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1 Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico Ana Pessoa | Douglas Fasolato (Orgs.) JARDINS HISTÓRICOS Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Ana Pessoa | Douglas Fasolato (Orgs.)

JARDINS HISTÓRICOS Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

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JARDINS HISTÓRICOS

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Ana Pessoa | Douglas Fasolato (Orgs.)

JARDINS HISTÓRICOSIntervenção e valorização do patrimônio paisagístico

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JARDINS HISTÓRICOS

Jardins históricos: intervenção e valorização do patrimônio paisagístico/ Organização de Ana Pessoa, Douglas Fasolato -- Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2016.

359 p.: il.

ISBN: 978-85-7004-349-8

I. Jardins históricos. 2. Conservação histórica 3. Gestores de jardins. 4. Fundação Casa de Rui Barbosa. 5. Fundação Museu Mariano Procópio I. Pessoa, Ana, II. Fasolato, Douglas. org. V. Título.

CDD 712.0288

FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSAPresidente |Marta de Senna

Diretor Executivo | Ricardo CalmonDiretor do Centro de Pesquisa | Antonio Herculano Lopes

Diretor do Centro de Memória e Informação | Ana Ligia MedeirosCoordenador-Geral de Planejamento e Administração | Ronaldo Leite Pacheco Amaral

Chefe do Setor de História | Joelle RouchouChefe do Setor de Editoração | Benjamin Albagli Neto

Projeto Editorial: Grupo de Trabalho Gestores de Jardins Históricos | Projeto gráfico e diagramação: Rubens de AndradeArte da Capa: Angelo Venosa | Fotos da abertura de capítulos: Rubens de Andrade

DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (C IP)

Organização | Coordenação| Parceiros

Fundação Casa de Rui Barbosa |Rua São Clemente 134, Botafogo -22260-000, Rio de Janeiro, RJ -Telefone (21) 3289-4600http://www.casaruibarbosa.gov.br/ | [email protected] | [email protected]

Todos os direitos desta edição são reservados a Fundação Casa de Rui Barbosa e aos autores. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocopias e

gravação) ou arquivada em qualquer sistema de banco de dados sem permissão escrita do editor.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

JARDINS HISTÓRICOSIntervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Ana Pessoa | Douglas Fasolato (Orgs.)

RIO DE JANEIRO2016

1a. EDIÇÃO

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JARDINS HISTÓRICOS

REALIZAÇÃOFundação Casa de Rui BarbosaFundação Museu Mariano ProcópioGrupo de Pesquisas História do Paisagismo | GPHP-EBA|UFRJGrupo de Pesquisas Paisagens Híbridas | GPPH-EBA/UFRJ

COORDENADORESDrᵃ. Ana Pessoa| Fundação Casa de Rui BarbosaDouglas Fasolato | Fundação Museu Mariano Procópio

COMITÊ DO ORGANIZADOR Drᵃ. Ana Pessoa| Fundação Casa de Rui BarbosaDouglas Fasolato | Fundação Museu Mariano Procópio Prof. Dr. Carlos Terra | Grupo de Pesquisas História do Paisagismo| GPHP - EBA/UFRJDra. Isabelle Cury | IPHAN/RJProf. Dr. Rubens de Andrade | Grupo de Pesquisas Paisagens Híbridas - EBA/UFRJ

COMITÊ CIENTÍFICOProf. Dr. Alfredo Benassi | Universidade Nacional de La Plata (Argentina)Prof. Dr. Carlos Terra | Grupo de Pesquisas História do Paisagismo| GPHP - EBA/UFRJProf. Dra. Cristiane Magalhães| Doutora em História IFCH/UNICAMP.Prof. Dr David Raphael |Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU/UFRJ, Prof. Dr. Flávio Leonel Abreu da Silveira | Universidade Federal do Pará Prof. Dra. Flávia Braga | Escola de Arquitetura Urbanismo - Universidade Federal Fluminense Prof. Dr. Guilherme Figueiredo| Escola de Arquitetura e Urbanismo – UFF,Prof. Dra. Jackeline de Macedo | Grupo de Pesquisas Paisagens Híbridas - EBA/UFRJProf. Dra. Jane Santucci |Escola de Belas Artes/UFRJProf. Dr. Jorge Azevedo | Escola de Arquitetura Urbanismo - Universidade Federal FluminenseProfa. Dra. Jeanne Trindade | Universidade Estácio de Sá – GPHP - EBA/UFRJProfa. Dra. Karla Caser | Universidade Federal do Espírito SantoProf. Dr. Marcelo Dias Machado Vianna Filho| UERJProfa. Dra. Maria Elisa Feghali | Escola de Belas Artes/UFRJProfa. Dra. Maria José Marcondes | Instituto de Artes da Universidade Estadual de CampinasProf. Dr. Rubens de Andrade| Escola de Belas Artes/UFRJProfa. Dra. Virgínia Maria Nogueira Vasconcellos | Escola de Belas Artes/UFRJ

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

11 APRESENTAÇÃO 21 EIXO TEMÁTICO I O LUGAR DO JARDIM HISTÓRICO NA PAISAGEM BRASILEIRA: PERSPECTIVAS SOCIOCULTURAIS E PATRIMONIAIS

45 OS JARDINS HISTÓRICOS COMO PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO: TRAJETÓRIAS CristianeMariaMagalhães

59 PRAÇA DR. JORGE, LAVRA, MG: A SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO PAISAGÍSTICO AlessandraT.daSilva|NelsonVenturin| MarcusPaulusG.Passos

24 MUSEU CASA DE RUI BARBOSA: O JARDIM COMO COLEÇÃO DE MEMÓRIA MariaTeresaSilveira|HelenaUzeda

75 AS AÇÕES DE MODERNIZAÇÃO URBANA E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO DE MACEIÓ: REFLEXÕES SOBRE O JARDIM PÚBLICO DO JARAGUÁ TharcilaMariaSoaresLeão|JosemaryOmenaPassosFerrare

87 VALE DOS CONTOS EM OURO PRETO: A PROPOSTA DE JORGE ASKAR EM 1981 KarolynadeKoppke

105 O PASSEIO PÚBLICO GUARDA UMA MEMÓRIA COMO ORIGEM DO JARDIM PÚBLICO E DA ARBORIZAÇÃO URBANA EM SALVADOR DA BAHIA MariaÂngelaBarreirosCardoso| ArildaMariaCardoso |MariaLuciaA.M.Carvalho

121 RESGATE HISTÓRICO DE PRAÇAS E JARDINS DE CIDADES HISTÓRICAS DA ESTRADA REAL: SÃO JOÃO DEL REI – MG - PRAÇA DOUTOR SALATIEL NayharaCamilaAndrade|AmandaB.Teixeira|SchirleyFátimaNogueiradaSilvaCavalcanteAlves

SUMÁRIO

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JARDINS HISTÓRICOS

135 A CONTRIBUIÇÃO DO PARQUE MARIANO PROCÓPIO PARA A MEMÓRIA DE JUIZ DE FORA: UM ESTUDO SOCIOCULTURAL GuilhermeN.Ragone

147 RESGATE HISTÓRICO DE PRAÇAS E JARDINS DE CIDADES HISTÓRICAS DA ESTRADA REAL: SÃO JOÃO DEL REI-MG- PRAÇA PAULO TEIXEIRA AmandaBurgarelliTeixeira|NayharaCamilaAndrade|SchirleyFátimaNogueiradaSilvaCavalcanteAlves

161 A MORADA DE VÊNUS: O JARDIM FrancisleiL.daSilva|BrunaF.Pereira

177 DA PRAÇA AO JARDIM: OS ESPAÇOS PÚBLICOS DO RECIFE NO SÉCULO XIX AlinedeFigueirôaSilva

197 PASSEIO DE COPACABANA O LIMITE DO DISCURSO DO JARDIM MODERNO DE ROBERTO BURLE MARX NA PAISAGEM CULTURAL CARIOCA AldadeAzevedo| FerreiraeFernandoOno

213 EIXO TEMÁTICO II PROCESSOS DE GESTÃO DE JARDINS HISTÓRICOS E ESPAÇOS PAISAGÍSTICOS NA CIDADE CONTEMPORÂNEA

215 FORMAÇÃO DA MATA DO KRAMBECK E DO JARDIM BOTÂNICO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA/MG – LUCAS CRUZ LucasCruz| FredericoBraida|AntonioColchete

231 O LUGAR DO JARDIM HISTÓRICO NA PAISAGEM BRASILEIRA: PERSPECTIVAS SOCIOCULTURAIS E PATRIMONIAIS FernandaMatosoMirandaLinsGouveia

245 PROJETO DE REFORMA PARA A PRAÇA SENADOR SALGADO FILHO ClaudiaBrack

259 DESAFIOS DE GESTÃO ECONÔMICA E TÉCNICA DOS JARDINS DO PARQUE SÃO CLEMENTE LuizFollyDutraeVanessaC.Melnixenco

269 DE BEUYS AO JARDIM DA TIA NEUMA: PAISAGENS DE ARTE, EDUCAÇÃO E POLÍTICA NA CIDADE CONTEMPORÂNEO IsabelaFrade| DanieleAlveseClariceRangel

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

281 O JARDINEIRO E A GESTÃO DOS JARDINS TOMBADOS DE BURLE MARX NO RECIFE AnaRitaSáC.Ribeiro| WilsondeB.FeitosaJr.|JoelmirMarquesdaSilva|LuciaMariadeSiqueiraCavalcanti Veras.

295 PELAMEMÓRIAEPATRIMÔNIO:OMUSEUMARIANOPROCÓPIOCOMOESPAÇOCULTURALEPAISAGÍSTICO EMJUIZDEFORA/MG RaquelPortes|AnaBarbosa,FabioLima|LauraLeão

317 EIXO TEMÁTICO III TECNOLOGIASAPLICADASAMANUTENÇÃOEPRESERVAÇÃODOPATRIMÔNIO PAISAGÍSTICO

319 IDENTIFICANDO E VALORIZANDO E PATRIMÔNIO PAISAGÍSTICO MODERNISTA DA FIOCRUZ - O CASO DO JARDIM DO PAVILHÃO ARTHUR NEIVA InêsEl-JaickAndrade

333 O PARQUE BOTÂNICO DO ECOMUSEU ILHA GRANDE: PLANEJAMENTO E IMPLANTAÇÃO MarceloDiasMachadoViannaFilho|CarlaY’GubáuManão| MarceloFragaCastilhori| CátiaHenriquesCallado

347 LOS JARDINES DEL PALACIO SERVENTE SEDE DEL CONSERVATORIO PROVINCIAL DE MÚSICA GILARDO GILARDI DE LA PLATA BUENOS AIRES ARGENTINA AlfredoH.Benassi

355 AUTORES

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JARDINS HISTÓRICOS

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

APRESENTAÇÃO

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JARDINS HISTÓRICOS

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Nesta publicação digital estão reunidas as

comunicações apresentadas no V Encontro de

Gestores de Jardins Históricos voltadas para

a promoção de estudos e análises sobre a gestão,

a preservação e a proteção de jardins que buscam

corresponder aos princípios das cartas patrimoniais.

O Encontro de Gestores de Jardins Históricos

foi iniciado em 2010, e já se consolidou como um

importante fórum de divulgação e debates das

pesquisas acadêmicas e das iniciativas de proteção

patrimonial em curso.

A quinta edição realizou-se no nos dias 30 de

novembro e 1o de dezembro de 2016, no auditório da

Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), Rio de Janeiro.

Essa edição foi promovida pela FCRB, Fundação Museu

Mariano Procópio (Mapro) e Escola de Belas-Artes/

UFRJ (EBA/UFRJ), contou com o apoio do IPHAN, do

O cuidado dos jardins históricos é tarefa bastante complexa que exige a tomada de complexas decisões, envolvendo muitas opera-ções, sob a responsabilidade de diferentes especialistas. Preservar

um jardim histórico não significa, obrigatoriamente, restaurá-lo. Carlos Fernando de Moura Delphim

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JARDINS HISTÓRICOS

Grupo de Pesquisas Paisagens Híbridas (GPPH/EBA/UFRJ), do Grupo de Pesquisas História do Paisagismo

(GPHP/EBA/UFRJ) e do ICOMOS-Brasil. O comitê organizador foi integrado pelos pesquisadores Ana

Pessoa (FCRB), Douglas Fasolato (Mapro), Carlos Terra (GPHP), Isabelle Cury (IPHAN) e Rubens de Andrade

(GPPH), com a colaboração da bolsista Alyne Reis (FCRB).

Com o objetivo de agrupar as comunicações e seus conteúdos foram organizados três eixos

temáticos:

a) O lugar do jardim histórico na paisagem brasileira: perspectivas socioculturais e patrimoniais;

b) Processos de gestão de jardins históricos e espaços paisagísticos na cidade contemporânea e;

c) Tecnologias aplicadas à manutenção e preservação do patrimônio paisagístico.

Em resposta a convocatória foram recebidos 24 artigos, procedentes de cinco estados – Rio de

Janeiro, Minas Gerais, Alagoas, Bahia e Pernambuco, além de uma contribuição da Argentina.

Os trabalhos foram avaliados por uma Comissão Científica, integrada por dezoito professores

de diferentes universidades brasileiras: Prof. Dr. Alfredo Horácio Benassi | Universidade Nacional de La

Plata – Argentina, Prof. Dr. Carlos Terra | Escola de Belas Artes/UFRJ, Prof. Dr. David Raphael | Faculdade

de Arquitetura e Urbanismo – FAU/UFRJ, Prof. Dr. Flávio Leonel Abreu da Silveira | Universidade Federal

do Pará, Prof. Dr. Guilherme Figueiredo | Escola de Arquitetura e Urbanismo – UFF, Prof. Dr. Leonardo

Moreira | Universidad de la República – Regional Este – CURE/Uruguai, Prof. Dr. Marcelo Vianna | UERJ,

Prof. Dr. Rubens de Andrade | Escola de Belas Artes/UFRJ, Profa. Dra. Cristiane Magalhães (FEM/CESEP),

Profa. Dra. Flávia Braga | Escola de Arquitetura e Urbanismo – UFF, Profa. Dra. Jackeline de Macedo |

Grupo de Pesquisas Paisagens Híbridas – EBA/UFRJ, Profa. Dra. Jane Santucci| Escola de Belas Artes/

UFRJ, Profa. Dra. Jeanne Trindade | Universidade Estácio de Sá – UNESA, Prof. Dr. Jorge Baptista de

Azevedo | Escola de Arquitetura e Urbanismo – UFF, Profa. Dra. Karla Caser | Universidade Federal do

Espirito Santo – UFES, Profa. Dra. Maria Elisa Feghali | Escola de Belas Artes/UFRJ, Profa. Dra. Maria José

Marcondes | ECA-USP, Profa. Dra. Virgínia Maria Nogueira Vasconcelos | Escola de Belas Artes/UFRJ.

Após análise as comunicações selecionadas foram distribuídas em sessões que juntamente com

duas mesas-redondas e uma conferência, resultaram na grade dos dois dias de programação.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

O tema O lugar do jardim histórico na paisagem brasileira: perspectivas socioculturais e

patrimoniais foi o eixo de três sessões. Na primeira, foram apresentadas abordagens e reflexões sobre

a evolução histórica e social da Praça Dr. Jorge, em Lavras, MG; a utilização e os benefícios gerados para

os usuários do jardim do Museu Casa de Rui Barbosa, RJ; as ações de modernização e preservação do

jardim público de Jaraguá, em Maceió, AL e, por fim, reflexões sobre a prática de salvaguarda dos Jardins

Históricos, em diálogo com as normativas preservacionistas do Patrimônio Cultural no Brasil.

Na segunda sessão, foram comentadas a revisão do projeto de 1981 do arquiteto mineiro Jorge

Abdo Askar para requalificação paisagística do vale de Ouro Preto, MG; a implantação das primeiras áreas

paisagísticas – Horto Botânico, o Passeio Público e o Campo Grande de São Pedro, em Salvador, BA, e

a evolução histórica, paisagística e arquitetônica do Complexo do Museu Mariano Procópio, em Juiz de

Fora, MG.

Na terceira mesa foram apresentados estudos sobre a evolução sociocultural e paisagístico da

Praça Doutor Salatiel, em São João del Rei, MG, situada na Estrada Real; sobre a trajetória da estátua da

deusa Vênus em jardim da estância hidromineral de Caxambu, MG; os espaços públicos de Recife, PE

ajardinados a partir da década de 1870, com ênfase na nomenclatura, edificações adjacentes e aspectos

funcionais e projetuais; e o passeio de Copacabana, Rio de Janeiro, RJ enquanto marco na trajetória

projetual de Burle Marx.

O tema Processos de gestão de jardins históricos e espaços paisagísticos na cidade contemporânea

ocupou outras três sessões. Na primeira, foram apresentados estudos sobre a trajetória da área

denominada Mata do Krambeck, que engloba uma Área de Proteção Ambiental e o Jardim Botânico da

UFJF, Juiz de Fora, MG; o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, suas transformações e

significado patrimonial; a elaboração do projeto de restauração da Praça Senador Salgado Filho, Rio de

Janeiro, RJ, um dos primeiros projetos de Roberto Burle Marx para áreas públicas no Rio de Janeiro, e a

proposta de lei de proteção municipal para o jardim do Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora, MG.

Na segunda sessão, foram abordados os atuais desafios na gestão do Parque São Clemente,

do Nova Friburgo Country Clube, Rio de Janeiro, RJ; o projeto universitário Jardim de Tia Neuma,

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JARDINS HISTÓRICOS

desenvolvido na Mangueira, que envolveu o cultivo de jardim; e estudo sobre o jardineiro, sua formação

e seu desempenho em jardins públicos e a relação com a gestão da conservação de um jardim histórico

na cidade do Recife, PE.

Por fim, na terceira mesa, foram apresentados os estudos sobre o jardim modernista que

integra o Pavilhão Arthur Neiva, da Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ; as atividades científicas e de preservação

em desenvolvimento no Parque Botânico e no Ecomuseu da Ilha Grande, Rio de Janeiro, RJ, e a atuação

do paisagista Alfredo H. Benassi dos jardins do Palácio Servente, construído em 1934, na cidade de La

Plata, Argentina, restaurado em 2002, para abrigar um conservatório de música.

O conjunto das comunicações ofereceu um amplo panorama sobre a atualidade dos estudos

acadêmicos e das ações de gestão dos jardins históricos, segundo diferentes estratégicas e perspectivas

metodológicas. Essa produção confirma o crescente reconhecimento do valor histórico e cultural do

patrimônio paisagístico, e o engajamento de vários profissionais e instituições por sua revitalização e

manutenção.

Acreditamos que com mais este volume, contendo textos relacionados à gestão de jardins

históricos, estamos consolidando uma literatura brasileira sobre o tema. Desejamos que a leitura

enriqueça as práticas de preservação dos nossos jardins.

A Comissão Organizadora

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

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JARDINS HISTÓRICOS

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

EIXO TEMÁTICO IO lugar do jardim histórico na paisagem brasileira: perspectivas socioculturais e patrimoniais

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JARDINS HISTÓRICOS

A proposta deste texto é refletir sobre a prática de salvaguarda dos Jardins Históricos em diálogo com as normativas preservacionistas do Patrimônio Cultural no Brasil. Para tanto, apresentaremos como foram construídos os percursos para a proteção dos Jardins Históricos pelo órgão federal de preservação do patrimônio cultural brasileiro, o IPHAN. Ao longo do texto mostramos como os Jardins Históricos, uma das categorias do Patrimônio Paisagístico brasileiro, constituiu-se como carro chefe quando da criação do Departamento de Patrimônio Natural dentro do quadro burocrático e organizacional da SPHAN/próMemória, na década de 1980 .

Palavras-chave: jardins históricos; patrimônio cultural; jardins e paisagens; IPHAN.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

OSJARDINSHISTÓRICOSCOMOPATRIMÔNIOCULTURALBRASILEIRO:TRAJETÓRIAS1CristianeMariaMagalhães

Inicio este artigo com uma fala do professor Nestor Goulart Filho, durante 23ª reunião do Conselho Con-sultivo do Patrimônio ocorrida no dia 10 de agosto

de 2000. Como Conselheiro do Patrimônio, Nestor Goulart Filho esboçou questionamentos bastante per-tinentes, na ocasião do tombamento do Jardim da Luz, em São Paulo, e do Sítio do paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994), no Rio de Janeiro, a respeito da preservação dos jardins históricos no Brasil. Transcre-vemos sua fala:

Nós que temos sobre a terra um tempo limitado, encontra-mos nos jardins sítios onde o tempo para, refúgios onde o

tempo sem idade parece infinito.2

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JARDINS HISTÓRICOS

Endosso os comentários elogiosos, mas fica uma dúvida, não sobre a ideia de um tombamento em conjunto, que me parece perfeita. A minha dúvida é de caráter técnico. É mais do que uma dúvida, é uma pergunta, mas reflete uma dúvida muito grande. Nós tombamos a casa, os quadros, os objetos e o ambiente, que daqui a cem anos certamente estarão lá [do Sítio de Roberto Burle Marx]. Uma parte que não vi explicitada, talvez esteja implícita e eu não entenda, é exatamente o jardim. Mais de uma vez temos falado em jardins e tombamento de jardins. Hoje tombamos o Jardim da Luz, em São Paulo, e não me ocorreu naquela hora a dúvida: qual Jardim da Luz tombamos? O CONDEPHAAT tombou o Bosque dos Jequitibás, em Campinas, e perguntei: quais jequitibás? Ninguém quis responder porque daria trabalho, custaria dinheiro; ninguém quis fazer o inventário das árvores que lá estavam. Um colega nosso considera o Parque Siqueira Campos, em São Paulo, como um remanescente da imensa floresta que existira na Avenida Paulista. Entretanto, conhecedores dizem que não há ali um só exemplar das espécies originais. A pergunta é a seguinte: quando vamos começar a tombar jardins no Brasil com conhecimento de causa e controle técnico? (...) O jardim é uma coisa muito fácil de comer pelas bordas. Então, qual é a garantia de que o jardim do Burle Marx terá a mesma forma, passados cinquenta anos. Não sei como se procede, é realmente uma pergunta. Temos um registro, alguém vai acompanhar a sua manutenção?.2 Grifos nossos.

Esta fala registrada na Ata do Conselho Consultivo é bastante elucidativa e revela-nos que ainda em 2000 os próprios Conselheiros não sabiam que tratamento dar aos jardins salvaguardados como patrimônio cultural brasileiro, como se inexistisse uma tratadística internacional, bem como práticas nacionais dentro do próprio Instituto para o inventário, a proteção e manutenção desta tipologia de bens. A inquietação de Nestor Goulart Filho, na ocasião, trata de uma preocupação que permanece latente. Em se tratando de jardins como patrimônio cultural, qual jardim estamos tombando? Com quais critérios e controles técnicos? Quais valores dos jardins e das paisagens culturais estamos protegendo e legando ao futuro?

No intuito de sanar deficiências como estas explicitadas na fala do prof. Nestor Goulart Filho, em de outubro de 2010 realizou-se, na cidade de Juiz de Fora, o I Encontro Nacional de Gestores de Jardins Históricos organizado conjuntamente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), pela Fundação Museu Mariano Procópio (MAPRO) e pela Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB). Neste encontro foi redigida a Carta dos Jardins Históricos Brasileiros, dita Carta de Juiz de Fora, publicada integralmente no Encontro do Gestores de Jardins Históricos realizado em 2011. Acontece em 2016 a quinta edição deste importante e bem sucedido encontro bianual.

De acordo com a referida Carta dos Jardins Históricos Brasileiros, as indicações constantes do seu texto traduzem para a realidade brasileira a Carta de Florença (1981), destinando-se a técnicos e administradores de órgãos culturais federais, estaduais e municipais, além de profissionais envolvidos na preservação do patrimônio cultural, empresas de restauração e proprietários e usuários de jardins submetidos a qualquer forma de proteção cultural, entre outros. A abordagem da Carta enfoca os sítios

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

caracterizados como jardins históricos, incluindo seus entornos3. Esta Carta ampliou o entendimento das tipologias de bens que podem ser considerados como jardins históricos no Brasil:

Para efeito desta Carta, considera-se Jardim Histórico os sítios e paisagens agenciados pelo homem como, por exemplo, jardins botânicos, praças, parques, largos, passeios públicos, alamedas, hortos, pomares, quintais e jardins privados e jardins de tradição familiar. Além desses, jardins zoológicos, claustros, pomares, hortas, cultivos rurais, cemitérios, vias arborizadas de centros históricos, espaços verdes circundantes de monumentos ou de centros históricos urbanos, áreas livres e espaços abertos em meio à malha urbana, entre outros4.

A Carta enfatiza que um jardim histórico não é um campo de experimentações onde especialistas devam intervir favorecendo o objeto de suas pesquisas, nem um palanque no qual políticos exerçam atividades eleitoreiras à custa de sua identidade, integridade e autenticidade, deve ser considerado e administrado como um bem cultural (2010, p.3). De igual modo, a Carta de Florença já preconizava que um jardim histórico deveria ser entendido como monumento (1981).

A compreensão dos jardins históricos como bens e sítios detentores de histórias e de memórias que poderiam ser narradas, portanto, como processo cultural, está explícito no Art. 2 da Carta:

Os jardins históricos são um rico testemunho da relação entre a cultura e a natureza, testemunho que se preserva no caráter das intervenções realizadas no local e na salvaguarda do espírito do lugar. Preservá-los não se trata apenas de cuidar de um legado do passado, mas de criar condições para novos bens que irão enriquecer a herança do futuro. Os jardins históricos são boas referências de como se resume e se concentra a relação do homem urbano com o meio natural. Cada vez mais ameaçados os jardins, urge que sejam defendidos, sob orientação dos órgãos culturais especializados, segundo condições, normas, diretrizes e critérios específicos5. Grifo nosso.

O gênio do lugar, do qual nos fala Alain Roger6, o espírito do lugar, referido na Carta de Foz do Iguaçu (2008), ou ainda, o spiritu loci, da Declaração de Quebec (2008), dizem respeito aos valores tangíveis (sítios, edifícios, paisagens, rotas, objetos) e intangíveis (memórias, narrativas, documentos escritos, festivais, comemorações, rituais, conhecimento tradicional, valores, texturas, cores, odores, etc.) dos monumentos e dos sítios. Estas normativas reconhecem o valor espiritual dos lugares (memória, crenças, ligação ao lugar) assim como o conhecimento tradicional das comunidades locais, guardiãs destes valores, no manejo e preservação destes monumentos e sítios. Em vez de separar o espírito do lugar, o intangível do tangível e considerá‐los como antagônicos entre si, investigamos as muitas maneiras dos dois interagirem e se construírem mutuamente, afirmou a Declaração de Quebec. Para esta Declaração, o espírito do lugar é

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JARDINS HISTÓRICOS

construído por vários atores sociais, seus arquitetos e gestores, bem como seus usuários que contribuem ativamente e em conjunto para dar-lhe um sentido. Numa abordagem dinâmica, o espírito do lugar, como um conceito relacional assume, ao longo do tempo, um caráter plural e dinâmico capaz de possuir múltiplos sentidos e peculiaridades de mudança, e de pertencer a grupos diversos7.

É a compreensão do espírito do lugar que oferece uma visão mais abrangente do caráter vivo e, ao mesmo tempo, permanente de monumentos, dos jardins dos sítios e das paisagens culturais. No entanto, o espírito do lugarao qual nos referimos neste trabalho é, sobretudo, uma construção cultural e de época. Se Stendhal não tivesse levado dentro de si um desejo, uma expectativa, uma construção mental e um parâmetro de arte e do belo quando dirigiu-se à espetacular Florença, jamais teria aquele arrebatamento tão primorosamente descrito e nomeado de síndrome da sobredose de beleza: absorto na contemplação de tão sublime beleza, atingi o ponto no qual me deparei com sensações celestiais. Tive palpitações, minha vida parecia estar sendo drenada8. Esta analogia é semelhante à capacidade de ver e dar sentido aos nevoeiros referenciados por Oscar Wilde9. De igual forma, aqui no Brasil, nossa percepção e leitura ao visualizarmos uma palmeira do tipo Buriti (Mauritia flexuosa), será permeada pela aura criada na narrativa incrível de Guimarães Rosa e os seus Grandes Sertões: Veredas. Com qualquer bem do patrimônio cultural o processo é semelhante. É preciso dar a ver e construir significados.

Portanto, o que queremos dizer com esta introdução é que à proteção dos jardins e das paisagens haverá sempre uma ligação espiritual que é tão individual, íntima e pessoal que dificilmente conseguiremos captá-la e enquadrá-la teórica e legalmente. Contudo, as normativas e a legislação patrimonial proporcionam parâmetros que definem e direcionam as práticas preservacionistas. No item a seguir veremos como se construiu a práxis de preservação de jardins históricos no Brasil.

OIPHANEAPROTEÇÃOAOSJARDINSNOBRASILA preservação e a leitura dos jardins históricos no Brasil como bens do patrimônio paisagístico de

acordo com os parâmetros internacionais de proteção são datadas, aconteceu após a publicação da Carta de Florença (1981) e da criação da Coordenadoria de Patrimônio Natural na estrutura administrativa do IPHAN. É necessário, no entanto, que se faça uma ressalva. Anteriormente à década de 1980 jardins foram salvaguardados pelo IPHAN, porém, preservados e restaurados com entendimentos distintos, como veremos no decorrer deste item. Como é de conhecimento comum, a ampliação das discussões sobre Patrimônio Cultural e Patrimônio Natural, nas décadas de 1960-70, foi consolidada dentro do órgão de preservação federal na década de 1980 abarcando o entendimento de paisagens, nomeadamente sob a direção do

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

pernambucano Aloísio Magalhães (1927-1982), na direção da Fundação Nacional Pró‐Memória10. Neste bojo ocorreram discussões sobre a preservação dos jardins e das paisagens naturais e culturais.

Aloísio Magalhães levou para o órgão conceitos inovadores como, por exemplo, o de Itinerário Cultural. No seu entendimento, devia-se superar o velho critério de pedra e cal, que havia predominado durante muito tempo no tratamento ao patrimônio histórico e artístico, assim, “o curso de um rio pode ser tombado da mesma forma que uma igreja ou um velho sobrado”11. Umas das ampliações promovidas pela Fundação Pró-Memória foi a de incitar as discussões e organizar, burocraticamente, questões relativas ao Patrimônio Natural e Paisagístico brasileiro. Podemos afirmar que é neste período, ou seja, a partir de 1979 e mais fortemente ao longo da década de 1980, que efetivamente os temas do patrimônio natural e do paisagístico entraram na pauta das ações preservacionistas do órgão federal brasileiro, assim como aconteceu com o arqueológico.

A Coordenadoria Geral de Patrimônio Natural foi criada pela Determinação nº 143, de 30 de janeiro de 1986, a partir da reestruturação da instituição. A Coordenadoria esteve vinculada à Diretoria Executiva da Fundação Nacional Pró-Memória, assim como foram criadas outras doze Coordenadorias distintas. Estas coordenadorias reestruturam a organização técnica da SPHAN/Pró-memória, que até então tinha uma estrutura profissional reduzida às seções de tombamentos, pesquisas e restauros, compostas majoritariamente por arquitetos.

Deste modo, podemos afirmar que é no contexto da SPHAN (Secretaria), na condição de órgão normativo, e da Fundação Nacional Pró-Memória (FNpM), como órgão executivo (entre 1979 e 1990) que o patrimônio natural e o paisagístico receberiam cuidados especiais e uma Coordenadoria própria dentro do quadro administrativo do órgão de preservação federal de forma vanguardista. E também, por extensão, os jardins puderam ser protegidos e restaurados com critérios distintos daqueles que abrangiam os bens do patrimônio material, ou seja, as edificações de pedra e cal. A criação desta Coordenadoria insere-se nas ampliações do quadro técnico e conceituais promovidos por Aloísio Magalhães.

No entanto, a história de criação desta Coordenadoria precede a sua absorção pelo IPHAN. Em 1977, o arquiteto-engenheiro Carlos Fernando de Moura Delphim e Ângela Trezinari Bernardes Quintão, ambos da Fundação de Amparo à Pesquisa da Universidade de Lavras, foram contratados pelo antigo IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal), atual IBAMA, para realizar o “Plano Geral de Orientação para a área do Jardim Botânico do Rio de Janeiro”, finalizado em 1980 . É o próprio Carlos Delphim quem narra o período de transição entre Lavras e o Rio de Janeiro:

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Contratado em 1977 pelo então IBDF, hoje IBAMA, para restaurar o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, logo tratei de percorrer toda a área, levantar todos seus aspectos físicos e territoriais, conhecer todo seu acervos e coleções vivas entrevistando funcionários, levantando documentos em arquivos e bibliotecas. Compreendia que restaurar o Jardim Botânico era restaurar um corpo vivo que não podia ser fraccionado. Intrigou-me a questão fundiária. Por que tanta edificação com finalidades totalmente alheias aos propósitos de uma instituição científica dentro de sua área?

Preparei um Plano de Orientação para a Área do Jardim Botânico do Rio de Janeiro com uma análise, diagnóstico e recomendações mais urgentes para a defesa da integridade do sítio. Um item de vital importância, a reintegração das áreas dissociadas. Outro, a recuperação de áreas degradadas, que incluíra a restauração de imóveis históricos . Grifo nosso.13

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro era uma unidade do então IBDF/Ministério da Agricultura do qual, entre 1983-85, Carlos Alberto Ribeiro de Xavier foi diretor. Durante a gestão de Carlos Xavier, como Diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Carlos Delphim considera que o grupo obteve mais respaldo para trabalhar. Além de Unidade de Conservação, o Jardim Botânico era, também, um bem patrimonial tombado pela SPHAN/Pró-memória, desde 1938, e necessitava de autorização e acompanhamento desta instituição para o seu restauro.

Em 1983, Carlos Xavier contratou uma equipe com a finalidade de promover os estudos necessários à averiguação de aspectos técnicos e jurídicos sobre a área do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com o objetivo de produzir um documento capaz de orientar o Plano Diretor do Jardim Botânico, que se juntaria a Carlos Fernando Delphim. O grupo organizado dentro do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), entre 1983 e 1986, era formado por Marta Queiroga Amoroso Anastácio, Eloísa Carrera e Carlos Xavier. A equipe tinha Carlos Delphim como Chefe do Grupo de Restauro. O Grupo do JBRJ organizou o documento Plano Geral de Orientação para a área do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) que motivou a celebração do convênio entre o Ministério da Agricultura (IBDF/JBRJ) e a Secretaria de Planejamento da Presidência da República (SEPLAN), por meio do PCH (Plano Cidades Históricas) para o restauro e o levantamento de uma série de dados sobre o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. O trabalho foi a base para uma metodologia de manejo, manutenção e conservação de jardins históricos no Brasil de forma pioneira14 e embrionária.

Durante a década de 1980 diversas ações foram realizadas no Rio de Janeiro para restaurar e recuperar o patrimônio paisagístico, principalmente aqueles bens em que a mão do homem tinha interagido com a natureza. Entre os bens de “beleza paisagística” os jardins históricos foram os privilegiados pelas ações da Coordenadoria de Patrimônio Natural.

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Em 1986 o grupo técnico de pesquisadores da JBRJ foi absorvido pela FNpM para constituir a recém criada Coordenadoria de Patrimônio Natural (1985-1990) dentro da estrutura da Coordenadoria Geral de Preservação de Bens Culturais e Naturais formando um quadro técnico especializado no tratamento com o Patrimônio Paisagístico, fosse ele natural ou cultural. Carlos Alberto Xavier era o coordenador do grupo e tornou-se o diretor do Programa de Proteção ao Patrimônio Natural da FNpM até 1990, quando a FNpM foi extinta. Carlos Delphim era o Coordenador do Programa. Anteriormente a este período, as resoluções técnicas sobre os bens do Patrimônio Paisagístico eram feitas pelos arquitetos do órgão, que cuidavam, de igual forma, do patrimônio edificado e dos bens móveis e integrados. Nas décadas iniciais da SPHAN, o arquiteto Lúcio Costa (1902-1998) emitiu diversos pareceres que incluía o patrimônio paisagístico, na maior parte dos casos privilegiando o edificado, assim como aconteceu com o arquiteto Augusto Carlos da Silva Telles (1923-2012) a partir da sua admissão no órgão como diretor de Conservação e Restauração (entre 1957 e 1988).

Em uma longa entrevista transcrita e publicada no Boletim SPHAN/próMemória, nº 40 de março/abril de 1988, Carlos Delphim esclareceu diversas dúvidas da época sobre o tratamento dedicado à temática pelo órgão. A chamada da entrevistada anunciava: Um dos temas mais recentes tratados pela SPHAN/próMemória e também um dos mais apaixonantes, a preservação do patrimônio natural é uma questão alusiva à cultura e à existência do homem15. Na continuidade, a chamada da matéria reafirmava a novidade da temática dentro do órgão de preservação federal. Quando questionado sobre a preocupação histórica do SPHAN com o patrimônio edificado naqueles últimos 50 anos em detrimento ao patrimônio natural, Carlos Delphim respondeu que apenas recentemente no Brasil, e no mundo, a questão do patrimônio paisagístico tinha surgido e que por esta razão, inadvertidamente, a visão que a instituição tinha da paisagem – já nem citando o patrimônio natural – excluía a compreensão sistêmica do conjunto e da interdependência dos elementos que a compunham. Somente em datas próximas àquela (1988) haviam começado a questionar o aspecto ecológico e ambiental dos conjuntos paisagísticos. Outro fator ressaltado foi que logo após o Decreto Lei 25/1937, vários atos legais criando órgãos e normas específicas para os diferentes aspectos do “Patrimônio Natural” tinha desobrigado o SPHAN investir mais naquela área16[Código Florestal, etc.].

O entrevistado enfatizou que até aquela data (março 1988), apenas 68 bens dos quase mil tombados pelo IPHAN eram relativos ao patrimônio natural e que, destes, três grupos podiam ser considerados bens naturais propriamente ditos, mesmo assim, por causa de uma certa relação com a arqueologia. Uma das questões colocadas para Delphim foi a respeito do tratamento dispensado aos jardins históricos e quais experiências ele destacaria:

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Os jardins são como modelos em miniatura da Natureza, reduzida pela mão do homem a uma escola compreensível para todos e sobre os quais atuam os mesmos princípios físicos, biológicos e ambientais, que regem a compreensão do bem natural. Criado para a fruição da beleza e o prazer humanos, a ponto de ser sempre, nas antigas religiões, a forma idealizada do paraíso terrestre, o jardim é um patrimônio vivo: nasce, cresce modifica-se, reproduz-se e está sujeito à morte. Por sua complexidade, a arte dos jardins - variável segundo as culturas, a época, as diferentes condições naturais - exige colaboração de múltiplos conhecimentos. É uma arte que se utiliza de técnicas multidisciplinares. Os jardins históricos, mais do que isso, são também locais onde a Natureza e a vida se fundem com a cultura e a história de outras épocas e civilizações. Registram a ação cultural de uma sociedade sobre a Natureza.

Na preservação do patrimônio histórico frequentemente passa despercebido a importância dos jardins e áreas cultivadas pelo homem, na leitura, por exemplo, dos elementos formadores da história de uma cidade. Tais áreas são elementos testemunhais altamente significativos, sobretudo pelo que eles informam sobre a relação do homem – que erigiu e habitou essa cidade – com a natureza local e com aquela que ele aí introduziu.

A recuperação dos jardins históricos exige trabalhos que vão desde a pesquisa histórica até o resgate das condições biológicas e ambientais anteriormente existentes e, se necessário e possível, a reintrodução de espécies florísticas e faunísticas originais.

De um trabalho como este podem chegar a participar – num contexto ideal e lógico – profissionais como historiadores, arqueólogos, naturalistas, fitopatologistas, jardineiros, horticultores, arquitetos, paisagistas, etc. Todavia, apesar dos poucos recursos humanos, financeiros e materiais de nossa coordenadoria, temos prestado assistência técnica de restauração e recuperação como aos jardins do Parque São Clemente e da Praça Getúlio, em Nova Friburgo (RJ); da Casa Benjamin Constant, Açude e República, no Rio de Janeiro; Praça do Chafariz, em Goiás Velho (GO) e muitos outros17.

Salientamos que o termo “jardins históricos” foi citado pela primeira vez nas publicações do IPHAN na Revista do Patrimônio de nº 22, de 1987, no artigo escrito por Carlos Xavier intitulado “A natureza no patrimônio cultural do Brasil”. O texto foi redigido em dezembro de 1985, como justificativa para a organização do Programa de Proteção ao Patrimônio Natural do SPHAN/próMemória e foi revisto e ampliado em março de 1987, para publicação na Revista do Patrimônio. Nesta mesma edição foram publicadas as discussões da Mesa redonda “Patrimônio Natural”, ocorridas no dia 1º. de dezembro de 1986, na sede da Fundação Nacional Pró-Memória, no Rio de Janeiro, e da qual participaram o professor Aziz Ab’Sáber, Ibsen de Gusmão Câmara, José Lutzenberger, José Tabacow e William Antônio Rodrigues18. Além da publicação do artigo de Carlos Alberto Xavier e das discussões ocorridas na Mesa sobre Patrimônio Natural, a Revista de nº 22 publicou um artigo de Aziz Ab’Sáber intitulado “Ambiente e culturas: equilíbrio

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e ruptura no espaço geográfico ora chamado Brasil”. Portanto, temos bem demarcado o tempo histórico do início das preocupações com a preservação do patrimônio natural e paisagístico dentro das práticas preservacionistas patrimoniais brasileiras.

No texto redigido por Calos Alberto Ribeiro de Xavier para a Revista ele realizou a importante contextualização sobre a preservação de sítios e jardins:

Quer dizer, desde (19)30 estava bem presente o conceito, hoje predominante, de Patrimônio cultural: o todo constituído pela integração do homem à natureza. Orientada pelo referido Decreto Lei, a pioneira ação de proteção fundamenta-se, por um lado, no valor paisagístico excepcional atribuído a certos sítios e acidentes geográficos. Por outro, a proteção a determinados sítios, parques e jardins deu-se em nome do seu valor histórico, arqueológico ou etnológico. (...) Mais recentemente, alguns grupos e unidades funcionais da SPHAN e da Fundação Nacional Pró-Memória vêm desenvolvendo iniciativas e projetos que buscam corresponder à responsabilidade desses órgãos na defesa do patrimônio natural. (...) Desde parques e jardins históricos ou monumentos importantes por sua singularidade, como o Pão de Açúcar na baía de Guanabara, até expressões mais complexas como os grandes domínios da Serra do Mar, tombados pelos órgãos responsáveis pelo patrimônio cultural nos estados, primeiramente em São Paulo e mais recentemente na região do Paraná. (...) O Brasil e outros países das regiões tropicais e subtropicais concentram aproximadamente dois terços do patrimônio natural do planeta. Se a esse conjunto de valores materiais agregamos a importância do patrimônio histórico, étnico, arqueológico, espeleológico, paleontológico, então podemos atingir uma ideia mais ampla do que entendemos ser patrimônio da sociedade nacional. (...) O papel do estado não se esgota na conservação exclusiva da natureza, já que, como foi dito, patrimônio natural é o todo constituído pela integração do homem à natureza. Por essa razão, é igualmente dever do Estado promover a educação para a natureza19. (Grifos em negritos nossos, em itálicos originais da publicação).

O Patrimônio Natural, no entendimento de Carlos Xavier, era constituído pela natureza na sua integração com o homem, como explicitado no fragmento acima. Por este motivo ele equiparou os jardins históricos e os parques, tal como o Parque Lage e a Floresta da Tijuca, à Serra do Mar e a outros bens de reservas ecológicas e naturais. Para ele e, portanto, para os técnicos da Coordenadoria de Patrimônio Natural da SPHAN/próMemória, não havia distinção entre inventariar, salvaguardar, restaurar e manter um jardim histórico e as Serras e os Picos. No bojo do Patrimônio Natural estariam, de igual forma, os bens que atualmente integram as categorias de Paisagem Cultural. Esta concepção explica a relevância que foi oferecida aos jardins históricos no contexto da Coordenadoria de Patrimônio Natural no final da década de 1980.

A criação da citada Coordenadoria foi fundamental para a preservação e, principalmente, o restauro e conservação dos Jardins Históricos tombados pelo órgão e, até então, conservados e restaurados

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sob os mesmos critérios com que se protegeu monumentos arquitetônicos e objetos de arte, ou seja, com valorações artísticas e históricas e, em muitos casos, apenas com base na proteção à materialidade dos seus equipamentos ou do mobiliário. O valor paisagístico dos jardins era, até então, irrelevante.

É necessário sublinhar que na estrutura do SPHAN não existiam profissionais capacitados para trabalhar com bens de valor paisagístico. Mesmo nos dias atuais há uma carência deste tipo de profissional na estrutura do órgão federal assim como nos estaduais de preservação. Augusto da Silva Telles afirmou que, entre as décadas de 1950 e 1960, existiam apenas quatro arquitetos no IPHAN, no Rio de Janeiro: Renato Soeiro, Lúcio Costa, José de Souza Reis e Edgard Jacintho. E, em São Paulo, Luís Saia. Além das Superintendências regionais de Recife, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo20. A carência de técnicos, certamente, cerceava em certa medida as ações do órgão federal de preservação. Por este motivo, buscava-se parcerias como a realizada com o Museu Nacional e, posteriormente, com o Grupo do Jardim Botânico do Rio de Janeiro21. Nas páginas seguntes, para melhor visualização de quais bens estamos nos referindo, apresentamos uma tabela com a listagem de jardins e bens do paisagismo tombados pelo IPHAN entre 1938 e 2012.

Salta aos olhos a diversidade tipológica de jardins tombados. Temos desde jardins científicos, a jardins de instituições como museus, igrejas e hospitais, assim como parques, jardins terraço, bosque e jardins públicos urbanos. Neste conjunto, a diversidade de projetos e de autoria também são contemplados formando um panorama interessante das tipologias de jardins que já existiram no Brasil e que chegaram aos nossos dias. Uma análise pormenorizada de cada um destes 32 bens nos contaria parte significativa da história dos jardins no Brasil.

Deste conjunto da tabela acima, pode-se dizer que os jardins foram tombados inicialmente pautados pelas diretrizes históricas e artísticas, como era comum aos bens arquitetônicos salvaguardados no mesmo período. Os primeiros tombamentos enfocaram os jardins projetados principalmente pelo Mestre Valentim e por Auguste Glaziou, no Rio de Janeiro, como objetos históricos e artísticos concebidos por seu criador (décadas de 1930-50). Acreditamos que nestas décadas os bens paisagísticos eram entendidos (e protegidos) na mesma chave científica-antropológica de leitura dos monumentos naturais e da natureza em extensão aos bens característicos do arqueológico e do etnográfico, como o meio natural onde estes

Tabela 1a e 1b : Jardins e bens do paisagismo tombados no Brasil, pelo IPHAN, entre 1938 e 2012, em conjunto ou não com a edificaçãoFonte: Tabela elaborada a partir dos dados levantados em: IPHAN/COPEDOC, 2012, por Cristiane Maria Magalhães.

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poderiam ser encontrados e, por extensão, deveriam ser preservados. Já os jardins estiveram submetidos aos estatutos das artes e da história. Estas concepções vão mudar a partir das décadas de 1970-1980 pela influência de inúmeros fatores, tais como os encontros e a publicação das Cartas Patrimoniais e a criação de organismos internacionais como a UNESCO, a IFLA e o ICOMOS, que organizaram e incentivaram a proteção das paisagens naturais e culturais e dos bens do paisagismo (parques e jardins), as Missões da Unesco no Brasil, a criação dos órgãos estaduais que começaram a demandar e influenciar nos pedidos de tombamento, a criação e a liberação de vultosas verbas para o PCH (Programa de Cidades Históricas), além da dinamização e modernização dos quadros funcionais técnicos do IPHAN, com a entrada de profissionais de outras áreas de conhecimento, para além da arquitetura, como Arqueologia, História, Ciências Sociais e outros.

Posteriormente passou-se a considerar a edificação mais o jardim do seu entorno. Nas últimas décadas do século XX a genialidade do paisagista Roberto Burle Marx também foi reconhecida pelo IPHAN, com a proteção a alguns dos seus jardins projetados no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e no Recife. Observa-se, ainda, que as datas limites da criação dos Jardins Históricos Brasileiros protegidos por instrumento de salvaguarda federal são 1783, data da inauguração do Passeio Público do Rio de Janeiro, e o século XX, com os jardins modernos de Roberto Burle Marx.

OPROJETOJARDINSHISTÓRICOSEntre 1985 e 1990, a Coordenadoria de Patrimônio Natural desenvolveu o Programa Jardins

Históricos. Na ocasião, foram feitos levantamentos, catalogação e recuperação e/ou restauro de jardins protegidos considerando os aspectos paisagísticos e artísticos destes bens, diferentemente do que ocorria no passado. Os primeiros documentos do Dossiê Jardins Históricos datam de 1985, portanto, antes da criação oficial da Coordenadoria. O objetivo principal do Projeto era propor medidas para a proteção e a conservação dos jardins históricos em todos os seus aspectos físicos e biológicos. Assim como de recuperação, avaliação e revitalização das condições de uso e manejo de suas áreas, integrando a composição arquitetônica e o jardim de uma forma a permitir ao visitante uma percepção da natureza. Em objetivos específicos consta com primeiro: “inventariar os Jardins Históricos no Brasil”22.

No documento intitulado “Projeto O Jardim Brasileiro”, há a exposição de que se pretendia a pesquisa e a publicação de um livro que contemplasse todas as etapas cronológicas dos diversos tipos de jardins cultivados no Brasil, desde o início colonização chegando aos jardins modernos de Roberto Burle Marx. A respeito do Projeto, Carlos Delphim, assinando pela Coordenação técnica, escreveu:

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Trata-se de matéria novíssima e pouco explorada, o que torna ainda mais oportuna e atraente qualquer publicação sobre o assunto. O conceito de jardins históricos surgiu, no Brasil, há muito pouco tempo, quando incorporou-se aos debates sobre preservação de bens culturais a questão dos entornos. A derrocada da atenção exclusiva ao bem isolado abriu nova e vastíssima vertente de atuação, a incluir, entre outras, atividades ligadas à botânica e ao paisagismo. Ainda não se trabalhara, até então, a ideia de que a vegetação cultivada, sobretudo numa região de grande exuberância natural como a nossa, devia ser vista como parte integrante e relevante de um determinado conjunto. Palmeiras imperiais, frondosas mangueiras e toda uma sorte de pequenas plantas compuseram, de forma harmônica, completando-os, os bens arquitetônicos, muitos dos quais acabaram infelizmente, despidos destes belos adereços23. (Grifo nosso).

Este documento não é datado, como grande parte de outros existentes no fundo “Coordenadoria de Patrimônio Natural”, do ACI-RJ. No mesmo conjunto documental há uma correspondência de Carlos Delphim para Dora M. S. Alcântara, a respeito de financiamento para o levantamento a respeito dos Jardins Históricos no Brasil, datada de 21/04/1988, portanto, o Projeto “O Jardim Brasileiro” deve ser da mesma ocasião. Carlos Delphim expôs, neste documento, a questão dos entornos dos monumentos tombados e da modificação conceitual que deveria acontecer no tratamento oferecido a estes “entornos”. Assim, os jardins iam se transformando em bens culturais únicos e individualizados, e não mais como extensão das edificações, ambientação ou como “adereços” aos bens edificados tombados.

Integrava o Projeto Restauração de Jardins Históricos, da FNpM, os seguintes jardins:

1.Jardins da Casa de Rui Barbosa – RJ 2.Jardins do Museu da República (Catete) – RJ3.Jardins do Solar Grandjean de Montigny – RJ4.Jardins do Museu do Açude (Museus Castro Maya) – RJ5.ardins da Chácara do Céu – RJ6.Jardins do Museu do Itamaraty – RJ7.Jardins da Casa de Benjamin Constant – RJ8.Jardins do Museu Casa de Hera – Vassouras – RJ9.Jardins do Parque São Clemente – Nova Friburgo – RJ10.Jardins do Solar da Imperatriz – RJ11.Jardim Botânico do Rio de Janeiro – RJ

il. 1:– À esquerda capa do Projeto Jardins Históricos. Ao lado relação de jardins que participaram do Projeto. Acervo ACI-IPHAN-RJ.

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Para cada um destes jardins relacionados acima havia uma descrição das espécies florísticas e arbóreas existentes, do traçado e do tratamento paisagístico a ser realizado como substituição ou troca de espécies vegetais, poda de árvores, entre outros. O projeto compreendeu, ainda, a realização de uma exposição fotográfica com imagens dos Jardins Históricos do Estado do Rio de Janeiro e que deu origem à confecção de cartões postais. A mostra fotográfica foi realizada pela Fundação Casa de Rui Barbosa e pela Coordenadoria de Proteção do Patrimônio Natural da FNpM, com pesquisa e montagem de Maria Helena Barreto (FNPM), Oscar Henrique L. Brito (FNPM) e Jurema Seckler (FCRB). No acervo da ACI-RJ não ficou arquivado nenhum destes postais, porém, Carlos Fernando Delphim gentilmente cedeu acesso aos postais do seu acervo pessoal. A seguir apresentaremos quatro dos onze postais existentes.

Observando estas imagens vemos que os jardins, e não os bens edificados, foram os protagonistas das cenas retratadas. Os enqua-dramentos dos postais sugerem um olhar para o jardim como bem individualizado. De forma pio-neira, os jardins protegidos no Brasil tiveram lei-tura e tratamento com base nos preceitos inter-nacionais para restauração e conservação desta tipologia de bens. A influência da Carta de Flo-rença (1981) era evidente para os direcionamen-tos da época. As definições para os Jardins Histó-ricos, as diretrizes preservacionistas defendidas por Delphim e os restauros em que ele atuou, a partir da década de 1980, foram permeados pe-las normativas desta Carta Patrimonial.

Ils. 2 a 5: Postais elaborados pelo Projeto “Jardins Históri-cos”, do SPHAN/próMemória em que constam os seguintes jardins, na ordem em que aparecem as imagens: Jardim da Chácara do Céu, Jardim da Casa de Rui Barbosa, Jardim do Museu do Açude, Parque São Clemente.

Ils. 2a e 2b: Jardim da Chácara do Céu

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Ils. 3a e 3b: Jardim da Casa de Rui Barbosa

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Ils. 4a e 4b: Jardim do Museu do Açude

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Ils. 5a e 5b: Parque São Clemente

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Resgatar a história da preservação dos jardins no Brasil nos faz compreender os caminhos percorridos até então e o muito que ainda temos que avançar para igualarmos às práticas internacionais existentes em países como Estados Unidos, Inglaterra, França e Itália.

CONCLUSÕESOs jardins são os bens mais frágeis do patrimônio cultural e que exigem delicadas ações. Os jardins

sobrevivem tão somente quando monitorados por seres humanos que tentam moldar a natureza para algum fim cultural24. O jardim desaparece se não houver manutenção adequada e cuidados constantes, em oposição às edificações que carecem de manutenções periódicas. Neste sentido, é menos custoso financeiramente para os órgãos de preservação manter edificações ou bens móveis do que jardins e paisagens. Os jardins e os parques públicos contam, também, a história das cidades e das sociedades que os projetaram e os mantiveram, bem como as transformações pelas quais passaram – as sociedades e as cidades – nos tempos históricos de sua existência. A permanência destes sítios torna-se referenciais como lugares portadores de memória e de identidade das cidades, como são os casos do Central Park, em Nova York, dos Jardins de Versalles, na França, das Villas renascentistas na Itália, dos imensos parques públicos de Londres, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro ou dos jardins de Roberto Burle Marx Brasil afora. Portanto, preservá-los adequadamente e de acordo com as normativas internacionais é condição para salvaguardar parte da história das cidades, das técnicas e de ocupação do espaço.

Apesar do movimento iniciado dentro do órgão federal na década de 1980 e dos avanços relevantes que observamos nos últimos anos, nota-se que ainda é insatisfatório e ocorre em casos pontuais o tratamento técnico especializado quando se trata do patrimônio paisagístico e dos jardins históricos no Brasil. Retornemos à citação da fala do Conselheiro Nestor Goulart Reis Filho, que abriu este texto. Afinal, qual jardim estamos tombando? Quando vamos começar a tombar jardins no Brasil com conhecimento de causa e controle técnico? Quais entendimentos teóricos guiam as ações práticas dos gestores na manutenção destes bens?

A inquietação a respeito do tratamento diferenciado oferecido à preservação dos bens afeitos ao paisagismo é constante nos documentos analisados produzidos pela Coordenadoria de Patrimônio Natural. Este entendimento é reafirmado em correspondências, em pareceres, entre outros documentos. Mesmo quando existe um relativo cuidado com a restauração dos jardins é raro o projeto que atinja o nível de especificar a vegetação original ou à falta destas informações, pelo menos, a vegetação que, à época da execução dos jardins, era utilizada em jardins análogos26, escreveu certa ocasião Carlos Delphim em documento avulso do fundo documental da Coordenadoria de Patrimônio Natural.

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Contudo, podemos considerar que avançamos. O Manual de Intervenção em jardins Históricos, publicado originalmente em 1999 e, posteriormente, em uma versão impressa, revista e ampliada em 2005, é um documento importante a guiar os gestores dos jardins históricos e do patrimônio paisagístico como um todo. Texto do Manual ressaltou que se no passado a noção de monumento cultural parecia se restringir aos monumentos edificados pelo homem, naquele momento o conceito abrangeria outros exemplos da interação do homem com a natureza, destacando os locais aos quais a história e o olhar humano emprestava valor a paisagens silvestres ou agenciadas pelo homem, assim como a sítios e monumentos naturais, jardins, jardins botânicos, jardins históricos, sítios arqueológicos, locais de interesse etnográfico, hortos, espaços verdes circundantes de monumentos ou de centros históricos urbanos, enclaves de áreas silvestres preservadas dentro da malha urbana27. Esta afirmação sugere abordagem mais consolidada e sistematizada quanto à salvaguarda das tipologias de bens afeitos à paisagem e ao paisagístico.

De igual modo, a Carta de Juiz de Fora ou Carta dos Jardins Históricos Brasileiros, de 2011, reiterou e trouxe novos elementos para a preservação e o restauro dos jardins no Brasil, firmando-se como um documento a mais a sistematizar ações de preservação e restauro de Jardins Históricos no Brasil.

Acreditamos que há ainda um extenso caminho a ser percorrido para o reconhecimento dos jardins e das paisagens culturais como bens passíveis de proteção de acordo com as normativas internacionais de salvaguarda e com valorações equivalentes aos bens edificados coloniais, barrocos e modernos, para o caso do Brasil. Muito do discurso do patrimônio se baseou e se baseia na centralidade da arquitetura e, desde 2000, nas questões etnográficas e das referências culturais. Porém, encontros como o Gestores de Jardins Históricos, o interesse de pesquisadores nas últimas décadas sobre o tema, os dois instrumentos citados acima e os restauros como o que ocorre atualmente (2016) nos jardins da Casa de Rui Barbosa nos indicam que há esperança de que no Brasil, talvez por caminhos transversais, se reconheça o valor do seu patrimônio paisagístico e dos jardins históricos como ocorre em vários países mundo afora.

NOTAS1 Este texto é parte da tese de doutorado “O desenho da história no traço da paisagem”, defendida no IFCH/UNICAMP,

em 2015. 2 Jorn de Précy apud CASTEL-BRANCO, 2014, p.1643 Ata do Conselho Consultivo do IPHAN, de 10 de agosto de 2000. Fala do Conselheiro Nestor Goulart Filho. 4 IPHAN, 2010, p. 2.5 Carta dos Jardins Históricos Brasileiros, 2010, p. 2.

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6 Carta dos Jardins Históricos Brasileiros, 2010, p. 37 ROGER, apud SERRÃO, 2011, p. 159. 8 Declaração de Quebec, 2008, ICOMOS, p. 2. 9 STENDHAL In: Nápoles e Florença: uma viagem de Milão a Reggio. 10 Citação constante da tese de doutorado “O desenho da história no traço da paisagem”, 2015. 11 Entre 1980 a 1990 – O IPHAN foi dividido em SPHAN (Secretaria), na condição de órgão normativo, e na Fundação

Nacional Pró-Memória (FNPM), como órgão executivo. Aloísio, que já era Secretário da SPHAN, assumiu a direção da Fundação Nacional Pró-Memória (FNpM) no dia 19 de março de 1980.

12 Boletim SPHAN/próMemória n. 04, 1980, p. 11.13 MAGALHÃES, Cristiane. Entrevista realizada com Carlos Fernando de Moura Delphim, no Rio de Janeiro, no dia 03

de dezembro de 2014. 14 Idem.15 MONGELLI, 2011, p. 105.16 Boletim 40 SPHAN/próMemória, p. 16.17 Boletim 40 SPHAN/próMemória, p. 17.18 Boletim 40 SPHAN/próMemória, p. 19-20.19 MONGELLI, 2001, pp. 103-104.20 REVISTA do Patrimônio, n. 22, 1987, pp. 233-235.21 THOMPSON, Analucia (Org.). IPHAN, 2010, p. 82.22 Para saber mais sobre estas parcerias ver a tese “O desenho da história no traço da paisagem”, Unicamp, 2015.23 Dossiê Jardins Históricos, ACI-RJ.24 DELPHIM, ACI-IPHAN.25 CONAN, Michel, 2004.26 Documento avulso a respeito da preservação de Jardins Históricos constante do Dossiê Jardins Históricos. Série

documental da Coordenadoria de Patrimônio Natural. s/d. ACI-RJ.27 DELPHIM, Carlos Fernando M. IPHAN, 2005, p. 5.

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CONAN, Michel. L’invention du paysage. In: Jardins et paysages, revue Urbanisme, n° 168-169, Paris, 1978, p. 80-82.

DELPHIM, Carlos Fernando de Moura. Manual de Intervenção em jardins históricos. IPHAN, 2005.

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MONGELLI, Monica de Medeiros. Natureza e Cultura. Práticas de preservação patrimonial no Brasil. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, 2011.

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SERRÃO, Adriana Veríssimo (Org.). Filosofia da Paisagem. Uma antologia. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2011.

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THOMPSON, Analucia (org.). Entrevista com Judith Martins. Rio de Janeiro: IPHAN/ DAF/ Copedoc, 2009.

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O rápido processo de urbanização tem provocado um crescimento desordenado das cidades, com a consequente supressão de áreas verdes potencialmente aptas ao estabelecimento de parques e jardins. Os espaços públicos urbanos constituem elementos importantes para a caracterização formal das cidades. As praças públicas, além de contribuírem para o embelezamento das cidades e também desempenham uma função importante no contexto urbanístico ambiental. Dentre as praças de Lavras, a Praça Dr. Jorge se destaca por seu considerável valor histórico. Pesquisando artigos de jornais da década de 1930, e documentação fotográfica de época, desvendou-se que essa praça teve seu início em 1899, e que sua primeira arborização foi com Paineiras (Chorisia speciosa). Constatou-se ainda que a praça era muito utilizada pelos estudantes e pela sociedade dessa época, abrigando festas comemorativas e encontros políticos de grande relevância para o município, pois esse logradouro se encontra anexo à Escola Municipal Álvaro Botelho tombada pelo Conselho Municipal do Patrimônio Cultural, em 23 de março de 2006, pelo Decreto nº 6.671, em função do expressivo valor histórico e arquitetônico. Atualmente a Praça Dr. Jorge é um espaço bastante frequentado pela população e também utilizada semanalmente para o comércio de feira livre. Em 1961, a praça foi totalmente revitalizada e foi realizada uma abertura na parte inferior, sentido norte, visando a maior segurança e melhoria no tráfego de veículos. Possui atualmente uma área total de 2.347,86 m². Hoje em dia, a praça não conta mais com o glamour desse período do início do século XX, mas ainda é extremamente importante, pois está localizada na região nobre da cidade. O Atualmente, encontramos uma magnífica árvore conhecida por tipuana (Tipuana tipu) bem como diversas espécies de ipês. Constatou-se também por meio de pesquisas, que embora seja uma praça de grande destaque para o município, não existem dados concretos e relatos sobre a mesma.

Palavras chaves: praças públicas; jardins históricos; paisagismo; arborização urbana

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PRAÇADR.JORGE,LAVRA,MG:ASALVAGUARDADOPATRIMÔNIOPAISAGÍSTICOAlessandraT.daSilva|NelsonVenturin| MarcusPaulusGuimarãesPassos

Os jardins são monumentos históricos, em constante evolução, fato que os diferem, substancialmente, dos bens arquitetônicos e os

inserem nas metodologias de interpretação e salvaguarda das paisagens naturais. O jardim é uma forma de ordenamento de território que acompanha o homem há tempos imemoriais, demonstrando também forma de expressão do entendimento humano da natureza, com investimento na recriação do sonho do microcosmo perfeito. Em especial nas cidades de Minas Gerais, os jardins históricos estão presentes, pois possuem suas raízes fincadas na busca incessante pelo ouro e nos caminhos traçados pela marcante Estrada Real.

Os centros urbanos têm grande dificuldade de atender às demandas da comunidade, apresentando diversos níveis de inadequação, obsolescência e degradação. Os espaços públicos centrais, principalmente os ‘verdes’ necessitam ser revalorizados, por meio de diversas ações públicas, para desempenhar o seu papel na comunidade local, desde o de imagem unitária de pertencimento da comunidade até o de amenidade entre outros, que preservam a boa qualidade do ambiente construído para seus usuários mais diversos.

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A praça é, com certeza, um dos espaços urbanos mais visíveis e, por isso, extremamente sensível às transformações, por parte do Poder Público. Assim, com o grande crescimento da Cidade de Lavras, nos últimos 30 anos e, em consequência do desenvolvimento socioeconômico, o processo de expansão urbana e a verticalização das edificações vêm transformando o patrimônio histórico, ambiental e a paisagem dessa cidade.

Embora se tenha alguns relatos sobre a história da Praça Dr. Jorge, pouco se conhece sobre sua evolução e as transformações que sofreu ao longo dos anos, haja vista que esse espaço público se tornou uma referência, por estar localizado defronte à Escola Instituto Presbiteriano Gammon, que foi a origem de uma das mais conceituadas universidades do país - a Universidade Federal de Lavras/UFLA. Ao se considerar a importância sociocultural e também ambiental desse espaço público, objetiva-se, nesta pesquisa, avaliar os aspectos paisagísticos da referida área verde urbana, a partir do estudo de sua evolução histórica, fornecendo também suporte para pesquisas acadêmicas e referências para a educação patrimonial.

A memória, por conservar certas informações, contribui para que o passado não seja totalmente esquecido, pois ela acaba por capacitar o homem a atualizar impressões ou informações passadas, fazendo com que a história se eternize na consciência humana.

APAISAGEMNo curso da história, diversas sociedades adotaram a prática de integrar os aspectos naturais

aos espaços de povoamento, levando a criação de espaços naturais protegidos. Tais áreas verdes tinham, em um primeiro momento, funções voltadas para estética e o lazer, visando à contemplação da natureza e ao embelezamento das cidades renascentistas nos séculos XVII e XVIII, a partir do fortalecimento da classe burguesa, que dispunha de recursos financeiros e tempo para o melhoramento das cidades. Entre o final do século XVIII e início do XIX, os jardins inserem-se em projetos urbanísticos urbanos para o recreio e encontro da população, período também do surgimento e estabelecimento dos hortos ou jardins botânicos com fins de aclimatação de espécies vegetais (SILVA; CARVALHO, 2013).

A palavra paisagem surgiu pela primeira vez, no século XVI, na Holanda, para designar uma pintura. Assim, esse conceito é de origem artística, o que demanda uma apreciação estética. Atualmente a paisagem é geralmente interpretada como meio ambiente, um conceito de origem ecológica, que caracteriza um espaço de terreno que se abrange num lance de vista. É uma combinação entre a natureza, as técnicas e a cultura dos homens. A paisagem é mutante e só pode ser apreendida na sua dinâmica, como relata Grimal (1972).

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O pensamento ecológico modificou a maneira de o homem pensar e perceber o meio ambiente, mesmo o urbano. Desde uma atitude denunciativa até uma atitude politicamente correta, o caminho trilhado só veio a favorecer a percepção paisagística. Assim, a paisagem dentro de um conceito mais moderno passa a ser avaliada como uma interação de fatores envolvendo os valores ecológicos para uma qualidade de vida, tendo o homem como o elemento mais importante (PAIVA; GONÇALVES, 2002).

Segundo Clifford (1970), quadros representando lugares pitorescos, exóticos e acolhedores são “paisagens”. A geografia tem para ela várias definições, mas sempre procurando enxergá-la como o resultado atual de um longo processo evolutivo; a formação do relevo de uma determinada região, seu clima e vida que ali se instala e também evoluiu, à interferência humana e, principalmente, como tudo isso se inter-relaciona. Relata também o autor, que essas definições se aproximam muito do que também é chamado “meio ambiente”. E então, tudo passa a ser paisagem, ganhando vários nomes: paisagem urbana, rural, natural, litorânea ou, ainda, hostil, degradada, poluída.

PRAÇASHISTÓRICAS,JARDIMEPARQUESPÚBLICOSSegundo Segawa (1996), os jardins e os parques públicos constituem criações marcantes na

urbanização europeia, a partir do século XVI, não negam em sua formulação esse envolvimento mitológico e estético com a natureza. Por ora, buscamos situar apenas a articulação cultural/natureza e o ponto de inflexão onde o jardim deixa de ser uma metonímia para se tornar uma metáfora da natureza.

Ao longo do processo histórico, os jardins sofreram transformações que podem ser caracterizadas pelos estilos próprios de cada época e cultura. A palavra “estilo” se originou no mundo greco-romano. Hoje compreendemos estilo como um conjunto de qualidades próprias às produções do espírito, inspirado por um pensamento geral comum que torna possível identificar e caracterizar suas particularidades (FORESTIER, 1985).

Segundo Le Dantec (1996), no período do Renascimento, houve um aumento de prosperidade em todos os sentidos, provocando também um surgimento de curiosidades sobre o mundo natural e, por coincidência, aumentou o interesse em se compor formas harmoniosas para o jardim. Também, segundo relata o autor, que a França seria a responsável pelos maiores jardins formais que o mundo conheceu como, por exemplo, o jardim do Castelo de Versailles.

Na segunda metade do século XVII, surge nitidamente o estilo inglês, com suaves paisagens em oposição ao francês. Os ingleses passaram a ser diferentes de outros povos europeus nesse aspecto, simplesmente por se identificarem com a “natureza”, e muitos princípios modernos em paisagismo

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surgiram, já naquela época, como as cercas-vivas. Passam a predominar as linhas curvas e as irregularidades das paisagens são mantidas (CAMARGO, 2002).

Ainda conforme Clifford (1970), desde o século XVIII havia uma crescente popularização do estilo de ciências naturais e o reflexo disso tudo foi uma mudança de atitude em relação à paisagem. Muitos princípios modernos em paisagismo, como cercas-vivas arbóreas e mistas, já eram defendidos nessa época. A poda escultural ou topiaria saiu de moda por volta de 1710. Consoante também relata o autor, o surgimento do Landscape Garden, ou jardim paisagístico, onde os modelos estéticos passam a se inspirar na observação direta da natureza e nos princípios da pintura.

Segundo Vilas Boas (1999), uma das mais interessantes áreas também invadidas pelo espírito romântico, a partir do século XVIII, foram a concepção e elaboração de jardins, que ficaram conhecidos por seus contemporâneos como jardins paisagistas ou jardins ingleses, por ter sido na Inglaterra onde primeiro fora concebido, sendo que seus primeiros patrocinadores e construtores foram membros da burguesia inglesa, identificados como uma nova concepção de mundo. Os conceitos do jardim romântico na Inglaterra surgem em contraposição àqueles adotados pelo jardim francês, cuja geometrização exprime com exatidão a visão racionalista que o criou.

A introdução do paisagismo no Brasil foi tardia se comparada ao que ocorreu no mundo oriental. O Passeio Público é, oficialmente, o mais antigo parque urbano no Brasil destinado a servir à população. Localizado no Centro Histórico do Rio de Janeiro, entre a Lapa e a Cinelândia, foi o primeiro parque ajardinado do Brasil e foi inspirado nas tradições de desenho do jardim clássico francês (VILAS BOAS, 1999).

As praças são unidades urbanísticas fundamentais para a vida urbana nos dias atuais, pois, é pelo uso que as pessoas fazem de uma praça um espaço importante para seu convívio social. A praça é, portanto, um centro, um ponto de convergência da população, onde são realizados encontros românticos ou políticos, enfim, para o desempenho da vida urbana ao ar livre, relatam (ROBA; MACEDO, 2003).

Somente no final do século XVIII é que, no Brasil, na tentativa de reaproximar-se do meio ambiente, os jardins foram adaptados em particularidades, buscando assim estimular a sensibilidade à paisagem. Essa preocupação levará à integração dos elementos da flora no próprio traçado da cidade, como reação e, ao mesmo tempo, solução ao problema do adensamento urbano (ANGELIS NETO, 2003).

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PATRIMÔNIOEMEMÓRIAQuando se fala em patrimônio cultural, imediatamente associa-se o termo aos conceitos de memória

e identidade, uma vez que entendemos o patrimônio cultural como lócus privilegiado onde as memórias e as identidades adquirem materialidade No Brasil, a categoria patrimônio passou por um processo de valorização a partir da década de 1990. Esse redimensionamento do valor atribuído a esta categoria está associado à criação de leis relacionadas ao incentivo à cultura, tanto no âmbito nacional quanto regional (BIAZZETTO, 2013).

O conceito de patrimônio cultural é compreendido em um sentido muito amplo e, como consequência, estratégicas de proteção e conservação podem variar de acordo com o contexto e os valores associados a cada monumento ou sítio. É fundamental estabelecer os valores culturais que se pretende preservar. Todas as ações de preservação, como a proteção ou a restauração devem garantir a proteção da autenticidade do sítio cultural, prolongar a duração de sua integridade e assegurar a interpretação de seus valores para o público (DELPHIM, 2005).

RESULTADOSMunicípio de Lavras e sua história

O município de Lavras, está situado na região sul de Minas Gerais e apresenta uma área de 564,59 km ² e coordenadas geográficas de 21°14’30’’ de latitude Sul e de 45°00’10’’ de longitude Oeste. A população estimada, segundo senso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE (2016) é 101.208 habitantes. O município se caracteriza por um relevo colinoso, com altitudes que variam entre 822 e 1.259 metros. Apresenta a seguinte compartimentação topográfica: 15% de relevo plano, 55% ondulado e 30% montanhoso (SEBRAE, 1998).

A data presumível de fundação foi em 1729, transformado em município em 13 de outubro de 1831. Em 20 de julho de 1868, obteve-se a emancipação política e administrativa, e em 8 de outubro do mesmo ano, foi transformada em comarca O município teve um grande desenvolvimento na década compreendida entre 1907 e 1917, quando os lavrenses investiram na cidade, promovendo melhoramentos de grande expressão para a época (HISTÓRICO DE LAVRAS, 2002).

Lavras construiu sua identidade a partir de camadas de memórias, histórias e culturas que chegaram de vários locais e, ancoradas no ciclo do ouro, somaram um passado histórico que configuraram uma cultura política que se tornou marcante e definida. Nessas circunstâncias, a política e principalmente a cultura, ganham no município um espaço estratégico (VILELA, 2007).

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Praça Dr. Jorge: primórdios e evoluçãoA Praça Dr. Jorge, é um dos marcos mais antigos da cidade de Lavras, assim denominada em

homenagem à memória do notável mineiro Dr. José Jorge da Silva (nasceu em 1810 e faleceu em 1880), residiu em Lavras por muitos anos e também foi deputado provincial de 1835 a 1837, sendo reeleito em 1838 a 1839. Registros da década de 1920 relatam que a praça teve seu início em 1899, pois nessa época, o espaço já fazia parte do povoado (SOARES, 1959).

Essa praça está localizada na região nobre da cidade, circundada por pontos comerciais e diversas residências. Está inserida no sentido da antiga rua Direita incorporando-se a bela paisagem da região central. Possui uma topografia com leve declividade. Destaca-se também, adjacente à praça, a Escola Municipal Álvaro Botelho inaugurada em 23 de maio de 1933 e tombada pelo Conselho Municipal do Patrimônio Cultural do Município no ano de 2006.

Conforme registro da década de 1930, na Il. 1 acima, a praça era um local arborizado, em fileiras duplas por uma espécie de grande porte conhecida popularmente por paineira (Chorisia speciosa). Com relação à vegetação arbustiva, não se registrou a distribuição na mesma. As imagens registram também os casarios do lado esquerdo, sentido norte-sul. A praça não apresentava calçamento e possuía uma declividade natural, acompanhando as ruas adjacentes, que se mantêm até os dias atuais. O jornal local (JORNAL NOVA LAVRAS, 1933), registrou o desastroso efeito das chuvas na praça e ruas adjacentes, pela falta de pavimentação nesses locais, as ruas eram apenas cascalhadas, constatou-se o alinhamento inadequado da praça bem como suas sarjetas defeituosas, sendo estes os responsáveis pelos problemas ocorridos, fato este lamentado em matéria publicada em 30 de abril de 1933, com transcrição na íntegra:

[...] como esta rua da praça, muitas ruas sofrem os danos causados pelas chuvas, tão desejáveis para apagar a poeira, mas tão prejudiciaes á conservação dos cascalhos, uma vez que não possuímos e nem sabemos quando iremos possuir ruas calçadas, tão necessárias a cidades de topographia como a nossa, que as chuvas lavam de cima a baixo, carregando, pelo declive das ruas tudo que encontra e pode carregar [...]. (O EFEITO DAS CHUVAS, 1933).

Ainda na il. 1, visualiza-se a linha do bonde, pois era um meio de transporte muito importante que circulava na cidade, passando ao lado da praça, pelo lado direito, no sentido norte-sul. O bonde foi inaugurado em 21 de outubro de 1911 e marcou história para o povo lavrense, muitas recordações e

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lembranças estão na memória daqueles que viveram na era bonde. Foi uma iniciativa do ex-presidente da Câmara Municipal e, na época, deputado, o conceituado advogado Dr. Álvaro Botelho. Os casarios do lado direito, sentido sul-norte, também eram destaque, bem como a conceituada Escola Municipal Álvaro Botelho. Existia também, nessa praça, um lindo casarão, símbolo da arquitetura e da imigração italiana em Lavras, pertencia a tradicional Família Zagotta, construído em 1922 e demolido em 2004.

