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JAMES KAPLAN Sinatra O Chefão Tradução Denise Bottmann Claudio Carina Paulo Geiger

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ja m e s k a p l a n

SinatraO Chefão

Tradução

Denise BottmannClaudio CarinaPaulo Geiger

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[2015]Todos os direitos desta edição reservados àeditora schwarcz s.a.

Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32

04532-002 — São Paulo — sp

Telefone: (11) 3707-3500

Fax: (11) 3707-3501

www.companhiadasletras.com.brwww.blogdacompanhia.com.br

Copyright © 2015 by James Kaplan

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Título originalSinatra: The Chairman

Projeto gráfico da capaJohn Fontana

Imagem da capa© Ted Allan/ mptvimages.com

Imagem da quarta capaJohn Dominis/ Time & Life Pictures/ Getty Images

Imagem da lombadaMondadori/ Getty Images

PreparaçãoCacilda Guerra

Índice remissivoLuciano Marchiori

RevisãoIsabel Jorge CuryAngela das NevesJane Pessoa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Kaplan, James Sinatra: o Chefão/ James Kaplan — 1ª- ed. — São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

Título original: Sinatra: The Chairman. Vários tradutores. isbn 978-85-359-2663-7

1. Cantores – Estados Unidos – Biografia 2. Sinatra, Frank, 1915-1998 i. Título.

15-09324 cdd-782.42164092

Índice para catálogo sistemático:1. Cantores norte-americanos: Vida e obra 782.42164092

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Sumário

Primeiro ato — O furacão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Segundo ato — O Chefão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227

Terceiro ato — Midas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 639

Quarto ato — Fúrias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 807

Quinto ato — O último show . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 949

Coda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1030

Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1075

Créditos das imagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1080

Notas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1082

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1154

Índice remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1162

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p r i m e i r o at o

O furacão

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13

1.

Dez dias depois de ganhar o Oscar por A um passo da eternidade, Frank Sina-tra se sentou e datilografou um bilhete para um amigo, sem dúvida em resposta a um telegrama ou carta de congratulações. O bilhete, em papel da Paramount Pictures e no estilo habitual de Frank, impaciente demais para apertar a tecla de maiúscula, começava assim:

5 de abril de 1954

caro lew…

meu paisà o sr. sinatra ainda está no sétimo céu e o danado não quer descer […].

Esse danado — o “sr. sinatra” —, de tão emocionado, continuava o bilhete (ainda todo em minúsculas, ainda na terceira pessoa), estava sendo ridículo. E en-tão, depois do agradecimento final ao destinatário, vinha a assinatura: “maggio”.

É uma graça essa carta, e fascinante.* Sinatra sempre empregou secretários

* E ainda mais fascinante pelo mistério de quem era o destinatário. Kitty Kelley afirma (His Way, p. 526) que o bilhete dizia “Caro Leland” e era dirigido ao produtor Leland Hayward. Diz ela que a

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que respondiam à sua volumosa correspondência, muitas vezes assinando com seu nome. Mas, de tempos em tempos, quando sentia vontade, Sinatra escrevia ou datilografava as suas próprias missivas, e as cartas são ele, mostrando o inte-lecto incansável, o senso de humor (sempre mais espontâneo em circunstâncias pessoais do que no palco) e mesmo uma sensibilidade literária. E por que não? Como grande cantor, era um grande narrador; por que tal habilidade iria se anular longe de um microfone? Ele escreve o bilhete encarnando o personagem do soldado Angelo Maggio, papel que lhe valeu o Oscar, e o tom é perfeito: “o danado não quer”; “está tão emocionado […] é ridículo”. Desde o instante em que pegou pela primeira vez o romance de enorme sucesso de James Jones, Sina-tra se identificou totalmente com Maggio, o recruta macambúzio do Brooklyn que fala numa espécie de damon-runyonês. Ele tinha se empenhado a fundo para conseguir o papel, enviando uma enxurrada de telegramas para o pessoal de cinema — Harry Cohn, presidente da Columbia Pictures, o produtor Buddy Adler, o diretor Fred Zinnemann, o roteirista Daniel Taradash —, anunciando--se como o ator perfeito para o personagem, e assinara todos os telegramas da mesma forma como assinou esse bilhete: “Maggio”.

