político, que participava de movimento grevista que reivindicava direitos para os

trabalhadores. Em 1913, uma epidemia de varíola obrigou a família de Jorge Amado

a deixar a fazenda e se estabelecer em Ilhéus. Na obra em análise, é narrado o

8 Fifó: Lanterna, candeeiro-de-petróleo ou ainda lampião, é um objeto destinado à iluminação, constituindo-se geralmente de uma armação de metal com um anteparo transparente para proteger a fonte de luz, que pode ser uma vela, uma chama abastecida por combustível. http://pt.wikipedia.org/wiki/Fifó 9 Repetição: remete ao sentido do tipo de espingarda de repetição. Fonte: http://www.defesa.org/repeticao-semi-automatico-automatico/

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sofrimentos das pessoas contagiadas por varíola, dentre tantos, vê-se a obrigação

de deixar seus lares para serem internadas no lazareto, sendo que todo cidadão

deveria informar às autoridades sanitárias se soubesse de vítimas da doença. No

ano de 1922, Jorge Amado criou um jornalzinho, "A Luneta", que foi distribuído para

vizinhos e parentes. No final de Capitães da Areia, o autor enaltece a importância da

distribuição de jornais nas fábricas com a finalidade de conscientizar os

trabalhadores a respeito das mudanças na sociedade a partir da militância sindical.

Assim, percebe-se que vida e obra entrelaçam-se.

Considerações finais

No desfecho da obra, percebe-se que apesar das inúmeras dificuldades

vividas pelas personagens principais em um ambiente violento, desonesto, hostil,

degradado, promíscuo, ainda assim, três tornaram-se cidadãos de bem: Pedro Bala

tornou-se um militante proletário; Professor, pintor de quadros, famoso no Rio de

Janeiro; Pirulito, sacerdote da igreja católica. As demais, talvez em decorrência da

própria condição de vida quando criança tiveram destinos infelizes: Sem-Pernas

suicida-se para não ser preso pela polícia após cometer um furto; Boa Vida,

vagabundeia pelas ruas de Salvador; Gato vive na malandragem aplicando golpes;

Volta-Seca integra o bando de cangaceiros de Lampião, sendo preso posteriormente

e condenado a trinta anos de prisão por quinze mortes.

Numa observação hipotética, o motivo do autor usar personagens deliquentes

foi uma estratégia de tornar polêmico um relato vivo de denúncia de um sistema

político que dominava o Brasil e com o qual não concordava. Assim, ele deu voz às

crianças para protestarem veladamente contra a política vigente no país, que em

sua opinião causava graves desigualdades sociais e, por conseguinte, conduzia à

marginalidade, ao passo que enalteceu em várias partes da obra o comunismo,

firmando assim seu posicionamento ideológico.

Durante toda a narrativa da obra, é enfatizado o sentido da palavra “liberdade”

para contrastar com “opressão”. No capítulo “Companheiros”, o escritor simboliza na

personagem estudante Alberto e o doqueiro João de Adão os líderes motrizes do

movimento grevista. A propósito, o termo “companheiro” tornou-se próprio do

movimento político de esquerda em nosso país. Sabe-se que os movimentos

populares que mudaram a história do Brasil foram principalmente compostos pelos

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estudantes e classe trabalhadora. Escrevendo dessa maneira, nota-se que Jorge

Amado alinhou-se estreitamente com a ideia “sartreana”, estando assim em

conformidade com o conceito de escritor engajado.

Abstract: The opus Sand´s Captains is a novel permeated with meanings that show the harsh reality of child neglecting and the tragic consequences of the state´s failing in developing policies that meet their social needs. In a certain manner, this work aims to expose existing features of the writer engaged in the work Sand´s Captains written by Jorge Amado, when he denunciates the problems experienced by those homeless children. Keyword: Jorge Amado. Engaged literature. Homeless children.

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