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1 JAMES FERGUSON: O MENINO PASTOR DE OVELHAS QUE SE TRANSFORMOU NUM DOS MAIS RECONHECIDOS DIVULGADORES DA FILOSOFIA NATURAL E EXPERIMENTAL NEWTONIANA, NA INGLATERRA DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII. Luiz Carlos Soares (UFF) A trajetória pessoal e profissional de James Ferguson, nascido em 1710, no pequeno povoado de Keith, no condado de Banffshire (no Norte da Escócia), é realmente particularíssima se comparada às trajetórias dos muitos professores independentes e/ou itinerantes de Filosofia Natural e Experimental que atuaram na Inglaterra, no decorrer do século XVIII. Ferguson foi realmente o caso único de um profissional deste amplo campo de conhecimento que não apenas teve pouquíssima escolaridade e um aprendizado como autodidata, como também sua origem social estava vinculada aos segmentos mais pobres da sociedade rural escocesa. Uma primeira fonte para conhecermos um pouco da trajetória de vida de Ferguson é o texto de sua autoria intitulado “A short account of the life of the author”, que era uma espécie de introdução ao seu livro Select mechanical exercises: shewing how to construct different clocks, orreries, and sun-dials; on plain and easy principles, que foi publicado em Londres, em 1773. O objetivo de Ferguson, neste breve relato de sua vida, era refutar “algumas informações falsas e certamente improváveis relacionadas [a ele]”, que circulavam em Londres e em outras cidades, “ao invés de contestá-las uma por uma”, fornecendo uma narrativa “fidedigna e circunstanciada” de “todos [os seus] procedimentos desde [a sua] obscura origem até o tempo presente”. 1 Na realidade, a narrativa de Ferguson é mais detalhada até a sua chegada a Londres em 1743, mencionando alguns poucos acontecimentos posteriores relacionados a sua vida na capital inglesa. Foram estas lacunas que levaram Ebenezer Henderson a desenvolver um monumental estudo, em meados do século XIX, para traçar a trajetória da vida de Ferguson, maravilhado com a ideia de um menino de família pobre do interior rural da Escócia, que começou a sua vida de trabalho como pastor de ovelhas e se transformou num renomado autor, “astrônomo” e professor de Filosofia Natural e Experimental na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII. Em 1867, 1 James FERGUSON “A short account of the life of the author”, em Select mechanical exercises: shewing how to construct different clocks, orreries, and sun-dials; on plain and easy principles. Londres, W. Strahan & T. Cadell, 1873, pp. i-ii.

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Page 1: JAMES FERGUSON: O MENINO PASTOR DE …...1 James FERGUSON – “A short account of the life of the author”, em Select mechanical exercises: shewing how to construct different clocks,

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JAMES FERGUSON: O MENINO PASTOR DE OVELHAS QUE SE TRANSFORMOU

NUM DOS MAIS RECONHECIDOS DIVULGADORES DA FILOSOFIA NATURAL E

EXPERIMENTAL NEWTONIANA, NA INGLATERRA DA SEGUNDA METADE DO

SÉCULO XVIII.

Luiz Carlos Soares (UFF)

A trajetória pessoal e profissional de James Ferguson, nascido em 1710, no pequeno

povoado de Keith, no condado de Banffshire (no Norte da Escócia), é realmente particularíssima

se comparada às trajetórias dos muitos professores independentes e/ou itinerantes de Filosofia

Natural e Experimental que atuaram na Inglaterra, no decorrer do século XVIII. Ferguson foi

realmente o caso único de um profissional deste amplo campo de conhecimento que não apenas

teve pouquíssima escolaridade e um aprendizado como autodidata, como também sua origem

social estava vinculada aos segmentos mais pobres da sociedade rural escocesa.

Uma primeira fonte para conhecermos um pouco da trajetória de vida de Ferguson é o

texto de sua autoria intitulado “A short account of the life of the author”, que era uma espécie de

introdução ao seu livro Select mechanical exercises: shewing how to construct different clocks,

orreries, and sun-dials; on plain and easy principles, que foi publicado em Londres, em 1773. O

objetivo de Ferguson, neste breve relato de sua vida, era refutar “algumas informações falsas e

certamente improváveis relacionadas [a ele]”, que circulavam em Londres e em outras cidades,

“ao invés de contestá-las uma por uma”, fornecendo uma narrativa “fidedigna e circunstanciada”

de “todos [os seus] procedimentos desde [a sua] obscura origem até o tempo presente”.1

Na realidade, a narrativa de Ferguson é mais detalhada até a sua chegada a Londres em

1743, mencionando alguns poucos acontecimentos posteriores relacionados a sua vida na capital

inglesa. Foram estas lacunas que levaram Ebenezer Henderson a desenvolver um monumental

estudo, em meados do século XIX, para traçar a trajetória da vida de Ferguson, maravilhado com

a ideia de um menino de família pobre do interior rural da Escócia, que começou a sua vida de

trabalho como pastor de ovelhas e se transformou num renomado autor, “astrônomo” e professor

de Filosofia Natural e Experimental na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII. Em 1867,

1 James FERGUSON – “A short account of the life of the author”, em Select mechanical exercises: shewing

how to construct different clocks, orreries, and sun-dials; on plain and easy principles. Londres, W. Strahan

& T. Cadell, 1873, pp. i-ii.

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Henderson publicou o seu volumoso estudo biográfico, Life of James Ferguson, FRS, in a brief

autobiographical account and further extended memoir, que foi resultado de quase quatro décadas

de pesquisa e se transformou, durante muito tempo, na principal fonte de informação sobre a vida

e a trajetória intelectual deste personagem.2

Contudo, mais recentemente, o grande historiador da Ciência e da Tecnologia, John R.