Frank Sinatra havia se identificado tanto com o personagem não só porque Angelo Maggio era um ítalo-americano magrelo e malandro do Brooklyn — como sua Hoboken natal, perto de Manhattan em termos geográficos, mas, oh, tão lon-ge —, mas também porque Maggio era um dos infelizes do mundo, um fulaninho que bebia para afogar as mágoas e criticava o poder fazendo piadas. Quando Sina-tra leu A um passo da eternidade pela primeira vez, no começo de 1951, ele próprio se sentia bastante infeliz. Seus discos não vendiam mais; problemas vocais e financei-ros o atormentavam; estava com o pessoal da Receita na sua cola. Ficara com uma péssima imagem e fora crucificado nos jornais de todo o país quando abandonou

carta “está arquivada na coleção de correspondência no Centro de Pesquisas de Artes Cênicas, na Biblioteca Pública de Nova York”. Uma busca na correspondência de Hayward, na biblioteca, não localizou tal item. Numa cópia escaneada fornecida por um arquivista de Sinatra, o bilhete parece ser autêntico e diz claramente “caro lew”. Mas qual Lew? Talvez o diretor de cinema Lewis Allen, com quem Sinatra trabalhou por um curto período, ou o diretor Lewis Milestone, que alguns anos depois dirigiria nominalmente o filme Onze homens e um segredo, mas com quase toda a certeza não Lew Wasserman, dirigente da Music Corporation of America (mca), cujo agente não teve a menor cerimônia em dispensar Frank como cliente, então numa fase de maré baixa, em 1951, e a quem o cantor passou décadas sem perdoar.

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a mulher e três filhos por causa de Ava Gardner. A Metro-Goldwyn-Mayer (mgm) extinguira seu contrato pouco tempo antes, e em breve a Columbia Records e seu agente profissional, a Music Corporation of America, iriam dispensá-lo também.

“Ele acabou, morreu”, declarou o agente Irving “Swifty” Lazar em 1952. “Nem Jesus conseguiria ressuscitar nesta cidade.”1 Jesus talvez não, mas Frank Sinatra, sim. Literalmente da noite para o dia — depois da cerimônia de entrega do Oscar, em 25 de março de 1954 —, Sinatra deu a maior volta por cima de toda a história do show business. E isso tudo em Hollywood, um mundo empresa-rial de um darwinismo implacável que espezinha os derrotados, mas tem um enorme apreço por finais felizes. O Oscar deixou claro que Frank também era um artista que voltava a ser viável para as gravadoras, com um novo contrato na Capitol Records, onde ele e um jovem arranjador muito talentoso, chamado Nelson Riddle, haviam começado a criar a sucessão de gravações inovadoras que iriam revolucionar a música popular nos anos 1950.

E de repente, naquela primavera, sem o menor traço de constrangimento por sua volubilidade, toda a indústria de entretenimento começou a se jogar aos pés de Sinatra. “O mundo inteiro está mudando para Frank Sinatra”, escreveu Louella Parsons em sua coluna de 19 de abril distribuída para as agências de notícias. “Hoje, são tantas as propostas de trabalho que ele pode escolher a que quiser.”2

Parsons se referia a filmes, mas a televisão, o rádio e as boates também estavam ligando. Entre as possibilidades oferecidas a Sinatra no cinema: o papel de coadjuvante ao lado do jovem e sedutor Robert Mitchum no melodrama médico Não serás um estranho; o segundo papel em Corações enamorados, uma refilmagem da Warner Brothers de Quatro filhas, filme que fora o trampolim de John Garfield para a fama; um papel coestrelando ao lado de Marilyn Monroe no musical Pink Tights, da Twentieth Century Fox, embora a atriz logo tenha desistido quando soube que os valores que o estúdio estava oferecendo a Sinatra eram muito mais altos que os dela. E, vejam só, a mgm — da qual Louis B. Mayer em pessoa demitira Sinatra em 1950, depois que o astro fez uma piada sem mui-to tato sobre a amante do chefe* (e onde agora o próprio Mayer já fazia parte

* Cerca de dois meses antes, depois de uma queda do cavalo, o chefe aparecera no trabalho numa cadeira de rodas, com a perna engessada. Sinatra estava almoçando com alguns colegas no refeitó-rio da mgm quando alguém disse: “Ei, vocês ouviram falar do acidente do L. B.?”. Frank respondeu na lata: “Pois é, ele caiu da Ginny Simms”.

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da história) — queria Sinatra de volta, para o comentadíssimo St. Louis Woman, junto com Ava Gardner.