Na Il. 2, ilustra-se o espaço público sem as Paineiras, indicam que as frondosas árvores foram cortadas entre as décadas de 1930 e 19401 provavelmente em função da espécie ser de grande porte e talvez fora necessário para o planejamento de uma nova vegetação dando à praça um aspecto diferenciado e funcional.

Conforme a Il. 2, esse espaço público não possuía arborização e também não existia vegetação de porte baixo. Existiam, nessa época, apenas caminhos para a circulação de pedestres para todos os extremos da praça. Registra-se a grande utilização do espaço público por alunos, pois está situado nas adjacências da praça a Escola Estadual Álvaro Botelho. Observa-se também a presença de crianças uniformizadas, assim pode-se inferir que sejam da Escola situada ao lado. Percebe-se que o terreno é amplo e não apresentava ainda delimitações de calçadas e canteiros, pois os transeuntes circulavam em caminhos estreitos, conclui-se, portanto, que o terreno destinado à futura praça ainda não apresentava um planejamento paisagístico. Observam-se também os casarios descendo sentido zona norte. Aos fundos observa-se a chácara do Colégio Instituto Presbiteriano Gammon.

A praça possuía, na década de 1940, uma extensão ininterrupta até o muro da chácara referenciada acima, dessa forma, a ligação entre as ruas laterais só se efetuava próxima à entrada da chácara. Essa imagem da Il. 3, ilustra a magnífica praça pública contornada com a espécie Alfeneiro do Japão (Ligustrum lucidum), sendo estes visivelmente bem cuidados com técnicas de poda, conduzida por topiaria2. Possuía plantas arbustivas topiadas e também plantas conhecidas por agaves. A praça apresentava canteiros quadriculados simétricos em estilo clássico com linhas rígidas retilíneas.

As áreas de circulação ainda não possuíam revestimento, pois ainda eram mantidas em terra, ou provavelmente cascalho. Segundo depoimentos pessoais das senhoras Joana e Rosalina Zagota, proprietárias do casarão situado na extremidade sul da praça... Existia uma fonte de água na parte central e superior no jardim até com disputas pelo seu uso, pois sempre havia falta de água na cidade” e também havia um jardineiro de fora, de Belo Horizonte, que realizava a poda das árvores” (MIRANDA, 1995).

Já na década de 1960, conforme se visualiza acima, na Il. 4, a praça apresentava totalmente revitalizada e com uma passagem, sentido sul-norte, que favoreceu o tráfego de veículos melhorando

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Il.1 – Vista parcial da praça Dr. Jorge com as paineirasArquivo: Coletânea Renato Libeck.

Il. 2 – Vista da Praça Dr. Jorge, década de 1930.Arquivo: Museu Bi Moreira.

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Il. 3 – Vista parcial da Praça Dr. Jorge, ano 1945Arquivo: Coletânea Renato Libeck.

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assim a segurança. A mudança trouxe a separação da praça em duas partes, através de um segmento de rua em diagonal. Observa-se que houve, por parte da administração pública, a elaboração de um projeto paisagístico para esse logradouro. As árvores se apresentavam desenvolvidas e existiam também algumas espécies de palmeiras no canteiro interno da praça. A praça era arejada e ensolarada e já apresentava calçadas circundantes e bancos.

Na década de 1960, a praça já possuía árvores formadas, como o Alfeneiro do Japão que circulava toda a praça. Nesta época, os canteiros geométricos topiados não eram mais destaques. O Bonde subia ao lado da praça e as ruas já apresentam calçadas com paralelepípedos.

Il. 4 – Vista da Praça Dr. Jorge, década de 1960.Arquivo: Coletânea Renato Libeck.

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Il. 5 – Vista da Praça Dr. Jorge com Ipê roxo, 2009.Foto: Alessandra T. Silva

Foi plantada, na década de 1960, uma espécie conhecida por tipuana (Tipuana tipu), atualmente essa espécie faz parte desse logradouro, pois é uma magnífica e frondosa árvore, um cartão postal da praça, considerada também uma árvore monumento (BI MOREIRA, 1979).

Atualmente a Praça Dr. Jorge ocupa uma área de 2.347,82 m² e localiza-se no coração da área central da Cidade, junto às principais vias de acesso norte sul3. Essa área verde abriga espécies frondosas, principalmente ipês roxos, conforme Il. 5, uma banca de jornal, um ponto de taxi além de abrigar ainda uma feira livre semanalmente.

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CONCLUSÕESA Praça Dr. Jorge é uma das áreas verdes mais importantes, tanto do ponto de vista histórico

quanto paisagístico, pois está vinculada às origens da cidade, em razão da sua localização, sendo também umas das principais ilhas de conforto ambiental, pois a vegetação arbórea presente na paisagem gera uma dominância induzida pelas formas e texturas das copas, bem como pelo porte. A praça apresenta um design em estilo clássico com linhas rígidas retilíneas.

Uma das formas de preservar e perpetuar essas memórias é por meio do resgate histórico da praça, pois uma das funções ancestrais dos jardins, a de lazer e recreio, constitui talvez um dos principais motivos e motivações para a recuperação, salvaguarda e valorização desse patrimônio. Estudar a constituição da memória é importante porque está intimamente ligada à construção da identidade, considerando tanto a memória individual quanto a coletiva.

Após anos de descuido e degradação, o espaço público das cidades e áreas metropolitanas brasileiras, demonstra sinais de maior preocupação por parte das administrações municipais, que iniciaram processos de requalificação e reestruturação.

O processo de evolução urbana e a falta de espaço na região central da cidade, podem ocasionar mais redução de espaço desse patrimônio paisagístico e histórico de Lavras, urge, portanto, a necessidade de uma medida protetiva definitiva da Praça Dr. Jorge por meio de seu tombamento, responsabilizando o poder público municipal na manutenção de seus elementos arquitetônicos e paisagísticos.

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BIAZZETTO, G. Educação patrimonial e memória: conceitos construtores de cidadania e identidade. In: Revista Latino‐Americana de História. Vol. 2, nº 6, ago. 2013.

NOTAS1 Informação pessoal: Ângelo Alberto de Moura Delphim, 20162 Topiaria, vem do latim topiarus e significa a arte de adornar os jardins, por meio de transformação de plantas em

esculturas vivas dando-lhes formatos variados como figuras humanas, de animais, de objetos e geométricas. 3 Arquivo Prefeitura Municipal de Lavras, 2016.

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BI MOREIRA. Árvore monumento. Acrópole, Lavras, MG, v. 5, n. 24, 23 set. 1979.

CAMARGO, N. A. Os grandes jardins da antiguidade: o jardim. Pt. 2. Disponível em: <http://www.ojardim.com.br/jardim-antigo/i.>. Acesso: 18.set. 2009.

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DELPHIM, C. F. de M. Intervenções em jardins históricos: manual. Brasília, DF: IPHAN, 2005. 152 p.

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LE DANTEC, J. P. Jardins et paysages‐textes critiques de I’antiquité à nos jours. Paris: Larousse, 1996. 635 p.

MIRANDA, A. M. P.; Projeto paisagístico de restauração da praça Dr. Jorge. 55 p. Monografia (Pós-Graduação) – Universidade Federal de Lavras/ UFLA/ MG, 1995.

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O jardim do Museu Casa de Rui Barbosa, primeiro museu-casa estabelecido no Brasil, é uma das poucas áreas verdes sobreviventes no bairro de Botafogo na cidade do Rio de Janeiro, ocupado no passado por fazendas e chácaras. Os museus-casa propõem-se a apresentar uma narrativa biográfica centrada numa figura destacada como referência histórica e cultural. Frequentemente conectados a uma área externa com jardins ou dependências anexas, esses museus, como fragmento cotidiano e intimista da vida de personagens relevantes para determinada época, fundamentam-se no particular como instrumento de compreensão de aspectos coletivos da sociedade que representam. O objetivo é analisar as narrativas subjacentes à paisagem, jardim e museu, procurando contribuir para os poucos estudos que se referem à interpretação da memória no museu-casa e a musealização de seu espaço paisagístico. O jardim envolve o ambiente da residência, servindo como representação simbólica do status e imagem da família: o jardim fronteiro apresenta estilo romântico, guardando o traçado do jardim francês de linhas geométricas e elementos da herança portuguesa na parte posterior da casa. Neste espaço paisagístico estão dispostas camadas de memórias que se referem às vivências e à história de seus antigos moradores. Lá estão os três pés de camélias plantadas por Rui Barbosa, os leões que guardam a entrada da casa e a antiga pérgula instalada nos fundos da residência. Isso nos leva a pensar sobre como estes elementos significativos que caracterizam o espaço material e simbólico deste jardim são interpretados e musealizados para o visitante. O jardim é uma paisagem construída que possui a função de ativar o imaginário de quem o visita, além de ser o lugar onde os vestígios de um passado ganham compreensão e significado. Palavras chave: jardim, Museu Casa de Rui Barbosa, paisagem, museologia.

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MUSEUCASADERUIBARBOSA:OJARDIMCOMOCOLEÇÃODEMEMÓRIAMariaTeresaSilveira|HelenaUzeda

O jardim da casa de Rui Barbosa é um microcosmo de memórias que tem recebido a atenção de vários pesquisadores, em especial

os pesquisadores da Fundação Casa de Rui Barbosa, destacando os trabalhos de Cláudia Barbosa Reis1 e Ana Pessoa2, que se debruçaram sobre o tema, na busca das raízes da formação do bairro até a elevação deste jardim a patrimônio histórico, bem como de sua significação simbólica. Lembramos ainda o pesquisador Carlos Terra3 , estudioso dos jardins, que se voltou para a análise da tipologia deste importante espaço paisagístico. Não podemos esquecer também, das pesquisas que estão sendo geradas no decorrer do processo de restauração em curso deste jardim, revelando camadas antes ocultas e agregando estes vestígios à arqueologia de sua memória. O Museu Casa de Rui Barbosa, recebeu seu tombamento em 11 de maio de 1938, fato que reconhece o edifício situado à Rua São Clemente, 134, como patrimônio, bem como

O arvoredo, que recortava-se bizarramente no horizonte luminoso como um relevo gótico, estremecia com o doce

arrepio da aragem, que esparzia os aromas das rosas e das magnólias (ALENCAR, 2011, p.158).

UMJARDIMNAPAISAGEM

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o seu entorno ajardinado e todos os elementos e objetos contidos neste endereço. Num museu-casa, a idéia de monumento histórico, constituído a posteriori (CHOAY, 2006, p.26) se soma à preocupação em manter os objetos abrigados junto ao mesmo monumento. A casa que serviu de morada a Rui Barbosa e sua família, juntamente com seu jardim, encontram-se impregnados por uma realidade imaginária que atua no presente, constituindo-se nesse sentido, em lugar de memória e espaço de fruição e significação simbólica.

De acordo com o geógrafo Milton Santos, a paisagem [...] é tudo aquilo que nós vemos, definindo a paisagem sob o domínio do visível e ao que nosso olhar alcança. A paisagem também se associa à dimensão da percepção e ao processo seletivo de apreensão de cada indivíduo, processo que se desenvolve de forma única, pois [...] cada pessoa a vê de forma diferenciada (SANTOS, 1997, p.62). Se apresentando ao olhar de acordo com o ponto de vista de onde nos colocamos, a paisagem pode ser observada através de diferentes ângulos resultando em diferentes versões. Tanto a paisagem quanto o espaço resultam de movimentos superficiais e de fundo da sociedade, uma realidade de funcionamento unitário, um mosaico de relações, de formas, funções e sentidos (SANTOS, 1997, p.61).

Este mosaico de relações que atinge de acordo com o autor, a forma, a função e o sentido, assumindo a imagem de um mosaico, é uma composição de fragmentos que se relacionam no tecido da paisagem. É também o resultado de uma somatória de transformações ocorridas ao longo do tempo, é um conjunto de “idades diferentes”, de formas de ocupação do espaço. Sua leitura e observação apresenta um processo de desvelamento de camadas de memórias, de vestígios que marcam a passagem do tempo na paisagem, que, afinal, está em permanente mudança. Fruto e herança de diferentes momentos, a paisagem é “uma escrita sobre a outra”, criada por meio de diferentes ocupações que envolvem acréscimos, rupturas e substituições (SANTOS, 1997, p.66-68). Nesse sentido, a paisagem integra em sua superfície uma tessitura de relações entre estas diferentes camadas de ocupação humana, formando um palimpsesto no espaço (SANTOS, 1997, p.70).

A museóloga Tereza Scheiner utiliza a imagem da téssera, o fragmento do mosaico, para conjugar uma reflexão sobre o todo e as partes de uma imagem:

Nenhum deles representa o todo: a imagem se desvela justamente a partir do arranjo intencional destas pequenas singularidades. E ainda que não possamos conhecer de imediato o sentido de cada ponto ou téssera no conjunto, sabemos com certeza que a partir do quadro geral se poderá elaborar um ‘mapa’ articulado de pequenas significações: um olhar cuidadoso permite identificar as tésseras que apenas servem de moldura e fundo, e as que definem os limites da imagem [...] (SCHEINER, 2004, p.141).

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Para Scheiner, a imagem do mosaico se forma a partir da conjunção de seus fragmentos, de suas tésseras, nenhuma delas representa o todo. A experiência da visão geral do mosaico inclui também a percepção de pequenos conjuntos de quadros menores de tésseras.

Se considerarmos a paisagem como um mosaico, o jardim seria uma téssera, ou mesmo um universo construído destas pequenas peças. O jardim é um ponto no espaço, ele emoldura um quadro de uma paisagem construída, onde se articulam suas significações, seus sentidos materiais e imateriais, fragmentos de vivências. Carlos Terra define o jardim como elemento na paisagem: [...] jardim é o trecho da natureza onde houve a interferência humana mais ou menos profunda. Associa elementos naturais – vegetais, pedras, água e animais – com os artificiais – arquitetura, mobiliário, escultura e, inclusive, pintura (TERRA, 2013, p.27).

De acordo com Jean Starobinski, o jardim é uma natureza cultivada de forma a apagar os vestígios da intervenção humana, é o trabalho humano procurando reconciliar a natureza com a cultura. A arte dos jardins deseja encontrar o paraíso da origem sem renunciar aos avanços da técnica, procurando reunir o que antes fora separado e condenado à dispersão (STAROBINSKI, 1994, p.218). A função do jardim na paisagem presencia feições variadas, podendo se oferecer ao desfrute por seus aspectos decorativos como no caso do “jardim do prazer”; também assumindo uma função utilitária na forma de hortas cultivadas e pomares; ou mesmo tomar uma feição científica, representada pelos jardins botânicos (TERRA, 2013, p.28).

Considerando o jardim como uma região de memória, Starobinski identifica os monumentos que adornam um jardim como elementos memoriais, “duplos fantasmáticos”, vestígios de um passado cobertos de inscrições (STAROBINSKI, 1994, p.221). Nesse universo nostálgico, o presente é destituído de importância: o presente perde sua urgência. Neste sentido o jardim possui uma função de caráter simbólico, que permite à percepção adentrar num universo que apresenta a possibilidade de uma experiência sensorial fora do tempo presente. O jardim do Museu Casa de Rui Barbosa, apresenta-se como paradigma desse mosaico de relações, reafirmando a passagem do tempo na paisagem e também atuando como um microcosmo de memórias.

ASMEMÓRIASDEUMJARDIMEMBOTAFOGONo jardim da casa de Rui Barbosa podemos observar diferentes estratos de memórias que se

acomodam no espaço, como um palimpsesto que é reescrito ao longo do tempo. A configuração visual do jardim apresenta um traçado geométrico, especialmente nos fundos da casa, com a divisão em grandes canteiros e um caminho central que anteriormente se alinhava à Rua Assunção4, formando um longo

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caminho. De acordo com especialistas5 existe a hipótese de que a autoria do jardim frontal possa ser de Glaziou6, não existindo, entretanto, documentação que comprove essa autoria.

Podemos observar vestígios de formação do jardim que se relacionam com os antigos moradores, como o português Bernardo Casemiro de Freitas, o Barão da Lagoa, o primeiro morador da residência. O jardim de desenho romântico à frente da casa, o jardim dos fundos com pomar e a pérgula de ferro para suporte do parreiral, apresentam uma configuração cujo traçado remonta à época do Barão da Lagoa7(REIS, 2011, p.115-116).

O segundo morador, comendador Albino Guimarães, acrescentou elementos escultóricos ecléticos ao jardim como o par de leões e a águia segurando a serpente, além do quiosque em estrutura octogonal, localizado na parte posterior do domicílio (PESSOA, 2010, p.167). Rui Barbosa, como seu último morador, fez instalar dentro deste quiosque (Il. 1) um chuveiro e uma banheira (REIS, 2010, p.169). Deve-se também a Rui o plantio de muitas árvores, algumas ainda presentes no jardim, como os pés de lichia, o abiu, jambo, sapoti, pitanga e várias espécies originárias da Bahia, sua terra natal: o araçá, mandacaru e grande variedade de cocos, incluindo o dendê. Os três pés de camélias, de inspiração abolicionista, ocupam posição privilegiada na parte frontal do jardim (Idem: p.170). Rui Barbosa também instalou nos fundos do terreno uma estufa de vidro, onde cultivava plantas variadas como samambaias, palmeirinhas, avencas e hortênsias (MAGALHÃES, 2013, p.37). A antiga estufa localizava-se onde hoje se encontra o laboratório de microfilmagem da Fundação Casa de Rui Barbosa, que foi construído aproveitando a base estrutural da estufa (REIS, 2010, p.169). Além de ser um jardineiro amador, Rui Barbosa dedicou-se com desvelo ao cultivo de diferentes espécies de rosas, muitas delas raras, sendo que ainda há o canteiro onde eram plantadas.

De acordo com o professor Carlos Terra, o jardim da Casa de Rui Barbosa pode ser considerado um jardim eclético. Enquanto na fachada e na lateral direita trazem a herança da tradição romântica, recebendo influência do jardim inglês, na lateral esquerda da casa o jardim se aproxima do modelo italiano, com corredores verdes e árvores. Na parte dos fundos, existe o caminho central da pérgula formando um longo corredor, que se associa ao jardim francês em sua ideia de infinito (TERRA, 2013, p.131). No jardim romântico da fachada da casa da São Clemente (Il. 2), podemos observar elementos pétreos em rocaille8, como a imitação de pedras e troncos arruinados, uma pequena pérgula, um córrego sinuoso e uma queda d’água em miniatura. Também encontramos pontes ornadas com formas de troncos de madeira que atravessam este pequeno riacho sinuoso. Na lateral direita do jardim, próximo à entrada da casa, um nicho com a superposição de rocailles e troncos de árvore esculpidos, deixando entrever

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Il.1 – Interior do quiosque, 1974/1975. Fonte: Coleção Marcel Gautherot. Arquivo FCRB.

Il. 2 – Jardim frontal no Museu Casa de Rui Barbosa, 2015. Fonte: Foto da autora.

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o gosto romântico: a contemplação da passagem do tempo, a ruína pitoresca. De acordo com Jean Starobinsky, o jardim inglês abandonando o gosto pelos jardins geometrizados de Le Nôtre, apaixona‐se pelos penhascos e paisagens acidentadas e adota a irregularidade da ocupação do terreno, assumindo a natureza “livre de qualquer sujeição” (STAROBINSKY, 1994, p.219). Afinal, a desordem faz parte da natureza.

Também no jardim romântico da casa, [...] pequenos caramanchões floridos ladeiam esse conjunto e, ao centro, há a escultura, em cimento e ferro, de uma águia imobilizando uma serpente de cuja boca sai um esguicho d’água que cai em jato curvo no lago fronteiro (PESSOA, 2010, p.8). Na lateral esquerda da parte posterior do domicílio, encontramos um quiosque de madeira instalado sobre uma ilha artificial. Este conjunto também apresenta rocailles, como uma pequena ponte ornada que atravessamos para chegar ao quiosque, além de decoração formada por troncos artificiais na base do quiosque. Um conjunto de elementos pétreos localizado numa das extremidades da ilha artificial e atrás do quiosque, compõem a cena pitoresca.

O segmento do jardim localizado na lateral esquerda da residência de Rui Barbosa é formado por um longo canteiro em formato geométrico com árvores como o abricó de macaco e dois pés de chuvas de ouro, além de duas ânforas de mármore, que o associa à tipologia do jardim italiano (TERRA, 2013, p.132). Importante lembrar que essa lateral esquerda se apresenta atualmente como o resultado de uma alteração provocada pela perda do jardim original. O terreno da lateral esquerda do jardim foi reintegrado à residência na reforma conduzida em 1930.

O jardim localizado na parte posterior da casa possui ainda hoje uma antiga pérgula de ferro que sustentava um parreiral. A pérgula (Il. 3) se alinha ao eixo central e se ramifica em dois corredores

Il. 3 – Pérgula, 2014. Fonte: Foto da autora.

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transversais, formando à luz do sol uma teia de sombras sobre o piso e a vegetação. Este segmento do jardim é formado por grandes canteiros em formatos geométricos, que se alinham em torno deste eixo central. Conforme citado anteriormente, este caminho se unia à Rua Assunção, daí a associação de Carlos Terra ao jardim francês de longos corredores que se dirigem ao infinito do horizonte. Observa-se ainda neste jardim, dois pequenos lagos9: um redondo cercado de palmeiras cicas localizado na lateral esquerda do eixo central e outro oval na lateral direita diante da antiga cavalariça. Este jardim além de abrigar uma mescla de tipologias, característica do jardim eclético, forma uma moldura na paisagem que circunscreve as histórias de suas antigas ocupações, memórias e vivências que se mesclam no espaço material e imaterial.

OCOTIDIANODEUMJARDIMAs residências mais abastadas de Botafogo que sobreviveram, ainda guardam vestígios das antigas

chácaras. É o caso da residência de Rui Barbosa: a garagem para automóveis assume o lugar da antiga cavalariça e o jardim dos fundos substitui os antigos pomares e hortas. Ainda se mantém a presença do antigo galinheiro e do forno doméstico, provando a existência de um passado rural, onde os quintais eram parte integrante e fundamental das residências10 (ALGRANTI, 2000, p.93).

A fachada ajardinada era apresentada aos visitantes e transeuntes, funcionando como um cartão de visitas, como representação simbólica e imagem da família, sendo uma área muito valorizada da residência. Inexistentes na implantação das moradias portuguesas, o aparecimento dos jardins na frente das casas foi imposto às vezes por loteadores, evidenciando, acima de tudo, uma valorização dos espaços arquitetônicos a ele vinculados, oferecendo ao passante a importância social dos proprietários (REIS FILHO, 2013, p.72). Neste sentido, o “jardim da frente” é um sinal de distinção social, um elemento para a valorização da fachada. Nele estavam flores e plantas de origem europeia11, bancos, cascatas, pequenas grutas e um quiosque que identificam o jardim romântico de influência inglesa.

Nas laterais da casa e nos pavimentos superiores eram recebidos os familiares e amigos mais íntimos que não requisitavam cerimônia. Os fundos da residência, considerados desprestigiados de atenção, eram reservados aos trabalhos domésticos, associados então ao trabalho escravo e comprometidos com o antigo mundo rural (REIS FILHO, 2013, p.74). No entanto, Leila Algranti, referindo-se aos jardins dos fundos afirma que nesta área “a vida doméstica se desenvolvia intensamente”, pois o clima quente levava a família e demais ocupantes da casa para as áreas externas, tanto nos momentos de trabalho como nas horas de lazer (ALGRANTI, 2000, p. 94).

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É importante observar as funções deste jardim na paisagem doméstica do passado, havia uma relação indissolúvel entre a casa e o jardim. Afinal, o jardim envolve a residência, podendo ser visto e admirado tanto do exterior quanto através das janelas do interior da casa. Se nos fundos ele possuía função utilitária sob a forma de hortas e árvores frutíferas para usufruto da casa, local para as lides domésticas dos empregados, também era abrigo para a vida íntima da família e palco para brincadeiras das crianças (REIS, 2011, p.26). Era ainda ambiente para o cultivo das roseiras de Rui Barbosa, que, logo pela manhã, passeava de pijamas pelo jardim. As rosas eram colhidas para decorar os ambientes da casa em dias de aniversário, adornando-a em dias de festa (BANDEIRA, 1960, p. 16). Também há notícias de piqueniques realizados no jardim, que eram frequentes, assim como os garden parties, muito em moda naquela época (REIS, 2011, p.28).

Rui Barbosa e sua família residiriam na Rua São Clemente até 1923. Na intenção de homenageá-lo, o governo inaugura em 1930, sua residência como o primeiro museu-casa do país, voltado para a preservação do ambiente familiar de Rui Barbosa, de sua biblioteca e de seus documentos (PESSOA, 2010, p.1). Neste intervalo de sete anos que separou sua morte da criação do museu, o jardim havia sido abandonado e sofrido uma perda de terreno em sua lateral esquerda12. Essa área foi recuperada e o jardim passaria por um processo de reconstrução, coordenada pelo engenheiro Vittorio Miglietta, resultando em sua configuração atual. Também é desse período o plantio de uma muda de pau-brasil no limite do terreno que havia sido reintegrado, ação conduzida pelo então presidente Washington Luís, responsável pela transformação da casa de Rui Barbosa em espaço público (REIS, 2011, p.24, 35, 37). Diante deste fato, devemos considerar que esta ação acabou por compor mais um fragmento do mosaico deste jardim, ou uma reescritura feita a partir da perda de elementos paisagísticos originais e o plantio de novas espécies.

Em 1938, o conjunto arquitetônico da casa e do jardim passa a ser protegido pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional13, configurando seu valor como patrimônio histórico e artístico. Transformado em bem cultural, o Museu Casa de Rui Barbosa perdeu a função original de moradia de uma família. Entre a casa e o jardim, estamos diante de formas de visitação e ocupação humanas diferenciadas: o espaço da antiga residência de Rui, um museu-casa, visando à conservação deste bem histórico, obedece ao imperativo de regras para a visitação pública. O mobiliário e os objetos não podem ser tocados, as cortinas diminuem a incidência da luz no acervo, mas separa o ambiente da casa de sua área externa. O jardim, uma das poucas áreas verdes que restaram no bairro de Botafogo, abre suas portas14, oferecendo o convívio com a natureza: famílias, crianças, bebês, idosos além de outros visitantes, são acolhidos num ambiente distante do cotidiano da grande cidade. Muitos que o visitam nem sequer entram na antiga

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residência. Vale lembrar que o espaço do jardim, contido em aproximadamente 9.000 m², é o local mais visitado do Museu Casa de Rui Barbosa, o que lhe confere grande importância social (ABREU, 2009, p.58). Portanto, além de representar uma área significativa da instituição, o jardim da casa é também um espaço público importante no bairro de Botafogo.

ASROSASDERUIBARBOSA

Rui Barbosa era apaixonado por rosas. Quando morou15 na Rua do Resende, a casa possuía um terreno que proporcionava a Rui condições propícias de praticar jardinagem. Sábados e domingos eram reservados para o cultivo do jardim: Rui Barbosa limpava as roseiras e palmeiras, sempre acompanhado por seu cunhado, Carlito, que revolvia e adubava a terra (BANDEIRA, 1960, p. 13). Rui tinha o cuidado de anotar num caderno os nomes das culturas para catalogá-las e tentar enxertos futuramente. As rosas cultivadas recebiam uma pequena tabuleta pintada de branco inscrita a lápis, mencionando a espécie da flor: era a dedicação e zelo com sua coleção.(IIl. 4)

Quando a família mudou-se para a residência da Praia do Flamengo no antigo número 14, o roseiral também foi transplantado. De acordo com familiares, nesta residência próxima à praia, Rui Barbosa chegou a ter mais de trezentas espécies de rosas, a maioria transplantada16 para a Rua São Clemente, a chamada Vila Maria Augusta (REIS, 2011, p.32). Ter uma propriedade em Botafogo, no século XIX, significava status social e o jardim era o símbolo deste prestígio, já que as flores, na sua maioria, eram importadas da Europa [...] (TERRA, 2013, p.155). Na residência de Botafogo, as rosas eram cultivadas no canteiro da lateral esquerda da casa, no atual jardim italiano (TERRA, 2013, p.132) e também se aninhavam junto ao parreiral nos fundos da residência, conforme comprovado em fotos da época17 (Il. 5).

De acordo com Carlos Terra, a rosa foi considerada a flor do século XIX , assim como a jardinagem amadora, conferindo distinção ao colecionismo de espécies de flores. Se as rosas significavam uma paixão para Rui, os três pés de camélias se revestem de um valor simbólico: as camélias plantadas na parte frontal do jardim e na alameda de entrada da casa representavam sua adesão ao movimento abolicionista. De acordo com o historiador Eduardo Silva, a camélia na lapela era usada como uma espécie de código pelos abolicionistas que assim poderiam ser identificados nas ações mais perigosas. A Princesa Isabel decorava os ambientes de sua residência no Palácio das Laranjeiras, com camélias que eram cultivadas numa chácara do Leblon, de propriedade do português José Seixas Magalhães. Esta floricultura era conhecida como o “quilombo Leblond” ou “quilombo Le Bloon”, pois as flores eram cultivadas com o auxílio de escravos fugidos. O quilombo do Leblon era um ícone do movimento abolicionista que recebia a proteção da Princesa Isabel (SILVA, p.1-6).

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JARDINS HISTÓRICOS

Il. 4 – Tesouras de poda de Rui Barbosa, 1974-1975. Fonte: Coleção Marcel Gautherot.

Arquivo FCRB.

Il. 5 – Rui no jardim. Revista Fon Fon, 1918. Fonte: Arquivo do Museu Casa de Rui

Barbosa.

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A paixão de Rui Barbosa pela jardinagem se estendia à biblioteca19, onde possuía muitas publicações voltadas à jardinagem e à botânica, provando ser também tema de seu interesse intelectual. No livro “Lado a Lado de Rui”, Carlos Viana Bandeira narra as constantes idas a casas de jardinagem para a compra de novas mudas, assim como as solicitações de Rui para que se cuidasse das rosas, nos períodos em que estava ausente da residência. Em abril de 1895, estando em Londres, Rui escreve em carta: Manda‐me plantar em São Clemente, especialmente junto à parede da casa, na parte onde se acha a sala de jantar, jasmineiros e roseiras trepadeiras (sobretudo Marechal Niel e Captain Christy trepadeira), de modo que subam para o terraço (BANDEIRA, 1960, p.195).

O roseiral que um dia foi parte integrante do jardim da casa de Rui Barbosa está hoje ausente do ambiente paisagístico deste museu-casa. Aberto à visitação pública desde 1930, talvez muitos de seus visitantes pouco saibam sobre a paixão de seu antigo morador pelas rosas, que poderiam estar presentes neste jardim, reafirmando o imaginário de Rui e a memória do lugar.

OJARDIMCOMOESPAÇOPÚBLICOECOLEÇÃODEMEMÓRIASO processo de transformação e substituição de elementos paisagísticos e espécies de plantas é um

processo ao qual mesmo um jardim histórico de museu-casa não consegue escapar. Encontramos camadas desse mosaico de memórias que contam histórias de como este espaço paisagístico foi ocupado, traduzindo toda a sua diversidade temporal. Nele, diversos elementos se unem para narrar histórias: a pérgula e o parreiral, traços da herança portuguesa do primeiro morador, o Barão da Lagoa. O quiosque, elemento arquitetônico instalado numa pequena ilha artificial pelo comendador Albino Guimarães, que na época de Rui seria uma casa de banhos e palco de brincadeiras para os seus netos em férias. Atualmente, o quiosque abriga uma exposição sobre a formação do bairro de Botafogo. O pé de Lichia plantado por Rui quando este começou a residir na casa, as camélias que simbolizam sua posição abolicionista, o pau-brasil, uma homenagem de Washington Luís ao último morador da residência. Poderá o visitante identificar a significação simbólica de todos estes elementos vivos de memória no atual jardim da São Clemente? Esta paisagem construída já sofreu várias alterações, passando atualmente por um processo de restauro20 que teve início em janeiro de 2015 e que está trazendo novas leituras deste espaço.

O Museu Casa de Rui Barbosa é um lugar de memória onde se estabelece uma fruição do passado que nos permite também reviver nossas próprias memórias - ambiente que opera em nossos sentidos para o abandono e escape do tempo presente. O cenário que circunda a casa e se prolonga até os fundos cria intervalos de espaço que nos convida ao passeio, proporcionando uma pausa para a contemplação.

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O jardim da casa de Rui Barbosa é mais do que um lugar e um espaço físico, ele vai além: é uma paisagem construída que está diante de nossos olhos e nos envolve em seu ambiente sensorial. Proporcionando um momento de paz e reflexão, este jardim histórico pode nos trazer a experiência de seu passado, trazendo luz a nossas próprias memórias.

Nesse ambiente - onde se mesclam a utilização do jardim como espaço público e sua significação de quando ainda era um espaço privado, pertencente ao universo de Rui Barbosa e sua família, a proposta de reconstituição de sua memória paisagística se impõe como um contraponto necessário. É importante pensar uma musealização desse jardim. A recuperação do roseiral de Rui Barbosa restabeleceria um elemento significativo dentro desse espaço, trazendo para o presente, a paixão e a prática da jardinagem de seu ilustre morador, ajudando, nesse sentido, a recuperar o universo do cotidiano dos jardins privados das residências de elite do século XIX. A musealização de espécies vivas que representam e simbolizam elementos importantes no jardim como as três camélias, o pé de Lichia e o pau-brasil, poderiam receber uma infografia que informasse aos visitantes sua importância e significado para este lugar de memória.

Neste território ambíguo, de lugar aberto para o estado de alma da rememoração e da função hodierna de espaço público que acolhe o visitante, encontra-se o jardim histórico da Casa de Rui Barbosa. Nessa região intermediária, ele navega em busca de significação.

NOTAS1 Museóloga como especialização em Museus Históricos, Mestre em Letras pela Pontifícia Universidade Católica

do Rio de Janeiro. Atuou como pesquisadora nos Museus Castro Maya (1974-1982), dedicando-se ao estudo da iconografia do Rio de Janeiro. Em 1976 passa a atuar como museóloga no Museu Casa de Rui Barbosa, sendo responsável pela instalação e gestão da base de dados deste museu. Dedica-se à pesquisa museológica referente à coleção de objetos do acervo do Museu Casa de Rui Barbosa, sendo “Memórias de um Jardim” (2011), uma de suas publicações ligada ao estudo deste jardim histórico.

2 Arquiteta, Mestre e Doutora em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000). Ocupou cargos gerenciais em instituições governamentais como a Embrafilme, Funarte, coordenando projetos de pesquisa, seminários e exposições. A partir de 1996 passou a integrar o quadro de pesquisadores da Casa de Rui Barbosa e atualmente é diretora do Centro de Memória e Informação desta instituição. Dentre suas pesquisas, o ensaio “História de um Jardim: de chácara a bem cultural”, dedica-se a elaborar uma análise histórica da formação do jardim da casa de Rui Barbosa.

3 Especialista em História da Arte e Arquitetura no Brasil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Mestre e Doutor em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004). Atualmente é Professor Adjunto da Escola de Belas Artes da UFRJ, atuando como deu Diretor. Tem como interesse de pesquisa a História

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da Arte brasileira do século XIX e início do XX, centrado na representação da paisagem na pintura e o estudo da História dos Jardins. Sua tese de doutoramento “Paisagens Construídas: jardins, praças e parques do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX” (2004) é um estudo abrangente da história e construção dos jardins na cidade.

4 A construção do edifício do Centro de Memória e Documentação, que faz parte da Fundação Casa Rui Barbosa, ocorreu no final da década de 1970, ocupando o lugar de um antigo picadeiro onde se adestravam cavalos, ainda na época em que Rui e sua família residiam na casa. Ainda hoje podemos notar um portão nos fundos desse edifício que faz a ligação com a Rua Assunção (MELLO, 1997, p.43; REIS, 2011, p.41).

5 Carlos Fernando Delphim e Miguel Gastão da Cunha admitem a hipótese da autoria de Glaziou para o jardim da Casa de Rui Barbosa.

6 Auguste François Marie Glaziou (1833-1906). Engenheiro e paisagista francês que coordenou a Diretoria de Parques e Jardins da Casa Imperial de 1869 a 1897, sendo responsável pela criação dos jardins como a Quinta da Boa Vista e o Campo de Santana (REIS, 2011, p.17-8).

7 Existe certa controvérsia em relação à data de implantação do jardim frontal à inglesa da Casa de Rui Barbosa. De acordo com Ana Pessoa, teria sido o segundo morador, Comendador Albino Guimarães, que o “revestiu de artefatos e traços de jardim romântico à inglesa” (PESSOA, 2010, p.3). Para Carlos Terra no período em que ali residiu o Barão da Lagoa: “além da casa, um pequeno jardim à inglesa, que dizia-se à época, ser um dos jardins mais elaborados da Corte”, mencionando uma alteração no jardim frontal na fase de Albino (TERRA, 2013, p.131).

8 Os jardins românticos do século XIX possuem mobiliário decorativo que copia formas da natureza: grutas artificiais e falsos conjuntos de rochas construídos em argamassa, considerados obras em rocaille. Contam também com elementos decorativos que imitam troncos e galhos retorcidos usados em bancos, mesas e corrimãos (GALLOIS, 2014, p.5).

9 O lago redondo é da época em que Rui Barbosa morou na São Clemente. O lago oval foi construído em 1930 com a reforma do jardim promovida por Washington Luís.

10 Os quintais aparecem com frequência nos registros do século XVI ao XIX, assim como os pomares e hortas. Os jardins só aparecem nos relatos de viajantes no início do século XIX. (ALGRANTI, 2000, p.95).

11 Existe por parte da elite no século XIX certa rejeição às plantas tropicais, assim como uma negação do passado rural, considerado coisa ultrapassada. Imperava uma tendência à importação do modelo europeu (REIS FILHO, 2013, p.142).

12 Na tentativa de criar uma ligação entre a Rua São Clemente e a Rua Assunção, o terreno da lateral esquerda da residência foi desapropriado pela prefeitura do Rio de Janeiro e várias árvores do jardim foram cortadas como um flamboyant, uma acácia imperial, uma braúnea e um olho de boi, além de um fícus que pendia sobre o lago (REIS, 2011, p.24, 35).

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REFERÊNCIASALENCAR, José de. Senhora. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.

ALGRANTI, Leila Mezan. Famílias e Vida Doméstica. In: SOUZA, Laura Mello (Org.). História da vida privada no Brasil, V. 1, São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

ABREU, Roberto da Silva. “Eu não sabia que podia entrar”: com a palavra, o visitante do Museu Casa Rui Barbosa. Rio de Janeiro: CPDOC – PPHPBC; Fundação Getúlio Vargas, 2009, Dissertação de Mestrado. CPDOC, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2009.

BANDEIRA, Carlos Viana. Lado a lado de Rui. Rio de Janeiro: Casa Rui Barbosa, 1959.

CHOAY, Françoise. A Alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP, 2006.

GALLOIS, Catherine Jacqueline Suzanne. Elementos integrados em argamassa em jardins históricos (Rocaille) no Rio de Janeiro: conservação e capacitação. In: 3ª Colóquio Ibero‐Americano‐Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto, Belo Horizonte, 15 a 17 de setembro, 2014. Disponivel em <http://www.forumpatrimonio.com.

13 O SPHAN foi criado em 13 de janeiro de 1937, no governo de Getúlio Vargas, sendo organizado e dirigido por Rodrigo Melo Franco de Andrade. A partir de 1946 torna-se IPHAN: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

14 O horário de visitação do jardim da Casa de Rui Barbosa vai de 08:00 horas até às 18:00 horas. Dados no site da Fundação Casa Rui Barbosa.

15 Rui residiu na Rua do Resende de 1882 até 1884, quando foi nomeado deputado geral na Corte do Rio de Janeiro (BANDEIRA, 1960, p.12).

16 As rosas foram transplantadas da Praia do Flamengo para a Rua São Clemente entre 1893 e 1895 (REIS, 2011, p.32).17 Fotos na Revista Fon Fon de 1918 (REIS, 2011, p.33).18 “São raras as referências sobre a história das rosas no Brasil, mas é sabido que foram trazidas pelos jesuítas entre

os anos de 1560 e 1570. As primeiras roseiras foram plantadas ao lado da Vila de Piratininga e suas flores eram utilizadas em solenidades religiosas. A partir da criação da Ordem da Rosa, em 1829, através da qual D. Pedro I homenageava os nobres por seus feitos, é que iniciou o plantio de roseiras em jardins públicos. A citação literária mais antiga encontrada data de 1813, a partir da descrição do município de Roseira, cujo nome deriva-se do bairro localizado à margem do Caminho Real que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro” (STUMPF: BARBIERI, 2005).

19 De acordo com a museóloga Sônia Alves Ferreira, em sua monografia “Os jardins do Águia”, a biblioteca de Rui Barbosa possui 179 publicações ligadas ao tema da jardinagem.

20 A restauração afeta o jardim frontal, o jardim posterior próximo ao quiosque e também abrange a pérgula de ferro.

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br/paisagem2014/trabalho/369/elementos-integrados-em-argamassa-em-jardins-historicos-rocailles-no-rio-de-janeiro-conservacao-e-capacitacao > Acesso: 10. jan.2015.

MAGALHÃES, Rejane M.M.Almeida. Rui Barbosa na Vila Maria Augusta. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2013. Disponível em <http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/edicoes_online/FCRB_RejaneMagalhaes_RuiBarbosa_na_VilaMariaAugusta.pdf> Acessado em 03.dez.2015.

MELLO, Maria Lúcia Horta Ludolf. O Arquivo histórico e institucional da Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1997.

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JARDINS HISTÓRICOS

Em meados do século XIX surgiram nas principais cidades brasileiras os Planos de Embelezamento e Salubridade que tinham como objetivo dotar as principais cidades do país de um aspecto mais salubre, moderno e próspero, distanciando-se cada vez mais da imagem ligada ao passado colonial. É nesse período que os espaços públicos, especialmente os “jardins públicos”, ganharam força na paisagem urbana e configuraram peças fundamentais nessa transformação da imagem das cidades. Nesse contexto de mudanças do século XIX foram propostos por engenheiros e gestores, alguns ajardinamentos em Maceió: dois, em espaços mais amplos, - o Jardim do Palacete da Assembleia e o Jardim do Jaraguá, situados nos principais bairros na época e, outros em trechos nas proximidades das edificações mais importantes da cidade, configurando pontos de convergência da população e marcos na paisagem. O presente artigo vem destacar o papel do jardim público do Jaraguá e sua importância para a região portuária e discutir sobre as ações de modernização e preservação que incidiram sobre o bairro no qual está inserido a partir do processo de revitalização que se iniciou no ano de 2004. Nesse sentido, revisita-se na história a compreensão de como esse jardim foi criado e como se configurou ao longo dos anos, procurando-se identificar a partir de relatos da época (Relatórios dos Intendentes e dos Engenheiros) as intervenções que nele ocorreram, os elementos físicos que o caracterizaram e que emolduraram a paisagem litorânea deste importante núcleo da cidade (o bairro de Jaraguá) ao longo do tempo.

Palavras-chave: Jardim público; modernização; embelezamento; preservação.

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ASAÇÕESDEMODERNIZAÇÃOURBANAEAPRESERVAÇÃODOPATRIMÔNIODEMACEIÓ:REFLEXÕESSOBREOJARDIMPÚBLICODOJARAGUÁTharcilaMariaSoaresLeão| JosemaryOmenaPassosFerrare

AA cidade é um dos principais suportes de nossa história, um grande e complexo artefato arquitetônico constituído por diversos elementos

materiais que se misturam, se sobrepõem, ora apagando, ora acrescentando aos elementos já existentes na paisagem, em diversos momentos de sua formação. Enquanto fruto dessa complexa construção histórica ao longo do tempo, a cidade pode fortalecer nossos traços identitários, pois é palco de diversos acontecimentos vivenciados pela sociedade, onde se manifestam as permanências, rupturas e relações do antigo com o atual, que contribuem para a formação e permanência da memória coletiva. Para a compreensão atual das cidades, em termos de seus problemas e necessidades, faz-se necessário compreendermos seu processo constitutivo ao longo do tempo. Para Olender (1995) no estudo da história urbana é preciso considerar a relação entre o passado e o presente e vice-versa.

ASIDEIASDEMODERNIZAÇÃO,SALUBRIDADEEEMBELEZAMENTOURBANONOSJARDINSPÚBLICOSEAPRESERVAÇÃODO-

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JARDINS HISTÓRICOS

De acordo com Gomes (2011) a compreensão do passado, a preservação do patrimônio e o pla-nejamento urbano deveriam ser práticas complementares e não excludentes, como vem ocorrendo princi-palmente com a disseminação dos legados modernistas, que insistem em renegar a história, distanciando-se cada vez mais de um passado considerado atrasado (OLENDER, 1995). Observa-se que a modernidade trouxe consigo a ideia de “tábula rasa”, com uma atitude seletiva que determinava o que devia ser destruído para a introdução de elementos novos nas cidades (MOREIRA, 2005). É o que Olender (1995) chama de “deshistori-zação” das cidades, que atinge dois níveis diferentes entre si, segundo o autor: um nível espontâneo, que cabe à especulação imobiliária e que fomenta a produção quantitativa e rápida de novas edificações muitas vezes sem qualidade estética ou funcional. E um outro nível, mais complexo, que diz respeito à própria produção dos arquitetos que, devido principalmente à formação acadêmica, renegam em suas obras o passado, ávidos pelas ideias de modernização urbana.

As ideias de modernização das cidades brasileiras tiveram início no processo civilizador que teve como ponto inicial a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808, fato que acarretou diversas mudanças na paisagem urbana brasileira. Esse processo de transformação também se refletiu diretamente nos modos e comportamentos da elite local, que passou a se espelhar nos costumes europeus. Entre outras coisas, o uso coletivo dos espaços públicos, antes marginalizados, ascendeu aos poucos como locais de integração principalmente da elite (ALMEIDA, 2014).

Esse processo civilizador se acelerou com a Independência do Brasil em 1822, quando diversas ações foram tomadas visando transformar as principais cidades, especialmente o Rio de Janeiro, em cartão de visitas de um Brasil moderno e civilizado (MOURA FILHA, 2000). Sob tal objetivo buscou-se aproximar as cidades brasileiras dos modelos de modernidade e civilização das cidades europeias, especialmente Paris após a reforma empreendida pelo então prefeito Haussmann na segunda metade do século XIX (DOURADO, 2011).

A cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, começou a se transformar em um modelo a ser reproduzido em todo o país. Essas transformações foram pautadas principalmente pelas ideias do trinômio “Modernizar-sanear-embelezar” que significava antes de tudo a criação de uma “imagem vendável do Brasil”, trazendo credibilidade e garantindo seu ingresso no circuito do capitalismo internacional (ALMEIDA, 2014).

Nesse sentido, as ideias higienistas e de embelezamento urbano, já existentes na Europa desde o século XVIII começaram a nortear as intervenções do poder público no espaço urbano brasileiro e foi responsável por diversas transformações na paisagem das cidades.

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Foi nesse contexto que surgiram pelo Brasil a partir de meados do século XIX diversos Planos de Embelezamento e Salubridade que tinham como principal objetivo dotar as principais cidades do país de um aspecto mais moderno e próspero, distanciando-se cada vez mais da imagem ligada ao passado colonial (MOURA FILHA, 2000). Com esse objetivo, os gestores, engenheiros e demais agentes responsáveis pela construção das cidades empenharam-se na criação de uma nova imagem das cidades brasileiras através da elaboração de propostas e planos que deveriam ser implantados para atingir essa finalidade. Nesse período, fazendo parte desses planos de Embelezamento e Salubridade, os jardins públicos e espaços ajardinados ganharam força na paisagem urbana e tornaram-se elementos cruciais, junto com as modificações na arquitetura, desse processo de criação de uma nova imagem para as cidades.

Diante desse contexto, busca-se nesse artigo refletir sobre como as ações de modernização urbana, salubridade e embelezamento implementadas pelos gestores a partir de meados do século XIX se refletiram sobre o Jardim Público de Jaraguá em Maceió - AL e se relacionaram com seus aspectos históricos existentes na época. Reflete-se, ainda, sobre como os jardins públicos e seus resquícios são abordados nas políticas preservacionistas locais.

AS PRIMEIRAS AÇÕES DE MODERNIZAÇÃO URBANA E A INSERÇÃO DOSJARDINSPÚBLICOSEMMACEIÓ-AL

Narra a historiografia oficial que a cidade de Maceió, AL, teve suas origens relacionadas ao antigo Engenho Massayó e à enseada de Jaraguá, quando ainda era um pequeno povoado em meados do século XVIII. Em 1816 o pequeno povoado foi elevado à categoria de vila pelo seu crescimento e desenvolvimento econômico e em 1839 tornou-se a capital de Alagoas com a transferência da sede administrativa de Santa Maria Madalena do Sul (atual Marechal Deodoro) para Maceió devido, principalmente, à sua excelente localização na enseada do Jaraguá. Essa mudança gerou um maior desenvolvimento econômico para a nova capital e seu aspecto urbano já não era condizente com sua nova posição. Além disso, ocorriam no país ações de embelezamento e higienização que estavam ligadas ao processo de Secularização. Foi na busca de um novo padrão estético e de sociabilidade condizente com a nova posição de capital, seguindo o exemplo de cidades como Rio de Janeiro, Salvador, Recife e outras capitais, que foram realizadas ações para a melhoria de infraestrutura urbana e inseridos na paisagem maceioense os jardins públicos na segunda metade do século XIX.

As primeiras ações de modernização de Maceió configuraram principalmente em melhorias em sua infraestrutura, tais como calçamento e alinhamento de ruas e praças, implantação de trilhos, construção de pontes, reparos nas estradas que ligavam aos povoados circunvizinhos e construção de

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edificações públicas essenciais para o bom funcionamento da cidade (matadouros públicos, cemitérios, quartel de polícia, etc).

Além da melhoria de infraestrutura, havia uma forte intenção de criação de uma nova imagem da cidade, moderna, bela e próspera, renegando seu passado. A primeira tentativa de dotar a cidade de um aspecto mais moderno já havia sido anunciada por José Bento da Cunha Figueiredo no ano de 1850, evidenciando a intenção de desvencilhamento de uma passado colonial, relatando o “atraso” da capital e falando da necessidade de seu embelezamento e asseio:

Sois vós testemunhas, Snrs., do vergonhoso atraso, em que se acha esta cidade a respeito da regularidade na edificação dos prédios, calsamento e direcção das ruas: não podeis portanto deixar de proporcionardes alguns meios com que possa a Camara Municipal concorrer para o embellezamento e asseio da capital.(FIGUEIREDO, 1850, p.23. grifo nosso)

A intenção de aformosear os pontos mais representativos de Maceió, entre eles o bairro de Jaraguá, dotando-a de uma aspecto condizente com sua posição de capital configurou um dos pontos importantes desse processo de criação de uma nova imagem para a capital.

Surge exatamente nesse contexto de transformações urbanas as proposições dos primeiros espaços públicos ajardinados na cidade de Maceió, em meados do século XIX. Essas propostas de jardins públicos, praças ajardinadas e boulevards, entre outros, possuíam uma evidente intenção estética e pareciam tentar adaptar as ideias europeias à realidade maceioense. Tais espaços ajardinados configuraram elementos importantes na criação de uma nova imagem da cidade, buscando integrar-se com seu entorno e aliar funções paisagísticas, estéticas, utilitárias e de integração social, tendo sido alvo de diversas ações de reforma e manutenção por parte da gestão municipal (CAMPELLO, 2009; OFFICIOS DOS ENGENHEIROS, 1839-1884).

Desde o ano de 1857 já se identifica nos relatórios provinciais e ofícios dos engenheiros a presença de jardins em Maceió. O primeiro espaço ajardinado implantado foi no terreno em volta do Palacete da Assembléia, que foi gradeado e recebeu ladrilho e vegetação adequada ao nosso clima. No entanto, durante mais de uma década Maceió contou apenas com esse espaço ajardinado e apenas em 1869, durante a gestão de Bento Figueiredo Júnior foi proposto um novo espaço ajardinado localizado no bairro do Jaraguá, porta de entrada da cidade por via marítima:

[...] Notava-se aqui a falta de uma praça perfeitamente regular e arborisada. Além do pequeno jardim do Palacete, não havia outro ponto que servisse de refrigério e recreio à população. O bairro do Jaraguá carecia absolutamente de um conforto semelhante. Contractei em 20 de Dezembro do anno passado a execução do plano, pelo qual ficará fechada com muro, gradeamento e portão de ferro a praça de Nossa Senhora Mãi do Povo no referido bairro, em frente do novo edifício do

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Consulado, que tem dos lados duas casas symetricas e elegantes, uma para abrigo da guarda, e outra junto à ponte de desembarque.

O viajante, ao saltar, ficará agradavelmente impressionado, deparando com uma praça de estylo moderno, tendo em frente um elegante chafariz, no centro bancos, canteiros e arborisação, e sobre os pilares do muro lampeões que mais tarde podem ser iluminados com gaz carbônico.Com 8:200$000 rs teremos um melhoramento que além de outras vantagens, servirá de incentivo para outros similhantes no futuro[...] (FIGUEIREDO JÚNIOR, 1870. p 49 – grifo nosso)

Apesar do empenho de Figueiredo Júnior, o jardim do Jaraguá não foi concluído durante sua gestão, apenas em 1872 durante o governo de Silvino Elvídio Carneiro da Cunha. Em relatório de 1872, após assumir o governo, Cunha aborda o custo e abandono da obra do jardim e seu interesse em retomá-la:

Tendo custado esta obra 10:326$440 rs, e encontrando-a em abandono, mandei proceder pelo engenheiro fiscal aos necessários preparos, afim de, no começo da estação invernosa, fazer as devidas plantações.

Será um recreio muito agradável, que terá no futuro a população de Jaragua. Já que tão avultada despeza se fez com esta obra, que muito concorrerá para o aformoseamento do porto cumpre que o governo não abandone-a , e ao contrário lhe dê todo possível aperfeiçoamento. (CUNHA, 1872, p.48-49).

O Porto do Jaraguá foi fundamental para o desenvolvimento urbano de Maceió além de ter exercido um importante papel como local simbólico, por onde chegavam as novidades dos navios, marcando a entrada da cidade e configurando um local de convergência da população. As proximidades com o Porto do Jaraguá e a Ponte de Embarque e Desembarque certamente tornaram o Jardim do Jaraguá um ponto focal para os que chegavam e saíam da capital por via marítima e para a população local.

O Jardim do Jaraguá funcionou, a partir da segunda metade do século XIX, no largo da Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo, nas proximidades da Ponte de Embarque e Desembarque, do Consulado Provincial e do Banco de Londres, instituição forte que investia recursos na mercantilização e na melhoria de infraestrutura de trens e bondes. Assim como os demais jardins públicos da cidade, o jardim tinha um horário de visitação: de segunda à sábado, das 15:00 às 18:00 horas e aos domingos, das 06:00 da manhã às 18:00 horas da noite (Officios dos Engenheiros, 1877). Provavelmente o horário mais amplo de domingo se devia ao fato de as missas e eventos promovidos pela igreja acontecerem com mais frequência neste dia da semana, logo o jardim teria uma maior visitação, exigindo um horário mais estendido.

Além de funcionar como local de integração, distração e lazer, o Jardim do Jaraguá, assim como os demais jardins da época, também tinha uma função utilitária pois, entre outros elementos, abrigava em

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seu interior um chafariz que distribuía água para a população mediante o pagamento de 10 réis por balde (OFFICIOS DOS ENGENHEIROS, 1883). Um croqui do chafariz (desaparecido atualmente), encontrado nos arquivos do Arquivo Público de Alagoas, demonstra que havia, além da função utilitária, uma intenção estética com esse jardim. Pelo seu formato, supõe-se que era em ferro advindo das Fonderies du Val d’Osne (Fundições do Val d’Osne), o principal centro de fundição artística da França que forneceu diversas peças artísticas em ferro fundido para vários países como Chile, Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil. Em Maceió, atualmente ainda podem ser visualizadas algumas estátuas e postes em ferro fundido no bairro do Jaraguá.

No entanto, com o passar do tempo, assim como ocorreu com o Passeio Público do Rio de Janeiro, os jardins públicos de Maceió, entre eles o jardim do Jaraguá, ficaram em “estado lamentável”, necessitando de uma reparação e da contratação de mais um jardineiro, já que a existência de apenas um profissional não estava sendo satisfatória para cuidar dos dois principais jardins: Jaraguá e Palacete da Assembleia (OFFICIOS DOS ENGENHEIROS, 1878 a 1881). Os relatórios dos Intendentes e os Officios dos Engenheiros citam a destruição dos jardim por parte de pessoas mal intencionadas e animais que destruíam o gradil e a vegetação ali existente além do roubo dos bancos que possuíam pé em ferro, alertando para a necessidade de vigilância por parte do exército e polícia.

OGOVERNOMALTAEASEGUNDATENTATIVADEMODERNIZAÇÃOURBANA:OPROJETODEROASALVORIBEIROPARAOANTIGOJARDIMDOJARAGUÁ

Durante o governo de Euclides e Joaquim Paulo Vieira Malta (1900-1912), que se alternaram no poder por mais de uma década, ocorreu uma segunda tentativa de modernização urbana. Nesse período, Maceió foi remodelada conforme os padrões de modernidade e salubridade que estavam sendo empregados no Rio de Janeiro e demais capitais do país, renegando seu passado. Entre as diversas transformações implementadas na cidade, além do embelezamento e ajardinamento de praças e espaços públicos, ocorreram também reformas e construções de novos edifícios públicos imponentes sob a supervisão do arquiteto italiano Luigi Lucarini.

Nesse período, com o objetivo de modernizar a cidade e trazer de volta o jardim para o convívio cotidiano da população, a partir do início do século XX se iniciaram uma série de reformas e reparos no Jardim do Jaraguá e nos demais jardins da cidade, tais como o conserto e a pintura do gradil que circundava o jardim, entre outras ações. Em 26 de janeiro de 1905 um dispositivo da lei n. 87 autorizou a demolição do Jardim do Jaraguá para seu aformoseamento: Realmente o que ali ostentava o nome de jardim não passava

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de um local destinado ao agazalho dos animais vagabundos daquelle bairro. Foi, pois, meu primeiro cuidado reformal‐o, como dezejava, emprestando‐lhe um aspecto que bem dissesse com o nosso adiantamento moral e progresso material. (MARQUES, 1906).

Foi contratado então o famoso pintor alagoano Rosalvo Ribeiro1, recém chegado de Paris, para elaborar o projeto para o Jardim do Jaraguá, que ficou conhecido na época como Praça Wanderley de Mendonça. Para o seu “aformoseamento” foram encomendados da Europa diversas estátuas decorativas, fontes, lampiões, bancos, entre outros elementos. Mais uma vez fica nítida a preocupação com a estética do local, a importação de modelos europeus, junto com a valorização de peças decorativas importadas e com o conforto térmico:

Alem das frondosas arvores que o ensombram o jardim tem como ornamento uma bella estatua da Liberdade graciosos animaes em bronze em elegantes pedastaes de alvenaria e um artístico kiosque de madeira.

É illuminado por 11 poderosos fócos de luz electrica, erguidos em artisticos postes de ferro fundidos na Allemanha (MARQUES, 1906).

O projeto do jardim, em estilo francês, dispunha as plantas em formato simétrico e inseriu palmeiras imperiais, dando ao local status de cartão postal, sendo retratado em diversos bilhetes postais da época, denotando sua importância como porta de entrada de Maceió. Vale salientar também, além do status de cartão postal, a importância do projeto elaborado por Rosalvo Ribeiro, demonstrando suas aptidões além da pintura, e de seu reconhecimento como artista pelo poder local.

OANTIGOJARDIMEASDIFICULDADESDEPRESERVAÇÃODOBAIRRODOJARAGUÁ

Com o crescimento urbano para a parte alta da cidade durante o século XX, o bairro de Jaraguá, sobretudo impulsionado pela função portuária que abrigava, tornou-se uma zona de meretrício, frequentada pelos boêmios da cidade e marinheiros, entrando, já no final do século XX em decadência, passando por um longo período de marginalização e abandono, que aos poucos se rebateria no local que abrigou o jardim público. Em 1984 o sítio histórico do Jaraguá foi tombado pelo Estado de Alagoas, mas, apenas em 2004 o bairro passou por um processo efetivo de revitalização que tinha como principal foco o turismo, gerando mudanças de uso e atraindo investimentos para o local com a criação de bares, boates e restaurantes.

Um outro reforço no âmbito preservacionista dado ao bairro decorreu do Código de Urbanismo e Edificações do Município de Maceió que desde 2005 incluiu a área do Jardim do Jaraguá na ZEP 1 (Zona

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Especial de Preservação Cultural) - área constituída pelo sítio histórico de Jaraguá, tendo sua preservação direcionada à vocação comercial, de moradia, de lazer, de cultura e de turismo (SEMPLA, 2007). Dentro da ZEP 1, o jardim está incluído no Setor de Preservação Rigorosa (SPR 1) constituído pelo núcleo do bairro de Jaraguá, que mantém a morfologia urbana e a tipologia das edificações de interesse histórico e arquitetônico, sujeitas à preservação (SEMPLA, 2007). Todavia, apesar de estar situado em uma ZEP, dentro de um SPR as normatizações do Código supracitado dizem respeito tão somente às questões relativas ao gabarito de altura das edificações, as atividades que ali [no recorte do bairro] devem ser desenvolvidas e ao uso. O antigo jardim público, hoje transformado em mera praça, apesar de estar situado no bairro tombado do Jaraguá, não tem um regimento específico que determine qualquer vigilância sobre as permissões e/ou restrições nas reformas que ali foram e vem sendo feitas, assim como ocorre com outros locais que outrora abrigaram os jardins públicos ou praças importantes de Maceió.

O tombamento, o processo de revitalização do bairro do Jaraguá e a condição de estar inserido no perímetro de uma ZEP no plano diretor da cidade tem livrado o bairro de sua total destruição do acervo edificado legado pelo século XIX. Contudo, as três medidas de proteção não conseguiram conter o entrave que se coloca em conjuntos históricos quanto à uma visão que se descompassa entre o lucro imobiliário e a não modernização das cidades, processo recorrente em outros bairros históricos que foram alvo de programas ou projetos de revitalizações. Faltaram também proposições que objetivassem medidas que contribuíssem de modo efetivo para a manutenção de elementos e equipamentos que o modelavam como o “jardim cartão postal de Maceió”.

À rigor, no caso dos espaços públicos, que envolvem praças e jardins históricos o processo se torna ainda mais complexo no âmbito da gestão e práxis preservacionista. Esses espaços hoje já não exercem o papel de locais de integração social como outrora e, em muitos casos, acabam se esvaziando. A falta de normatizações específicas e de um olhar mais atento e criterioso para com a essencialidade conceptual dos mesmos acabam por descaracterizá-los e esvaziá-los ainda mais. Vale salientar que, embora não exerçam mais o importante papel de aglutinadores de pessoas e não cumpram mais os papéis de “cartão postal” de cidades, esses espaços públicos e suas histórias ali contidas podem ter um importante papel na construção e manutenção de traços identitários do bairro e da cidade.

Apesar de sua descaracterização enquanto o Jardim Público de Jaraguá, e tudo o que já representou para a cidade e a população maceioense, é importante refletir no momento sobre as normatizações que regem a preservação de nossos espaços públicos históricos, sobre como preservar os pequenos resquícios de história que ainda sobrevivem e, principalmente, como fazer uma referência ao jardim que existiu no

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século XIX, tão carregado de simbolismo, que exerceu um papel tão importante como porta de entrada da cidade e local de integração social, de forma a não deixar que o mesmo seja totalmente esquecido pelas gerações posteriores e que não se perca mais um pedaço de nossa história. A cidade de Maceió já perdeu muito de si.

NOTAS1 Rosalvo Ribeiro foi um alagoano nascido na antiga Alagoas do sul, atual Marechal Deodoro em 1865. Aos 20 anos

ingressou na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e em 1888 viajou à Paris com uma bolsa concedida pelo governo alagoano para estudar na Academia Julian. Posteriormente ingressou na École des Beaux-Arts onde produziu pinturas representativas e consagrou-se como pintor. Ribeiro retornou à Maceió em 1901 onde assumiu o projeto de estátuas e praças para a cidade chegando a lecionar desenho em escolas locais (Fonte: http://www.escritoriodearte.com/artista/rosalvo-ribeiro/).

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FIGUEIREDO JÚNIOR, José Bento da Cunha. Relatorio lido perante a Assembléa Legislativa da provincia das Alagoas no acto de sua installação em 16 de março de 1870 pelo presidente da mesma o exm. sr. dr. José Bento da Cunha Figueiredo Junior. Maceió, Typ. Commercial de A.J. da Costa, 1872.

GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras. Preservação e Urbanismo. Encontros, desencontros e muitos desafios. In: GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras e CORRÊA, Elyane Lins. Reconceituações contemporâneas do patrimônio. Salvador: EDUFBA, 2011.

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SEMPLA. Código de Urbanismo e Edificações do Município de Maceió. Maceió, 2007.

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Este artigo retoma o projeto de 1981 do arquiteto mineiro Jorge Abdo Askar para requalificação paisagística de fundo de vale na cidade de Ouro Preto, estado de Minas Gerais, Brasil. No ano de 2008, o chamado Vale dos Contos foi alvo de recuperação empreendida no âmbito do Programa Monumenta, associado à zona do antigo horto botânico da cidade. Enquanto este último resulta da política ilustrada da metrópole de fins do século XVIII, consiste o Vale em centro de extensa quadra, para onde convergem os fundos de lotes, com seus quintais, jardins e hortas erguidos sobre socalcos. Está localizado entre os bairros do Centro e Pilar, em zona tradicionalmente considerada pelo órgão federal de preservação como aquela de maior valor estético e histórico no município. A ação sobre ele é estratégia de controle e melhoria da qualidade da paisagem, dado o precário estado de conservação das fachadas de fundos dos imóveis adjacentes. Propomos recuperá-la com olhar atento às condições que conduziram à sua elaboração. Deter-nos-emos ainda ao chamado “Plano de conservação, valorização e desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, elaborado pelo Centro de Desenvolvimento Urbano da FJP, em 1975. Tal Plano inaugura a lida da instituição com a temática do patrimônio cultural. Havia questões que os órgãos federal e estadual de proteção já não tinham mais condições de responder a contento, dada a especialização de seu corpo técnico. É nesse Plano que se estabelecem as primeiras diretrizes interventivas para a área do Vale dos Contos, já com o objetivo explícito de transformá-la em parque público municipal.

Palavras-chave: Ouro Preto, Vale dos Contos, Jorge Askar, Fundação João Pinheiro.

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VALEDOSCONTOSEMOUROPRETO:APROPOSTADEJORGEASKAREM1981KarolynaKoppke

Nosso objetivo, no presente artigo, consiste em recuperar proposta do arquiteto mineiro Jorge Abdo Askar para implantação de área pública de

lazer, através da requalificação urbanística e paisagística de fundo de vale, no centro da cidade de Ouro Preto. O esforço de retomada e análise dessa documentação, disponibilizada na biblioteca da Fundação João Pinheiro (FJP), encontra respaldo no entendimento da proposta menos como solução isolada e mais como produto de momento de densas transformações no campo das políticas de preservação do patrimônio no Brasil e, especificamente, nas Minas Gerais.

Nos anos 1960 e 1970, recebemos consulto-res internacionais, através de acordo de cooperação técnica entre a Diretoria do Patrimônio Histórico e Ar-tístico Nacional (DPHAN) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Dentre os especialistas contratados, estava o arquite-to e urbanista português Alfredo Evangelista Viana de Lima que, em seus relatórios sobre Ouro Preto, aponta, pela primeira vez, o interesse e a viabilidade de conver-são do chamado Vale dos Contos em parque público municipal. Essa diretriz será incorporada ao “Plano de conservação, valorização e desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, concebido pelo Centro de Desenvol-

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vimento Urbano (CDU), da FJP. Será justamente a partir das indicações desse plano diretor que Askar pro-porá o chamado Parque José Tarquínio de Oliveira Barbosa1.

Este trabalho está vinculado a dissertação de mestrado, que tem por objetivo a análise das relações entre as dimensões pública e privada na zona do Vale, a partir da implantação do projeto de “Recuperação e tratamento paisagístico do Horto Botânico e Vale dos Contos”, executado no âmbito do Programa Monumenta e inaugurado no ano de 20082. O conjunto está localizado entre os bairros do Centro e Pilar, na origem mesma do núcleo urbano ouro-pretano.

O Horto consiste na reminiscência do que configurara o segundo jardim botânico da América Portuguesa, inaugurado em 1799 e resultante da política ilustrada em voga na metrópole àquela altura. O Vale é remanescente da configuração morfológica típica do urbanismo colonial português: consiste em centro de quadra bem definido, para onde estão voltados os fundos de lotes, com seus quintais, jardins e hortas erguidos sobre socalcos. A consolidação de seu caráter público é solução declarada de controle da qualidade da paisagem, ameaçada por construções e acréscimos irregulares e pelo mau tratamento dos quintais e fachadas de fundos dos imóveis periféricos.

É com o mesmo objetivo que se materializa a proposta de Askar. Este artigo organiza-se em três seções: breve estudo sobre as políticas de preservação patrimonial em território brasileiro nos anos de 1970; caracterização do Plano da FJP para Ouro Preto e Mariana, com ênfase nas questões da paisagem; e exposição do projeto de Jorge Askar.

ASPOLÍTICASDEPRESERVAÇÃODOPATRIMÔNIONOBRASILDOSANOSDE1970

Alcançávamos os anos de 1970 mergulhados em processo radical e irreversível de urbanização, provocado pelo crescimento exponencial da indústria nas décadas anteriores. A atividade atraía, para alguns poucos centros urbanos localizados no Centro-Sul do país, contingente populacional de grande monta. Empobrecia-se ainda mais, em decorrência, o já desprivilegiado Nordeste e esvaziavam-se os já parcamente ocupados territórios do Norte e Centro-Oeste.

Com vistas a estabelecer soluções a problemas como a concentração do capital e de seus meios de produção e a metropolização, o governo militar atuará fortemente na institucionalização do planejamento urbano e regional no país. O contexto era, em verdade, de reorganização e profissionalização de todo o mecanismo público gestor, sob discurso de viés desenvolvimentista e tecnocrático. Nesse processo, tinha destaque a temática da redistribuição de renda como estratégia de integração nacional.

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Faz sentido portanto que observemos no mesmo momento empenho da DPHAN em recorrer à UNESCO para trazer consultores estrangeiros ao país. A preservação de cidades e núcleos antigos levantava novas demandas, inseparáveis já das operações de planejamento urbano. Recordemos ainda a transição por que passava o órgão com a saída da presidência, em 1967 e após trinta anos, de Rodrigo Mello Franco de Andrade, conjugada com a ascensão de Renato Soeiro. A chamada “fase heroica” dava lugar à “fase moderna” na história da entidade (FONSECA, 1997).

Consolidavam-se iniciativas paralelas àquelas do órgão central de preservação. O Programa de Cidades Históricas (PCH), por exemplo, administrado pelo Ministério do Planejamento e Coordenação Geral (Miniplan)3, terá como premissa exatamente a discussão entre preservação patrimonial e desenvolvimento econômico de regiões tradicionalmente marginalizadas. É coerente então a concepção do Programa para implantação exclusiva em cidades nordestinas, restrição mantida entre 1973, ano de seu lançamento, e 1977, quando, porque bem sucedido, se expande para os estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais.

Dois anos mais tarde, ele será incorporado à estrutura do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)4. O momento é de reformulação interna da instituição, que reconhecia a necessidade de revisar o arcabouço operacional e conceitual instituído pelo que Mariza Santos denominou “Academia SPHAN” (1992). Desmembra-se então o Instituto, no ano de 1979, no sistema Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Fundação Nacional pró-Memória. (SPHAN/FNpM)5.

Articulação entre urbanismo e patrimônio será assunto abordado também no “1o Encontro de governadores de Estado, secretários estaduais da área cultural, prefeitos de municípios interessados, presidentes e representações de instituições culturais” (Brasília, 1970) e do “II Encontro dos governadores para preservação do patrimônio histórico, artístico, arqueológico e natural do Brasil” (Salvador, 1971), de que resultaram, respectivamente, o “Compromisso de Brasília” e o “Compromisso de Salvador”. Organizados pelo DPHAN e pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), os eventos eram conduzidos por anseio de descentralização das decisões no campo não apenas da preservação do patrimônio mas da cultura, de modo geral. Compunha-se o embrião de um sistema nacional de cultura, o que deflagraria na criação de Ministério específico em 1985.

Dentre as ações derivadas do 1o Encontro e registradas nos anais do II, convém mencionar, dado seu explícito interesse a esta pesquisa, o projeto de criação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG), concretizado em novembro de 1971. Resulta ainda do evento a conformação do Serviço do Patrimônio Municipal de Ouro Preto, adotadas, em simultâneo, as normas

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gerais postas nos relatórios de Viana de Lima (IPHAN, 1973), através do Decreto nº 18, de 7 de outubro de 1971, editado pela Prefeitura Municipal de Ouro Preto (PMOP).

Tornemos, porém, ao campo restrito do planejamento urbano e regional: obtiveram protagonismo, nessa conjuntura, órgãos como o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU). Sua fundação, em 1964, é representativa da incorporação, à máquina pública, dos debates sobre as problemáticas de cidades e regiões. Trabalhava-se sob a concepção dos chamados planos de desenvolvimento integrados, que propunham a articulação das propostas em diferentes escalas e sua condução sob viés multidisciplinar.

Deriva desse contexto a própria constituição da Fundação João Pinheiro que, emersa em princípios dos anos de 1970, vai, paulatinamente, assumir a dianteira nas ações de planejamento urbano em Minas Gerais. Sua atuação transitava pelos setores da Administração, Economia, Tecnologia e Urbanismo e alguns de seus profissionais haviam integrado os quadros técnicos do SERFHAU.

O Centro de Desenvolvimento Urbano (CDU), criado em 1973, é a seção da Fundação dedicada a executar planos urbanos locais e regionais. É exatamente a partir do “Plano de valorização, conservação e desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana” (1975) que o CDU inaugurará sua vasta atuação em trabalhos de levantamento, catalogação e proposições no âmbito da conservação urbana para cidades antigas em Minas Gerais. Destacam-se projetos ambiciosos, pela grande quantidade de municípios que envolviam, como o “Circuito do Ouro” e “Cidades Históricas do Alto Jequitinhonha”, ambos do mesmo ano do Plano. (RAMALHO, 2015)

OPLANOPARAOUROPRETOEMARIANAESEUSCRITÉRIOSDECLASSIFICAÇÃODAPAISAGEM

Em maio de 1973, é celebrado convênio para elaboração de plano diretor para as cidades de Ouro Preto e Mariana. As entidades envolvidas são o IPHAN, o IEPHA-MG e as administrações dos dois municípios. O valor estabelecido é de Cr$3.2 milhões, contando com suporte da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).

Os trabalhos foram executados pelo CDU da FJP, entre os meses de dezembro de 1973 e janeiro de 1975. A equipe responsável tinha caráter multidisciplinar, incluindo aproximadamente 130 pessoas, entre técnicos permanentes da Fundação e de participação esporádica, apoio administrativo, estagiários e consultores nacionais e internacionais. Dentre estes, estavam nomes como Ivo Porto de Menezes, Viana de Lima e Roberto Burle Marx. A coordenação das atividades ficou a cargo do urbanista Rodrigo Andrade, sociólogo e técnico em administração pública, com passagem pelo SERFHAU.

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A amplitude do “Plano de conservação, valorização e desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana” era então inédita no contexto de cidades antigas no Brasil. Os desafios que à altura vinham à tona, no que concerne a Ouro Preto, relacionavam-se, sobretudo, ao crescimento desordenado nas periferias e, ainda mais grave, a intervenções inadequadas no cerne do núcleo colonial. Tal expansão resultava da demanda por novas áreas de moradia e do conjunto de serviços que acompanha essa função. Provocava-a a arrancada industrial da década de 1950, decorrente da exploração do alumínio. Era capital, portanto, a incorporação de outros valores que não apenas os estéticos e históricos nos critérios e métodos de operação naquelas cidades. Despontavam elementos de ordem econômica e social, institucional-administrativa e de infraestrutura urbana. É justamente esse hiato no aparato interventivo tanto do IPHAN quanto do IEPHA-MG que os técnicos da FJP vêm preencher.

No âmbito desta pesquisa, tomamos para análise o relatório-síntese do Plano, organizado em duas seções: diagnóstico e proposições. Estudamos ainda a documentação que trata especificamente das características do lazer na região de Ouro Preto e Mariana e, por fim, a Unidade de Proposição no 19, em que consta o anteprojeto para implantação de parque urbano público na área do Vale dos Contos.

A fase de diagnóstico traduziu-se em levantamento criterioso e pormenorizado dos aspectos histórico-documental, físico-territorial, infraestrutural, econômico, social e institucional-administrativo. Considerados os dados, caminha a interpretação no sentido de tratar Ouro Preto, Saramenha – bairro que acolhe a expansão industrial -, Mariana e Passagem de Mariana – entre os dois núcleos principais - como sistema interurbano, de maneira que usos e funções fossem complementares entre os distintos núcleos. Passagem, mote do projeto, constituiria zona de escape, desenvolvimento e expansão, resposta encontrada às pressões antrópicas ameaçadoras da preservação do legado cultural ouro-pretano e marianense.