Millburn nos brindou com um novo estudo em que procurou não apenas apresentar os eventos da

vida de James Ferguson, principalmente depois que ele chegou a Londres, como também analisar,

com profundidade, a sua trajetória intelectual e profissional. Em seu expressivo livro, Wheelwright

of the heavens. The life & work of James Ferguson, FRS, Millburn destacou diversos aspectos do

trabalho de Ferguson como “astrônomo”, professor independente e itinerante de Filosofia Natural

e Experimental, construtor de instrumentos científicos e modelos de máquinas e autor de diversos

livros, manuais e libretos neste campo de conhecimento, que o transformaram num dos maiores

“popularizadores da ciência”, no século XVIII inglês e britânico em geral. É importante salientar

que, em seu estudo, Millburn teve a colaboração de Henry C. King, grande especialista em História

da Astronomia e História dos Instrumentos Científicos.3

Não resta a menor dúvida de que o monumental livro de Henderson se constituiu na

base para o estudo de Millburn e King, mas este último – com suas novas abordagens, suas

consultas em fontes diversificadas e desconhecidas para aquele estudioso precursor e suas novas

metodologias de exploração destas fontes – tornou-se uma obra referencial para os Historiadores

da Ciência e da Tecnologia do nosso tempo. De modo geral, Millburn e King dividem a vida de

Ferguson em dois períodos de 33 anos, antes e depois da sua partida da Escócia “para tentar a sorte

na Inglaterra”, que é a exata linha divisória desses dois períodos, constituindo-se, todavia, a

segunda parte dessa história no centro do estudo e da análise dos autores. Por isso, preferimos nos

apoiar muito mais no estudo de Millburn e King para falarmos dos aspectos da vida de Ferguson

após a sua chegada a Londres, em maio de 1743 (com 33 anos), e também da sua trajetória

profissional, sobretudo como professor independente e itinerante e autor de livros e manuais de

Astronomia e Filosofia Natural e Experimental. Ainda segundo Millburn e King, a trajetória de

Ferguson em Londres foi “certamente uma estória de sucesso, mas também com toques de

2 Ebenezer HENDERSON – Life of James Ferguson, FRS, in a brief autobiographical account and further

extended memoir. Edimburgo – Londres – Glasgow, A. Fullarton & Co., 1867. 3 John R. MILLBURN, em colaboração com Henry C. KING – Wheelwright of the heavens. The life &

work of James Ferguson, FRS. Londres, Vade-Mecum Press, 1988.

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infortúnios” que abalaram a sua vida pessoal. Infelizmente, não teremos espaço e condições para

apresentar uma descrição detalhada da vida pessoal e familiar de Ferguson neste trabalho.4

Segundo Millburn e King, durante muito tempo de sua vida em Londres, Ferguson

obteve “uma parte substancial de seus rendimentos” na atividade de fazer retratos de pessoas em

miniatura, com tinta chinesa ou nanquim, combinando esta atividade com outros empreendimentos

por ele tentados, como veremos mais adiante. Ferguson abandonou esta atividade somente em

1760, podendo ser considerado, segundo aqueles dois autores, não apenas um bom pintor (limner)

ou desenhista, como também um profissional que sabia se portar na intimidade do lar de famílias

ricas ou aristocráticas e se movimentar na “sociedade polida”, aprendizado este que, certamente,

ele obteve durante os anos em que frequentou as casas de seus patronos escoceses mais refinados.

Estes eram dois elementos seguros que lhe podiam abrir portas e garantir “um fluxo contínuo de

comissões por seus retratos”.5

Apesar de enfrentar dificuldades, Ferguson foi se firmando na capital inglesa,

diversificando aos poucos suas atividades e construindo um círculo de conhecimentos e amizades

que lhe permitiram, mais tarde, enfrentar novos desafios para garantir a sobrevivência e o bem

estar da sua família. Sua primeira residência em Londres, com a esposa Isabella, foi certamente na

área do Soho ou Saint Martin’s Lane (que ficavam na cidade contígua de Westminster), onde ele

teria condições de encontrar uma habitação mais barata e modesta, que, ao mesmo tempo, estaria

próxima das áreas em que viviam os segmentos de maior poder aquisitivo e seus potenciais

clientes. Provavelmente, foi nesta habitação que nasceu a sua filha mais velha, Agnes, em 29 de

agosto de 1745.6

Por volta de 1745, Ferguson também estava se dedicando à construção de instrumentos

científicos, inclusive anunciando-os em jornais londrinos, mas tudo leva a crer que esta produção

era de pequena escala e se resumia basicamente a modelos de demonstração como ele já fazia

ainda na Escócia. Neste mesmo ano, Ferguson desenhou e publicou em chapa de cobre a sua

Trajectorium Lunare, mostrando a trajetória anual e as fases da Lua, com a Terra na órbita do Sol.

Esta gravura vinha acompanhada de notas explicativas e era dedicada a Martin Folkes, então

presidente da Royal Society. Logo, ela foi colocada à venda na prestigiosa loja de instrumentos

4 Idem, ibidem, p. 2. 5 Idem, ibidem, pp. 3 e 25. 6 Idem, ibidem, pp. 28-29.

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científicos de Mary Senex, viúva de John Senex, o celebrado fabricante e comerciante de

instrumentos científicos, que também era membro da Royal Society. Foi em função da sua

atividade de construção de instrumentos científicos que Ferguson publicou o seu primeiro trabalho

mais extenso, cujo objeto era o novo planetário feito por ele, e que se tratava de um libreto

intitulado The use of a new orrery, made and described by James Ferguson.7

Outra participação marcante de Ferguson em reuniões da Royal Society foi em 17 de

março de 1748, quando ele apresentou o seu planetário de quatro rotações para os membros da

entidade, procurando explicar de maneira clara os principais fenômenos astronômicos. Assim,

Ferguson se fazia cada vez mais conhecido nos ambientes da Filosofia Natural e Experimental e

se preparava para novas empreitadas em sua vida, embora continuasse firmemente com a sua

atividade de desenhista e pintor de retratos em miniatura. Sua situação financeira parecia estar bem

melhor do que nos primeiros tempos em Londres, pois, desde novembro de 1746, ele estava

morando numa área residencial mais considerada, na Golden Square, mais precisamente na Great

Pulteney Street, onde ele continuaria a desenvolver suas atividades, sob o signo da White Periwig

(Peruca Branca).8

Em fins de novembro de 1746, Ferguson, anunciava suas atividades em periódicos

londrinos, no novo endereço, indicando que, além de pintar retratos em miniatura e vender as suas

gravuras, ele se lançava numa nova atividade, que era ministrar aulas de Geografia e Astronomia,

a partir do planetário de quatro rotações que ele criara, cobrando a taxa individual de 1 shilling por

aula. Millburn e King lembram que Ferguson estava entrando num campo profissional em que já

existia muita concorrência em Londres e mesmo fora da região metropolitana. O grande nome, até

a chegada de Ferguson à capital inglesa, era John Theophilus Desaguliers, que faleceu em 1744.