Essa era uma coisa muito problemática por várias razões. Para começar, Gardner ficara ofendida quando a Metro usou a voz de uma cantora profissio-nal para dublá-la em O barco das ilusões e decidiu que nunca mais faria outro musical. Além disso, ela passara a nutrir um ódio visceral por Hollywood. Es-tava exilada, morando na Espanha com Luis Miguel Dominguín, o talentoso, carismático, belo e trigueiro toureiro cuja rivalidade com o cunhado Antonio Ordóñez inspiraria mais tarde O verão perigoso, longo ensaio de Hemingway para a revista Life. O mais importante, porém, era que ela estava prestes a pedir a Frank o divórcio.

Embora a Hollywood de 1954 tivesse algumas semelhanças com a capital do entretenimento nos dias de hoje, era de modo geral uma cidade mais rústica e modorrenta. Não mais virtuosa, de maneira nenhuma, mas de laços mais estrei-tos. Os estúdios ainda dominavam; seus departamentos de publicidade controla-vam o acesso aos artistas e as informações sobre eles, mesmo quando se tratava de assuntos de polícia. Existia um certo código de conduta para a imprensa e outros curiosos em relação às celebridades.

Hoje, por exemplo, é impossível imaginar qualquer artista importante mo-rando no apartamento de um prédio ajardinado, como morou Sinatra na prima-vera daquele ano, ainda que fosse um apê de solteiro luxuoso como era o dele, de cinco cômodos, num edifício de tijolos vermelhos na esquina do Wilshire Boulevard com Beverly Glen. Uma década antes, ao chegar a Hollywood, ele se instalara numa mansão cor-de-rosa em Toluca Lake. Era um sinal de que a sorte mudara, mas também de maturidade (para não falar da mudança dos tempos), que agora Sinatra não precisasse mais fugir das hordas de mocinhas adolescentes e, aliás, de horda nenhuma. Na primavera de 1954, aproximava-se dos 39 anos — esbelto, com início de calvície, mas não acomodado, de modo algum (sua enorme vaidade e seu hedonismo a toda prova o protegeriam por muito tempo desse destino), mas amadurecido, à sua maneira pessoal. A voz firme de barítono nas gravações da Capitol, carregada de triste experiência — ou, nas músicas mais rápidas, de arrogante autoridade —, era radicalmente diferente da terna Voz que acalentara os Estados Unidos durante a guerra.

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Mas o segredo era que ele ainda queria mais. (Sempre iria querer mais, mes-mo depois de ganhar tudo o que o mundo tinha a oferecer.) Passara o último Natal e o Ano-Novo em Roma, onde Gardner estava filmando A condessa descal-ça, de Joseph Mankiewicz, tentando desesperadamente segurá-la, até quando ela se esquivava, já apaixonada pelo toureiro. Ava também amava Frank — sempre amaria —, mas a paixão diminuíra, em boa parte drenada pela brusca queda que ele sofrera na carreira, e que coincidira com a ascensão da atriz ao estrelato. As parcas reservas de paciência e compreensão de Frank haviam se esgotado. Sem que ela soubesse e pouco antes que fosse para a Europa, no mês de novembro, ele tentou se matar, cortando o pulso esquerdo no apartamento do compositor Jimmy van Heusen, seu grande amigo, em Nova York: teria sangrado até a mor-te se Van Heusen não tivesse voltado e o encontrado.

E Ava percebia o desespero dele, coisa que odiava mesmo que o amasse. Ela era displicente, impaciente, entediava-se fácil e estava apaixonada por outro.

Os colunistas de fofocas (que Sinatra lia com a mesma atenção dos fãs) cria-ram uma doce fantasia: Gardner viria à cerimônia do Oscar naquele mês de mar-ço — ela própria estava concorrendo como melhor atriz, em Mogambo —, e o casal se reconciliaria. Mas ela ficou com o amante na Espanha.

Se Frank chegou a alimentar alguma fantasia de que o retorno à fama lhe traria Ava de volta, sofreu uma grande decepção.

“Uma noite, fomos à casa de Frank para um jantar”, lembra a letrista e ro-teirista Betty Comden, “e vimos que um dos aposentos estava cheio de fotos de Ava, com velas acesas ao redor. Parecia o altar de uma capela.”3

Mas em outra noite, afirma Lee Server, biógrafo de Gardner, Swifty Lazar, que morava no mesmo prédio de Sinatra, chegou tarde em casa e viu que a porta de Frank estava aberta.