De fato, os limites centrais de Ouro Preto, mais ou menos correspondentes à área de concentração dos monumentos considerados tradicionalmente mais relevantes em termos estéticos e históricos, classificavam-se como “Zona de Estrutura Consolidada”. Nela, as transformações funcionais não eram acompanhadas por renovação física, mesmo que ali se estabelecesse a maior parte das novas instalações comerciais. Consta do Plano: “E se, por um lado, a construção de novas residências, com raras exceções, deixa a salvo o centro histórico, o movimento crescente de adaptação de edificações para usos comerciais, se descontrolado, pode contribuir para descaracterizá-lo.” (FJP, 1975b, p. 19)

Para a mencionada Zona e trechos de seu entorno imediato, integrantes da chamada “Zona de Transformação Estrutural”, nenhuma nova edificação seria desejável, estimuladas apenas as atividades

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ligadas à cultura e ao lazer, além daquelas de suporte ao turismo. Estavam então restritas as proposições a ações de restauração e recomposição paisagística.

Concentremo-nos neste segundo tema. Para determinar a prioridade de tratamento dos espaços urbanos tomando por referência sua importância paisagística, o Plano concebe sistema classificativo assentado em equação matemática simples. Sua estruturação dá-se a partir dos distintos valores, extrínsecos e intrínsecos, relativos aos sítios. Determina-se o valor final (Va) de relevância paisagística de um espaço urbano como a soma de seu valor de observação (Vo) e seu valor intrínseco (Vi), multiplicada por variável k referente a seu nível de descaracterização.

Nesse sistema, temos que Vo será o valor dado a cada área, considerada como ponto de observação mais ou menos privilegiado em relação às demais. Resultará do somatório das parcelas V1, V2 e V3, que correspondem, respectivamente, ao valor que toma cada local de observação quando considerada sua maior ou menor proximidade aos equipamentos de serviços básicos; à avaliação do sítio por localizar-se em percurso indicado ou decorrente de indicações nos guias turísticos à época mais utilizados: “Guia Quatro Rodas do Brasil” e “Guia de Ouro Preto”, de Manoel Bandeira6; e ao exame do ponto de observação em relação à hierarquia urbana.Vi, por sua vez, será o valor atribuído a cada espaço urbano em função de seu interesse cultural (Vc) e de uso (Vu).

Dentre os 135 espaços urbanos considerados, temos que o perímetro do Vale dos Contos ocupará o décimo quinto lugar na lista de prioridades. Seu valor de observação é de 327,2 pontos. Não há valor intrínseco. K equivale a 1,5, dado estar a área sujeita a processo de destruição a médio ou longo prazo. Tomando a fórmula Va=(∑Vo+Vi)k, temos que Va=490,8 pontos.

Os diversos largos, ruas e becos são agrupados em conjuntos, a serem tratados como Unidades de Proposição (UPs), que recebem o valor final resultante da soma dos valores correspondentes a suas subdivisões.7 Assim, teremos a Unidade de Proposição no19 (UP 19), denominada “Córrego de Ouro Preto, abaixo da Ponte dos Contos”. (Il. 1).

Será elaborado anteprojeto para a UP 19, de autoria do arquiteto Reinaldo Guedes Machado. A partir do relatório “O lazer em Ouro Preto e Mariana” (FJP, 1975a), constituinte do Plano, fica patente a carência da população ouro-pretana por equipamentos do gênero. A metodologia adotada, que abarca, dentre outros, levantamento in loco e pesquisa domiciliar socioeconômica por amostragem, revela consensualmente a necessidade, em Ouro Preto, de maior oferta de espaços recreacionais, áreas livres, praças e jardins.

Estava então plenamente justificada a requalificação de trecho subutilizado, em bairros centrais do município, sujeito a graves condições ambientais e à presença de edificações irregulares. Como diretriz

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Il. 1 – UP 19 – Anteprojeto de tratamento paisagístico para o Córrego do Ouro Preto. A legenda indica, de cima para baixo e da direita para a esquerda: vegetação densa de porte médio; macaúba; equipamento esportivo; vegetação baixa – jardins

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geral, temos que “A área deve funcionar primordialmente como jardim natural e local de repouso.” (FJP, 1975c, p. 29). São detalhadas intervenções em ruas perimetrais ao Vale: São José, do Pilar e Randolfo Bretas.

Não apenas a UP 19 mas o Plano, em sua totalidade, não foi implantado. Teixeira e Moraes (2013) indicam possíveis razões: falta de vontade política; desinteresse municipal em gerir o uso e a ocupação do solo; rivalidade histórica entre os municípios; falta de recursos financeiros e humanos. Ramalho (2015) acrescenta a ausência de participação popular; o fato de Passagem pertencer à Mariana, município que acabaria por receber tributação predial de crescimento oriundo também de Ouro Preto; e a questão de que a maior parte da área de Passagem era propriedade de empresa mineradora.

Em Ouro Preto, apesar do engavetamento das propostas pelo Executivo municipal, suas determinações influenciaram a concepção de leis, como as definidoras da Zona de Proteção do Município, o Plano Rodoviário Municipal e as normas para legalização da ocupação de terrenos. De todo modo, [o Plano] pode ser encarado como um retrato de sua época [...] também por se tratar de um produto que carrega em seu bojo a concepção de planejamento urbano compreensivo de viés tecnocrático, vigente na década de 1970. (TEIXEIRA; MORAES, 2013, p. 14).

OPARQUEJOSÉTARQUÍNIOBARBOSADEOLIVEIRAAs diretrizes apontadas para a UP 19 pelo Plano da Fundação João Pinheiro serão retomadas

e aperfeiçoadas pelo arquiteto Jorge Abdo Askar em projeto de 1981. Askar era doutor em Restauro de Monumentos e Centros Históricos pela Universidade de Roma “La Sapienza” e mestre em Estruturas Ambientais Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Foi pesquisador em Ciência e Tecnologia pela FJP, desde a década de 1980, e encerrou sua trajetória profissional no IEPHA-MG. (CARDOSO, 2014, p. 7)

O trabalho deriva de convênio celebrado em dezembro de 1978 entre a FJP e o IEPHA-MG, cujo objetivo era que a Fundação elaborasse projetos de restauração de monumentos históricos no estado. A FJP recebera ainda suporte do acordo estabelecido entre o SPHAN, a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e a PMOP, o chamado “Projeto Ouro Preto” . Além de Askar, a equipe compunha-se por vasta lista de colaboradores e tinha como consultores a botânica Maria Aparecida Zurlo e os arquitetos Carlos Fernando de Moura Delphim e Mario Berti.

Definiam-se como intenções primordiais, dentre outras, o reequilíbrio biofísico da área; a preservação e manutenção do meio ambiente; a minimização da carência da população local

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por equipamentos de lazer e áreas livres gramadas, tomando por base a pesquisa socioeconômica empreendida no Plano da FJP; e o controle da progressiva devastação de espécies. A intervenção teria ainda a incumbência de promover a recuperação da paisagem urbana ao permitir maior vigilância sobre o sítio e, consequentemente, sobre os fundos dos imóveis perimetrais. É evidente no trabalho de Askar o anseio por conjugar as ações de requalificação do Vale com a ambiência estabelecida a partir dos tradicionais jardins e pomares cultivados nos quintais dos imóveis periféricos, típicos da forma urbana colonial portuguesa.

Para conhecer essas edificações em profundidade e definir o perímetro do equipamento público a implantar, foram recuperadas 41 escrituras das 73 correspondentes ao número total de construções no entorno imediato. Em entrevista, o arquiteto Eduardo Tagliaferri (2016), colaborador no plano, relembra que Askar, batia à porta de cada edifício e conversava com os proprietários, solicitando a documentação de posse e inspecionando as condições de conservação do imóvel.

Contribuição da maior relevância, nessa empreitada de Jorge Askar, foi portanto o esforço de compreensão da dinâmica do Vale, através do exame atento daqueles edifícios. Além de vasto registro fotográfico e descritivo, o arquiteto determina soluções interventivas, de menor ou maior escala, estendendo-as às áreas internas sempre que o imóvel estivesse em estado de grande precariedade .

O procedimento minucioso se repete para a quase totalidade das edificações do conjunto, envolvendo, via de regra, elementos arquitetônicos como esquadrias e coberturas ou materiais de acabamento e revestimentos. Quadro resumo organiza os imóveis pelas ruas em que se localizam, determinando-se quantos deles deveriam passar por restauração completa, reformas ou pequenas substituições. Apesar do rigor com que se conduzem as atividades, não há menção sobre como se dariam as negociações com os proprietários, com vistas a viabilizar as intenções projetuais.

A atenção ao pormenor não se restringe às construções periféricas. Dentro do terreno de implantação do Parque, procede-se ao cadastro de toda a flora nativa e subespontânea. Resulta setorização indicativa das possibilidades de aproveitamento do sítio (Il. 2). A área próxima à Ponte dos Contos (S1) caracterizava-se pela presença de afloramento rochoso e escadas. Nesse trecho, cascata e arco sob a Ponte são os elementos de maior relevância. O segundo setor (S2) compõe-se por vegetação herbácea densa, com possibilidade de alagamento e, portanto, imprestável à implantação de caminhos ou equipamentos. S3 distingue-se como zona pouco acidentada, com presença de vegetação rasteira e arbustiva formada por distintas espécies de flores, cultivada por moradora local. Sugere-se seu tratamento paisagístico detalhado com intensificação dos elementos florais. Em S4, temos espécies arbóreas e trepadeiras, concentradas nas encostas mais empinadas.

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Il. 2 – Setorização por tipos de vegetação existente. Na legenda, de cima para baixo, S1 – afloramento rochoso; S2 – vegetação herbácea densa; S3 – vegetação rasteira e arbustiva; S4 – vegetação arbórea densa; área de inundação. Fonte: FJP, 1981, não paginado. Cores acrescentadas pela autora. Fonte: FJP, 1981, não paginado. Cores acrescentadas pela autora..

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Askar formula e testa in loco metodologia de intervenção paisagística. Operário da Secretaria de Obras da Prefeitura Municipal de Ouro Preto, sob orientação de arquiteto do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, delimita, valendo-se de estacas de bambu unidas por cordas, as zonas a tratar. Especificam-se as espécies a podar e a eliminar. O teste aponta para a imprescindibilidade do acompanhamento permanente de paisagista para solução dos problemas, caso a caso, no próprio sítio. Como premissa comum, no entanto, colocava-se a manutenção da cobertura vegetal autóctone, com introdução de novas espécies sempre que fosse necessário atender a quesitos específicos, como a floração perene e a proteção de vertentes.

Propõe-se assim máximo aproveitamento do suporte físico existente. De fato, consta no volume propositivo a incoerência da criação de zonas rígidas, capazes de tolher a liberdade dos frequentadores em criar trajetos e espacialidades. Aponta o trabalho que os quintais das cidades mineiras do Brasil Colônia, cujo programa básico compunha-se por horta, pomar e jardins quase naturais, configuravam conjuntos de maior riqueza que jardins projetados. Era esse o espírito que o projeto desejava manter e estimular. As crianças, por exemplo, desenvolveriam seus próprios equipamentos de lazer, em substituição aos brinquedos programados. Complementa-se: “Será evitado o ‘pastiche’, o compromisso turístico, o equívoco na recuperação do existente, feito hoje para parecer antigo amanhã.” (FJP, 1981, não paginado).

Apresentados os fundamentos conceituais, segue enfim o documento para as treze propostas de ambientação paisagística, que constituem, efetivamente, as estratégias interventivas. Para cada uma das propostas, determinam-se os procedimentos a executar atendendo aos aspectos distributivos e funcionais das distintas zonas do Parque. Destaquemos as de maior relevância:

1. Faixa de palmáceas. A primeira proposição refere-se ao perímetro do Parque, determinado pelas construções lindeiras. Indica-se, nessa extensão, o plantio de palmáceas. Intenta-se a valorização de porões, arrimos, pilotis e muros em alvenaria de pedra seca, bem como o ocultamento de volumes edificados comprometedores da unidade da paisagem.

2. Jardim floral. Cultivado com finalidade de ornamentação da Igreja do Pilar e das ruas, quando da procissão do Domingo de Páscoa, determina-se a manutenção das plantas, submetidas porém a regime formal. Acrescentar-se-iam novas espécies, como lírios, palmas, amarílis, antúrios e papoulas, para que houvesse floração ao longo de todo o ano.

3. Pomar existente. Localiza-se ao lado do campo de futebol, à margem oposta do Córrego do Ouro Preto. Trata-se de massificação arbórea, espraiada até os fundos das casas adjacentes. Conformam-

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no espécies frutíferas e plantas corriqueiras em pomares antigos, como mangueira, abacateiro, cafeeiro, jaboticabeira, coqueirinho, cedro, jacarandá mimoso. Propõe-se a inserção de árvores de médio e grande porte: ipê, mulungu, cássia, imbaúba, magnólia, pitangueira etc.

4. Paineiras. Formação de massa arbórea junto a acesso por beco no bairro do Pilar. A intenção é criar anteparo ou barreira visual para impedir o desvendamento total do Parque logo à sua entrada. Empregar-se-iam espécies como paineiras e quaresmeiras.

5. Ingá. Massa arbórea contígua à anterior, porém de menor porte. Seriam utilizados, dentre outros, ingás, marianeiras e espécies do gênero Datura.

6. Entrada do Pilar. Proceder-se-ia à correção do aspecto visual negativo proveniente de escadaria de concreto, tubulação de esgoto aparente e muros de arrimo também em concreto. Estes últimos seriam camuflados por hera unha-de-gato e Cestrum nocturnum. As escadas seriam revestidas em pedra. Ocultar-se-iam as manilhas, através de muros de pedras com junta seca. O caminho em terra batida receberia trabalho de nivelamento e recobrimento com pedras irregulares.

7. Campos polivalentes. Especifica-se a implantação de sebe, com árvores de grande porte, para a criação de barreira sonora com vistas a amenizar a perturbação da vizinhança pelos ruídos vindos dos campos. O primeiro deles, próximo às ruínas, receberia pavimentação em cimento comum. O segundo teria a superfície forrada com grama. Seriam também recuperados seus acessos.

8. Limites da área. Não seriam erguidos muros que interferissem negativamente na paisagem. A revitalização dos quintais, com hortas e pomares, seria incentivada, de maneira que se comportassem visualmente como zonas de transição entre o Parque e os edifícios do entorno. São especificadas quatro tipologias de muros para cercamento dos quintais.

9. Propostas por setores. Retoma-se aqui a subdivisão do terreno em setores, recurso de sistematização das informações coletadas quando das atividades de levantamento. Tem destaque a indicação do local onde seria construída a administração do Parque, os vestiários e sanitários públicos. Define-se também o aproveitamento de caminhos existentes improvisados, então escondidos pela vegetação. Formar-se-ia rede de trilhas, permitindo acesso aos fundos das edificações e comunicação com o caminho principal, eixo entre o bairro do Pilar e a Praça Reinaldo Alves de Brito.

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10. Circulação principal. Obedeceria, aproximadamente, ao traçado original em terra batida existente. Receberia assentamento em pedras com argamassa de cimento. Em determinados trechos, suas dimensões seriam alargadas, originando zonas de estar destinadas ao lazer contemplativo ou infantil. Nelas, distribui-se mobiliário básico, como bancos de pedra, caixas de areia e peças de sucata para montagem pelas próprias crianças.

Il. 3 e 4 – Proposições. Acima, as linhas de chamada indicam, da esquerda para a direita, “entrada do Pilar” e “faixa de palmáceas”. Abaixo, na mesma sequência, temos “jardim floral”; “pomar existente”; “vestiários, administração, i. s. p/ público”; “campo polivalente nas ruínas”; e “paineiras”.Fonte: FJP, 1981, não paginado.

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Complementam o projeto informações de ordens variadas, como a listagem das espécies empregadas; aspectos legislativos; relatórios de inspeção às obras nas construções do entorno; análise da qualidade da água do Córrego dos Contos; projeto de escoamento sanitário e pluvial; fotografias da antiga fonte da Casa do Pilar; quadro de floração das espécies, dentre outras.

CONSIDERAÇÕESFINAISNão encontramos registros sobre o porquê de não se ter implantado o projeto de Askar mas, assim

como o plano que o precede e origina, supomos não ter encontrado conjuntura política suficientemente articulada para sua execução. Apesar da qualidade do trabalho, sobretudo no que diz respeito à leitura atenta e precisa do entorno edificado do Vale, suas premissas também não chegaram a ser retomadas pelo projeto que o sucede, já no âmbito do Programa Monumenta.

De fato, o caderno que contém o extenso relatório do arquiteto mineiro é pouco conhecido. Nosso esforço aqui é de recuperá-lo, entendendo-o como produto de seu tempo. O momento era, como vimos, de novas possibilidades no campo da preservação do patrimônio, que deixava de ser atribuição exclusiva do órgão federal. O entendimento de que conservação e planejamento urbano deveriam caminhar sincronicamente, bem como a emersão de novas temáticas, como aquela ambiental, exigiam a participação de profissionais de outros campos do saber. Eis aí o papel crucial e pioneiro exercido pela Fundação João Pinheiro e seu Centro de Desenvolvimento Urbano.

O que Askar propõe, com cuidado e delicadeza ímpares, são a recuperação e abertura a uso público de miolo de quadra subutilizado e gravemente degradado em pleno centro de cidade antes intocável. E ele o faz percebendo algo que o projeto posterior não chega a contemplar: os antigos jardins e pomares privados só podem ser entendidos, de fato, como elementos de transição entre a nova área pública e os imóveis a que pertencem. Eles seriam, inequivocamente, parte integrante da novidade proposta. Não haveria Parque sem sua efetiva recuperação, o que exigiria, é certo, negociação com os proprietários. E mais: pelo caráter do Vale dos Contos, sujeito aos arranjos e improvisações dos moradores do entorno desde sua gênese, não poderia ser outra a premissa interventiva que a valorização mesma desse improviso e o consequente afrouxamento do modo de operar, deixando aspectos a definir pelos próprios usuários.

Askar soube, com maestria, ser rígido, na leitura pormenorizada das fachadas traseiras, por exemplo, e leve, ao incorporar à sua prática o que estava latente ali no sítio. Lamentemos o esquecimento e desconsideração de seu projeto - como tem sido, aliás, muito comum na administração pública brasileira - quando da retomada do tema nos anos 2000.

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NOTAS1 O nome do Parque é sugestão do arquiteto para homenagear, in memoriam, o historiador José Tarquínio de Oliveira

Barbosa, exímio estudioso do Ciclo do Ouro nas Minas Gerais e organizador do mais importante arquivo fazendário do Brasil Colonial. (FJP, 1981)

2 Pesquisa desenvolvida sob a orientação do professor Leonardo Barci Castriota e através de financiamento da CAPES.3 Em 1974, quando da alçada de Ernesto Geisel ao poder, o Miniplan será transformado em Secretaria de Planejamento

da Presidência da República (Seplan/PR), aspecto que confere ao órgão maiores poder e autonomia.4 O PCH financiou 193 projetos ao longo de seus dez anos de duração. Dez deles consistiam em intervenções em

conjuntos urbanos e 15 eram planos urbanísticos e de desenvolvimento urbano. Poucos, no entanto, foram efetivamente implementados, tanto pela má articulação com as instâncias de governo locais quanto pela ausência de legislação que obrigasse à sua execução. (SANT’ANNA, 1998).

5 Em 1979, Aloísio Magalhães é nomeado Presidente da instituição e traz consigo sua experiência à frente do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), incluindo nas reflexões sobre o modo de operar do órgão matérias como a participação comunitária e seus aspectos simbólicos e identitários. O sistema SPHAN/FNpM permanecerá até o ano de 1990.

6 O Guia Quatro Rodas foi um grupo de guias rodoviários brasileiros publicados pela Editora Abril entre os anos de 1965 e 2015. A referência do segundo título mencionado é BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro: SPHAN, 1938.

7 Diretrizes dos projetos paisagísticos: “Em cada projeto, procurou-se interferir o mínimo possível com as formas resultantes da evolução histórica da cidade, quer em relação à arquitetura, quer em relação ao traçado urbano; cada projeto teve como objetivo valorizar as características intrínsecas ao local para o qual se destinava, bem como atender às solicitações de uso da população local e turística; em projetos de jardins, parques e similares, procurou-se valorizar a flora local, pela utilização quase exclusiva de espécies de ocorrência espontânea na região; comparam-se, cuidadosamente, em cada caso, as vantagens e dificuldades da substituição, modificação ou eliminação de elementos nitidamente resultantes das técnicas modernas de construção.” (FJP, 1975b, p. 60)

8 Sua tese, intitulada Studio di Restauro e Sistemazione del Palazzo Santa Croce poi Altieri in Oriolo Romano, foi defendida no ano de 1978.

9 Convênio vigente entre os anos de 1979 e 1981, assinado após fortes chuvas que assolaram a cidade no início daquele ano. Seu objetivo consistia em preservar, restaurar e revitalizar culturalmente a cidade. (BOLETIM..., 1980). Relembremos a inclusão de Ouro Preto na Lista do Patrimônio Mundial, da UNESCO, em 1980, fato que, necessariamente, tornava a cidade objeto de maior atenção e cuidado. O procedimento é minucioso. Tomemos por exemplo o que se estabelece para edificação situada à Rua São José, nos 129, 131, 139, 143 e 147: “Trata-se de um dos piores edifícios do conjunto. Embora de construção moderna, encontra-se a fachada posterior em péssimo estado de conservação. O pavimento inferior ao nível da rua é destinado a depósito e aluguel de dependências que não atendem atualmente aos requisitos mínimos de habitabilidade. O pavimento térreo é utilizado como restaurante

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e comércio, sendo que o sistema de exaustores da cozinha do bar despeja na fachada grande quantidade de óleos e gorduras.Na reforma deverão ser colocadas molduras em todas as janelas, divisão vertical com uma peça de madeira naqueles vãos em que predomina a dimensão horizontal, beiral com largura mínima de 1.00m em toda a extensão da fachada posterior (11,00m aproximadamente), chaminé de exaustão para o bar e pintura.” (FJP, 1981, não paginado).

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O jardim público e a arborização urbana de Salvador, Bahia, surgem quando as questões da salubridade e da sociabilidade tornaram-se alvo de inquietações das autoridades soteropolitanas, no Período Colonial, sob a influência do Iluminismo, quando as cidades passaram a contar com a presença da vegetação como um fator de requalificação do meio urbano. Este artigo traz notícias sobre o processo de expansão urbana ocorrida no Distrito da Vitória, a partir dos tratados comerciais entre Portugal e Inglaterra (1810), quando, nos arredores do Forte de São Pedro, foram implantados o Horto Botânico, o Passeio Público e o Campo Grande de São Pedro, locais representativos e historicamente reconhecidos como a gênese do Paisagismo Urbano na Bahia e a maior parte das suas referências foram retiradas dos resultados da pesquisa para a Dissertação de Mestrado de Maria Ângela Barreiros. Campo Grande de São Pedro e imediações: Origem do jardim público e da arborização urbana em Salvador da Bahia. 2015. Na Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

Palavras-chaves: Passeio Público de Salvador. Campo Grande de São Pedro. Arborização Pública. História do Paisagismo na Bahia.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

OPASSEIOPÚBLICOGUARDAUMAMEMÓRIACOMOORIGEMDOJARDIMPÚBLICOEDAARBORIZAÇÃOURBANAEMSALVADORDABAHIAMariaÂngelaBarreirosCardoso|ArildaMariaCardoso|MariaLuciaA.M.Carvalho

Salvador da Bahia é, em sua origem, uma cidade renascentista (1549). Projetada e construída sobre uma escarpa rochosa, teve, no entanto, seu

traçado assemelhado as fortalezas medievais, onde uma praça retangular centralizava as funções primordiais, (civil-militar-religiosa) de onde se ramificava a circulação viária de comunicação entre o comércio e a habitação1. Sua localização estratégica sobre a Baía de Todos-os-Santos constitui a peculiaridade da paisagem criada, Cidade Baixa-Cidade Alta, na integração com a natureza.

[...] a primeira preocupação com um “sítio sadio e de bons ares, e que tenha abastança de água e porto”, não por acaso é uma recomendação fundada na tradição europeia, que muito bem reflete algumas regras de VITRUVIO (séc.I a.C; 1955) e seus Dez livros de Arquitetura e talvez, ou até, do próprio Alberti (séc.XV;1966) e suas regras. (SAMPAIO, 1999, p:54).

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ACIDADESEEXPANDE,APAISAGEMSEALTERANo início do século XVIII, Salvador era sede do Vice-reinado de Portugal. A cidade se expandia na

direção da Freguesia de São Pedro Velho, segundo um processo de ocupação espontânea, demandando iniciativas administrativas de reforço e defesa das costas oceânicas, e o Forte de São Pedro foi construído como limite Sudoeste com relação à cidade e à Baía de Todos-os-Santos, o acesso principal para o porto marítimo.

Na ilustração 1, pode-se observar em (a) o núcleo urbano primitivo de Salvador, e, no detalhe ampliado (b), destaca-se a expansão da cidade em direção ao Forte de São Pedro. A função defensiva sobre esta região que se debruça sobre a encosta da Baía de Todos-os- Santos, demandou consideráveis obras de engenharia, movimentos de transporte e terraplenagem – parterre, que alterou o meio natural, causando a devastação da floresta atlântica primitiva - “Dríade”, para formar o campo raso e seco, o soterramento parcial do vale e o represamento de córregos e drenagens naturais, provocando dessa maneira algumas áreas de várzeas alagadiças. Baseado em princípios renascentistas, o Forte de São Pedro se constitui em um “monumento” em seu contexto ideológico defensivo (século XVIII), com sua muralha de isolamento – paries, que, no século XIX se torna uma mediação – apertio, com o meio rural (ALBERTI, 1452). É baseado nesta análise do processo de transformação urbana que se obteve uma base segura sobre o limite Sudoeste da Cidade do Salvador em seu sítio, considerando o Forte de São Pedro, como um elemento da cidade colonial portuguesa, sendo as áreas em redor entendidas como a mediação entre o centro tradicional do século XVI e a expansão que ocorre nos séculos seguintes e que dá origem à cidade moderna no século XIX.

APAISAGEMSEADEQUAAOSIDEAISDACIÊNCIAMODERNASegundo a percepção geográfica naturalista, a cidade é observada através da paisagem em seu

processo de transformação (natural - cultural), como um instrumento de manejo e adequações do espaço criado (função e forma), sob a luz da ciência; no Mapa de Frézier, a cidade tem a conformação militar, entretanto, a natureza se destaca nas informações sobre o contexto da paisagem e sua morfologia em compartimentos (morros verdejantes, vales irrigados), elementos que constam do levantamento altimétrico (Profil, Prospecto) e se mostram importantes também quanto a função defensiva.

A partir dos levantamentos mapeados e de interesses exploratórios (defensivo, comercial), o Governo da Capitania e a Câmara do Senado (1726) adquirem conhecimento sobre as problemas ambientais e geração de conflitos, tais como desmoronamentos de encostas, surtos epidêmicos, sujidades, entre outras, razões dificultosas para desenvolvimento e progresso da cidade. Em conjunto, timidamente

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Ocupação de Salvador no século XVIII Conformação

Conjunto defensivo I

Dique grande

Aflitos

Ligação entre planos

Forte São Pedro

Gamboa Encosta

Il. 1a – Mapa- Amédée François Frézier (1714).Fonte: Frézier (1714), apud REIS et al.,2000).

Il. 1b – Detalhe do Mapa- Amédée François Frézier (1714).Fonte: Frézier (1714), apud REIS et al.,2000).

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pronunciam medidas mitigadoras, através de posturas para o manejo do solo (aclive, declive), apropriações urbanas (parcelamento, alinhamento, dimensionamento) e seus efeitos (estético, higiênico) com relação à paisagem e sua impressão para o mundo civilizado.

É nesse período da história de Salvador que se pretende situar a ‘passagem’ da cultura arcaica portuguesa para uma nova cultura que se inspira na vida ao ar livre, na fragrância das flores, no sombreamento das árvores, atributos que permeiam os ideais de salubridade, quando o Forte de São Pedro se tornou um elemento mediador entre a cidade tradicional e a cidade salubre, arejada. A presença da vegetação nas ruas e praças da colônia ocorreu no século XIX, após a transmigração da corte portuguesa (1808)3 que se considera o estímulo para a ‘reintrodução’ da vegetação na paisagem urbana: A chegada da Familia real ao Brasil estimulou uma nova sensibilidade à natureza e uma nova mentalidade na arte do Paisagismo (TERRA, 1997, p:42).

O Príncipe Regente D. João VI era um adepto da política expansionista, incentivador da exploração dos recursos naturais e um fomentador da Botânica e da fisiocracia, estimulado pelo naturalista Domenico Vandelli, à criação de Hortos Botânicos no Brasil, com objetivos agrícolas, científicos e econômicos, para cultivar “plantas indígenas” – nativas (Matas Reais), e exóticas, procedentes dos Hortos interligados, em função da reprodução das espécies e de suprimento para o Jardim Botânico Real da Ajuda, em Portugal. Uma série de Cartas Régias foram emitidas pela Rainha D.Maria I (1777-1792), e Salvador foi contemplada com um locus- para implantação do seu Horto, segundo o modelo do Horto Botânico do Pará (1776).

Vale ressaltar que, durante o periodo de estadia da Corte Real, o aspecto insalubre de Salvador, foi impactante para os visitantes, por isso, as autoridades locais se esforçaram por adotar novas medidas de reparação, buscando inspirações em Lisboa, Rio de Janeiro e Belém do Pará, onde as iniciativas paisagisticas resultaram em melhor qualidade daquelas cidades. D. João VI visitou o Forte de São Pedro, reconhecendo nas proximidades, o local adequado para o Horto Botânico (acessibilidade, aclimatação, fertilidade), solicitando, do Conde de Linhares4 (1797) e do Marquês de Aguiar5, esforços para incrementar as ciências naturais na costa atlântica da Bahia, devido à sua biodiversidade, estrutura administrativa, e pela existência de um porto escoador da produção e comercialização entre o Recôncavo, o Sertão e a Europa.

OHORTOBOTÂNICODESALVADORO Horto de Salvador foi uma instituição pública compartilhada entre o Governo da Capitania e

as autoridades médicas da cidade, organizada nos princípios da fisiocracia e da salubridade, e coordenada pelo médico Inácio Ferreira da Câmara Bittencourt6. Foi instalado nas proximidades do Forte e da Fonte

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Il. 2 – paisagística de Salvador, século XVIII - “Topográfica da Cidade Capital de S. Salvador, Bahia de Todos os Santos huma das mais famozas do Reino de Portugal, cituada aos 13 gr.os de Latitude ao Sul, e 346, e 36 de Longitude, onde tanbem se vê o restante do grande Dique, que servia de fôsso aquatico a huma trincheira, com q’. antigam.te foi defendida esta Cidade p.la parte interior de q’ ainda se observaõ fragm.tos e estê m.to diminuido, naõ só na sua maior extençaõ q’ comprehendia tôda Cid.e, mas tanbem na menor, p.al o centro della pela terem uzurpado os m.tos entulhos, e hortas, que a circundaõ/Joaquim Vieira da Silva Ajud.e Eng.o 1798.” (legenda do mapa) Original manuscrito da Direcção dos Serviços de Engenharia – Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar, Lisboa.Fonte: APEB- Arquivo Publico do Estado da Bahia; adaptado pela autora (2015).

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de São Pedro, na [...] roça adiante do campo de São Pedro, no caminho que vai para a Vitória (PEREIRA, 2013), onde havia possibilidade de acesso e de abastecimento de água. Um processo demorado, pois “[...] o terreno adquirido junto ao Forte de São Pedro descansou (de 1803 a 1810), até a administração do Governador Marcos de Noronha e Brito, Conde dos Arcos7 (SEGAWA, 1996, p:122), devido os tramites da desapropriação da chácara do Coronel Caetano Maurício Machado, incluindo a vegetação existente como um “ativo” imobilizado da propriedade que foi avaliada, naquela época, em $2.434.360 contos de réis (apud PEREIRA, 2013, p:303)8 .

Assim, o conjunto arbóreo avaliado em 1803 e adquirido pela coroa portuguesa, foi incorporado a uma instituição pública do governo da Bahia. Considera-se que essa vegetação, após a devida expropriação, passou a compor o elenco das primeiras árvores e palmeiras a existir no espaço público de Salvador. Entre os produtos mercantilizados no Porto de Salvador, as espécies arbóreas eram muito cobiçadas devido ao seu valor utilitário: alimentício, farmacêutico, paisagístico e estético tanto as espécies nativas (Licania tomentosa‐oitizeiro), (Psidium variabile‐araçazeiro), (Genipa infudibuliformes‐jenipapeiro), como as espécies exóticas adaptadas (Mangifera índica – mangueira), (Artocarpus heterophyllus – jaqueira), (Cocos nucifera – coqueiro), (Elaeis guinensis – dendezeiro) que, no século XIX, já estavam adaptadas e consideradas como árvores brasileiras. (LORENZI et al., 2006).

Segundo documentos manuscritos, existentes na Biblioteca Nacional, o plano do Horto Botânico de Salvador foi traçado em alas paralelas formando leiras de plantio; entretanto, até então, a memória descrita não esclarece questões determinantes, como localização, dimensões e especificações das espécies.

O Horto da Bahia não prosperou, pois perdeu sua função após a invasão napoleônica em Portugal, quando o Horto Botânico da Ajuda foi saqueado e desestruturada a rede de hortos portugueses. Após esse acontecimento, o príncipe regente D. João VI buscou incentivos para centralizar essas questões no Jardim de Aclimatação do Rio de Janeiro (BEDIAGA, 2007).

Ainda assim, o Horto Botânico da Bahia foi uma oportunidade de conciliar a ciência com os problemas da cidade do Salvador, com ênfase na salubridade pública. Representa a “passagem”, quando o pomar intramuros e privativo tornou-se um bem coletivo, e a cidade passou a ser observada e projetada segundo o conhecimento científico, e esse fato se deve à presença da monarquia no Brasil, dos cuidados relativos com o tratamento da paisagem urbana e das atitudes para garantir transformações, disponibilizando uma assessoria técnica especializada aos governos das Capitanias. Também nesse período, a Bahia foi contemplada com a visita do “arquiteto real de todas as obras”, o cientista português José da Costa e Silva9, para estudar a

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cidade e promover projetos de interesse urbano ambiental e assim enfrentar as questões de Salubridade e Sociabilidade.

OPASSEIOPÚBLICODESALVADORÉ a partir do Horto Botânico que nasce o Passeio Público de Salvador. As intenções político-

administrativas sugeriam renovação e criatividade como crescimento, progresso e imagem urbana renovada, e o Passeio Público foi implantado sobre a encosta da Baía de Todos-os-Santos, aproveitando o campo visual do principal acesso da Cidade do Salvador, e utilizando as instalações do Horto Botânico como apropriação e idealização de um lugar adequado e estimulante para os hábitos da vida ao ar livre em contato com a natureza (local e panorâmica), contando com a arborização exuberante já existente no sítio, a visão do movimento das embarcações, o magnífico crepúsculo sobre o espelho d´água, fatores estratégicos, favoráveis, de atração da cidade moderna.

Il. 03 – (a) Passeio visto da Baía por Galt, 1860; (b) Mirante do Pôr do Sol, Gaensly, 1875.Símbolo da Monarquia na BahiaFonte: Disponível: <http://www.salvador-antiga.com/passeio-publico/antigas.htm >, apud CARDOSO, 2015.

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O projeto arquitetônico e paisagístico do Passeio Público é uma autoria dos arquitetos José da Costa e Silva e João da Silva Muniz10, que propuseram um plano mediador, conciliador com os elementos preexistentes do Horto Botânico e assim conquistando um espaço, envolvendo obras de contenção e terraplanagem. A forma semicircular avança sobre a encosta, para destacar o elemento principal, o obelisco esculpido em pedra mármore11, formando um conjunto escultórico cercado por “balaústres” com gradil de ferro fundido12, dispostos em simetria para marcar o limite Oeste do recinto e assegurar a visão da Bahia de Todos-os-Santos (ANACLETO, 2005). Matoso destaca: Continuando sempre na direção sul e uma vez atravessando o Convento das Mercês, os caminhos levavam para o forte de São Pedro e para o bairro dos Aflitos onde, junto ao quartel encontrava‐se o tão encantado jardim público. [...]. (MATOSO, 1978, p, 178).

Além de um simples jardim, esse espaço simbolizava um novo cartão postal, de propagação e atração para visitantes que cruzavam o Oceano Atlântico para desfrutar a diversidade local, descrevendo seus registros em pinturas, desenhos, fotografias, sobre o novo recanto, assim ocorreu com o com o gravurista Galt e o fotógrafo naturalista Gaensly (Il. 03a, 3b).

O sítio escolhido foi, na época, considerado ‘adequado’ aos objetivos da Câmara do Senado13, comno se pode ler na carta transcrita a seguir:

Rio de Janeiro, 11 de Setembro 1813

Ill.mº Snr Jozé da Costa

O Senado da Cam.ª desta Cid.e me encarrega de suplicar a V.S.º o seu favor, q. nas circunstancias prezentes se lhe torna indispensavel: porquanto propondo se a inaugurar hum monumento publico em memoria da Feliz Epoca da chegada de S. Alteza R.l a este porto, e havendo-se dezignado o lugar no sitio do Passeio Publico, o receio de que aquele lugar sobranceiro a huma das montanhas da Cidade, não possa p.r desgraça tornar-se improprio, principalm.te no estado actual das montanhas da Cid.e, torna-se indispensável tomar neste ponto as medidas necessárias; como V.S. pelos seus talentos, e notório merecimento, melhor que ninguém pode dar no cazo huma segura, e certa decisão; o Senado da Cam. a se propõem juntar-se em corpo no d.º lugar do Passeio Publico no dia 14 p.a 15 do corr.e pelas 5 horas da tarde, e com os Enginhr.os, Mestres, e Peritos, p.a terem a fortuna de ouvir o decisivo voto de V.S. em huã matéria tão importante, e q. por isso esperão de merecer de V.S. que Ds G.de Bahia em Cam.a 11 de 7bro de 1813, Manoel Ezequiel de Almeida.14

Sob a ótica da Câmara Municipal, podemos conhecer um pouco daquele “jardim real” e sua história vinculada à presença da realeza portuguesa na Bahia: [...] sua elevada posição parece ter sido desenhada pela natureza, com o destino de ahi erigir o throno do maior dos Soberanos. A abertura do porto

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por seo vistoso archipelago onde podem ancorar todas as armadas do mundo” (SALVADOR. Atas da Câmara, 1813)15.

No centro do pátio arredondado, ergueu-se o obelisco com a placa de inauguração da obra no dia 23 de janeiro de 1815, como descreve o escrivão Luis Pereira Sodré (1815, p:175):

[...] aproveita a primeira ocasião que se lhe oferece, havendo desembarcado as últimas peças do mármore feito em Lisboa para dar agradável certeza que a 17 de dezembro deste será feita a Inauguração do Monumento que levanta o povo mais fiel no melhor dos soberanos e que fará a honra eterna dos cidadoens que conceberão e realizarão tão digno projeto [...].16

Para o Governador Conde dos Arcos, [...] a praça circular do Passeio Público lembrada pelos architetos e peritos me parece o lugar mais próprio. Segundo Affonso Ruy (1949, p:357), foi o único monumento levantado, durante todo o século XIX, por iniciativa da Câmara de Salvador.

Il. 4 – (a) Alameda entre Horto (viveiro) e Passeio Público e (b) Cascata do Passeio Público, Castro y Ordoñez, 1862.Integração ciência e sociabilidadeFonte: Disponível: <http://www.salvador-antiga.com/passeio-publico/antigas.htm>.

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Também aí, na antiga capital do reino, lhe foi solicitado, para além de uma opinião relacionada com o embelezamento do Passeio Público, o seu contributo na construção de um monumento comemorativo da estada do futuro D, João VI na cidade, quando da sua passagem para o Rio. O artista português apontou para a forma de obelisco, alegando ser esta a estrutura que mais se adequava ao fim em visita. (ANACLETO, 2005, p.462).

O acesso ao Passeio se fazia por dois pontos: o portão principal, localizado no Largo do Forte de São Pedro, por um caminho que se estendia das Mercês, e o portão secundário, localizado no Largo dos Aflitos; entre estes, uma via alargada fazia a interligação Horto Botânico-Passeio Público e a cidade. Havia ainda uma opção de acesso para o mar através da trincheira da Bateria da Gamboa17. Na ilustração 4, em torno da balaustrada, pode-se observar a arborização sistemática da espécie (Licania tomentosa – oitizeiro), uma alameda sombreada de acesso ao Viveiro de Aclimatação, Quiosque de Exposições, estufas e sementeiras.

Percebe-se que a integração entre Arquitetura e Natureza foi um importante fundamento para o projeto do espaço, ao preservar a arborização preexistente da Chácara do Coronel Machado (1803) e utilizar espécies produzidas no Horto Botânico, trazendo a ideia de “jardim pronto”18, como atração à sociabilidade. Esse tipo de jardim, inspirado no estilo Paladiano Inglês, ganhou expressão por surpreender o espectador através da composição da vegetação com objetos artísticos segundo a montagem de réplicas clássicas de esculturas, estátuas, pórticos, arcadas, colunas, obeliscos, etc., como um leque opcional de elementos que visam enfatizar o caráter ideológico da obra pública, conforme se pode observar nas Figuras 3 e 4.

Os arquitetos reais trouxeram para Salvador, um conjunto paisagístico caracterizado pela simplicidade da forma e sua harmonia com a paisagem do entorno; um local aprazível, sociável e cobiçado, com noções de saneamento e ordenamento público, induzindo a condição de uso e fruição. Assim, percebe-se a mudança de atitude, quando as intenções portuguesas se aliam à ideologia do paisagismo inglês em função de produzir um ambiente salubre, onde foram empregados materiais de qualidade de enobrecimento para a cidade.

Entre todos os jardins que vi no Brasil, este é o que mostra mais as características da horticultura europeia. [...] variadas plantas ornamentais do Sul da Europa, das Índias Orientais e do Brasil, tornam à tarde o mencionado Passeio, graças à variação fresca, um lugar aprazível. [...]. (SPIX; MARTIUS, 1981, p.145).

O Passeio Público do passado representa a introdução de um estilo diferenciado para a sociabilidade publica, recebendo, das árvores do Horto Botânico, a garantia de um microclima diferenciado, que qualificava o espaço público do século XIX. Atualmente, são árvores que se mantêm como testemunhas

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de uma historicidade, em suas características envelhecidas, resilientes, como monumentos vivos, erguidos e comemorativos das primeiras árvores do espaço público de Salvador.

O Arquiteto Real José da Costa e Silva trouxe, para Salvador, um conjunto paisagístico caracterizado pela simplicidade da forma e sua harmonia com a paisagem do entorno; um local aprazível, sociável e cobiçado, com noções de saneamento e ordenamento público, induzindo a condição de uso com prazer. Assim, percebe-se a mudança de atitude, quando as intenções portuguesas se aliam à ideologia do paisagismo inglês em função de produzir um ambiente salubre, onde foram empregados materiais de qualidade de enobrecimento para a cidade.

Il. 5 – (a) Mirante do Pôr do Sol por Victor Frond (1858) e (b) Paisagem em resiliêincia,sec XXI: foto Cardoso(2015). Integração Arte Arquitetura e PaisagismoFonte: Disponível: < http://www.salvador-antiga.com/passeio-publico/antigas.htm>.

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Entre todos os jardins que vi no Brasil, este é o que mostra mais as características da horticultura europeia. [...] variadas plantas ornamentais do Sul da Europa, das Índias Orientais e do Brasil, tornam à tarde o mencionado Passeio, graças à variação fresca, um lugar aprazível. [...]. (SPIX; MARTIUS, 1981, p.145).

O Passeio Público do passado representa a introdução de um estilo diferenciado, voltado para a sociabilidade publica, recebendo, das árvores do Horto Botânico, a garantia de um microclima diferenciado, que qualificava o espaço público do século XIX. Atualmente, são árvores que se mantêm como testemunhas de uma historicidade, em suas características envelhecidas, em resiliência, como monumentos erguidos e comemorativos das primeiras árvores do espaço público de Salvador.

NOTAS1 Atribui-se a autoria do projeto ao Arquiteto Miguel de Arruda (1549), o Mestre das Obras da Fortificação do Reino,

Lugares‐d`além e Índias. A implantação da cidade é atribuída ao Mestre Luís Dias (VALLA, 1996). 2 Informações sobre o Forte baseadas em: REIS et al.,2000; VILHENA, [1802]1921, v.1, p:217-246; MENEZES;

RODRIGUES, 1986, p:30; 138; OLIVEIRA, 2004, p, 212; 219; 230; apud CARDOSO, 2015. 3 Em 1808, o Brasil era ainda colônia do Reino de Portugal, católico, escravocrata, tecendo aproximação com a política

liberal europeia, e a nau “Príncipe Real”, durante a transmigração para o Brasil, aporta em Salvador. Uma ação decorrente do Tratado de Fontainebleau (1807) e da invasão napoleônica em Portugal, foi amparada pelo Império Britânico, marcando assim a presença da Inglaterra nas decisões políticas (Tratado de 1810) e na organização do espaço urbano brasileiro (RUY, 1949, p:345; 349).

4 Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812). Português, liberalista, Ministro de Estado e Domínios Ultramarinos (1796-1801). Presidente do Real Erário (1801-1803), tornou-se Conde de Linhares (1808). Redator dos Tratados com a Inglaterra (C.R.7-11-1810) e Inspetor dos Reais Jardins Botânicos e Museus (1803).

5 Fernando José de Portugal (1752-1817). Português, Marquês de Aguiar (1808), formado em Direito em Coimbra, Vice-Rei no Brasil (1801-1806), Governador da Bahia (1788-1801), Ministro do Príncipe Regente D. João VI.

6 Inácio Ferreira da Câmara Bittencourt. Brasileiro, médico na França, Membro da Sociedade Real de Ciências, da Medicina e Agricultura (Paris), da Academia Real (Lisboa); época de aproximação entre a Escola de Medicina e a Câmara da Cidade em função da saúde pública de Salvador (ARAÚJO, 1992, p.147).

7 D. Marcos de Noronha e Brito, 8º Conde dos Arcos, Governador da Capitania da Bahia (1810-1818). 8 Texto extraído de: Ofícios, relações e outros documentos. II – 33; 26; 27(ANAIS da BN, nº 68, Doc. nº 798).9 José da Costa e Silva (1747-1819). Arquiteto palladianista da Academia Florentina de Bolonha (Itália). Introdutor

do estilo em Portugal (Erário Régio, 1789); Professor de Arquitetura Civil na Real Academia do Desenho (1781); arquiteto das obras reais (1791). No Brasil (1811), foi o Arquiteto Geral de Todas as Obras Reais, em parceria com

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João da Silva Muniz, o então Arquiteto Real da Casa das Obras. Em Salvador, desenhou o Passeio Púbico e o Obelisco comemorativo à estada de D. João VI (1808). (ANACLETO, 2005, p:459-468).

10 Os arquitetos aportaram em Salvador na nau Bergantim Falcão, para avaliar os recentes desmoronamentos ocorridos e estudar um plano para a cidade moderna (RUY, 1949, p:356-357; ANACLETO, 2005, p:462). A Câmara Municipal vinha solicitando verbas para obras de reparos (Cartas do Escrivão Manoel Ezequiel de Almeida (16 de julho de 1809), Livro 2810:163. In: Arquivo Público Municipal da FGM-PMS).

11 A pedra mármore utilizada no Passeio Público é oriunda de Portugal. As primeiras jazidas exploratórias do mármore brasileiro ocorreram em Cachoeiro do Itapemirim (1912).

12 Após os tratados de 1808, iniciou-se a produção de ferro no Brasil: Real Fábrica de Ferro do Morro do Pilar em Tejuco (1809); Fábrica Ipanema em Araçoiaba (1810); Usina Patriótica em Congonhas do Campo (1811).

13 AHPS. Cartas 54 e 55 – armário 62 pasta 153 (apud RUY, 1949, p:357). 14 DOC. Nº185 – Pedido do Senado da Câmara da Baía a José da Costa e Silva para apresentar um projeto de Obelisco

comemorativo, 15 de setembro de 1813 (BNRJ. Manuscritos, I-3, 29, 060).15 SALVADOR. ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL. Biblioteca da Fundação Gregório de Mattos. Atas da Câmara, Livro 57,

1813, p. 135. 16 Luis Pereira Sodré: escrivão do Senado (17 de julho de 1813); João de Melo Leite: Presidente do Senado. (SALVADOR.

ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL. Biblioteca da Fundação Gregório de Mattos. Cartas do Senado da Câmara, Livro 2810-1815, p.175).

17 Provavelmente, havia um caminho para escoamento do Horto Botânico que foi incluído na obra da encosta. 18 Na linguagem paisagística, refere-se à arborização adulta que produz floração, frutificação, sombreamento.

REFERÊNCIASANACLETO, Regina. José da Costa e Silva, um arquiteto português em terras brasileiras. In: ACTAS do VII Colóquio Luso‐Brasileiro de História da Arte. Porto, 2005. p. 459-468.

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O presente estudo trata conceitos de praças e sua evolução no Brasil, comentando acerca do surgimento das mesmas no tecido urbano durante o período do movimento de higienização, que surgiu na Europa, influenciando grande parte do mundo, inclusive o Brasil. A Praça Doutor Salatiel, foco desse estudo, surgiu no século XX, durante esse período de higienização, sendo inserida em um local que com o passar dos anos sofreu diversas modificações em sua morfologia. Dar continuidade ao resgate histórico, levantamento arbóreo e paisagístico das praças da cidade histórica de São João del Rei – MG. O projeto visa dar continuidade ao estudo dos aspectos da evolução sociocultural e paisagístico, estudando a Praça Doutor Salatiel, localizada na Rua Marechal Bittencourt, na cidade histórica de São João del Rei, que está situada na Estrada Real. A execução desse projeto consistiu na pesquisa de campo para a identificação do significado histórico da praça em questão. Dentre todas as nomenclaturas a mais conhecida pela população é a de Rua da Cachaça, devido ao comércio da época, que favorecia a vida noturna e a boemia. A Praça em questão faz parte do centro histórico da cidade, e todo o seu entorno possui tombamento, entretanto a mesma sofreu modificações significativas em sua estrutura, tanto construtiva como botânica, constituindo um espaço onde predomina o caos, decorrente de fatores como acúmulo de lixo e grande fluxo de veículos. A partir do estudo realizado, constatou-se que o número de informações sobre o local, principalmente sobre a Praça, é escasso, fazendo com que a continuação do mesmo seja de grande importância, pois é um meio de preservar a história da cidade e da população.

Palavras-chaves: História, Cultura, Paisagismo, Brasil.

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RESGATEHISTÓRICODEPRAÇASEJARDINSDECIDADESHISTÓRICASDAESTRADAREAL:SÃOJOÃODELREI–MG-PRAÇADOUTORSALATIELNayharaCamilaAndrade|AmandaB.Teixeira|SchirleyFátimaNogueiradaSilvaCavalcanteAlves

As praças e seus jardins fazem parte do cotidiano dos habitantes das cidades e sua importância cresce à medida que os centros urbanos se

adensam e transformam seus espaços. Os ambientes públicos, como as praças, asseguram a qualidade de vida e preservam de algum modo a história local, servindo de patrimônio sociocultural e natural.

Para dar continuidade ao estudo das praças e jardins das cidades da Estrada Real e melhor compreender o desenvolvimento deste tema nas cidades brasileiras, em especial de São João del Rei, foi realizado o resgate histórico da Praça Doutor Salatiel, localizada na Rua Marechal Bittencourt.

As cidades da Estrada Real abrigam diversas praças, entretanto não há registro da maioria delas, fazendo com que esse tipo de estudo seja necessário para assegurar a preservação da história do local e, consequentemente, sua valorização.

O presente estudo trata conceitos de praças e sua evolução no Brasil, além do surgimento

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das mesmas no tecido urbano durante o período do movimento de higienização que surgiu na Europa e influenciou grande parte do mundo, inclusive o Brasil.

A Praça Dr. Salatiel surgiu no início do século XX, no meio do tecido urbano de São João del Rei, que também sofreu influência do higienismo no processo de urbanização.

A evolução da história dessa Praça revela que a mesma passou por modificações ao longo dos anos tanto em sua morfologia como na sua integração com a população.

REVISÃODELITERATURAO MOVIMENTO DE HIGIENIZAÇÃO

A cidade de São João del Rei sofreu importantes mudanças urbanas na primeira metade do século XX, como a criação de praças e jardins, mudança no calçamento das ruas, prolongamento de algumas ruas e abertura de avenidas.

A partir da década de 1920 ocorreram intervenções no tecido urbano que foram norteadas pelos ideais de progresso, modernização, assepsia, embelezamento e racionalização do espaço urbano são-joanense. Nas décadas posteriores, sobretudo nos anos de 1930 e 1940, tais práticas de “aformoseamento” da cidade se intensificaram pela necessidade da expansão comercial e industrial da cidade (TAVARES, 2011).

A Prefeitura e a Câmara Municipais assumiram um papel de protagonismo na urbanização da cidade na primeira metade do século XX, fomentando prolongamentos, retificação e alinhamento de vias públicas, construção de jardins e praças, alinhamento e retificações de casas, seguidas em muitos casos de desapropriação e demolição. As obras públicas procuravam criar uma nova imagem da cidade de acordo com os modelos estéticos modernos. Devido aos impactos por conta da constante renovação do centro da cidade, São João del Rei desenvolveu um perfil urbano marcado pelo contraste entre a estética colonial e estilos diversos como o eclético, art deco e neocolonial (TAVARES, 2011).

O movimento de higienização dos espaços urbanos teve sua origem na Europa, sendo o grande trabalho de Haussmann em Paris, entre 1853 e 1877, o exemplo mais clássico, e no Brasil o de Pereira Passos no Rio de Janeiro, entre 1902 e 1906. Em Paris as reformas urbanas seguiram os princípios da circulação acessível dentro da cidade, contando com a eliminação da insalubridade nos locais densos, a revalorização e o reenquadramento dos monumentos, unindo-os através de eixos viários e perspectivas. As obras foram responsáveis pelos novos traçados viários e pela abertura de novas artérias, além da demolição de diversos cortiços. Adaptou-se uma nova malha urbana de ruas largas à cidade, ligando os principais pontos urbanos e as estações ferroviárias. Com a execução de todas essas modificações na cidade, acabou-se criando um

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estilo novo onde todas as reformas que ocorreram ao molde de Paris, ou seja, com abertura de grandes avenidas, demolições de velhas edificações, higienização da cidade e implantação de serviços urbanos, passaram a ser classificadas como “haussmannianas” (PORTO et al., 2007).

No Rio de Janeiro as reformas feitas por Pereira Passos seguiram esse conceito. O sistema viário passou a ser composto por ruas e avenidas que conduziam o tráfego dos limites da cidade ao centro, sendo que habitações populares foram demolidas dando lugar às grandes avenidas. (PORTO et al., 2007). Os espaços públicos começaram a ganhar importância na trama urbana e no cotidiano dos indivíduos (ALONSO, 2010).

EVOLUÇÃODASPRAÇASNOBRASILEntender a evolução das praças no Brasil é necessário para compreender as mudanças ocorridas

em São João del Rei, mais especificamente na Rua da Cachaça. Muitos autores possuem uma definição particular para os espaços públicos, mas para Robba e Macedo (2010) todos eles concordam em classificar a praça como sendo um espaço público urbano onde existe lazer e convivência entre os habitantes urbanos.

Analisando a história percebe-se que incialmente os espaços livres urbanos eram compostos por largos, por influência Europeia. Esses espaços se configuravam a partir das construções das residências, resultando em ruas estreitas no seu entorno, como mencionado por Robba e Macedo (2010). Os espaços públicos podiam comportar diversas atividades da população, dentre elas as civis, religiosas, militares e até mesmo profanas. Com o passar do tempo o largo colonial cedeu espaço às praças ajardinadas e às atividades de comércio, lazer e convívio social deram lugar aos espaços de contemplação e passeio. (ROBBA e MACEDO, 2010).

No início do século XX, no Brasil, iniciou-se o processo de ajardinamento dos “vazios urbanos”, sendo incluídos os largos, canteiros e as plazas anteriormente secas, tornando-se assim um período de grandes transformações na fisionomia urbana. O crescimento urbano fez com que surgisse a vontade de estruturar os espaços para que esses pudessem desempenhar funções distintas. A praça adquiriu uma nova composição devido à valorização do verde, onde se priorizavam funções de lazer e contemplação (SEGAWA,1996).

A influência direta da França e da Inglaterra promoveu campanhas de salubridade, modernização e embelezamento das cidades, como ocorrido em Paris, citado anteriormente. No período de transição entre colonial e cidade moderna, no final do século XIX, surgem as praças ajardinadas no Brasil, destinadas às atividades de lazer contemplativo e ao convívio da população. O modelo de praças ajardinadas tornou-

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se um padrão a ser seguido nas primeiras décadas do século XX, e até mesmo os mais antigos logradouros passaram por tratamentos paisagísticos e de ajardinamento (ROBBA e MACEDO, 2010).

A composição das praças brasileiras originou-se de dois princípios: o da composição orgânica e o da composição formal. Esses locais possuíam grande importância no cotidiano das pessoas pois estimulavam o coletivo, servindo de ponto de encontro e reunião. Algumas praças tornaram-se símbolos espaciais e referências históricas nas cidades brasileiras (CALDEIRA, 2007).

DOURADO (2008) relata que a influência francesa repercutiu no Brasil de tal modo que fez com que as cidades buscassem a arborização de suas vias e começassem a providenciar novos jardins públicos através da conversão de velhos largos e praças em espaços novos.

OBJETIVOSO objetivo deste projeto é colaborar para a formação do estudo da história da arte dos jardins do

Brasil, uma vez que o mesmo ainda é incipiente nas cidades da Estrada Real. Com isso, busca-se enriquecer o estudo sobre a arte dos jardins no Brasil, setor de pesquisa ainda pouco desenvolvido, além de colaborar com a elucidação e o resgate da história de São João del Rei, aprimorando o conhecimento de sua cultura e a gama de informações turísticas da Estrada Real, podendo contribuir para com os futuros trabalhos de restauração da Praça Dr. Salatiel.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS | O projeto visa dar continuidade ao estudo dos aspectos da evolução sociocultural e paisagístico estudando a Praça Doutor Salatiel, localizada na Rua Marechal Bittencourt, na cidade histórica de São João del Rei, que está situada no trecho do Caminho Velho da Estrada Real.

METODOLOGIA | metodologia utilizada para a realização do resgate histórico da Praça Doutor Salatiel se apoia nas teorias de Delphin (2005), que contribui com orientações técnicas acerca da conservação e preservação dos jardins históricos e de suas particularidades; de Lassus (1994) que possibilita a identificação e a análise das práticas e dos processos da evolução física do lugar; e de Luginbuhl (2006) que elucida valores estéticos, fenomenológicos ou simbólicos, atribuídos pela população, artistas e escritores.

A primeira fase de execução desse projeto consistiu na identificação do significado histórico da praça em questão por meio de levantamentos documentais, pesquisas bibliográficas, arquivológicas e iconográficas. Essas pesquisas foram realizadas no Instituto Histórico e Geográfico da cidade, na Biblioteca Municipal, na Secretaria de Cultura e de obras, no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e no Museu Regional de São João del Rei.

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Além da pesquisa realizada nos acervos históricos da cidade, realizou-se o reconhecimento do local para possibilitar o levantamento do estado atual da Praça Doutor Salatiel, bem como sua utilização e potencialidades, além de um levantamento botânico da mesma.

Para a realização dos levantamentos mencionados foi necessário a realização de visitas à São João del Rei, que possibilitaram a coleta de dados.

OSRESULTADOSNOMENCLATURA DAS RUAS

A respeito da formação urbana de São João del Rei, Guimarães (1994) aborda as questões políticas acerca de tal formação. O autor cita que em 19 de março de 1881 a Câmara fixou as divisas da urbe e nos pontos periféricos já se esboçava definitivamente a configuração urbana da cidade.

Pode-se observar que em São João del Rei houveram muitas mudanças na nomenclatura das ruas. Primeiramente as vias públicas acabavam sendo batizadas pelo povo sem ao menos saber-se o porquê, e com o tempo as denominações eram endossadas no contexto dos documentos oficiais como sendo termo expressivo de referência. A rua estudada nesse projeto é um exemplo, pois antigamente denominava-se Rua da Alegria (GUIMARÃES, 1994).

As trocas de nomes das ruas acabavam por substituir denominações que homenageavam certas figuras da cidade pelo de outras pessoas, e assim a memória se perdia. É o caso da praça abordada, que foi nomeada em memória do Dr. Salatiel de Andrade Braga, mediante a lei nº 436, de 12 de fevereiro de 1925, e que teve seu nome trocado com o decreto nº 22, de 6 de setembro de 1943, por Praça Barão do Rio Branco, por motivo de inauguração do monumento desse Chanceler, no Rio de Janeiro. Devido a essa troca de nome uma nova placa de identificação deveria ter sido colocada no lugar da antiga, fato que a prefeitura ficou à espera para confirmar o batismo. A troca das placas nunca ocorreu.

Em 5 de Janeiro de 1883, a Rua da Alegria passa a se chamar Rua Tiradentes, tornando Tiradentes o 5º brasileiro a ter seu nome em uma das ruas de São João del Rei. As nomenclaturas das ruas são-joanenses nos dois primeiros séculos de existência desta cidade tiveram como razões diversos fatores, dentre eles: causas desconhecidas em sua função de ser, ainda que justificáveis, e reconhecimentos aos feitos são-joanenses (GUIMARÃES,1994). A rua estudada se encaixa nesses fatores, já que se denominava Rua da Alegria e posteriormente passou a ser chamar Rua Marechal Bittencourt.

Em época posterior a 1900 ocorreram novas mudanças na nomenclatura das ruas são-joanenses, em 1923 a Rua Tiradentes passa a se chamar Rua João Jacob Sewaybricker, homenageando um antigo

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comerciante e vereador de São João del Rei. Em 1925 a praça entre a Rua do Comércio e Rua João Jacob Sewaybricker recebe o nome de Praça Dr. Salatiel. As mudanças ocorreram em curto espaço de tempo, pois em 1939 a Rua João Jacó Sewaybricker passa a se chamar Rua Marechal Bittencourt, em 1943 a Praça Dr. Salatiel tem a intenção de trocar de nomenclatura para Praça Barão do Rio Branco. Uma fotografia datada de aproximadamente 1945, mostra o posto de gasolina Strefezzi localizado na Rua Marechal Bittencourt nomeada como tal em 1943. A obra arquitetônica é marcante no espaço até os dias atuais e se encontra na atual Rua Marechal Bittencourt.

A partir de 1900, segundo Guimarães (1994), as mudanças dos nomes das ruas e praças de São João del Rei foram devido às seguintes características: culto às datas, homenagem a pessoas ilustres no âmbito nacional, como Tiradentes, Marechal Bittencourt e Getúlio Vargas, homenagem à proprietários dos loteamentos, e a partir de 1946 proliferaram as homenagens à ilustres desconhecidos. Percebe-se que tanto a rua quanto a praça abordada podem ser incluídas nesses aspectos, pois a rua primeiramente serviu de homenagem à Tiradentes e depois ao Marechal Bittencourt. A praça também teve seu nome trocado, anteriormente homenageava um são-joanense Dr. Salatiel, e, posteriormente, houve o interesse em direcionar a homenagem ao Marechal Bittencourt, figura que tem importância no âmbito nacional.

Alguns nomes atribuídos às ruas da cidade sugiram de termos significativos ou de atividades exercidas, como é o caso da Rua da Cachaça, que teve esse nome devido a ter em sua extensão casas que vendiam o produto. Segundo o viajante estrangeiro inglês Burton, em 1868, a venda da cachaça propiciou ambientação da vida noturna duvidosa no local, originando a Rua da Alegria.

Existiam na malha urbana alguns becos e vielas, que segundo Guimarães (1994), foram desaparecendo com o tempo. A área estudada possui um beco conhecido como Beco da Escadinha, e sobre esse, por meio da lei nº395 de 23 de janeiro de 1990, foi disposto a vedação que não se concretizou, possibilitando a existência do mesmo até os dias atuais.

RUA DA CACHAÇAA rua na qual a praça está localizada é conhecida como Rua da Cachaça, nome que é popularmente

conhecido por conta do antigo comércio que existia no local, onde era vendido, dentre outras coisas, a aguardente. Esse segmento urbano já possuiu diversas nomenclaturas, mas a que insiste em permanecer na boca do povo é o de Rua da Cachaça.

Por ser um local onde se estipulou o comércio, a vida noturna se instalou ali de forma com que a rua também chegasse a ser conhecida como Rua da Zona, devido à grande quantidade de casas de

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entretenimento. Muitos autores citam em suas obras características desta rua e da antiga fama que a mesma possuía. Burton (2011) foi o único viajante estrangeiro que passou por São João del Rei que relatou sobre essa rua, chegando a mencionar sobre o fato de ter passado pela Rua da Alegria, comentando brevemente que o antigo nome da mesma era Rua da Cachaça, e que para ele, esse seria um nome “menos honesto”. Maldos (2011) relata sobre a rua em questão, enfatizando que a mesma entrou em degradação no início do século XIX, devido à sua transformação em área boêmia e de prostituição. Sobrinho (2011) descreve a Rua da Zona com seu comércio de aguardente e vida noturna duvidosa. Segundo Viegas (1942) Tiradentes teria frequentado uma escola ali existente em 1750 e teria ido pela última vez à Rua da Cachaça para se encontrar com o taverneiro Manoel Moreira (DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA, Autos de Devassa,1976).

Devido à decadência por conta das zonas de prostituição que ali funcionava a rua ficou muito desvalorizada, mas na última década tem sido revitalizada e considerada como parte do centro histórico são-joanense. Na ilustração 1 é possível ver a Rua Marechal Bittencourt ou Rua da Cachaça nos dias atuais, com seus casarios coloridos e algumas fachadas restauradas.

Il.1 – Rua Marechal Bittencourt sentido praçaData: 10/12/2015 Fonte: Fotografia de Amanda Burgarelli Teixeira

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Cintra (1988) relata que importantes instituições culturais e turísticas têm se instalado por ali, como o Centro de Referência musical José Maria Neves, a sede da Orquestra Popular Livre, o Centro Cultural Feminino e o escritório da Trilha dos Inconfidentes, mas que ainda existem muitos casarões para reformar e assim poder abrigar lojas, cafés, livrarias, etc.

O local em estudo ilustra o grande contraste de usos, pois se localizando muito próximo à igreja Nossa Senhora do Carmo, acolhe eventos religiosos, mas ao mesmo tempo é marcada pela vida profana, pois em grande parte de sua história abrigou a vida boêmia desta cidade.

ABERTURA DO LARGOO local onde hoje abriga a Praça Doutor Salatiel antes era composto por residências que cederam

lugar a um largo no período da higienização de São João del Rei. Analisando a Décima Urbana da Rua da Cachaça de 1826, documento que mostra a relação de residências e seus moradores, observa-se que no local existiam 24 casas do lado direito da via e 28 casas do lado esquerdo. A Figura 02 mostra a suposta divisão destas moradias antes da abertura do largo.

Il. 2 – Provável divisão dos lotes antes da abertura do largo.Fonte: Desenho de Amanda Burgarelli Teixeira, 2016.

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É possível notar que, de acordo com o documento, deveriam existir 24 casas do lado direito e 28 casas do lado esquerdo antes da abertura do largo, entretanto observando o desenho dos lotes nos dias atuais, supõe-se que alguns deles foram se unindo com o passar do tempo, e hoje em dia o lado direito que antes contava com 24 casas, conta coma apenas 21 lotes. Percebe-se também que, a Decima Urbana define 28 casas do lado esquerdo da Rua da Cachaça, o largo deveria comportar 13 residências, quantidade de moradias que provavelmente foram demolidas para a abertura do Largo da Cachaça.

PRAÇA DOUTOR SALATIELEm 1920 devido a uma preocupação sanitarista que tomava conta desta época foram demolidas

as prováveis 13 residências da Rua da Cachaça, criando um Largo no local, e dividindo esta rua em duas partes, a Rua João Jacob Sewaybricker na direção da Prainha e Rua Marechal Bittencourt na Direção da Igreja do Carmo. O largo criado em 1920, só foi nomeado em 12 de fevereiro de 1925, homenageando o médico, Doutor Salatiel, importante político do Estado e da cidade. A praça já havia sido ajardinada aproximadamente em 1940, onde existia uma árvore já frondosa no seu centro, circundado de arbustos em topiaria, seguindo o modelo estético em voga desta época. Percebe-se ainda a presença de flores na bordadura de seus canteiros, provavelmente rosas, pois próximo à década de 1950, houve o plantio de rosas nas praças de São João del Rei (ALVES, 2014). A configuração deste ajardinamento mostra que a intenção do poder público de alavancar as condições não só higiênicas, mas também estéticas desta área, e talvez, até mesmo moral, se considerando as atividades que sustentavam a vida boêmia, que ocorriam em suas proximidades neste período.

Analisando fotografias antigas da Praça Doutor Salatiel e comparando com a situação atual da mesma é possível perceber que seu ajardinamento passou por modificações estéticas consideráveis. Os canteiros eram significativamente mais baixos que os atuais, assim como a vegetação que compunha o local. Percebe-se que essa mudança de gabarito da vegetação limitou o campo de visão desta Praça, criando uma sensação de adensamento. Na Ilustração 3 tem-se a praça por volta de 1956, com seus canteiros baixos com uma vegetação predominantemente arbustiva e ordenada.

Já na ilustração 4 percebe-se que uma vegetação predominantemente arbórea, com a presença de várias espécies arbustivas isoladas, anarquicamente plantadas. Nota-se ainda uma bordadura de Pingo de Ouro topiado em todos os seus canteiros. Além disto, percebe-se ainda, que atualmente esta Praça apresenta uma poluição visual intensa causada por veículos em demasia e acúmulo de lixo em suas imediações. Além deste descuido com o lixo, do excesso de veículos, e das alterações do ajardinamento

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Il. 3 Praça Dr. Salatiel ajardinada na década de 1950, data provável: Década de 1950Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Arquivos do IPHAN de São João del Rei

Il. 4 – Praça Doutor Salatiel atualmente, data: 10/12/2015 Fonte: Fotografia: Amanda Burgarelli Teixeira.

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desta praça, nota-se também que as residências do seu entorno foram transformadas. Em meados do século XX é possível perceber fachadas predominando estilos colonial e eclético, bem diferentes das que são encontradas hoje no mesmo local. Atualmente a Praça Dr. Salatiel possui quatro bancos, seis postes, quatro lixeiras de metal, um telefone público e o monumento da Estrada Real. Tanto os caminhos quanto as bordas dos canteiros são de pedra. É possível observar a modificação na altura original dos canteiros, pois existe uma divisão perceptível de material e altura nos mesmos.

A estrutura botânica desta Praça apresenta um grande número de espécies plantadas de maneira bastante desordenada. Entre as espécies arbóreas estão presentes o Ipê (Handroanthus sp.), a Quaresmeira (Tibouchina granulosa), Sibipiruna (Caesalpinia pluviosa), o Cedro (Cedrela fissilis), Pata de vaca (Bauhinia forficata), Paineira (Ceiba sp.), Magnólia (Magnolia grandiflora), Alfeneiro do Japão (Ligustrum lucidum). Encontramos ainda duas frutíferas, uma Pitangueira (Eugenia uniflora), e uma Goiabeira (Psidium guajava), e uma palmeira, a Areca (Dypsis lutescens). Os Arbustos encontrados foram Azaléia (Rhododendron simsii), Pingo de Ouro (Duranta repens), Cróton (Codiaeum variegatum), Dracena vermelha (Cordyline Terminalis), Iuca (Yucca filamentosa), Ipê mirim (Tecoma stans), Palma (Nopalea sp.), e o Pau d’água (Dracaena fragrans). Foram reconhecidas ainda a Falsa Íris (Neomarica caerulea) uma folhagem de flor azul ornamental e a Trapoeraba roxa (Tradescantia pallida‐purpurea). A Ilustação 5 apresenta a planta baixa desta Praça e sua legenda com seu memorial botânico e equipamentos.

Il. 5 – Planta Baixa da Praça Doutor Salatiel, data: 24/05/2016Fonte: Autoria de Amanda Burgarelli Teixeira

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CONSIDEAÇÕESFINAISAtravés do estudo realizado pôde-se constatar que a Praça Doutor Salatiel participava do cotidiano

da população, e que até mesmo já possuiu uma Associação de moradores que cuidava do local, mesmo que não se tenha conseguido nenhum registro dessa atividade.

No entanto, nota-se que a praça atualmente não se encontra em bom estado de conservação, e que a presença de lixo espalhado na mesma se tornou um hábito. Além do mais, a disposição das plantas nos canteiros não apresentam nenhuma organização estética, e o excesso de veículos no seu entorno fazem com que este espaço se torne caótico.

Esta situação em que se encontra a Praça Dr. Salatiel cria a necessidade de uma intervenção no local a fim de amenizar os danos gerados pela falta de manutenção da mesma. Para tal, além de reorganizar suas plantas, e redefinir seus canteiros, deve-se considerar a avaliação da atitude dos habitantes e comerciantes de seu entorno, que fazem desta praça um depósito de lixo. Outra questão a ser considerada deve ser o trânsito local, bem como as áreas destinadas ao estacionamento de veículos.

A grande dificuldade para se obter informações sobre esta praça evidencia a necessidade de dar continuidade a esta pesquisa, pois ficou evidente a importância da mesma no convívio social da população local. E que apesar do entorno desta praça abrigar grupos sociais diversos, entremeados de atividades marginais na sociedade, a praça sempre funcionou como ponto de coesão social, dando a oportunidade para todos serem iguais.

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O artigo proposto tem por objetivo contextualizar a evolução histórica, paisagística e arquitetônica do Complexo do Museu Mariano Procópio na cidade mineira de Juiz de Fora, bem como abranger o papel dos jardins históricos como expressão de um ambiente natural produzido pelo homem servindo de local de memoração para a sociedade. Este trabalho analisa e contextualiza essa categoria patrimonial dos jardins históricos defendendo segundo Andrade (2008), esses “monumentos vivos” que agem como documentos culturais que se renovam e se deterioram constantemente, tendo sua apropriação descomprometida um risco ao testemunho futuro. A pesquisa prossegue com o estudo da memória ligada aos jardins históricos, com enfoque no Parque Mariano Procópio por se tratar de um bem tombado a nível nacional com um dos maiores acervos de arte eclética e imperial do país, tendo no seu complexo um parque de grande valor botânico e artístico, bem como o debate da possível autoria do paisagista francês, Auguste François Marie Glaziou, tema esse que não será o foco do artigo. Abordamos a memória do local tendo em vista sua presença marcante na população juizforana, mesmo se tratando de um bem arquitetônico fechado há muitos anos para visitação e se tratando de um parque ainda semi-aberto que atrai centenas de cidadãos diariamente a visitar o local como forte polo turístico e local de atividades lúdicas. objetivo do artigo é trazer luz às novas ideias agregando valor e enriquecendo os debates sobre o bem e o parque mais importantes de Juiz de Fora.

Palavras-chave: jardim histórico, patrimônio, parque do museu Mariano Procópio, memória urbana.

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ACONTRIBUIÇÃODOPARQUEMARIANOPROCÓPIOPARAAMEMÓRIADEJUIZDEFORA:UMESTUDOSOCIOCULTURALGuilhermeN.Ragone

Os estudos voltados ao paisagismo e à preservação, gestão e proteção de jardins históricos ou jardins de interesse histórico, bem como a tendência

recente da busca de memória de nossa própria história têm avançado no Brasil. Essa questão justifica-se de acordo com preceitos baseados em sua importância histórica e artística e em seu significado cultural, que tem por função contribuir para o fortalecimento da memória e da identidade de um local, uma sociedade ou nação. Bem como na qualificação da cidade com sua inserção no cenário turístico regional e nacional. Segundo Inês El-Jaick Andrade (2008), o jardim histórico destaca-se, entre as demais categorias do patrimônio cultural, por apresentar ligações com o patrimônio natural, sem intervenção humana e por sua ligação com a qualidade de vida na cidade. Nesse cenário, temos o Parque do Museu Mariano Procópio localizado na cidade mineira de Juiz de Fora. Conjunto esse dotado de grande importância histórica e sociocultural para a cidade e seu entorno imediato, devido em grande valia ao Parque

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e seu traçado de possível autoria de Auguste François Marie Glaziou – importante paisagista do império – trazendo para a cidade um importante espaço de respiro urbano, área de atividades de lazer e forte marco memorial para a sociedade local. O conjunto conta, ainda, com o Museu propriamente dito, com seu rico acervo eclético e imperial, além de uma arquitetura de interesse histórico desenhada pelo arquiteto alemão Karl Gambs no ano de 1861.

Esse espaço, mesmo que ainda não completamente acessível ao público em função do longo período de obras de restauração, ainda se mantém como símbolo vivo, rico em memórias e significados, que segundo Nora (1993), essa memória é sempre parcial, descontínua e vulnerável a todas as utilizações e manipulações, é sempre seletiva. Assim entra o importante papel dos agentes sociais na promoção sociocultural do bem para conduzir e servir de estímulo de memória, que segundo Molard apud Colchete Filho (2008), identificam-se quatro atuantes sociais: os que decidem (estado, empresas privadas), os que criam (arquitetos, estudiosos, pesquisadores), os que criticam (crítica, mídia) e os que recebem as produções geradas (público e usuários). Todos trabalhando de forma integrada para promover e valorizar o bem histórico.

Essa relação sobre jardim histórico, memória e sociedade será o foco desse artigo que tem por objetivo elucidar a importância do bem para sociedade, sua função sociocultural e patrimonial, além de traçar um paralelo com a memória e sua força significante. O foco do artigo encontra-se na análise da relação estabelecida jardim histórico, memória e sociedade, sua função sociocultural e patrimonial, além de traçar um paralelo com a memória e sua força significante. Para tanto, esse estudo tem por metodologia a identificação dos pontos importantes inerentes às temáticas inicias, através de uma pesquisa exploratória de caráter bibliográfico e sua revisão, além do estudo da relação in loco.

OJARDIMDEINTERESSEHISTÓRICONASOCIEDADE,UMAHISTÓRIACONCISA.