Mesmo antes da morte de Desaguliers, alguns concorrentes já ministravam cursos de Filosofia

Natural e Experimental na cidade, tendo sido alguns deles seus alunos. Em meados dos anos 1740,

entre os principais concorrentes de Ferguson, já estabelecidos na cidade, estavam Erasmus King,

com a sua própria “Sala de Experimentos” na Duke’s Court, e Joseph Sowerby, que ministrava os

seus cursos principalmente numa casa de café (coffee-house) na St. Paul’s Church Yard.9 Em

meados dos anos 1750, chegaram a Londres outros dois professores independentes de Filosofia

Natural e Experimental, que já tinham uma grande experiência como professores itinerantes:

7 Idem, ibidem, pp. 32-33 e 34-35, 37 e 41. 8 Idem, ibidem, pp. 56-57. 9 Idem, ibidem, pp. 58-59 e 61.

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primeiramente Stephen Demainbray, que se estabeleceu em Panton Street, na área de Haymarket;

e Benjamin Martin, que se estabeleceu na Fleet Street, na parte mais central da cidade.10

Ainda de acordo com Millburn e King, Ferguson não estava preparado para enfrentar

uma acirrada concorrência com professores independentes e/ou itinerantes com sólida prática e

grande conhecimento, que abarcavam diversos assuntos em seus cursos, tais como Mecânica,

Hidrostática, Hidráulica, Pneumática, Acústica, Luz e Cores, Óptica, Astronomia e Geografia, com

centenas de demonstrações e experimentos. Ferguson estava preparado apenas para ministrar

cursos sobre os elementos básicos de Mecânica e Astronomia, e isso era muito pouco para

enfrentar os concorrentes. Mas, mesmo assim, ele foi em frente e se sentiu bastante estimulado

quando publicou um pequeno livro, em 1747, intitulado Dissertation on the harvest moon,

passando a dar aulas individuais sobre este tema em sua residência, na Great Pulteney Street.11

Em 3 de março de 1748, Ferguson iniciava a sua carreira como professor independente,

anunciando suas aulas no Daily Advertiser, além da sua recente publicação (que era tema de aula)

e das gravuras de sua autoria, indicando ainda as diversas lojas em que estas podiam ser

encontradas. Sobre a aula e seu conteúdo, ele anunciava:

“O Sr. Ferguson (…) iniciará sua aula sobre a Lua das Colheitas [a Lua Cheia mais próxima do

Equinócio do Outono], amanhã, dia 4, e, na segunda-feira, dia 7 seguinte, exatamente às 6 horas da tarde;

quando todos os fenômenos daquela fase particular da Lua serão compreensivelmente explicados e

demonstrados, através de seu Planetário de Quatros Rotações e seu aperfeiçoado Globo Celeste. O preço

da aula é de Um Shilling para cada Pessoa participante. A mesma aula será dada nos mesmos Dias da

Semana até o final de Março”12

Em fins de maio de 1748, Ferguson mudou novamente de endereço. Dessa vez, fixou

residência na Margaret Street, que ficava na área de Cavendish Square, na paróquia de St. Mary-

le-bone (Marylebone). Ferguson encontrou uma casa maior e mais confortável para a sua família

que crescia e, ali, permaneceria por sete anos, desenvolvendo sua antiga atividade de pintura de

retratos em miniatura e ministrando suas aulas de Filosofia Natural e Experimental. Sua esposa já

dera a luz a Agnes, em 1745, e o seu segundo filho, James, nasceria em 11 de outubro de 1748.

Logo depois da sua mudança, ele já anunciava suas aulas de Astronomia, agora com ênfase

10 A. Q. MORTON – “Lectures on natural philosophy in London, 1750-1765: S. C. T. Demainbray (1710-

1782) and the 'Inattention' of his countrymen”, em The British Journal for the History of Science.

Cambridge, Volume 23, Issue 04, December 1990, pp 414-415. 11 MILLBURN & KING – Op. cit., p. 59. 12 Daily Advertiser, 3 de março de 1748. Recorte extraído da D. Lysons, Collectanea, (British Library,

shelfmark 1889.e.5, Vol. III. F. 141r). Citado por MILLBURN & KING – Op. cit., pp. 59 e p. 299. Segundo

estes dois autores o referido recorte de jornal está datado erroneamente de 3 de maio de 1748.

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particular no eclipse previsto para 14 de julho daquele ano, que ele antecipara quatro anos antes.

Antes e depois do eclipse, Ferguson também ministrou diversas aulas em casas de café e outros

espaços londrinos, sempre levando o seu planetário de quatro rotações para poder explicar melhor

o fenômeno para a sua audiência.13

Estas aulas eram antecipadamente anunciadas no periódico de sua preferência, o Daily

Advertiser, com um texto elegante, onde ele procurava chamar a atenção dos interessados para a

singularidade do seu trabalho e para a importância da Astronomia, tal como neste anuncio de 3 de

dezembro de 1748:

“O Planetário, Trajectorium-Lunare, e Globos Celestes aperfeiçoados, através dos quais vários