Perguntando-se se havia algum problema, ele enfiou a cabeça pela porta e viu Si-

natra sozinho, visivelmente bêbado, afundado numa poltrona, com uma arma na

mão. Lazar entrou com muito cuidado e viu que Sinatra apontava a arma — de

ar comprimido, soube-se depois — para três grandes retratos de Ava que estavam

escorados no chão. O rosto dela, nas três imagens, estava cheio de buracos de bala,

onde Sinatra atirara — durante a noite inteira, pelo jeito.4

Se Gardner foi a Dalila para o Sansão de Frank no tempo em que estiveram juntos, ela seria sua musa por vários anos após a separação — mais especificamente,

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os grandes anos da Capitol. Como disse Nelson Riddle, em sua famosa frase, “Ava o ensinou a cantar músicas de dor de cotovelo”. Em 13 de maio de 1954, Sinatra — com Riddle regendo uma orquestra de 29 integrantes — gravou três canções que podiam ser diretamente destinadas à esposa inconstante: “The Gal That Got Way”, “Half as Lovely (Twice as True)” e “It Worries Me”. Nesta última, ele cantava:

Just what did I do — was I mean to you?*

Tomada em termos autobiográficos (o que deve ser, em certa medida), a le-tra pode parecer hipócrita — é claro que ele foi não só ruim como bruto com ela, e ela com ele, em inúmeras ocasiões. Mas, para o ouvinte, os versos, cantados com delicada ternura, são de derreter o coração. Com efeito, em sua nova fase na meia-idade, Frank era o mesmíssimo cantor de baladas que o Frankie dos anos na Columbia tinha sido — para dizer o mínimo. Agora vivera mais, sofrera mais.

Em 12 de junho de 1954, Ava Gardner chegou ao lago Tahoe para cumprir as seis semanas de residência em Nevada exigidas para o processo de divórcio. Las Vegas, onde ela ficara quando se separou do primeiro marido, Mickey Roo-ney, estava fora de cogitação — Frank estava lá, apresentando-se no Sands, e na época Las Vegas era um lugar pequeno. (E, o que é muito curioso, tanto Rooney quanto Artie Shaw, o segundo marido de Gardner, também estavam se apresen-tando em cassinos ao longo da Strip:** uma constelação de ex.)

Ava e sua empregada Reenie Jordan ficaram numa casa de frente para o lago, oferecida por seu inveterado galanteador, o magnata da aviação e do petró-leo epicamente excêntrico e estratosfericamente rico Howard Hughes. Hughes, um controlador maníaco à enésima potência, mestre paranoico da intriga, sobre-tudo em questões amorosas, tinha o hábito de instalar as namoradas — as atuais e as possíveis futuras — em casas alugadas, às vezes bem próximas uma da outra, para fiscalizar melhor suas idas e vindas. Fazia anos que tentava fisgar Gardner, para a cama ou para o altar, sem sucesso. Inundava-a de presentes caríssimos, joias, casacos de pele, carros conversíveis: ela aceitava e ria na cara dele.

* O que foi que eu fiz — fui ruim com você? (N. T.)** Parte do Las Vegas Boulevard onde fica a maioria dos hotéis e cassinos. (N. T.)

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Agora ele sentia uma brecha. O casamento de Ava estava no fim, talvez ela precisasse de um ombro para chorar. Mas Hughes, que não tinha a menor sensi-bilidade para captar os desejos alheios, precisava de dados para dar andamento a seus planos. Mandou grampear a casa e contratou um investigador caríssimo de Washington, dc, chamado Robert Maheu, para vigiar a área durante a perma-nência da atriz.

Muito compreensivelmente, Maheu — cuja especialidade eram serviços si-gilosos de alto nível (mais tarde, ele iria se envolver a fundo num complô respal-dado pela cia para assassinar Fidel Castro) — não se animou a fazer uma longa viagem só por causa de um mero caso de namorado ciumento. Ele subcontratou um detetive particular local, que logo apurou que o rival de Hughes era aquele que em breve seria o persistente ex de Ava.

Frank apareceu numa tarde daquele verão na casa de Tahoe, decerto pen-sando em reconciliação, e conseguiu convencer Ava a irem passear de barco. Imprudente, o detetive local decidiu segui-los em outro barco. Sinatra logo o viu e saiu em perseguição furiosa atrás dele; a duras penas, o detetive voltou à margem e se embrenhou na mata. Tendo assim se estragado qualquer clima de romantismo, Frank deixou Tahoe sem dobrar Ava.5

História romântica: primeiro como tragédia, depois como farsa.No final de julho, Ava não compareceu ao tribunal na data marcada para o

divórcio. Ela pedira que Frank devolvesse as quantias nada insignificantes que lhe emprestara na fase crítica; ele se zangara com o pedido.6 Ficaram num impasse: ainda casados legalmente, mas separados. Ele nunca chegou a esquecê-la, tam-pouco ela algum dia chegou de fato a esquecê-lo.