Seguindo o pensamento de Durante apud De Angelis e Neto (2004) temos que os jardins históricos constituem-se a expressão da cultura e do modo de entender e manipular a natureza, próprio do projetista e de seu tempo; mas são também composições de elementos naturais em equilíbrio dinâmico, em constante transformação e evolução, sendo entendido como composição arquitetônica predominantemente vegetal, do ponto de vista histórico e artístico apresenta interesse cultural, e deve ser entendido como monumento. Françoise Choay (2006) aborda os conceitos de monumento e monumento histórico, enquanto “monumentos vivos” que agem como documentos culturais que

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se renovam e se deterioram constantemente, tendo sua apropriação descomprometida, um risco ao testemunho futuro.

Ainda de acordo com Choay, outra definição importante do tema que entra na esfera contemporânea de monumentos e produtos: Por sua vez, os monumentos e o patrimônio histórico adquirem dupla função – obras propiciam saber e prazer, postas à disposição de todos, mas também produtos culturais, fabricados, empacotados e distribuídos para serem consumidos. (CHOAY, 2006)

Prosseguindo segundo de Gastal e Da Silva (2015), dessa maneira, quando museologizados – o jardim histórico como espaço museológico –, e incorporados como patrimônio e monumento, os jardins são por si mesmos locais atrativos, e a atenção para o apelo turístico foi algo natural a partir dos anos 1990 no Brasil, segmento do turismo chamado: turismo de jardim - garden tourism. Com o porvir dos anos e a necessidade de um aprofundamento temático, a criação de uma ordem que balizasse esse conteúdo, se estabeleceu metodologias para determinar o valor artístico, histórico e cultural desses espaços: as ditas cartas patrimoniais.

Em 1981, na Carta de Florença (1981), após anos de estudos e tentativas de uma institucionalização do tema, elevou-se a primeira terminologia, ainda utilizada nos dias de hoje: jardim histórico. Este tem por definição seu caráter de interesse histórico e não por suas peculiaridades estilísticas, dimensionais ou tipológicas: A denominação jardim histórico aplica‐se tanto aos jardins modestos quanto aos parques ordenados ou paisagísticos (Carta de Florença, 1981, art. 6). Adiante tem-se a Carta dos Jardins Históricos (2010) que define aspectos ligados à proteção, preservação, conservação e manutenção além da gestão dos mesmos. Esta menciona a importância simbólica e afetiva, os locais de encontro, o refúgio apaziguador em contraste com o tempo ditado pelos relógios e automóveis. Abarcando, assim, a totalidade temática dos jardins históricos.

O jardim é composto predominantemente de matéria vegetal e possui relação com a arquitetônica – como exemplo do Museu Mariano Procópio – não significa, porém, que sendo a vegetação o elemento mais exigente, sensível e mutável, releguem-se em segundo plano os demais componentes do mesmo. Em geral, os jardins históricos comportam obras de arte (esculturas, edificações, pavilhões, pontes, chafarizes, fontes) as quais, com a vegetação, compõem o conjunto desses espaços e os dão significados; não há como dissociar um elemento do outro. É essa preservação e a associação de ambos, em equilíbrio e harmonia, que fazem de um jardim histórico um bem cultural de tamanha relevância e importância.

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PARQUEDOMUSEUMARIANOPROCÓPIO:USOSEPOSSIBILIDADES.Segundo Delphim (2007), em 1915, Alfredo Ferreira Lage, filho de Mariano Procópio Ferreira

Lage, transformou a Villa Ferreira Lage, edifício projetado e construído em 1861 pelo arquiteto alemão Karls Gambs, em museu particular. Além da Villa, a área é constituída pelo Prédio Mariano Procópio, erguido em 1922 e aberto ao público no mesmo ano. Segundo Filho, Pedrosa e Braida (2014), o Parque foi considerado pelo naturalista suíço Jean Louis Rodolphe Agassiz como o “paraíso dos trópicos”, denotando sua importância vital para a sociedade. Mariano Procópio, definido como homem de gosto vanguardista e profundamente refinado, se rendeu as novas formas de concepção de jardins ao construir sua residência.

O Parque Mariano Procópio, localizado no terreno da Villa e circundante do mesmo, possui cerca de setenta e oito mil metros quadrados e se localiza bem próximo ao centro da cidade.

O local tornou-se um exemplo de como o homem pode reverter sua própria ação destruidora. Uma colina desnuda e desmatada, aonde já se plantaram cafezais, foi recoberta por densa vegetação arbórea sob forma de um pomar e uma área reflorestada, graças à introdução de inúmeras essências, resultando em um dos mais belos parques ajardinados do Brasil, um exemplo de como a vontade do homem pode reverter à ação predadora. (DELPHIN, 2007)

Existe um grande debate com relação à autoria do projeto paisagístico do Parque, de atribuição ou não a Jean Auguste Marie Glaziou. Debate esse que o artigo proposto não entrará em seu mérito, porém se faz necessário uma explicação sobre o tema, bem como uma avaliação da importância da atribuição original paisagística do parque, sobretudo pelo interesse turístico e de pesquisas. O Parque possui características inglesas no seu traçado, comuns ao estilo paisagístico do século XIX. Segundo Delphin (2007), o bretão Glaziou, residente no país por 35 anos, de 1858 a 1897, foi um dos mais importantes paisagistas que aderiram ao movimento estilístico no Brasil, cujas características podem ser observadas no Parque Mariano Procópio, dentre as quais:

• A assimetria do projeto;• O uso de pontes e caminhos com temática e aparência natural empregadas no projeto;• A utilização de plantas frutíferas nativas da região em questão e do Brasil, uso esse que se

observam com as jabuticabeiras, pitangueiras e jaqueiras;• Elementos ornamentais como rochas e grutas artificiais.

Gastal e Da Silva (2015), trazendo um paralelo com o Parque do Museu Mariano Procópio, afirma que as remanescências dos jardins históricos ou não, inseridos nos espaços urbanos, contribuem para o

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imaginário, para memória de seus habitantes, uma vez que promove a integração das pessoas com a natureza, além das pessoas entre si. Dessa forma, criam-se experiências ainda pouco vivenciadas, resultando em um novo olhar mais consciente à questão ambiental e patrimonial. Um local de contemplação, de práticas de atividades lúdicas e esportivas, um espaço de aprendizado e conhecimento.

Ainda pensando nos jardins como uma construção cultural, entendidos como locais imaginários e de memoração da natureza, fragmentados em um tecido urbano, será uma decorrência que os mesmo se coloquem como atrativo potencialmente turístico, visto que recebeu entre janeiro e abril de 2015, 76.266 visitantes na área do Parque segundo matéria de Oliveira (2014).

Os jardins se constituem como atrações turísticas por si só, identificados como um rico e importante recurso do produto turístico regional e nacional. Podemos citar: Central Park, Versailles, Keukenhof, Kew Gardens entre outros. Tendo a sua visita uma forma de turismo cultural na sociedade pós-moderna que adquire um papel cada vez mais importante no tempo e nas necessidades de lazer do turista contemporâneo, que, acima de tudo, se pode resumir numa busca pela ausência do dia-a-dia, pelo retorno ao natural e fuga do cotidiano.

SOBREAMEMÓRIADe forma a contextualizar a abordagem proposta, entende-se de acordo com Maurício Abreu

(1998) por analogia urbana, a seguinte passagem:

A valorização do passado das cidades é uma característica comum às sociedades desta virada de milênio. No que se diz respeito a “países novos”, como no Brasil, essa tendência é inédita e reflete uma mudança significativa nos valores e atitudes sociais até agora predominantes. Depois de um longo período em que só se cultuava o que era novo período em que se resultou num ataque constante e sistemático às heranças vindas de tempos antigos, eis que atualmente o cotidiano urbano brasileiro vê-se invadido por discursos e projetos que pregam a restauração, a preservação ou a revalorização dos mais diversos vestígios do passado. A justificativa apresentada é invariavelmente a necessidade de preservar a “memória urbana”. (ABREU, 1998).

É necessário entender a valorização do passado, a busca identitária, como algo generalizado e em constante crescimento no mundo, principalmente no Brasil devido a fatores como pouca idade e uma história dita recente. Algumas explicações para esses fatores são advindos da época do Renascimento, aonde podemos nos basear nas palavras de Le Goff (1990), desde a época citada até meados do século XVIII nós temos a saudação ao passado “como uma época de inocência e felicidade”, sendo produto de uma filosofia reacionária da história. Nos séculos XVIII e XIX, com o advento do Iluminismo, observou-se um

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revés nos conceitos de passado e futuro, em função dos trabalhos da ciência, literatura e arte. Era para o futuro que o mundo deveria caminhar.

Chegado o século XX, continuando com as ideias de Le Goff (1990), temos os acontecimentos que serviram para minar a fé e a crença nesse futuro ilimitado. O advento das guerras mundiais, o holocausto e a fome, temas comuns a um passado que deveria ser esquecido, não o pôde ser, em contrapartida, essa memória se tornou cada vez mais forte e presente, trazendo consigo a descrença no futuro e apologia ao passado. Os dias atuais tratam-se de “momentos de ruptura da continuidade histórica” como aborda Duvignaud apud Abreu (1998). É o momento da globalização, momento em que temos a força instantânea das informações, a homogeneização dos espaços globais, contribuindo assim para que todos os espaços sejam bastante parecidos, fazendo com que o lugar seja impreciso e não singular. Sendo assim, Arévalo (2004) refletindo sobre o pensamento de Nora (1993), apresenta sua categoria de “Lugares de Memória” como uma resposta a necessidade de identificação do indivíduo contemporâneo. São nos grupos “regionais”, ou seja, sexuais, étnicos, comportamentais, de gerações, de gêneros entre outros, que se procura ter acesso a uma memória viva e presente no dia-a-dia.

Segundo Gonçalves (2012), é necessário abordar outro viés sobre o tema, o que se refere à chamada vontade de memória, antes apontada como fundamental para a constituição dos lugares: ao lado da “vontade dos homens”, é posto também segundo o autor abordando Nora, o “trabalho do tempo” como instrumento de constituição dos lugares de memória. Aqui temos a distinção entre vestígios voluntários e involuntários deixados pelas práticas sociais. Se o “trabalho do tempo” não pode ser vislumbrado, em termos históricos, sem a presença humana, então é à vontade, nos termos em que é posto o comentário de Nora, que deixa de ser decisiva. Aqui se perde força e peso o aspecto político dos lugares de memória, justamente o que lhes conferia algo específico do ponto de vista da investigação de estudo.

Abordaremos agora o caso brasileiro, se tratando de um país com pouco mais de meio século, possuindo uma história recente com poucos vestígios de nossa história arquitetônica e paisagística nas nossas cidades, dessa forma, identifica-se a necessidade de preservação dos locais ainda existentes, dotados de significante valor cultural.

As cidades brasileiras são edificadas sobre anos de história sociocultural e urbana, seja colonial, com seu barroco, imperial com seu neoclássico ou republicana com seu modernismo, essas camadas vão se sobrepondo e excluindo boa parte da história das cidades. Para Abreu (1998), são poucas cidades que podem se gabar de ainda possuírem esses resquícios históricos, justificativa da decadência econômica e não especulação imobiliária que sofreram.

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Em suma, não é muito comum encontrarem-se vestígios materiais do passado nas cidades brasileiras, mesmo naquelas que já existem há bastante tempo. Há, entretanto, algo novo acontecendo em todas elas. Independente de qual tenha sido o estoque de materialidades históricas que tenham conseguido salvar da destruição, as cidades do país vêm hoje engajando-se decisivamente num movimento de preservação do que sobrou de seu passado, numa indicação flagrante de que muita coisa mudou na forma como a sociedade brasileira se relaciona com sua memórias. (ABREU, 1998)

Para Nora (1993), precisamos entender os conceitos e suas diferenças entre memória e história. A primeira sempre viva e aberta a evoluções e transformações, já a segunda, segundo o próprio autor, é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória molda-se, atualiza-se; a história é congelada, uma representação do passado.

Visto isso, a memória individual é de extrema valia para esse estudo, pois a partir dela, podemos caminhar pelas lembranças unitárias e atingir momentos históricos já passados, fazendo a rememoração e pertencendo a memória coletiva – uma memória social que transcende o indivíduo. Essa memória é mutável e volátil, pode ser moldada, simplesmente devido ao fato dos indivíduos que a preservavam, já desapareceram. Surge, então, a questão do armazenamento da memória, dos locais que guardam e evocam essas memórias, do estoque de lembranças abordado por Choay (2006) e prosseguindo ainda em Abreu (1998), temos a eternização, o registro, transformando em “memória histórica”. Segundo o autor, esse estoque de lembranças, eternizadas na paisagem, tornam objetos de reapropriação por parte da sociedade. O Parque com seu lago, sua vegetação específica, seu pedalinho, seus percursos, seus monumentos, são símbolos fortes de rememoração e deve ser tratados como tal. Relacionando com Gastal (2006), tem-se que concepção pode ser teorizada sobre os imaginários - Praça, Palco e Monumento - como significantes do que é Cidade, pois alimentam o ideal Urbano. Praça é entendida como o local de estar junto, da convivência, o Palco como local do ver e ser do ser visto; e o Monumento como sinalizador de memória da presença e passagem do tempo. Em resumo, temos a partir do século XIX, os jardins, como elementos fundamentais na constituição do ideal de Urbano. Nas atuais décadas iniciais do século XXI, o jardim histórico é monumento vivo e museologizado, reforçando assim, com sua presença, a função de local de memória associada à cidade.

CONSIDERAÇÕESFINAISComo conclusão acerca da questão a questão dos jardins históricos como bem patrimonial,

associados e memória de um lugar, explicitamos que esses espaços de contemplação, mas também abertos

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à prática de atividades lúdicas, podem ainda contribuir para que moradores e visitantes vivenciem a natureza na sua complexidade e compreendam melhor a sociedade que os recebe. Esse processo, como analisado anteriormente, segundo Abreu (2008), vem da memória histórica, desse estoque de lembranças eternizadas na paisagem, se tornando objetos de reapropriação por parte da sociedade. O parque com seu lago, sua vegetação específica, seu pedalinho, seus percursos, seus monumentos, são símbolos fortes de rememoração e devem ser tratados, estudados e entendidos como tal.

Ainda como conclusão ao estudo proposto, podemos tomar os conceitos de Gastal e Da Silva (2015) em que o jardim histórico deverá atender as questões formais, documentais, histórico-culturais e científicas. Analisando o bem citado, temos pelo viés formal, o enquadramento por ser um espaço institucionalizado, aberto ao público e sem fins lucrativos, mesmo que cobrem pelo acesso ao local. No viés documental, temos o foco no espaço visto e tratado como um documento, registrando no território uma realidade local e cotidiana de formas de integração pessoa-natureza, que deve ser preservada por representar uma época ou pessoas que os criaram ou com eles conviveram. Seria a rememoração da história ocorrida. Na questão histórico-cultural, temos o jardim como monumento vivo, que expressa suas concepções originais, suas alterações ao longo do tempo, por ser considerada viva, sendo assim mutável, e tendo a sociedade como participante desse processo. Finalmente, tem-se a questão científica, o Parque atuando como espaço difusor de conhecimento. Com o uso de artifícios como palestras, cursos, educação patrimonial e ecológica.

A Fundação Mariano Procópio, que administra e gerencia o Parque, promove eventos culturais segundo informação do site do mesmo (2013), como: oficinas temáticas para crianças, o clube ecológico, música no parque, com o convite a grandes nomes da música nacional, o clube da caminhada e visitas guiadas a grupos de pessoas pré-agendadas, como instrumentos de formação social, cultural e informativa a importância do bem para a cidade. O Parque como bem intrínseco a sociedade, difusor de cultura, memória e lazer.

O reconhecimento do carácter patrimonial dos jardins históricos foi lento e gradual encontrando várias resistências e até mesmo dificuldades concretas. No entanto, valeu a determinação e a argumentação sólida de um conjunto de personalidades e instituições que traçaram um novo rumo e atitude perante este tipo particular de patrimônio, tão rico, mas tão vulnerável. Atitude, esta, corporizada na Carta de Florença, que constitui ainda, aos dias de hoje, o principal documento orientador com relação aos jardins históricos. Contudo, no que a este patrimônio diz respeito, nem tudo está conquistado, tratando-se por isso de uma luta diária, constante e persistente. (SILVA, 2013)

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Prosseguindo com o pensamento de Nora (1993), dizendo que diferentemente dos outros objetos de história, os locais de memória, não possuem referentes na realidade, pois eles mesmos são esses referentes historiográficos, contendo e referenciando os sinais que devolvem a si mesmos, sinais em estado puro (NORA, 1993). O local de memória possui caráter duplo, sendo lugar de excesso, fechado sobre si mesmo e sua identidade, porém, aberto em constante extensão de seus significados, explicitando assim a relação do Parque do Museu com a cidade juiz-forana tendo em vista a ausência de acesso por parte dos visitantes ao longo dos anos, ao invés de cair no esquecimento, aflorou a nostalgia local.

Para Ribeiro (2004) abordando Nora (1993), esta é a grande questão que identificamos sobre o texto de Nora: o momento no qual os homens vivem esta tensão entre intimidade da tradição já vivida e o abandono provocado pelos grupos desfeitos, dos quais a história se empenha em guardar e preservar essas marcas. Os lugares de memória exercem esta função. Dois movimentos realizam a sua produção:

de um lado um movimento puramente historiográfico, o momento de um retorno reflexivo da história sobre si mesma; de outro lado, um movimento propriamente histórico, o fim de uma tradição de memória o tempo dos lugares, é esse momento preciso onde desaparece um imenso capital que nós vivíamos na intimidade de uma memória, para só viver sob o olhar de uma história reconstituída. Aprofundamento decisivo do trabalho da história, por um lado, emergência de uma herança consolidada, por outro (NORA, 1993).

Para finalizar, vamos citar Choay (2006), que de forma clara e fenomenal nos diz: a função do patrimônio é ser construtiva, já que a sua identidade cultural é fundada de forma totalmente dinâmica. A disciplina deve existir não só para perpetuar os testemunhos do passado, mas para dialogar com esse passado através da sua releitura, sendo que essas ações não implicam na conservação da substância original do objeto arquitetônico ou natural, mas são tomadas conscientes das condicionantes qualitativas da arte de edificar. O objeto final da disciplina e das ações da preservação não é a perpetuação da cultura material, mas sim a fruição desta para uma comunidade. Portanto, desempenha um papel social, no qual a apropriação social é do monumento, seja arquitetônico ou natural.

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Os grandes problemas ecológicos do planeta fizeram com que os jardins se tornassem atualmente, uma forma de arte, que conta cada vez mais com um maior número de admiradores. Hoje em dia, mais do que nunca, os jardins nos são mais próximos e necessários, pois a paisagem urbana é cada dia maior, os tratores transformam os campos, e a poluição, tanto das ruas quanto dos campos, chama a atenção para o patrimônio natural, que nos assegura não só a qualidade de vida, como também a vida em si. Os jardins são espaços que, apesar de sua efemeridade, fazem parte da história local, deixando traços em seus arquivos, e sendo motivo de controvérsias a cada vez que se precisa restaurá-los. Eles representam a soma cultural de uma determinada época. Considerando a importância do resgate histórico, esta pesquisa centrou-se em dar continuidade ao estudo dos aspectos da evolução sócio-cultural e o levantamento arbóreo e paisagístico dos jardins encontrados na cidade histórica de São João Del Rei. Esta metodologia elucida valores estéticos, fenomenológicos ou simbólicos, possibilita a identificação e a análise das práticas e dos processos de evolução física de um lugar, e colabora com orientações técnicas sobre conservação e preservação de jardins históricos; contando com documentações diretas e indiretas: Documentação direta: levantamento fotográfico. Documentação indireta: análise iconográfica e bibliográfica. Nota-se atualmente que a Praça Dr. Paulo Teixeira está inserida em uma região predominantemente residencial. Os cuidados com seu ajardinamento apresentam traços do período que foi conduzido pelos moradores do entorno, apresentando características dos jardins dos habitantes paisagistas. Esta pesquisa contribui para com os futuros trabalhos de restauração desta praça, e ajuda a criar uma metodologia minuciosa e específica de intervenção paisagística para este espaço.

Palavras-chaves: História, Cultura, Paisagismo, Brasil.

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RESGATEHISTÓRICODEPRAÇASEJARDINSDECIDADESHISTÓRICASDAESTRADAREAL:SÃOJOÃODELREI-MG-PRAÇAPAULOTEIXEIRAAmandaBurgarelliTeixeira|NayharaCamilaAndrade| SchirleyFátimaNogueiradaSilvaCavalcanteAlves

O jardim histórico é uma composição arquitetô-nica e vegetal que possui valores históricos e artísticos para os indivíduos que o frequentam

e sua importância não se resume às suas características estilísticas ou dimensões. Este projeto de pesquisa, já em andamento, propôs desenvolver em sua primeira fase, o resgate histórico das Praças das Cidades Históri-cas da Região da Estrada Real. Essa etapa deu continui-dade ao estudo da Praça Paulo Teixeira, na cidade de São João del Rei, inserida no Largo da Cruz, localizado nas proximidades da Igreja do Carmo, no centro histó-rico desta cidade.

No fim do século XIX e início do século XX, chegava ao Brasil um novo movimento, denominado Movimento Higienista, que objetivava a saúde da população, coletiva ou individualmente. Este Movimento se baseou nas ideias que surgiram na segunda metade do século XIX, na Europa, período em que houve uma grande intenção de se aumentar a presença do verde nas cidades, devido aos problemas

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ambientais que surgiram com a Revolução Industrial. Estas medidas sanitárias chegaram a São João del Rei no início do século XX, e teve como consequência, dentre outras, a formação da praça Dr. Paulo Teixeira, no local onde a princípio concentravam-se residências e comércios.

A metodologia utilizada é uma interface entre a Análise Subjetiva (LUGINBUHL, 2006) e na Análise Sensível (LASSUS, 1994) e com os princípios teóricos de Delphim (2005). O objetivo deste trabalho é regatar a história da Praça Paulo Teixeira, e adquirir informações de importância natural, cultural e patrimonial, para numa segunda etapa difundi-las nos guias turísticos, pois a história dessa praças, ainda em grande parte, é desconhecida pela população local e, mesmo, pelos pesquisadores do segmento de paisagismo e ajardinamento, o que faz desta pesquisa inédita.

Por fim, foi feito um completo diagnóstico da Praça, incluindo o levantamento florístico, arquitetônico, bem como de seus equipamentos. Notou-se que a Praça estudada apresenta grande potencial turístico, apesar de já ter sido mais conservada no período em que foi mantida pela população local, por meio da Associação do Moradores do Largo da Cruz, merecendo portanto, uma maior atenção por parte do poder público local.

REVISÃODELITERATURAA praça é um espaço ancestral, se confundindo com a própria origem do conceito ocidental

de urbano. Entretanto, o mesmo não pode ser utilizado para os parques públicos ou jardins, criações realizadas como espaços públicos urbanos somente a partir do século XVII (SEGAWA, 1996). Como na Europa, no Brasil colonial os jardins estavam vinculados às propriedades privadas de maior importância, eram bem definidos e cercados, apenas um número reduzido da população possuía o acesso (DELPHIM, 2005; GOMES, 2007).

As praças como elemento urbano, são espaços sociais que incentivam o convívio. Toda cidade apresenta uma praça que se sobressai como marco urbano, lugar de eventos históricos, espaço de união, ou lugar de encontro. A praça é local perdurável no desenvolvimento das cidades (KOSTOF, 1992). A praça é um lugar repleto de símbolos, que transporta a imaginação e a realidade, marco arquitetônico e local de ação, cenário de mudanças históricas, sociais e culturais (DIZERÓ, 2006).

O jardim histórico, que pode ser tanto os simples jardins, quanto os parques paisagísticos, auxilia no fortalecimento da memória e na identidade de uma sociedade, assim como na leitura e na qualificação da cidade. Fazem parte da expressão cultural de sua época, mas que estão em contínuas modificações e desenvolvimento, em razão do equilíbrio dinâmico dos elementos naturais (ANDRADE, 2008).

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Composto especialmente por vegetação danificável e substituível, os jardins históricos necessitam de regras distintivas para a sua salvaguarda e conservação. Em razão dessa necessidade, em 1981, foi criada a Carta de Florença, da qual o Brasil é signatário. O jardim histórico é definido nessa carta como uma composição arquitetônica e vegetal apresentando relevância historica e artistica para a população, além de dispor sobre objetivos; manutenção, conservação, restauração e recuperação, utilização, proteção legal e administrativas desses locais (ANGELIS; AGELIS NETO, 2004).

O tempo agrega valor aos jardins, pois os mesmos se constituem de organismos vivos, cuja evolução e modificação são naturais. Diferentes dos edifícios e monumentos arquitetônicos, que por mais alterações e desgastes que sofram com o tempo, necessitam de reparos e restaurações, mas permacem fixos (ANDRADE, 2008).No contexto urbanístico ambiental, as praças públicas desempenham um papel de extrema importância em relação à melhoria da qualidade de vida da sociedade, pois são espaços de uso coletivo, que auxiliam no embelezamento das cidades (SILVA, 2003).

As praças ou áreas verdes, nos dias atuais, possuem grande importância em uma cidade, tendo como objetivo proporcionar uma qualidade de vida mais elevada para as pessoas, proporcionando aos seus usuários uma vida mais saudável, além de recreação e lazer (SILVA et al., 2008). Na segunda metade do século XIX, houve uma grande intenção de se aumentar a presença do verde nas cidades. Essa intenção surgiu como resposta ao lado obscuro da Revolução Industrial, que foi um movimento que surgiu em Paris. No entanto se espalhou rapidamente pelo mundo (DOURADO, 2008).

O avanço da industrialização durante a primeira metade do século XIX ocasionou aglomerações demográficas sem precedentes, o que gerou uma grande mudança na vida das cidades da Europa. A transformação mais importante e sem igual ocorreu em Paris, entre 1853 e 1869, e foi realizada por Haussmann. Esta, teve como objetivo adequar a cidade sufocada e paralisada, aos modernos conceitos de higiene e circulação (CLAVAL, 1981). Haussmann, de forma organizada e ordenada, tratou como um todo o conjunto de espaços e equipamentos da cidade, e produziu um “esvaziamento” social por meio da expropriação de imóveis de particulares sob o pretexto - garantido por lei de 1851 – de que eram bens de utilidade pública. Esta lei autorizou a demolição de quarteirões inteiros para possibilitar o alargamento das avenidas. (GAUDIN, 1979).

No final do século XIX e início do século XX, este Movimento Higienista chegou ao Brasil, com um ideal completamente novo, cujo principal objetivo era a preocupação com a saúde da população, tanto coletiva como individual. Seus ideais eram a defesa da saúde, a educação pública, e o ensinamento de

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novos hábitos de higiene (SOARES, 2001). Possuía a ideia de que um povo educado e com saúde eram as fundamentais riquezas do país (RABINBACH, 1992).

A política higienista ganhou destaque no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, combatendo as habitações coletivas localizadas no centro cidade, consideradas como condutoras das doenças que afetavam a economia, e desprestigiavam a imagem da capital do Brasil na Europa e América do Norte. (SANTANA E SOARES, 2005). Essa política buscou acabar com todas as doenças da cidade, através de uma “limpeza radical da área central” (ABREU, 1997).Pereira Passos foi o autor da maior reforma urbana que havia sido, até então, realizada na cidade do Rio de Janeiro. Esta grande reforma deu prioridade à construção de grandes avenid as, inspiradas nos boulevards franceses, para facilitar a circulação urbana e embelezar a cidade (BENCHIMOL, 1992).

OBJETIVOSOs objetivos específicos foram, colaborar para a formação do estudo da história da arte dos jardins

do Brasil, uma vez que o mesmo ainda é inexistente nestas cidades da Estrada Real; contribuir para com os futuros trabalhos de restauração da Praça Dr. Paulo Teixeira; ajudar a criar uma metodologia minuciosa e específica de intervenção paisagística para estes espaços, visto que, baseado no que já foi desenvolvido por nossa equipe, percebe-se que os órgãos vinculados ao Patrimônio Histórico enfrentam dificuldades em comunicar e intervir junto aos projetistas e aos contratantes as necessidades especiais destes espaços. O objetivo específico foi Resgatar a história da Praça Paulo Teixeira, inserida no Largo da Cruz, em São João del Rei, considerando sua evolução sócio cultural e paisagística.

METODOLOGIAA metodologia dessa pesquisa se trata de uma interface entre as teorias de Delphim (2005), Lassus

(1994) e Luginbuhl (2006). A análise subjetiva de Luginbuhl (2006) elucida valores estéticos, fenomenológicos ou simbólicos. Esse método se fundamenta na hipótese segundo a qual as paisagens e suas representações apresentam valores que são atribuídos por suas populações, artistas ou ainda por escritores. A análise inventiva de Lassus (1994) possibilita a identificação e a análise, tanto das práticas quanto dos processos de evolução física de um lugar, interpretando os dados naturais, patrimoniais e sociais do mesmo. Essa análise, permite discernir o que seria mais apropriado na relação específica entre o lugar e suas práticas sociais. Delphim (2005), por sua vez, colabora com orientações técnicas sobre conservação e preservação

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de jardins históricos, considerando os aspectos singulares de cada jardim, fazendo com que cada um tenha uma evolução particular e soluções próprias.

A primeira fase de execução desse projeto consistiu na pesquisa de identificação do significado histórico da Praça Paulo Teixeira por meio de pesquisas bibliográficas e iconográficas. Essas pesquisas foram realizadas na Biblioteca Pública de São João del Rei, na Biblioteca do IHG (Instituto Histórico e Geográfico), no escritório Técnico do IPHAN, na Biblioteca do Museu Regional de São João del Rei e nos Arquivos da Associação dos Moradores do Largo da Cruz (AMLC).

Na pesquisa bibliográfica realizou-se um levantamento dos registros escritos encontrados, e na pesquisa iconográfica foram analisados, desenhos de projetos e fotografias.

A segunda fase consistiu na realização de um levantamento do estado atual da praça, procurando identificar o último projeto de ajardinamento instalado na área, reconhecendo as plantas, os equipamentos, o mobiliário, postes, obras ornamentais e estátuas.

A terceira fase consistiu em compilar estes dados e organizar o processo histórico da ocupação do Largo da Cruz, evocando a evolução do seu uso, antes e depois do seu ajardinamento, analisando em cada etapa, como se passou a sua apropriação no inconsciente coletivo de seus moradores.

RESULTADOEDISCUSSÕESA Praça Paulo Teixeira é conhecida popularmente como Largo da Cruz, em razão ao cruzeiro

que existe no local. Está localizada entre as ruas Resende Costa e Tem. G. Palhares de um lado e a antiga Rua da Cruz de outro. Na antiga Rua da Cruz, se encontra um dos Passos da Paixão de Cristo que faz parte do conjunto de Passos da cidade. As primeiras ruas de São João del Rei foram ornamentadas pelos passinhos da via sacra de Jesus, ao lado de oratórios que auxiliam na fé dos são-joanenses. O oratório de São Miguel já não existe mais, porém ainda permanece preservado o Passo do Largo da Cruz (GUIMARÃES, 1994).

As ruas Resende Costa e Tem. G. Palhares, somadas ao trecho que limita a Praça Paulo Teixeira, na época em que São João del Rei ainda era uma vila, formavam a antiga Rua São Miguel. Por volta de 1720, esta era uma das ruas de maior importância desta vila, devido ao fato de constituir uma das mais importantes vias de acesso às áreas de mineração, e por abrigar muitas casas de comércio. No ano de 1771, constava-se no Livro de licença da Câmara um total de 12 vendas (MALDOS, 2001). Segundo relatos, a atual Rua Rezende Costa, antiga Rua São Miguel, foi a primeira rua a possuir um nome na cidade de São João Del Rei. Em 1883 a Rua São Miguel recebeu o nome de Rua Resende Costa. E a travessa que fazia a ligação entre

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a Rua Resende Costa e a Praça Barão de Itambé, o conhecido Beco do Cotovelo, recebeu o nome de Nossa Senhora das Graças (CINTRA, 1982).

A quadra que fazia a divisão entre a Rua da Cruz e a Rua de São Miguel, foi demolida em 1914, e posteriormente transformada em praça, conforme simulação da Il. 1. No ano de 1929 ocorre uma nova designação da atual Praça Dr. Paulo Teixeira segundo o art. 2º da lei nº 566, do mesmo ano, onde a parte da Rua Resende Costa que ultrapassa a Praça Paulo Teixeira volta a denominar-se São Miguel. O trecho de onde se inicia até a praça, permaneceu com a denominação Resende Costa (GUIMARÃES, 1994).As ruas do século XVIII sofreram inúmeras mudanças com o decorrer dos anos. A rua São Miguel transformou-se predominantemente em uma área residencial (MALDOS, 2001). Na Il. 2, é possível observar o casario que foi demolido para a construção da Praça Dr. Paulo Teixeira.

A formação da praça Dr. Paulo Teixeira não ocorreu no início da criação da vila. A princípio era um local onde havia muitas residências e comércios. No fim do século XIX e início do século XX chegava ao Brasil um novo movimento, denominado Movimento Higienista, que objetivava a saúde da população, tanto coletiva como individual. A defesa da saúde pública e o ensinamento de novos hábitos de higienização eram as suas principais proposições (SOARES, 2001). Com o surgimento deste movimento, ocorreram vários incêndios na vila para evitar a proliferação de doenças, e uma das áreas atingidas foi a região da atual Praça Dr. Paulo Teixeira, onde um grande casario foi devastado por um incêndio. Por consequência do ocorrido, no ano de 1914 sucedeu a demolição do quarteirão entre as ruas Resende Costa (antiga São Miguel), Vigário Amâncio e Dr. Paulo Teixeira, dando origem a Praça Dr. Paulo Teixeira, que era denominada Rua da Cruz, atualmente reconhecida pelos sanjoanenses como Largo da Cruz (CINTRA, 1988). Dr. Paulo dos Passos Teixeira nasceu em 1867 na cidade de São João Del Rei. Graduou-se em Direito em 1892, pela Faculdade de Direito de São Paulo. Foi promotor nas cidades de Itapecerica, Bom Sucesso e São João Del Rei, onde ocupou o cargo de presidente da Câmara Municipal (CINTRA, 1988).

A cruz antiga que dá nome ao largo, está incorporada à parte externa de uma das residências. No dia três de maio acontecia a tradicional festa da Santa Cruz, que se conservou até metade do século XX. O Passo da Via Sacra que se encontra no local é aberto nas três primeiras sextas-feiras da Quaresma (EMBRATUR s/d). Antes da demolição do casario que deu origem ao Largo da Cruz, existem hipóteses que afirmam que esta região da cidade se apresentava conforme a simulação da Il. 1.

A praça Dr. Paulo Teixeira conta com presença da estátua de Augusto das Chagas Viegas, que foi o político que mais zelou pelo ajardinamento da cidade. Augusto das Chagas Viegas nasceu na cidade de São Tiago em 1879, mudou-se para São João aos 14 anos, estudou na antiga Escola Nacional e no Colégio

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Maciel. Formou-se em direito pela Faculdade de Direito de Belo Horizonte em 1908. Assumiu a carreira política e foi eleito vereador da Câmara Municipal de São João Del Rei e no período entre 1912 e 1922, quando ocupou o cargo de presidente desta Câmara. Também exerceu a função de secretário de Finanças de Minas Gerais e de Deputado Federal à Constituinte de 1933. Augusto Viegas faleceu aos 94 anos, no dia 3 de agosto de 1973. Em 1978 foi inaugurada na praça Dr. Paulo Teixeira, de frente para sua residência, a estátua em sua homenagem (GUIMARÃES, VIEIRA, 2010).

Il. 1 – Simulação da antiga quadra com os antigos nomes das ruas da região do Largo da CruzFonte: Autor de Nayhara Andrade - 2016

Il. 2 – Região do Largo da Cruz em 1903 – Casario demolidoFonte: Fotografia de autor desconhecidoAcervo do Museu Regional de São João Del Rei

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A Praça Dr. Paulo Teixeira possuía duas palmeiras, que foram cortadas a pedido dos moradores de seu entorno, uma vez que as mesmas estavam oferecendo risco à vida dos residentes e frequentadores do local. Para a supressão destas palmeiras foi necessário fazer um pedido junto ao IPHAN em 2006, que permitiu a retirada das mesmas somente em 2010.

Na década de 1990 a manutenção da Praça Dr. Paulo Teixeira se encontrava muito ruim. Com isto, no dia 11 de janeiro de 1998, ocorreu a primeira reunião de maneira informal com os moradores do Largo da Cruz. João Ramalho a convocou para expor os problemas que afetavam a Praça, tais como lixo espalhado para todos os lados, atraindo cães e outros animais; falta de cuidado do jardim e por fim a falta de segurança para os residentes.

Foi então criada a Associação dos Moradores do Largo da Cruz, sendo eleita a primeira Presidente da Associação a senhora Marta Chaves de Oliveira, a Vice-Presidente a Senhora Maria da Gloria Nascimento Carvalho segundo a Ata de fundação da AMLC, de 1998. A criação desta Associação foi muito importante para esta Praça, que apresentou um excelente estado de conservação neste período em que a mesma assumiu sua manutenção.

Nesta mesma época, por iniciativa da AMLC, foi realizado, um projeto para recuperação do Largo da Cruz. O mesmo visava baixar os canteiros, voltando ao estado original, com canteiros no mesmo nível dos passeios; transferir o monumento do Dr. Augusto Viegas para o centro do jardim; e construir de um pequeno coreto, no centro da praça, para dar apoio a diversas atividades comunitárias. Além disto, este Projeto visava recuperar os passeios públicos das ruas do entorno da Praça, manter um jardineiro exclusivamente para a Praça; implantar bancos e por fim, retirar três árvores de pinos e replantar outras no lugar.

Nesse mesmo período foram realizados muitos eventos e atividades na Praça Dr. Paulo Teixeira por iniciativa da Associação dos Moradores do Largo da Cruz, que também possuía algumas tradições, dentre elas estavam, o Terço no Cruzeiro todo dia 03/05, dia da Santa Cruz, as Festas Juninas, as Serenatas, as conversas e a confecção de crochê e tricô nos bancos da praça.

As residências são de diversos estilos, colonial mineiro e eclético, notadamente marcados pela imigração italiana do final do século XIX. O Passinho presente no local é a 5ª estação da via sacra, onde se encontra os quadros da crucificação de Jesus, Verônica enxugando o rosto de Jesus e por último o “Ecce Homo” que quer dizer Eis o Homem. Em cada terceira sexta feira da quaresma o passinho é aberto e enfeitado por Dona Mercês Santos, uma antiga moradora do lugar (Documentação AMLC, 1998).

Integrada à parede externa da residência de propriedade do senhor Henrique Fernandes, atualmente tombada pelo Patrimônio, encontra-se a antiga Cruz que dá o nome ao Largo. Em torno do

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cruzeiro está a Santa Cruz e os instrumentos do martírio de Cristo, a coroa de espinhos, dados, cálice, cravos, esponja, lanças e túnica, apresentado na Il. 3.

Nas décadas de 1960 e 1970, havia um time de futebol que carregava o nome Largo da Cruz. Este time de futebol começou a jogar na própria praça, na época em que a Praça ainda não era ajardinada.

a. O ajardinamento da PraçaA Il. 4 expõe claramente a praça na década de 1960, com presença de pouca arborização, com

canteiros baixos e sem a presença dos mobiliários urbanos e iluminação. Na década de 1970 a praça era pouco arborizada, possuindo apenas um Ipê Amarelo que caiu após a elevação dos canteiros da Praça. Após a queda deste Ipê Amarelo, os próprios moradores chegaram a plantar uma árvore de ipê rosa no local. Essa elevação dos canteiros da praça teve como consequência, além da queda do Ipê Amarelo, presente na fotografia desta Praça de 1960, a queda de mais duas árvores, em razão do sufocamento de seus colos.

Il. 3 – Detalhe da Cruz localizada na Praça Dr. Paulo Teixeira atualmente, 28/09/2015.Fonte: Fotografia Nayhara Andrade

Il. 4: Largo da Cruz provavelmente no final da década 1960Fonte: Fotografia: Autor desconhecidoArquivo: Acervo da Biblioteca Municipal de São João Del Rei.

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b.MobiliárioA praça apresenta um traçado simétrico, porém seu plantio não segue uma ordem simétrica, o

que não deixa tão evidente esta organização do espaço (Il. 5). O atual estado de conservação desta Praça se encontra muito aquém em relação ao período em que a AMLC era a responsável por esta atividade, pois a manutenção oferecida pelo poder municipal não supre adequadamente suas necessidades. Além disso não é possível identificar um estilo para a mesma. A praça apresenta uma enorme mistura de plantas, que são dispostas com uma certa tentativa de simetria, resultando em uma estética singular.

Figura 5: Planta Baixa da Praça Dr. Paulo Teixeira em 2016 Autor: Nayhara Andrade

CONSIDERAÇÕESFINAISAtravés do estudo realizado pôde-se constatar que a Praça Doutor Salatiel participava do cotidiano

da população e que até mesmo já possuiu uma Associação de moradores que cuidava do local, mesmo que não se tenha conseguido nenhum registro dessa atividade.

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No entanto, nota-se que a praça atualmente não se encontra em bom estado de conservação e que a presença de lixo espalhado na mesma se tornou um hábito. Além do mais, a disposição das plantas nos canteiros não apresenta nenhuma organização estética e o excesso de veículos no seu entorno fazem com que este espaço se torne caótico.

Esta situação cria a necessidade de uma intervenção no local a fim de amenizar os danos gerados pela falta de manutenção da mesma. Para tal, além de reorganizar suas plantas e redefinir seus canteiros, deve-se considerar a avaliação da atitude dos habitantes e comerciantes de seu entorno, que fazem desta praça um depósito de lixo. Outra questão a ser considerada deve ser o trânsito local, bem como as áreas destinadas ao estacionamento de veículos.

A grande dificuldade para se obter informações sobre a praça em questão evidencia a necessidade de dar continuidade a essa pesquisa, pois é clara a importância da mesma para o convívio social da população local. Apesar do entorno da praça abrigar diversos grupos sociais, entremeados de atividades marginais na sociedade, a mesma sempre funcionou como ponto de coesão social, dando a oportunidade para todos serem iguais.

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SOARES, C. L. Educação física, raízes europeias e Brasil. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2001.

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Uma estátua da deusa Vênus é oferecida como presente à estância hidromineral de Caxambu após sua participação no pavilhão das águas da Exposição Universal de Bruxelas em 1910. A escultura moldada em argamassa de cimento imitando um mármore antigo exibe a nudez permitida da deusa que admira o seu reflexo no espelho d’água construído para ela no parque de Caxambu. Sua função é colocar aqueles que buscam o jardim em contato com a poética da beleza em suas aparências refletidas no espelho d’água, lugar do prazer, do asilo desejável. Contudo, intervenções mal executadas e a falta de sensibilidade para acessa-la e conhecer os valores de beleza associados à sua imagem, transformaram-na em apenas mais um elemento decorativo de uma área verde, sem que a água e a estátua exerçam seu lugar na significação de todo o jardim como um universo imaginário possível e compreendido.

Palavras-chave: conservação; espelho d’água; estância hidromineral; jardim; Vênus.

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AMORADADEVÊNUS:OJARDIMFrancisleiL.daSilva|BrunaF.Pereira

Se o mito1 narra que no concurso de beleza entre Afrodite, Atena e Hera, no casamento de Tétis e Peleus, Afrodite (Vênus para os latinos) foi eleita a

mais bela, não é atoa que uma estátua de tal divindade feminina tenha sido ofertada como presente ao Brasil pela premiação da água da “fonte da beleza” na Exposi-ção Universal de Bruxelas, no ano de 1910.

Vários são os pontos que conectam simbólica e esteticamente a iconografia de Vênus aos jardins do Parque das Águas de Caxambu, estância hidromineral localizada no sul do Estado de Minas Gerais, onde a estátua seria fixada e exibida a partir da segunda década do século XX.

Retomando o relato antigo, após a deusa que era casada com Hefesto tê-lo traído com Ares e sido ultrajada diante dos deuses, Afrodite se refugia na ilha de Citera. Watteau consagraria no ano de 1717-18 o tema da “Peregrinação para Citera”2 – a busca pela ilha dos amores. Assim, a morada de Afrodite (Vênus) tornou-se um lugar imaginário à medida que a imagem

UMJARDIMENQUANTOCONFIGURAÇÃOMITOLÓGICA

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da concha e da ilha passaram a inspirar tanto o homem antigo quanto o homem moderno – com sua tendência de olhar para trás e se deixar embevecer pelo passado – a edificar e consagrar lugares onde a beleza pudesse habitar - uma morada do sonho3. Lugares de arquitetura e jardins onde realidade e fantasia se entremeiam, já que a beleza de Vênus certamente não é a beleza das coisas naturais4.

Pensemos primeiramente nas residências romanas do I século d.C., na época do Imperador Augusto, à exemplo dos jardins construídos à pedido de sua esposa Lívia ou da Casa do Bracelete de Ouro e da Casa de Vênus em Pompeia. Ambas integram os jardins com seus canteiros de flores entre fontes e estátuas às pinturas nas paredes dos pátios internos dessas vivendas – painéis que dão profusão a uma decoração profundamente tocada pelo pathos dionisíaco com referências ao sagrado de Vênus: roseiras, lírios, cravos, romãs e macieiras. Aunque parezcan reales, uma observación mas cuidadosa revela que esos poéticoslugarescriados utilizando técnicas que implican lailusiónpictóricason en realidad solo “reales” en aparência [sem grifo no original]5. Por isso, morada dos sonhos, ampliando para dentro da residência um jardim imaginário que combina flores que desabrocham em diferentes estações em um mesmo painel e que se mesclam a criaturas mitológicas, aves e mascarões; como se habitassem um mesmo mundo. O jardim de Vênus na estância hidromineral de Caxambu também corresponde a um lugar poético, cuja criação se dá pela invenção da paisagem enquanto configuração mitológica.

Daí, portanto, o nosso interesse também pela representação de Watteau, ao evidenciar uma singular continuidade ligando a antiguidade remota ao nosso tempo, conforme salienta Norbert Elias em sua análise sobre a tela. Uma gramática própria, que nos permite acessar esse lugar imaginário e ao mesmo tempo tangível. No embarque para a ilha de Citera vemos os casais enamorados reunidos em um jardim dirigindo-se para um barco, a fim de buscar o santuário da deusa do amor. O que nos evidencia ser esse o destino dos viajantes? A presença de uma meia coluna que sustenta um busto feminino envolto por rosas poderia ser o elemento simbólico que nos indica ser esta uma alegoria de Vênus? Acreditamos que sim, pois a Vênus de Caxambu foi colada entre canteiros de rosas (Il. 1).

Para o viajante, é necessário encontrar os elementos de referência que compõem a gramática da paisagem6 que ele busca reconhecer. Por isso, assim que a estátua foi trazida da Europa após a Grande Exposição, construiu-se para ela uma pequena cascata com fingições de rochedos, de forma que ficasse elevada e pudesse se destacar em frente a uma das galerias laterais do Balneário, próxima da fonte da beleza, a fonte intermitente – cujas propriedades terapêuticas da água eram aconselhadas às mulheres que desejavam obter o vigor e a jovialidade da pele – e ser admirada da torre do relógio (um mirante em ferro fundido) há alguns metros à sua frente.

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Il. 1 – Estátua de Vênus em sua cascata em frente ao Balneário do Parque de Caxambu.Fonte: Acervo fotográfico do Sr. José Perez Gonzalez, Fotografia, Caxambu/MG, década de 1910 -

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Entorno da cascata foram cultivados canteiros de rosas e lírios brancos (Il. 1 e Il. 2). Essas frondosas roseiras e os exuberantes lírios floridos foram repetidas vezes temas em cartões e foto postais, colocando-nos em direto contato com a natureza do santuário de Vênus, em forma de paisagem enquadrada.

A escolha das flores para os jardins demonstra o nível de cultura e o conhecimento dos agentes modernizadores da estância hidromineral de Caxambu para introduzir elementos de referência mitológica na criação de um lugar rico em estímulos visuais e de associações mentais – que facilitariam na busca utópica pelo ambiente de regozijo e prazer. Para nós, hoje, por exemplo, não faria qualquer sentido fazer a propaganda das obras de embelezamento do parque nos termos postos no início do século XX, como no trecho a seguir:

Os gregos e romanos se occupavam cuidadosamente dos banhos publicos em geral, e das aguas mineraes em particular.As aguas ferruginosas de Patras são cidades na historia da Grecia, como possuindo a propriedade de embellecer as matronas.Hebe, a deusa da juventude, adquiriu essa propriedade, por usar sempre das aguas mineraes.A mão de fada da Natureza dotou Aguas Virtuosas desse precioso liquido, que, em maneira miraculosa pelas virtudes medicinaes que possue, a torna uma das estâncias hydro-mineraes das mais procuradas7.

A experiência do viajante que frequentava uma estância hidromineral no início do século XX – homens e mulheres abastados que buscavam o prazer das montanhas e o frescor da natureza na prática da vilegiatura8 inaugurada na Europa e incorporada aos seus hábitos pela sociedade rica e por uma elite política ascendente no período da Primeira República no Brasil – necessariamente deveria passar pelas aprendizagens e experiências sensíveis de uma morada da beleza. Tal experiência se ofereceria a partir de uma cosmologia9 implícita que instaurou um sistema de percepção fundamentado no jogo entre os sentidos e os elementos naturais, em especial a água.

Cabe-nos aqui, recordar um exemplo de outra estância hidromineral vizinha à Caxambu, que também investiu no projeto modernizador de edificação dos balneários inspirado na poética da busca pelo santuário de Vênus. A estância de Águas Virtuosas do Lambari possui um lago com ilhotas artificias, sendo uma delas denominada Ilha dos Amores. Lugar para onde homens e mulheres, rapazes e moças se aventuravam no passado, buscando a utopia dessa peregrinação, do lugar onde os vilegiaturistas podiam se divertir em piqueniques ao som da música.

Uma foto postal em especial nos apresenta um importante registro visual de um comprido barco à margem da Ilha dos Amores10. Dentro dele está um barqueiro (como no embarque para a ilha de Citera de

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Il. 2 – Roseiras do jardim no Parque das Águas de CaxambuFonte: Acervo fotográfico do Sr. José Perez Gonzalez, Foto postal, Caxambu/MG, s/d

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Il. 3 – Canteiro de Lírios e rosas no Parque das Águas de Caxambu

Fonte: Acervo fotográfico do Sr. José Perez Gonzalez Foto postal, Caxambu/MG, s/d.

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Watteau) que se apresenta desconfortável ao ser fotografado junto aos cinco alinhados senhores que posam ostentando na lapela e nas mãos as rosas que ali colheram. Escolheram como cenário para enquadramento da foto uma parte da ilha com o mato alto misturado às roseiras, junto a um improvisado quiosque de galhos rústicos, onde dependuraram seus chapéus. Não há mulheres nesse enquadramento, mas as flores insinuam a presença feminina – a presença fantasmagórica de Vênus, devido esse ser o lócus do amor ideal. Por isso, talvez, a solenidade de uma época onde quem posa são homens bem vestidos de paletó e gravata e não com roupas de banho.

O quanto a imagem de uma embarcação que suspira pelas águas na busca de um lugar mitificado pode nos seduzir? Qual a dimensão desse encantamento? À vista ou escondidas, as águas animam as paisagens, deixam vestígios surpreendentes e misteriosos de sua passagem. O espetáculo da natureza trabalhada por este elemento intriga quem admira sua arquitetura.

É isso que pretendemos reforçar com o nosso texto. Só é permitido a nós compreender o jardim do parque das águas de Caxambu como construção e toca-lo sensivelmente, se recordarmos que Vênus está ali. É a sua presença que justifica o jardim. Essa evidência se tornou mais forte, quando na década de 1940 o jardim passou por um projeto de remodelação, tendo a estátua sido colocada no centro de um espelho d’água, mais amplo, construído entre o balneário e a fonte Leopoldina.

Sua base foi fixada sobre um monte de pedras de forma que a escultura ficava rente à água, cumprindo a partir de então com a sua verdadeira função – a da reflexividade. Todo o reflexo do corpo de Vênus podia ser visto no espelho d’água, com o seu gesto de contemplação nos provocando e ao mesmo tempo nos seduzindo. Ela não se porta como a Vênus de Praxíteles (c. 375-330 a.C) ou como a estátua do jardim dos Medici (cópia romana da afrodite de Cnidos, século IV a.C.) que tapa o sexo com a mão e olha para fora se importando com aquele que a vê ou a deseja. Também não se comporta lascivamente como na pintura do nascimento de Vênus de William-Adolphe Bouguereau, acariciando os cabelos num ato de gozo. A Vênus moderna se concentra silenciosamente na sua imagem refletida, a de uma nudez permitida.

Segundo o ensaio de Bachelard, não há como desconhecer essa beleza refletida na água. Mesmo que os diretores da Empreza das Águas responsável pelo projeto remodelador e os jardineiros do parque não tivessem total consciência do significado iconográfico da figura feminina nua, o sentido da sua representação nos induzirá sempre à sua escolha, ao seu encantamento. O reflexo das águas de sua fonte carrega a beleza juvenil, orientando-nos para a lição dada por Schopenhauer: contemplando a beleza de Vênus, com seu apelo à sensualidade feminina, ou ainda as ninfas, participamos da vontade do belo11. As

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águas tranquilas e claras desse manancial nos detêm em sua fonte e em suas margens. O que vemos em seus reflexos é a representação dos sonhos que brotam dessa fonte.

O espelho da fonte é sempre motivo para uma imaginação aberta. Um elemento decorativo em especial favorece essa abertura da imaginação da água através do olhar. Nesse sentido, à medida que nos distanciamos no tempo e perdemos a relação com os códigos de significação que conferiam sentido àquele jardim como morada da beleza, corremos o risco de arruinar toda a sua estrutura acreditando nos servir das ferramentas ideias para o tão evocado trabalho de revitalização, restituição, restauração e manutenção dos jardins de interesse histórico. Não se trata de um problema relacionado à técnica, mas sim do fato de que já não aguçamos a nossa sensibilidade para tocar tais coisas e tais objetos de um mundo imaginário.

Não estimulamos nossos sentidos para ver o reflexo da vegetação que forma um cenário em tons escuros para o reflexo da Vênus alva na água. Não vimos a tocar a água úmida e fria na bica da fonte e a ouvir o seu som cristalino ou, ainda, a cheirar as rosas entorno do fontanário e do espelho d’água.

DOBRAÇODELAOCOONTEÀMÃODOAMORINO:SOBREAPROBLEMÁTICADACONSERVAÇÃO

Quando olhamos para Vênus acompanhada de dois amorini que se divertem em apagar o seu reflexo na água, podemos acreditar se tratar de uma cópia de um mármore antigo, quando na realidade é uma obra em concreto armado de cimento12. Esse reconhecimento da matéria se deu quando trincas provocadas pela dilatação e desgaste da argamassa surgiram em toda a estátua devido à ação do tempo. Mas o maior problema era uma fissura na perna esquerda, na altura da canela, onde se podia observar a estrutura de ferro oxidada exposta (Il. 4).

Com as reformas realizadas no parque nos últimos anos, induzidos pelo valor de novidade, foi feito o preenchimento com massa das áreas de perda e toda a estátua foi pintada com uma tinta latex na cor branca. A base no formato de um tronco de madeira que dá sustentação ao conjunto escultórico foi pintada com uma tinta na cor marrom. Como se não bastasse, a estátua foi elevada sobre um monte de pedras desemparelhadas e posto ao redor da base um cano circular de onde esguicham pequenos círios de água. Assim, Vênus foi destituída de todo o seu domínio ao deixar de cumprir sua função de refletir sobre a água – seu poder imaginativo quebrado, perdendo sua aura – e os amorini não tocam mais a água com suas mãos porque estão encerrados no círculo de pedra (Il. 5).

Paul Phillipot em uma conferência sobre a obra de arte, o tempo e a restauração, apresenta de forma clara o problema relativo à função de uma escultura e sua autenticidade mediante uma nova

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Il. 4 – Vênus refletida no espelho d’água no Parque das Águas de CaxambuCaxambu/MG, 2011Fonte: Fotografia do autor

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Il. 5 – Aspecto da composição escultórica após a intervenção Caxambu/MG, 2016Fonte: Fotografia da autora.

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inversão histórico-estética, bem como as consequências de uma restauração empreendida tomando como base as escolhas erradas. Ao falar sobre a problemática do restauro, esclarece, para além da Carta de Juiz de Fora (2010), que qualquer tipo de intervenção sobre as obras de arte – e aqui incluímos as estátuas e adornos de um jardim – e sua restauração deve ser reconhecido como um momento sempre atual, que pertence ao presente histórico do espectador-receptor.

La obra de arte no deja por ello de ser reconocida como producto de una actividad humana en un tiempo dado y en un lugar dado, y por lo tanto, como un documento historico, como um momento de pasado. Al estar presente en la experiencia actual que la reconoce como tal, la obra no puede por lo tanto ser unicamente el objeto de un conocimiento cientifico historico: forma parte integrante de nuestro presente vivido, dentro de una tradicion artistica que nos une a ella, y permite sentirla como una interpelacion del pasado dentro de nuestro presente: una voz actual en la cual resuena ese pasado13 .

Trata-se de uma escolha e posicionamento que levarão em conta nossa relação de contato e distância, familiaridade e estranheza com a obra. Restabelecer a possibilidade de uma conciliação dialética de uma instância histórica com a instância estética é o ponto que distingue qualquer reparação de uma restauração de obra de arte. Dessa maneira, os profissionais responsáveis pela manutenção e conservação de tais bens culturais devem atuar como um restaurador intérprete, aquele que se empenha, como também dito por Cesare Brandi, a fazer uma distinção dos diferentes tempos da obra de arte14.

É evidente que não é possível querer acessar novamente o momento de criação da obra quando se pretende restaura-la, confundindo-se aí o momento da criação com o da recepção. Haja vista o precioso exemplo citado por Phillipot – o da tentativa de fundir a peça mutilada em uma nova síntese. Como aconteceu com Laocoonte, Montorsoli acreditou ser capaz de esculpir um novo braço para tal obra de arte, crendo orgulhosamente ter assimilado a cultura clássica. Contudo, quando o braço original é encontrado em escavações realizadas no ano de 1960, constatou-se que nada havia em expressão que se assemelhasse à recriação de Montorsoli, mas que havia servido de modelo para estudos até então.

Esse caso fortemente exemplar pode ser tomado como analogia ao que foi empreendido em outro nível com a estátua de Vênus e os dois amorini no parque das águas de Caxambu. Aqueles que agiram na intervenção profundamente danosa à peça acreditavam, mesmo que inconscientemente, estar completando-a e restituindo-lhe a força expressiva necessária para continuar ali, decorando o jardim. A mão direita de um dos amorini, por exemplo, foi refeita grosseiramente a partir de amarrações de arame, cobertas com massa de cimento e em seguida pintada com a tinta branca. O mesmo tratamento se percebe no fragmento da perna direita do amorino deitado ao lado esquerdo

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de Vênus, o qual está encurralado pelas pedras, quando deveria estar tocando a água com as mãos estendidas para frente.

Não podemos nos esquecer de que o jardim é um local de prazer e sensibilidade, composto por uma arquitetura viva que diz muito por si só. A água do pequeno tanque representa o êxtase de ver e mostrar-se15 através dos reflexos, reflexos estes que ora apresentam lucidez, ora devaneios. Essa transmutação que a água e seus reflexos proporcionam tem o propósito de encontro com o íntimo, ao se deparar com o complexo de extremos, entre interior e exterior, profundo e superficial, subjetivo e realista. Diante da água profunda, escolhes tua visão; podes ver a vontade o fundo imóvel ou a corrente, a margem ou o infinito; tens o direito ambíguo de ver e de não ver16. A estátua de Vênus, portanto, aparece como complemento e ao mesmo tempo elemento fundamental na significação desse todo.

A grande dificuldade encontrada por aqueles que vão intervir num jardim que possui uma configuração complexa como essa, é que muito das vezes qualquer ação acaba sendo catastrófica para a preservação do sentido histórico de todo um conjunto de elementos que se apresenta interligado – a sociedade e o monumento. Na intenção de resolver determinado problema, as ações acabam sendo prejudiciais e danosas, desintegrando sua historicidade original e seu valor cultural. A preservação da visualidade de um jardim é um dos pontos primordiais a serem discutidos quando nos propomos a debater sobre o caso específico da Vênus no parque das águas de Caxambu.

As alterações ocorridas em sua estrutura prejudicaram a aparência e retirou-lhe todo aspecto monumental e simbólico, afetando assim o caráter original de suas feições e atribuições. Segundo John Ruskin, em A Lâmpada da Memória é impossível, tão impossível quanto ressuscitar um morto, restaurar qualquer coisa que foi grande e bela em arquitetura17 , pois em sua visão, a restauração mal feita nada mais significava do que destruição. Antes que haja erros irreparáveis é mais cauteloso deixar a obra intacta a lhe adulterar – conferindo-lhe o apreço pelo efeito pitoresco, que hoje parece compor melhor com o jardim na simbiose entre as composições vegetais e arquitetônicas.

Portanto, torna-se necessário, antes de evidenciar a urgência da conservação, repensar essas interferências que desintegram o monumento e inibem os motivos de contemplação, deixando-o modificado e arruinado. Após o reconhecimento de seu sentido inicial é de suma importância que se discuta até que ponto as restaurações são positivas. Sob esse mesmo ponto de vista, Camillo Boito questiona sobre as intervenções realizadas de forma negligente. Mas, em suma, há realmente necessidade desses benditos restauros, que dão a algumas partes da obra antiga um conceito distante do original, ou, pelo menos, não indubitável?18. Daí uma ligação direta com a argumentação de Paul Phillipot assinalada anteriomente.

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Já Viollet-le-Duc, expõe seu ponto de vista abrangendo semelhanças aos autores citados e, acima de tudo, versa sobre os cuidados que devem ser inerente a todo arquiteto restaurador. É, portanto, essencial, antes de qualquer trabalho de reparação, constatar exatamente a idade e o caráter de cada parte, compor uma espécie de relatório respaldado por documentos seguros, seja por notas escritas, seja por levantamentos gráficos19.

Talvez esse seja o problema central na conservação das obras de arte em argamassa de cimento e elementos decorativos para jardins: a praticamente inexistência de documentação em arquivos. No caso da Vênus, encontramos somente o dossiê de tombamento do conjunto paisagístico e arquitetônico do Parque das Águas de Caxambu, elaborado em 1999 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais e o certificado de honra ao mérito concedido à Empreza das Águas de Lambary, Caxambu e Cambuquira pela premiação da fonte da beleza (fonte intermitente) na Exposição Universal de Bruxelas em 1910. O essencial nessa discussão, entretanto, não está em Viollet-le-Duc, mas na importância de se compreender que a obra em si é o documento essencial, por meio do qual qualquer intervenção deva partir. O documento do historiador da arte, do arquiteto ou do profissional da conservação e do restauro deve ser a obra de arte. Partindo-se da necessidade evidenciada por ela no contexto e no estado em que se encontra.

O nosso problema, portanto, concentra-se no momento em que a obra é destituída da capacidade de comunicar, de uma comunicação silenciosa daquilo que sua forma e conteúdo suscitam como no caso analisado de Vênus que já não mais pode mirar-se na água. Estamos diante de uma nova versão daquela primeira Vênus, subtraída a um pedaço de terra que artificiosamente tenta compor uma ilhota “natural”. Contudo ela parece, com sua nudez permitida, exercer ainda metafórica, poética e visualmente sua força evocativa dos nascimentos da água em um jardim, como morada da beleza.

Resta-nos o exercício de observar e interpretar a atitude dos visitantes do parque – do receptor –, e documentar quais novas relações ela pode transmitir e permite acessar em nosso tempo. Quais são essas formas simbólicas que filtram e emolduram nossas percepções da paisagem20 no presente, quando o mito parece não mais nos inspirar e as rosas e lírios já não mais desabrocham e exalam perfume naquele campo.

NOTAS1 Sobre o mito de Afrodite (Vênus), ver: MAGALHÃES, Roberto Carvalho de. O mito de Afrodite. In: COELHO, Teixeira

(org.). A arte do mito. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – MASP. São Paulo: Comunique, 2008, ISBN 978-85-89496-07-0.

2 Antoine Watteau. Peregrinação para Citera; óleo sobre tela, 129 x 194 cm; c.1717; Paris, Museu do Louvre.

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3 Espaços que levam a sonhar no imaginário coletivo: balneários e fontanários, bem como galerias, jardins de inverno, panoramas, fábricas, gabinetes de figuras de cera, cassinos, estações ferroviárias. In: BENJAMIM, Walter. Espaços que suscitam sonhos, museu, pavilhões de fontes hidrominerais. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, n. 31, 205, p. 133.

4 Em Nascimento de Vênus, a paisagem marinha, mais do que não conter, isola a figura da deusa: as ondas se afastam, se afasta o litoral, e a figura parece realmente nua e sozinha – ainda mais nua e sozinha por sua beleza – que não é certamente a beleza das coisas naturais. ARGAN, Carlo Giulio. Botticelli. In: __________. Clássico anticlássico: o renascimento de Brunelleschi a Bruegel. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 212.

5 MAGAGNINI, Antonella; LUCA, Araldo de. El arte de Pompeya. Barcelona/Espanha: BLUME, 2010. p.19.6 Aqui fazemos referência ao texto de Anne Cauquelin sobre os quatro elementos, em que reforça ser necessário no

enquadramento da paisagem encontrar/identificar/reconhecer aqueles elementos que a compõe. Ver: CAUQUELIN, Anne. Os quatro elementos. In: __________. O jardim das metamorfoses: 2. A invenção da paisagem. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 143-152.

7 ALMANAQUE MINAS GERAIS. Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais: 1915, s/n.8 A prática dos tourists, no século XIX, abre uma nova realidade diante da prática de viajar, aliada aos recursos oferecidos

pelo mercado industrial e desenvolvimento dos meios de comunicação. A fotografia foi o principal instrumento para o registro desses passeios por regiões camponesas da Europa, ou por centros arqueológicos, como Pompeia e o Cairo, e por lugares que inauguravam a prática do balneário em antigas termas romanas. A hospedagem nas estâncias de cura e termas tornou‐se recorrente entre a elite do século XIX, inspirada no hábito da vilegiatura (termo definido pelo Larousse du XIXe como “permanência no campo para fins recreativos”. Hábito comum entre a realeza, que ao longo dos séculos se instalava junto aos fontanários com os membros da corte e da elite local. Já no século XIX é a burguesia que se beneficia da natureza virgem de pitorescas estâncias escondidas entre montanhas e alpes, com passeios e diversões. In: SILVA, Francislei Lima da. Monumentos da água no Brasil: pavilhões, fontes e chafarizes. Dissertação de mestrado, Juiz de Fora/MG: ICHS/UFJF, setembro, 2011, p. 28.

9 CAUQUELIN, op. cit., p. 150.

Dos álbuns de famílias antigas de Lambari, são inumeráveis as lembranças da Ilha dos Amores. Mulheres e crianças coroadas com coroas improvisadas, feitas com as flores da ilha, grandes buquês às mãos. Muitos dos barcos sangravam o lago ao som de violinos, flautas e bambolins.

10 Cf. BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 31.

11 Sobre a introdução da técnica da argamassa de cimento no Brasil e suas repercussões em diferentes usos para a decoração de jardins em finais do século XIX e início do século XX, ver os capítulos de Francislei Lima da Silva, Inês El-Jaick Andrade e Nelson Porto Ribeiro publicados no e-book intitulado JARDINS HISTÓRICOS: a cultura, as práticas e os instrumentos de salvaguarda de espaços paisagísticos. Os referidos textos foram apresentados no IV Encontro de Gestores de Jardins Históricos.

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12 PHILLIPOT, Paul. La obra de arte, el tiempo y La restauración. Revista conversaciones... com Paul Phillipot, México/Distrito Federal, n. 1, julio 2015, p. 20.

13 Idem, p. 20.14 BACHELARD, op. cit., p. 33.15 Idem, p. 53.16 RUSKIN, John. A lâmpada da memória. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2013, p. 79.17 BOITO, Camillo. Os restauradores. 2. ed. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2013.p. 41.18 VIOLLET-LE- DUC, Eugène. Restauração. 2. ed. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2013, 47.19 Cf. CAUQUELIN, op. cit., p. 152.

REFERÊNCIASBACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

___________. A poética do espaço. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

BENJAMIM, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

___________. Espaços que suscitam sonhos, museu, pavilhões de fontes hidrominerais. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília, n. 31.

BOITO, Camillo. Os restauradores. Cotia: Ateliê, 2013.

CAUQUELIN, Anne. A invenção da paisagem. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

ELIAS, Norbert. A peregrinação de Watteau à ilha do amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

___________. O processo civilizador. Uma história dos costumes. v.1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.

MAGAGNINI, Antonella; LUCA, Araldo de. El arte de Pompeya. Barcelona/Espanha: BLUME, 2010.

PHILLIPOT, Paul. La obra de arte, el tiempo y La restauración. In: Revista conversaciones... com Paul Phillipot. México - Distrito Federal: n. 1, julio 2015.

SILVA, Francislei Lima da. Monumentos da água no Brasil: pavilhões, fontes e chafarizes. Dissertação de mestrado, Juiz de Fora/MG: ICHS/UFJF, setembro, 2011, 151p.

RIEGL, Alois. O culto moderno dos monumentos. Cotia: Ateliê, 2008.

RUSKIN, John. A lâmpada da memória. Cotia: Ateliê, 2013.

VIGARELLO, Georges. Higiene do corpo e trabalho das aparências. In: CORBIN, Alain. VIGARELLO, Georges. História do corpo: 2 – Da revolução à grande guerra. v.2. 3. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2009.

VIOLLET-LE- DUC, Eugène. Restauração. 2. ed. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2013.

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Este texto analisa os espaços públicos da cidade do Recife ajardinados a partir da década de 1870, enfatizando sua nomenclatura, edificações adjacentes e aspectos funcionais e projetuais. Revela mudanças na terminologia e na morfologia de tais logradouros relacionadas a seus novos atributos, como agenciamentos, vegetação, gradis, bancos, coretos, elementos aquáticos e escultóricos. Estes novos espaços, então denominados de jardins públicos, constituíam novas formas de recreação e alteravam a toponímia urbana no Recife do século XIX no quadro das transformações culturais e sociais em curso no Brasil.

Palavras-chave: praça-jardim, século XIX, Recife, Brasil.

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DAPRAÇAAOJARDIM:OSESPAÇOSPÚBLICOSDORECIFENOSÉCULOXIX1

AlinedeFigueirôaSilva

No último quartel do século XIX, a malha urbana do Recife em sua região central, que hoje corresponde aos bairros de Santo Antônio,

São José, Recife e parte da Boa Vista, já se encontrava consolidada. A partir do início do século XX, seria profundamente modificada e redesenhada a partir da reforma do Bairro do Recife – abertura de vias, redefinição de lotes e quadras, demolições de vários sobrados, remodelação de fachadas e reaparelhamento do porto – e, nas décadas posteriores, por meio da abertura da Avenida Guararapes, em Santo Antônio, e da Avenida Dantas Barreto, nos bairros de Santo Antônio e São José.

O primeiro conjunto de intervenções é repre-sentativo do ciclo de reformas urbanas fundamentadas nos ideais de embelezamento e higienização e cuja ma-triz haussmaniana já foi bastante propalada pela his-toriografia brasileira. E o segundo remete aos planos urbanísticos pautados na expansão urbana, circulação viária e alteração do gabarito das edificações.

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No entanto, foi anteriormente a tais intervenções urbanísticas, já examinadas pela literatura sobre a cidade, que surgiram os primeiros jardins públicos do Recife a partir do ajardinamento de alguns espaços públicos delimitados na malha urbana2. Entre eles estão o Campo do Erário, mais tarde Campo das Princesas; a Praça da Boa Vista, depois Praça do Conde d’EU; e o Pátio, Cais ou Largo do Colégio dos Jesuítas, futuro Largo do Espírito Santo e Praça D. Pedro II, verificados na cartografia do Recife a partir da segunda metade do século XIX (il 1).

Estes espaços abertos, tanto em relação às suas funções tradicionais, notadamente religiosas, militares ou utilitária (coleta d’água nos chafarizes), quanto em razão das edificações adjacentes, ainda se configuravam como espaços secos ou desnudos, portanto, desprovidos de qualquer tratamento paisagístico mais expressivo. A partir da década de 1870, passaram a ser, paulatinamente, dotados de vegetação, bancos, coretos, luminárias, esculturas e gradis, fontes e lagos – novos atrativos e novos atributos – como resultado da nova ordem urbana instaurada pelo Império, impulsionando novos hábitos culturais disseminados ao longo do século XIX e primeiras décadas do XX.

Os espaços públicos ajardinados – denominados em seu conjunto de jardins públicos nas fontes documentais de época – resguardavam semelhanças quanto ao traçado, porte e esquema de plantio da vegetação, existência de gradis e coretos, a despeito das diferenças funcionais das praças, campos ou largos onde surgiram, sua configuração geométrica e dimensão (Il. 2 a 5).

ESPAÇOSPÚBLICOS,ASEDIFICAÇÕESADJACENTESEATOPONÍMIAURBANA

Além das mudanças relativas à morfologia urbana, a difusão dos jardins outorgou um batismo dos espaços públicos do Recife a partir do século XIX. Os nomes correntes até então – praça, campo, pátio e largo – indicam, por um lado, do ponto de vista semântico e urbanístico, algumas diferenças entre si, relativas à sua forma, dimensão ou função, evidenciadas em documentos, registros iconográficos, cartográficos e dicionários de época. Por outro lado, tais logradouros pertencem a uma genealogia comum em relação à noção de espaço aberto e coletivo e existência de poucos equipamentos.

A expressão praça significa, etimologicamente, lugar público cercado de edifícios, largo, mercado, feira e seu aparecimento na língua portuguesa remonta ao século XIII, derivada do latim platea (CUNHA, 1986, p. 627).

De acordo com o “Diccionario da Lingua Portugueza”, de Antonio de Moraes Silva Silva (1878, v. 2, p. 487), a praça, do francês place, também originada do latim platea, é um lugar publico espaçoso, e

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Il. 1 – Recorte da Planta da Cidade do Recife elaborada por Douglas Fox & H. Michell Whitley, 1906. Projeção dos

espaços públicos ajardinados. Fonte: Acervo do Museu da Cidade do Recife, modificado pela autora.

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descoberto, cingido de edificios, para ornato das cidades, villas; ou onde se fazem feiras, mercados, leilões”; lugar onde se tractam cousas de commercio.

O verbete comporta diversas definições e está enraizado em ditos e expressões coloquiais. Provérbios como “Mais valem amigos na praça, que dinheiro na arca” e “O homem na praça, a mulher em casa” (SILVA, 1878, v. 2, p. 488) inscrevem, no espaço físico da cidade, a conotação da praça como espaço público fundamental ao cotidiano, lugar dos encontros e da mercancia, vocação histórica que assumiu na cultura dos povos latinos, onde se achavam homens de letras e de negócios.

Por isso, a palavra também encarna a ideia de “reputação” ou “nome” (SILVA, 1789, v. 2, p. 227), de onde surgiram expressões ainda hoje de uso corrente, como “ser conhecido na praça” e “ter nome bom na praça”, sobretudo no âmbito dos negócios. Este entendimento encontra-se no “Diccionario da Lingua Brasileira”, de Luiz Maria da Silva Pinto (1832, s/p.) – “lugar espaçoso, e descoberto nas cidades”; “lugar fortificado de muros”; “o lugar onde se ajuntão diariamente os negociantes” – e no “Grande Diccionario Portúguez ou Thesouro da Lingua Portugueza”, de Domingos Vieira (1873, v. 4, p. 877) – logar espaçoso dentro de qualquer povoação, onde se fazem as feiras, mercados.

Nas palavras do escritor Vanildo Bezerra Cavalcanti (1977, p. 158), as praças são “um campo de cultura, de comunicação, de história. Nelas se arquitetam amor e poesia, se faz política e se ouve música, se passeia e se descansa, se respira um ar melhor e se medita, se alcança a liberdade ou por ela se morre”. O vocábulo campo, do latim campus, vincula-se à ideia de um espaço ermo, plano e descampado, de natureza militar. Significa “espaço de terra baixa e plana sem edificios, nem arvoredo; terras de lavoura, ou pastagem”; “terra fóra da cidade, ou villa”; “o acampamento, ou arraial militar, as tropas que o compõem” (SILVA, 1877, v. 1, p. 321).

Para Vieira (1873, v. 2, p. 70), o campo expressa uma “extensão de terra cultivada ou cultivavel sem arvores”; “terra fora da cidade em geral”; “espaço aberto e chato”; “o logar em que se dá uma batalha”; “o acampamento ou arraial militar, as tropas de que se compõe”. Até hoje, essa conotação de “enfrentamento” se verifica nas expressões “entrar em campo”, que significa “lutar”, no sentido militar, ou propriamente no terreno intelectual, como “espaço livre, carreira, assumpto”, por isso “campo das artes” e “campo da litteratura”, entre outros (VIEIRA, 1873, v. 2, p. 70-71).

O largo, do latim largus, por sua vez, define-se como “pequena praça” (VIEIRA, 1873, v. 3, p. 1265; SILVA, 1878, v. 2, p. 219). O pátio corresponde à “entrada murada, e descoberta de hum palacio” (PINTO, 1832, s/p.) ou “área murada, e descoberta, que está a entrada da casa”; “o pateo, entre os jesuitas, as suas

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aulas de latim, e bellas lettras”; “o páteo da comedia, a plateia; porque aí nos páteos, e talvez descobertos ou toldados se representava, e assistia o povo ás representações” (SILVA, 1878, v. 2, p. 421-422).

