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Maria Muniz Maria Muniz A SHERAZADE DO RÁDIO Ricardo Cravo Albin Luiz Antônio Aguiar Mayra Jucá Maria Muniz

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Maria MunizMaria MunizA SHERAZADE DO RÁDIO

Ricardo Cravo AlbinLuiz Antônio AguiarMayra Jucá

“Acho que a biografia de Maria Muniz desvendará o caminho de uma corajosa

mulher que, desafiando as convenções, deixou um rastro luminoso dentro do

rádio brasileiro – e chega aos cem anos como um paradigma para todos aqueles

que ainda tentem fazer uma rádio cultural e educativa no Brasil.”

Hermínio Bello de Carvalho

“Quando fui contratado em 1957 por Murilo Miranda para ler as crônicas do

programa Quadrante na Rádio Ministério da Educação, Maria foi meu anjo bom.

Era quem me fazia companhia, aplainava dificuldades burocráticas, resolvia

pequenas complicações [...] com a autoridade que a alta qualidade de seu

trabalho lhe outorgava. [...] Os cronistas, um para cada dia da semana, eram,

apenas: Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meirelles,

Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Dinah Silveira de

Queiroz.”

Paulo Autran

“[...] ela é uma mulher tão cheia de vida, tão interessada nas coisas, e eu conheci

a Maria, o que? com seus 50 e tanto anos, 60 anos. Ela é mulher apaixonada e

apaixonada mesmo: com seus romances, com seus amores, uma mulher

vibrante, sabe como é?”

Sergio Britto

Maria MunizA SHERAZADE DO RÁDIO

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Ricardo Cravo Albin

Maria MunizA SHERAZADE DO RÁDIO

Luiz Antônio Aguiar

Mayra Jucá

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© Ricardo Cravo Albin, Luiz Antônio Aguiar, Mayra Jucá, 2005.

Textos: Ricardo Cravo Albin, Luiz Antônio Aguiar, Mayra Jucá

Pesquisa: Mayra Jucá

Projeto gráfi co e capa: Isabella Muniz

Revisão: Sergio Bellinello Soares

Impressão e acabamento: Sermograf

Todos os direitos reservados por

Andrea Jakobsson Estúdio Editorial Ltda.

Rua Xavier da Silveira 45/906

Copacabana, 22061-010

Rio de Janeiro, RJ

Tel/fax: (21) 2267-6763

www.jakobssonestudio.com.br

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A idéia de se fazer um livro sobre a vida de Maria Muniz tem um

objetivo defi nido. É o de tirar da esquina da memória uma personagem

interessantíssima na trajetória do Rádio no Brasil e trazê-la para as luzes da

avenida principal, seu lugar de direito.

Maria Muniz completou um século de vida, 100 anos em que

os caminhos do país e do mundo seguiram os mais diversos cursos,

infl uenciados principalmente pela vertiginosa evolução tecnológica e

seus refl exos nos meios de comunicação. Maria foi pioneira, desbravou

com coragem searas nunca dantes percorridas e fez história no Rádio,

vislumbrando desde o início a ferramenta poderosa de educação e de

cultura que tinha à mão.

O Instituto Cravo Albin dedica-se à preservação da memória da

música e do rádio e foi para mim um grande prazer contribuir para a

transformação em livro da extensa pesquisa realizada por Mayra Jucá,

belamente modelada por Luiz Antônio Aguiar. Os anos em que em que

participei dessa história são o amálgama dessa edição. Um livro que revela

o carisma de uma mulher ímpar e que contribui para o entendimento de

um fragmento precioso da radiofonia no Brasil.