Movimentos, reais e aparentes, dos diversos Planetas, e os Efeitos destes Movimentos combinados, serão

explicados de Maneira (...) satisfatória para àqueles Senhores que se deleitam em receber o Conhecimento

particular da mais sublime, útil e interessante de todas as Ciências”.14

Inicialmente, Ferguson adotou a estratégia de oferecer uma série de duas aulas, com a

cobrança de uma taxa individual de 2 shillings para os interessados. No final de 1748, esta série já

tinha aumentado para três aulas, com a cobrança de uma taxa individual de 3 shillings. Mas, a

partir de janeiro de 1749, ele adotaria uma nova estratégia para suas atividades docentes,

instituindo uma série de seis aulas para os cursos de Astronomia ministrados na capital, e

praticamente estabeleceu um padrão para os cursos que ele iria ministrar por muito tempo. Sua

audiência teria que pagar uma taxa individual de 1 shilling por cada aula, sem que houvesse a

obrigatoriedade de assistir e pagar por todas as cinco ou seis aulas. Tudo leva a crer que Ferguson

teve que intensificar suas atividades docentes em virtude do eminente crescimento da sua família,

com o nascimento de seu segundo filho, James.15

Neste mesmo ano, Ferguson se lançou numa nova empreitada, que era a atividade de

professor itinerante de Astronomia, oferecendo cursos de cinco aulas nas cidades de Bath e Bristol,

no Oeste da Inglaterra. Obviamente, ele usou da mesma estratégia promocional ao anunciar

previamente os seus cursos nos jornais locais para atrair os potenciais interessados, tal como já

faziam os seus concorrentes, principalmente Benjamin Martin e William Griffiss. Entretanto,

diferentemente de Londres (onde, com certeza, havia uma maior procura), o pagamento pelo

13 MILLBURN & KING – Op. cit., pp. 59-62 e 65. 14 Daily Advertiser, 3 de dezembro de 1748. Citado por MILLBURN & KING – Op. cit., p. 63. 15 MILLBURN & KING – Op. cit., pp. 63-64.

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conjunto das cinco aulas era obrigatório, sendo instituída uma taxa individual de 5 shillings.16 Em

21 de outubro de 1749, Ferguson anunciava o seu curso no periódico Bristol Weekly Intelligencer:

“O Sr. FERGUSON iniciará um Curso de Astronomia na próxima Segunda-Feira, dia 23, às Dez

Horas da manhã. O Curso compreenderá Cinco Aulas sobre o Planetário, etc., que serão ministradas todos

os dias no mesmo horário até o seu final. Cada Subscritor pagará Cinco Shillings. As Subscrições serão

recebidas pelo Sr. Cadell, Livreiro em Wine Street, onde as Aulas serão dadas”.17

Entre 1749 e 1751, além da capital, Ferguson concentrou seus cursos em Bath e Bristol,

ministrando-os em livrarias, tabernas, casas de café ou auditórios mais amplos. Mas, ele também

procurou obter rendimentos com a sua antiga atividade de pintar retratos em miniatura, serviço

este executado nas casas dos interessados ou nos próprios estabelecimentos em que se hospedava.

Ferguson chegou a criar na região alguma reputação como professor itinerante de Astronomia e

pintor de retratos em miniatura, como demonstrava o poema de um admirador, publicado em 2 de

janeiro de 1750, no Bristol Weekly Intelligencer:

“Such Force of Genius, Ferguson, you prove,

In shewing how the various Planets move;

Such Imitation of the Power Divine

In Miniature appears in your Machine,

If Sylvia’s Charms your Pencil can express,

Just Heavens your skilful Hand will then confess”.18

Entre 1751 e 1754, talvez não querendo enfrentar seus concorrentes mais famosos,

Ferguson evitou o Oeste da Inglaterra e tomou outra direção. Ele foi ministrar seus cursos de

Astronomia de 5 aulas, no Leste do país, em cidades como Norwich, Ipswich e Colchester,

oferecendo também seus serviços como pintor de retratos em miniatura.19 Um longo anuncio

publicado no Norwich Mercury, para o período 16-23 de maio de 1752, demonstrava claramente

a sua intenção de oferecer os dois serviços ao público daquela cidade:

“O SR.FERGUSON está vindo para Norwich, onde ele pretende ministrar um Curso de

ASTRONOMIA, em cinco Aulas sobre o Planetário, e vários outros Instrumentos e Diagramas. O preço

16 Idem, ibidem, pp. 66-68. 17 Bristol Weekly Intelligencer, 21 de outubro de 1749. Citado por MILLBURN & KING – Op. cit., pp. 66-

67.

18 Bristol Weekly Intelligencer, 2 de janeiro de 1750. Citado por MILLBURN & KING – Op. cit., p. 68.

Em tradução livre: “Tal Força do Gênio, Ferguson, você prova,/ Mostrando como os vários Planetas se

movem;/ Tal Imitação do Poder Divino/ Em miniatura aparece em sua Máquina,/ Se os encantos de Sylvia

o seu lápis pode expressar,/ Apenas os Céus sua Mão habilidosa então reconhecerá”.

19 MILLBURN & KING – Op. cit., p. 71.

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para participar de todo o Curso é de cinco Shillings para os Subscritores. Mais informações específicas

na Casa de Café GRAY, ou na King’s Arms, a qualquer Dia, a partir da próxima Segunda-Feira, onde um

Programa de Curso poderá ser visto, e as subscrições recebidas.

Ele desenha retratos em preto e branco em suas Acomodações por Doze Shillings e Seis Pence;

ou sai para fazê-los em qualquer Lugar da Cidade por Quinze Shillings. Ele se hospeda com o Sr.