No Recife, tais significados estão cristalizados na atual Praça da República, cuja mudança de nomes – Praça do Palácio Velho, Campo do Erário, Campo da Honra (1817), Campo dos Mártires (1817), Campo ou Pátio ou Praça do Palácio (1840-1843), Largo do Paço (1859) e Campo das Princesas (1859) – revela aspectos de sua história e os edifícios que a emolduravam, em parte preservados até hoje.

Foi nesse sítio que Maurício de Nassau construiu o Palácio de Friburgo no século XVII, cujo jardim foi destruído após a saída dos holandeses. O palácio permaneceu de pé, servindo de residência aos governadores da província de Pernambuco por um bom tempo, até ser destruído em 1769. O espaço ao redor tornou-se um grande descampado, chamado de Praça do Palácio Velho. Com o refugo da demolição ergueu-se o edifício do Erário Régio na porção norte do sítio, motivo pelo qual a praça passou a ser chamada de Campo do Erário. Restava, no lado sul, o Convento dos Franciscanos, anterior à presença dos flamengos, enquanto o campo era banhado pela Praia do Palácio Velho, a leste.

Os revolucionários de 1817 o denominaram de Campo da Honra e o povo, de Campo ou Praça dos Mártires, em comovente memória dos líderes republicanos supliciados na forca lá erguida (MESQUITA, 1999, p. 10). Quanto à fisionomia do sítio, em 1818, Bernardo Teixeira Coutinho Alves de Carvalho afirmou: o Campo do Erário é grande e rodeado do mar, tem ao norte o palácio do Erário, e ao sul o quintal do convento de Santo Antônio, o qual fecha no mesmo convento, e deixa dois estreitos compridos, que fazem as duas únicas estradas do campo (apud COSTA, v. 4, 1983, p. 209).

Demolido o prédio do Erário, em 1840, começou a ser edificado, no mesmo local, o Palácio da Presidência da Província, concluído em 1843 e reformado em 1893 (CAVALCANTI, 1977; ANDRADE, 1978), de modo que o descampado passou a se denominar de Campo, Pátio ou Praça do Palácio, sem perder de todo o nome de Campo do Erário (COSTA, 1983, v. 4, p. 209).

Enquanto o Teatro de Santa Isabel era inaugurado em 1850, tendo sido incendiado em 1869 e reaberto em 1876, era criada, em 1852, a Biblioteca Pública Provincial, aberta em 1860 – duas novas construções que pontuavam o velho descampado e já encontradas pelo Imperador D. Pedro II, quando visitou o Recife em 1859.

Em homenagem à Família Imperial, a Municipalidade impunha ao logradouro a nova designação de Campo das Princesas, que ainda colecionou a efêmera denominação de Largo do Paço, visto que o palácio serviu de residência oficial (COSTA, 1983, v. 4, p. 209). Posteriormente, ergueram o prédio da Escola

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de Engenharia, que, em vez disso, foi ocupado pelo Tesouro Estadual (ANDRADE, 1978) e o Liceu de Artes e Ofícios, cujas obras foram iniciadas em 1871 e concluídas em 1880.

A predominância do nome campo, ganhando sucessivos qualitativos, se vincula exatamente ao período em que este espaço público permaneceu como um grande descampado, também designado por pátio e largo, depois Jardim do Campo das Princesas e, finalmente, Praça da República, à medida que novas edificações erguiam-se no entorno e novos fatos históricos, políticos e sociais inscreviam-se no espaço e na toponímia urbana (Il. 2).

Esta foi a trajetória de vários logradouros públicos de diferentes cidades do Brasil, alguns ajardinados a partir do século XIX. É o caso do Campo de Santana (1735 e 1880), no Rio de Janeiro (ajardinado em 1873-1880), que havia se chamado Campo da Cidade, Campo de São Domingos e, depois, Campo da Aclamação (1822), Campo da Honra, Campo da Redenção, Campo da Liberdade, Campo do Passeio, Campo da Aclamação (coroação de D. Pedro II, 1841), Parque Campo de Santana (1917), Parque Júlio Furtado (1934) e Praça da República (1939) (TERRA, 2009).Ou, ainda, do Largo da Fortaleza (1824), depois Campo ou Largo do Paiol (1845), Campo ou Largo da Pólvora, Largo do Hospital da Caridade (1856), Largo ou Praça da Misericórdia e, por fim, Praça dos Mártires (1879), na capital cearense, onde foi criado o Passeio Público da cidade por volta de 1880 (CUNHA, 1990; SILVA, 2016).

O Largo do Aterro da Boa Vista, no Recife, era um grande alagado na área de ocupação antiga da Boa Vista, além dos limites dos bairros de Santo Antônio e São José. O largo corresponde, atualmente, à Praça Maciel Pinheiro, à frente da Igreja Matriz da Boa Vista. Segundo Pereira da Costa, todo êsse grande espaço era alagado e coberto de mangues, sendo assim necessario um aterro, que terminava junto á igreja matriz (COSTA, 1983, v. 6, p. 98). O local onde se construía aquêle templo em 1786, ficava já nos alagados do rio (COSTA, 1983, v. 6, p. 98). Após o aterramento e a implantação da igreja, o largo passou a se chamar Largo ou Praça da Matriz ou Praça da Boa Vista, sendo edificadas casas térreas e sobrados (COSTA, 1983, v. 6, p. 99).

Em 1831, apresentava-se na Câmara Municipal do Recife o projeto de um monumento que se pretendia erigir em memoria dos martyres da pátria de 1817 e 1824, de autoria do arquiteto Manoel Scott e oferecido por um grupo de cidadãos, solicitando que o levantassem na Praça da Boa Vista, a qual passou a ser chamada de Praça dos Martyres, por deliberação da mesma camara (PEREIRA DA COSTA, 1920, p. 20-21). Embora a ideia não tenha sido concretizada, ficou de pé a patriotica consagração de Praça dos Martyres imposta áquella em que se tinha de erigir o monumento (PEREIRA DA COSTA, 1920, p. 22).

Como o monumento não foi colocado na Praça da Boa Vista, mais tarde, em 1846, lá se instalou um chafariz para abastecimento da população ligado ao sistema de captação d’água do Prata e operado

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pela Companhia do Beberibe (MENEZES, ARAÚJO & CHAMIXAES, 1991). Adquirido em Gênova, o chafariz foi implantado na Praça da Boa Vista e depois trasladado para o Passeio Público ou Cais do Colégio, em razão de suas modestas proporções, erguendo-se em seu lugar uma fonte-chafariz em pedra de autoria do Mestre André Wilmer (MENEZES, ARAÚJO & CHAMIXAES, 1991).

Em 1870, a Municipalidade impunha ao logradouro o nome de Praça do Conde d’EU, príncipe casado com a Princesa Isabel e que tantos serviços prestou na campanha do Paraguay, e tantos louros colheu para a sua patria adoptiva (PEREIRA DA COSTA, 1920, p. 22). Vanildo Bezerra Cavalcanti (1977) e Mário Sette (1948) ainda apontam as denominações de Praça de Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista, por conta do templo católico vizinho, e Largo ou Praça do Moscoso, em gratidão ao Doutor Pedro de Athayde Lobo Moscoso, médico, vereador e diretor da Inspetoria de Higiene Pública que conduziu campanha para seu ajardinamento. Inaugurado em 1875, o logradouro passou, então, a ser designado de Jardim da Praça do Conde d’EU (Il. 3).

A mudança de nomes deste logradouro público, desde o século XVIII até o final do século XIX – Largo do Aterro da Boa Vista, Largo ou Praça da Matriz, Praça da Boa Vista ou Praça de Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista, Praça dos Mártires (1831), Praça do Moscoso, Praça do Conde d’EU (1870) – vincula-se a fatos da história política do Recife e do Brasil e à evidente presença do templo religioso em sua vizinhança, a exemplo da atual Praça Dezessete.

Esta praça remonta ao adro do templo calvinista construído em 1642 no período holandês (SÁ CARNEIRO & MESQUITA, 2000; GUERRA, 1970). Com a saída dos holandeses e a Restauração de Pernambuco, os Jesuítas obtiveram licença para a fundação de um Colégio na povoação do Recife, instalando-o em área que abarcava o antigo templo, cuja reforma foi iniciada em 1686 e finalizada em 1689 (GUERRA, 1970). O adro passou a se chamar Praça ou Pátio do Colégio dos Jesuítas. Após a expulsão dos Jesuítas dos territórios portugueses em 1759, o Colégio foi desocupado e a Igreja, entregue aos cuidados do bispo diocesano, entrou em fase de decadência (GUERRA, 1970).

Deflagrada a Revolução de 1817, a igreja foi ocupada pelas tropas remetidas da Corte para combater os insurretos (GUERRA, 1970). Os soldados alojaram cavalos no recinto do santuário, provocando a reação da Irmandade do Espírito Santo, que requisitou e obteve a posse do templo em 1855 (GUERRA, 1970), de modo que o pátio passou a ser conhecido como Largo do Espírito Santo.

Essa denominação coexistiu com a de Praça D. Pedro II, que desembarcou no vizinho Cais ou Passeio Público em 22 de novembro de 1859, passando a se chamar Cais 22 de Novembro. Quando ali aportou,

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Il. 2 – Campo das Princesas, antes e depois do ajardinamento. Fonte: Ferrez (1981) e Ferrez (1988).

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o Imperador já encontrou na praça o chafariz da Companhia do Beberibe que havia sido remanejado da Praça da Boa Vista para o Passeio Público ou Cais do Colégio ou Largo do Colégio (MENEZES, ARAÚJO & CHAMIXAES, 1991). Em 1877, iniciava-se o ajardinamento do logradouro, que passou a ser conhecido como Jardim da Praça D. Pedro II ou Jardim da Praça do Espírito Santo (Il. 4).

Em síntese, a nomenclatura dos espaços públicos do Recife no século XIX (Tabela 1) relaciona-se às suas funções, usos e atributos morfológicos, às edificações circundantes e à ocorrência de fatos políticos e eventos históricos inscritos na toponímia urbana, incluindo nomes oficiais e populares.

Il. 3 – Praça da Boa Vista, antes e depois do ajardinamento.Fonte: Ferrez (1981) e acervo da autora.

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OSESPAÇOSPÚBLICOSEOTRATAMENTOPAISAGÍSTICO:NOVOSATRIBUTOSMORFOLÓGICOS,FUNCIONAISETOPONÍMICOS

Sabe-se que a instalação da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro em 1808 e a abertura dos portos, seguidos da Independência do Brasil em 1822, redefiniram o panorama artístico, científico e intelectual do país, estimularam a formação de um Estado laico, o desenvolvimento da imprensa, do ensino superior, as trocas comerciais com nações europeias, a construção civil e a implantação de redes infraestruturais e serviços urbanos.

A paulatina substituição dos engenheiros-militares e mestres-de-obras na concepção e execução das obras públicas, a atuação técnica de franceses, ingleses e italianos e a introdução de materiais de construção industrializados repercutiram na afirmação de uma nova cultura arquitetônica, urbanística e paisagística (SILVA & LORETTO, 2010). Modificaram-se padrões de estética, higiene pública e sociabilidade.

A partir da segunda metade do Oitocentos, foram realizados vários melhoramentos nos centros urbanos mais populosos: abastecimento d’água, iluminação pública a gás, recolhimento de esgotos, pavimentação, vias férreas e serviços de comunicação como o telégrafo e ações de ajardinamento de diversos espaços públicos.

O chão urbano, até então quase desprovido de mobiliário, exceto elementos litúrgicos temporários, com pouca ou nenhuma vegetação, estava consagrado a eventos religiosos e concentração após os ofícios, feiras, coleta d’água, manobras militares e combates simulados, aplicação de castigos e justiçamentos, cerimônias reais, representação de autos, touradas, circos, jogos e mascaradas (MARX, 2003; REIS, 2000; VAZ, 2001; DERENJI, 2001; SILVA, 2001). A partir da implantação de fontes, chafarizes, monumentos, luminárias, bancos e placas, bebedouros, árvores e canteiros nos logradouros públicos originavam-se espaços verdes para o gozo da população e alterava-se a feição centenária e desnuda das cidades coloniais brasileiras (MARX, 2003).

Nas últimas três décadas do século XIX, uma vez ajardinados, alguns espaços públicos do Recife experimentaram mudanças significativas em relação a seus atributos morfológicos. Deste modo, os jardins públicos da cidade impulsionavam novos hábitos, como o passeio elegante e refrescante, chamado de footing, a apreciação dos lagos, ornamentos e demais atrativos, e a assistência das apresentações musicais nos coretos por ocasião das retretas domingueiras ou em eventos festivos.

O traçado dos novos jardins era configurado por um caminho descoberto rente ao gradil propício ao footing, permitindo aos praticantes exibir-se ao longo do percurso perimetral, afinal este era um exercício

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de elegância e exibição social, ocasião para ver e deixar‐se ser visto (SILVA, 2016, p. 199) (Figuras 2 a 4). Internamente, o traçado assumia contornos sinuosos, definidos por canteiros com plantas herbáceas e arbustivas.

A iconografia que retrata os primeiros jardins do Recife em seus aspectos mais antigos sinaliza a utilização de espécies vegetais de pequeno e médio portes, quando comparadas ao plantio expressivo de arbóreas nos projetos realizados em meados dos anos 1920 . Em fotos e cartões postais do final do século XIX e princípio do XX, notam-se pinheiros (Araucaria sp.), ravenalas (Ravenala madagascariensis) e arecas (Dypsis lutescens) plantados ao modo de elementos escultóricos livres no meio dos jardins (SILVA, 2016, p. 191). Assim viam-se ravenalas poucas e isoladas em locais que permitiam sua contemplação” no Jardim da Praça D. Pedro II e no Jardim da Praça do Conde d’EU (SILVA, 2016, p. 191).

Por outro lado, os renques de palmeiras imperiais (Roystonea oleracea) no Jardim do Campo das Princesas, inequívoco “símbolo de identificação com a nobreza do Império” e “expressão flagrante de monumentalidade”, demarcavam os eixos em cruz que ligavam as construções palacianas e institucionais do entorno, hierarquicamente importantes (SILVA, 2016, p. 191; 193)4.

Il. 4 – Pátio do Colégio ou Praça do Espírito Santo, antes e depois do ajardinamento. Fonte: Ferrez (1981) e Silva & Leite (1992).

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Destacavam-se ainda nesse jardim esculturas alegóricas da mitologia greco-romana, peças em ferro fundido adquiridas via catálogo no conjunto das chamadas fontes d’art, a exemplo de chafarizes, vasos e outros objetos decorativos importados da França para ornar numerosos recintos ajardinados. Tais esculturas foram produzidas pela fundição francesa JJ Ducel et Fils, assinadas pelo escultor Eugène Louis Lequesne, como informam as inscrições JJ Ducel & Fils e E. Lequesne e os anos de “1863” e “1864’, ainda hoje visíveis em algumas dessas peças. Por sua vez, o mobiliário incluía bancos em madeira, luminárias, coretos, gradis e portões em ferro, por vezes assentados sobre muros, os quais funcionavam como dispositivo de controle, porém decaíram ao longo do tempo em todos os jardins recifenses5.

Os coretos ou pavilhões de música em ferro representavam uma atração à parte, tanto por seu caráter utilitário – palco e abrigo para as bandas de música durante as retretas, garantindo-lhes elevação e posição de destaque perante o público e protegendo-lhes das intempéries –, quanto por sua função decorativa (Il. 2 a 5)6. Ricamente elaborados e também comprados por catálogo de países europeus, os coretos incluíam-se no amplo universo de edificações, instalações, equipamentos e componentes arquiteturais metálicos largamente importados por países em vias de urbanização a partir do século XIX.

Segundo descrição de Geraldo Gomes da Silva (1986), comumente possuíam planta circular ou poligonal tendendo para o círculo, erguiam-se sobre uma base maciça ou com porão de alvenaria, apoiavam-se em colunas de ferro fundido, eram dotados de escada e peitoris em ferro fundido e cobertos com delgadas lâminas de ferro galvanizado ou zinco. A base de alvenaria chamava-se “tambor” e continha um assoalho que funcionava como “caixa de ressonância”, sobre o qual se assentava a construção, geralmente em ferro fundido e o mais aberta possível, para não abafar o som, sustentando uma cobertura em dossel, conforme explica Cacilda Teixeira da Costa (1994, p. 178-179).

Os coretos dos jardins recifenses inscrevem-se na narrativa do cronista Mario Sette (1981, p. 159), que evoca as execuções musicais semanais das duas principais bandas da cidade – a Matias Lima e a Charanga do Recife, ao relatar que aos domingos, si alguma delas ia tocar na famosa retreta da praça Republica, garantia‐se a elegancia e o vulto da assistencia, onde achava-se a fina sociedade recifense, por entre as palmeiras do parque, pelos banquinhos de madeira, transpondo os portões do jardim, rodeando o côreto. Os concertos ocorridos na já denominada Praça da República eram frequentados pelo cronista em 1903 que assim os descreve: retrêtas concorridas, elegantes, famosas no Recife de ontem, para as quais se faziam vestidos e se elaboravam repertórios requintados; musica para se desfilar gravemente pelas alamedas (SETTE, 1981, p. 202).

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O autor recorda-se ainda que em 1901, si não ha engano, houve um torneio musical entre as duas bandas rivais no jardim da Praça Maciel Pinheiro, nas comemorações do “15 de Novembro” (SETTE, 1981, p. 159). Na festa, as bandas executaram o hino nacional e o torneio ficou uma coisa séria, pois deu 9, 10, 11, 12 horas da noite e cadê que nenhuma das bandas queria descer do corêto?! (SETTE, 1981, p. 159).

Os pavilhões eram também ornamentos apreciados como parte da decoração dos jardins, a exemplo das peças escultóricas e aquáticas. A água, antes presente nos chafarizes operados pela Companhia do Beberibe para o abastecimento da população, passou a ser valorizada por suas propriedades visuais, refrescantes e sonoras, nos lagos do Jardim do Campo das Princesas ou na fonte-chafariz do Jardim da Praça do Conde d’EU. Esta era uma fonte em mármore importada de Portugal, esculpida em Lisboa pelo artista lusitano Antônio Moreira Rato. Estabelecia-se uma nova relação entre os atributos morfológicos dos jardins e a toponímia urbana. Logradouros diretamente vinculados à presença de edifícios sacros, como o Largo da Matriz da Boa Vista e o Pátio do Colégio dos Jesuítas, foram ajardinados e abandonaram sua invocação religiosa.

Os jardins do século XIX ganharam designações ligadas à Corte – Jardim do Campo das Princesas, Jardim da Praça do Conde d’EU, Jardim da Praça D. Pedro II e Praça Visconde de Mauá (Tabela 1), havendo uma justaposição entre termos – o jardim da praça, o jardim do campo, o jardim do pátio ou o jardim do largo –, frequente em muitas cidades brasileiras e perpetuando-se nas primeiras décadas do século XX. Uma vez encerrados por gradis e portões, os jardins oitocentistas recuperavam o sentido etimológico do termo enquanto recinto fechado e aprazível. Nas línguas vernáculas do Ocidente, a palavra se vincula ao hebraico gan, ou seja, proteger ou defender, sugerindo a presença de uma vala ou cerca, e eden ou oden, exprimindo a noção de prazer, deleite (SILVA, 2010). Da combinação entre os dois termos, a palavra jardim passou a significar um recinto de terra para o prazer e o deleite (LAURIE, 1983, p. 29).

Instalado no espaço público, urbano, o jardim desvincula-se da sua histórica inserção no domínio privado e adquire novas significações semânticas e urbanísticas. Tal ampliação pode ser ilustrada ao se consultar a obra de Antonio de Moraes Silva. No final do Setecentos, o verbete indicava porção de terra cultivada, e plantada de flores (SILVA, 1789, v. 1, p. 742) e, quase um século depois, porção de terra ordinariamente de pouca extensão, cultivada, e plantada de flores e outras plantas, para recreio, e passeio (SILVA, 1878, v. 2, p. 198).

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Contudo, a afirmação do Império seria, mais tarde, suplantada pela República na toponímia urbana instaurada com a proclamação do novo regime político em 1889. Caíram os nomes ligados à Corte e à nobiliarquia – condes e viscondes – e os jardins imperiais foram rebatizados em distinção às causas republicanas e abolicionistas – como a Praça da República e a Praça Maciel Pinheiro, por volta de 1889, e a Praça Dezessete, designação outorgada em 1890 em homenagem à Revolução de 1817.

Segundo Pereira da Costa, em 1889, o Jardim da Praça do Conde d’EU foi rebatizado para homenagear á memoria do illustre Dr. Luiz Ferreira Maciel Pinheiro, que tanto se nobilitou pelos seus serviços em prol da causa democratica e da libertação dos escravos (PEREIRA DA COSTA, 1920, p. 23). Ainda de acordo com o autor, a Praça D. Pedro II teve a denominação de Dezessete, decretada pela mesma municipalidade em 31 de Janeiro de 1890, para commemorar o nosso movimento separatista de 1817 (PEREIRA DA COSTA, 1927, p. 251).

Espaços de recreio e formosura ou visando ao aformoseamento da cidade, expressões comuns em documentos da época, os jardins do Recife se consolidariam como espaços consagrados à vida da sociedade que se constituía cada vez mais urbana. A transformação de campos, praças, pátios e largos em jardins, verificada ao nível do vocabulário e da sua forma construída, também ocorreu no âmbito dos usos, em que pesem as construções adjacentes, constituindo, portanto, uma nova relação física, funcional e terminológica com a vizinhança edificada e o contexto urbano ao qual aqueles estavam diretamente vinculados.

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Tabela 1 – Denominação dos espaços públicos do Recife

ajardinados no século XIX

Tabela 1: Denominação dos espaços públicos do Recife ajardinados no

século XIX.

Fonte: A autora.

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DERENJI, J. da S. Sé, Carmo e Largo do Palácio: espaços públicos de Belém no período colonial. In: TEIXEIRA, M. C. (Org.). A praça na cidade Portuguesa. Lisboa: Livros Horizontes, 2001. p. 185-197.

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FERREZ, G. O Album de Luís Schlappriz – memória de Pernambuco: Álbum para os amigos das artes, 1863. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981.

NOTAS1 Este texto é uma versão reformulada da comunicação não publicada “Da praça colonial ao jardim imperial: os espaços

públicos do Recife no século XIX”, apresentada no Colóquio “As Praças nas Cidades de Origem Portuguesa: perspectivas históricas e contemporâneas”, ocorrido em Lisboa em novembro de 2011 sob a coordenação geral do professor Manuel Teixeira, a qual, por sua vez, baseia-se no livro “Jardins do Recife: uma história do paisagismo no Brasil (1872-1937)”. Apresenta reflexões posteriormente desenvolvidas no artigo “O léxico na história do paisagismo no Nordeste do Brasil (XIX-XX)” (SILVA, 2015 in Historia Crítica, n. 56, p. 85-111) e na Tese de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo intitulada “Entre a implantação e a aclimatação: o cultivo de jardins públicos no Brasil nos séculos XIX e XX” (SILVA, 2016).

2 Consideram-se os jardins do Campo das Princesas, inaugurado em 1872 (DIARIO DE PERNAMBUCO, 19/10/1872, p. 2; 21/10/1872, p. 2); da Praça do Conde d’EU, inaugurado em 1875 (DIARIO DE PERNAMBUCO, 14/10/1875, p. 1; 16/10/1875, p. 1); da Praça D. Pedro II, iniciado em 1877, e a Praça Visconde de Mauá ou Jardim Sete de Setembro, cujas datas de início das obras e inauguração não são conhecidas. Entretanto, admite-se que a criação deste último jardim possa ter ocorrido por volta de 1888, ano de construção da Estação Ferroviária Central do Recife, defronte à qual estava localizado. Para detalhes dessa cronologia e documentação primária utilizada na pesquisa ver “Jardins do Recife: uma história do paisagismo no Brasil (1872-1937)” (SILVA, 2010, Cap. 2, p. 45-83).

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JARDINS HISTÓRICOS

FERREZ, G. Velhas fotografias pernambucanas: 1851-1890. Rio de Janeiro: Campo Visual, 1988.

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JARDINS HISTÓRICOS

Em 2012, a cidade do Rio de Janeiro recebeu o título de Paisagem Cultural concedido pela UNESCO, que recomendou que seja feito um inventário e elencado os atributos paisagísticos do lugar. Em atenção à obra de Roberto Burle Marx no sítio, percebeu-se que o Passeio de Copacabana constitui um limite no modo de fazer e pensar a concepção até então estabelecida pelo paisagista. O artigo apresenta um ensaio sobre este jardim, analisado à luz do conceito de discurso do filósofo Michel Foucault. Compreende-se que se trata de um marco, a partir do qual se tem a inclusão de um novo princípio projetual que busca interpretar os significados da paisagem, decifrando o ‘espírito do lugar’.

Palavras-chave: Arquitetura paisagística; Jardim Moderno; Roberto Burle Marx; Haruyoshi Ono.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

PASSEIODECOPACABANAOLIMITEDODISCURSODOJARDIMMODERNODEROBERTOBURLEMARXNAPAISAGEMCULTURALCARIOCAAldadeAzevedo| FerreiraeFernandoOno

A categoria chamada “paisagem cultural” foi criada em 1992 pelo Comitê do Patrimônio Mundial, com o objetivo de repensar os critérios culturais

utilizados para justificar a inscrição de bens na Lista do Patrimônio Mundial, almejando o reconhecimento de “obras conjugadas do homem e natureza de excelente valor universal”. Sua criação teve como objetivo dar origem a uma categoria unificada mais abrangente, sobre a qual a própria paisagem é um bem que se atribui valor a partir de todas as inter-relações que nela coexistem. Desta forma, como categoria patrimonial, a paisagem rompe com a dicotomia anterior superando a divisão entre natureza e cultura, para ampliar a abordagem e integrar o patrimônio cultural e natural (RIBEIRO, 2007).

Em 2012, na 36ª sessão do Comitê do Patri-mônio Mundial, realizada em São Petersburgo, na Rús-sia, o sítio da cidade do Rio de Janeiro foi inscrito na Lista do Patrimônio Mundial, na categoria de Paisagem Cultural, tornando-se a primeira do mundo no meio ur-

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JARDINS HISTÓRICOS

bano. A proposta se chamou “Rio de Janeiro, Paisagens Cariocas entre a Montanha e o Mar”, a fim de re-fletir a inclusão de áreas urbanas que fazem fronteira com o mar e a ideia de uma paisagem cultural global.

A área delimitada, de acordo com o Dossiê de Candidatura da Cidade do Rio de Janeiro a Paisagem Cultural Brasileira (2012), engloba os principais elementos que estruturam o sítio da cidade do Rio de Janei-ro, agrupados em 3 setores – a montanha, a floresta e o jardim – e delimitada pelas quatro áreas do Parque Nacional da Tijuca e pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro; a entrada da Baía de Guanabara e as bordas d’água: composta pelo Parque do Flamengo, pela área de proteção paisagística dos fortes na entrada da Baía de Guanabara e pela Orla de Copacabana, com seus pontões rochosos; e a paisagem urbana, definida como zona de amortecimento, marcada pelos elementos naturais do entorno do Sítio.

Para a avaliação da proposta do Rio de Janeiro, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) consultou o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), o qual organizou seu Comitê Científico Internacional em Paisagens Culturais e Cidades e Vilas Históricas, além de vários especialistas independentes. Na avaliação, o ICOMOS considerou que o paisagista Roberto Burle Marx teve um profundo impacto no tratamento paisagístico do Rio e, particularmente, o Passeio de Copa-cabana; são agora considerados importantes por sua contribuição para a identidade da cidade e a cultura a qual têm inspirado. E, por fim, a instituição relata que o Parque do Flamengo constitui em grande escala uma fusão altamente satisfatória entre estruturas urbanas e paisagem.

Assim, a Declaração do Valor Excepcional Universal à Paisagem Cultural Carioca foi concedida em 2013, na 37ª sessão do Comitê do Patrimônio Mundial. Dentre algumas indicações, o ICOMOS recomenda que se coloque em prática um sistema para definir e inventariar os componentes-chave da Paisagem Cultural, bem como determinar indicadores de monitoração relacionados aos atributos que argumentem a pertinência de seus valores. Tais enumerações estão estreitamente ligadas, pois questionar e inventariar os atributos paisa-gísticos do sítio, especialmente àqueles construídos intencionalmente, como os jardins, é de suma importân-cia para a definição de planos de conservação que venham a proteger as características peculiares do lugar.

Desta forma, em atenção à obra de Roberto Burle Marx no sítio da Paisagem Cultural Carioca, observa-se que esta é representada pelos jardins da Praça Salgado Filho (1938), a reforma do Parkway de Botafogo (1954), o jardim do Museu de Arte Moderna (1954), o Parque do Flamengo (1961-1965) e, final-mente, o Passeio de Copacabana (1970) e a Praça Júlio de Noronha (1986). Percebe-se que dentre estes jardins ocorrem diferentes emergências tipológicas com características específicas, as quais merecem ser valorizadas não só em conjunto, bem como compreendidas e inventariadas em suas respectivas individua-lidades.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

A presente pesquisa, então, apresenta um ensaio sobre os limites da produção do jardim mo-derno de Burle Marx, a partir de inventário que está sendo feito pelos pesquisadores na paisagem cultural carioca. As informações são colhidas de fontes primárias presentes, em grande parte, no acervo da Funda-ção Biblioteca Nacional e no escritório Burle Marx e Cia, sendo analisadas à luz do conceito de discurso do filósofo Michel Foucault (2012).

ODISCURSODOJARDIMMODERNODEBURLEMARXDiscurso, de acordo com o filósofo Michel Foucault (2012), é uma prática que constrói seu sen-

tido nas relações e nos enunciados em pleno funcionamento. Esta prática discursiva se define como um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa. (FOUCAULT, 2012, p. 133). Cabe então questionar como um discurso funciona, o que o tornou possível e quais efeitos reverberam.

Para estruturar seu discurso paisagístico no início dos anos 1930, Roberto Burle Marx definiu os conceitos do jardim com a intensão de integrar a sociedade ao meio ambiente. Posteriormente, ele diria: Há certos princípios que nos norteiam, porém é preciso não confundi‐los com fórmulas. Cada composição deve ser em função da forma de viver, da área, das peculiaridades de cada caso, da utilização e do clima (MARX, 2004, p. 210).

De acordo com o depoimento de Burle Marx publicado no Diario da Manhã de 10/05/1936, sua obra foi definida como natureza organizada e subordinada às leis arquitetônicas. Com a finalidade de aten-der às necessidades sociais, ele estabeleceu como princípios projetuais “a higiene, a educação e a arte”:

O jardim moderno [...] comporta vários objetivos: hygiene, educação e arte. Sob o pon-to de vista hygienico, o jardim moderno representa nas grandes cidades um verdadeiro pulmão collectivo. [...] Sob o ponto de vista educacional, o jardim moderno tem como objeto trazer para o habitante da cidade um pouco de amor pela natureza, fornecer-lhes meios para que possa distinguir sua própria flora da exótica e dar-lhe uma ideia nitida da utilidade do jardim simultaneamente a uma capacidade de distinção da verdadeira belleza do pieguismo baseado em concepções falsas. [...] Sob o ponto de vista artístico, deve o jardim obedecer a uma ideia básica, com perspectivas logicas e subordinado a uma determinada forma de conjunto. [Grifo nosso]

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JARDINS HISTÓRICOS

Através da recorrência desses enunciados, é possível dizer que se construía assim o discurso do jardim moderno de Roberto Burle Marx, sendo ele seu criador e principal sujeito. Os saberes eram coeren-tes com o projeto moderno da época, constituíram os conceitos fundamentais do seu jardim moderno e a base de uma obra, a qual iria se desenvolver ao longo da trajetória do paisagista. Desta forma, é possível atribuir que esses enunciados permeavam seu discurso, especialmente desenvolvido entre as décadas de 1930 a 1960.

Na Paisagem Cultural Carioca é possível observar tais enunciados presentes na concepção desde a Praça Ministro Salgado Filho até o Parque do Flamengo. Todavia, a partir de fins dos anos 1960, obser-vam-se modificações nas maneiras de pensar o projeto, bem como nos saberes envolvidos no processo de criação, que irão delimitar um momento de ruptura no discurso do jardim moderno de Burle Marx.

PASSEIODECOPACABANA:UMMARCONAOBRA“BURLEMARXIANA”No início dos anos 1960, o Brasil firmava sua imagem como um país moderno e a arquitetura

moderna brasileira atingia posição de destaque mundial, ainda em reflexo da construção de Brasília, sím-bolo do projeto nacional conectado com o panorama internacional. O período é caracterizado por um novo florescimento econômico, político e social no país, refletido no acelerado processo de urbanização e grande difusão da informação. É também o início do esgotamento da estrutura econômica e da expansão desorde-nada da paisagem, culminando com a degradação ambiental e a redução da qualidade de vida nos grandes centros urbanos (MACEDO, 1999).

Nesta fase, a arquitetura paisagística brasileira foi marcada pela consolidação da atividade no país, que passou a contar com um gradativo aumento na quantidade de profissionais atuando na área. Tal situação, segundo Dourado, se apresenta como um desafio à arquitetura paisagística, que responde com [...] um novo status de atuação, ao iniciar uma ampla e progressiva redefinição de seus horizontes (DOURADO, 1997, p.10).

No Rio de Janeiro dos anos 60, o locus de formação profissional de arquitetos era a Faculdade Nacional de Arquitetura (FNA) da Universidade do Brasil. O ensino de Arquitetura foi fundamentado nas teorias modernistas propagadas pelos arquitetos europeus, como Walter Gropius, Mies Van der Rohe, e Le Corbusier, os quais defendiam uma arquitetura de caráter autônomo e internacionalizante, reproduzível in-dependente do contexto natural e cultural, fundamentados na ideologia racionalista do puro funcionalismo (BRUAND, 1991).

Este também foi um período de substantivas mudanças na história do país, marcado pela impo-sição do Regime Militar iniciado com o golpe de estado em março de 1964 – sendo estendido até 1985 –,

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

o qual instaurou um processo de modernização burocrática e centralização dos âmbitos administrativos e financeiros na esfera federal; além da supressão das liberdades individuais e a implantação de um código penal militar. O impacto deste clima conturbado refletiu diretamente em todos os âmbitos da vida social, e principalmente no ensino nas universidades, inclusive a FNA (SEGAWA, 1998).

Neste interim, ocorre uma união que definitivamente iria marcar a trajetória de Roberto Burle Marx e o discurso do jardim moderno: a entrada, em 1965, de Haruyoshi Ono e José Tabacow como estagiá-rios no escritório Burle Marx e Cia. Segundo Lawrence Fleming (1996), a capacidade interpretativa dos mais sucintos esboços do paisagista pelos dois estagiários foi um importante diferencial para a inauguração de uma nova fase em sua produção paisagística, atribuindo a eles a característica de “metódicos e detalhistas”. E ainda, completa: uma nova era evidentemente havia começado (FLEMING, 1996, p. 110).

Quanto à concepção paisagística de Burle Marx destes primeiros anos, os projetos eram mais fre-quentemente caracterizados pelo traçado em formas orgânicas, como o jardim do Ministério de Educação e Saúde-RJ (1936) e o jardim da Pampulha-MG (1942). Posteriormente, tornam-se também usuais a adoção das formas geométricas, assinaladas por retas ortogonais em combinações com curvas, como o jardim para o prédio da Reitoria da Universidade do Brasil (atual UFRJ) - RJ (1953), o jardim do Museu de Arte Moder-na-RJ (1954). (Il. 1 e 2)

A produção da sociedade constituída por Roberto Burle Marx, Haruyoshi Ono e José Tabacow (que permaneceu até 1982) foi caracterizada no período delimitado, com início nos anos 1970, a partir da concep-ção do Passeio de Copacabana até o final das atividades de Burle Marx em 1994, como Jardim de Abstração Lírica, de acordo com os estudos da arquiteta Marta Montero (1997) e de César Floriano Santos (1999).

O Passeio de Copacabana é, assim, um marco não só na Paisagem Cultural Carioca, como na pro-dução do escritório Burle Marx e Cia. De acordo com entrevista concedida por Haruyoshi Ono em 2011, tratava-se de um grande projeto com um prazo muito curto, em relação ao qual Burle Marx não contava com tempo suficiente para desenvolver os desenhos da maneira que estava habituado. A solução foi de-legar a Ono e Tabacow, o desenvolvimento de grandes partes, que eram supervisionadas pelo paisagista. (FERREIRA, 2012). (Il. 3)

O bairro de Copacabana está situado no coração da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro e passou a se integrar ao bairro de Botafogo – bem como ao restante da cidade existente na época –, a partir da abertura do Túnel no Morro de Vila Rica (Túnel Velho), em 1892. Com o tempo, foram surgindo ruas e casas que constituíram o bairro. Indicada a partir da década de 1920 para o repouso de convalescentes, a Praia de Copacabana foi firmando sua imagem simbólica como um dos mais conhecidos balneários do mundo.

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IIl.1 – Jardim do antigo Ministério da Educação e Saúde – RJ (1938).

Roberto Burle Marx. Foto: Fernando Ono (2009).

Il. 2 – Pátio interno do edf. da Reitoria da antiga Universidade do Brasil (atual UFRJ) – RJ (1953). Roberto Burle Marx.

Foto: Fernando Ono (2009).

Il. 3: Passeio de Copacabana - RJ (1970). R. Burle Marx, H. Ono, J. Tabacow. Foto: Fernando Ono (2010).

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Contudo, seu aspecto identitário não se resume à praia, tornando-se emblemático por ser também palco de festas populares como o carnaval e o réveillon, bem como berço da Bossa Nova nos anos 1960.

A construção da Avenida Atlântica foi iniciada em 1905, na gestão do prefeito Francisco Pereira Passos, sendo inaugurada em 1908, no governo de Souza Aguiar. Projetada para ser apenas uma rua de serviço num bairro de meia dúzia de casas, o logradouro foi implantado inicialmente com apenas quatro metros de largura; servia ao trânsito de pedestres, numa cidade onde circulavam pouco mais de 150 carros.

O Calçadão de Copacabana foi construído na mesma época, segundo a técnica de “calçada à por-tuguesa”, caracterizada pela forma irregular de aplicação das pedras de calcário. Calcetado com pedras nas cores preta e branca trazidas de Portugal, o que lhes deu o apelido de “pedras portuguesas”, a denomina-ção se mantém até hoje, apesar das pedras agora serem extraídas no Brasil. O padrão de ondas foi criado em meados do século XIX, implantado nas calçadas da Praça do Rossio em Lisboa, Portugal, e depois em 1901, no Largo de São Sebastião em Manaus, no Amazonas. Inicialmente, no Calçadão de Copacabana, as ondas eram dispostas transversalmente à calçada.

No início da década de 1910, com a popularização do automóvel e o modismo do banho de mar, foi iniciada sua primeira ampliação para 19 metros de largura, no governo do prefeito Bento Ribeiro, numa obra que duraria 8 anos. Ao longo desse período, a avenida foi alvo de repetidas ressacas do mar. Finalmen-te, em 1918, foi finalizada na gestão do Prefeito Paulo de Frontin a obra iniciada em 1910, a qual alargou a Av. Atlântica e reconstruiu o cais que havia sido demolido pelas ressacas.

Contudo, tal alargamento não seria suficiente para conter as constantes ressacas e necessidades de ampliação infraestrutural. Visando sanar tais problemas, o Plano de Urbanização do Rio, elaborado por Alfred Agache no fim dos anos 1920, propôs a expansão da Av. Atlântica por meio de aterro, com o recuo de todas as construções futuras. A obra, entretanto, só foi executada pelo General Francisco Marcelino de Souza Aguiar entre 1969 e 1970, no Governo do Presidente Afonso Pena, criando duas pistas que ligam o Posto 0 ao 6, entre a Praça Júlio de Noronha e o Forte de Copacabana.

As razões para os investimentos preferenciais do Estado nas zonas mais ricas da cidade, como Co-pacabana, não se restringiam apenas às dificuldades com o avanço do mar, como descreve o geógrafo Mau-rício de Almeida Abreu (1987/2013). O crescente adensamento populacional do bairro a partir da década de 1960, que chegou a constituir a maior densidade demográfica do Estado na época, exigia não apenas a construção de obras viárias, mas também a renovação de infraestrutura de serviços básicos. Contudo, so-bremaneira, tratava-se da aplicação do capital público em benefício das classes de maior poder aquisitivo.

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O projeto, desenvolvido pelo engenheiro Raimundo de Paulo Soares, foi executado na gestão do governador do Estado da Guanabara, Francisco Negrão de Lima, por sugestão do arquiteto Lúcio Costa. Assim, a grande obra constituída de aterro hidráulico teve como objetivos promover ampliação da área de areia da praia, que passou de largura de 60 metros para 120 metros avançados mar adentro; alargar em 80 metros a Avenida Atlântica, duplicando sua pista e aumentando as vias de tráfego; permitir a passagem do interceptor oceânico - tubulação que transporta todo o esgoto da Zona Sul até o emissário de Ipanema -, até então a maior obra de saneamento básico da cidade; ampliar e preservar o potencial recreativo, turístico e paisagístico de Copacabana, oferecendo maiores condições de conforto e segurança aos usuários da praia; e aumentar a área de parqueamento do bairro.

Assim, o alargamento deu origem a duas pistas com três faixas de rolamento cada uma, separadas por um canteiro central. Para o tratamento das três áreas entre as pistas foi solicitado o projeto paisagístico à equipe do escritório Burle Marx e Cia., chefiada por Roberto Burle Marx, que contou com ainda com a colaboração de Lucio Costa. Foi então proposto um grande “jardim-painel”, compreendido ao longo das praias do Leme e de Copacabana, além da reforma da calçada próxima à praia.

O jardim corresponde a uma extensão de quatro quilômetros e meio, sobre a qual foram distribuídos 2.800 extratos arbóreos e arbustivos, com alturas superiores a oito metros, dando prioridade para vegetação do bioma da mata atlântica e, mais especificamente, da linha costeira tropical. Foram assim especificados vários coqueiros (Cocos nucifera), amendoeiras-da-praia (Terminalia catappa L.), uvas-da-praia (Coccoloba uvifera (L.) L.), dentre outros. Para se ter ideia da modificação promovida pelo tratamento paisagístico, anteriormente, havia na Praia de Copacabana, apenas oito amendoeiras e cinco coqueiros, todos situados na altura do Posto 6.

A primeira calçada, localizada próxima à praia, permaneceu com o desenho de ondas inspirado no original português, porém mudando um pouco sua forma e sentido, sendo caracterizada em ondas de mar largas, estabelecidas em sentido longitudinal. Apesar do padrão de ondas em pedras portuguesas existir tam-bém em Portugal e Manaus, com o tempo a nova forma proposta para o Calçadão de Copacabana tornou-se emblemática, sendo um signo representativo da cidade do Rio de Janeiro conhecido no mundo todo.

A segunda calçada, segundo reportagem do jornal Correio da Manhã de 18/04/1970, era prevista no projeto original com cerca de 800 árvores, sendo trinta por cento dedicado às áreas de extrato herbá-ceo, especificado com gramíneas, onde ao centro seriam instalados bares e sanitários públicos; haveria, ainda, quatro túneis para passagem de pedestres para a praia. Originalmente, seriam 13 canteiros – que Burle Marx chamou de “oásis”– mas que, entretanto, não chegaram a ser construídos da maneira como haviam sido projetados.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

A obra, ainda conforme a mencionada reportagem do Correio da Manhã, foi contratada a empre-sas terceirizadas e coordenada pela Superintendência de Urbanização e Saneamento (SURSAN). A execução foi feita em partes e o calçadão central terminou sendo modificado no projeto original, dando lugar à pas-sagem subterrânea do interceptor oceânico da Zona Sul. Em seu lugar, foi proposta uma continuidade da composição adotada para a terceira calçada.

A terceira calçada está localizada próxima aos prédios e, juntamente com o canteiro central, cons-tituem o aspecto mais característico da composição, representado pela paginação de piso. Nelas, o dese-nho configura um mosaico em pedra portuguesa nas cores preta, vermelha e branca e origina um grande painel, o qual pode ser apreciado do alto dos edifícios da orla marítima. Neste local, o desenho de piso foi configurado em formas abstratas informais e partiu de inspiração numa sugestão de Haruyoshi Ono para o estudo preliminar da Embaixada do Brasil em Washington, no ano de 1968. Embora não tenha sido executa-da, a proposta apresentou pela primeira vez a paginação de piso figurada em desenhos abstratos informais (FERREIRA, 2012).

Até então, os projetos da equipe do escritório Burle Marx e Cia oscilavam entre estruturações ora concebidas sob formas orgânicas, ora sob retas com concordância de curvas, sem critérios pré-estabeleci-dos que pudessem constituir algum padrão. Aliás, não havia padrão que regulasse o processo de criação desenvolvido por Burle Marx. Em suas palavras, em entrevista dada ao jornal Careta, em 10/04/1954, Burle Marx disse: [...] em arte não pode haver regras prefixadas (MARX, 1954, p. 22).

Burle Marx descreveu que a composição formal de seu jardim moderno era inspirada nos movi-mentos de vanguarda moderna, numa justaposição dos atributos plásticos do cubismo e do abstracionismo ao elemento natural (MARX, 1994). É certo que havia forte relação entre a pintura de Burle Marx e o pai-sagismo por ele executado, de modo que a analogia entre estas expressões apresenta grande propriedade.

Os anos 1950 marcam a passagem da obra bidimensional de Burle Marx para a Abstração Infor-mal, com linguagem bastante peculiar, que perdurará até seus últimos dias. Seus meios de expressão não se limitam aos quadros, estando presentes também em painéis de cerâmica, tapeçarias e joias, além de esculturas. Inicialmente, as formas por ele adotadas ainda possuem fortes contornos geométricos, que aos poucos vão sendo abandonados e substituídos por manchas suaves (ONO, 2015).

Neste mesmo período, a linguagem plástica fundada no princípio de modernidade construtiva e de abstração pura passa a emergir no cenário brasileiro. O crítico de arte Mario Pedrosa se sobressai como pioneiro na atenção dedicada à arte abstrata e foi seu grande patrocinador na arte brasileira, além de prin-cipal teórico. A abstração se enquadrava no social projeto moderno de valer-se da arte para promover a

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educação do grande público, sendo a grande aliada dos agentes sociais de transformação para “reeducar a sensibilidade” e, com sua força simbólica, poderia falar às mentes e às emoções.

A abstração na arquitetura moderna era muito mais do que um aspecto formal; mas uma questão conceitual na configuração do espaço público. Fazia parte do objeto moderno a capacidade de criar estruturas urbanas abertas, capazes de crescer e se integrar ao meio ambiente, como descreve Josep Maria Montaner (2015). Buscava-se o abstrato dos vazios urbanos, da conexão dos espaços interligados através da concepção de grandes blocos sobre pilotis, baseado nos princípios racionalistas ainda remanescentes de ideais iluminis-tas. Esta foi uma questão proeminente na concepção do Ministério de Educação e Saúde, como marco inicial, e perdurou como uma das características indenitárias da arquitetura moderna brasileira.

Contudo, o fim da década de 1950, marca nas artes visuais o fenecimento da preeminência da arte abstrata e concreta no contexto artístico internacional. No Brasil, segundo Daisy Alvarado (1999), a pro-dução plástico-visual do grupo neoconcreto do Rio de Janeiro começa a perder forças. Esta tendência deu origem não só à volta da figuração na produção artística visual, como à ruptura promovida pelos artistas Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape. Em ocasião da execução da performance “Parangolé”, de Hélio Oitici-ca, o crítico de arte Mário Pedrosa escreveu ao Correio da Manhã, em 26/06/1966, uma crítica denominada Arte ambiental, arte pós‐moderna, Hélio Oiticica, em que analisa:

Hoje, em que chegamos ao fim do que se chamou de “arte moderna” [...], os critérios de juízo para a apreciação já não são os mesmos que se formaram desde então, fundados na experiência do cubismo. Estamos agora em outro ciclo, que não é mais puramente artístico, mas cultural, radicalmente diferente do anterior, e iniciado, digamos, pela pop art. A esse novo ciclo de vocação antiarte chamaria de “arte pós-moderna”. [grifo nosso]

A década de 1960 foi de intensa transformação cultural no contexto brasileiro. Os cariocas desen-volveram um projeto nacionalista com base fenomenológica, relacionando arte e existência, com investiga-ções às sensações táteis e olfativas do corpo existencial. O campo das artes visuais se expandiu, como re-flete Fernando Cocchiarale (2005) e, em meio à heterogeneidade artística a partir de então, haveria apenas um denominador comum: a busca de reaproximar a arte com a vivência do público.

É evidente que essas transformações não são questões pontuais das artes e, como relatou Pe-drosa, tratou-se de um fenômeno cultural. Elas são resultantes da crise de princípios estabelecidos desde o início da arte moderna impulsionada por reflexões após o segundo pós-guerra, como a separação entre o público e privado, a hiperespecialização de atividades profissionais em campos de conhecimento sepa-

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rados, a distinção entre objetividade e subjetividade. Em contraponto, Cocchiarale (2005) descreve que outros princípios passam a ser estabelecidos, como o trabalho interdisciplinar, a fragmentação da ideia de indivíduo em diversas identidades, e a reaproximação da arte com a vida. Alguns teóricos da arte passam a nomear esse período como o momento de ruptura entre o moderno e o contemporâneo, tais como Anne Cauquelin (2005).

A partir de então, a arte passa a não ser mais caracterizada por seu conteúdo estético (formas, visões, interpretações da realidade, maneiras ou estilo), e sim por uma questão de continente, ou seja, o lo-cal que vincula a sua exibição, como expõe Cauquelin (2005). Surge assim a tendência da arte pública, cujo continente é a cidade, e que busca aproximar a obra à vivência do público. Cauquelin reflete: Se o discurso é constitutivo da obra, o espaço em que esse discurso é apresentado passa a ser um componente essencial dela. Trabalhar esse local torna‐se um imperativo [...] (CAUQUELIN, 2005, p. 137).

O próprio Roberto Burle Marx era um veemente defensor do acesso do público à arte, bem como à arte popular, mas que esse acesso não fosse apenas físico, e sim principalmente compreendido. Defendia ele que [...] a arte não fique elitista. Apesar de trabalhar diretamente com as classes sociais mais abastadas e com os órgãos detentores do poder, sua intenção era que, através deles, sua arte pudesse ser acessível às camadas mais humildes da sociedade, e assim sensibilizá-la e educá-la. Levar sua linguagem pictórica abstrata para o desenho de piso significava torná-la franca a todos os habitantes, mesmo aqueles que não possuíssem condições de frequentar os museus e exposições ou morar na favorecida Avenida Atlântica; o museu agora seria a própria Praia de Copacabana, cartão portal da cidade do Rio de Janeiro.

A posição do indivíduo foi então redefinida no paisagismo executado pela equipe do escritório Burle Marx e Cia, passando a não ser apenas um contemplador da paisagem criada, e sim um participador aberto a um novo comportamento que o conduzisse ao “exercício experimental da liberdade”, como havia sido definido o contexto por Mario Pedrosa. É a passagem do caráter contemplativo para um paisagismo que afeta comportamentos, de dimensão ética, social e política. Com isso, Burle Marx aspirava à superação de uma arte elitista, condicionante e intelectualizada, rumo à derrubada de preconceitos sociais. Dissol-vem-se assim as fronteiras entre artes visuais e paisagismo, entre o paisagismo e o espectador.

Nesta perspectiva, os jardins produzidos pela equipe do escritório a partir dos anos 1970 passam a requerer sua autonomia perante a paisagem, conferindo significado e caráter ao lugar em que estão inse-ridos, e contribuindo para o desenho da cidade (SANTOS, 1999). Tal preocupação passa a ser recorrente e, mesmo sem invalidar o repertório formal já estabelecido, pode ser atribuída como a inclusão de um novo princípio projetual que busca interpretar os significados da paisagem, decifrando o “espírito do lugar”.

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O conceito do genius loci, ou espírito do lugar, foi retomado pela teoria da arquitetura a partir dos anos 1960, em reação à postura modernista de ruptura com a tradição historicista ou simbólica como princípio projetual para a concepção. Dentre os teóricos que defendem esse pensamento, destaca-se o arquiteto norueguês Christian Norberg-Schulz, o qual reflete que a natureza é uma totalidade, entretanto um lugar [...] de acordo com as circunstancias locais, possui uma identidade peculiar (NORBERG-SCHULZ in NESBITT, 2008, p.448).

Nesse sentido, ainda segundo Norberg-Schulz, toda paisagem possui identidade e é subordinada ao meio ambiente em que se encontra, relacionando com isso as ações antrópicas especificamente ao seu respectivo meio físico e biológico, ou seja, ao sítio natural determinado. Visto dessa maneira, o espírito do lugar remete à ideia de um sítio ao qual é atribuído significado por um grupo social, tornando-se assim um lugar simbólico, cujo caráter é entendido como uma das suas características fundamentais.

Seguindo esse pensamento, o caráter da intervenção da equipe do escritório Burle Marx e Cia. também se modifica, dando prioridade a espaços multifuncionais que acompanham a dinâmica das ci-dades. Surgem assim passeios em esplanadas, que se adaptam às diversas necessidades, sem, contudo, abstrair da função contemplativa proporcionada pelo ajardinamento que continua a priorizar a flora nativa, bem como pelos espelhos d’água e o mobiliário detalhadamente pensados. Como exemplos da produção do escritório Burle Marx e Cia tem-se a concepção do Largo da Carioca - RJ, (1981-1985) (Il. 4), do Edifício Sede do Banco Safra- SP (1983), e o Biscayne Boulevard - EUA (1988). (Il. 4).

Na década de 1980, já sem a presença de José Tabacow, Haruyoshi Ono descreveu em entrevista concedida que desenvolvia, sozinho e auxiliado por colaboradores, grande parte dos trabalhos solicitados ao escritório, tendo liberdade para projetar de acordo com os princípios de Burle Marx. A partir deste perí-odo, além de supervisionar tais trabalhos, Burle Marx se dedicou mais frequentemente a tornar conhecidas as suas ideias através das conferências que realizava pelo mundo, às diversas atividades como artista e às suas coleções botânicas presentes no Sítio Burle Marx, local de sua residência em Barra de Guaratiba, Rio de Janeiro. Após o falecimento de Burle Marx em 1994, Ono tornou-se seu herdeiro profissional e passou a Diretor Geral e sócio majoritário do escritório Burle Marx e Cia (FERREIRA, 2012).

CONSIDERAÇÕESFINAISO valor, a eficácia e a existência do discurso do Jardim Moderno de Burle Marx não são disso-

ciáveis de sua representatividade; porém, duas problemáticas merecem atenção: primeiro, convém não confundir o discurso do jardim moderno de Roberto Burle Marx com sua obra. Ao longo da trajetória do pai-

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sagista, houve adequações, seleções, organizações e redistribuições da tipologia, as quais caracterizaram diferentes limiares e limites. Desta forma, o discurso não foi homogêneo nem linear, possuindo recortes de limiares específicos entre sua gênese - estruturação -, momento em que atingiu uma cientificidade, etapas de evolução linguística, até seu limite. A instância do sujeito criador, enquanto razão de ser da obra de Burle Marx, não responde como princípio de unidade de tal discurso.

Um segundo ponto relevante é a colaboração de Haruyoshi Ono. Salvo por algumas exceções, até hoje sua contribuição foi pouco estudada. Como o próprio Ono relatou em entrevista concedida, no ano de 2011: talvez de tanto tentar traduzir seus desenhos eu tenha incorporado isso, e muita coisa minha deve ter passado também (FERREIRA, 2012, p. 40-41). Ele se situa num domínio participante da construção desta prática discursiva. Portanto, não é demasiado dizer que na função de Diretor de Projetos do escritório Burle Marx e Cia, Ono tornou-se também sujeito do discurso e, por isso, recebeu a incumbência de ser o continu-ador dos saberes construídos por Roberto Burle Marx, herdeiro e guardião de sua memória.

O discurso do jardim moderno de Roberto Burle Marx foi criado num momento em que os enun-ciados fundamentais de higiene, educação e arte faziam parte do contexto nacional e internacional. Contu-do, ao longo do tempo, mudanças ocorreram e conduziram a outras visões de mundo, outras concepções

Il 4 – Largo da Carioca - RJ (1981-1985). R. Burle Marx e H. Ono. Foto: Fernando Ono (2011).

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filosóficas. E o paisagismo produzido pelo escritório Burle Marx e Cia não ficou alheio a este novo contexto, mostrando transformações na forma de pensar o projeto.

Desta forma, é possível dizer que o marco representado pela criação do Passeio de Copacabana não é apenas uma nova configuração dentro de um mesmo discurso. Admite-se, todavia, que não se trata de uma ruptura, e sim que se controverte num limite desse discurso, com a passagem para uma tipologia de jardim contemporâneo. O que determina tal marco é a mudança nos enunciados do discurso ou, em outras palavras, os próprios princípios projetuais.

O principal atributo do modo de fazer paisagismo, a partir deste momento, é configurar uma con-cepção fenomenológica em atenção aos significados da paisagem e ao espírito do lugar, numa adaptação às novas dinâmicas da cidade, pela sua necessidade de espaços multifuncionais, de identidade da paisagem, de conexão e arte vivenciada no espaço público; contudo, sem abstrair do compromisso do paisagismo com o meio ambiente, ou seja, priorizando a especificação da vegetação nativa.

Esse marco não invalidou que a tipologia do jardim moderno eventualmente continuasse a ser executada, porém, sua mudança foi concedida por seu criador antes mesmo do momento em que ele não estivesse mais apto a proferi-lo. Hoje se trata de um patrimônio cultural do Brasil e do mundo, presente na materialidade das cidades e na imaterialidade do seu modo de fazer, que ficou como legado para as futuras gerações e, como tal, deve e merece ser preservado. Desta forma, a função de continuador do discurso do jardim moderno de Burle Marx, e de tantos outros que fazem parte da história do paisagismo brasileiro, cabe a todos os profissionais envolvidos nesse campo, seja pela pesquisa, pela docência ou pela prática da conservação.

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EIXO TEMÁTICO IIProcessos de gestão de jardins históricos e espaços paisagísticos na cidade contemporânea

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O crescimento das cidades e de suas populações gera muitas consequências para a paisagem, sobretudo pelo comprometimento dos recursos naturais e o desempenho ecológico. Apesar do atual reconhecimento da importância das áreas verdes para os centros urbanos, sua presença e parâmetros ainda são muitas vezes negligenciados ou subestimados. A fim de compreender os processos de transformação dos espaços vegetados para valorizar a conservação ambiental e a manutenção desses locais, em paralelo às possibilidades e especificidades de jardins botânicos, o objetivo central deste artigo é apresentar a história da área verde denominada Mata do Krambeck, que engloba uma Área de Proteção Ambiental e o Jardim Botânico da Universidade Federal de Juiz de Fora. Trata-se de uma análise do processo de formação desse importante espaço urbano e da evidenciação de sua relevância ambiental e social como floresta urbana. A partir de uma revisão de literatura, que percorre os sentidos e as possibilidades contemporâneas para áreas de interesse ecológico e paisagístico, apresentam-se dados referentes a documentos e entrevistas que possibilitam remontar o processo de produção da área de estudo. Ao final, verificou-se que a Mata do Krambeck tem sua história baseada no empenho da família Krambeck em reflorestar a área desde o início do século 20 e isso hoje se traduz como de forte impacto sobre a malha urbana do município. As propriedades que formaram a grande área verde são remanescentes das primeiras fazendas a se instalarem na região e hoje estão reunidas sob a titularidade da Universidade Federal de Juiz de Fora, que está em vias de finalizar a construção de Jardim Botânico, o que enfatizará a vocação deste espaço para a pesquisa e a educação ambiental, além dos benefícios que proporcionará à cidade como uma grande área verde de acesso público.

Palavras-chave: Mata do Krambeck; Jardim Botânico; Área verde urbana; Paisagem urbana.

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FORMAÇÃODAMATADOKRAMBECKEDOJARDIMBOTÂNICODAUNIVERSIDADEFEDERALDEJUIZDEFORA/MG–LUCASCRUZLucasCruz| FredericoBraida|AntonioColchete

O ser humano, desde sempre, tem alterado o meio ambiente para torná-lo mais apropriado às suas necessidades. Dentre as diversas formas

de atuação sobre a natureza, destaca-se a urbanização. Assim, o resultado mais evidente do aumento da população humana e do crescimento das cidades é a transformação das paisagens naturais através do desmatamento da vegetação nativa. Essa ação resulta em fragmentos verdes, dispersos na malha urbana, com pequenas dimensões e circundados por barreiras físicas que impedem a difusão da fauna e flora, gerando alterações nas condições microclimáticas (FONSECA; CARVALHO, 2012). Contudo, mesmo as áreas verdes urbanas de menor escala, além de vários serviços ambientais e ecológicos, proporcionam importantes benefícios sociais e psicológicos para as sociedades, que enriquecem seu cotidiano com significados e emoções (THOMPSON, 2002).

ÁREASVERDESEESPAÇOURBANO

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Apesar do reconhecimentodo papel que a vegetação exerce para os centros urbanos, e de suas características serem consideradas indicadores para o estudo da qualidade ambiental nas cidades, a presença de áreas verdes, seu histórico e parâmetros qualitativos têm sido elementos negligenciados no desenvolvimento dos conglomerados humanos (BARGOS; MATIAS, 2012). Em paralelo, atualmente, há a valorização da presença da vegetação nos centros urbanos, pelo reconhecimento dos benefícios que promove (BONAMETTI, 2001). Para Carvalho (1982), o crescimento desordenado das cidades brasileiras e a apropriação indiscriminada dos recursos naturais forneceram insumos para a discussão sobre o tema das áreas verdes, bem como atentam para as consequências geradas pela ausência de um planejamento urbano mais comprometido com os atributos ecológicos, estéticos e sociais da vegetação como componente necessário ao espaço urbano, como potenciais elementos estruturadores das cidades.

Atualmente, encontramos várias escalas de áreas verdes convivendo e se relacionando de formas distintas com a paisagem e com o sítio urbano onde estão inseridas. As variações de escala aplicam-se também às características de cada cidade, sejam elas sociais, econômicas, ou espaciais (MASCARÓ, 2008). Paiva e Gonçalves (2002) ressaltam que esses espaços verdes urbanos precisam ser utilizados com objetivos sociais, ecológicos, científicos e culturais para que sejam reconhecidos pela população, e, assim, devidamente mantidos. Faria (2005) salienta que a prática do paisagismo e do planeamento bem desempenhados potencializam a preservação da natureza, favorecendo sua manutenção e formação de habitats próprios para o ecossistema que participam. Além disso, atuam na melhoria da qualidade da paisagem urbana.

Segundo Milano (1988), é necessária a adoção de práticas sistematizadas de manutenção para que as áreas verdes cumpram com as suas funções no meio urbano e se conservem em estado adequado e sadio. Tais locais, normalmente, contam com um plano diretor ou de manejo que deve orientar seus usos. De acordo com McHarg (1969), a conservação desses espaços e da natureza como um todo, resulta não só no ganho em qualidade de vida das populações, como também na valorização das características do meio físico e da paisagem. Munford (1982) enfatiza, também, que a preservação dos espaços naturais é vital em todas as comunidades urbanas para não se perder a relação ecológica entre a cidade o ambiente preservado.

Dentre as muitas possibilidades de espaços verdes, os Jardins Botânicos se destacam na história das cidades. Segundo Bovo e Conrado (2012), os jardins públicos voltados para o lazer e efetivamente representativos como elemento da paisagem urbana se popularizam no Brasil no início do século XIX, com a chegada da família real ao Brasil em 1808, e, principalmente, com a fundação do Jardim Botânico do Rio

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de Janeiro, pelo então Príncipe Regente Dom João VI. O local foi transformado no decorrer do século XIX em um parque público, baseado nas características dos jardins ingleses. Essa modificação no propósito dos Jardins Botânicos foi geral, partindo de interesses científicos e econômicos de aclimatação de espécies exóticas ou para agricultura e culminando em lugar de passeio para a população (SEGAWA, 2010).

Na cidade de Juiz de Fora, há espaços verdes de grande interesse paisagístico e cultural, presentes no imaginário da população (COLCHETE FILHO; PEDROSO; BRAIDA, 2014), mas nenhum Jardim Botânico ou área de verde de grande porte com uso público tão específico. A floresta urbana denominada Mata do Krambeck está situada na cidade de Juiz de Fora, que é a maior e mais populosa cidade da mesorregião da Zona da Mata Mineira, com uma população estimada de 555 mil habitantes, segundo dados do IBGE, de 2015, e reconhecido como um dos principais centros regionais do estado de Minas Gerais.

Parte de seu território configura uma Área de Proteção Ambiental (APA) e outra parcela foi adquirida pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) para uso como Jardim Botânico. O conjunto arbóreo da unidade de conservação possui área de 292,9 hectares; tem parte confrontante ao Rio Paraibuna e é um dos remanescentes florestais em área urbana do município. Grande parte da vegetação encontra-se em estágio avançado de regeneração, com presença de diversas espécies ameaçadas de extinção. A Mata do Krambeck é representada por uma vegetação secundária das comunidades vegetais originais (RABELO; MAGALHÃES, 2011).(Il. 1)

Logo, tendo em vista a construção teórica que envolve a presença, importância e manutenção de áreas verdes urbanas, aliadas às possibilidades e especificidades de Jardins Botânicos, o objetivo deste artigo é apresentar a história dessa área e sua relação com a cidade de Juiz de Fora, com intuito de demonstrar a formação do espaço e contribuir para o entendimento de sua relevância ambiental e urbana.

Este trabalho é oriundo da pesquisa desenvolvida pelos autores para o mestrado em Ambiente Construído da Universidade Federal de Juiz de Fora (PROAC), que destacou os agentes e momentos históricos relevantes para a preservação e formação atual da mata, além da consequente destinação de parte de seu território para implantação de um Jardim Botânico. Tratou-se de uma pesquisa de caráter documental e bibliográfico, cujo foco foi a investigação de acontecimentos passados, períodos de formação e modificações para uma melhor compreensão do papel que o objeto de estudo desempenha atualmente na sociedade.

Para incrementar a discussão em torno do espaço estudado e das dinâmicas que o regem, foi realizada uma entrevista com a herdeira da família Krambeck e ex-proprietária dos sítios, Anna Elisa Surerus, no dia 18 de janeiro de 2016, em seu escritório. A entrevista foi desenvolvida de modo semiestruturado,

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Il. 1 – Delimitações da APA Mata do Krambeck e do Jardim Botânico da Universidade Federal de Juiz de Fora. Fonte: CRUZ (2016, p. 19).

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Il. 2 - Limites Sítios Retiro Velho, Retiro Novo e Malícia.Fonte: Disponível em: <http://pt.slideshare.net/dexgeo/krambeck-localizao-novo?related=1>. Acesso em: 8.dez. 2014.

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deixando espaço para que a entrevistada pudesse se estender sobre outros aspectos que lhe parecessem relevantes. Os dados levantados foram articulados com documentos, processos e fontes que tratam da história da cidade, que foram sintetizados na dissertação de mestrado de Cruz (2016), de onde este texto é oriundo.

AMATAORIGINALESUASTRANSFORMAÇÕESPARAAPRODUÇÃOECONÔMICA

A área que engloba a atual APA Mata do Krambeckfoi definida pela lei Lei nº 10.943, de 27 de novembro de 1992, e retificada pela Lei nº 11.336, de 21 de dezembro de 1993 (PALÁCIO DO PLANALTO, 2015), com aproximadamente 292,9 hectares, compostos originalmente pelos sítios denominados Retiro Velho e Retiro Novo, junto à área do atual Jardim Botânico da UFJF, anteriormente Sítio Malícia, com 85,25 hectares.

A representatividade espacial da área de estudo está diretamente ligada à sua escala e visadas do seu conjunto botânico denso e extenso às margens do Rio Paraibuna, principal e maior curso d’água da cidade de Juiz de Fora. A Mata do Krambeck é margeada por bairros com diferentes perfis sociais e de ocupação, além de propriedades particulares e de posse institucionais, como Exército Brasileiro e a Polícia Militar, que fazem dela uma região rica em contrastes urbanos e com um significado e representatividade fortes no município.

Il. 03 – Vista do conjunto arbóreo da APA Mata do Krambeck e do Jardim Botânico da

UFJF.Disponível em: <http://www.ufjf.br/se-

com/2010/06/22/marco-de-aquisicao-do-jardim-botanico-e-implantado-e-area-fica-ra-aberta-por-30-dias/>. Acesso em: 5 dez.

2014.

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A área de estudo abriga grande carga e significados históricos, por sua localização e alterações ao longo do tempo e da consolidação da ocupação humana na região da Zona da Mata Mineira, que, durante dois séculos a partir da colonização do Brasil, permaneceu intocada e designada como uma área proibida. Sua preservação era utilizada pelo governo de Portugal como forma de criar uma barreira natural que impedisse o acesso à riqueza das Minas Gerais, concentrada à época nos arredores da atual cidade de Ouro Preto, que vivia intensas atividades de extração de minérios durante o período da história que ficou conhecido como “Ciclo do Ouro” (DILLY, 2004).

No período anterior à colonização, a Zona da Mata era habitada por uma significativa população indígena. A exploração de suas florestas, e, consequentemente, do bioma da Mata Atlântica, também foi tardia, devido ao insucesso dos exploradores da Coroa Portuguesa em encontrarem ouro na região (BARROS, 2005).

Utilizando antigas trilhas feitas pelos índios Guaianás, os bandeirantes vindos do litoral paulista abriram o chamado “Caminho Velho” para chegar à região mineradora do estado, ligando a atual cidade de Paraty a Ouro Preto. O percurso sinuoso entre montanhas facilitava a ação de saqueadores e provocada constantes prejuízos. Em 1698, o bandeirante Garcia Rodrigues Paes Leme recebeu a incumbência de abrir uma nova conexão entre o Rio de Janeiro e as minas de ouro. Assim surgiu o “Caminho Novo”, reduzindo o tempo de viagem para pelo menos um mês a menos que no “Caminho Velho”, aumentando a segurança dos viajantes e a capacidade de controle da rota pela Coroa Portuguesa.

Para esse fim, foram montados postos de fiscalização ao longo do percurso. Nesses locais de registro, parada e das roças deixadas ao longo do trajeto como recurso logístico, formaram-se os primeiros povoados da região. A concessão de sesmarias por parte da Coroa Portuguesa também impulsionou a fixação das comunidades. Em 1710, uma delas foi cedida a João de Oliveira, secretário do então governador Antônio de Albuquerque. Essas terras, cortadas pelo Rio Paraibuna, hoje constituem boa parte da cidade de Juiz de Fora (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA, 2013).

Após passar por vários proprietários, a fazenda chegou às mãos de Antônio Dias Tostes, em 1812. Ele fez fortuna na região ao adquirir terras, loteá-las e vendê-las com financiamentos a juros altos. Ao falecer, a fazenda foi transmitida aos 12 filhos do primeiro casamento de Dias Tostes, com Anna Maria do Sacramento, falecida em 1833, que imediatamente tomaram posse e colaboraram com o processo de ocupação (FAZOLATTO, 2001). Segundo Oliveira (1966), a propriedade, batizada de Fazenda do Alcaide-mor (ou Fazenda do Juiz de Fora), veio a chamar-se Fazenda da Tapera, e foi desmembrada e vendida nos anos seguintes. Lessa (1985) cita 1829 como o ano que os herdeiros solicitaram ao judiciário a partilha amigável das terras cultiváveis que estavam sendo usadas sem delimitações.

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Antes de prosseguir com a cronologia do espaço de estudo, é valido destacar o agente decisivo para a formação e reestruturação da floresta urbana, dada sua dedicação em reflorestar o espaço, Detlef Krambeck e sua família. Por volta de 1872, Detlef, que imigrou da Alemanha em 1852 aos dois anos de idade, fixou-se em Juiz de Fora. Vindo do estado do Rio de Janeiro, casou-se e teve oito filhos. Ele abriu uma oficina de reparos e confecção de rodas para carruagens, porém seus negócios foram impactados pela chegada da linha férrea na cidade e quase extinção do transporte por diligências na região. Assim, decidiu investir em outro ramo e, em 1882, adquiriu do padrasto uma pequena empresa para curtir couros, da qual já era sócio, e que passou a se chamar Curtume Krambeck, em 1885(SURERUS, 2016).

Ainda segundo a descendente de Detlef, em 1901, ele adquiriu o Sítio do Retiro Novo, um dos terrenos que resultaram do desmembramento da Fazenda da Tapera. A propriedade já havia sofrido com o desmatamento e era composta de plantações de café e hortaliças, além da criação de galinhas e gado. Sua intenção foi investir no local como forma de aumentar seu patrimônio e utilizá-lo como apoio logístico ao curtume para plantação de acácias negras (Acacia decurren), cuja casca é rica em tanino, composto utilizado no curtimento de couros. Detlef faleceu em 1912 e seus herdeiros assumiram as responsabilidades, adquirindo, em 1924, o terreno do Sítio Retiro Velho. Diante do insucesso do cultivo das árvores exóticas, os proprietários se dedicaram-se ao cultivo de espécies nativas e reflorestamento. De educação luterana, seus filhos, em especial Pedro Krambeck, cultivavam um forte ideal de preservação da natureza. Pedro plantou mudas de árvores frutíferas e ornamentais e proibiu a caça e o corte de fragmentos de floresta remanescentes nas suas propriedades, favorecendo a regeneração da vegetação (LOURES, 1989).

O local do atualmente chamado Sítio Malícia, assim como as outras propriedades já adquiridas pela família Krambeck, fez parte do desmembramento da Fazenda da Tapera, passando à propriedade de Ottoni Tristão e sua esposa. Em 1917, o casal realizou uma permuta com João Nunes Lima, que, por sua vez, em 1925, o vendeu ao Coronel Manoel Baptista Pereira, sendo denominado de “Quinta de Santo Antônio”. Em 1928, o Coronel permutou o terreno com Horácio de Souza, que o vendeu no mesmo ano, para José Soares de Azevedo, já destituído de vegetação. Em seguida, José Soares de Azevedo lançou um loteamento chamado “Villa Santo Antonio”, com 383 lotes residenciais. Diante da proximidade de habitações que poderiam degradar a floresta, em 1938, Pedro Krambeck, através do Curtume Krambeck, comprou o Sítio Malícia e vários terrenos do loteamento, a fim de preservar a área adjacente às suas propriedades e ali instalar residência, construída dois anos depois (SURERUS, 2016).

A dedicação ao reflorestamento e paisagismo por parte dos proprietários foi crucial para a futura implantação do Jardim Botânico da UFJF. A partir desse momento, a prática preservacionista permite que a

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floresta se recupere e se consolide, constituindo um ambiente propício à pesquisa científica, conservação e atividades culturais.

AMATACOMOATRIBUTOURBANODEINTERESSEIMOBILIÁRIOO período posterior à acomodação da família Krambeck no sítio Malícia, apesar da atitude

protecionista da família, inclui acontecimentos que testaram tanto a capacidade de resiliência ambiental quanto a resistência aos avanços urbanos nas proximidades do local de estudo.

De acordo com Brasil (2013), a cidade de Juiz de Fora convivia constantemente com inundações do Rio Paraibuna que provocavam muitos estragos, inclusive ao Curtume Krambeck, que em 1906 chegou a quase ser submerso em um desses episódios. Planos de contingência que envolviam a alteração do traçado do rio foram desenvolvidos até que, em 1943, concluiu-se o “Plano de defesa de Juiz de Fora contra as inundações do Paraibuna”. Assim, o curso do rio foi modificado no perímetro urbano através de ações que incluíram dragagem do leito, retirada de rochas, escavações, aterros, contenção de margens, reconstrução e alargamento de pontes, desvio de rodovias e desapropriações. A princípio, a obra limitou-se a um trecho nas proximidades da Mata do Krambeck, mas acabou prosseguindo até a Zona Norte da cidade.

Anos mais tarde, por volta de 1974, foi necessário passar com linhas de transmissão de energia pela área de floresta, algo que a família não permitia devido ao corte da vegetação para a colocação das torres. A Justiça Federal precisou intervir para que a concessionária de energia as instalasse. A linha foi desativada posteriormente, e a floresta se regenerou (SURERUS, 2016).

O mais visível reflexo da Mata do Krambeck no traçado urbano é a interrupção da Avenida Brasil, que tem seu percurso às margens do Rio Paraibuna. Sua construção foi concomitante aos processos de retificação do curso d’água, porém, por iniciativa dos proprietários e por questões de interesse público, a obra não avançou nos terrenos da Mata, o que gerou consequências tanto na distribuição da ocupação quanto no traçado das ruas da cidade. Contudo, a não continuação da avenida favoreceu a preservação da floresta e sua estabilidade como ecossistema ao manter afastada a movimentação de pessoas e veículos e um possível arruamento e loteamento de parte da área verde urbana (CRUZ, 2016).

Em 1984, o Instituto de Pesquisa e Planejamento (IPPLAN) de Juiz de Fora catalogou a área como de interesse para extração de areia quartzosa. Entretanto, levantamentos apontaram a qualidade da vegetação e a classificaram como resquícios de Mata Atlântica e floresta secundária. O projeto foi arquivado, e, nesse momento, a Mata do Krambeck ganhou atenção como uma área verde importante para a manutenção do meio ambiente de Juiz de Fora (LOURES, 1989).

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JARDINS HISTÓRICOS

Tal destaque fez com que, em 27 de novembro de 1992, através da lei n° 10.943, fosse criada a Área de Proteção Ambiental (APA) Mata do Krambeck, englobando os territórios dos Sítios Retiro Novo, Retiro Velho e Malícia, em aproximadamente 374 hectares. Em 21 de Dezembro de 1993, a lei n° 11.336 alterou o texto anterior que instituiu a APA, retirando a parcela referente ao Sítio Malícia. A alteração foi feita por considerar que a regeneração da floresta não encontrava-se em estágio que justificasse sua inclusão na unidade de conservação. Além disso, houve solicitação por parte dos proprietários junto a Assembleia Legislativa de Minas Gerais devido a incoerências no texto da primeira lei.