Rio de Janeiro, fevereiro de 2006

Ricardo Cravo Albin

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SUMÁRIO

I. Espoletíssima & pioneira ......................................................9

II. Primeiras ousadias .............................................................19

III. O coração começa a fl orescer ...........................................33

IV. Refazendo a vida familiar ................................................41

V. No Rio, o começo de outra aventura ...............................53

VI. Sherazade entra no ar .......................................................65

VII. Os tesouros de Maria ......................................................77

VIII. A mulher que acreditava em milagres ........................97

IX. Maturidade e criação na radiofonia ............................109

X. As muitas diversidades da pioneira ..............................125

XI. Epílogo: derradeiras lembranças ..................................135

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I ESPOLETÍSSIMA & PIONEIRA

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Espoletíssima & pioneira

Maria José Alves Leite nasceu há 100 anos, em 1905, em Espírito

Santo do Pinhal, interior de São Paulo. Caso se acomodasse aos padrões

da época e do seu meio social, seria uma esposa e mãe de família, com

uma existência doméstica. Talvez preciosa, sem dúvida, e, ao seu jeito,

até brilhante, com um brilho reservado apenas a quem compartilhasse

sua intimidade. Só que, se assim fosse, jamais teria existido Maria

Muniz: a Sherazade do Rádio, uma das mais populares personalidades

criadas no rádio brasileiro, que com sua voz e suas histórias entrava nos

lares de todo o país e, especialmente, chegava ao coração de uma nova

mulher que, naquelas décadas de 40 e 50, começava a mostrar sua cara.

O atrevimento, a inquietação, a originalidade de Maria, na verdade, já

vinham desde a infância.

Subi num bambu bem alto e me atirei lá de cima, no rio. Tinha

um rio que passava no fundo do nosso quintal, em Pinhal, interior

de São Paulo, onde eu nasci. Eu não sabia nadar. Já adulto, meu

irmão Ramiro sempre lembrava essa cena e dizia: “A Zezé era um

espeto na vida da gente.” Zezé era o meu apelido. Eu era uma criança

espoletíssima, mesmo.

Eu queria saber nadar como os bichos que eu via no rio: peixes,

patos... Meus irmãos, que eram marmanjolas, nadavam como se

fossem bichos. Eu, com uns cinco anos, falava dos bichos que sabiam

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Maria Muniz: a Sherazade do rádio

nadar e dizia que eles tinham de me ensinar. Mas eles não queriam

me ensinar porque eu era muito pequena.

Então, um dia, eu subi num bambu e me joguei lá de cima.

Eu não sabia que podia morrer afogada, não sabia nem o que era

isso. Os meninos primeiro pensaram que eu era uma lontra. Daí, meu

irmão Ramiro me puxou pelo cabelo e gritou: “É a Zezé!”

Me tiraram de lá, me viraram de cabeça para baixo, me fizeram

vomitar toda a água que eu engoli. Me chacoalharam demais! Me

sacudiram até que eu voltei a respirar. Como eram mais velhos do que

eu, a Sinhá ia dizer que a culpa tinha sido deles. Sinhá era a nossa

mãe. Ela era muito braba com os meninos. Eu, que era vigarista pra

burro, quando fiquei boa, falei: “Me ensina a nadar, senão eu conto

o que houve comigo no rio para a Sinhá.” Foi como obriguei meus

irmãos a me ensinarem a nadar, fazendo chantagem.

Eu era mais audaciosa do que meus irmãos. Subia em árvores

mais altas que eles, ia numa pedra que tinha longe, escondida deles,

e, bum!, pulava. Meu irmão Lupe ficava louco:

– Ai, Zezé, por favor, não faça mais isso, senão qualquer dia te

acontece uma cousa... Como é que a gente vai explicar para a Sinhá?

Vem, pula aqui, conosco.

Resolveram me adotar, eu ia junto deles o tempo todo e tudo

o que eles faziam eu podia fazer também.

Então eles passaram a me respeitar. Foi assim.