FLEMING em St. Stephen’s Street em frente ao Newgate”.20

O final do ano de 1752 foi bastante agitado para Ferguson, pois, além do nascimento do

seu terceiro filho, Murdoch, em 3 de novembro, ele estava bastante ocupado com a construção de

novos modelos de máquinas, que incluíam principalmente um novo e maior planetário com todos

os planetas, um globo celeste e um novo equipamento para mostrar o fenômeno dos eclipses, que

ele batizou de Eclipsareon e considerou, em seu relato autobiográfico, como “a melhor máquina

que eu concebi”.21 Posteriormente, o Eclipsareon foi tema de uma de suas palestras na Royal

Society e seu mecanismo foi descrito no artigo “Description of a piece of mechanism, contrived

by James Ferguson, for exhibiting the time, duration, and quantity of solar eclipses...”, publicado

nas Philosophical Transactions. Em 1753, Ferguson também publicou o libreto intitulado A brief

description of the solar system. To which is subjoined, an astronomical account of the year of Our

Saviour’s crucifixion, que foi bem recebido pelo público.22

Em meados dos anos 1750, a situação financeira de Ferguson não só apresentava certo

progresso, como também ele se sentiu seguro para tentar um novo empreendimento e decidiu

encerrar “abruptamente” a sua promissora carreira de professor itinerante de Filosofia Natural e

Experimental. Isso se deu devido ao seu interesse em adquirir as ferramentas e as placas (chapas)

para a impressão dos renomados globos do falecido John Senex, que foram colocados à venda por

sua viúva, Mary Senex. Esta aquisição se deu em outubro de 1755 e Ferguson foi obrigado a se

mudar para uma nova casa na parte mais comercial da cidade, onde ele poderia se dedicar à

produção e à venda dos globos recém-adquiridos. Ele encontrou sua nova residência na área do

Strand, na Cecil Street, e, para uma melhor identificação, adotou o signo The Globe (o desenho de

um globo), anunciando sua nova empreitada em diversos jornais londrinos. No início de 1756,

Ferguson já estava operando no novo endereço, que também devia lhe servir como espaço para

ministrar seus cursos de Astronomia.23

20 Norwich Mercury, 16-23 de maio de 1752. Citado por MILLBURN & KING – Op. cit., p. 71. 21 FERGUSON – “A short account of the life of the author”. Op. cit., p. xliii. 22 MILLBURN & KING – Op. cit., pp. 73-74, 76 e 293. 23 Idem, ibidem, pp. 82-84.

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Assim, Ferguson se fazia cada vez mais conhecido nos ambientes filosóficos e

científicos londrinos e dava passos significativos para ser tornar um grande e requisitado professor

de Filosofia Natural e Experimental. Mas, faltava-lhe ainda a publicação de um trabalho de maior

folego para garantir um reconhecimento mais significativo. Todavia, isso não demoraria e, em

meados de 1756, ele iria publicar o seu primeiro importante manual para o público em geral,

dedicado à Astronomia Newtoniana, cujo título completo era Astronomy explained upon Sir Isaac

Newton’s principles, and made easy to those who have not estudied mathematics.24

Ferguson adotou a mesma estratégia, já utilizada por Benjamin Martin, para anunciar

seus cursos, suas publicações e os instrumentos científicos que produzia não apenas em jornais,

mas também em suas próprias publicações, como demonstra o anúncio abaixo reproduzido,

inserido logo no início do livro Astronomy explained:

“O Autor, que agora é o Sucessor do falecido Mr. Senex, e tem todas as Chapas dos Globos do

Sr. Senex (com exceção daqueles de 3 polegadas) em sua posse, fabrica estes Globos pelos Preços usuais;

a saber. Um Par de Globos com 9 Polegadas de Diâmetro, por Duas Libras; um Par do de 12 Polegadas

por Três Libras; do de 17 Polegadas por Seis Libras; e do de 28 Polegadas por Vinte e Cinco Guinéus.

Ele tem fabricado novas Chapas para Globos de 3 Polegadas; sendo os Terrestres aperfeiçoados a partir

do Russian Atlas; e os Celestes apresentando todas as Constelações que estão no Globo de 17 Polegadas

do Sr. Senex. O Preço destes, ajustados em Horizontes, Meridianos de Metal e Círculos Horários, é de

Uma Libra e Seis Shillings o par; ou Meio Guinéu quando a Esfera terrestre está colocada numa Caixa de

Marroquim revestida com Papéis celestes.

Ele ensina o uso dos Globos por dois guinéus: mas, quando quatro pessoas subscrevem por dois

guinéus cada uma, ele as ensina o uso dos Globos, e as introduz num curso de Astronomia a partir da

Maquinaria descrita no último capítulo deste livro. Seu horário de aula é das cinco às seis da tarde, todos

os dias com exceção de Domingo; e um mês é suficiente para todo o curso. – Ele também desenha retratos

em tinta Indiana [nanquim] sobre papel velino ao preço de um guinéu, incluindo a moldura e o vidro”.25

Entretanto, Ferguson não teve sucesso no negócio da venda e impressão dos globos de

Senex, certamente devido ao seu pouco conhecimento da atividade comercial e também à grande

concorrência de fabricantes de instrumentos científicos, que também vendiam globos na área do

Strand e na Fleet Street. Em julho de 1757, Ferguson vendeu as ferramentas e as placas (chapas)

para a impressão dos globos de Senex para Benjamin Martin, que, abandonou a sua carreira de

professor itinerante e se estabeleceu, na Fleet Street, como fabricante e negociante de instrumentos

24 Idem, ibidem, pp. 85 e 90. 25 FERGUSON – Astronomy explained upon Sir Isaac Newton’s principles, and made easy to those who

have not studied mathematics. Londres, Andrew Millar, 1756, p.s/nº.

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científicos. De acordo com Millburn e King, nessa época, Ferguson e Martin mantinham boas

relações pessoais e comerciais e é bem possível que, como parte do acordo de aquisição dos globos

de Senex, Martin tenha dado algumas orientações sobre Óptica e instrumentos ópticos a Ferguson,

que chegou a incluir este assunto em suas aulas e publicações posteriores.26

Com o fim do negócio de produção e venda de globos, Ferguson chegou a cogitar em

voltar para a Escócia e, inclusive, chegou a vender, por 300 libras, o estoque e os direitos de

publicação do livro Astronomy explained para o editor e livreiro Andrew Millar (que seria o editor

de suas futuras publicações). Contudo, ele decidiu permanecer em Londres e, aos poucos,

transformou-se num professor independente de Filosofia Natural e Experimental em tempo

integral, abandonando definitivamente a atividade de pintar retratos em miniatura, em 1760. No

ano seguinte, ele retornaria à estrada e reassumiria também integralmente a sua promissora carreira

de professor itinerante, interrompida seis anos antes.27

Ferguson foi obrigado a ampliar os objetos tratados nos seus cursos e abordá-los com

mais profundidade, embora seu foco maior tenha sempre permanecido no campo da Astronomia e

a abordagem das aulas para o público não especialista, formado tanto por homens quanto por

mulheres, era sempre de natureza não matemática. Ferguson também assinalava que o

acompanhamento dos seus cursos não requisitava um conhecimento prévio dos diversos ramos da