A responsabilidade sobre a administração do Sítio Malícia voltou a seus proprietários até que, em 2001, um grupo de empresários comprou o local e, em 2003, deu início ao processo de licenciamento ambiental para a construção de um condomínio fechado. Silva, Fernandes e Cristóvão (2011) falam sobre a implantação do chamado Condomínio Residencial Parque Brasil. Os investidores pretendiam utilizar 34,07 hectares para os lotes, e o restante seria direcionado à preservação da vegetação, com cerca de 40% transformados em uma RPPN e 60% destinados a áreas de recuperação ambiental e APPs. Inicialmente, foram propostos 90 lotes, porém, por orientação do Instituto Estadual de Florestas, passou à marcação de apenas 72 lotes, devido à presença considerável de indivíduos da espécie em extinção conhecida como palmito Jussara (Euterpe edulis). O processo de licenciamento solicitado ao município passou a tramitar na jurisdição municipal e estadual, com o intuito de minimizar possíveis danos à APA Krambeck. Em 2006, foi concedida a Licença Prévia ao empreendimento, o que gerou forte oposição por parte de organizações civis públicas e organizações não governamentais (ONGs).

De acordo com Surerus (2016), a proposta do condomínio formou grupos favoráveis e contrários ao empreendimento. Pareceres de órgãos ambientais sustentaram a falta de determinado estrato florestal na vegetação da área em questão, descaracterizando-a como bioma atlântico, o que justificaria parte da intervenção. Após reviravoltas e polêmicas, o assunto alcançou as esferas estadual e federal. Até que a UFJF, em 2007, anunciou a compra do Sítio Malícia para a criação de um Jardim Botânico.

Em agosto de 2009, foi assinado protocolo de intenção de compra da área e, em março de 2010, o então reitor da UFJF, Henrique Duque, assinou a escritura, passando a propriedade em definitivo para a universidade. Assim, os projetos para implantação do Jardim Botânico tiveram início e as polêmicas encerraram-se com o reconhecimento oficial da importância do local para a pesquisa e preservação do meio ambiente (UFJF, 2010).

Porém, o local ainda sofre com ameaças devido a grande oferta de espaços livres sem vegetação, passíveis de urbanização no seu entorno. Além disso, a oferta de grandes lotes na margem oposta do

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Rio Paraibuna e a possibilidade de instalação de grandes comércios e indústrias, chamam atenção para possíveis danos à floresta urbana em curto e médio prazo (CRUZ, 2016).

Il. 4 – Regiões de possível interesse imobiliário no entorno da Mata do Krambeck. Fonte: CRUZ (2016, p. 93).

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JARDINS HISTÓRICOS

AMATACOMOATRIBUTOECOLÓGICODEINTERESSECULTURALAté o momento da conclusão deste trabalho, a implantação do Jardim Botânico da UFJF,

encontrava-se em estágio de finalização, com inauguração prevista ainda para o ano de 2016, oferecendo à sociedade um centro de educação ambiental, laboratórios, coleções botânicas, teleférico e outras estruturas de pesquisa, conservação e turismo.

O espaço tem por finalidade a promoção de atividades que reforcem os princípios conservacionistas através da pesquisa e conhecimentos do que há preservado no Jardim Botânico, além da promoção de eventos de educação ambiental que aproximem a comunidade e promovam a valorização do espaço. O Jardim apresenta objetivos relativos à sua operação, a saber: catalogar as coleções de espécies vegetais presente na área, mantendo reservas genéticas; produzir mudas de espécies nativas destinadas a recuperação de áreas degradadas; ser um depósito de espécies de coleções catalogadas; incentivo à pesquisa e desenvolvimento de trabalhos acadêmicos destinados a preservação, conservação, restauração e educação ambiental; promover a interface científica entre a academia, o público visitante e instituições envolvidas, a fim de partilhar trabalhos e conhecimento acerca do Jardim Botânico e concepções conservacionistas; realizar ações e eventos relativos à educação ambiental, cultura e lazer; capacitar recursos humanos mediante cursos, estágios e atividades afins e desenvolver captação de recursos públicos e privados para manutenção do Jardim Botânico (SILVA, FERNANDES e CRISTÓVÃO, 2011)

Il. 5 – Interior do Jardim Botânico da UFJF. Fonte: Disponível em: <http://www.ufjf.br/se-

com/2014/09/19/com-obras-em-andamento-jardim--botanico-recebe-visita-de-profissionais-de-meio-am-

biente/>. Acesso em: 5 dez. 2015.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

CONSIDERAÇÕESGERAISA importância da vegetação nos centros urbanos como elementos da composição da paisagem,

estruturadoras do espaço e geradoras de identidade só foi reconhecida, timidamente, após séculos de devastação, e diante dos problemas já causados pela supressão vegetal nas cidades.

Em Juiz de Fora, as áreas verdes encontram-se atualmente fragmentadas e, em sua maioria, com pequenas extensões, necessitando de maior atenção do poder público. A Mata do Krambeck e o Jardim Botânico da UFJF configuram uma grande e importante área verde urbana, que serve de refúgio para espécies e promove benefícios ambientais. Os desdobramentos na história do local e as ações conservacionistas da família Krambeck demonstram o efeito de causa e consequência que tornaram possível sua existência.

A ocupação residencial do entorno denota cuidados em relação ao acesso de indivíduos não autorizados, como caçadores, na Área de Proteção Ambiental, além da possível utilização do perímetro da Mata para área de uso residencial. Espécies vegetais raras e valiosas, minerais e outros recursos da floresta também podem provocar o interesse de terceiros. Tais preocupações devem ser consideradas nos planos de ações para garantir a segurança e a preservação, principalmente para evitar invasões e assentamentos irregulares em áreas com pouca fiscalização.

O incentivo à pesquisa científica na Mata do Krambeck e na área do Jardim Botânico da UFJF é imperativo, pois somente dessa forma as ações de manutenção necessárias podem ser implantadas com embasamento e os resultados apresentarem os rendimentos esperados, fortalecendo a representatividade singular desta mata no contexto da cidade de Juiz de Fora e para uso da população urbana.

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JARDINS HISTÓRICOS

Este trabalho visa compreender as perspectivas culturais e patrimoniais de um dos principais legados do reinado de D. João VI – O Jardim Botânico, o mais famoso jardim histórico do Brasil. Como com a chegada da corte, o Rio de Janeiro foi afetado, desde a sua urbanização até a vida sociocultural da então colônia, chegando a utilização do parque como um meio de pesquisa, desenvolvimento e apropriação na vida contemporânea. Será trazido à tona o contexto histórico, desde a chegada de D. João VI, elucidando a criação do jardim privado com seus objetivos e impactos à época, passando pela abertura do jardim privado para o público, tornando-se assim o atual Jardim Botânico. Contextualizaremos as mudanças urbanas que foram necessárias para a implantação do mesmo, exemplificando as alterações da paisagem na Lagoa Rodrigo de Freitas e do atual bairro do Jardim Botânico. Demonstraremos o impacto sociocultural na época de sua construção e qual o legado patrimonial para a cidade do Rio de Janeiro.

Palavras Chave: Jardim Botânico, sócio cultural, patrimonial.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

OLUGARDOJARDIMHISTÓRICONAPAISAGEMBRASILEIRA:PERSPECTIVASSOCIOCULTURAISEPATRIMONIAISFernandaMatoso MirandaLinsGouveia

Em janeiro de 1808, Napoleão Bonaparte estava prestes a invadir Portugal com suas tropas. Com condições precárias para enfrentar os franceses D.

João, até então regente de Portugal decidiu transferir sua corte para o Brasil, sua principal colônia.

Em janeiro de 1808, Napoleão Bonaparte estava prestes a invadir Portugal com suas tropas. Com condições precárias para enfrentar os franceses D. João, até então regente de Portugal decidiu transferir sua corte para o Brasil, sua principal colônia.

O Brasil era colônia de Portugal desde o século XVI e capital do vice-reino desde 1793, porém, até então nenhum rei havia visitado uma de suas colônias, muito menos mudado para uma delas. Então de 1808 até 1821, a cidade do Rio de Janeiro foi sede da monarquia portuguesa.

A estrutura urbana encontrada pela família real foi em grande parte construída por Luis de

ACHEGADADED.JOÃOVI

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JARDINS HISTÓRICOS

Vasconcelos e Sousa, que administrou a cidade entre os anos de 1778 e 1790 e foi considerado o autor da primeira remodelação urbana do Rio de Janeiro e adequou da cidade aos conceitos modernos das capitais europeias. Sua gestão é conhecida principalmente pela construção do Passeio Público e reurbanização do Largo do Carmo, expressões da prosperidade da época.

AEXPANSÃODACIDADEDORIODEJANEIROCom a vinda da família Real para o Brasil, o Rio de janeiro ganhou uma nova fisionomia. A cidade,

que até então ficava basicamente restrita ao atual bairro do centro da cidade, mais especificamente até a rua Uruguaiana, na época rua da Vala começou a se expandir.

Para zelar pela segurança e policiamento da cidade, foi criada, ainda em 1808, a Intendência de Polícia, encarregada de todos os serviços de melhoria e embelezamento da cidade. Foram também construídos chafarizes para o abastecimento de agua, pontes, calçadas, estradas e instalada a iluminação pública. Tais melhorias eram na maioria das vezes contribuições de ricos moradores locais em troca de títulos de nobreza ou benefícios materiais dados pelo príncipe regente.

As mudanças foram rápidas, e surpreendiam viajantes que passavam pelo Rio de Janeiro e durante o período de permanência de D. João no Rio de janeiro, dobrou o numero de habitantes, passando de cerca de 50 mil para 100 mil pessoas. Instalavam-se no Rio, também, representantes diplomáticos, pois a cidade se tornara a sede do Governo português e com novos serviços sendo prestados surgiram novas oportunidades de emprego. Demonstrando sua intenção de permanência no Brasil, D João criou o banco do Brasil, casa da moeda, e um Jardim de aclimação.

O ENGENHO DA LAGOA E A PREPARAÇÃO PARA O RECEBIMENTO DO JARDIM DE ACLIMAÇÃOEm 1808 foi decretada a utilização dos terrenos da Fábrica de Pólvora, denominado de Real Horto,

para instalação de um jardim de aclimação de plantas exóticas, inicialmente especiarias vindas do Oriente e, posteriormente, outras como o chá e a fruta-pão. O local, antes terras do Engenho de Nossa Senhora da Conceição da Lagoa, havia sido desapropriado por D. João VI.

A CRIAÇÃO DO JARDIM DE ACLIMAÇÃOOs primeiros jardins botânicos surgiram na Europa, no século XVI, com o intuito de estudar

as plantas medicinais. Por meio do cultivo e da herborização das espécies com potenciais terapêuticos, buscava-se identificar e comprovar suas propriedades.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Aclimatar uma espécie de planta significa aperfeiçoar o transporte das mudas e sementes, trazidas de outros continentes, para depois semeá-las.

Com D. João recém-chegado de Portugal, por Decreto de 13 de junho de 1808, o Príncipe-Regente criou no antigo “Engenho da Lagoa”, espaço com chácaras afastado da cidade, pertencente a Rodrigo de Freitas, um jardim sob o nome de Real Hôrto, anexo à uma Fábrica de Pólvora estabelecida no antigo Engenho. O proprietário deste Engenho havia inclusive mandado construir uma capela no local, e este Jardim de Aclimação, tinha a finalidade de aclimatar as plantas de especiarias oriundas das Índias Orientais. Em 1809 ocorre o plantio por D. João VI da Palma mater, primeira palmeira imperial do Brasil. (Il. 1 )

Il. 1 - Henschel, Albert, 1827-1882 ([1875]). Rio de Janeiro, RJ.Fonte: Acervo IMS).

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JARDINS HISTÓRICOS

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro iniciou suas atividades, inserido nas orientações elaboradas anteriormente em Portugal. O primeiro desafio foi aclimatar as chamadas especiarias do Oriente: baunilha, canela, pimenta e outras. Assim, inicialmente foi um local de experiências com vegetais enviados de outras províncias portuguesas, além daqueles oriundos do Jardim Botânico La Gabrielle, na Guiana Francesa, recém-invadida pelas tropas luso-brasileiras. Em 1817 ocorreu a ampliação do Real Horto e mudança do seu nome para Real Jardim Botânico.

Em 1822, com a independência do Brasil, o jardim Real Horto foi aberto ao público para visitação levando agora um novo nome: Real Jardim Botânico. Em 1823 é feita a ampliação da área cultivada, traçado e arborização de várias aléias, construção de elementos paisagísticos, como o lago e o cômoro. Teve também o início das funções de experimentação e estudos de botânica no Jardim Botânico.

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro passa a ser dirigido, de 1824 a 1829, por Frei Leandro do Sacramento, um frade carmelita que também era professor de botânica da Academia de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro e membro das Academias de Ciências de Londres e Munique. Frei Leandro foi o primeiro diretor botânico e, par a par às demandas da época pelo cultivo de chá e introdução e cultivo de especiarias, distribuição de mudas e sementes para os jardins do país, também reorganizou o arboreto, aumentando a área cultivada, construiu um lago artificial, um cômoro, no qual edificou a Casa dos Cedros, e iniciou a permuta de plantas com o Jardim Botânico de Cambridge, enriquecendo a coleção e buscando assim dar um caráter científico à instituição.

No ano de 1846 acontece a abertura do Jardim Botânico para visitação pública, sem acompanhamento. Passa a existir no imaginário comum como referência de local para contato com a natureza e espaço de socialização. Tal atividade teve um aumento exponencial, tanto que em 1863, em virtude do crescimento da atividade de visitação pública do Jardim Botânico, principalmente pela população mais modesta da cidade, nos fins de semana acaba acontecendo a desapropriação de terrenos nas áreas contíguas para a experimentação agrícola, dando origem à Fazenda Nacional da Lagoa de Rodrigo de Freitas e a integração do Horto Florestal ao Jardim Botânico.

Em 1874 acontecem extensas obras de paisagismo no Arboreto, com a construção do bosque dos bambus e de gruta de pedra e a colocação de placas com nomes científicos e vulgar das plantas, além da aquisição da Fazenda dos Macacos para transferência do Asilo Agrícola cuja inauguração só se daria em 1884. Houve também a ampliação da Fazenda Normal, com a plantação de gêneros de produção nacional para distribuição aos fazendeiros do Rio de Janeiro e de outras províncias, representando um enorme incremento dos viveiros. A proclamação da República fez com que o jardim fosse renomeado de novo,

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

desta vez para “Jardim Botânico”. O Jardim encontra-se tombado pelo Instituto do patrimônio Histórico e Artístico Nacional desde 1937.

Com o passar dos anos o Jardim Botânico passou por dificuldades de manutenção e conservação, mas com parcerias públicas e privadas, conseguiu auxílios e em 1992 um orquidário e uma estufa de violetas foram renovados e mais tarde em 1995 um jardim sensorial foi construído com plantas aromáticas Reconhecimento pela sua importância científica em 1998 o jardim foi rebatizado como Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, ficando afeto ao Ministério do Meio Ambiente e finalmente em 2002 tornou-se uma autarquia.

OJARDIMCOMOUMCENTRODEPESQUISAO Jardim Botânico, desde sua criação, buscou atender quesitos mínimos para atender a demanda

de produção de plantas medicinais e espécies para o consumo de chá e especiarias. Com sua abertura ao público e a transformação de um jardim privado para um jardim público, o Jardim Botânico passa a atender demandas de diferentes instituições, buscando atender as demandas econômicas da época. Desde a produção de matéria prima para alimentar a possível indústria de seda, até ao decreto do Regulamento nº 15, de 1 de abril de 1838, buscando a criação de uma Escola de Agricultura, teórica e prática, o Jardim Botânico passou a ter ênfase de servir como um local de produção de conhecimento.

Em 1860, Frederico Leopoldo César Burlamaque, diretor do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, apresentou uma moção reivindicando a administração do Jardim Botânico para sua instituição, de caráter privado. O Jardim Botânico foi desvinculado do Ministério do Império e subordinado ao recém-criado Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Em 17 de agosto de 1861, foi assinado um contrato entre o Governo Imperial e o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, determinando que a administração do Jardim Botânico passasse para o referido Instituto, cuja direção tinha o interesse em fundar ali um estabelecimento de ensino agrícola, denominado Asilo Agrícola da Fazenda Normal, que serviria de escola prática e de modelo às fazendas de cultura de especiarias, no qual seriam ensaiados os processos de agricultura mais aperfeiçoados à época. Isso mantém o objetivo de utilização do Jardim Botânico como local de produção de conhecimento e aperfeiçoamento das técnicas conhecidas na época.

Do retorno à condição rural das áreas contíguas ao Jardim Botânico, em 1863, surgiu a possibilidade da ampliação das áreas cultivadas e para experimentos, associando o Horto Florestal ao Jardim Botânico. O antigo Horto Florestal apesar de apresentar atividades próprias como local para experimentos de cultivo de

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JARDINS HISTÓRICOS

essências florestais para fomento florestal de desenvolvimento agrícola tinha um forte vínculo institucional com o Jardim Botânico. Fazem parte, portanto, dos primórdios do Jardim Botânico, a função básica que até hoje possui de cultivo de plantas, além da utilização compartilhada como local de recreação contemplativa e de pesquisas em Botânica que se sucedem em importância dependendo dos seus administradores. Do mesmo modo, apesar dos objetivos nem sempre associados, é histórica a vinculação entre o Jardim Botânico e o Horto Florestal. Tal processo se mantém até os dias de hoje, tanto que o Jardim Botânico foi rebatizado em 1998 como Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, ficando subordinado ao Ministério do Meio Ambiente.

OOTOMBAMENTODOJARDIMBOTÂNICOEm 1938 foi realizada a criação do Serviço Florestal com sede no Jardim Botânico. No mesmo

ano executou-se o tombamento federal como monumento natural pelo IPHAN. Consideram-se valores histórico-culturais o acervo arquitetônico, os monumentos, os sítios arqueológicos e as obras de arte do Jardim Botânico. O acervo arquitetônico e monumentos do Jardim Botânico serão expostos a seguir:

SOLAR DA IMPERATRIZ Trata-se de um dos poucos remanescentes da arquitetura rural no Rio de Janeiro, em parte

construído no século XVIII e em parte, no início do século XIX. Integrava a Fazenda dos Macacos, tendo sido, em 1829, adquirido por Dom Pedro I para presentear sua esposa, Dona Amélia Napoleão de Leuchtemberg, segunda imperatriz do Brasil, dando origem ao nome pelo qual é até hoje conhecido Na época, o edifício principal foi aumentado, construiu-se uma capela e uma varanda de entrada, ergueu-se mais tarde uma “coberta” de ligação da casa à capela que, fechada, passou a ser um cômodo avarandado. Construiu-se um puxado para a cozinha e os serviços. (Il. 2 )

Em 1864, instalou-se no Solar, a Escola Agrícola, aproveitando das terras desapropriadas poucos anos antes pelo Imperial Instituto Fluminense de Agricultura para reflorestamento do Maciço da Tijuca. Em 1884, na sede foi instalado o Asilo Agrícola para órfãos de 9 a 21 anos aprenderem técnicas de plantio e serem utilizados como mão-de-obra. A partir de 1925, passou a sediar o Serviço Florestal do Brasil, do Ministério da Agricultura. Nos anos 70 até 1989, destinou-se aos serviços administrativos da extinta Fundação Pró-Memória, por cessão do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF. Foi também utilizado pela Fundação Getúlio Vargas para funcionamento de cursos, por empréstimo do IBDF.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 2 – [Solar da Imperatriz] Henschel, Albert, 1827-1882 ([1875]. Rio de Janeiro, RJ Fonte: Acervo IMS).

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JARDINS HISTÓRICOS

Recentemente o prédio sofreu obra de restauração, que devolve parte de suas características originais, sendo atualmente utilizado pela Escola Nacional de Botânica Tropical do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Durante a restauração o prédio foi objeto de uma pesquisa arqueológica e, a partir dos resultados, foi registrada como sítio arqueológico.

CASA DOS PILÕES Edificação do início do século XIX, destinada à oficina do Moinho de Pilões. Na oficina era moído o

carvão e compactada a pólvora. Com o fechamento da fábrica de pólvora, foi transformada em residência, em 1831. Sofreu várias reformas e teve diversas utilizações, entre as quais a de depósito de máquinas agrícolas e depósito de sementes. Na edificação morou por mais de quarenta anos o taxonomista Dr. João Geraldo Kuhlmann, diretor do Jardim Botânico entre 1941 e 1955. Em 1965 passou a abrigar o Museu Botânico Kuhlmann, voltado para a difusão educacional. Em 1984, iniciou-se a sua restauração orientada por prospecções arquitetônicas e pesquisa arqueológica que evidenciou o sítio arqueológico Casa dos Pilões, unidade integrante da Fábrica de Pólvora, sendo adaptado e aberto à visitação em 1994 como Museu Sítio Arqueológico Casa dos Pilões.

ANTIGA SEDE DO ENGENHO N. SRA. DA CONCEIÇÃO DA LAGOA Representante dos primórdios da ocupação rural no Rio de Janeiro, integrava o engenho

implantado em 1576, vendido a Rodrigo de Freitas Mello e Castro em 1660. As alterações iniciais no edifício que hospedava a família real quando esta visitava o Jardim Botânico, foram feitas pelo primeiro diretor da fábrica de pólvora inaugurada por D. João VI em 1808. No Império também foram feitas reformas na antiga sede do engenho, quando foram colocadas as grades de ferro nos vãos das fachadas. O prédio, testemunho da vida rural na cidade, em 1990 sofreu pesquisa arqueológica e a partir dos resultados foi registrado como sítio arqueológico.

RESIDÊNCIA PACHECO LEÃO Edificação construída em fins do século XIX para servir como residência dos diretores do Jardim

Botânico é testemunho de um modo de vida e gosto de arquitetura urbana das primeiras décadas do século XX. Ao longo dos anos sofreu diversas alterações: substituiu-se a cobertura original em ardósia por telhas francesas, mudou-se o desenho dos gradis e demoliu-se um corpo adjacente ao prédio. Recentemente, vem sendo utilizada como ambiente de trabalho para pesquisadores e para o corpo técnico.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

ANTIGO PRÉDIO DA ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO JARDIM BOTÂNICO | Edificação construída no final do século XIX para utilização pelo Jardim Botânico. Sofreu diversas modificações no início do século seguinte, quando foram incorporados ao prédio principal, corpos laterais avarandados (mais tarde demolidos). O telhado original em ardósia foi substituído por telhas francesas e foram retiradas as mãos francesas que sustentavam o beiral, dando lugar a uma platibanda neoclássica. Posteriormente, na década de 60, recebeu um acréscimo nos fundos, para instalação da biblioteca.

ANTIGA RESIDÊNCIA DO MINISTRO DA AGRICULTURA | Edificação construída nas primeiras décadas do século XX para utilização como moradia do Ministro da Agricultura. Recentemente vem sendo utilizada como ambiente de trabalho para o corpo técnico e administrativo do Jardim Botânico.

MIRANTE DO CÔMORO FREI LEANDRO | Edificação construída no início do século XIX, juntamente com o cômoro onde se situa no Arboreto. Inicialmente era chamado Casa dos Cedros ou Castelo e era onde D. Pedro I e D. Pedro II faziam suas refeições nas visitas ao Jardim Botânico.

BELVEDERE (MIRANTE DA IMPRENSA) |Pequena edificação construída em sítio elevado no Arboreto, destituída de características construtivas excepcionais.

ESTUFA Nº 1 |Edificação construída em alvenaria, com embasamento em pedra, telhado de vidro e treliças de madeira, onde se localiza o orquidário do Jardim Botânico.

ESTUFA Nº 2 | Edificação construída em ferro e vidro, originalmente destinada à Estufa das Violetas. Após a restauração das esculturas da ninfa Eco, do caçador Narciso e das duas Aves Pernaltas, obras de Mestre Valentim, passou a ser destinada para abrigá-las, sendo então denominada Memorial Mestre Valentim.

ESTUFA Nº 3 | Edificação em ferro e vidro, uma das primeiras estufas feitas no Arboreto, para abrigar a coleção das plantas insetívoras. As primeiras mudas de insetívoras foram recebidas em 1935. Foi reinaugurada em 1987.

Estufas nº 4. | Edificações destinadas às coleções do cactário, construídas em tipologia que faz referência às estações de trem.

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Dentre os monumentos tombados, os de maior destaque são:

CHAFARIZ CENTRAL | Fabricado em ferro, na Inglaterra, foi trazido do Largo da Lapa para o Jardim Botânico, em 1895. Possui quatro alegorias representando a arte, a ciência, a poesia e a música. Localiza-se no encontro das Aléias Barbosa Rodrigues e Frei Leandro, no Arboreto.

PORTÃO PRINCIPAL | Construção do final do século XIX, originalmente em madeira. Em 1893, foi reconstruído com grades e lambrequins de ferro. Na década de 70 possuía uma pérgula de madeira unindo os dois corpos de concreto e argamassa, mais tarde retirada. Atualmente, é de madeira e formado por dois corpos de concreto e argamassa.

PORTADA DA ACADEMIA DE BELAS ARTES | Construção em estilo neoclássico e pertencente originalmente ao edifício da Real Academia de Belas Artes, construído em 1821 e demolido em 1937. A fachada foi reconstituída no Jardim Botânico três anos depois. O portal foi a primeira obra do arquiteto francês Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny, sendo todo o trabalho escultórico de Zeferino Ferrez.

RUÍNAS DA ANTIGA FÁBRICA DE PÓLVORA | Marco da história inicial do Jardim Botânico, resquício da Casa de Pólvora, que juntamente com a Casa do Salitre (hoje inexistente) e a Casa dos Pilões, compunham as edificações da Fábrica de Pólvora, fundada em 1808, por Dom João VI. Na Casa de Pólvora eram misturados o salitre, o enxofre e o carvão para obtenção da pólvora. Os muros de pedra em ruínas da antiga fábrica de pólvora, remanescentes de uma grande explosão ocorrida em 1831, são assentados com óleo de baleia, é um sítio arqueológico.

PORTÃO COLONIAL DA ANTIGA FÁBRICA DE PÓLVORA |O portão da antiga Casa de Pólvora com o brasão da Coroa Portuguesa, complementa as ruínas dos muros ainda existentes.

AQUEDUTO DA LEVADA | Obra de engenharia construída no Vale da Margarida, em 1851, para levar água da nascente do Grotão para o interior do Arboreto. A construção é feita de tijolos e pedras e possui três arcos.

Gruta Karl Glasl | Obra paisagística realizada em 1863, para possibilitar a ocorrência de espécies que se desenvolvem em ambientes bastante úmidos e de substrato rochoso.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Cascata artificial |Obra paisagística realizada no período de 1823 a 1829, para criar ambientes de representação da flora aquática e permitir a distribuição de água pelo Arboreto.

Dentre obras de arte tombadas, as de maior destaque são as Estátuas Ninfa Eco e O Caçador Narciso, Esculturas “Aves Pernaltas”, a Mesa do Imperador, o Relógio do Sol, as estátuas das Deusas Diana, Ceres e Tétis, as Fontes Wallace, os Bustos de Dom João VI, Frei Leandro, Barbosa Rodrigues, Von Martius, Auguste Saint-Hilaire, Paulo de Campos Porto, Pio Correa, as esculturas de “Xochipilli”, “Adamah”, “O Pescador”, “Sarça” e o monumento e memorial Tom Jobim.

Percebesse as incontáveis estruturas arquitetônicas, monumentais e acervos artísticos presentes no Jardim Botânico. Isso sem exemplificar a infinidade de exemplares de flora e fauna presentes no local, que concederam o título de Reserva da Biosfera pela UNESCO, em 1991.

ASPERSPECTIVASSOCIOCULTURAISEPATRIMONIAISNo decorrer deste artigo pudemos perceber como que a chegada de Dom João VI acarretou em

diversas mudanças na arquitetura do Rio de Janeiro e da região do Engenho da Lagoa. Desde a retirada das antigas construções até a mudança da paisagem para o acolhimento da Fábrica de Pólvora e posteriormente do Jardim de Aclimação, a instauração da corte no Brasil foi decisiva para a existência de nossa cidade como a conhecemos hoje em dia. (Il.3)

Foi através da demanda por estruturas existentes em Portugal para atender a corte instaurada que o Jardim de Aclimação cresceu em tamanho e importância, econômica e social. Junto com a adequação da flora obtida nas diversas colônias portuguesas, a necessidade de realização de pesquisas por novas formas de garantia da agronomia na nova sede do império português, levou o Jardim Botânico a um status de suma importância para o Brasil.

Junto com o viés econômico, o Jardim Botânico passa também a ser um local de socialização, após sua abertura ao público. Ele passa a ser um local de produção de conhecimento cientifico e cultural, pois se transforma em um local de ensino e de destaque para a população carioca. Destaque tanto, que o IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional decide pelo seu tombamento, a fim de garantir que o processo de geração de conteúdo cientifico e cultural permaneça.

De forma sucinta, esse trabalho buscou traçar um breve histórico do Jardim Botânico, começando pela sua criação, crescimento e estabelecimento como referência nacional na área de pesquisa botânica, além de demonstrar o contexto sociocultural no qual o mesmo aflorou.

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Il. 3 – Jardim Botânico, Ferrez, Marc (1885). Rio de Janeiro, RJ Fone: Acervo IMS)

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REFERÊNCIASPortal Sua Pesquisa.com, Período Joanino em: < http://www.suapesquisa.com/historiadobrasil/vinda_familia_real.htm>. Acesso:28.mai.2016.

CARVALHO, Amanda. O Rio de Janeiro a partir da chegada da Corte Portuguesa: Planos, Intenções e Intervenções no século XIX. In: PEIXOTO, Elane Ribeiro; DERNTL, Maria Fernanda; PALAZZO, Pedro Paulo; TREVISAN, Ricardo (Orgs.) Tempos e escalas da cidade e do urbanismo: Anais do XIII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Brasília, DF: Universidade Brasília- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 2014. Disponível: <http://www.shcu2014.com.br/content/rio-janeiro-partir-da-chegada-da-corte-portuguesa-planos-intencoes-e-intervencoes-no-seculo>. Acesso: 28. mai. 2016,.

BEDIAGA, Begonha. Conciliar o útil ao agradável e fazer ciência: Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 1808-1860. História, Ciências e Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 14, n.4, p.1131-1157, out.-dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v14n4/02.pdf >. Acesso em: 28 mai. 2016, 15:10:00

Portal do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, História. Disponível e: <http://jbrj.gov.br/jardim/historia >. Acesso em 29 de mai. 2016, 10:30:00

Portal do Ministério da Justiça, Arquivo Nacional. Disponível: <http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2792>. Acesso: 29.mai. 2016.

Portal da Prefeitura do Rio de Janeiro, Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro-RIOTUR. Disponível em: <http://www.rio.rj.gov.br/web/riotur/exibeconteudo?id=157687>. Acesso: 29.mai.2016.

Portal da Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro. Disponível: < http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/383/>. Acesso: 29.mai.2016.

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JARDINS HISTÓRICOS

Um dos grandes desafios enfrentados para a elaboração de projeto para restauração de jardim histórico no Brasil diz respeito à falta de informações sobre as intervenções e alterações sofridas pela área ao longo do tempo, bem como a ausência de levantamentos regulares e sistemáticos, que deveriam compor a memória do bem cultural. Muitas vezes faltam dados básicos, como plantas arquitetônicas ou levantamentos florísticos confiáveis. O artigo apresenta o desafio de elaborar o projeto de restauração da Praça Senador Salgado Filho, em frente ao Aeroporto Santos Dumont, um dos primeiros projetos de Roberto Burle Marx para áreas públicas no Rio de Janeiro. Jardim icônico, apresenta não só a natureza carioca e brasileira ao viajante, mas também uma ideia de modernidade que a nova arquitetura e o novo paisagismo do Brasil apontavam no início dos anos 1950.

Palavras-chave: Praça Senador Salgado Filho, restauração de jardim histórico, Roberto Burle Marx

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

PROJETODEREFORMAPARAAPRAÇASENADORSALGADOFILHOClaudiaBrack

A Praça Senador Salgado Filho está relacionada ao aeroporto adjacente. Ela foi desenhada para servir de “porta de entrada” para a Cidade do

Rio de Janeiro. E deveria apresentar, não só a natureza carioca e brasileira ao viajante, mas também uma ideia de modernidade que a nova arquitetura e o novo paisagismo do Brasil apontavam, valorizando nossa nacionalidade.

Joaquim Pedro Salgado Filho, magistrado e político brasileiro, foi o primeiro ministro da Aeronáutica (1941 — 1945). Um dos criadores do Correio Aéreo Nacional e da Escola de Aeronáutica, Salgado Filho estimulou a criação de aeroportos para aviação comercial no Brasil. Vários aeroportos ou áreas

PROJETODEREFORMAPARAAPRAÇASENADORSALGADOFILHO

Mas o Paisagismo que emerge no Brasil, na década de 1930, não tem precedentes na história universal, associando-se às primeiras obras modernistas de Arquitetura, fato que nos assegura o status

de sermos precocemente modernos (LANA , 2009, p.49).

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JARDINS HISTÓRICOS

relacionadas ganharam seu nome em homenagem após sua morte, em 30 de julho de 1950. No Rio de Janeiro o Decreto nº 10459 de nomeação da praça data de 10 de agosto do mesmo ano, poucos dias após o falecimento. O que seria a Praça Santos Dumont mudou de nome antes mesmo da sua inauguração. Não aparece no Histórico dos Alinhamentos para Logradouros1 referência ao que seria um nome anterior, homenageando o Pai da Aviação, que aparece em plantas antigas.

HISTÓRICO-ANTECEDENTESNo site da Infraero encontramos referência ao início da construção do Aeroporto Santos Dumont

em 1934 na Ponta do Calabouço, lugar já utilizado exclusivamente para a chegada dos hidroaviões.

A proposta de implantar o aeroporto no aterro do calabouço repercutiu bem, conquistando elogios de especialistas em aviação do mundo todo. As obras começaram em 1934, em terreno cedido pela Prefeitura do Distrito Federal ao Ministério da Viação e Obras Públicas..........Os serviços não foram interrompidos. Hidroaviões continuavam a operar normalmente no local e o terrapleno, antes mesmo de estar concluído, já estava sendo utilizado, franqueado aos 400 metros para pequenas aeronaves. Mais tarde, em 1936, quando alcançou 700 metros, foi aberto para aparelhos de maior porte, o primeiro aeroporto civil do país era finalmente inaugurado. Henrique Mindlin informa na publicação Arquitetura moderna no Brasil, que a construção do aeroporto começou em 1938, mas foi interrompida, só recomeçando em 1944. Talvez estivesse se referindo só ao prédio de autoria dos arquitetos Marcelo e Milton Roberto, enquanto a Infraero se referia ao pátio ou pistas.2

Roberto Burle Marx ainda não tinha implantado nenhum jardim público no Rio de Janeiro até o início da década de 1950. Tendo sido Diretor de Parques e Jardins em Recife com apenas vinte e cinco anos – entre 1934 e 1937, lá fez aproximadamente vinte projetos e implantou sete praças3. Na sua volta ao Rio de Janeiro, projeta os jardins do então Ministério da Educação e Saúde e diversos jardins residenciais. Temos notícia de projetos feitos para áreas públicas como um parque para preservação do “grupo biológico das lagoas litorâneas do Distrito Federal”, publicado na Revista Municipal de Engenharia em 1949 mas não executado. Ao que parece elaborou um primeiro projeto para a praça em frente ao aeroporto no final da década de 1930. É comum encontrarmos em publicações referência ao projeto como sendo de 1938 ou de 19394.

No início da década de 1940, Roberto Burle Marx conhece o botânico Henrique Lahmeyer de Mello Barreto, e com ele desenvolve projetos em Minas Gerais. São de 1942/1943 os projetos para Araxá (Parque do Barreiro), Belo Horizonte (Pampulha), além de projetos para as cidades de Cataguases e Ouro Preto. Começava assim sua primeira parceria com botânicos, que iria se repetir com outros nomes, pelo resto de sua vida.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

O jovem paisagista muito se beneficiaria com o profundo conhecimento da vegetação nativa brasileira que o botânico vinha pesquisando e investigando obsessivamente. Surgia um novo conceito de Paisagismo que se utilizava da flora nativa na composição dos nossos jardins e relegava à categoria de modismo os jardins de modelos europeus (LANA, 2009, p.69). O convívio com Mello Barreto abriu para Roberto a visão da natureza como um conjunto de ecossistemas, cada qual com sua trama de fatores e condicionamentos (MELLO FILHO , 1999, p.28-a).

Com a vinda de Mello Barreto para dirigir o Jardim Zoológico do Rio, esta parceria se estendeu para além das Minas Gerais. Foi com o auxílio de Mello Barreto que Burle Marx elaborou a especificação do plantio do parque litorâneo de restinga, e também a especificação do plantio da Praça Senador Salgado Filho, na primeira versão do projeto de acordo com alguns autores.

HISTÓRICO–OPROJETONo início da década de 1950, Roberto Burle Marx se aproxima do botânico Prof. Luiz Emygdio

de Mello Filho, chefe do Departamento de Botânica do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Em 1951, o professor assume a direção do Departamento de Parques e Jardins da Prefeitura do Distrito Federal. Convida então Burle Marx para elaborar dois projetos: os jardins do park‐way da Praia de Botafogo e retomar seu projeto para a praça em frente ao aeroporto. Iniciado em administrações anteriores, o projeto para os jardins da Praia de Botafogo foi paralisado, só tendo sido completado em 1954 com o novo projeto de Burle Marx. Para o jardim da Praça Senador Salgado Filho, em frente ao Aeroporto Santos Dumont, parece já existir um projeto de Burle Marx com a colaboração botânica de Mello Barreto. Esse projeto foi reformulado em suas linhas gerais, contando também com a colaboração do botânico Luiz Emygdio de Mello Filho. Entendo que os dois projetos, o da Praia de Botafogo e o da praça até então chamada de Santos Dumont, foram elaborados ou refeitos em simultâneo, podendo ser considerados os primeiros projetos de Roberto Burle Marx para áreas públicas no Rio de Janeiro. Essa afirmação pode ser inferida quando o Profº Luiz Emygdio relata que na Praça Senador Salgado Filho foram utilizadas pela primeira vez três espécies de Clusia (C. criuva, C. fluminensis, C hilariana.)5. Como estas espécies também foram utilizadas na Praia de Botafogo (MELLO FILHO , 1999, p.21), entendo que se confundem o pioneirismo nos dois projetos.

Como ocorreu na arquitetura, que na busca de caminhos de transformação recorreu ao passado colonial para reinterpretá-lo, o paisagismo moderno de Roberto Burle Marx buscou sua essência

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JARDINS HISTÓRICOS

na observação e no conhecimento do nosso meio natural para construir um novo vocabulário no trato dos espaços do homem na sua relação com a arquitetura e com a paisagem. (LANA, 2009, p.69)

Havia várias espécies introduzidas pela primeira vez num espaço público urbano no Brasil, que não tardaram a se mostrar adaptadas e vicejantes no local, como a Clusia fluminensis Planch & Triana (abaneiro), ... a Ceiba erianthos (paineira-da-escarpa), o Bactris setosa (tucum‐do‐brejo). (DOURADO , 2009, p.306)

No Arquivo Técnico da Fundação Parques e Jardins já não encontramos o desenho original de Roberto Burle Marx, mas sim uma cópia feita pelo desenhista Hamilton Santos em 1988 (Il. 1). O manuseio constante da planta original fez com que esse documento se deteriorasse, mas felizmente fez-se a copia. Passamos a tratar esse documento como planta “original”, entre aspas. Nesta planta pode-se ler um pequeno memorial assinado pelo autor:

IIl. 1 – Cópia do projeto original de Roberto Burle Marx. Acervo: Arquivo Técnico da Fundação Parques e Jardins. Fonte: paisagemcarioca.rio.rj.gov.br

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Neste jardim a dominância é dada por um grande lago onde há a possibilidade de utilização de numerosas plantas aquáticas. Existem nele também, grupos de espécies vegetais ligadas a areia, que possuem a propriedade de grande resistência ao vento e ainda serão usadas como elementos de contraste, rochas regionais nas quais plantar-se-ão os representantes mais destacados da sua vegetação típica. A interrelação dos diferentes grupos a fim de se obter um conjunto harmônico, será dada pelos caminhos que terão formas livres, em que a pavimentação far-se-á com a pedra portuguesa, branca e vermelha, já tradicionalmente usada como elemento decorativo na Cidade do Rio de Janeiro.

Documento fundamental para a elaboração de qualquer intervenção na praça, essa planta nos deu os parâmetros a serem perseguidos no novo projeto de reforma a ser elaborado. O monumento em homenagem à Santos Dumont já estava implantado na área e aparece desenhado no PAA 5804 de 14 de novembro 1951. Aparece no desenho “original” um deslocamento do monumento que se manteve na praça.O projeto original previa um pequeno bloco a ser construído na praça6. Ali se localizariam escadas e elevadores para o pessoal de serviço e o público, ligando-se ao aeroporto por uma passarela. Esses elementos nunca foram construídos, e provavelmente determinaram o não plantio de espécies arbóreas no canteiro frontal ao aeroporto.

Um aspecto importante do projeto é o “zoneamento” da praça em áreas com a especificação de vegetação característica de biomas brasileiros. A Amazônia está representada pela Victoria amazonica (vitória‐régia), assim como as formações florestais e ecossistemas associados da Mata Atlântica, como a Restinga e a Floresta Ombrófila. Da Restinga, que ocupa grandes extensões do litoral brasileiro, Burle Marx especificou o nordestino Anacardium occidentale (cajueiro) e também a Eugenia uniflora (pitanga) e a Clusia fluminensis (clúsia) que ocorrem no sudeste. Também utilizou vegetação dos brejos, como a palmeira Bactris setosa (tucum-do-brejo) e Acrostichum danaeifolium (sambaiaçu). Das florestas do interior da Mata Atlântica vieram as Tibouchina, os ipês e as já citadas paineiras. Esse recurso já tinha sido utilizado no projeto não executado para o parque de restinga, como explica Roberto Burle Marx:

Ao lado do aspecto paisagístico, procurou-se imprimir à mesma realização o maior rigor científico possível. Deste grupo biológico não somente constarão formações hidrófilas e psamófilas, como ainda um pequeno trecho da zona de meia-encosta, estabelecendo assim uma articulação com o meio montano-florestal. Tem-se em vista mostrar, dentro das possibilidades, vários tipos de “Sera”, indicando-se o pioneiro, o sub-climax e o clímax (BURLE MARX, 1999, p. 9)7.

Ainda de acordo com relatos do Prof. Luiz Emygdio8, a praça foi inaugurada ainda inacabada. Os operários continuaram trabalhando até a chegada do Presidente Getúlio Vargas à praça. O diretor da DPJ

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deixou um funcionário de plantão em ponto estratégico da pista para avisar, sacudindo um lenço, da chegada da comitiva presidencial. Só então pararam os trabalhos. Existe uma foto que parece registrar a cena, com uma máquina ainda compactando o solo, enquanto personalidades hasteiam bandeiras no mastro existente. É enorme a importância da parceria entre Roberto Burle Marx e Luiz Emygdio de Mello Filho, e que daria outros frutos para a cidade. Paulatinamente, a Praça Salgado Filho tornava‐se um balão de ensaio bem sucedido e preparatório do que estava por vir: o parque do Flamengo. (DOURADO , 2009, p.306)

HISTÓRICO-ALTERAÇÕESSOFRIDASA praça sofreu dois acréscimos em sua área. Primeiramente para a implantação da passarela

de travessia da Av. General Justo. Mais recentemente (em data não precisada, entre 1994 e 1996) seu perímetro foi drasticamente alterado, com a sua forma se aproximando de um retângulo. Na ocasião da implantação do Projeto Rio Mar em 1998, última grande reforma na praça, foram criadas baias para taxis separadas por uma ilha. Nesta altura foi implantado ali um quiosque com sanitário público e venda de alimentos, recentemente demolidos.

Foram pesquisados outros documentos iconográficos, como fotos e trabalhos acadêmicos para embasar a intervenção que se pretende executar para valorizar esse importante marco do paisagismo brasileiro e mundial.

Roberto costumava lançar em planta o arranjo das árvores em conjuntos definidos na área do projeto. Uma vez marcados os locais da abertura de cada cova, Burle Marx, em pleno campo, reformulava o arranjo, as distâncias entre mudas, algumas vezes, chegava a considerar a troca de espécies. Era uma maneira dinâmica de manejar a realidade de campo da criação antrópica (MELLO FILHO, 1999, p. 30-b)

Não obstante os dados levantados por esta pesquisa persistem dúvidas difíceis de serem respondidas. O projeto dito “original” pode não ter sido exatamente implantado conforme especificação no documento, conforme nos atesta acima o Prof. Luiz Emygdio. Em idas à campo percebemos que:

1. Existem ou existiram árvores não especificadas pelo autor do projeto, mas que foram efetivamente plantadas em 1952, como a bela espécie Bougainvillea arborea Glaz. (buganvília‐arbórea) – Il. 2

2. Na legenda de plantio existem árvores que não foram encontradas, não sabemos se foram efetivamente plantadas ou não, como Joannesia princeps Vell. (cutieira).

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

3. Existem espécies arbóreas especificadas no projeto “original” que foram representadas no desenho como espécies arbustivas ou herbáceas, como a Tabebuia obtusifolia (Cham.) Bureau.

4. Após a grande reforma de 1998 houve um acréscimo do número de espécies plantadas: mais 15 espécies de árvores (Burle Marx especificou 21), mais cinco espécies de forrações e mais duas espécies aquáticas. Do total de 66 espécies especificadas por Burle Marx, houve um aumento de 33%.

5. Hoje encontramos ainda mais espécies em função de mudas disseminadas naturalmente, espécies invasoras e plantios de frutíferas (feitos provavelmente pelos usuários) que vão descaracterizando o projeto.

6. Entre as plantas existentes no Arquivo Técnico da FPJ, um levantamento não datado (provavelmente do início da década de 1990, imagem 3) relaciona 35 espécies encontradas: 29 espécies arbóreas, três palmeiras e uma espécie ornamental. No desenho aparecem ainda duas espécies arbóreas, numeradas mas não especificadas.

7. Existe um projeto de gradeamento da praça de 1992, não executado. O monumento homenageando Santos Dumont não foi poupado do gradeamento, feito anos depois.

8. A praça ainda ganhou uma escultura datada de 2001 do artista dinamarquês Jesper Neergaard9, implantada próximo à passarela. Ali também hoje se encontra uma estação de bicicletas de aluguel. O último elemento acrescentado à praça foi um mictório público (UFA), instalado pela Secretaria de Conservação.

Apesar de ser tombada pelo INEPAC como “Jardim de Burle Marx” em 199010 , seu estado atual é de abandono. O lago encontra-se seco e, portanto, sem vegetação alguma devido a problemas estruturais e rachaduras. O aumento da vegetação arbórea e a falta de manejo da vegetação em geral transmitem uma sensação de insegurança ao usuário. São constantes os pedidos por poda das árvores para melhorar as condições da iluminação. Frequentada basicamente por taxistas e “moradores de rua”, há pouco fluxo de pedestres pela praça. Os viajantes e servidores do aeroporto utilizam, preferencialmente, acessos periféricos como a passarela Américo Fontenelle e o estacionamento, quando não se retiram do local rapidamente por meio dos taxis estacionados na frente do aeroporto.

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Il. 2 – Boganville arbóreaFonte: Foto Claudia Brack, 1998

Il. 3 – Planta sem data e autoria. Acervo: Arquivo Técnico da Fundação Parques e

Jardins. Fonte: paisagemcarioca.rio.rj.gov.br

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

PROPOSTASPARAAREFORMAA Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro está implantando um novo sistema de transporte na área

central, o VLT. A Linha 3 Azul (Central - Barcas) ligará o aeroporto Santos Dumont à estação Central do Brasil. A estação proposta para o VLT nas proximidades do aeroporto será locada em frente à praça, próximo ao estacionamento. Esse fato vai trazer mais vitalidade àquele espaço público, com mais pessoas cruzando a praça para atingir o aeroporto.

O Aeroporto Santos Dumont é um ponto de chegada de turistas à cidade e todos, visitantes e moradores, merecemos que a Praça Salgado Filho esteja restaurada e se mantenha conservada como um rico patrimônio da arquitetura paisagística brasileira.

O projeto aqui apresentado (Il. 4), elaborado depois de estudos da vegetação proposta por Roberto Burle Marx, das sucessivas reformas e do que encontramos hoje no local, pretende ser apenas um ponto de partida para as intervenções futuras.

Entendemos que houve um aumento significativo do número de espécies e indivíduos arbóreos na praça, o que causa uma sensação de insegurança e limita a visão do lago – ponto focal do projeto como o próprio autor assinala no seu memorial. Algumas árvores existentes assinaladas em planta anexa não deverão ser replantadas quando vierem a desaparecer, para que o sentido do projeto original seja resgatado. Estamos substituindo algumas espécies recentemente plantadas e já mortas, que não constavam da lista “original” de Burle Marx. Substituiremos por outras constantes na sua especificação de plantio, como a Bougainvillea arborea Glaz. (buganvília‐arbórea). Com relação à vegetação, a maior preocupação do projeto de reforma deve ser relativa ao estrato arbóreo, que demanda mais tempo para seu desenvolvimento integral.

O lago passará por uma grande reforma, a fim de sanar os problemas estruturais, e será vegetado com as espécies aquáticas e palustres do projeto “original”. Em suas margens serão replantadas as espécies arbustivas e ornamentais, também conforme o especificado por Burle Marx em 1952. Quanto ao estrato herbáceo, originalmente foi utilizado unicamente Paspalum notatum (grama-batatais). Com o crescimento das árvores, há necessidade de utilização de forrações que suportem o sombreamento. Escolhemos duas espécies - Ophiopogon japonicum e Sphagneticola trilobata (pelo-de-urso e margaridão, respectivamente) plantadas a partir da reforma de 1998.

No mais estão propostos a retirada do mictório, a relocação da estação de bicicletas de aluguel para áreas adjacentes à praça. O restante dos serviços a serem executados não incluem modificações, apenas serviços de manutenção do piso existente em pedra portuguesa e dos equipamentos como bancos e luminárias.

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Il. 4: Projeto de restauração elaborado em 2015, autoria: Claudia Brack

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Por fim entendemos que, só com a manutenção rotineira e a gestão conjunta dos vários órgãos públicos envolvidos - Seconserva, Comlurb, FPJ, IRPH, Rio Luz, etc, a Praça Senador Salgado Filho vai recuperar o lugar de destaque que lhe cabe como patrimônio paisagístico, artístico e cultural da cidade.

Diferentemente da restauração de bens arquitetônicos, a recuperação de uma paisagem demanda esforços por longos períodos de tempo, não se alcançando um resultado imediato. Daí a maior necessidade de um plano que oriente as ações para chegar ao resultado pretendido.

Não se pode deixar de pensar, entretanto, nas ações diárias de manutenção, como varredura, roçada, poda, inspeções, etc., pois elas podem ser importantes para identificar obras de reparação que podem retardar a deterioração. Princípios de gestão devem ser formulados e pensados tanto para o futuro imediato quanto em longo prazo para garantir que esses valores persistam (BRACK, 2012, p.63).

ATÍTULODECONCLUSÃO:LIÇÕESAPRENDIDASUm dos grandes desafios enfrentados para a elaboração de um projeto de restauração de jardim

histórico no Brasil diz respeito à ausência de levantamentos regulares e sistemáticos que documentem as alterações sofridas pela área ao longo de sua trajetória histórica. Muitas vezes faltam dados básicos, como plantas arquitetônicas ou levantamentos florísticos confiáveis. Esses documentos constituem subsidios inestimáveis para a elaboração de diagnósticos consistentes que irão fundamentar as ações projetuais. Essa pesquisa procurou interpretar os poucos cadastros existentes, e contou com a memória viva de funcionários – o que não deve ser a regra.

Via de regra, nossos arquivos carecem de documentos que embasem as ações de recuperação dos jardins. Para tanto se faz necessário o investimento na elaboração de levantamentos seguros dos jardins históricos da nossa cidade. Partindo-se de um levantamento topográfico com a localização de todos os elementos construídos, as pavimentações e todo o mobiliário existentes, com atenção especial à arborização. Sobre a arborização, além da locação georreferenciada de cada individuo na área, deve ser coletado o maior número de informações possíveis sobre o vegetal, incluindo avaliação do estado fitossanitário e características do sítio.

Só com registros atuais confiáveis se poderá fazer a criteriosa análise dos documentos antigos encontrados para evitar que erros persistam e sejam perpetuados. E as futuras intervenções poderão contar com mais dados para embasar outras intervenções. Os órgãos de proteção ao patrimônio não deveriam tombar um jardim sem elaborar, ou exigir que o gestor elabore, uma planta que irá registrar aquele jardim histórico naquele momento.

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E por fim, não podemos persistir repetindo os mesmos os erros cometidos ao longos das ultimas décadas e deixar sem o devido registro as alterações implementadas a cada ação. Novas tecnologias deverão ser empregadas para este registro, com cuidados para captar o caráter do jardim e lembrando que todas as ações propostas devem garantir a autenticidade do sítio cultural, prolongar sua integridade e assegurar a interpretação de seus valores para o público (DELPHIM, 2005, p 36.).

NOTAS1 http://www2.rio.rj.gov.br/smu/acervoimagens/ConsultaKardex.asp. Acesso: 14.mai.2015.2 http://www.infraero.gov.br/index.php/br/aeroportos/rio-de-janeiro/aeroporto-santos-dumont.html. Acesso: 11.mai.20153 Disponível em https://www.ufpe.br/paisagem/burleMarxRecife.php. Acesso: 12.mai.2015.4 Como em : MOTTA, Flávio Lichtenfels. Roberto Burle Marx e a nova visão da paisagem. São Paulo: Nobel, 1983, p. 50;

SIQUEIRA, Vera Beatriz. Burle Marx. São Paulo: Cosac & Naify, 2009, p. 32; ou ainda CZAJKOWSKI, Jorge (ORG), Guia de arquitetura moderna no Rio de Janeiro/Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Casa da Palavra: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2000, p.54 e também no site do INEPAC.

5 Nos levantamentos e plantas antigas consultadas não conseguimos identificar a Clusia criuva, apenas as outras duas espécies citadas.

6 MINDLIN, Henrique E. Arquitetura moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 1999, p. 248 e 2497 Os biomas psamófilos são aqueles que ocorrem no litoral, sobre solos arenosos e salinos.8 O Prof. Luiz Emygdio foi consultor da FPJ entre 1996 e 1999 e organizou cursos e visitas guiadas com os técnicos por

várias praças e parques do Rio, que tive o privilégio de participar.9 Solar Wind Surfer. Feita em mármore de Carrara e granito verde brasileiro. Dimensões: 555 x 222 x 111cm. Disponível

em http://www.jesperneergaard.dk/index_eng.html. Acessado em 14/05/2015 http://www.inepac.rj.gov.br/index.php/bens_tombados/detalhar/436. Acessado em 15/05/2015

10 http://www.inepac.rj.gov.br/index.php/bens_tombados/detalhar/436. Acessado em 15/05/2015.

REFERÊNCIASBRACK, Claudia. Plano de Gestão do Campo de Santana: subsídios e considerações. Dissertação de Mestrado em Arquitetura Paisagística – Programa de Pós-graduação em Urbanismo - PROURB. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

BURLE MARX, Roberto. Grupo Biológico das Lagoas Litorâneas do Distrito Federal. In: Revista Municipal de Engenharia. Janeiro -Dezembro. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1999.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

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CZAJKOWSKI, Jorge (ORG), Guia de arquitetura moderna no Rio de Janeiro/Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Casa da Palavra: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2000.

DELPHIM, Carlos Fernando de Moura. Intervenções em jardins históricos: manual. Brasília: IPHAN, 2005

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Acervo Técnico da Fundação Parques e Jardins

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http://www.jesperneergaard.dk/index_eng.html

http://www.inepac.rj.gov.br

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JARDINS HISTÓRICOS

Ao longo dos seus mais de 150 anos de existência, os jardins do Parque São Clemente têm mantido seu traçado original, mas também têm sofrido descaracterizações, algumas de ordem simples e outras, complexas. O presente trabalho pretende diagnosticar os atuais desafios na gestão desse jardim histórico, propriedade do Nova Friburgo Country Clube, além de apresentar soluções para tais adversidades, a fim de que o jardim atenda as necessidades vigentes sem perder sua configuração primitiva.

Palavras-chave: Nova Friburgo, Parque São Clemente, Glaziou

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

DESAFIOSDEGESTÃOECONÔMICAETÉCNICADOSJARDINSDOPARQUESÃOCLEMENTELuizFollyDutra| VanessaC.Melnixenco

Não obstante os quase sessenta anos de existência do Nova Friburgo Country Clube que os consagra como um dos clubes mais tradicionais do

país, sua importância também se dá, principalmente, pela peculiaridade de estar inserido num conjunto paisagístico de relevância inestimável. Dos 194 mil metros quadrados da propriedade, 180 mil deles são constituídos por jardins. Essa reunião de arte e natureza transformou o espaço do Clube num verdadeiro refúgio no coração de Nova Friburgo. Sua paisagem é tão bela e convidativa que passou a ser considerada o cartão postal do município, constituindo-se num dos lugares mais conhecidos e visitados da cidade.

Além da beleza, a riqueza do Parque São Clemente também está na sua história e na sua configuração como bem cultural que testemunha uma vida de mais de 150 anos. Tais especificidades lhe renderam o título de patrimônio cultural nacional1, por seus belos jardins, projetados pelo paisagista francês Auguste François Marie Glaziou, e por sua charmosa casa, denominada Chalet, desenhada pelo arquiteto alemão Gustav Waehneldt (OLIVEIRA, 2010). Para Carlos Fernando Delphim, o maior especialista em paisagismo

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JARDINS HISTÓRICOS

no Brasil atual, o Parque São Clemente é um dos mais belos recantos do país, que conserva um dos jardins históricos mais bem preservados (DELPHIM, 2012, p. 180).

A manutenção de um espaço tão antigo, rico e imenso é trabalhosa e exige atenção especial. Apesar de todo o esmero que o Clube dedica ao cuidado desse patrimônio, vários detalhes têm contribuído para a descaracterização do projeto original. Esse é um fator intrínseco ao legado do passado: transformações ou deteriorações ocorrem tanto como consequência do desgaste natural quanto pelo uso. Além disso, sendo o jardim um elemento vivo e dinâmico, em sua gestão sempre surgirão situações novas e imprevistas e, por conseguinte, as soluções para tais problemas serão singulares e virão de acordo com o intento de preservação, cuja meta é salvaguardar a qualidade e os valores do bem cultural, proteger o material essencial e assegurar sua integridade e autenticidade para as gerações futuras (DELPHIM, 2005, p. 28).

O jardim do Parque São Clemente tem seu perfil bem delimitado: é um exemplar genuíno de jardim romântico típico do século XIX. Todavia, ele se insere no tempo e no espaço e traz na sua configuração as reminiscências e vestígios dos anos de sua existência. Além disso, sua função presente também é bem definida: ser espaço de convívio, lazer e contemplação. Dessa forma, é preciso encontrar formas de uso do espaço que harmonizem a não agressão de sua constituição como jardim histórico e a sua utilização consciente pelos usuários. Em outras palavras, o jardim precisa estar adaptado à realidade atual sem que esta fira sua integridade original. Um exemplo significativo é a questão dos elementos anacrônicos, ou seja, intervenções que não existiam na composição primária do jardim, mas que se fazem necessários, para sua preservação ou para o melhor uso do espaço pelos visitantes, como as placas informativas.

Como dito acima, há muitos pontos presentes no jardim do Parque São Clemente que descaracterizam sua configuração original, dito no sentido de sua integridade. Para melhor compreensão da situação atual do parque, dividiremos tais elementos, de forma ilustrativa, em três grupos:

1- aqueles que adulteram a paisagem e o espírito do jardim do século XIX;

2- aqueles que compõem o ambiente, mas encontram-se em desalinho com o jardim; e por fim,

3- aqueles que são intrínsecos à paisagem, mas estão corrompidos e necessitam de restauro.

Em relação ao primeiro grupo podemos citar, de início, as placas de circuito para caminhada. Apesar de o parque ser muito utilizado pelos frequentadores para exercícios físicos, como caminhada e corrida, o jardim não existe para esse fim. As atividades físicas são apenas uma das maneiras possíveis de se usufruir o parque. As aleias do jardim não são pistas de corrida e, portanto, não há por que sinalizar sua extensão na forma de circuito. Atualmente, há diversos aplicativos para dispositivos móveis que fornecem

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

o serviço gratuito de cálculo da quilometragem percorrida durante uma caminhada, de forma muito mais precisa do que simples placas. As placas de circuito para caminhada agridem a paisagem e seccionam o conjunto formado pelo verde, portanto, não deveriam estar inseridas no jardim.

Outra questão referente ao grupo primeiro são as vagas de estacionamento. Para uma melhor organização do espaço disponível aos automóveis, algumas vagas são destacadas por placas de prioridade. Todavia, tal disposição interfere e agride a paisagem. O tráfego de veículos condiz com a demanda do espaço, mas não precisa ser evidenciado de tal forma. Uma alternativa para as placas seria pinturas no piso. Estas também alteram a composição do ambiente, mas não são tão agressivas quanto as placas.

Outro ponto problemático são os karts disponibilizados para passeio no parque, , não pelo serviço prestado, mas por sua configuração. Ao ter sido implantada a Go!Karts no lado direito da alameda dos jamelões, grande parte dos bambus que ali crescem foram cortados para dar lugar a uma clareira onde foi construída uma pequena pista de corrida para os karts. Além de ser desproporcional aos intuitos do parque, a implementação da Go!Karts destruiu uma parte do jardim e feriu a paisagem. Se não bastasse, alguns usuários do serviço não cumprem as regras delimitadas para a locomoção dos karts no parque.

Por fim, o último ponto sobre o grupo primeiro trata da lixeira geral do Clube. Localizada atrás do Repuxo do Manequinho, a lixeira fica distante do jardim. Todavia, com a baixa incidência de vegetação, ela fica visível a uma distância razoável. Sua aparência não é agradável e não conversa com o parque. A solução seria escondê-la com uma cortina verde, a fim de evitar a sua exposição ao público.

Sobre o segundo grupo, constituído pelos elementos que compõem o ambiente, mas se encontram em desalinho com o jardim, podemos enumerar, em primeiro lugar, o mobiliário. Entendemos como mobiliário toda peça que, além de compor/ornamentar o jardim, tem uma determinada funcionalidade. Atualmente, podemos destacar dois elementos que necessitam de revisão. Um deles são as placas de identificação das árvores. Sendo a maior parte do parque constituído por jardins, é mister a identificação das espécies botânicas. Poucas são as plantas que estão classificadas e, quando o estão, são guarnecidas por placas antigas, desgastadas pela ação do tempo, cuja leitura é difícil, além de apresentarem aspecto ultrapassado. (Il.1).

Em 2011 foi realizado um teste de novas etiquetas de identificação, mas elas se mostraram falhas. As atuais placas poderiam ser substituídas por novos modelos confeccionados em alumínio fotossensível e anodizado (durabilidade de 25 anos), de aspecto uniforme, com espessura resistente à flexão, em tamanho suficiente para abarcar as informações típicas de uma etiqueta de identificação de plantas (espécie, nome comum, família, origem), com baixa estatura, a fim de causarem pouca interferência na

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paisagem e de fácil acesso a crianças e pessoas deficientes. Além das informações necessárias, cada placa poderia conter o símbolo do Clube para inibir roubos.

O outro ponto que necessita passar por revisão são as lixeiras do parque. Atualmente, o jardim conta com diferentes modelos de lixeiras e, a maioria delas, concentradas numa mesma região. Muitas já estão enferrujadas ou apresentam aspectos de abandono. O ideal seria a adoção de lixeiras uniformes, singelas e funcionais, que não interferissem na paisagem, mas com sinalização clara, corretamente posicionadas ao longo do parque. O estado geral de limpeza e conservação do sítio é fator fundamental, tanto para manter ordem e beleza, como para proteger a natureza local.

Por fim, sobre os elementos que compõem o terceiro grupo, aqueles que são intrínsecos à paisagem, mas estão corrompidos e necessitam de restauro, podemos citar, em primeiro lugar, as pontes. O jardim é ornamentado por cinco pontes, sendo quatro delas em ferro fundido oriundas da fundição escocesa MacFarlene. Walter MacFarlane foi o mais importante manufatureiro de ferro ornamental da Escócia durante o século XIX e empregou, em sua Fundição, renomados artistas e arquitetos. Sua empresa era especializada na criação de arte decorativa em ferro, como grades, bebedouros, coretos, lâmpadas de rua, ornamentos e, até mesmo, edifícios pré-fabricados.

O conjunto de pontes MacFarlane distribuído pelo jardim são posteriores ao Barão de Nova Friburgo, tendo sido adquirido pelo seu filho mais novo, Bernardo Clemente Pinto Sobrinho. Este havia recebido de herança o Barracão de Caça, hoje Sanatório Naval, localizado a, aproximadamente, 300 metros do parque. Para lá, comprou estruturas pré-fabricadas para a ornamentação do prédio de produção da Fundição MacFarlene e, aproveitou para adquirir as pontes para o jardim da Chácara do Chalet, herdada pelo seu irmão mais velho, Antonio Clemente Pinto. Essas pontes foram transportadas desmontadas. Ao chegarem aqui, as peças foram montadas.

Todas as pontes do jardim, cada uma com suas peculiaridades, são de um estilo refinado e de uma grande importância histórica. Em todo o Brasil, existem somente cinco cidades onde peças da Fundição MacFarlene podem ser encontradas, sendo Nova Friburgo, uma delas. Outros exemplos são a Estação da Luz em São Paulo e o Theatro José de Alencar em Fortaleza. Atualmente, as pontes se encontram descaracterizadas devido ao acúmulo de camadas de tintas que foram sendo sobrepostas umas as outras e que escondem os detalhados rendilhados do ferro fundido, além de sofrerem com o peso de tubulações que foram nelas apoiadas, não obstante a obstrução de seus detalhes (Il. 2)

As calçadas também devem receber cuidado especial, pois são parte integrante da paisagem. Em contraponto ao passeio de automóveis, as calçadas devem ser constituídas por pavimentação distinta,

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Il. 1– Exemplar de placa atual para identificação da flora do parque.Fonte: Foto de Vanessa C. Melnixenco).

Il. 2 – Situação atual de uma das principais pontes do parque. Fonte: Foto de Vanessa C. Melnixenco

não necessariamente uniforme, no que diz respeito ao relevo do piso. Todavia, recomenda-se que a pavimentação das calçadas seja padronizada através do uso de um mesmo material, a fim de evitar uma aparência de retalhos. Recentemente, algumas falhas nas calçadas da aleia dos bambus foram concertadas com cimento, o que ocasionou numa perda da homogeneidade, além de descaracterização do piso, já que a pavimentação deveria ter sido feita com solo-cimento, técnica muito utilizada durante o século XIX. O solo-cimento é um material obtido pela mistura de solo, água e um pouco de cimento, de fácil aplicação, longa durabilidade, sustentável e econômico. Diferentemente do cimento, o solo-cimento tem a vantagem de ser constituído por aglomerantes naturais, de características variáveis, que se adaptam ao ambiente. Dessa forma, com o tempo, o pavimento vai se adaptando ao meio, ficando revestido por musgos, o que denota sinal de harmonia no jardim, além de embelezá-lo e deixá-lo mais próximo de sua constituição original.

Outra questão fundamental à qual devemos nos deter é a referente ao entorno do Clube. Entorno é a área necessária para complementar a preservação da ambiência de um bem cultural imóvel tombado. De acordo com Carlos Fernando Delphim,

a conservação de um bem exige a manutenção de um entorno visual apropriado, no que se refere a formas, volumes, escala, cores, textura, visibilidade, materiais e outras características. No caso específico dos jardins, devem-se considerar alterações ambientais que influem na iluminação,

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ventilação, nível das águas subterrâneas, microclima, etc., com restrições a novas construções, demolições ou modificação suscetíveis de causar prejuízo à ambiência do bem (DELPHIM, 2005, p. 31, 33).

Por estar localizado em área central e de alto valor imobiliário, o entorno do Parque São Clemente é extremamente visado. De uns anos para cá, o cuidado com o entorno da propriedade tem sido intensificado, contribuindo para um resguardo de suas características. Todavia, ainda restam muitos elementos que descaracterizam a ambiência do jardim, principalmente no que diz respeito ao contorno de seu horizonte. A mais notável função de um jardim é constituir-se como espaço de acolhimento e fruição, onde o usuário tenha oportunidade de se afastar do caos urbano e contemplar a paz da natureza. Para tanto, o jardim precisa distanciar-se dos elementos externos. Atualmente, um dos fatores que contribui para a descaracterização do jardim do Parque São Clemente é essa influência externa, principalmente, de construções, sejam elas próximas ou distantes. Quando contemplamos o horizonte do jardim, recortado pelas copas das árvores ou montanhas próximas, é possível enxergar diversas casas ao longe, que destoam da paisagem do jardim e quebram com a privacidade proposta (Il. 3). Como é impossível reaver a ambiência original do entorno, a melhor alternativa para solucionar o atual problema, seria o plantio de árvores de grande porte nas divisas da propriedade, a fim de que elas, com sua altura elevada, pudessem esconder as construções visíveis.

Esse assunto da introdução de novas árvores no jardim conduz para o ponto de replantio de espécies. O jardim do Parque São Clemente enfrenta a problemática de ter perdido, com o tempo, algumas espécies presentes no projeto original. Provavelmente, essas plantas foram morrendo sem serem substituídas por novas mudas. Além disso, outras espécies alienígenas à ideia inicial foram introduzidas no jardim, como as cerejeiras. No entanto, essas árvores já foram apropriadas pelos usuários do parque e não devem ser extraídas, a não ser quando de sua morte natural. Portanto, o plantio de novas espécies deve obedecer a um rigoroso critério de restauro para que não se desencontre com o traçado tradicional de um jardim romântico. Além do plantio de novas espécies, é preciso destacar a substituição de árvores já mortas. Um exemplo icônico são os dois exemplares de cedro japonês que se encontram em frente ao Chalet. Há muito, essas árvores estão mortas. Ambas foram alvo de tentativas de recuperação pelo arquiteto-paisagista Cláudio Pirabige, todavia, sem sucesso. Tais árvores precisam ser substituídas por novos exemplares, pois a aparência fúnebre que ostentam destoa da beleza e do cuidado do jardim. As mudas podem ser adquiridas em instituições especializadas.

Outro componente do parque que precisa ser restaurado é o Jardim de Cheiros, assim chamado devido às diversas espécies ali cultivadas que exalam aromas em diferentes épocas do ano. Aos fundos

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do Chalet, contíguo à sala de jantar, esse jardim, em molde italiano, se descortina através de um pequeno belvedere que possui logo abaixo uma cascata originalmente em rocaille (hoje, desaparecida) tendo ao fundo um chafariz de bacia circular, em cujo centro há uma coluna octogonal de pedra encimada por uma escultura de ferro fundido que expele a água. Esta escultura está danificada, pois, originalmente, era composta por quatro meninos tendo restado apenas um deles, segurando uma rede de pesca. Seguindo o repuxo, corre uma balaustrada, formando um semicírculo em face do chafariz. Junto à balaustrada, há uma canaleta em tombo que tinha a função de cascata por onde se escoava a água do repuxo, desaguando em direção ao braço do córrego do Cônego. Infelizmente, não está intacta, pois foi dividida ao meio para dar passagem a uma canalização. Nas terminações intermediárias da balaustrada estão dispostos dois dos quatro vasos de ferro fundido, originais da ponte do lago superior. Os outros dois foram colocados no fim do corrimão da escadaria que dá para a portaria do Parque Aquático. As principais demandas do Jardim de Cheiros são a restauração das obras de arte, como esculturas e repuxos; as cantarias, da balaustrada e da canaleta; os elementos integrados, como os vasos; e, principalmente, o replantio criterioso das espécies adequadas através do estudo das flores pintadas no interior do Chalet (FOLLY, 2013).

Sem dúvidas, o principal elemento do jardim do Parque São Clemente são os lagos. O espelho d’água divide-se em quatro segmentos, superior, intermediário, central e inferior, cuja extensão percorre grande parte do jardim, refletindo o entorno e a limpidez do céu. Os lagos são interligados entre si e abastecidos por um riacho proveniente da base das pedras Catarinas, vistas do parque. Com o desnível do terreno, os lagos foram feitos em três platôs, tendo cascatas e pequenas quedas d’água como mudanças de níveis. Foram construídas pequenas barragens com comportas de ferro fundido para o controle da vazão da água em dias de chuva intensa. Não podemos garantir com precisão o período quando foram implantadas essas comportas, pois na aquarela de Glaziou é impossível verificar esses detalhes, já que ele fazia apenas pinturas de caráter ilustrativo. Há ainda um canal ‐baypass, que tem como função uma passagem maior de água em dias de chuva muito intensa, quando a abertura das comportas não é suficiente. Ele começa na parte superior do parque onde se localiza a entrada do córrego e conduz a água até o rio Cônego (FOLLY, 2007).

O grande problema atual referente aos lagos teve sua origem em janeiro de 2011, quando das fortes chuvas que atingiram a Região Serrana do Rio de Janeiro. Grande parte dos lagos foi assoreada com a lama proveniente da queda de uma barreira. Sem recursos para as obras de recuperação, alternativas foram buscadas. Para o lago central, por exemplo, foi autorizado o aumento de 10 cm do seu espelho d’água para relevar o assoreamento. Após esses anos, é possível constatar que as bordas dos lagos estão sendo desgastadas pela invasão da água. Já é possível, inclusive, observar os muros de contenção feitos pelo

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arquiteto Cláudio Piragibe na reforma da década de 1980 (Il. 4). Esses muros foram construídos justamente para não se perder o traçado original do espelho d’água, que também estava sendo modificado, só que pelas bicadas dos patos e marrecos. Em numerosos pontos, a borda do lago está deformada, apresentando uma séria descaracterização do formato original do lago. Para sua efetiva recuperação, seria necessário estancar a água e retirar o excesso de sedimentos no fundo do terreno. Após esse processo, a borda deveria ser reconstituída com o replantio de grama nos locais afetados.

O lago superior permaneceu durante alguns anos apresentando um sério grau de assoreamento. Felizmente, desde o ano passado, obras de recuperação estão sendo realizadas a fim de que o espelho d’água volte ao seu perfil característico. Este lago, quando de sua construção, foi executado sem seguir nenhuma diretriz do projeto de Glaziou, todavia, também necessita de especial atenção para que sua revitalização não seja agressiva e venha a condizer com os traços do restante do jardim. Além do desassoreamento do lago, o baypass também deve ganhar especial atenção. A forma deste canal deve ser preservada, a fim de que permita a fluidez da correnteza e evite a sobrecarga no lago. Para tanto, também se faz necessário

Il. 3 – Horizonte do entorno da propriedade.Fonte: Vanessa C. Melnixenco.

Il. 4 –Deformação das bordas do lago e visibilidade do muro de contenção, obra do arquiteto-paisagista Claudio Piragibe durante a restauração realizada na década de 1980. Fonte: Vanessa C. Melenixenco

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a conscientização dos funcionários responsáveis pelo jardim para que estejam atentos e aptos a fazer o movimento das comportas.

O jardim criado por Auguste François Marie Glaziou e o Chalet projetado por Karl Frederich Gustave Waehneldt são parte da história de Nova Friburgo, da sua formação aos dias atuais, além de se apresentarem como importantes fontes de pesquisa paisagística e arquitetônica, de forma que podemos considerar tal conjunto um documento/monumento conforme estudos do historiador Jacques Le Goff (1990). Um monumento, por ser herança de um passado, que perpetua a recordação dos atos e atores de sua história. Um documento que guarda a história da sociedade que o produziu e também das épocas sucessivas durante as quais existiu, que reenvia testemunhos para serem assimilados pela memória coletiva. Portanto, o seu devido restauro e manutenção assume caráter de urgência visto a eminência de perda de espécies raras, assoreamento dos lagos e mal estado de pontes e maquinismos do ciclo de águas do jardim, e desaparecimento de características e práticas centenárias da arquitetura e decoração do século XIX materializadas no conjunto Chalet – jardim.

REFERÊNCIASDELPHIM, Carlos Fernando Moura. Jardins do Rio. Rio de Janeiro: Atlântica, 2012.

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FOLLY, Luiz Fernando Dutra. A história da Praça Princeza Izabel em Nova Friburgo: o projeto esquecido de Glaziou. Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da FAU-UFRJ.2007.

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_______; OLIVEIRA, Luanda Jucyelle Nascimento de e FARIA, Aura Maria Ribeiro. Barão de Nova Friburgo: impressões, feitos e encontros. Rio de Janeiro: UFRJ / EBA, 2010.

_______; MELNIXENCO, Vanessa Cristina. Chácara do Chalet: Arquitetura e Paisagismo No Século XIX. In: 1° Congresso Internacional de História da Construção Luso‐Brasileira, 2013, Vitória. Anais... Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2013.

LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In:_______. História e Memória. Campinas: UNICAMP, 1990.

OLIVEIRA, Luanda Jucyelle Nascimento; FOLLY, Luiz Fernando Dutra e MELNIXENCO, Vanessa Cristina. Chácara do Chalet: pequena história de um sonho. Rio de Janeiro, Escola de Belas Artes, 2010.

RIO DE JANEIRO. Instituto Do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Processo nº 444T – 51. D.P.H.A.N. / D.E.T./ Seção de História. Parque São Clemente e casa respectiva, Rio de Janeiro, nov. 1957. (Acervo pertencente ao IPHAN / COPEDOC / Arquivo central.