E, no entanto — segundo todas as aparências, ao menos —, o danado estava no sétimo céu e não queria descer. Se o Sinatra das madrugadas se sentia ator-mentado pelo abandono de Ava, o Sinatra diurno parecia ter deixado para trás todas as dúvidas e reflexões que o perseguiram durante boa parte do início dos anos 1950. Agora, como um rei voltando do exílio, avaliou a situação e viu que estava tudo bem. Entrou num frenesi de atividades pessoais e profissionais que iria manter quase inalterado pelos doze anos seguintes.

Além de ganhar o Oscar em 1954, Frank teve seu maior sucesso musical em oito anos, “Young at Heart”, do filme Corações enamorados.7 Naquele ano,

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entrou dezenove vezes no estúdio de gravação e fez 37 faixas. Rodou três filmes. Fez duas rodadas de apresentações, de quinze dias cada, no Sands, em junho e novembro, e se apresentou durante três semanas no Copacabana na época do Natal e do Ano-Novo. Fez uma breve incursão pela tv, veículo ainda novo, com apenas quatro aparições (uma delas, a transmissão da cerimônia do Oscar), mas tinha presença constante no rádio: havia To Be Perfectly Frank, seu programa de quinze minutos que ia ao ar duas vezes por semana; Rocky Fortune, a série sema-nal de detetive levemente cômica (logo ele se cansou do programa, resquício não muito digno de seus dias difíceis, e encerrou a série em março); e mais tarde, no mesmo ano, uma série para a Bobbi Home Permanents, chamada The Frank Sinatra Show.

Frank também se empenhou muito em esquecer Ava. Era praticamente um rapazola quando se casara com Nancy Barbato, em 1939, e, mesmo que possa ter se comportado como solteiro nos doze anos do primeiro casamento, fazia tempo que não dispunha de tanta liberdade. Em 1954, ele teve ligações românticas com, entre outras, a atriz francesa Gaby Bruyère, a atriz sueca Anita Ekberg e as atrizes americanas Joan Tyler, Norma Eberhardt, Havis Davenport e (talvez) Marilyn Monroe. Também esteve em companhia da cantora Jill Corey e da herdeira aspi-rante a atriz Gloria Vanderbilt. É provável que tenha havido muitas outras. Mas, em termos mais problemáticos, ele também parece ter iniciado naquela prima-vera uma relação com Natalie Wood, que não completara sequer dezesseis anos.

Wood, cujo início de carreira era administrado pela férrea mão materna de Maria Gurdin (Natalie a chamava de “Mud”, de “mudda”; o pai alcoólatra e imprestável mal teve presença em sua vida), tornara-se uma estrela infantil re-conhecida aos oito anos, em De ilusão também se vive, de 1947. Mas agora estava num período complicado, buscando a transição para papéis adultos antes de atin-gir a maioridade, tentando parecer mais velha com maquiagem pesada e seios postiços. Aos quinze anos, era miúda feito um passarinho — mal chegava a 1,50 metro e era muito franzina —, mas, apesar da pouca idade e da baixa estatura, tinha uma presença fenomenal, com enormes olhos escuros cheios de emoção e uma inteligência ágil e intuitiva. Com a escassez de papéis para adolescentes no cinema, Natalie marcava passo num seriado cômico da abc chamado The Pride of the Family, e odiava cada minuto desse trabalho. Em maio, porém, ela foi escalada para O cálice sagrado, épico da Warner Brothers cuja ação se passava na Antiguida-de (no qual Paul Newman, para sua eterna vergonha, estreou nas telas vestindo

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uma toga sumária). Wood fazia uma ponta, mas, segundo sua biógrafa, Suzanne Finstad, “Mud estava maquinando uma forma de melhorar aquela posição”.8

As duas passaram o mês de maio entrando e saindo da Warner, Natalie provando

suas roupas gregas […]. Um dia, quando estavam no refeitório, Frank Sinatra en-

trou, preparando-se para seu próximo filme, Corações enamorados. Sinatra abordou

Natalie, ou foi sua mãe que mandou que ela fosse se apresentar a ele […]. Sinatra

se encantou com Natalie e achou graça em Maria, convidando-as para uma festa

na casa dele. Mud aceitou sem pestanejar, depois cochichou à filha que a deixaria

ir sozinha, insistindo que se aproximasse de Sinatra, “porque ia ser bom para a

carreira dela”.