Filosofia Natural e Experimental, tal como ele já tinha adiantado no título completo do seu

primeiro manual, Astronomy explained, e reiterava nos anúncios de jornal que divulgavam estes

cursos para seus potenciais clientes. Aqui, novamente a grande competição que existia entre alguns

professores independentes e itinerantes, principalmente na capital inglesa, no final dos anos 1750,

definia os padrões para a organização dos cursos de Filosofia Natural e Experimental. De modo

geral, a natureza dos cursos oferecidos pelos principais concorrentes de Ferguson (Griffiss,

Demainbray e Martin) não era tão diferente dos curso que ele oferecia, mesmo que alguns de seus

focos e abordagens tenham sido distintos.28

Outro cuidado tomado por Ferguson foi obter os melhores instrumentos científicos

possíveis para ilustrar os experimentos e demonstrações de suas aulas e, assim, poder enfrentar

seus concorrentes em condições mais adequadas. Além dos seus próprios modelos, planetários e

gravuras, há indícios de que ele adquiriu novos instrumentos científicos e, segundo Millburn e

26 MILLBURN & KING – Op. cit., pp. 85, 88 e 90. 27 Idem, ibidem, pp. 93-94 e 107. 28 Idem, ibidem, p. 108.

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King, suas duas fontes foram Erasmus King e John Cuff. O primeiro abandonou a atividade

docente, devido a sua idade avançada, e seus instrumentos de experimentos e demonstrações foram

colocados à venda, no início de abril de 1758. Já o segundo era um oftalmologista, fabricante e

negociante de instrumentos científicos da Fleet Street que desistiu de enfrentar a concorrência

pesada de Benjamin Martin, que ali começara seus negócios poucos anos antes.29

Além de ter a disponibilidade de bons instrumentos científicos para as suas aulas, para

Ferguson era necessário ter um endereço e uma residência mais adequados para atrair os

interessados em cursos de Filosofia Natural e Experimental e fornecer-lhes mais conforto para

acompanhar suas aulas. Por isso, ele decidiu se mudar, uma vez mais, no final de novembro de

1758, para uma casa na Red Lion Court, que ficava também na Fleet Street. Em seu novo endereço,

no coração comercial da cidade de Londres, Ferguson estava bem próximo da Royal Society, na

Crane Court, e também da loja de Benjamin Martin, com quem ele manteve, até então, boas

relações pessoais e comerciais. Certamente, as decisões de Ferguson de se tornar um professor de

Filosofia Natural e Experimental em tempo integral e oferecer seus cursos à mesma clientela

potencial de Martin, exatamente na mesma área da cidade, intensificando uma concorrência que

já era considerável, foram fatores decisivos para o afastamento entre os dois e para a ruptura dos

laços pessoais e comerciais que possuíam.30

No final de 1758, Ferguson começou, então, a ministrar seus cursos mais amplos de

Filosofia Natural e Experimental pelas casas de café de Londres. Eram cursos de 12 aulas,

ministradas durante todos os dias da semana, com exceção de domingo, que começavam

habitualmente às 18 horas. Os interessados tinham que pagar uma taxa individual de 1 shilling por

cada aula, sem a obrigação do pagamento de uma taxa integral por todo o curso. Aqui, Ferguson

também seguia a mesma lógica de estabelecimento de uma taxa individual por aula, tal como

faziam os seus principais concorrentes para atração da clientela.31

Segundo Millburn e King, alguns tópicos que eram comuns nos cursos dos concorrentes

nem apareciam naqueles oferecidos por Ferguson no primeiro momento da retomada de sua

carreira, em tempo integral, como professor de Filosofia Natural e Experimental. Entre estes

tópicos, estavam a Óptica, a Eletricidade, o Magnetismo e, em menor dimensão, a Química, que

era oferecida por poucos professores e requisitava outro tipo de equipamento mais complexo para

29 Idem, ibidem, pp. 109-110. 30 Idem, ibidem, pp. 110-111. 31 Idem, ibidem, p. 112.

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seus experimentos.32 A ênfase que Ferguson dava em seus cursos estava justamente naqueles

assuntos vinculados às noções básicas de Mecânica, à Astronomia e ao uso de mapas, que se

constituíam efetivamente na sua especialidade, até então.

Todavia, a persistência de Ferguson e a necessidade de uma melhor preparação para

enfrentar os professores concorrentes, trouxeram-lhe a necessidade de aprofundamento e um maior

conhecimento de certos tópicos que não lhe eram familiares. Podemos depreender isso na

publicação de um novo manual, em 1760, intitulado Lectures on select subjects in mechanics,

hydrostatics, pneumatics, and optics, no qual ele também tratava, como indica o subtítulo da obra,

de alguns assuntos da sua predileção: “o uso dos globos, a arte de desenhar relógios solares, e o

cálculo dos tempos médios das luas nova e cheia e dos eclipses”.33 Neste mesmo ano, Ferguson

publicou um libreto explicativo da sua gravura impressa há alguns anos antes, e então reimpressa,

cujo título era The description and use of the Astronomical Rotula. Assim, o prestígio de Ferguson

nos círculos londrinos ligados à Filosofia Natural e Experimental se consolidava e ele se preparava

para viver a melhor parte da sua vida profissional, obtendo o reconhecimento não apenas dos

segmentos filosófico-científicos, mas também do público letrado e das autoridades que

governavam o país.