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Pensamos o jardim como uma construção de relações entre sujeitos, espaços e tempos, onde significantes sagrados, profanos, afetivos, lúdicos, sociais e políticos são estabelecidos e cultivados. Nesse sentido, pretendemos identificar a presença destes elementos naturais investidos pela produção simbólica e inquirir sua validade na conformação das cidades, refletindo sobre sua história e presença em um contexto social contemporâneo. Para isso, ações investigativas são desenvolvidas no campo relacional entre arte, comunidade e universidade onde, por meio do desenvolvimento e cultivo de jardins, toda uma rede relacional é impulsionada de modo a oportunizar instâncias de diálogo, sensibilização e mobilização coletiva. Nestes caminhos, dois focos são explorados no âmbito da pesquisa-ação do Observatório de Comunicação Estética OCE-CNPq, a escultura social e a imagem cidade-floresta na obra do artista alemão Joseph Beuys e, em uma esfera local, a obra Terra Doce em seu projeto Jardim da Tia Neuma no Morro da Mangueira no Rio de Janeiro.

Palavras chave: natureza, temporalidades, arte, (multipli)cidade.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

DEBEUYSAOJARDIMDATIANEUMA:PAISAGENSDEARTE,EDUCAÇÃOEPOLÍTICANACIDADECONTEMPORÂNEOIsabelaFrade| DanieleAlves|ClariceRangel

Conjugando elementos naturais à ação do homem, podemos dizer que as paisagens urbanas são compostas, também, pelos jardins. Sendo eles

fragmentos da paisagem, percebida em sua totalidade, planos específicos ou cenários, Carneiro (2014) afirma que jardim e paisagem se atravessam. Como espaço de prazer, contemplação e cuidado, os jardins se tornam pequenos refúgios simbólicos e sociais para os moradores das cidades. Cauquelin (2001) justifica esta lógica dizendo que as referências do campo se materializam nos jardins e, nele, os habitantes das paisagens urbanas encontram uma fuga na paisagem natural. A referida autora afirma que jardins estão diretamente relacionados com a questão da memória: cada ser humano guarda em sua história referências de jardins presentes na identidade dos lugares, como na casa dos avós, na escola, ou uma árvore marcante em determinada rua, o cheiro de uma flor, e mesmo os jardins da cidade, determinando assim, as paisagens de diferentes tempos e lugares sociais.

APAISAGEMDOJARDIM,OJARDIMNAPAISAGEM

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O termo jardim de infância é bastante utilizado nas escolas, mas poucas pessoas refletem sobre essa relação do jardim com a infância (FRADE, et al. 2016, p.8). Esse vínculo foi evidenciado pelo educador alemão Friedrich Froebel (1782-1852), promotor original da noção de cuidado entre crianças em crescimento como cultivo. Segundo ele, é por meio da educação que a criança vai se reconhecer como membro vivo do todo (s/d). A ideia de criar um Jardim de Infância, ou, inicialmente, “Jardim das Crianças”, em alemão: Kindergarten, considera que as crianças devem ser cultivadas e cuidadas assim como os jardineiros fazem com as plantas. Desta forma, colocá-las em contato com a natureza, permitiria que aprendessem sobre si mesmas e sobre o mundo (CARDOSO FILHO, 2006).

Hoje, temos como plataforma de ação artística e ecosófica, a ideia de uma educação ambiental ampliada na produção de jardins. Especialmente os que estão destinados ao espaço público permitem a presença sensível na aproximação e relaxamento em lugar abrigado, pelo espaço protegido que é o jardim (CAUQUELIN, Op. cit.). A multiplicação dos espaços verdes cultivados no tecido urbano, de diferentes dimensões e qualidades, nos leva a falar de uma “onda verde” nas cidades, onde mais e mais pessoas se organizam em grupos de agrocultivo. Há uma longa linhagem que nos leva a contar, desde hoje, a história de nossos jardins.

Os jardins – decorativos ou funcionais, com horta e pomar – eram parte integrante das casas, nos quintais era possível o deleite familiar em esfera privada, sendo esta uma característica de um tempo e da própria estrutura de formação das cidades. Segundo o autor e arquiteto Ignasi de Lecea (2006) os jardins urbanos são um fenômeno recente na estrutura das cidades. Na Europa e Inglaterra, o autor identifica o século XVII como marco quando o “Place des Vosges” em Paris e os Squares de Londres são ajardinados. Enquanto isso, no Brasil, lógica parecida se repete: as residências contavam com espaços verdes cultivados domesticamente, sem um efetivo planejamento ou preocupação estética de sua forma ou conjunto. A declarada intenção de construção de jardins existe com escassos registros, dentre esses, no século XVII, Maurício de Nassau constrói o Palácio de Friburgo em Recife. Mais tardiamente, no século XVIII, Mestre Valentim constrói o jardim do Passeio Público no Rio de Janeiro.

Podemos dizer que os anos que se seguiram foram prósperos para a cultura paisagística urbana, a organização das cidades com paisagismo passa a ser defendida como uma estratégia de civilizar a nação dentro do quadro político positivista do Governo Imperial, além disso, a vinda de nomes de peso para solos nacionais ajudaram a fortalecer este processo, como o naturalista alemão Ludwig Riedel e o botânico francês Auguste Marie François Glaziou, entre outros.

A partir do século XX, a cidade moderna se fortalece tendo os espaços públicos como sua relevante expressão. No Brasil, Roberto Burle Max é o grande nome da criação dos jardins públicos modernos,

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principalmente a partir da década de 1930. A paisagem urbana, cada vez mais construída, passa a exigir espaços de contato com a natureza, reconectar com algo da essência, expressão romântica que, diferida, encontra eco no modernismo. O que antes era extensão de casa, agora toma um distanciamento, sequências de edifícios com vários andares, reduzidos espaços de moradia; – esta dinâmica reflete diretamente na morfologia da paisagem urbana. Nesta nova configuração, a prática dos jardins absorve outras funções, sendo implementada em locais determinados, nos entre lugares das edificações, uma ordenação da natureza conciliando aspectos decorativos e artísticos. Segundo Carneiro (Op. cit.), o jardim é criado como obra de arte para ser apreciada e desfrutada pelo público, tendo a planta como seu principal elemento de expressão botânica e compreensão ecológica, um veículo de educação e socialização. (CARNEIRO, p.80)

Neste sentido, já é possível perceber um deslocamento da condição inicial dos jardins em residências privadas como prática de proteção e subsistência para um panorama de espaço público, sendo relacionado a funções sociais, artísticas e educativas. Para Anne Cauquelin (Op. cit.), esse jardim urbano configura o asilo necessário para o homem da cidade, sendo o meio do caminho entre os perigos da natureza e da sociedade (CAUQUELIN, p.66). Além disso, a existência de jardins no ambiente urbano influencia seu entorno tanto no que se refere ao desempenho climático quanto à presença e desenvolvimento de fauna e flora. (ANDRADE, 2014).

A jardinagem é um ofício que emprega conhecimentos de arte e princípios da botânica, aliados às técnicas agrícolas, a fim de desenvolver o cultivo de jardins. O objetivo dos antigos jardineiros era modelar o ambiente externo de vivência do homem, quer fosse um pequeno jardim, um grande parque urbano, ou uma paisagem rural, procurando criar arranjos ou composições com valor estético, pensando na relação entre cores, texturas, volumes e massas, cheios e vazios, sombras e luzes, contraste e harmonia. (PESSOA e AZEVEDO, 2015, p.34).

A percepção compositiva em conjunto com elementos estéticos são agregados aos conhecimentos botânicos e às técnicas agrícolas em prol da construção e manutenção das paisagem urbana. Diante do contexto relacional entre jardins, natureza, arte e sociedade retomamos a imagem da cidade-floresta na obra “7.000 Carvalhos” do artista alemão Joseph Beuys.

ARTENAPAISAGEMDACIDADE-FLORESTA:7.000CARVALHOSNOSJARDINSDEKASSEL

A obra artística de Joseph Beuys revela a sua personalidade multifacetada que ao transitar em diferentes campos possíveis de atuação no social - político, educador, ecologista e artista - produziu um pensamento intenso sobre a relação da arte e da natureza. Defendendo uma concepção de arte que tem

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como fonte primária a forma relacional e orgânica entre os distintos modos de ser e estar no mundo. Foi um dos co-fundadores do Partido Verde Alemão e da Universidade Livre Internacional (F.I.U.); também fez parte do movimento FLUXUS, provocando ações em diferentes linguagens artísticas e mídias, desligando-se posteriormente deste mesmo movimento na busca de questões intrínsecas ao seu modo de pensar e agir na e pela arte. Desenvolveu um profundo estudo sobre as plantas e desenvolveu vários projetos imbricados nesse âmbito do mundo vegetal. O pensamento de Beuys estava intimamente conectado às questões dos processos de viver e da criação; assim, torna-se evidente as motivações em seus trabalhos sobre as plantas e animais. Traça um arquétipo entre o indíviduo e a planta para compreender o funcionamento da sociedade e encontra, nas ações ambientais e artísticas, um aporte para concretizar o seu desejo de mudanças no corpo social.

O projeto artístico 7.000 Oaks ‐ City Forestation instead of City Administration de Beuys, iniciou-se em 1982 na Documenta VII, em Kassel (Alemanha) e perdurou após a sua morte, finalizando-se na Documenta VIII (1987). Este projeto apresenta de forma contudente a maturidade da obra de Beuys ao trabalhar os aspectos fundamentais acerca da sua concepção de “arte expandida” e “escultura social”. O trabalho envolvia a plantação de mudas de diferentes espécies de árvores pelas ruas de Kassel e pretendia mobilizar um grande número de pessoas. O caráter colaborativo, a atuação na esfera pública e a utilização da matéria estrito da natureza, são três elementos que se fundem numa ação artística que pretende esculpir o social e alargar as fronteiras entre áreas distintas de conhecimento.

Denominamos, neste estudo, a matéria “natureza” de “terra” pela implicação que esta palavra corrobora à questão acerca da “materialidade” estabelecendo uma abordagem mais terrena e laboral na relação arte e natureza. A materialidade “terra” comunga com o princípio ecosófico de possibilitar uma integração mais consciente entre a cultura e a natureza, a cidade e a floresta, o ser humano e a árvore. Um pensamento presente na obra de Beuys através do seu conceito de “escultura social’.

O conceito ‘escultura social’ elaborado por Beuys abarca um outro conceito de “arte expandida” que entende a arte como comunicação e explora a sua dimensão transdisciplinar. Assim, o primeiro conceito considera os problemas dos campos não-artísticos, especificamente os ambientais e políticos, como extensão da própria arte, estabelecendo uma outra definição para a noção de “escultura”. Para ele, toda forma de vida deve ser esculpida. A ideia de pensar a existência dos seres vivos como escultura implica conceber as (i)materialidades dos processos de viver em sua condição plástica, no sentido de maleabilidade, de metamorfose e de (re)construção.

Com a proposta de substituir a “administração” de uma cidade pela a sua “arborização”, Beuys ativa um organismo social como uma obra de arte, ou seja, aciona a “criatividade do indivíduo” a ser manifesta

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pela ação de um coletivo. Uma “escultura viva” que dialoga com a imagem de uma “cidade-floresta”. Para exemplificar e propor uma vivência pautada no seu conceito de “escultura social”, Beuys articulou ações que necessitavam de parcerias, envolvimento e colaboração entre as pessoas na execução de um projeto coletivo como a obra “7.000 Carvalhos”.

Os “7.000 Carvalhos” (Il. 1) elencou dois símbolos, o “carvalho” e a “pedra de basalto”, ligados a uma história do lugar, da planta, da cultura. As árvores do projeto “7.000 carvalhos” não eram todas da mesma espécie, o artista alemão queria tocar na simbologia especial do ‘carvalho’ para reavivar e criar uma outra memória com os símbolos históricos. Beuys pretendeu resgatar uma história esquecida que antecede o passado nazista alemão, uma memória mais íntima com o viver da/na floresta.

O “carvalho”, que é explorado pelo nazismo pela sua representação simbólica de força e resistência, insere a imagem de uma árvore imponente e longeva dentro de um contexto militar. Com os mitos célticos,

Il. 1 – Joseph Beuys e o projeto “7.000 Oaks - City Forestation instead of City Administration”, 1982. Documenta 7, Kassel. Uma Plantação Coletiva - a Arborização da Cidade de Kassel. Foto: Guenter Beer. Fonte: <http://www.7000eichen.de/>

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Joseph Beuys propõe pensar o “sagrado” que a árvore “carvalho” representa para os celtas. O “carvalho” representa o amadurecimento do tempo. Esta árvore caracteriza-se por possuir um crescimento lento ao passo que se constitui uma estrutura rígida, muito sólida. Da rigidez, advém a sua força e resistência mas que, no entanto, Beuys reforça a qualidade de regeneração invocando a possibilidade de mudança ao mesmo tempo que finca raízes profundas. Ao lado de cada árvore, o artista instruiu colocar a ‘pedra de basalto’ exemplificando um outro tempo, uma memória de morte ligada às vítimas de guerra.

Creditando na esfera pública, o artista cultiva um espaço que enaltece as potencialidades do “comum” no sentido de partilha, explicitando um agir no cotidiano pela sutileza de reavivar espaços na qualidade de “lugar”, de pertencimento. Um florescimento que viabiliza um vínculo com o local que ocupa (habita), construindo um lugar (moradia) imbricado com a sua materialidade “terra”, numa totalidade que abrange diferentes tempos de amadurecimento do crescer/viver, de uma convivência com o tempo ecológico, conforme explica o autor Marcos Reigota (2011):

No tempo da ecologia se incluem elementos inseparáveis e complementares, que não se limitam às simples dimensões de passado, presente e futuro. Nele, a imprecisão, o inusitado, o improvisado, o fragmento, o instável e o caótico do instante não podem ser indissociados da imensidão do tempo histórico, geológico e biológico, e das dúvidas e questionamentos sobre as possibilidades do porvir. (op.cit., p.32)

HISTÓRIASCOMPARTILHADASNOJARDIMDETIANEUMAEntre o passado, o presente e o futuro, no jardim habitam seres que nos fazem tocar pelos

atravessamentos temporais que provocam. Uma velha árvore, ou mesmo resquícios de sua presença são formas pungentes, apontam memórias queridas ou sonhos que não pudemos viver. Quando estão ali os pequeninos miosótis, frágeis, são nossos compromissos com a nossa própria delicadeza. Assim também como as trepadeiras, que remetem aos imprescindíveis apoios no percurso da existência. Cada coisa se faz como campo de projeções emocionantes. Todo jardim tem um história subterrânea, interna, advinda de um processo de subjetivação profunda. Se contarmos como cada um se enlaça aí com seus desejos e memórias, perceberemos o enredado de afetos que se se produz incessantemente.

As plantas se constituem como viventes que nos superam. Ultrapassam, em muito, nossa existência na terra e nos desafiam como espécie. Sua fixidez serve às fantasias que fazemos como espaço poético movente com os insetos e outros bichos que ali se abrigam, nesse mini mundo purificado, lúdico, protegido de todo o mal. Restrito pelos cordões dos canteiros, se servem do espaço construído em limites

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que se expressam como conjuntos, compondo coletivo harmonizados: o jardim deve conter plantas felizes. Essas são imagens mnemônicas de experiências infantis no jardim doméstico. Podem ser refletidas em outras vivências infantis dessa deambulação sobre pequenos espaços, que podem ser mesmo ínfimos. Um jardim pode existir no canto de uma janela, ou no único vaso da sala onde se encontra a mágica concha de um caramujo. Bachelard (2000), quando pensou o imaginário poético da casa, nos falava de centros de simplicidade, onde o sentido onírico do refúgio pode ser vivido.

A obra Terra Doce em seu projeto Jardim da Tia Neuma gera espaços poéticos que buscam abrir espaço para a troca dessas imagens de sonho na relação com a natureza. Ocupar um espaço degradado, cheio de lixo e deflagrar o lugar da memória dos delírios infantis e das recordações comunais -”Ah, houve um tempo em que havia aqui uma senhora que cuidava de muitas roseiras… era uma coisa linda, você nem ia acreditar, mas isso aqui era muito bonito. Hoje ninguém quer cuidar e está assim, cheio de lixo”. Substituir o solo contaminado do monturo de dejetos por brotos e dar espaço à imaginação de um jardim coletivo é o nosso caminho para a produção de um campo relacional, nosso principal objetivo. Relacionar-se consigo mesmo, em devaneios por um centro de solidão concentrada ou então abrir-se ao riso e ao prazer do encontro, em ação lúdica com o outro.

Ali onde era um ponto ativo do tráfico de crack, fomos alimentando, pouco a pouco, uma convivência diária entre vizinhos, com os passantes, com as crianças da creche que fica ali defronte. Criar uma brecha entra as entradas e rápidas tensas, corridas pelo tempo restrito e a violência acachapante para avós e pais abrirem um minuto para ver a rosa ou a borboleta com seus pequenos. (Il. 2).

Nos demoramos mais nos canteiros próximos à creche pela urgência pedagógica no estabelecimento de um lugar de espera com acolhimento. Demoramos a torná-lo significativo pois este espaço público no morro foi naturalizado como sendo perigoso e sujo. Pela diminuta Creche Escola Nação Mangueirense fechada em suas grades altas, iniciamos pela faixa de terra que permanece resguardada no seu interior. Depois, expandimos pouco a pouco e foram muitos encontros, oficinas, e momentos de investida nesses anos de trabalho (o Jardim começou a ser reativado em 2010).

Da promotora da creche, a matriarca Tia Neuma, nasce o nome do lugar. Muitos da comunidade não sabiam de quem se tratava. As lembranças da senhora alegre e batalhadora são revisitadas pela história oral que começamos a fazer circular. As vozes mais maduras se deslocam para o passado e recordam: -”Ah ela era muito alegre e simples, muito carinhosa também. Por isso não era “D. Neuma”, mas “Tia Neuma”...”. –”Muito merecida homenagem, ela era muito boa.”– ”É sempre bom lembrar dela.” O desfazimento dessa figura matriarcal que foi a Tia Neuma é uma experiência que mescla a história local e as formas desejantes

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do presente, desenhando um possível futuro de amor e de paz. Aqui caberia a reflexão de Rubem Alves em Sobre Política e Jardinagem: Há descobrimentos de origens. Mais belos são os descobrimentos de destinos. (2000). (Il. 3).

Para refletir sobre o esquecimento, Andreas Hyussen (2014) perpassa ideias seminais de Ricoeur sobre a fenomenologia do esquecimento: O esquecimento precisa ser situado num campo de termos e fenômenos como o silêncio, desarticulação, evasão, apagamento, desgaste, repressão ‐ todos os quais revelam um espectro de estratégias tão complexo quanto o da própria memória. (p. 158). A história e sua dissolução na memória social que se mantém nos fatos que permanecem e vão sendo reabsorvidos em partes do corpo social. Vibram quando agitados os seus conteúdos humanos, são forças ativas que conquistam a entropia e superam a manipulação externa homogeneizante. Neste sentido é que o jardim é uma obra que apela para essa memória afetiva e se faz como campo de história viva. Uma narrativa integradora que não é contada por um especialista ou autoridade, mas por todos os que ali estão. (Il. 4).

Il. 2 – Vista superior do terceiro platô do Jardim de Tia Neuma com vista para o Morro dos Macacos, ao fundo. No segundo plano,

nosso vaso de goiabeira apresentando sinais da explosão sofrida por um rojão: ocupar a “praça do tráfico” é estar exposto à constantes

agressões.

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CONSIDERAÇÕESFINAISCom a temática da gestão de jardins, que contam e fazem histórias, inseridos nos processos

paisagísticos da cidade contemporânea suscitamos o campo relacional entre arte, comunidade, pesquisa, ação e universidade a partir do olhar de artistas, educadoras, pesquisadoras e jardineiras que acreditam e experimentam o cuidado com os jardins como forma de ensinar e aprender arte na alegria do (con)viver. Dentre muitas inspirações, Joseph Beuys e sua obra nos mostra como a coletividade engajada por meio do seu ativismo político e ecológico é força de pensamento, mobilização e criação. Beuys foi fundador do Partido Verde alemão e instaurou o ativismo ecoesteticopolítico do qual nos sentimos herdeiras. O vínculo com a terra como materialidade que possibilita toda existência se mostra evidenciado na obra “7.000 Carvalhos”, um ação passada e também vindoura: plantar sete mil mudas de uma árvore que vive cerca de 800 anos. Assim, no estudo de sua obra, somos convidadas a perceber a rede de relações indissociáveis entre arte, natureza e vida, envolvidas essencialmente nos modos de ser que integram dimensões políticas e sociais.

Il. 3 – Em ação, a equipe extensionista da UERJ: Jardineiras-aprendizes no esforço de limpeza do terreno, aprendendo a lidar com tesoura e ancinho. No plano de fundo, o medalhão em grafite com o rosto de Tia Neuma, matriarca querida da Mangueira. Fonte: Arquivo da pesquisa.

Il. 4. – O Cravo e a Rosa: cultivando uma poética de infância no Jardim de Tia Neuma. Fonte: Arquivo da pesquisa.

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Todo jardim começa com um sonho de amor. De mesma forma, ao alcance das nossas ações, mas certamente com reverberações longínquas, o envolvimento com a comunidade da Mangueira por meio do Jardim da Tia Neuma mostra nosso comprometimento com a terra, preocupadas com os modos de ser, de conviver, de aprender e de experimentar a vida. Um processo múltiplo de sensibilização: tocamos a terra, as pessoas, os fluxos e por ele também somos tocadas. Ressignificar um espaço inicialmente hostil e violento suscitando memórias já quase esquecidas e cultivar um jardim propondo um espaço de experimentação, de acolhimento, de cuidado com a terra e com o outro, de respeito com o tempo que a própria natureza nos impõe - da semeadura à colheita, do desabrochar de uma flor. Onde é possível acessar todas as formas de conhecimento, do mais tradicional, ao científico, do acadêmico ao popular. (Il. 5).

De encontros pacíficos e férteis à outros que precisaram ser desmarcados por conta de confrontos inflamados na comunidade. Nesta caminhada, já se vão 6 anos cultivando o Jardim da Tia Neuma; sim, este é um jardim de histórias, sua gestão se mostra delicada e só é possível com o envolvimento da comunidade. Ele é em si uma história, ainda breve, mas intensa e sofrida. Tornou-se um bem cultural, um espaço de socialização e de arte.

Il. 5 – Encontros possíveis: pesquisadores, comunidade, arte e jardinagem no Jardim da Tia Neuma na Mangueira - Rio de Janeiro. Fonte: Arquivo da pesquisa.

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REFERÊNCIASALVES, Rubem. “Sobre política e jardinagem”. São Paulo: Folha de S. Paulo, Tendências e Debates, 19.mai.2000. Disponível: <http://www.rubemalves.com.br/site/10mais_08.php >. Acesso: 20.05.2016.

ANDRADE, Inês El- Jaick. O Entorno dos jardins históricos: construção histórica e caracterização dos impactos. In: TERRA, Carlos; TRINDADE, Jeanne. (Orgs). Arqueologia da paisagem: olhares sobre o jardim histórico. Rio de Janeiro: Rio Book’s, 2014.

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

CARNEIRO, Ana Rita Sá. O jardim como Paisagem. In: TERRA, Carlos; TRINDADE, Jeanne. (Orgs). Arqueologia da paisagem: olhares sobre o jardim histórico. Rio de Janeiro: Rio Book’s, 2014.

CARDOSO FILHO, Ronie. O Primeiro Jardim de Infância do Brasil (1862): um lugar de memória? In: Anais do VI congresso luso‐brasileiro de história da educação, 2006, Uberlândia MG. p. 1683-1693. Disponível: <http://www2.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/151RonieCardosoFilho.pdf>. Acesso: 15 jan.2016.

CAUQUELIN, Anne. A invenção da paisagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

FRADE, I. N.; BRANQUINHO, F. ; ALVES, D. ; KZAM, F. Experiências do saber em arte e ciência - espaços verdejantes e formas comunais. 25º Encontro ANPAP. Rio Grande do Sul, 2016

HUYSSEN, Andreas. “Resistência à memória: usos e abusos do esquecimento público”. In: Culturas do Passado‐Presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.

LECEA, Ignaci de. Sobre os jardins da arte e a arte dos jardins. Notas sobre o jardim urbano contemporâneo. On the w@terfront. Nº 8, 2006. Disponível em: www.raco.cat/index.php/Waterfront/article/download/217155/293974 Acesso:: 18 abr. 2016.

REIGOTA, Marcos. A floresta e a escola: por um educação ambiental pós-moderna. São Paulo: Cortez, 2011.

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Pensamos o jardim como uma construção de relações entre sujeitos, espaços e tempos, onde significantes sagrados, profanos, afetivos, lúdicos, sociais e políticos são estabelecidos e cultivados. Nesse sentido, pretendemos identificar a presença destes elementos naturais investidos pela produção simbólica e inquirir sua validade na conformação das cidades, refletindo sobre sua história e presença em um contexto social contemporâneo. Para isso, ações investigativas são desenvolvidas no campo relacional entre arte, comunidade e universidade onde, por meio do desenvolvimento e cultivo de jardins, toda uma rede relacional é impulsionada de modo a oportunizar instâncias de diálogo, sensibilização e mobilização coletiva. Nestes caminhos, dois focos são explorados no âmbito da pesquisa-ação do Observatório de Comunicação Estética OCE-CNPq, a escultura social e a imagem cidade-floresta na obra do artista alemão Joseph Beuys e, em uma esfera local, a obra Terra Doce em seu projeto Jardim da Tia Neuma no Morro da Mangueira no Rio de Janeiro.

Palavras chave: natureza, temporalidades, arte, (multipli)cidade.

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OJARDINEIROEAGESTÃODOSJARDINSTOMBADOSDEBURLEMARXNORECIFEAnaRitaSáC.Ribeiro| WilsondeB.FeitosaJr.|JoelmirMarquesdaSilva|LuciaMariadeSiqueiraCavalcantiVeras

A PARTICIPAÇÃO DO JARDINEIRO NACONSERVAÇÃODOJARDIM

O jardineiro é o grande observador da vida do jardim porque seu trabalho diário significa acompanhamento e compromisso em mantê-

lo. De certo modo, é também pesquisador e paisagista porque mede a reação das plantas e discute com quem o concebeu chegando até a sugerir mudanças. Como afirma Rubem Alves: Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá [...] (ALVES, 1999, p.24).

Pesquisas realizadas apontam o jardineiro como principal protagonista na gestão e conservação dos jardins, principalmente os jardins históricos. O arquiteto Tom Wright (1994) em El mantenimiento y la conservación de los jardines históricos ao se referir aos jardineiros afirma que o entusiasmo e a dedicação que eles colocam nos jardins de nada serve se não têm a experiência, e que a conservação necessita de jardineiros cuidadosos e previsores. Ainda, de acordo com Rivera (1995), a conservação efetiva de um jardim

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histórico está atrelada à figura do conservador responsable – ¿Jardinero Mayor? (p. 126), o qual deve ter formação suficiente em história e evolução do jardim, traçado e planos de plantação, origem e significado de suas plantas: o Jardinero Mayor debe tener uma formación práctica y experimentada em jardinaria, viveros, cultivos, etc., que es frecuentemente desconocida para mucho técnicos, y que siempre es primordial (p. 126). Tais exigências irão garantir o conhecimento da história do jardim e não de um período determinado, o que poderia levar à descaracterização.

Essas preocupações estão explícitas na Carta de Florença (1981) em seu artigo 24, que trata da “proteção legal e administrativa” e especifica que o jardim histórico, em razão de sua natureza, exige o máximo de cuidados contínuos por parte de pessoas qualificadas, e assim sugere a formação de profissionais e entre eles está o jardineiro.

A conservação dos jardins históricos tem como fundamento a Carta de Florença elaborada em 1981, cuja revisão, há algum tempo prevista diante das crescentes demandas, foi assunto da reunião de junho de 2016 do Comitê Internacional de Paisagens Culturais ICOMOS/IFLA, na cidade de Florença. Vários centros de estudo dos jardins contribuíram com sugestões. Uma das contribuições enviadas pela equipe do Laboratório da Paisagem da Universidade Federal de Pernambuco refere-se ao trabalho do jardineiro que deveria ser enfatizado no Artigo 2 ao tratar da aparência do jardim como resultado dos ciclos da natureza, do crescimento e decadência do vegetal e do desejo do artista e do executor de conservá-lo. Tal ênfase à formação de jardineiros e especialistas em jardins históricos também foi ressaltada pela especialista Mabel Contin, vice-presidente do Comitê de paisagens culturais e coordenadora do Comitê na América Latina, que aborda a referência ao jardim histórico como um tipo de paisagem cultural sugerindo para a gestão a inclusão de:

a) la sociedad en el reconocimiento y valoración de los jardines históricos; b) los recursos financieros necesarios a la rehabilitación y fundamentalmente, al mantenimiento; c) la formación de jardineros y especialistas en el campo de la conservación de los jardines e d) la realización de actividades que faciliten la comprensión del valor de los jardines desde diversos puntos de vista, estéticos, botánicos, sociales, históricos, urbanísticos, etc. Visitas guiadas, proposiciones para proyectos de investigación a distintos niveles de enseñanza, promoción en los estudios de arquitectura del paisaje de los jardines históricos como campo de especialización, etc.

A manutenção dos jardins públicos nas cidades brasileiras torna-se mais complexa do que a dos jardins privados pela dificuldade de recursos humanos e materiais dos governos municipais, e pela diversidade de usuários que, em muitos casos, não valoriza o jardim como um bem cultural. É o que vem acontecendo no Recife com o conjunto de seis jardins projetados pelo paisagista Burle Marx que foram tombados em junho de 2015 como patrimônio cultural nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) (Il. 1).

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Cinco deles passaram por intervenção de restauração privilegiando a ideia do paisagista, no entanto, o que foi produzido está se perdendo no tempo pela falta de manutenção adequada o que inclui a falta de jardineiros treinados. Acreditamos que a ausência do “jardineiro de praça”, cargo que antes reconhecido no modelo de gestão dos parques e praças da Prefeitura do Recife, afetou enfaticamente o estado de conservação dos jardins. Não há mais o cargo de jardineiro no quadro de funcionários da Prefeitura do Recife e essa tarefa vem sendo exercida por funcionários de serviços de limpeza urbana da Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana – EMLURB.

Esse foi o motivo da realização da pesquisa “O ofício do jardineiro na gestão dos jardins públicos do Recife” que vem sendo desenvolvida pelo Laboratório da Paisagem da Universidade Federal de Pernambuco desde 2013 dando continuidade à anterior, iniciada em 2011, denominada “A arte do jardineiro para a conservação dos jardins”. O conteúdo da pesquisa está voltado para construir conhecimento sobre o pensamento do jardineiro, sua formação e o desempenho em jardins públicos e a relação com a gestão da conservação de um jardim histórico na cidade do Recife.

Admite-se que o tombamento dos jardins causou certo entusiasmo na instância municipal ao ponto de ser sucedido por um Decreto Municipal n. 29/16 que classifica quinze praças como ‘jardins históricos’ – incluindo os seis já tombados – em que houve a participação do paisagista Burle Marx. O ímpeto dessa ação positiva não mediu as consequências para garantir a conservação dos jardins firmando um modelo compatível de gestão, pois em paralelo se evidenciava a perda de alguns atributos nos seis jardins protegidos.

A decisão da Prefeitura do Recife em classificar quinze jardins na legislação municipal foi precedida por um Memorial Técnico de Jardins Históricos, elaborado em parceria entre a Prefeitura do Recife e o Laboratório da Paisagem da UFPE. Estes foram os primeiros passos para a proteção legal desse patrimônio, que terão como segunda etapa a elaboração dos Planos de Gestão e de Conservação, já assegurados pelo instrumento legal do município do Recife. No entanto ocorre uma dicotomia entre as iniciativas do planejamento e a prática da conservação.

Observações realizadas nesses jardins, a partir das pesquisas, constaram que técnicos responsáveis pela manutenção – arquitetos, engenheiros e agrônomos – conhecem pouco ou, em alguns casos, desconhecem os documentos básicos como a Carta de Florença e a Carta Brasileira dos Jardins Históricos que mostram a relevância e a complexidade de um jardim histórico ou um jardim monumento. Isto também foi revelado nas entrevistas realizadas com alguns funcionários municipais – arquitetos, engenheiros, fiscais – que consistiram na principal fonte de dados para comparar o atual exercício da gestão dos jardins com o que ocorria há alguns anos atrás em que o jardineiro atuava fazendo parte do quadro de funcionários do município.

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Como o Laboratório da Paisagem da UFPE realiza vistoria periódica nos jardins tombados observou-se, em recente visita no mês de maio de 2016, a baixa qualidade da conservação o que se pode atribuir à falta de capacitação da equipe responsável incluindo técnicos e jardineiros nos cuidados diários dos jardins. Assim, objetiva-se com este artigo verificar em que medida acontece a participação do jardineiro como ator na equipe responsável pela gestão da conservação dos jardins de Burle Marx do Recife.

Em paralelo, a pesquisa está registrando também os tipos de cursos de treinamento de jardineiros oferecidos por empresas, sementeiras, e também pelo Jardim Botânico do Recife que faz parte da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Prefeitura do Recife. Partindo do levantamento do conteúdo dos cursos de jardinagem buscou-se realçar o contraponto entre o profissional jardineiro e o funcionário de serviços de limpeza urbana, cujo desempenho tem ou não envolvimento com a função requerida.

OJARDINEIRONOMODELODEGESTÃODAPREFEITURADORECIFEAtualmente, na cidade do Recife, o trabalho de manutenção dos jardins não tem sido uma tarefa

fácil. Analisando os seis jardins históricos projetados por Burle Marx reconhecidos como patrimônio cultural nacional – Praça de Casa Forte, Praça Euclides da Cunha, Praça do Derby, Praça da República com jardim do Palácio do Campo das Princesas, Praça Ministro Salgado Filho e Praça Faria Neves – e sabendo-se que cinco desses jardins passaram por intervenções de restauração ainda se torna mais complexa a ação da conservação. A Praça da República com o jardim do Palácio do Campo das Princesas foi o único conjunto que não foi restaurado.

Segundo relatos da arquiteta Inês Oliveira, que participou dos projetos de restauração de cinco desses jardins –, e a engenheira agrônoma Ana Guedes – que participou de um deles – funcionárias da Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana/EMLURB e do extinto Departamento de Paisagismo da Prefeitura – o jardineiro fez parte do quadro de funcionários da Prefeitura por cerca de 30 anos. Nessa época havia de fato um modelo de gestão que incluía o cuidado com os jardins a partir da definição de setores de tratamento fitossanitário, manutenção de equipamentos e contando com o cargo “jardineiro de praça” (Entrevistas realizadas em 27/03/2015 e em 30/03/2015).

Porém, o desmonte da estrutura estatal priorizou a terceirização dos serviços e as parcerias com empresas privadas para a manutenção das praças como o Programa “Adote o verde” cuja contrapartida é a propaganda em placas colocadas no local da praça. Por outro lado, a falta de informação sobre os serviços necessários para a execução da restauração faz com que não haja exigências quanto ao conhecimento botânico e de ciências do solo para os concorrentes nas licitações.

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Atualmente a Praça Euclides da Cunha é uma das adotadas pela Construtora Modesto, responsável pela manutenção do jardim por um período de vinte anos. O caso dessa praça é bem específico, pois resultou de uma negociação com o IPHAN no processo de aprovação da construção de um edifício em lote lindeiro à praça uma vez que a solicitação de tombamento dos seis jardins de Burle Marx já estava em vigor controlando o gabarito das edificações. Nesse caso, a Construtora contratou um jardineiro da empresa ‘Ouro Verde Jardinagem’ que, em entrevista realizada em 18.05.2016, relatou não ter tido nenhum tipo de treinamento para trabalhar com a vegetação da caatinga. Assim, declarou que sua função na praça era de capinagem, varredura e irrigação. Como consequência disso, se vem notando que as cactáceas, presentes no canteiro central, estão definhando pela constante irrigação, assim como estão sendo plantadas espécies desassociadas do projeto de restauração.

Para a arquiteta Inês Oliveira, o modelo de gestão em vigor, optando pela terceirização, desvinculou as exigências quanto aos requisitos botânicos que direcionavam para as empresas de paisagismo. Então, o critério de menor preço ficou sendo o definidor e que muitas vezes inviabiliza uma boa execução:

Para a vegetação é preciso ter um cuidado especial, e o jardineiro tem esse conhecimento. As empresas contratadas são normalmente construtoras, não são empresas de paisagismo [...]. Hoje se pensa numa visão global das coisas, achando que qualquer um cuida de praça. Não é assim. Não houve ao longo do tempo, um acompanhamento do quadro de pessoal com o crescimento da cidade. O número de funcionários estacionou e foram terceirizando tudo. Então aconteceu essa rotatividade, de modo que não tem ninguém específico para determinadas funções. Com raras exceções (Entrevista realizada em 27/03/2015).

Percebe-se assim o descaso com a capacitação do profissional que faz a manutenção nas praças e parques como se essas áreas representassem apenas uma extensão do serviço de limpeza urbana da cidade que atuam nas ações de varrição, recolhimento de lixo, etc. O zelo com as plantas passa a ser fato secundário. Essa ausência do exercício do jardineiro acarreta a perda de singularidade e de qualidade por falta de mãos treinadas. Daí percebe-se que a ação do jardineiro é indispensável para que os jardins floresçam e permaneçam no tempo como documentos, afinal são monumentos também.

Disso resultou a necessidade da pesquisa para caracterizar esse descompasso entre o planejamento urbano e a prática da conservação que requer ações integradas e articuladas de gestão entre os diferentes atores sociais envolvidos. Por exemplo, há a oferta de cursos de jardinagem na própria instituição como o Jardim Botânico inserido na Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura do Recife, porém não há absorção ou aproveitamento dessa mão de obra treinada nas próprias atividades que exercem. Inicialmente, houve a inclusão de profissionais de serviços gerais do Jardim Botânico como alunos do curso, porém os mesmos

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não foram aproveitados nos trabalhos de conservação das praças e parques da cidade.O curso de capacitação em técnicas profissionais de jardinagem que ocorre anualmente no

Jardim Botânico do Recife, segue os moldes do que é realizado pela rede brasileira de jardins botânicos no Rio de Janeiro, a partir de manuais existentes. O perfil do curso está voltado para o mercado trabalho, diferentemente de alguns cursos pagos existentes na cidade, possuindo um processo de seleção por perfil de renda considerando-se também a situação de desemprego dos candidatos. Apesar de o Jardim Botânico ser administrado por uma Secretaria da Prefeitura, o curso tem parceria com o Instituto Gerdau, que apoiou a recuperação do mesmo e necessita de profissionais qualificados. Outro curso de jardinagem é oferecido no Espaço Ciência, instituição com fins educativos, apoiada por capital privado e pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco – FACEPE funcionando de duas a três vezes ao ano e voltado para as comunidades pobres do entorno.

O modelo de gestão atual retirou o jardineiro como membro permanente, como ator da gestão. Ele aparece eventualmente em situação atípica que exige contratação de firma de intervenção. São vários os motivos para isso ter acontecido desde a falta de prioridade que deveria ser dada para esse objeto até a redução dos gastos.

ASPECTOSDAVISTORIANOSJARDINSDe maneira geral, a vegetação é o componente que mais sofre pela falta de uma correta

conservação. Adubação, manejo de parasitas e hemiparasitas, podas de manutenção, reposição de espécies – aquáticas e terrestres – e irrigação são os principais pontos críticos observados na vistoria realizada em maio de 2016, na Praça de Casa Forte, Praça Euclides da Cunha, Praça do Derby, Praça da República, Praça Ministro Salgado Filho e Praça Faria Neves.

No conjunto, a Praça Ministro Salgado Filho desponta como a mais atingida pela falta de conservação, mesmo tendo sido restaurada em 2013. A falta de manejo de espécies espontâneas, agressivas pelo poder de propagação, vem contribuindo para a eliminação das espécies herbáceas, principalmente as que margeiam o espelho d’água, principal atrativo da praça, o que vem acarretando a perda do traçado (Il 2). A ação dos ambulantes e moradores de rua é outro aspecto que chama atenção já que algumas espécies históricas, remotas do projeto original, como por exemplo, o Basiloxylon brasiliensis (pau-rei) e a Couroupita guianensis (abricó-de-macaco) estão servindo de suporte para lixo e utensílios. Com isso esses indivíduos ficam susceptíveis a pragas que sem a devida erradicação podem levá-los a morte.

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Na Praça de Casa Forte e na Praça Faria Neves os hemiparasitas: Ficus dendrocida (mata-pau), Phthirusa pyrifolia (erva-de-passarinho) e Struthanthus syringifolius (erva-de-passarinho), estão descaracterizando a arquitetura da copa e do tronco. Por falta de uma correta adubação e irrigação a vegetação herbácea plantada no momento da restauração da Praça de Casa Forte estão morrendo, a exemplo das espécies Caladium bicolor (caladium), Crinum x powellii (crinum), Strelitzia sp. (strelitizia) e Zantedeschia aethiopica (copo-de-leite). A falta do jardineiro treinado em manejo, principalmente no que se refere à capacidade hídrica e tipo substrato, das plantas paludosas e aquáticas está contribuindo para o desaparecimento de espécies como: Cyperus papyrus (papiro), Typha domingues (taboa), Nymphaea caerulea (ninfeia) e Nymphaea nouchali (ninfeia-roxa) na Praça de Casa Forte, Praça do Derby e Praça Ministro Salgado Filho (Il. 3).

O controle de insetos-pragas, que são problemas para a sobrevivência principalmente de espécies herbáceas, também é uma das atribuições de um jardineiro bem treinado. Atualmente existe na Praça Faria Neves uma proliferação de Atta bisphaerica (saúva) que praticamente destruíram os canteiros de Canna indica (cana-da-índia), já que se alimentam das folhas jovens o que impossibilita o crescimento.

Il. 1– Praças de Burle Marx tombadas pelo Iphan no Recife: Casa Forte, Euclides da Cunha, Derby, República, Faria Neves e Ministro Salgado Filho. Fonte: Fotos: Lúcia Veras, 2015.

Il. 2 – Canteiro de Colocasia esculenta na Praça Ministro Salgado Filho. No lado esquerdo em 2013 após a restauração e no lado direito em 2016, onde se pode ver a ocupação do canteiro por plantas invasoras.

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Il. 3 – Gari na função de jardineiro na Praça de Casa Forte amarrando o conjunto de Cyperus papyrus (papiro) de forma errada o que levará à estrangulação caulinar levando os indivíduos à morte. Fonte: Acervo do Laboratório da Paisagem da UFPE.

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DILEMA:OPLANEJAMENTOEAGESTÃODOSJARDINSHISTÓRICOSNa Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Prefeitura do Recife, a categoria municipal

de proteção denominada “Jardins Históricos”, foi instituída no Sistema Municipal de Unidades Protegidas do Recife – SMUP Recife (Lei nº 18.014/2014), como uma das Unidades de Equilíbrio Ambiental (UEA) que compõe este Sistema. Os estudos para a elaboração do Memorial Técnico justificativo dos quinze jardins históricos oficialmente reconhecidos pelo Decreto Municipal nº 29.537/2016, partiram dos Inventários dos Jardins de Burle Marx do Laboratório da Paisagem da UFPE que tem por base às definições da Carta de Florença (1981) que aponta como elementos referentes à topografia, massas vegetais, água, mobiliário e materiais, e que os valores botânico, paisagístico e histórico-cultural devem ter suas características preservadas.

Como condicionante para que estas características sejam identificadas, impõe a necessidade de elaboração de “estudos técnicos” ou de “memorial justificativo”’, que fundamentem a sua instituição, com o fim de subsidiar a apreciação do órgão gestor ambiental municipal e de demais órgãos ou instâncias cuja consulta ou análise seja legalmente obrigatória (SMUP, Art. 30, Lei nº 18.014/2014). Algumas considerações também foram atribuídas ao conteúdo da Carta Brasileira de Jardins Históricos.

Os quinze jardins correspondem aos seis já tombados pelo Iphan e mais nove que compõem o conjunto: Praça de Casa Forte, Praça Euclides da Cunha, Praça do Derby, Praça da República com o Jardim do Campo das Princesas, Praça Salgado Filha, Praça Faria Neves, Praça Pinto Damaso, Praça do Entroncamento, Praça Chora Menino, Praça Maciel Pinheiro, Praça Dezessete, Praça Artur Oscar, Largo das Cinco Pontas, Largo da Paz e Jardim da Capela da Jaqueira.

A opção pela construção de um Memorial Técnico‐justificativo se deu por se compreender que os “estudos técnicos” já seriam aqueles realizados pelo Laboratório da Paisagem da UFPE para o Inventário. A partir daí, foram identificados os elementos de significativo valor patrimonial e definidas três grandes categorias de atributos, além da identificação inicial, compondo a Ficha Cadastral de cada jardim com os seguintes itens: (1) Identificação, (2) atributos histórico-culturais, (3) atributos botânicos e (4) atributos compositivos.

A identificação localiza o jardim/praça na cidade, discriminando-se sua área, autores do projeto original e de restauro, além da data de cada intervenção. Os Atributos Histórico‐culturais sintetizam a história de cada jardim/praça, expondo os principais momentos históricos, os princípios projetuais do paisagista, bem como se analisa a manutenção de suas ideias originais que justificam a sua conservação. Os Atributos Botânicos sintetizam a composição daquilo que se define como “massa vegetal” dos jardins, tanto arbóreas,

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quanto arbustivas, herbáceas, forrações e também as palmáceas, associando as escolhas às intenções do paisagista de criar microclimas, enfatizar o uso de vegetação nativa valorizadas na seleção das espécies, enfatizar determinadas ideias como a criação de eixos monumentais, associando a forma das plantas à composição estética. Os Atributos Compositivos consideram o conjunto dos elementos que compõem o jardim/praça, desde a topografia como suporte, à vegetação, ao mobiliário, aos equipamentos e ao traçado.

Assim, tenta-se compreender o gesto do paisagista que se inscreve na relação compositiva entre todos estes elementos e o recorte urbano onde se insere. É aqui que se constata que os jardins de Burle Marx em Recife extrapolam os limites de sua área convencional e se derramam pelas ruas que para eles convergem, numa clara compreensão de que compõem uma unidade de paisagem urbana.

Após visitas de campo com especialistas e cotejando-se os dados levantados no local com as informações fornecidas pelos estudos do Laboratório da Paisagem da UFPE, a Ficha Cadastral de cada praça sintetiza estes atributos traduzidos em textos e mapas digitalizados, fotografias e desenhos do paisagista, que especificam cada jardim de per si. A Il. 4 a seguir, da Praça Ministro Salgado Filho, ilustra o registro em plantas do projeto da Praça tal como se encontra hoje após a restauração em 2013.

Com a identificação dos atributos, o Memorial Técnico é mais uma produção que atesta a relevância desses jardins quanto à concepção e indica um avanço que tem como referência o significado dessa categoria a nível internacional, porém, tais aspectos parecem ser dissimulados ou não haver respaldo no âmbito do monitoramento da conservação uma vez que o nível de conhecimento dos técnicos que atuam ainda é bastante precário.

Diante do exposto constata-se um considerável descompasso entre o planejamento e a prática de conservação dos jardins históricos. O Memorial apresenta-se como um conjunto pormenorizado dos componentes de cada jardim classificado que precisam ser conhecidos e respeitados na prática da conservação. O que acontece, porém, é que o modelo de gestão em vigor não consegue viabilizar as necessárias exigências para que isso se efetive.

CONSIDERAÇÕESFINAISEstabelecer normas para a conservação de um bem que se compreende como patrimônio natural

e cultural, é um desafio que vai exigir a definição de condicionantes-chave neste processo tais como: vistorias sistemáticas por especialistas que avaliem as condições da conservação, manutenção de equipe de jardineiros especialmente treinados para estes jardins, manutenção da sementeira municipal preparada a produção de mudas de espécies que fazem parte do repertório botânico de Burle Marx.

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Il. 4 – Praça Ministro Salgado Filho: planta baixa da situação após restauração em 2013, planta interpretativa dos atributos compositivos em relação ao recorte da cidade onde se insere e foto panorâmica relacionando a Praça ao antigo edifício do Aeroporto dos Guararapes do Recife Fonte: Decreto29.537/16 e Foto: Lúcia Veras, 2015).

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O jardineiro, portanto, é um veículo indispensável e por que não prioritário para essa viabilização. É o meio que dará respaldo a implantação de um programa sistemático de educação patrimonial para que a cidade e em especial os usuários destas praças passem a compreendê-la como um bem comum e, portanto, um bem público a ser protegido.

Uma coisa é instituir instrumentos legais de proteção e a outra é por em prática esses instrumentos pois, não basta o reconhecimento legal, no papel, para que um bem público seja protegido, mas, sobretudo, este instrumento deve ser validado pela implementação de planos estratégicos de gestão do patrimônio que norteiem o trabalho dos gestores municipais e garantam a conservação destas praças como um patrimônio recifense.

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WRIGHT, Tom. El mantenimiento y la conservación de los jardines históricos. Jardin et paysage. Japon: UNESCO; ICCRON; ICOMOS, 1994.

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Juiz de Fora, cidade da Zona da Mata mineira, formada pela abertura de diferentes caminhos e estradas e, palco de intensa renovação e sobreposições de tempos distintos, carece de um olhar voltado para sua história e seu patrimônio, buscando a valorização das referências que sustentem a autenticidade de sua paisagem e de seus elementos constitutivos. A antiga “Quinta do Comendador Mariano Procópio”, hoje composta pelo complexo da Villa Ferreira Lage, o Jardim histórico do século XIX e o edifício do Museu Mariano Procópio, representa um importante espaço cultural da cidade e símbolo da memória histórica e artística do Brasil. Disponibiliza em especial à nação brasileira, valiosas relíquias do passado que refletem grande parte da cultura do século XIX e princípio do século XX, selecionadas cuidadosamente por Alfredo Ferreira Lage, compondo atualmente, um dos principais acervos reunidos, do período imperial brasileiro. Com um propósito claro de composição para o fortalecimento de uma nacionalidade brasileira e, pensado desde sua criação para uma utilização pública, disponibiliza ainda conteúdos específicos que traduzem no registro a história da formação urbana da cidade de Juiz de Fora. A partir de estudos específicos da região que engloba o Museu Mariano Procópio e seus jardins, bem como elaboração de amplas análises do histórico e do estado de conservação do conjunto urbano abordado, ambos em parte apresentados aqui, constatamos a significativa importância cultural desta área para o estado de Minas Gerais e em especial para o município de Juiz de Fora. Ainda, cumpre importante papel social evidenciado pelo significado que assume na paisagem da cidade, fundamental para a manutenção da memória e identidade de sua população. Com isso, considerando a necessidade de levar às gerações futuras tais referências materiais como suporte de ampla significação social, cultural e urbana, propomos a adequada gestão desta área, através de políticas específicas, como recomendação a implementação da lei por tombamento municipal do intitulado aqui, Jardim Histórico do Museu Mariano Procópio.

Palavras-chave: Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora, Patrimônio Cultural, Jardins Históricos

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PELAMEMÓRIAEPATRIMÔNIO:OMUSEUMARIANOPROCÓPIOCOMOESPAÇOCULTURALEPAISAGÍSTICOEMJUIZDEFORA/MGRaquelPortes|AnaBarbosa,FabioLima|LauraLeão

A PARTICIPAÇÃO DO JARDINEIRO NACONSERVAÇÃODOJARDIM

O Museu Mariano Procópio(MAPRO) localizado em Juiz de Fora, Zona da Mata Mineira, é símbolo cultural da cidade, compreende em

sua formação um rico acervo de informações referentes à história do município, como também parte relevante da história nacional. Desde a sua construção até os dias atuais, o conjunto composto por edificações de diferentes épocas, implantadas em um jardim de grande exuberância, passou por diferentes usos até se consolidar como Museu, por desígnio de seu fundador, no ano de 1936.

Diante do cenário de transformação constante da cidade e consequentemente da perda de nossos referenciais identitários, o MAPRO - antiga “Quinta da Lage”, permanece com importante bem patrimonial integrado à vida do juizforano, resistindo ainda na atualidade às transformações que rapidamente chegam ao seu entorno e, consequentemente, ameaçam sua ambiência.

Considerando a importância do Museu em seus diferentes aspectos, tanto no conjunto urbano

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como paisagístico e, a necessidade de pensar de forma integrada sua preservação, foi estabelecido um convênio entre a Prefeitura Municipal de Juiz de Fora e a Universidade Federal de Juiz de Fora. Assim, através do Projeto de Extensão intitulado “Pela Memória e Patrimônio em Juiz de Fora/MG: Apoio às atividades de Conservação e Restauração do Museu Mariano Procópio”, foram desenvolvidas ações tanto de pesquisas quanto levantamentos de campo, tendo como resultado parte do texto aqui apresentado, com destaque para o estudo de reintegração dos seus jardins, além do estabelecimento de um ciclo de visitas guiadas às obras de restauração arquitetônica e de visitas técnicas no jardim histórico.

Vale mencionar, em relação aos processos de gestão e planejamento urbano, que a proteção do patrimônio cultural e a ideia de sustentabilidade estão intrinsecamente ligados, numa perpectiva onde o patrimônio cultural é considerado como um recurso ao desenvolvimento, sendo um elemento imprescindível para a qualidade de vida numa sociedade que aspire pela equidade, pelo direito à memória e pela diversidade cultural. Condição esta que se mostra inadequada, ou frágil em suas diferentes relações em prol de uma condição urbana para a permanência das referências históricas que colabore para a manutenção da ambiência da região que envolve o Museu Mariano Procópio na atualidade.

Assim, conforme diretriz estabelecida na Declaração de Salvador, em 2007, é imprescindível […]Compreender os museus como ferramentas estratégicas para propor políticas de desenvolvimento sustentável e equitativo entre os países e como representações da diversidade e pluralidade em cada país ibero‐americano; […] (DECLARAÇÃO DE SALVADOR, 2007) e, neste sentido, é desejado inserir o Museu Mariano Procópio nas políticas públicas urbanas, visando a manutenção de sua integridade física e simbólica e, consequentemente, o desenvolvimento urbano qualificado da cidade de Juiz de Fora e região.

OLEGADODEMARIANOPROCÓPIOFERREIRALAGEComendador Mariano Procópio Ferreira Lage, engenheiro e político, natural de Barbacena/

MG, ficou conhecido na história urbana brasileira por construir a primeira estrada pavimentada do país, a Estrada União e Indústria. Seu legado pode ser vislumbrado até hoje, pela transmissão de sua imponente propriedade e coleções aos seus herdeiros, sendo doadas posteriormente para o município, como também extrapola os limites “patrimoniais”, já que foi o responsável por viabilizar através da construção da referida estrada, o estabelecimento de novas relações econômicas, sociais e culturais em Juiz de Fora, transformando sua paisagem de maneira significativa.

No ano de 1853, posteriormente a concessão da implementação do percurso rodoviário da estrada União Indústria, por D. Pedro II, Mariano Procópio seguiu em viagem durante seis meses pelos Estados

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Unidos e pela Europa, onde passou por cidades como Londres, Paris, Berlim Roterdã, Viena, Hanover e, outras; realizando pesquisas de técnicas e de materiais construtivos mais avançados daquele contexto, bem como buscou fixar contatos comerciais para a Companhia. Cabe destacar que a rede de contato por ele estabelecida, tanto com a Corte Imperial, como com outras influências europeias foram de grande relevância na condução de seus negócios e escolhas – a saber, foi chefe da comissão da Delegação Nacional do Brasil na Eposição Universal de 1867, em Paris, sendo agraciado com uma medalha de honra. Nesta ocasião expôs no Pavilhão do Brasil a fotografia abaixo, que retratava seu Chateau às margens da nova estrada União e Indústria. Foi também Diretor das Docas da Alfândega, Diretor da Estrada de Ferro Dom Pedro II, Presidente do Jóquei Club Brasileiro e, outros tantos cargos de expressão na sociedade brasileira da época. (Il. 1)

Durante sua viagem, Mariano Procópio conheceu a técnica do Macadame (do inglês Macadam)1 já empregada na construção de estradas nos Estados Unidos; vivenciou a Bele Époque que se estendia mundialmente nos avanços da indústria, dos transportes, das comunicações e, em especial, nas transformações urbanas, decorrentes da Revolução Industrial, que traziam os ideários urbanísticos de ordem, beleza e higiene. Através desses e de outros conhecimentos adquiridos, Mariano se viu motivado e estimulado a emprega-los em sua terra natal, trazendo as inspirações para a criação da estrada União Indústria e para a construção da “Quinta da Lage” ou Villa, hoje conhecida como Conjunto Histórico e Paisagístico do Museu Mariano Procópio.

A Villa, construída pelo Comendador para receber a família imperial de Dom Pedro II durante sua visita à região no contexto da inauguração da Estrada União Indústria, foi projetada pelo arquiteto alemão Carlos Augusto Gambs, em linguagem renascentista, com implantação dominante em relação às visadas do entorno. A construção contudo, não ficou pronta a tempo do evento de inauguração, e a família imperial hospedou-se na chácara localizada na parte inferior do mesmo terreno, construída para abrigar a primeira residência de Mariano Procópio. Somente em sua segunda visita à cidade em 1869 o imperador pode conhecer e hospedar-se na Villa.

Através da análise dos projetos do conjunto, podemos dizer que a Villa Ferreira Lage foi projetada para ser rodeada por um parque, formado por uma grande área verde inteiramente recriada conforme o ideário paisagístico da época, conforme Il. 1, e se mantem imersa neste até na atualidade.

Em relação ao “Parque”, o projeto paisagístico criteriosamente trabalhado atribui-se ao francês Auguste Marie Franciscque Glaziou, paisagista e botânico, que esteve na região na segunda metade do século XIX. Este compõe-se por um lago que permeia o terço inferior da colina, onde em seu topo foi

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Il. 1 – Fotografia exibida no Pavilhão do Brasil na Exposição Universal de 1867, por Mariano Procópio Ferreira Lage. Dizeres acima: Chateau de Juiz de Fora Situé á l’extrémité de la route União e Industria Proprieté de Ma. M. P. Ferreira Lage.

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implanda a Villa Ferreira Lage e à sua porção inferior direita foi implantado primeiramente a chácara de Mariano Procópio e, posteriormente, o Palacete de Frederico Ferreira Lage, seu filho.

Na face frontal do parque encontra-se um espelho d’água, constituído por 5 (cinco) ilhas, sendo a ilha central composta por um bambuzal – esta, segundo o paisagista, imita um vaso de flores saindo do lago – e ainda hoje é habitado por diversas espécies animais e vegetais. Dom Pedro II em sua visita ao chateau de Mariano Procópio, encantou-se pelo conjunto, escrevendo:

É deste aprazível sítio que a arte converteu num brinco igual a qualquer lugar de banhos da Alemanha, sob o céu recamado de estrelas que porfiam com as inumeráveis luzes, que cintilam nos jardins e elegantes edifícios, ao som de uma harmoniosa banda de música de colonos tiroleses que Eu principio a narrar a minha viagem enquanto a lua não sai e Eu também, para percorrer estes jardins a inglesa, e subir ao alto de um outeiro, onde Lages acaba a construção da mais coquette habitação. Eu estou em outra casa que também lhe pertence e se acha no meio dos jardins e junto ao outeiro. Esta casa foi arranjada com apurado gosto e nada lhe falta... Chamam-me para passear pois a lua já subiu (BEDIAGA, 1999)

O relato do então Imperador do Brasil revela não só a beleza encontrada nos jardins, mas também a estrita relação estabelecida entre a edificação, recém construída e seu entorno, como de outras dependências do complexo edificado. Numa segunda visita à região, com a estadia da família imperial à Villa, a propriedade dos Ferreira Lage tornou-se importante referência, principalmente na região. Tal beleza e imponência foi noticiada nos jornais da época, como pelo O Jornal do Comércio, na edição de Junho de 1869, conforme trecho abaixo.

Suas Majestades e Alteza alojaram-se no castelo do Sr. Ferreira Lage, espécie de habitação de fadas, que se ergue no cimo de uma ligeira colina cercada de extensos jardins, ornados de arvoredos, plantas raras, flores, cascatas, repuxos tanques, cercas de parasitas, assentos rústicos de caprichosas formas, animais curiosos e variedades de construção de recreio (JORNAL DO COMÉRCIO, 1869).

Cabe destacar ainda importante registro realizado pelo fotógrafo alemão R.H. Klumb, que elaborou um dos primeiros “guia de viagem” produzidos no Brasil, em seu diário Doze Horas em Diligência: Guia do Viajante de Petrópolis a Juiz de Fora, de 1872:

Ha na eminencia á nossa direita um lindo casttelinho, propriedade do finado Sr. Lage, gracyosa amostra do estylo – renaissance italiano –; este castelo e rodeado de um parque desenhado, plantado e conservado com um gosto que nos dá ideia do que devia ser o proprietário: tanques de água límpida, onde nadãobelloscysnes brancos e pretos, ilhas de bambus, viveiros naturaes onde cantão e gorgeião milhares de pássaros, jardins cheios de flores as mais curiosas e as mais raras plantas de interesse particular tornão este domínio um pequeno paraiso terrestre (KLUMB, 1872).

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O conjunto herdado pelos filhos de Mariano Procópio, Frederico e Alfredo Ferreira Lage, abrange atualmente a área que compõe a paisagem do museu e a área ocupada pela Quarta Região Militar. Na porção herdada por Frederico Ferreira lage, foi construído por este um palacete em linguagem eclética, protegido na atualidade por lei de tombamento municipal. No entanto, com sua morte precoce aos 39 anos, a família adquiriu um grande acúmulo de dívidas, o que resultou na sua venda à Estrada de Ferro Central do Brasil, sendo posteriormente transferido para o Ministério da Guerra, que instalou no local a sede da Quarta Região Militar. Destaca-se o consequente desmembramento dos jardins do atual Museu, primeiramente na venda do imóvel por Frederico Ferreira Lage e, ainda a redução da propriedade em seus limites, por parcelamento do solo realizado pela viúva de Mariano.

A parte superior herdada por Alfredo Ferreira Lage, englobou a Villa Ferreira Lage, onde este, desde sua juventude deu continuidade à pratica colecionista herdada de seu pai, e ao gosto pela arte herdado de sua mãe, a artista plástica Maria Amália Coelho de Castro. Assim, em 23 de Junho de 1921, data de comemoração ao centenário de nascimento de seu pai, Alfredo Ferreira Lage inaugurou o “castelo” principal da Villa – um edifício anexo a esta, criado com a função de exclusiva de Museu, contendo salas, galerias e áreas de reserva.

Denominado então Museu Mariano Procópio, em homenagem à seu pai, o edifício abrigou uma galeria denominada “Maria Amália” em homenagem à mãe de Alfredo Ferreira Lage e expos todo o material que há décadas vinha colecionando, tanto com suas próprias aquisições como também fruto de doações, contendo materiais de geologia, mineralogia, paleontologia e zoologia, fazendo dele uma preciosidade física e cultural. Estima-se que este anexo seja a primeira edificação brasileira construída com finalidade de ser museu, possuindo dentre suas peculiaridades um lanternim cujo esboço é de Rodolpho Bernardelli.

Na data de 29 de fevereiro de 1936, Alfredo Ferreira Lage anunciou a doação de sua propriedade e de seu acervo de peças ímpares em cultura e memória, para o município de Juiz de Fora, que permanece sobre seu domínio até os dias atuais. Ao longo dos anos, o Museu e seus jardins, se tornou um elemento chave na propagação da cultura na região, sendo ponto turístico obrigatório aos visitantes da cidade e região, lugar de encontro e lazer da comunidade local, cumprindo o desígnio pelo qual Mariano Procópio e seu filho, Alfredo Ferreira Lage, tanto almejavam.

OCONJUNTOHISTÓRICOEPAISAGÍSTICONAATUALIDADEO Conjunto Paisagístico do Museu Mariano Procópio está inserido na malha urbana da cidade

de Juiz de Fora, em uma área de 78.240 m², contrastando com o ambiente de intensa urbanização que

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o cerca. Em seu entorno encontram-se unidades residenciais, verticalizadas ou não, com predominância de tipologia edilícia térrea, edificações assobrada chegando a três pavimentos. A região vive processo de acelerada verticalização com edifícios de aproximadamente 20 pavimentos.

O conjunto abriga ainda antiga Estação Férrea, a 4ª Brigada de Infantaria Motorizada, o Rio Paraibuna, a Praça Agassis e a Praça Mariano Procópio, dentre outras importantes edificações e fortalecem a historicidade da região, como conjunto eclético da rua Mariano Procópio, a Igreja Nossa Senhora da Glória, a Capela e Colégio Santa Catariana. Aberto à visitação pública em 1915, o Museu Mariano Procópio só foi oficialmente inaugurado no dia 23 de junho de 1921, data coincidente a celebração do centenário de nascimento do comendador Mariano Procópio Ferreira Lage (1821/1872), o idealizador e empreendedor da primeira estrada de rodagem macadamizada do Brasil, a “Rodovia União e Indústria”, ligando Petrópolis a Juiz de Fora.

O desejo de tornar o Museu patrimônio da comunidade, conforme Alfredo Ferreira Lage havia anunciado em 1921, foi formalizado em 29 de fevereiro de 1936, com a doação do Museu, seu acervo e seu parque ao Município. Para o fiel cumprimento da doação, criou-se o Conselho de Amigos do Museu Mariano Procópio, o qual vem atuando como guardião da instituição e, é responsável pela indicação do diretor, através de lista tríplice enviada para escolha do Prefeito Municipal. (Il. 3).

Ao longo do tempo e após sucessivas gestões que não priorizaram sua adequada conservação e, a própria deficiência quanto ao de conhecimento acertivo em relação aos procedimentos preconizados em relação à ciência da restauração, em uma visão alargada de bem cultural, observou-se o desenvolvimento de ações que acabaram cooperando para a degradação em diversas escalas do Museu Mariano Procópio. Podemos citar aqui como exemplo, as soluções projetuais para o reforço estrutural em fundações até coleta de águas pluviais, onde os resultados finais geraram inserção de novos elementos construtivos, sem contemplar princípios de reversibilidade, mínima intervenção, ou ações críticas conservativas, preconizadas pelos documentos internacionais, dos quais o Brasil é signatário. (Il. 2)

Os jardins que a priori tinham uma função importantíssima e desenvolviam um papel de protagonistas na história do Museu, com o tempo, passaram a ser vistos apenas como uma “moldura” das edificações implantadas no topo do terreno. Sua conservação inadequada, sua atuação como coadjuvante na formação paisagística e a pequena valorização dos mesmos contribuíram para a fragmentação da unidade, essa, vista como essencial pelo seu projetista, acreditando ser o paisagista Auguste Marie Franciscque Glaziou.

O parque do Museu possui uma variedade de espécies predominando em seu ambiente uma composição vegetal, além da fauna que encanta pelo seu aspecto singular, desde diversos tipos de aves, insetos, aranhas, borboletas e mamíferos até as espécies vegetativas, que contemplam rosas, lírios, jasmins

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Il. 02 – Montagem de fotos panorâmicas da Villa - Entrada pela passarela que liga à Galeria e sua Fachada posterior. Detalhe de ambas em processo de Restauração. Fonte: Raquel Portes

Il. 3 – Foto aérea do Conjunto do Museu e seu entorno, em 2015.Fonte: Biblioteca Municipal de Juiz de Fora.

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do imperador, bambus, orquídeas, palmeiras, sapucaias, jatobás, braúnas, jacarandás, cedro, jaqueiras dentre outras.

Conforme Garcia (2002, p.25 e 27), No hay ninguna duda de que siempre hay que tomar en cuenta la dinámica de la vida de las plantas, que es una de las características más notables que diferencian al jardín de otros ejemplos de bienes culturales. Contudo, o desconhecimento das práticas para a conservação do jardim histórico em questão e a divisão deste em duas partes, gerou ações que, mesmo no Museu, culminaram com o descuido na dinâmica da vida das plantas. O resultado atual sugere, para um olhar desatento e não conhecedor da história do bem patrimonial, se tratar de um fragmento florestal de Mata Atlântica. Não condizente com a intenção original do jardim, mesmo em sua máxima condição de exuberância.

Intervenções pontuais foram executadas em todo o complexo, jardins e edifícios, para retomar as características originais, nem sempre respeitado uma adequada deontologia em ações de conservação e restauração. No entanto, após análises realizadas em diferentes estudos e parte aqui apresentada, identifica-se que um grande passo para reintegração e resgate da integridade dos jardins seria a junção das propriedades divididas. Conforme Sá Carneiro (2009, p.172).

A conservação de um jardim como um bem cultural pressupõe um estudo da história através de documentos e iconografias para escavar as razões pelas quais foi concebido, assim como os fundamentos formais e funcionais de sua construção e de suas transformações. Sendo assim devem ser levados em conta os contextos: territorial, natural e antrópico, indicando as relações existentes de caráter ecológico entre os componentes arquitetônicos e os componentes naturais

O que leva a estudos adequados de tais contextos e para exploração pertinente dos atributos que os compões para ações responsáveis de intervenção e conservação do jardim histórico.

Apesar da não existência do inventário do jardim, com identificação de espécies botânicas, nem o levantamento preciso dos caminhos, canteiros, é possível identificar setorização do complexo, onde toda a colina é composta por um bosque de árvores e arvoredos, e a parte baixa, delimitada pela várzea, identificada por elementos mais evidentes do projeto do jardim, tais como canteiros geométricos, alamedas dos viajantes, das saboneteiras, dentre outras referências.

Suas características se evidenciam, quer sejam da sua origem ou de períodos posteriores advindos de suas transformações, o que possibilita obter de sua fisionomia seus atributos - naturais ou construídos conforme os sentidos, aparência, cor, textura e forma, que podem ser agrupados em categorias de natureza física, biológica e antrópica que o identifica (SÁ CARNEIRO, 2009). Tais estudos ao se implementarem poderão contribuir para ações de conservação e restauração adequadas ao jardim histórico.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

ANÁLISEDEENTORNOA área de entorno ao Museu é caracterizada por edificações com uso predominantemente

residencial uni e multifamiliar, e de usos mistos, ou seja, comércio no pavimento térreo e residência nos demais pavimentos, em sua grande maioria, como constatado nos mapeamentos de gabarito e uso realizados. Percebeu-se que a maioria das edificações não possui afastamento frontal e ressalta-se o equilíbrio entre os gabaritos das edificações, apresentando entre 2 (dois) a 3 (três) pavimentos, fato que contribui de maneira significativa para a ambiência da área de estudo.

As vias urbanas da área analisada apresentam uma hierarquia bem definida e de fluxos intensos, sendo cortada por avenidas de grande porte que alimentam o centro antigo da cidade e conectam os bairros mais afastados. Os pedestres circulam em alguns trechos em vias largas, acima de 2 (dois) metros, em outros trechos sendo mais apertados, menores que 2 (dois) metros. Constata-se também em trechos importantes como na travessia da linha férrea que corta a Av. dos Andradas ao lado da Estação Mariano Procópio, a ausência de passeio e faixas de pedestres que poderiam orientar, garantir a segurança dos transeuntes e facilitar o acesso ao Museu e seu complexo.

A área em estudo tem sua implantação no bairro Mariano Procópio, homônimo do Museu em questão e a área levantada está inserida na Região de Planejamento Centro, na análise física e socioeconômica do Plano Diretor participativo da cidade de Juiz de Fora, Lei n° 09811 datada em 27 de junho de 2000, atualmente em revisão. Essa Região de Planejamento situa-se no Vale do Rio Paraibuna, em sua parte mais ampla, onde historicamente ocorreram as primeiras ocupações da cidade.

No perímetro do bairro Mariano Procópio identificam-se 3 (três) regiões de preservação ambiental – A Mata do Krambeck, o Jardim Histórico do Museu Mariano Procópio e a Mata do Morro do Imperador - que são importantes áreas verdes para toda a cidade de Juiz de Fora.

A região de Planejamento Centro compõe-se de seis áreas de planejamento que englobam vinte e quatro bairros, os quais são considerados o “coração” de Juiz de Fora. Apresenta grandes concentrações de população e de atividades, e é marcada pela heterogeneidade tanto em termos demográficos quanto sob a ótica do nível de renda e de funções. Especificamente no perímetro do bairro Mariano Procópio, observa-se grandes eixos estruturadores que cumprem função de corredor de comércio e de tráfego urbano, apresentando uma ocupação predominantemente residencial com edificações de pequena volumetria, sobressaindo no tecido urbano do bairro a grande mancha do perímetro institucional do MAPRO. Apresenta ainda padrões socioeconômicos médios, boa infraestrutura básica, boa rede pública de ensino e conta com a presença de uso comercial e industrial.

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Um ponto abordado no Plano Diretor Municipal, diz respeito aos instrumentos de revitalização do “Eixo Paraibuna” que cumpre o papel de estruturador original da ocupação urbana, consagrada com a implantação histórica do “Caminho Novo” e da rede rodo-ferroviária que o acompanha. Os estudos do “Eixo Paraibuna” demonstraram a existência de trechos diferenciados, sendo destacados, de sudeste para noroeste distintos aspectos. Dentre tais trechos, ressalta-se a importância do trecho 3, que compreende a Praça Agassis, no Bairro Mariano Procópio até Corredor da Av. Rui Barbosa no bairro Santa Terezinha.

No que diz respeito as “Diretrizes referentes ao desenvolvimento, proteção e recuperação dos patrimônios ambiental, paisagístico e cultural da cidade”, o Plano Diretor de Juiz de Fora expõe diretrizes com o intuito de desenvolver, proteger e recuperar os elementos patrimoniais do município. Em especial, sobre o patrimônio cultural e paisagístico o Plano institui o estímulo de projetos, incentivos e atividades que visem preservar o patrimônio, como também apoia as instalações de atividades comerciais e ou, de serviços que possibilitem a preservação do bem tombado. Além disso, estabelece critérios para o uso dos bens tombados, promove a desobstrução visual da paisagem e dos conjuntos de elementos de interesse histórico e arquitetônico e, fomenta a conscientização da população quanto aos valores do patrimônio cultural e/ou paisagístico do município, através de programas educacionais e de divulgação nas escolas e pelos meios de comunicação.

O Perímetro em questão é composto por vias de valor essencial na formação morfológica e histórica do munícipio como a Avenida Brasil, a Avenida Rio Branco e a Rua Mariano Procópio. Tratam-se de vias de fluxo intenso e médio, respectivamente. A Avenida Brasil por exemplo, funciona como via expressa, para um tráfego rápido e de carga e um outro lento em função de atividades lindeiras, sobrecarregado pela carência de vias coletoras. Funciona também como corredor viário de tráfego proveniente da Zona da Mata com destino ao Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo. Devido a essas características, são predominantes os usos comercial, de serviço e lazer ao longo da via, como revendedoras de carros, lojas de peças e acessórios, materiais de construção, postos de abastecimento, supermercados, oficinas mecânicas, clubes de recreação e equipamentos institucionais. Apresentando-se duplicada neste setor, representa a principal via estruturante do Município, razão da importância de resguardá-la de forma a cumprir, sem grandes conflitos, o papel que lhe cabe.

A Rua Mariano Procópio é a via onde se insere o Museu Mariano Procópio, situada na zona nordeste de Juiz de Fora a mesma desempenha uma função de via local, visto que seu fluxo de veículos é menos intenso que as vias citadas acima. Desempenha o papel de direcionadora de fluxo da região central para os bairros.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Os edifícios ecléticos encontrados no bairro Mariano Procópio, são os principais exemplares que ainda permanecem desse momento arquitetônico vivenciado naquela região. Eles nos fornecem indícios de proprietários de nacionalidade italiana e árabe numa área predominantemente de colonização alemã, em suas origens. Além disso, estão construídos em áreas cujas imediações sofreram reestruturação urbana, como aterros, seja aquele empreendido por Carlos Barbosa Leite e Bertoldi, sejam as modificações pelas quais as áreas próximas ao rio Paraibuna foram submetidas, para reorientação do seu leito.

A formação urbana no bairro, no tocante organização espacial e tipologia arquitetônica, retrata o momento de expansão econômica e corrida imobiliária vivênciada na época e representam, portanto, exemplares únicos em Mariano Procópio, que já se fazia evidente no centro comercial do município. Eles marcam uma nova fase ao coexistirem coma as chácaras remanescentes e as vilas operárias de característica arquitetônica alemã.

As ruas de Mariano Procópio abrigaram variedades étnicas, como as compreendidas no entorno da Rua da Gratidão, hoje Avenida dos Andradas. Lá funcionaram, em 1898: o Colégio Americano Granbery, Externato Alemão para o sexo masculino, Escola do Professor Antônio Ministério, Sociedade Beneficente Brasileira-Alemã, Prado Juiz de Fora, ponto de recreio, Correeiro e seleiro, Casa Mineira, etc. (Il. 4).

Il. 4 – Mapa de identificação dos bens de interesse cultural em parte do entorno imediato do Museu Mariano Procópio.Fonte: Juan Lopes.

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Algumas ações e acontecimentos relatados aqui, fizeram do bairro Mariano Procópio um pioneiro no desenvolvimento da Juiz de Fora, conhecida como Manchester Mineira. Destaca-se a construção da Villa Ferreira Laje em 1861 que posteriormente em 1915 transformou-se no Museu Mariano Procópio por intermédio de seu filho Alfredo Ferreira Laje, da fábrica de tecidos dos ingleses – Ferreira Guimarães –, as cervejarias Palermo e José Weiss já mencionadas, o Laticínio Estrela Branca, a estação da RFFSA, a sede da 4ª Região Militar, e mais fábricas de papel nesse contexto.

AIMPORTÂNCIADAPRESERVAÇÃODOCONJUNTOHISTÓRICOEPAISAGÍSTICODOMUSEUMARIANOPROCÓPIO

O cenário urbano de Juiz de Fora, palco de intensa renovação e sobreposições de tempos distintos, carece de um olhar voltado para a história e para a manutenção de seus diferentes momentos desde sua origem até a atualidade, buscando a valorização das referências que sustentem a autenticidade desta paisagem e de seus elementos constitutivos.