Juventude e beleza — masculinas e femininas — sempre foram boas mercadorias em Hollywood, que tem uma longa história de mães de artistas infantis que, no fundo, agem como cafetinas das filhas menores de idade para que estas lucrem e avancem na carreira. E assim, por insistência da mãe, Natalie foi à festa, sozinha. Lá, conta Finstad, ela

consumiu uma grande quantidade de vinho […] e durante a noite contou a Sina-

tra sobre “Clyde”, nome que Bobby [Hyatt, adolescente com quem trabalhava em

Pride of the Family] tinha inventado para o pênis, para enganar a mãe dela. Sinatra

achou tanta graça que ele e seus amigos […] incorporaram “Clyde” a seu repertó-

rio de gírias modernas.*9

Só Deus sabe o que aconteceu naquela festa. Mas Frank parece ter se sen-tido afetado pela jovem atriz, que tinha capacidades precoces de compreensão e empatia. (Para não citar sua visível carência de uma figura paterna.) Talvez ele tenha contado seus problemas a ela. Seja como for, Wood frequentou o aparta-mento de Frank naqueles meses de maio e junho, e seus amigos íntimos da época tinham certeza de que os dois estavam tendo um caso. Mas, por mais improvável que essa ligação possa ser, Wood não teria se resumido a uma mera conquista,

* Se for verdade, isso lança uma luz lateral interessante, visto que “clyde”, no linguajar do Rat Pack, veio a ser uma espécie de código geral com uma infinidade de sentidos, dependendo do contexto, como em “Não gosto da clyde [voz] dela” — ao passo que “bird” significava apenas uma coisa: pênis.

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no que se refere a Frank. Ele estava em plena meia-idade, saudoso, com quase toda a certeza, dos tempos em que fazia desmaiar todas aquelas mocinhas. Sem dúvida, em algum nível Natalie Wood o fazia lembrar daquelas garotas que o idolatravam.

Além disso, ele estava sofrendo, e a vivacidade e a presença acrítica de uma mocinha fascinante e encantadora devem ter sido um bálsamo para sua alma, mesmo que a ligação fosse, de forma consciente ou não, um veneno para a alma de Natalie. Formou-se entre eles um laço emocional complicado, que se mante-ria enquanto Frank e Natalie continuassem amigos e, de vez em quando, aman-tes, até a morte dela, em 1981, aos 43 anos.

Todavia, a ligação emocional mais importante na vida de Frank Sinatra na primavera de 1954 foi a que se desenvolveu com Nelson Riddle, seu novo e extraordinariamente talentoso arranjador na Capitol Records. Os dois tinham visto juntos o novo filão na primavera anterior, depois que Alan Livingston, vi-ce-presidente e diretor de criação da Capitol, sentindo que Sinatra precisava de um tipo novo de som que Axel Stordahl, o arranjador anterior, não era capaz de proporcionar, agiu com esperteza ao colocar Riddle como maestro substituto. Sinatra não fazia ideia de quem era Riddle antes da primeira sessão de gravação, mas, no momento em que ouviu o playback de “I’ve Got the World on a String”, em arranjo de Riddle, percebeu que essa era uma transformação em sua vida tão irreversível quanto a que ocorrera na primeira vez em que pôs os olhos em Ava Gardner. Esse foi o grande raio que o fulminou, em termos musicais.

“I’ve Got the World on a String” foi lançado apenas como compacto sim-ples. O primeiro álbum de Frank para a Capitol, Songs for Young Lovers, lançado em janeiro de 1954, continha apenas uma faixa orquestrada por Riddle, “Like Someone in Love”. O segundo álbum da Capitol, Swing Easy!, gravado em abril, foi uma história muito diferente.

Swing Easy! era o Sinatra maduro em todos os aspectos: ganhara o Oscar e cruzara a linha de sombra; agora podia de fato swing easy, gingar gostoso. E Nel-son Riddle era o gênio que o levaria aonde ele queria ir. Young Lovers era muito bonito, mas, como quase todos os seus arranjos tinham sido feitos em ritmo ace-lerado por George Siravo, o velho homem de confiança de Frank, era no fundo um álbum conservador: a coisa que mais se destacava nele era a voz do cantor.

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jose.rodrigues
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