A partir de 1761, Ferguson se lançou à estrada e retomou também a atividade de

professor itinerante, percorrendo as diversas regiões da Inglaterra e oferecendo seus cursos em

muitas cidades em que havia uma audiência sempre ávida por conhecimentos no campo da

Filosofia Natural e Experimental. Até o ano de 1774, ele desenvolveu uma contínua atividade

docente, que combinava seus cursos itinerantes com cursos ministrados em Londres, em sua

residência, ficando geralmente muitos meses longe do convívio familiar, embora esta atividade

profissional tenha sido bastante lucrativa, permitindo-lhe o acumulo de significativas reservas

financeiras através dos anos.

Os livros de Henderson e Millburn e King descrevem minuciosamente as viagens de

Ferguson pelo interior da Inglaterra e também o seu único retorno a sua Escócia natal, em 1768,

mas, aqui, apenas indicaremos as cidades visitadas por ele e onde ele ministrava os cursos, que

eram cuidadosa e previamente anunciados nos jornais locais. Muitas vezes, Ferguson permanecia

bastante tempo em cada uma dessas cidades, ministrando diversos cursos sucessivos, até

32 Idem, ibidem,, p. 113. 33 FERGUSON – Lectures on select subjects in mechanics, hydrostatics, pneumatics, and optics. Londres,

Andrew Millar, 1760, ver frontispício.

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esgotarem as possibilidades. Nesses treze anos de atividade continua como professor itinerante,

Ferguson visitou as seguintes cidades: Birmingham (1761); Liverpool e Manchester (1762);

Bristol e Bath (1763); Liverpool, Lancaster, Manchester, Derby e Northampton (1764); Bristol,

Plymouth, Tunbridge Wells e Bath (1766-1767); Edimburgo, Morpeth e Newcastle-upon-Tyne

(1768); Norwich (1769); Bristol (1770); Birmingham, Kidderminster, Worcester, Newcastle-

under-Lyme, Cheadle (Stafordshire) e Derby (1771); há indícios de que teria visitado diversas

cidades do norte da Inglaterra em 1772; Bath, Bristol e Windsor (1774).

Nessa sua nova fase como professor itinerante, Ferguson não conseguiu evitar a

concorrência e o surgimento de novos competidores nas regiões em que oferecia seus cursos de

Filosofia Natural e Experimental em 12 aulas. No Oeste da Inglaterra, sobretudo em Bristol, existia

a figura de Benjamin Donn, que também dirigia uma Academia de Matemática nesta cidade, na

King Street, e ministrava seus cursos em 9 aulas, cobrando a taxa individual de meio guinéu aos

participantes. Outro concorrente era John Warltire, que percorria as cidades do Norte, do Centro e

do Oeste do país, ministrando seus cursos em 5 aulas, cobrando a taxa de 5 shillings de cada

participante. Obviamente, ambos se utilizavam da mesma estratégia de Ferguson para chamar a

atenção dos interessados, com a divulgação antecipada de seus cursos, com a síntese de seu

conteúdo, nos periódicos locais.34

Em 1761, Ferguson lançou outra publicação com o objetivo de apresentar o conteúdo

sumarizado de seu curso de 12 aulas, que era mais precisamente o libreto intitulado Analysis of a

course of lectures, on mechanics, pneumatics, hydrostatics, and astronomy.35 Nas primeiras

páginas deste libreto, ele também anunciava algumas de suas publicações e alguns de seus

instrumentos científicos, além das suas atividades didáticas, com alguns assuntos das suas aulas,

as condições para a realização de seus cursos e os preços cobrados para aulas individuais ou grupos

de subscritores:

“Qualquer cavalheiro, em ou próximo a Londres, poderá ter este curso de aulas ministrado em

sua casa por doze guinéus, ou qualquer aula em particular por um guinéu, além do preço para transportar

os instrumentos.

Ou, se 20 pessoas subscreverem a um guinéu cada uma, elas poderão ter todo o curso ministrado

em qualquer lugar de Londres, ou dentro de dez milhas desta [cidade]. Distancias maiores requerem

subscrições mais elevadas.

34 MILLBURN & KING – Op. cit., pp. 170-171, 174 e 181.

35 Idem, ibidem, pp. 128 e 132-133.

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O Autor ensina o uso dos globos em um mês, com a duração de uma hora todo o dia (com exceção

de Domingo), por dois guinéus, em sua casa; ou quatro guinéus fora dela, se não for a mais de dez milhas.

Aqueles que forem ensinados fora de sua casa deverão prover os seus próprios globos. – Ele também

ensina, nos mesmos termos, geometria prática através de réguas e compassos, a elaboração de mapas, a

projeção das esferas, os princípios do desenho de relógios solares, e o cálculo das luas nova e cheia e dos

eclipses”.36

Realmente, o ano de 1761 marcou o início do reconhecimento de Ferguson não só como

um importante professor independente e itinerante de Filosofia Natural e Experimental, como

também um respeitado “astrônomo”. Contudo, esta categorização atribuída a Ferguson deve ser

entendida num sentido bem amplo, pois ele não era um investigador que realizava observações

dos céus com frequência e de modo sistemático. Millburn e King lembram que, antes e depois do

fenômeno do trânsito de Vênus em 1761, as experiências de Ferguson no campo da Astronomia

Observacional “eram extremamente limitadas” e “seus livros quase invariavelmente [citavam]

observações de outros, não as suas próprias” e não deixaram “registros em ‘tempo real’ de eventos

astronômicos”, que não fossem distintos de suas costumeiras “predições ou projeções”. Num certo

sentido, ele era muito mais um divulgador da Astronomia do que um astrônomo no sentido exato

em que se atribuía às atividades daqueles que observavam os céus com seus telescópios,

descreviam suas observações e publicavam em artigos ou livros as conclusões a que chegavam a

partir destas observações.37

O primeiro reconhecimento veio na forma de uma pensão vitalícia de 50 libras anuais,

concedida pelo Rei George III, naquele ano de 1761. Para um homem que se sentia pobre e sempre

preocupado com a situação financeira sua e de sua família, esta pensão real se tornou uma fonte

de renda constante para Ferguson, que teve mais segurança para se lançar novamente na vida de

professor itinerante. Por outro lado, na opinião de Millburn e King, a quantia concedida pelo

monarca não era tão expressiva como a de outras pensões, em particular no caso do grande

dicionarista, o Dr. Samuel Johnson, que obteve 300 libras anuais.38 Ferguson ficou surpreso com

a generosidade de George III, pois ele não chegara a solicitar tal benefício, e registrou o seu

agradecimento numa carta enviada ao monarca e na dedicatória manuscrita da segunda edição do

36 FERGUSON – Analysis of a course of lectures, on mechanics, pneumatics, hydrostatics, and astronomy.

(Read by James Ferguson) Londres, Editado pelo Autor, 1761, p.s/nº (Ver: “Advertisement”).