A intensa transformação da região, em especial as novas ocupações que desqualificam, por comprometer a ambiência do Museu, em seu espaço urbano, colocam em risco sua integridade cultural e, torna vulnerável os referenciais identitários e os elementos de pertencimento deste espaço. Esta realidade vem danificar ou substituir, o que ainda permanece de Arquitetura e Urbanismo na região, que corroboram para a identificação do valor histórico do Museu e seu Jardim Histórico. Neste sentido, as iniciativas e ações para a proteção do patrimônio cultural urbano da região do Museu, como a correta delimitação de seu entorno, estudos de ambiências e inventários do sítio urbano, ainda estão por vir. Atualmente para a permanência dos bens de interesse cultural às gerações futuras, que remontam à velha Manchester mineira, o que há em termos de política de preservação, se restringe a tombamentos de bens imóveis individualmente.

A antiga “Quinta do Comendador Mariano Procópio”, hoje composta pelo complexo da Villa Ferreira Lage, o Jardim histórico do século XIX e o edifício do Museu Mariano Procópio, representa um importante espaço cultural da cidade de Juiz de Fora e símbolo da memória histórica e artística do Brasil. Disponibiliza em especial à nação brasileira, valiosas relíquias do passado que refletem grande parte da cultura do século XIX e princípio do século XX, selecionadas cuidadosamente por Alfredo Ferreira Lage, compondo atualmente, um dos principais acervos reunidos, do período imperial brasileiro. Com o propósito claro de composição para o fortalecimento de uma nacionalidade brasileira e, pensado desde sua criação para uma utilização pública, disponibiliza ainda conteúdos específicos que traduzem no registro da história da formação urbana da cidade de Juiz de Fora.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Através da dinâmica de transformação das cidades temos, em muitos casos, a perda de vestígios do passado e a substituição de importantes elementos tradicionais por novos referenciais que, muitas vezes, compromete o entendimento e autenticidade do espaço urbano e representam uma ameaça à integridade das áreas urbanas de interesse de preservação. Tais áreas configuram-se como conjuntos históricos e paisagísticos e, devem ser preservadas, conforme ressaltado em cartas patrimoniais e resoluções geradas a partir de conferências da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultural (Unesco) pois, fazem parte do ambiente cotidiano dos seres humanos em todos os países, constituem a presença viva do passado e constituem através das idades os testemunhos mais tangíveis da riqueza e da diversidade das criações culturais, religiosas e sociais da humanidade (CURY, 2000, p. 1). Assim, conforme a recomendação relativa à salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea, redigida na Conferência Geral da Unesco, em sua 19ª sessão em Nairóbi, no ano de 1976,

considera-se conjunto histórico ou tradicional todo agrupamento de construções de espaços, inclusive os sítios arqueológicos e paleontológicos, que constituam um assentamento humano, tanto no meio urbano quanto no rural e cuja coesão e valor são reconhecidos do ponto de vista arqueológico, arquitetônico, pré-histórico, histórico, estético ou sociocultural. Entre esses “conjuntos”, que são muito variados, podem-se distinguir especialmente os sítios pré-históricos, as cidades históricas, os bairros urbanos antigos, as aldeias e lugarejos, assim como os conjuntos monumentais homogêneos (CURY, 2000, p.3)

A gestão do Conjunto aqui abordado como bem de interesse cultural, revela-se como importante ação referencial para o município de Juiz de Fora e região e, a conservação do mesmo ao longo do tempo se coloca como parte essencial para uma adequada permanência da memória e da identidade do município. Neste sentido, consideramos ainda a participação da sociedade como fundamental uma vez que, conforme destaca Aloísio Magalhães, … a comunidade é a melhor guardiã de seu patrimônio(MAGALHÃES, A.)2.

Para o Conjunto Paisagístico do Museu Mariano Procópio, correlacionar o valor identitário das colônias de São Pedro, do bairro Borboleta, ao legado de Mariano Procópio são essenciais para o reconhecimento do conjunto paisagístico, de seus elementos constitutivos e a importância do mesmo enquanto marco referencial para a história do município reconhecido como Bem Cultural de Juiz de Fora. A festa Alemã, tradicionalmente no bairro Borboleta deve ser (re)conectada à identidade do Museu, em suas origens, ainda como o trecho da estrada União Indústria, hoje parte do caminho dos juizforanos em seu dia a dia, igualmente se relaciona a tal legado.

Desse modo, entendemos como aspecto relevante na atualidade para a conservação de maneira contínua do patrimônio elencado, a elaboração de estudos da morfologia urbana, estudos dos investimentos

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imobiliários e econômicos na região, para auxiliar em uma responsável relação de parâmetros para elaboração de um Plano de Preservação para o entorno e região do Museu Mariano Procópio, ou Conjunto Arquitetônico e Paisagístico do Museu Mariano Procópio, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

JUSTIFICATIVASDEREINTEGRAÇÃODOJARDIMHISTÓRICOForam realizados estudos específicos da região que envolve o Museu Mariano Procópio e seus

jardins, o contexto de formação dos bairros que estão em sua região, assim como seu significado na constituição da cidade de Juiz de Fora e sua importância para a paisagem. Igualmente foram elaboradas análises do histórico e do estado de conservação do conjunto urbano em análise. A partir de então, ressalta a significativa importância cultural desta área, especial para o município de Juiz de Fora.

Além do referenciado, o complexo edificado do Museu e seu jardim, cumpre importante papel social destacado pelo significado que assume na paisagem da cidade, fundamental para a manutenção da memória e identidade de sua população. Com isso, considerando a necessidade de levar às gerações futuras tais referências materiais como suporte de ampla significação social, cultural e urbana, propõe-se a adequada gestão desta área urbana, através de políticas específicas, como recomendação a implementação da lei por tombamento municipal do intitulado aqui, Jardim Histórico do Museu Mariano Procópio.

O Jardim Histórico do Museu Mariano Procópio engloba a propriedade original dos Ferreira Lage, composta pelo Parque, pela antiga Villa, pelo edifício do Museu, incluindo a partir do exposto aqui, o Palacete construído por Frederico Ferreira Lage e seus jardins (antiga Chácara hoje ocupada pela 4a. Brigada), possibilitando a reintegração física dos jardins, que apresentam ainda as feições originais. Ademais, o conjunto incide também sobre a Estação Férrea Mariano Procópio, parte importante da história de seu fundador e de formação da região, que hoje complementa a paisagem de forma harmônica e consolidada. (Il. 5).

De acordo com Berque (1997), a consciência da paisagem nasce na poesia e na pintura, da observação e compreensão da própria natureza a qual conduz o modo de agir sobre ela. Assim ao observar a beleza e a dinâmica da natureza e respeitá-la, há um reflexo na paisagem, o que significa não haver paisagem sem o sentimento-paisagem. Cada paisagem desvela uma cultura de conteúdo material e imaterial, de formas visíveis e invisíveis, a dimensão cultural (FERRIOLO, 2007, p. 44). Esta dimensão caracteriza a paisagem, desde as construções até o patrimônio intelectual ali mantido. Entre essas paisagens

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Il. 5 – Mapa com a proposta sobre os limites do Jardim Histórico do Museu Mariano Procópio Fonte: Elaborado por Talisson Ferreira

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que retêm valores culturais e patrimoniais e precisam ser protegidas em Juiz de Fora, estão os jardins da Quinta do Comendador Ferreira Lage, hoje parte dos jardins pertence ao Museu Mariano Procópio e outra ao exército Brasileiro.

Conforme o Prototipus de Catàlog de Paisatge (2006) jardins são percebidos como unidades de paisagem, o que representa uma porção do território que caracteriza combinações específicas de componentes sociais e físicos constituídos ao longo da história com dinâmica própria, atrelados, também, ao sentimento de pertencimento da população com o local. Esses recortes significativos retêm atributos e valores a serem preservados porque perpetuaram, ao longo do tempo, as ações primitivas do homem na paisagem natural, no sítio, com determinado tipo de constituição física. Segundo Torres (2003), espaços livres como estes são ainda espaços urbanos ao ar livre, destinado a vários tipos de utilizações como caminhadas, passeio, descanso, recreação e entretenimento. Um tipo especial desses espaços são as áreas verdes, cujo diferencial fundamenta-se na introdução da vegetação e na satisfação de três concepções fundamentais: ecológico-ambiental, estético e lazer (CAVALHEIRO et al. 1999).

Em documentos internacionais, dos quais o Brasil é signatário, que disponibilizam orientações como as constantes das Cartas Patrimoniais, que dentre outros, são utilizadas como referenciais para a pesquisa e no direcionamento de ações de conservação sobre o patrimônio cultural, a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, cultural e natural, de 1976, que reúne elementos de proteção e preservação, na consideração sobre o patrimônio cultural define como conjunto:

[...] Grupos de construções isoladas ou reunidos que, em virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; Os locais de interesse – Obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza, e as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. (UNESCO, 1972, p. 2).

Assim sendo, e reconhecendo sua importância perante a cidade, o Conjunto Histórico e Paisagístico Mariano Procópio, deve ser conservado com os olhares voltados para si, a fim de destacar sua importância enquanto conjunto, possuidor de uma unidade arquitetônica e integração paisagística, detentor de um significativo valor cultural.

Conforme Sá Carneiro (2012), a conservação do jardim está vinculada aos valores a ele atribuídos, que resultam em sua significância cultural. A autora enfatiza os valores culturais, históricos e artísticos, atribuídos aos monumentos edificados e jardins, somados a estes os valores ecológicos e botânicos pertencentes ao Jardim Histórico do Museu Mariano Procópio constatados aqui, o fazem um objeto

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distinto, possuidor ainda dos valores educativo, social e espiritual, tornando-o elemento de reconhecido valor cultural e de fundamental permanência para o desenvolvimento qualificado da região.

Aos gestores sugere-se uma nova percepção para o entorno do bem tombado, assim como a revisão de seu limite legal, tendo em vista a preservação do que ainda resta de sua ambiência. Neste sentido, a elaboração de Normas de Preservação para o objeto tombado e de um Plano de Preservação para seu entorno, são essenciais para a conservação da paisagem urbana em prol da preservação do Museu e seu Jardim Histórico, assim como para a qualidade ambiental e urbana da região. Envolver a comunidade em ações urbanas extra muros do Museu assim como é feito no intra muros, para fortalecimento dos valores identitários e históricos. E assim levar à gerações futuras o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico do Museu Mariano Procópio conservado, como é direito e dever de todos.

NOTAS1 Técnica criada pelo engenheiro escocês John Loudon McAdam.2 A frase dita há mais de 20 anos por Aloísio de Magalhães sintetiza a idéia de preservação no Brasil, afinal só o

compartilhamento de responsabilidades entre os governos e a sociedade pode garantir a permanência dos bens culturais. Consultar: www3.iphan.gov.br/bibliotecavirtual/wpcontent/uploads/2011/02/premio_RFMA2005.pdf.

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Tribuna de Minas. Museu Mariano Procópio. 1ª ed. Juiz de Fora: EsdevaEmpreGrágica, 1995.

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EIXO TEMÁTICO IIITecnologias aplicadas a manutenção e preservação do patrimônio paisagístico.

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O parque do conjunto arquitetural de Manguinhos é composto por uma sucessão de espaços verdes que incluem exemplares de jardins históricos identificados pelo Departamento de Patrimônio Histórico da Casa de Oswaldo Cruz enquanto munidos de interesse histórico. Entre esses exemplares esta o jardim que integra o Pavilhão Arthur Neiva e forma um conjunto arquitetônico e paisagístico modernista representativo de um momento institucional. Esse artigo investiga os atributos desse jardim e seu papel na articulação e delimitação de espacialidades. Sustenta, assim, que jardins precisam ser encarados como indissociáveis das edificações.

Palavra-chave: jardim histórico,patrimônio moderno, preservação

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IDENTIFICANDOEVALORIZANDOEPATRIMÔNIOPAISAGÍSTICOMODERNISTADAFIOCRUZ-OCASODOJARDIMDOPAVILHÃOARTHURNEIVAInêsEl-JaickAndrade

O Departamento de Patrimônio Histórico da Casa de Oswaldo Cruz (DPH COC) contratou em 2010 o desenvolvimento de um Plano de Ocupação

da Área Preservada (POAP) do campus Fiocruz Manguinhos (IBAM, 2011). Este plano estabeleceu entre as ações de manutenção e conservação das áreas verdes e espaços livres da Área de Preservação do Campus Fiocruz Manguinhos a necessidade da recuperação e recomposição dos jardins de interesse histórico, por meio de um Programa de Intervenção. Os jardins históricos do campus – jardins do Pavilhão Mourisco, jardim da Portaria da Avenida Brasil, jardim do Pavilhão Henrique Aragão e jardim do Pavilhão Arthur Neiva – estão associados a edificações ou conjuntos de edificações e sua preservação é encarada como uma estratégia para promover a integridade dos bens de interesse para preservação, segundo premissas consagradas internacionalmente.

Como desdobramento desse plano, foi iniciado em 2011 um projeto de pesquisa intitulado,

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“Temporalidade dos jardins históricos do campus Fiocruz Manguinhos”. A pesquisa teve o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) através da concessão de bolsa de iniciação cientifica e de instalação. Os dados coletados1 no período foram organizados em uma estrutura com o objetivo de subsidiar o Programa de Intervenção dos jardins de interesse histórico da Fiocruz, mas também definir as etapas para a formulação do Plano de Gestão da Conservação dos jardins (Conservation Management Plan).2

Por sua vez, essa pesquisa acabou por subsidiar outros estudos para a preservação de jardins históricos do campus. Destaca-se o projeto de pesquisa que está sendo desenvolvido atualmente pelo DPH da COC intitulado provisoriamente de “Plano de Conservação Preventiva do Pavilhão Arthur Neiva”. Em 2015, a Sociedade de Promoção da Casa de Oswaldo Cruz ganhou o edital internacional Keeping it Modern promovido pela Getty Foundation para realizar estudos e iniciativas de preservação em um de seus exemplares arquitetônicos modernistas tombados projetado na década de 1950, o Pavilhão Arthur Neiva (projeto do arquiteto Jorge Ferreira). A pesquisa coordenada pela arquiteta Barbara Cortizo Aguiar do DPH tem como escopo o desenvolvimento e aprofundamento de estudos técnicos para subsidiar um plano de conservação preventiva da edificação. Apesar de estar focado na pesquisa de materiais e técnicas para a restauração do painel de azulejos, obra de arte integrada de autoria de Roberto Burle Marx, e no desempenho estrutural da edificação, dentro das ações desenvolvidas o jardim também foi objeto de investigação histórica e análise de seus elementos significativos. A inclusão do jardim justifica-se pelo DPH reconhecer a significação desse projeto, que também é de autoria de Burle Marx, além desde integrar o entorno imediato da edificação. Esse artigo apresenta os dados levantados especificamente para esse estudo.

ASCOMPOSIÇÕESPAISAGÍSTICASMODERNISTAEMMANGUINHOSO sítio em que foi implantado o campus era uma área de colinas cercadas de terras alagadiças e

com vegetação rasteira, típica de mangue. O projeto original do núcleo histórico foi concebido e edificado a partir de 1904 pelo engenheiro português Luiz Moraes Jr., sob a coordenação do médico sanitarista Oswaldo Cruz. Juntamente à construção do conjunto eclético, foi implantado na década de 1920 um parque nas imediações do Pavilhão Mourisco, seguindo a linha clássico-romântica que era preponderante nas composições paisagísticas da cidade no início do século XX.

A densa arborização da área do sítio da Fiocruz foi consolidada apenas na década de 1970. Até então a paisagem do campusera muito diferente da atual. O incentivo e o fortalecimento da demarcação do

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campus na paisagem da região culminaram em investimentos na urbanização do campus. E, assim, o conjunto sofre grandes transformações paisagísticas, desde a pavimentação das caixas de rolamento até a criação de novos espaços verdes. Os jardins modernistas do entorno do Pavilhão Arthur Neiva, do entorno da Portaria da Avenida Brasil e do entorno do Pavilhão Henrique Aragão são representativos por apresentarem uma nova concepção artística, oposta ao ecletismo: o movimento moderno. Mas, também, tais jardins também pontuam um momento institucional de consolidação e expansão da área do campus. Com destaque, o jardim do Pavilhão Arthur Neiva, projetado pelo paisagista Roberto Burle Marx, é um exemplar de composição paisagística que se conecta diretamente, estética e funcionalmente, com a arquitetura do pavilhão destinado originalmente para os cursos de aula do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

O projeto da portaria do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) é de autoria do arquiteto Narbor Foster (Divisão de Obras do Ministério da Educação e Saúde). Foi construída entre 1954 e 1955 e segue a linguagem moderna dos pavilhões que vinham sendo construídos no campus desde a década de 1940. Integrava a esse projeto original da portaria uma composição paisagística de Ramiro Pereira, paisagista do Departamento de Obras do Ministério da Educação e Saúde. A composição incluía tanto o tratamento paisagístico da área externa como da interna limítrofe com o muro da portaria. Contava com canteiros sinuosos, um lago artificial e a criação de um novo acesso interno ao Pavilhão Mourisco.

É também de autoria de Ramiro Pereira a composição que integra o Pavilhão Henrique Aragão. A edificação foi construída para abrigar as instalações de um laboratório para a preparação de vacinas contra a febre amarela e varíola em 1955. O laboratório não estava vinculado ao IOC, mas mesmo assim foi implantado no terreno ocupado por essa instituição. A composição paisagística é de 1955 e possuía bastante elegância. Possuía um recanto de traçado sinuoso nos fundos da edificação, com trecho de muro de contenção e um lago artificial em forma ameboide inserido em platô elevado de pedras.

OPAISAGISTARoberto Burle Marx (1909-1994), brasileiro de ascendência alemã, é o autor do projeto

paisagístico do pavilhão. Durante sua vida atuou concomitantemente como paisagista e artista plástico. Entre 1928 a 1929, por problemas de saúde, morou na Alemanha. Burle Marx onde entrou em contato com as vanguardas artísticas, estudando pintura no ateliê de Degner Klemn. Já cultivava o interesse por jardins, mas foi ao frequentar o Jardim Botânico alemão que se impressionou com a vegetação brasileira mantida em estufa. Retornou ao Brasil e na cidade do Rio de Janeiro iniciou sua formação com artista plástico na Escola Nacional de Belas Artes.

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As décadas de 1930 e 1940 foram um período de efervescência e de rupturas na arquitetura, no urbanismo e, naturalmente, no paisagismo. A negação das formas tradicionais historicistas era objetivo das vanguardas artísticas, em especial da corrente artística denominada de modernismo. Essa mentalidade se refletiu no tratamento do espaço livre urbano, público e privado e teve em Burle Marx seu principal precursor na construção do jardim moderno brasileiro. Ele iniciou sua atuação na cidade de Recife (Pernambuco), como técnico do Setor de Parques e Jardins do Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Logo, seria o nome mais celebrado para participar de projetos de vanguarda modernistas na cidade do Rio de Janeiro.

Seu primeiro projeto foi a criação do jardim público da Praça de Casa Forte em 1934. Nesse mesmo ano assumiu o cargo de Diretor do setor e permaneceu até 1937. Na década de 1930 elaborou outros diversos projetos, sendo sua obra de maior repercussão o jardim do prédio do Ministério da Educação e Saúde de 1938. Em 1943 fundou a Firma Burle Marx e Companhia, escritório localizado no Leme, em sociedade com seu irmão mais novo Siegfried. Burle Marx inaugura uma escola própria por seu trabalho de associação de plantas e materiais. Na ocasião da elaboração do projeto paisagístico do Pavilhão de Cursos da Fiocruz, Burle Marx coordenava o seu escritório de paisagismo denominado Roberto Burle Marx e Arquitetos Associados, tendo como sócios John Stoddart, Fernando Tábora, Mauricio Monte e Julio Pessolani. Essa sociedade durou até o ano de 1954. Em 1955, Roberto Burle Marx cria o Burle Marx & Cia. Ltda., se associando ao arquiteto paisagista Haruyoshi Ono no ano de 1965 até seu falecimento em 1994.

Era comum que o próprio arquiteto de edifícios fornecesse o desenho para os pátios e jardins dos seus projetos arquitetônicos. A figura de Roberto Burle Marx foi uma das exceções a essa regra. Ele inaugura uma escola própria por seu trabalho de associação de plantas e materiais. Logo, seria o nome mais celebrado para participar de projetos de vanguarda modernistas na cidade do Rio de Janeiro.

OPROJETOPAISAGÍSTICODOPAVILHÃODECURSOSO jardim do Pavilhão de Cursos (atual Arthur Neiva) foi projetado por Roberto Burle Marx juntamente

ao painel de azulejos que reveste o bloco do auditório da edificação. Foi um presente para seu amigo, o arquiteto Jorge Ferreira - autor do projeto do pavilhão. Supõe-se, por estudos em documentação fotográfica, que o projeto paisagístico executado por Burle Marx tenha sido desenvolvido no início da década de 1950 (c.1954).

A composição paisagística tem dimensões modestas e se desenvolve em dois cenários: a Av. Brasil e o pátio do pavilhão. Apesar de utilizar a mesma linguagem pictórica na seleção das formas e texturas dos canteiros, a composição acaba por invocar duas experiências estéticas diferentes ou intenções de projeto com programas de necessidade distintos (ANDRADE, 2015).

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O lado voltado para a avenida, com portão de acesso de pedestres, é coberto por uma ampla superfície gramada que se estende do muro até os blocos do pavilhão. Nesta é pontuada a presença, de pelo menos, um canteiro em ameboide de forração clara. É possível imaginar o impacto visual causado aos que trafegavam pela avenida pelo contraste entre os tons de verde e o conjunto de painéis em tons de azul. Ao distanciar-se do cenário rotineiro da avenida, o canteiro delimitado pelos planos verticais do pavilhão e pela aleia de árvores de grande porte (no limite da composição) forma uma espécie de “pátio interno”. As varandas do segundo pavimento e as áreas livres dos pilotis estão voltadas para esse pátio, convidando a uma atmosfera de convivência e encontro entre os alunos e professores do pavilhão.

Apesar do canteiro ter uma forma simples de rotunda de circulação, pode ser observada uma variedade de formas abstratas de manchas de forração. Também é possível identificar oito indivíduos de árvores de grande porte que pontuam simetricamente as extremidades desse canteiro. Não são observados mobiliários urbanos na composição, levando a crer que a intenção era que as atividades de convivência seriam praticadas ao redor do canteiro e na área dos pilotis e nas varandas. (Il. 1)

Os elementos essenciais da grelha espacial que contribuem para a significação do jardim (ANDRADE, 2015) são:

• Rodunta funcionando como um ponto focal do jardim gerando um espaço intimista configurado pelos pilotis do pavilhão.

• Superfície gramada gerando ponto focal de interesse em direção ao painel de azulejos do corpo do auditório do pavilhão

• Canteiro em forma de ameboide contrastando com a superfície gramada.• Aleia de árvores pontuando o canteiro na forma de rotunda com desenho assimétrico de

forrações.

Il. 1 – Aparência do projeto paisagístico do Pavilhão Arthur Neiva executado na década de

1950. Fonte: Acervo DAD/COC/Fiocruz.

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Pesquisas anteriores realizadas pelo DPH (ANDRADE, 2015; OLIVEIRA, 2013) identificaram nas fotos mais antigas o repertório vegetal estruturado por grandes superfícies gramadas – supõe-se o emprego de grama-batatais, por essa espécie ser nativa e muito resistente – e por composições intercaladas por grupos de forrações (Philodendron bipinnatifidum) e arbustos (Agave angustifólia e Agave attenuata) de cores distintas e pontuadas por árvores de grande porte.

Convém destacar que não se localizou a planta do projeto original nos arquivos do Escritório Burle Marx & Cia no Rio de Janeiro ou no Arquivo do Departamento de Arquivo e Documentação (DAD) da COC/Fiocruz. No entanto essa investigação revelou a existência de um outro projeto paisagístico localizado em seu escritório, assinado por Burle Marx, para o pavilhão que data de 1949, portando dois anos após a inauguração do pavilhão. No verso da planta localizada existe uma mensagem de Jorge Ferreira para Burle Marx onde se lê: “Roberto, são as plantas de Manguinhos. Voltarei aqui. Jorge”. (Ils. 2 e 3)

Il. 2 – Projeto paisagístico para o Pavilhão Arthur Neiva primitivo. Acervo Escritório Burle Marx. Fotografia de planta original. Fonte: Autora, 2015.

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Nesse projeto era prevista a construção de outro pavilhão em lâmina, identificado apenas como “indústria”, oposto ao Pavilhão de Cursos. O desenho indica um acesso de ligação com a Avenida Brasil de traçado sinuoso, sem representação de muro ou gradil, e com dimensões compatíveis para receber a circulação de veículos e pedestres. Esse acesso conduzia diretamente a um estar central, entre os dois pavilhões, arrematado por um grande espelho de água de linhas sinuosas contendo caixas de canteiros. A solução técnica desses canteiros, bem como a distribuição formal de quatro fileiras de palmeiras, apresenta similaridades com o jardim ordenado de influência concretista e neoconcretista do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1953). Nos fundos do Pavilhão de Cursos foi idealizado um jardim formado por um grande canteiro em forma de ameboide. Um grupo de canteiros de linhas sinuosas e palmeiras enfileiradas, na divisa do terreno com a Avenida Brasil, complementam a composição. Esse tratamento paisagístico de grande proporção não chegou a ser implantado, mas traz indícios da linha projetual seguida pelo paisagista.

A presença de um lago artificial nesse projeto, não executado, revela uma similaridade curiosa. Isso porque a temática abordada no painel de azulejos do bloco do auditório do pavilhão, elaborado pelo

Il. 3 –MR Verso da planta do Projeto paisagístico primitivo para o Pavilhão Arthur Neiva. Acervo Escritório Burle Marx. Fotografia de planta original. Fonte: Foto do Acervo da Autora, 2015.

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artista, é justamente imagens de seres do fundo do mar – algas, lulas e águas-vivas. Caso executada essa composição paisagística, o painel que contorna o bloco conduziria o pedestre que acessava a Av. Brasil ao lago, implantado no pátio formado pelas duas edificações (“cursos” e “indústria”).

PRINCIPAISINTERVENÇÕESPAISAGÍSTICASO espaço verde teve uma conformação florística bastante variada ao longo da sua existência

contendo, atualmente, poucos vegetais que poderiam se relacionar ao projeto original de Burle Marx (ANDRADE, 2015; OLIVEIRA, 2013). A partir da documentação levantada, a composição paisagística original parece ter permanecido integra até a década de 1970, mas os jardins do pavilhão sofreram muitas alterações posteriores significativas.

Com o decorrer do tempo, as introduções e a falta de manutenção fizeram com que as espécies arbustivas e arbóreas originais fossem aos poucos desaparecendo, a superfície gramada e de suas manchas de forração foram suprimidas. Outras espécies foram introduzidas à composição, fossem espontaneamente ou por ação humana (como exemplares de Psidium guajava, Syzygium jambolanum e Duranta erecta aurea). Apesar de alterado, o jardim encontra-se em bom estado de conservação.

A transformação do canteiro em rotunda na atual Praça Carlos Chagas (antiga Praça César Pinto) colaborou para mascarar a premissa da composição original. O desenho do canteiro não permite um aproveitamento adequado da área como espaço de lazer. Por conta de sua localização, esse canteiro do pátio está exposto a um intenso fluxo de veículos no entorno, o que compromete sua utilização como espaço de lazer. Assim, a praça se torna um espaço de passagem e não de permanência. Os bancos desse espaço estão embaixo de uma frondosa árvore de jambolão (Syzygium jambolanum) cuja coloração dos frutos provoca manchas nas superfícies. A supressão da superfície gramada do canteiro frontal, associada a introdução de uma extensa bordadura de arbustos (Duranta erecta aurea), também prejudica a leitura do conjunto arquitetônico e da sua obra de arte integrada – o painel de azulejos.

Também é do final da década de 1950 a construção de um muro e portão de acesso voltado para a Avenida Brasil, na entrada do pavilhão. Esse acesso foi posteriormente fechado, mas as fotos indicam que essa foi a primeira intervenção na composição original. Foi criado um passeio estreito e irregular na superfície gramada no jardim frontal, bem distinto da solução idealizada por Burle Marx. Cogita-se que o fechamento desse acesso ao pavilhão pode ter sido consequência da construção (entre 1965 e 1970) do viaduto de Bonsucesso. Essa obra de infraestrutura urbana causou um aumento do trânsito na região e grande impacto

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no campus de Manguinhos (OLIVEIRA; COSTA; PESSOA, 2003). Inclusive, o viaduto e a passarela foram ainda responsáveis pela perda da área do Instituto, próxima ao Pavilhão e a Rua Sizenando Nabuco, para que se construísse a alça de acesso do viaduto do terreno, na margem da Avenida Brasil.

Já em 1989, foi elaborado um projeto coordenado pela Prefeitura da Fiocruz que previa a reforma geral do prédio, que já não contava com o painel de azulejos inferior do bloco do auditório. Apesar de não se possuir informações sobre a execução da obra ou de propostas para o jardim, as plantas de levantamento arquitetônico desse projeto são importantes registros de como o edifício se encontrava no final da década de 1980.

Em 1991 a Prefeitura do campus da Fiocruz elaborou novo projeto de reforma e restauração do pavilhão. A pavimentação externa foi completamente modificada. A nova solução foi composta por faixas em diagonal (partindo dos pilares) em pedra portuguesa branca, intercaladas por placas de cimentado. O acabamento em todo o perímetro da edificação foi feito por uma faixa de pedra portuguesa.

Nessa ocasião foi elaborada uma proposta de adaptação do projeto paisagístico. É proposta a criação de um estacionamento na frente da edificação – cortando, portanto, o jardim frontal –, o plantio de novas árvores para o seu canteiro residual, a criação de um segundo canteiro de forma sinuosa e a criação de duas fileiras de árvores contíguas ao muro da Av. Brasil. Também está incluída nessa proposta a construção de uma jardineira sob a projeção da laje do segundo piso para coletar a água pluvial (pingadeira). A proposta indica uma preocupação na formalização de vagas de estacionamento. É interessante observar que o levantamento iconográfico revelou que a área sob pilotis era usada como garagem de veículos. Caso tivesse sido executada integralmente, a proposta teria contribuído para criar um fechamento visual do painel da edificação e para deturpar a composição do jardim frontal.

AIMPORTÂNCIADOESTUDODEJARDINSANÁLOGOSPara fundamentar as diretrizes e medidas de salvaguarda em jardim histórico é recomendado

pela Carta de Florença de 1981 que seja realizado um estudo criterioso para tentar recuperar a imagem do jardim e, em especial, de seu elenco vegetal através do levantamento em jardins análogos.

Analisando a produção de Burle Marx, no mesmo período, para instituições públicas voltadas para a saúde, é possível identificar o repertório do artista naquele momento histórico. Portanto, o jardim segue características semelhantes de outros projetos de Burle Marx para jardins associado a edificação de saúde, de corrente modernista e também executados no Rio de Janeiro na década de 1950:

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• 1952 – Jardins do Instituto de Puericultura (atual Instituto de Pediatria e Puericultura Professor Martagão Gesteira (IPPMG), Cidade Universitária da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro.

• 1955 – Burle Marx projeta o paisagismo do Hospital Sul América da Fundação Larragoiti (atual Hospital da Lagoa), Rio de Janeiro.

Entre as obras, destaca-se o paisagismo do Instituto de Puericultura e Pediatria (1949-1953) da Universidade do Brasil (hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro), localizado no atual campus do Fundão. Esse projeto guarda outras semelhanças essenciais: possuir um painel de azulejos de autoria de Burle Marx (acompanhado por Aylton Sá Rêgo e Yvanildo da Silva Gusmão) e executado pela Osiarte (em 1952) e de apresentar uma solução semelhante para o jardim da frente da edificação – voltada para uma via arterial de fluxo intenso – e uma solução mais intimista voltada para o pátio no interior da edificação. Destaca-se que a edificação recebeu o primeiro lugar na categoria de Edificação Hospitalar, na Segunda Bienal de Arquitetura do Estado de São Paulo, em 1953.

Já a composição paisagística do Hospital Sul América, localizado no bairro nobre do Jardim Botânico, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, apresenta solução distinta. Segundo Peralta (2002), Burle Marx teria se inspirado “na forma de um embrião”. Seus jardins, com muitos recantos de estar, estão ambos voltados para as vias de circulação, de maneira a emoldurar a lâmina da edificação hospitalar. Um espelho de água, com tanques, também complementa a composição. Destaca-se que os painéis de azulejos que se integram a edificação são de autoria do artista plástico Athos Bulcão.

Nas três composições analisadas – Jardins do Instituto de Puericultura, Jardins do Pavilhão de Cursos e Jardins do Hospital Sul América – fica evidente que o projeto paisagismo de Burle Marx ambienta a arquitetura, de maneira a ligar o edifício ao terreno e rompendo com seu geometrismo.

O elenco vegetal especificado comum ás composições paisagísticas análogas surpreende pela variedade. É possível observar nos exemplares o uso de indivíduos de Helicônia-papagaio (Heliconia psittacorum linn.f.), Hera-roxa (Hemigraphis colorata Hallier), Pau rei (Basiloxylon brasiliensis Fr. All. K. Schum.), Bela-emília (Plumbago capensis Thunb.), Crino branco (Crinum asiaticum Linn.), Pau mulato (Calycophyllum sppuceanum (Benth) K. Schum.), lírio de um dia (Hemerocallis flava Linn.), Moréia (Morae iridioides Linn.), Acalifa (Acalypha wilkesiana Muell. Arg. Var. musaica hort.), Rabo-de-gato (Acalypha hispida Burm.), Coração-magoado (Iresine herstii Hook.) e Coqueiro-de-vênus (Cordyline terminalis Kunth.). O reconhecimento de um elenco vegetal, coerente com o elenco vegetal utilizado por Burle Marx, é importante para subsidiar as decisões sobre a introdução ou substituição de espécies vegetais.

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ARQUITETURAEJARDINSCOMOINDISSOCIAVEISCabe destacar que, em 2001 o Pavilhão Arthur Neiva foi reconhecido e tombado a nível estadual

(Decreto E-18/001.538/98) pelo Instituto do Patrimônio Cultural. O painel de azulejos de Burle Marx chega a identificado nos estudos de instrução de tombamento. No entanto, o jardim implantado no entorno do Pavilhão Arthur Neiva não foi citado no processo e, assim, não foi reconhecido como bem integrante do conjunto.

Em 2009 o painel de azulejos do Pavilhão Arthur Neiva. Foi objeto de tutela municipal. No entanto por desconhecimento ou, novamente, por incompreensão da importância da valoração dos conjuntos arquitetônicos e paisagísticos o jardim foi novamente esquecido. O painel foi inscrito provisoriamente no livro do tombo municipal (Decreto n.º 30.936, de 4 de agosto 2009) por integrar o conjunto de obras representativas do artista Roberto Burle Marx na cidade.

O jardim do pavilhão foi idealizado como uma extensão do Pavilhão de Cursos. Logo, o espaço dos pilotis é de extrema importância, pois esse espaço é destinado para a permanência e a sociabilidade dos usuários. A moldura verde colabora tanto na delimitação espacial da edificação como para ressaltar o painel de azulejos.

Apesar dos exemplares de jardins históricos do sítio histórico da FIOCRUZ não possuírem proteção específica, estes foram incluídos em 1986 em processo de extensão de tombamento federal enquanto integrantes de uma zona de proteção rigorosa, isso é, enquanto uma área de amortecimento das edificações tombadas. Assim, seguindo a legislação cultural, qualquer intervenção no entorno dos bens tombados – e, portanto, nos jardins de interesse histórico – deveria ser submetida à apreciação dos órgãos federal e estadual de proteção cultural.

Logo, seguindo as recomendações internacionais no campo da preservação de jardins históricos, as diretrizes gerais de intervenção nos jardins do Pavilhão Arthur Neiva deverão estar pautadas em:

• Respeitar o traçado e a espacialidade existentes: o traçado é encarado como o principal articulador da leitura da espacialidade do jardim.

• Harmonizar as diferentes camadas de tempo: as sobreposições e os elementos adicionais são testemunhos dos momentos pelos quais o bem patrimonial passou, e que a sua permanência ou supressão devem ser alvo de estudos que os identifiquem e que reconheçam seus valores culturais.

• Evitar dissonâncias: em intervenções em que se verifique a necessidade de acrescentar partes que faltam ao jardim, que existiram no passado, é o caso de serem escolhidos os materiais e

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REFERÊNCIASANDRADE, Inês El-Jaick. Temporalidade dos jardins históricos do campus Fiocruz Manguinhos. Relatório Final. Rio de Janeiro: Departamento de Patrimônio Histórico/COC/Fiocruz, 2015.

INSTITUTO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL (IBAM). Plano de Ocupação da área de Preservação do campus Fiocruz Manguinhos. Rio de Janeiro: IBAM; Fiocruz, 2011.

OLIVEIRA, Benedito Tadeu de. (Coord.); COSTA, Renato da Gama-Rosa; PESSOA, Alexandre José de Souza. Um lugar para a ciência: a formação do campus de Manguinhos. RJ: Editora Fiocruz, 2003. (Coleção História e Saúde).

NOTAS1 O relatório final da pesquisa apresentou um inventário dos quatro jardins objetos de estudo, com a descrição da

situação atual, desenhos paisagísticos baseados em documentação histórica, o objetivo desejado com a revitalização ou restauração justificado com base nos atributos do jardim, a indicação dos trabalhos requeridos para a sua intervenção com especificações para a sua manutenção, bem como o agrupamento das referências documentais sobre os jardins (ANDRADE, 2015).

2 O Plano de Gestão da Conservação é um conjunto de diretrizes e proposições com o objetivo de planejar e programar o monitoramento do jardim disciplinando a conservação, recuperação, o uso e ocupação do bem e de seu entorno imediato. Incluem ações que vão desde a valorização patrimonial até as indicações de intervenções, que incluem a indicação das áreas de interesse para investigações arqueológicas. Também integram o documento normas e procedimentos para a preservação dos jardins (WATKINS; WRIGHT, 2007).

formas originais do passado, de maneira a diferenciá-los dos originais. As intervenções não devem competir com os bens protegidos, mas colaborar para sua valorização.

CONCLUSÃOApesar inegáveis avanços no campo da preservação nos últimas três décadas, os jardins históricos

ainda encaram o desafio de não serem reconhecidos como bens culturais. É fundamental desenvolver ações voltadas para o reconhecimento desses bens enquanto partes indissociáveis de seu contexto construído e de seu contexto histórico.

As ações de preservação e valorização do patrimônio cultural variam consideravelmente de acordo com o contexto e os valores associados a cada monumento e seu ambiente construído. No caso dos jardins históricos, esta é uma ação que envolve a busca por manter a integridade e autenticidade de um monumento vivo, logo, que convive com diferentes temporalidades. Assim, conhecer e reconhecer essa temporalidade são fundamentais para problematizar e planejar ações de conservação e restauração.

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OLIVEIRA, Carla Gils Vasconcellos de. Arquitetos paisagistas e suas composições no conjunto urbano paisagístico do campus Fiocruz Manguinhos. Relatório Final de atividades PIBIC‐CNPQ. Rio de Janeiro: Departamento de Patrimônio Histórico/COC/Fiocruz, 2013.

PERALTA, V. O. Composición Elemental – Edificios Complejos. Los hospitales modernos en Brasil. In: Enfoques en la Investigación Científica: Producción Actual en las Universidades de Barcelona. Actas del VII Seminario de la APEC – Barcelona, Espanha, 2002.

WATKINS, John; WRIGHT, Thomas. Management and Maintenance of Historic Parks. Gardens and Landscapes: The English Heritage Handbook. London: Frances Lincoln, 2007.

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OPARQUEBOTÂNICODOECOMUSEUILHAGRANDE:PLANEJAMENTOEIMPLANTAÇÃOMarceloDiasMachadoViannaFilho|CarlaY’GubáuManão| MarceloFragaCastilhori| CátiaHenriquesCallado

L ocalizada no município de Angra dos Reis (23º10’34”S e 44º22’39”W), estado do Rio de Janeiro e inserido no bloco Sul Fluminense de

remanescentes da Mata Atlântica (ROCHA et al. 2003). Outrora a região foi recoberta por floresta Ombrófila Densa primária, atualmente, devido à ação antrópica se observa diversos mosaicos de florestas em diferentes estágios sucessionais (OLIVEIRA & COELHO-NETTO 2000; CALLADO et al. 2009).

Devido ao reconhecimento público nacional e internacional de sua relevância ambiental, a Ilha Gran-de contempla quatro unidades e conservação: Área de Proteção Ambiental de Tamoios, Parque Estadual da Ilha Grande, Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul, e Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Aventu-reiro (INEA, 2016).

A Área de Proteção Ambiental de Tamoios (APA Tamoios) foi criada por meio do Decreto Lei nº 9.452 em 1982, com o objetivo de assegurar a proteção do ambiente natural, das paisagens de grande beleza

AILHAGRANDE,UMAÁREADEGRANDEVALORAMBIENTAL

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cênica e dos sistemas geohidrológicos da região, que abrigam espécies biológicas raras e ameaçadas de extinção, bem como comunidades caiçaras integradas em seus ecossistemas. A parte insular abrange todas as terras emersas da Ilha Grande e de todas as demais ilhas que integram o município de Angra dos Reis (Rio de Janeiro 1982).

O Parque Estadual da Ilha Grande (PEIG) foi criado pelo Decreto Estadual nº 15.273, de 26 de junho de 1971, abrangendo terras situadas na Ilha Grande (Rio de Janeiro 1971). O Decreto Estadual nº 40.602, de 12 de fevereiro de 2007, ampliou, ratificou e consolidou como parque a área total de 12.052 hectares, acrescentando todas as demais terras localizadas acima da cota de altitudinal de 100 metros, excetuando-se aquelas pertencentes à Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul (Rio de Janeiro 2007). Esta última, também situada na Ilha Grande, foi criada pelo Decreto Estadual nº 4.972, de 2 de dezembro de 1981 como Reserva Biológica e Arqueológica da Praia do Sul, e foi recategorizada em 2014, atualmente conta com uma área de 3.502 ha e apresenta a vegetação em melhor estado de conservação da Ilha, além de áreas de interesse arqueológico (Rio de Janeiro, 2014).

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Aventureiro (REDS Aventureiro) foi criada em 1990, como Parque Estadual Marinho do Aventureiro e recategorizada pela Lei 6973/2014. Essa REDS é adjacente à Reserva Biológica Estadual da Praia de Sul e seus limites compreendem toda a área de costeira e praias desde a ponta da Tacunduba (Parnaióca) até a ponta do Drago. Sua área total é de 15,5 Km², que equivale a 8% da área terrestre total da Ilha Grande – 193 Km² (Rio de Janeiro 1990).

AVEGETAÇÃODAILHAGRANDESão comuns para a Ilha Grande, as fitofisionomias típicas do Bioma Mata Atlântica, com

a predominância da Floresta Ombrófila Densa Submontana, mas também estão presentes os tipos vegetacionais de Floresta Ombrófila Densa Montana e das Terras Baixas e, em menor proporção, as áreas de formação pioneira de influência marinha (Restinga) e fluviomarinha (Mata alagadiça e Manguezal) e os afloramentos rochosos (OLIVEIRA & COELHO-NETTO, 2000; CALLADO et al., 2009).

A vegetação na Ilha se distribui desde áreas planas que estão em nível do mar até 1.035 m de altitude (Pico da Pedra D’água). Atualmente, está representada por grandes extensões de formações secundárias, em estágios avançados de regeneração. A vertente sul e o centro geográfico da Ilha possuem matas em melhor estado de conservação, enquanto a vertente norte está coberta, principalmente, por vegetação degradada. Próximo aos povoados e vilas são encontradas as capoeiras mais recentes. As áreas de acesso mais difícil, seja devido a maior altitude ou pelo alto grau de declividade, ainda permanecem

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

aparentemente pouco alteradas e apresentam aspectos remanescentes da mata climáxica (MAGNANINI et al. 1985; ARAUJO & OLIVEIRA, 1988; OLIVEIRA E SILVA, 1998; OLIVEIRA & COELHO NETTO, 2000; OLIVEIRA, 2002; OLIVEIRA, 2004; CALLADO et al. 2009).

O conhecimento sobre a flora e vegetação da Ilha Grande está em sua maioria restrito à Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul (ARAÚJO & OLIVEIRA, 1998) e à área do Parque Estadual da Ilha Grande ao entorno da Vila Dois Rios (CALLADO et al. 2009, MANÃO, 2011), localidade onde se situava o Instituto Penal Cândido Mendes, desativado em 1994 e, onde atualmente está instalado o Campus Avançado Ilha Grande da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), composto pelo Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável e o Ecomuseu Ilha Grande, sendo o Parque Botânico da Ilha Grande (PaB) um dos núcleos desta segunda unidade acadêmica da UERJ.

RECURSOSHÍDRICOS,CLIMAESOLOA Vila Dois Rios, como o próprio nome diz, é banhada por dois rios, o Rio Barra Pequena e o Rio

Barra Grande (FORTES & PEREIRA, 2009), que em sua nascente recebe o nome de Rio Andorinhas (Galvão & Esteves 2007). Assim como em toda a Ilha Grande, o microclima da Vila Dois Rios é quente e úmido, sem estação seca, com temperatura média de 23 °C e pluviosidade anual média de aproximadamente 1977 mm (SALGADO & VASQUEZ, 2009).

Segundo Carvalho et al. (2013), o solo de Dois Rios é classificado como espodossolo, comum em todo litoral fluminense, associados a terrenos arenosos e ácidos. As principais limitações dos espodossolos estão relacionadas à sua textura arenosa e baixa fertilidade, todavia, na área do Parque Botânico funcionou uma pequena horta para o presídio. Tecnicamente, os espodossolos são indicados como áreas de conservação ambiental (EMBRAPA, 2016), o que é compatível com o propósito do PaB.

AVILADOISRIOSCOMOSEDEPARAOPARQUEBOTÂNICOO PaB está situado na Vila Dois Rios, em área do antigo Instituto Penal Cândido Mendes, que

atualmente, integra a Zona Histórico Cultural do Parque Estadual da Ilha Grande (PEIG), unidade de conservação do Instituto Estadual do Ambiente (INEA). A área é mantida pela UERJ e regida pelo Plano Diretor da UERJ em consonância com o PEIG.

A missão do PaB é o estabelecimento de uma coleção de plantas vivas cientificamente reconhecidas, organizadas, documentadas e identificadas, com a finalidade de estudo, pesquisa e documentação do patrimônio florístico da Ilha Grande, servindo à educação, cultura e conservação do meio ambiente, mas

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também preocupada com a estética, atratividade e despertar de emoções em seus visitantes (LIMA et al. 2010, VIANNA FILHO et al. 2014). O terreno do PaB, para o qual o projeto paisagístico foi elaborado, apresenta vegetação de capoeira, com presença de ruínas e escombros do antigo presídio, como se observa na Il. 1.

ACOLEÇÃODEPLANTASVIVASDOPARQUEBOTÂNICOEO ECOMUSEUILHAGRANDE

Atualmente, as coleções de plantas vivas, sejam elas arboretos, hortos, parques ou jardins botânicos apresentam múltiplas funções, sendo as coleções contemporâneas, criadas com o propósito de dar suporte à pesquisa e a consciência sobre os efeitos negativos da perda da biodiversidade (PEREIRA & COSTA, 2010). Uma vez constituídas, passam a ter finalidade educativa e sensibilizam as pessoas para o respeito à vida e à natureza. Suas funções didáticas, de irrefutável tradição, remontam aos jardins de ervas medicinais e temperos, historicamente utilizadas na medicina e culinária, estabelecendo assim os elos históricos entre o homem, seus hábitos e cultura (Rede Brasileira de Jardins Botânicos 2001).

Uma das principais funções dos museus é a de preservar e inventariar objetos. Como museu, o PaB se dedica a construir e manter um acervo composto por plantas vivas. A coleção de plantas nativas da

Il. 1 – Área do Parque Botânico da Ilha Grande para a qual o projeto paisagístico foi proposto, em 2013.Fonte: Cátia H. Callado.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Mata Atlântica do PaB expõe ao público as espécies organizadas em setores e integradas ao Paisagismo do Parque.Embora a coleção seja permanente, novas plantas vão sendo incorporadas progressivamente, a partir de expedições para inventário e amostragem na Ilha Grande e sua germinação nas instalações do próprio Parque Botânico. As Coleções de plantas vivas são importantes fontes para o desenvolvimento de pesquisas nas diversas linhas de conhecimento. No PaB, as coleções de plantas podem ser utilizadas tanto por programas de educação ambiental, quanto para certificação de novas plantas ornamentais, garden design, ilustração botânica e silvicultura. À medida que as populações nativas de plantas vão se reduzindo nos seus ambientes naturais, coleções de plantas vão se tornando um patrimônio cada vez mais importante para conservação ex situ das espécies.

EXPEDIÇÕESPARAINVENTÁRIOEAMOSTRAGEMDEMATERIALBOTÂNICOOs estudos da Flora da Ilha Grande realizados pela UERJ tiveram início no final da década de 90.

Ao longo deste período, os esforços estiveram voltados para a difícil tarefa de catalogar e identificar as espécies existentes, o status de conservação das mesmas e o registro histórico do uso dessas espécies na Ilha (LIMA et al. 2010). A partir de 2014, as expedições para inventário, georreferenciamento e amostragem de material botânico destinado ao PaB começaram a ser realizadas. Até o momento, foram realizadas incursões na Ilha Grande nas localidades de: Abraão, Dois Rios, Parnaioca, Caxadaço e Lopes Mendes, para amostragem de germoplasma vegetal. Em 2015, o Programa Piloto do Parque Botânico da Ilha Grande foi publicado como marco inicial do planejamento do Parque Botânico e da primeira listagem de espécies para cultivo (VIANNA-FILHO et al. 2014).

OPAISAGISMODOPARQUEBOTÂNICOO projeto paisagístico do Parque Botânico da Ilha Grande abrange o pátio interno do antigo

presídio e estabelece canteiros temáticos com espécies nativas que contam a história da Ilha Grande. O projeto também prevê a restauração in situ de processos ecológicos por meio do resgate da diversidade vegetal e da busca da autoperpetuação das espécies presentes na Ilha Grande, muitas delas endêmicas e/ou ameaçadas de extinção.

O plantio das mudas tem sido realizado no início das estações das chuvas, após um acúmulo pluviométrico de cerca de 70mm, deixando o solo com um grau de umidade elevado, propiciando condições ideais ao plantio das mudas. A experiência prática tem mostrado que plantas com características de diferentes estádios sucessionais (pioneiras, secundárias, climáxicas) podem ser implantadas numa

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única etapa de plantio, sendo as espécies utilizadas no presente projeto relacionadas à história pretérita e presente da Ilha Grande.

PORQUECRIARUMPARQUEBOTÂNICO?Segundo a definição de coleções de plantas vivas, regulamentada pela resolução Conama no 339

de 25 de setembro de 2003 (BRASIL, 2003),

entende-se como jardim botânico a área protegida, constituída no seu todo ou em parte, por coleções de plantas vivas cientificamente reconhecidas, organizadas, documentadas e identificadas, com a finalidade de estudo, pesquisa e documentação do patrimônio florístico do País, acessível ao público, no todo ou em parte, servindo à educação, à cultura, ao lazer e à conservação do meio ambiente.

A Resolução CONAMA 266/2000 (BRASIL, 2000), destaca também que a criação de Jardins Botânicos e áreas afins é imprescindível para difundir o valor multicultural das plantas e sua utilização sustentável, além de ter a finalidade de proteger espécies raras ou ameaçadas de extinção, manter bancos de germoplasma, atuar no registro e documentação de plantas, promover intercâmbio científico, técnico e cultural com entidades e órgãos nacionais e estrangeiros e estimular e promover a capacitação de recursos humanos.

Esses são aspectos encontrados no Parque Botânico da Ilha Grande. Todavia, ainda convém destacar a configuração deste Parque como uma área que integra um museu universitário, o Ecomuseu Ilha Grande. Desta forma, a documentação do patrimônio florístico e histórico, pela coleção de plantas vivas, está associada às atividades de ensino, pesquisa e extensão, no âmbito das atribuições dos programas de graduação e pós-graduação da UERJ.

A readequação da área das ruínas do presídio da Ilha Grande visa a reordenação da paisagem, criando um local de contemplação e admiração, que conta a história da Ilha Grande por meio de suas plantas. O conceito adotado no projeto paisagístico do Parque Botânico da Ilha Grande se compromete com a arquitetura característica do complexo carcerário na situação atual e pretende intervir, sempre que possível, para criar uma paisagem naturalizada em integração ao ambiente de cárcere (Il. .1 e 2). Para tanto, foram identificados os elementos representativos da ideia essencial do projeto paisagístico, para recuperar a qualidade estética e espacial das instalações já existentes e comprometidas pelo tempo.

Será necessário executar novas instalações e introduzir recursos técnicos para valorizar formal e espacialmente todo o conjunto edificado, mas também as ruínas, que exercem efeito cênico de impacto,

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

com cerca de 3.000 m2 de terreno ocupado por escombros de concreto e grades retorcidas. Para tanto, vem sendo realizada a limpeza de entulho e a reorganização da vegetação em locais apropriados.

Os canteiros estão sendo estruturados e incluem o tratamento paisagístico de toda a área, inclusive recuperando o entorno dos escombros do antigo presídio; e o isolamento das áreas que porventura possam oferecer risco aos visitantes.

O presente projeto se ateve ao planejamento da arquitetura da paisagem, seleção de espécies e tratamento da vegetação. A viabilização do projeto implica em melhorias e proteção de diversos segmentos do terreno e ruínas de edificações restantes. A valorização como um todo se dá através da eliminação de todas as interferências que prejudicam a leitura da proposta paisagística e da introdução de uma série de detalhes que, no seu conjunto, transmitem ao olhar do observador o impacto da arquitetura e a imagem histórico-cultural do presídio. Isso tudo com rigor botânico suficiente para despertar a curiosidade dos visitantes.

Il. 2 – Esquema da vista geral do Parque Botânico da Ilha Grande antes do projeto. Perspectiva em vista frontal. Encontram-se ressaltadas: em branco as construções em uso; em cinza, as construções em escombros; e em verde os escombros que terão cobertura de vegetação. Estão delineados, porém sem preenchimento, os trechos do Parque em que há escombros aflorando no solo.Fonte: Desenho dos Autores.

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CANTEIROSTEMÁTICOSO Parque Botânico apresenta canteiros temáticos, valorizando a importância histórico-cultural

e a conservação de plantas nativas da Ilha Grande (Il. 3). Importante ressaltar que o Jardim será uma coleção de plantas vivas dinâmica e sua composição de espécies será alterada conforme o incremento da coleção.

Preocupado com a estética, a atratividade e o despertar de emoções em seus visitantes, o projeto paisagístico do Parque Botânico da Ilha Grande estabeleceu, no pátio do antigo presídio, canteiros temáticos, onde será possível identificar plantas de interesse em diferentes períodos de ocupação da Ilha Grande, incluindo o registro dos primeiros habitantes (Jardim dos Sambaquis), dos caiçaras na Ilha Grande (Jardim dos Badjecos), das plantas dos períodos colonial e imperial (Talhão Florestal) e do período carcerário (Talhão Florestal). Além destes canteiros históricos, a proposta para o PaB também contempla um Jardim de Palmeiras, com espécies nativas da Ilha Grande, um Jardim Vertical, com plantas de ambientes de rocha, um Sombral, instalação com plantas herbáceas e nos Escombros do presídio, serão mantidas espécies de samambaias em regeneração natural. À beira das aleias e ao entorno dos canteiros, a vegetação herbácea existente será mantida roçada, mantendo o aspecto de relvado.

Jardim dos Sambaquis*1: canteiro que apresenta espécies de plantas empregadas pelos antigos povos do litoral brasileiro e espécies características do ecossistema em que estes construíram os sambaquis, Restinga.

*1 sambaqui: Palavra originada do tupi (tamba=mariscos e ki=amontoado) que designa os sítios arqueológicos formados por acumulações de restos de conchas, ossos, fogueiras, ferramentas e vestígios mortuários, encontrados no litoral brasileiro (GUIMARAES et al. 2009).

Jardim dos Badjecos*2: canteiro com plantas historicamente empregadas pelos caiçaras*3: da Ilha Grande.

*2 badjecos: Segundo Oliveira (2008) a expressão é utilizada para denominar aqueles que possuem naturalidade e ascendência genealógica na Ilha Grande. No imaginário local, esta terminologia pode ser interpretada diferentemente, ou seja, tanto de forma explicativa, referindo‐se àqueles que nasceram e provêem de famílias oriundas da Ilha Grande, quanto de forma pejorativa quando, por exemplo, os “angrenses” do continente classificam os “ilhéus” da Ilha Grande como “são todos badjecos”.

*3 caiçaras: habitantes tradicionais do litoral das regiões Sudeste e Sul do Brasil, formados a partir da miscigenação entre índios, brancos e negros e que vivem da pesca artesanal, da agricultura, da caça, do extrativismo vegetal e do artesanato.

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

Talhão Florestal: canteiro onde serão mantidas as espécies arbóreas madeireiras identificadas como importantes para a história do Brasil, representadas na flora da Ilha Grande, com destaque para o período carcerário, e períodos do Brasil colônia e império.

Jardim das Palmeiras: canteiro das palmeiras (espécies da família Arecaceae) nativas ocorrentes na Ilha Grande de interesse ornamental e/ou utilizadas nos diferentes períodos de ocupação da Ilha Grande.

Jardim Vertical: também conhecido como parede verde, o jardim vertical é uma intervenção paisagística em paredes externas e/ou internas dos edifícios, que são cobertas por vegetação nativa por meio de técnicas especializadas. No PaB estes jardins serão criados sobre os escombros que possibilitem sua instalação e manutenção.

Sombral: instalação para manter espécies da Ilha Grande que necessitam de ambiente úmido e sombreado naturalmente, com iluminação natural indireta, como por exemplo: algumas espécies de orquídeas, bromélias, aráceas e samambaias nativas da Ilha Grande.

Escombros do presídio: um dos recantos majestosos que o Jardim possui. O talude formado pela implosão do presídio abriga grande quantidade de pteridófitas, onde se destacam as samambaias gigantes (Cyathea sp. - Cyatheaceae), que ocorrem e se propagam naturalmente neste local.

Para manutenção dos canteiros temáticos a infraestrutura básica de apoio para as atividades fins do Parque Botânico, como uma coleção científica de plantas vivas, é composta por Casa de Produção de Mudas, como base de trabalho para a equipe técnica envolvida; Viveiro de Mudas e Casa de Vegetação como locais para germinação e aclimatação das plantas em desenvolvimento inicial; e Composteira, para preparação de adubo. Cabe destacar que essas duas últimas unidades de trabalho ainda não estão instaladas no PaB.

INSTALAÇÕES EXISTENTES Casa de Produção de Mudas: edificação com arquitetura minimalista, neste edifício funcionou

a antiga Lavanderia do Presídio. A Casa de Produção de Mudas é a base de trabalho para a preparação de sementes e mudas, além de despertar na comunidade e visitantes o interesse pela pesquisa e para a botânica, devido ao possível contato direto com a equipe durante o processamento de rotina do material botânico do Parque. Possui também maquinário histórico da época do presídio e um viveiro central com exposição de exemplares de plantas da Ilha Grande.

Viveiro de mudas: área em que são mantidas as plantas em cultivo, para aclimatação antes de sua transferência para plantio nos canteiros do PaB. O Viveiro de mudas dispõe de duas áreas para esta

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finalidade: 1) estrutura construída em estrutura de bambu e coberta por telas de sombreamento, e 2) área de pátio de concreto para “rustificação” das espécies antes do plantio no solo.

INSTALAÇÕES PREVISTASCasa de vegetação: estrutura coberta e abrigada artificialmente com materiais transparentes

para proteção das plantas contra fenômenos metereológicos exteriores, para desenvolvimento das plantas propagadas.

Composteira: instalação própria para o depósito e processamento do material orgânico, resíduos de podas e folhas secas, produzidos nas atividades do Parque Botânico. A compostagem é um processo biológico em que os microrganismos transformam a matéria orgânica, num material semelhante ao solo fértil, denominado composto, utilizado como adubo.

Il. 3 – Projeto paisagístico final do Parque Botânico, planta baixa, com indicação dos canteiros e especifica-ção de plantas que serão empregadas no plantio.Fonte: Acervo dos autores.

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Il. 4 – Esquema da vista geral do Parque Botânico da Ilha Grande antes da implantação do projeto. Perspectiva em vista lateral. Encontram-se ressaltadas: em verde o trecho a ser trabalhado na primeira fase; em roxo, o trecho a ser trabalhado na segunda fase do projeto paisagístico.Fonte Acervo dos autores.

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EXECUÇÃODOPROJETOA execução do projeto está dividida em duas fases, assim propostas para viabilizar a visitação ao

PaB em um menor prazo. Na primeira fase, iniciada em 2015, vem sendo realizado o tratamento paisagístico da porção dos fundos do Parque, incluindo pátio principal; e na segunda fase, será tratada a porção da entrada do Parque e o talhão florestal.

O tratamento paisagístico se inicia pelo melhoramento do solo, pela remoção de entulhos e escombros. Os objetivos das atividades de preparo de solo para o plantio são, principalmente: reduzir a competição ocasionada por espécies invasoras e melhorar as propriedades físicas e químicas do solo.

ESPECIFICAÇÃODAVEGETAÇÃOEm atendimento às normas estabelecidas no Plano Diretor do PEIG (INEA 2013), as espécies

selecionadas para cultivo no Parque Botânico serão exclusivamente as nativas da Ilha Grande, a partir de matrizes para coleta de sementes e propágulos. Para a planta do projeto paisagístico, foram selecionadas as espécies da Tabela 1, por maior facilidade de aquisição no ambiente da Ilha Grande.

Agradecimentos |O presente trabalho é realizado com o apoio do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Agradecimentos ao o Instituto Estadual do Ambiente (INEA), em especial ao Chefe do Parque Estadual da Ilha Grande, Sandro Muniz e à Universidade do Estado do Rio de Janeiro, especialmente aos membros da equipe do Centro Estudos Ambientais Desenvolvimento Sustentável (CEADS), Ecomuseu Ilha Grande e das Sub-reitorias de Extensão e Cultura (SR3) e de Pós- graduação e Pesquisa (SR2).

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Tabela 1.Espécies exemplificadas na planta do projeto paisagístico.

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El edificio se compone de dos volúmenes principales, vinculados por un pasillo puente de dos plantas que a la altura del plano noble; posee dos bajadas simétricas por escaleras de piedra a ambos laterales del espacio abierto exterior. Esta característica es aprovechada por el proyecto de paisaje para promover a partir de allí un eje secundario que vincule al edificio y paisaje con recorridos y funciones hacia todo el exterior envolvente paisajístico al conjunto edilicio. El planteo inicial es lograr una barrera vegetal perimetral que disminuya los ruidos de la circulación vehicular, la velocidad del viento y el polvo del tránsito. Alcanzada esa “interioridad” se diseñaron diferentes jardines para lugares alternativos de permanencia y actividades de la comunidad educativa y del público en general. También la mejora de la confortabilidad bioclimática produjo brisas, humedad y temperaturas más adecuadas al proyectarse una mejor relación mediante árboles en la proporción de sol, sombra y colores en las distintas estaciones del año. La unidad de paisaje es todo el entorno que guarda resolución de la escala con el edificio potenciando así los contenidos educativos y artísticos de la institución. Además de facilitar las actividades culturales exteriores en lugares diferenciados y como parte de un recorrido mayor por la expansión de actividades de enseñanza y extensión cultural a la comunidad.

Jardines, Palacio Servente, Conservatorio de Música, Patrimonio.Resumo

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LOSJARDINESDELPALACIOSERVENTESEDEDELCONSERVATORIOPROVINCIALDEMÚSICAGILARDOGILARDIDELAPLATABUENOSAIRESARGENTINAAlfredoH.Benassi

El Palacio Servente actualmente es sede del Conservatorio de Música Gilardo Gilardi y está ubicado entre las calles 522 y 524 entre 12 y

13 y sobre la Avenida Antártida Argentina que da al distribuidor de tránsito Pedro Benoit. Fue construido en 1934 por una sociedad de beneficencia italiana, y allí funcionó luego un instituto de menores.

Desde el año 2012, declaró al Edificio Servente, como Bien Histórico Arquitectónico incorporado definitivamente al Patrimonio Cultural de la Provincia de Buenos Aires.

Diseñado por el arquitecto Reynaldo Olivieri para las actividades benéficas de la Sociedad Femenil Italiana inaugurado en 1934 como asilo para niños huérfanos hasta diciembre de 1999, año en que fue desafectado por no ajustarse a las condiciones exigidas por la Convención Internacional sobre los Derechos del Niño.

Algunas veces pienso que algún día llegará el Conservatorio a ser como lo soñé: con un magnífico edificio rodeado por

jardines, con una sala de conciertos...Alberto Ginastera, Fundador del Conservatorio GILARDO GILARDI.

Diciembre, 1951

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El Gobierno de la Provincia de Buenos Aires en el año 2002 recupera para el patrimonio provincial y traslada al Conservatorio de Música provincial e impulsa la enseñanza y la difusión de la música, así es que este edificio se convierte en la sede definitiva del Conservatorio de Música Gilardo Gilardi.

En el marco de esa recuperación patrimonial el proyecto paisajista fue encomendado y ejecutado en los años 2002 y 2003, al paisajista Alfredo H. Benassi quien a partir del eje primario del edificio el paisaje articula todo el conjunto y responde al estilo arquitectónico; de clara evocación toscana: de los jardines se contempla al edificio y desde el edificio a los jardines.

Descripción del ProyectoImplantación, Sito y Entorno.

Il. 1 -– Implantación foto aérea 1:5000Fuente: Dirección Provincial de Geodesia, MOP Buenos Aires.

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El predio es una poligonal que se define a partir del edificio interior que marca notablemente un eje primario. La fachada principal tiene una orientación nordeste y dos fachadas laterales que muestran los dos volúmenes del edificio que se vinculan por un puente de doble altura y con bajadas simétricas por escaleras de piedra a ambos espacios libres laterales.

El proyecto de paisaje promueve la generación de un eje secundario que atraviesa virtualmente al puente y expande funciones hacia el exterior de paisaje tanto las funciones programadas de la institución como también para la formación de lugares integrados en un recorrido por jardines.

Preexistían especies vegetales que se han conservado como Eucaliptos, Paraísos, Palmeras, Cipreses, Ceibos, y otras especies vegetales. Se planteó entonces la producción de una barrera vegetal perimetral que disminuya los ruidos de la circulación vehicular y la velocidad del viento con polvo en suspensión. La generación de una “interioridad” y la formación de lugares y la mejora de las condiciones exteriores en cuanto a una mejor proporción de sol y de sombra.

En los jardines se pueden desarrollar contenidos educativos y artísticos de la institución y también facilita las actividades culturales exteriores.

Otra clave del proyecto es el señalamiento de la importancia de los árboles en la construcción de los instrumentos musicales, diseñando el paisaje con las principales especies vegetales que aportan las maderas más prodigiosas de la luthierie.

Los principales componentes paisajísticos son el Patio de invierno o Patio de los Naranjos que por su orientación posee un goce solar pleno desde el mediodía a la tarde, pudiendo estar allí en permanencia exterior los días soleados de invierno con amparo del viento sur por el edificio mismo. Además de confinar las fragancias de primavera por la floración de los naranjos y gardenias.

El patio de verano o el Jardín Azul, remata el eje secundario hacia el rumbo de la tarde noroeste y que se inicia en el mismo Patio de los Naranjos. Cubre a ese Jardín Azul un agrupamiento de cuatro Jacarandaes con sombra y media sombra para los días calurosos.

Opuestamente en el mismo eje y hacia el otro lado del edificio remata el “Patio de los Luthiers” o Jardín Blanco para alojar una Colección de Maderas del Arte Luthier. Se ubica hacia el límite Sudeste del predio para la exposición de obras de arte y maderas de instrumentos como una Xiloteca con piezas que permitan percutir y escuchar el sonido de las diferentes esencias madereras de la colección con piezas sonoras o “la voz de la madera”.Un tercer patio donde se ubica el Mástil de la Bandera Nacional está el Patio de la Música o el Jardín de los Lapachos. Se define así un espacio delantero para actos académicos y conciertos al aire libre, próximo a la entrada principal.

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El principal contenido simbólico del proyecto se asienta en que todo el predio el paisaje se vale del Arboretum de esencias madereras. Maderas que se utilizan para la construcción de los instrumentos musicales; de manera qué, desde los Jardines se observa al Palacio y del Palacio los Jardines. Los Estudiantes aprendiendo tocar su instrumento de música contemplan a los árboles que prodigaron las maderas preciosas para su instrumento y el prodigio de la música que ejecuta.

El recorrido absorbente de losas con trama de césped y bancos brindan un camino, un pulso de descanso y puntos de permanencia en el paisaje.

Il. 2 – Planta general de paisaje, (Modulación en cuadrícula de 3x3m)Fuente: Acervo del Autor

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Il. 3 – Patio-loggia de naranjosFuente: Acervo del Autor

Il. 4 – 2003 primeras etapas de plantaciónFuente: Acervo del Autor

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Il. 5 – Imagen satelital del Conservatorio Superior de Música Gilardo Gilardi.Ubicación geográfica: 34°53’54.85” S 57°59’02.80” OFuente: Google Earth 2016

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PRINCIPALES ESPECIES VEGETALES DEL PROYECTOComponentes y Etapas de Ejecución

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AUTORES

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ALESSANDRA TEIXEIRA DA SILVA | Pós doutoranda da Universidade Federal de Lavras/UFLA e Vice Presidente do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Lavras /MG. [email protected]

ALFREDO H. BENASSI | Doctor de la Universidad Nacional de La Plata, Facultad de Ciencias Agrarias y Forestales. Ingeniero Agrónomo, Especialista en Ciencias del Territorio de la Facultad de Arquitectura y Urbanismo (FAU-UNLP) y Perfeccionamiento de Nivel Superior en Planeamiento Paisajista y Ambiente de la Facultad de Ciencias Agrarias y Forestales UNLP. Profesor del grado universitario en Planeamiento y Diseño del Paisaje. Director y profesor de las Carreras de postgrado de Especialista en Planeamiento Paisajista y Ambiente y de la Maestría en Hábitat Paisajista de la Facultad de Ciencias Agrarias y Forestales de la UNLP. Fundador y Coordinador de la Unidad de Investigación y Desarrollo en Ingeniería de Paisaje UNLP. Profesor Invitado en; Facultad de Arquitectura y Urbanismo UNLP, UNR, Universidad Torcuato Di Tella de desde 2003 Ciudad Autónoma de Buenos Aires en Argentina y Profesor Visitante de la Universidad de Cádiz en España, UNRJ en Brasil y otros.

ANA BARBOSA | FAU/UFJF; Doutora em Arquitetura e Urbanismo - FAU/USP. [email protected]

ANA RITA SÁ C. RIBEIRO | Arquiteta pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutora em Arquitetura pela Oxford Brookes University. Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo, da pós-graduação em Desenvolvimento Urbano e coordenadora do Laboratório da Paisagem da UFPE. Conselheira da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Comité Internacional de Paisagens Culturais. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq nível 1C. Rua Jader de Andrade, 109, apt. 302, Casa Forte, Recife, PE, Brasil, CEP: 52061-060. E-mail: [email protected]

ANA PESSOA | Arquiteta, Mestre em Comunicação e Cultura pela ECO-UFRJ; doutora pela mesma faculdade. A partir de 1996, passou a integrar o quadro de pesquisadores da Casa de Rui Barbosa onde assumiu a diretoria do Centro de Memória e Informação, a partir de 2003 a 2015. É líder o grupos de pesquisa Museu-casa: memória, espaço e representações e Casas senhoriais e seus interiores: estudos luso-brasileiros em arte, memória e patrimônio. [email protected]

ANTONIO COLCHETE FILHO | Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU/UFRJ), Pós-doutorado em Arquitetura pela Universidade Técnica de Lisboa, Portugal (FA/UTL), Professor Doutor, UFJF – PROAC. [email protected]

AMANDA BURGARELLI TEIXEIRA | Graduanda de Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário de Lavras. [email protected]

ARILDA MARIA CARDOSO | Arquiteta Paisagista, co-orientadora ad honorem. [email protected]

CLAUDIA BRACK |Arquiteta e Urbanista, mestre em Arquitetura Paisagística pelo PROURB-FAU/UFRJ, Arquiteta da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Gerente de Paisagismo da Fundação Parques e Jardins. [email protected]

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

CARLA Y’ GUBÁU MANÃO | Bolsista do Programa Treinamento e Capacitação Técnica da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (TCT – FAPERJ). [email protected]

CLARICE RANGEL | Arte educadora e artista, mestranda do PPGARTES - UERJ. [email protected]

CÁTIA HENRIQUES CALLADO | Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Profa. Associada do Departamento de Biologia Vegetal. Graduada e Licenciada em Ciências Biológicas Pela Universidade Santa Úrsula, com Mestrado em Botânica pelo Museu Nacional/UFRJ e Doutorado em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. [email protected]

CRISTIANE MARIA MAGALHÃES | Historiadora. Doutora em História IFCH/UNICAMP (2015). Estágio Doutoral no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (Portugal). Mestre em História Social da Cultura pela Universidade Federal de Minas Gerais - FAFICH/UFMG (2006). Professora do ensino superior. | [email protected]

DANIELE ALVES | Arte educadora e museóloga, PPGARTES - UERJ / FAPERJ. [email protected]

FABIO LIMA | FAU/UFJF; Estágio Pós-Doutoral - IUAV. [email protected]

FERNANDA MATOSO MIRANDA LINS GOUVEIA | Graduanda da Universidade Santa Úrsula, Graduanda da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. [email protected]

FREDERICO BRAIDA | Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Pós-doutorado em Design pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), Professor Doutor, UFJF – PROAC. [email protected]

HELENA CUNHA DE UZEDA | Professora adjunta de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO); Mestre em História e Crítica da Arte / Doutora em Artes Visuais, EBA-UFRJ. [email protected]

INÊS EL-JAICK ANDRADE | Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, Arquiteta e Urbanista do Núcleo de Estudos de Arquitetura e Urbanismo em Saúde do Departamento de Patrimônio Histórico, Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz. [email protected]

Isabela Frade | Educadora e artista, PPGARTES - UERJ / FAPERJ. [email protected]

GUILHERME NOGUEIRA RAGONE | Graduado em arquitetura e urbanismo pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora/MG. Mestrando em Ambiente Construído pela Universidade Federal de Juiz de [email protected]

JOELMIR MARQUES DA SILVA | Biólogo pela Universidade de Pernambuco (UPE). Mestre em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e em Diseño, Planificación y Conservación de Paisajes y Jardines pela Universidad Autónoma Metropolitana (UAM-Azcapotzalco), México. Doutorando em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Pesquisador do Laboratório da Paisagem da UFPE. Bolsista CAPES e CNPq (Doutorado Sanduíche). [email protected]

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JARDINS HISTÓRICOS

JOSEMARY OMENA PASSOS FERRARE | Arquiteta e Urbanista, Profa. Faculdade de Arquitetura e Arbanismo FAU/UFAL. [email protected]

KAROLYNA DE PAULA KOPPKE | Arquiteta e Urbanista, mestranda em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela UFMG. [email protected]

LAURA LEÃO | FAU/UFJF, Acadêmica em Arquitetura e Urbanismo – FAU/UFJF. [email protected]

LUCIA MARIA DE SIQUEIRA CAVALCANTI VERAS |Arquiteta pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutora em Desenvolvimento Urbano pela UFPE. Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo e vice-coordenadora do Laboratório da Paisagem da [email protected]

LUCAS ABRANCHES CRUZ | Graduação em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), Mestre em Ambiente Construído (PROAC/UFJF). [email protected]

LUIZ FERNANDO DUTRA FOLLY | Graduação em Paisagística (EBA/UFRJ), Especialização em História (FSB), Mestrado em Urbanismo (PROURB/FAU-UFRJ). Nova Friburgo Country Clube. Função: Gerente de Patrimônio Histórico. [email protected]

MARCELO DIAS MACHADO VIANNA FILHO | Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Biologia Vegetal Pesquisador Associado de Pós Doutorado PNPD/CNPq, Graduado em Ciências Biológicas/Biologia Vegetal pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com Mestrado e Doutorado em Botânica pelo Museu Nacional/UFRJ e Pós Doutorado pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro. [email protected], www.datainflora.com

MARCELO FRAGA CASTILHORI | Bolsista do Programa Inovação Tecnológica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (INOVA Uerj - Qualitec). [email protected]

MARIA ÂNGELA BARREIROS CARDOSO | Profa. MSc. em Arquitetura e Urbanismo – PPGAU/UFBA, Arquiteta Paisagista. [email protected]

MARIA LUCIA A.M. CARVALHO | Profa. PPG-AU/UFBA, Arquiteta e Urbanista e Dra. em Geografia. [email protected]

MARIA TERESA SILVEIRA | Especialista em História da Arte e Arquitetura no Brasil, PUC-Rio, Mestre em Museologia e Patrimônio, UNIRIO/MAST. [email protected]

MARCUS PAULUS GUIMARÃES PASSOS | Vice-Presidente do Instituto Sustentare. [email protected].

NAYHARA CAMILA ANDRADE | Graduanda de Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário de Lavras. [email protected]

NELSON VENTURIN | Dr. Pesquisador do CNPQ e Prof. Departamento de Ciências Florestais/UFLA. [email protected]

RAQUEL PORTES | FAU/UFJF; Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo – EAU/UFF. [email protected]

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Intervenção e valorização do patrimônio paisagístico

SCHIRLEY FÁTIMA NOGUEIRA DA SILVA CAVALCANTE ALVES | Profa. Dra. Titular de Paisagismo, Unilavras. [email protected]

Tharcila Maria Soares Leão | Arquiteta e Urbanista. Doutoranda pelo Programa de Pós Graduação em Dinâmicas do Espaço Habitado – UFAL. [email protected]

VANESSA CRISTINA MELNIXENCO | Licenciatura em História (FFSD), mestrado em História Social (PPGH-UNIRIO). Instituição de origem: Nova Friburgo Country Clube. Função: historiadora. [email protected]

WILSON DE B. FEITOSA JR.| Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pesquisador do Laboratório da Paisagem, bolsista PIBIC/CNPq. [email protected]