37 MILLBURN & KING – Op. cit., pp. 135-147. 38 Idem, ibidem, p. 140.

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libreto A plain method of determining the parallax of venus by her transit over the sun, também

lançada no mesmo ano, onde ele assinalava:

“Tocado pelo mais profundo sentimento da grande benevolência de Sua Majestade ao me

conceder uma pensão anual, Eu humildemente peço que Sua Majestade tenha o prazer de aceitar o meu

mais reconhecido e obediente agradecimento, que é tudo que eu posso oferecer em troca da Sua Real

Generosidade”.39

No seu relato biográfico que antecede ao livro Select mechanical exercises, de 1773,

Ferguson continuava a agradecer pela “benevolência do nosso atual e generoso Soberano (George

III], que, do seu erário privado, [concedeu-me] cinquenta libras anuais, o que é regularmente pago

sem nenhuma dedução”.40

Contudo, seus planos de viver na área central da cidade, na Red Lion Court, não foram

bem sucedidos, tal como ele imaginara quatro anos antes. Muito provavelmente, a forte

concorrência de Benjamin Martin, que tinha loja e ministrava seus cursos na vizinhança de

Ferguson, foi um importante fator para que este se decidisse, no verão de 1762, por uma nova

mudança e o retorno à área de Marylebone, indo residir na Mortimer Street, onde ele continuou a

ministrar seus cursos para a clientela londrina.41

Em 1763, outro importante reconhecimento viria com sua eleição para a Fellowship da

Royal Society de Londres. Ferguson teve vigorosos estímulos de membros influentes da Royal

Society, como o secretário geral Dr. Thomas Birch e o vice-presidente Sir James Burrows, além

de outros que subscreveram a sua candidatura, que foi proposta em 14 de abril de 1763, juntamente

com a candidatura do Sr. de la Pande, de Paris, e seguiu os procedimentos estabelecidos pela

entidade. Na sessão de 24 de novembro daquele ano, os dois foram eleitos Fellows (Membros) da

Royal Society, e Ferguson passou a colocar as distintivas iniciais FRS (Fellow of the Royal

Society), ao final do seu nome.42

A partir de então, Ferguson participaria mais formalmente das atividades da Royal

Society, não apenas como o convidado ocasional de outrora. Mas, obviamente, esta sua

participação estava condicionada a sua presença em Londres, visto que ele já passava muitos meses

fora da cidade, em suas viagens pelo interior do país, para ministrar seus cursos. Millburn e King

39 FERGUSON – A plain method of determining the parallax of venus by her transir over the sun.Londres,

Editado pelo Autor, 1761, p. s/nº (Ver: “Dedication”). 40 Idem – “A short account of the life of the author”. Op. cit., p. xliii. 41 MILLBURN & KING – Op. cit., pp. 140-142. 42 Idem, ibidem, p. 145.

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indicam que há registros de diversas participações de Ferguson, a partir de seu ingresso, em

reuniões da entidade, onde ele apresentava seus modelos astronômicos ou mesmo atuava como

experimentador, sem deixar de publicar alguns de seus artigos nas Philosophical Transactions.43

Ferguson continuou a sua vitoriosa carreira de professor independente e itinerante de

Filosofia Natural e Experimental até 1774, quando cansado e adoentado desistiu de viajar pelo

interior da Inglaterra. Outras publicações importantes ainda seriam lançadas por ele depois de se

tornar membro da Royal Society, consolidando ainda mais o seu prestígio. Entre estas publicações,

estavam: Tables and tracts, relative to several arts and sciences, de 1767, que era uma miscelânea

de artigos e tabelas sem relação direta com os cursos que ministrava; The young gentleman and

lady’s astronomy: familiarly explained in Ten Dialogues between Neander and Eudosia, de 1768;

An introduction to electricity. In six sections, no qual ele aproveitava a tendência da época de

discutir e utilizar experimentalmente o fenômeno da eletricidade; e Select mechanical exercises:

shewing how to construct different clocks, orreries, and sun-dials; on plain and easy principles,

de 1773, que trazia o seu já mencionado relato autobiográfico.44

Durante grande parte do ano de 1776, Ferguson enfrentou sérios problemas de saúde e

veio a falecer em 16 de novembro daquele ano, aos 66 anos de idade, em sua casa, em Bolton

Court, para onde ele tinha se mudado em fins de 1767.45 Um obituário publicado pelo periódico

londrino Gentleman’s Magazine reconhecia a singularidade da trajetória de Ferguson, enfatizando

suas especialidades profissionais e sua importância para as ciências:

“Sr. James Ferguson, Professor de Filosofia Natural e Astronomia; um mecânico excelente, e

um razoável pintor em miniatura. Ele foi um homem que, através da simples força de seu gênio, realizou

um progresso considerável nas ciências”.46

Por outro lado, sua morte foi bastante sentida por seus amigos e membros da Royal

Society, que reconheciam seu enorme esforço pessoal para superar as limitações de sua pobre

origem na Escócia rural e se tornar um respeitado astrônomo e professor, além de um dos maiores

divulgadores da Filosofia Natural e Experimental Newtoniana na Inglaterra da segunda metade do

século XVIII.

43 Idem, ibidem, p. 146. 44 Idem, ibidem, pp. 187-188, 232-233 e 235. 45 Idem, ibidem, 249-250. 46 Gentleman’s Magazine, 46, 1776, p. 531. Citado por MILLBURN & KING – Op. cit., pp. 254 e 316.