Com 13 anos, ainda em Espírito Santo do Pinhal, lá estava ela,

para espanto de vizinhos e parentes, guiando para cima e para baixo sua

motocicleta – coisa de garoto, não de uma menina, ainda mais de família,

menina direita, que não deveria atrair atenções – e, diga-se de passagem,

com uma carteira de habilitação falsifi cada, em que aparecia como maior

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Espoletíssima & pioneira

de idade. Quando muitas moças de sua época faziam o curso normal com

a mentalidade do tradicional espera-marido, ela, pelo contrário, dedicou-se

tanto aos estudos e levou tão a sério seu diploma que, em dado momento,

declarou ao marido que não havia se formado como professora para viver

numa cidade onde sequer havia uma escola em que pudesse exercer a

profi ssão. E esse foi um dos motivos de ter abandonado o casamento

e de fugir com seus fi lhos. Foi morar na capital, São Paulo, onde, pela

primeira vez, precisou arcar com o próprio sustento.

Se esses episódios de infância e juventude delineiam o seu

temperamento, se o fato de ter convivido, e até bastante próxima, com

personalidades da cultura e das artes, mesmo antes de se tornar famosa,

a mostra como uma mulher ganhando o mundo graças a seus talentos e

carisma, o mais notável é que tudo isso parece conspirar para que Maria

Muniz e a ascensão do rádio no Brasil sejam apresentadas uma à outra

num momento mútuo crucial.

Costuma-se chamar Edgar Roquette Pinto de “O Pai do Rádio

Brasileiro”. Com efeito, a primeira transmissão ampla se dera em 1922,

com um discurso do então presidente, Epitácio Pessoa, transmitido do

alto do Corcovado, no Rio de Janeiro, em meio às comemorações do

Centenário da Independência. Já a primeira estação de rádio fora fundada

no Recife, três anos antes, por um grupo amador liderado por Augusto

Pereira e Oscar Moreira Pinto. Foi também uma das primeiras instalações

radiofônicas do mundo, transmitindo na época para o centro do Recife

e alguns subúrbios próximos. No entanto, o rádio como o entendemos

hoje, e estruturado profi ssionalmente, iniciou-se no Brasil com a Rádio

Sociedade do Rio de Janeiro, fundada por Roquette Pinto em 1923.

Extraordinariamente premonitório, Roquette Pinto já antevia o

rádio como o grande difusor de cultura – popular e erudita. E, idealista,

anunciava: “Todos os lares espalhados pelo imenso território do Brasil

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receberão livremente o conforto moral da ciência e da arte, a paz será

realidade entre as nações. Tudo isso há de ser o milagre das ondas

misteriosas que transportam no espaço, silenciosamente, a harmonia”.

Nas décadas seguintes, o Brasil passou por drásticas transfor-

mações. O país saía da condição de nação rural para a industrialização.

O primeiro período Vargas, iniciado revolucionariamente a partir

do sul do país em 1930, pôs em xeque a efi cácia das velhas estruturas

oligárquicas. Pretendia-se a ordenação política da sociedade. Veio

a necessidade, principalmente para os novos donos do poder, de não

só expandirem a instância pública para além dos gabinetes e salões

elegantes – de modo a angariar apoios –, mas ao mesmo tempo de gestar

modos de lidar com a relativa inclusão de setores populares, sem que isso

ameaçasse a essência do status quo vigente. Havia uma nova necessidade

política: a de lidar, habilmente, com as massas. Como se sabe, o rádio e

sua importância cresceram no bojo desse processo social e histórico. A

evolução e propagação do rádio nos anos 30 consolidam duas eras no

Brasil, a do próprio rádio e a de Getúlio Vargas.

Nos anos subseqüentes, notadamente na Europa, que tanto

nos servia de referência, mas de modo marcante também nos EUA,

a reclusão familiar e doméstica imposta à mulher pulverizou-se.

Quando os maridos e noivos retornaram da guerra, encontraram as

suas prometidas e esposas gerindo a casa e muitas vezes os negócios.

Em vários setores da vida social e cultural a mulher ganhou uma nova

situação, uma evidência particularizada, que já não mais a diluía no

caldo da instituição familiar.

O rádio já havia localizado seu público-alvo preferencial, naqueles

dias do marketing instintivo, desbravador. Quase todos os anúncios

da programação eram voltados para a mulher – fossem artigos de uso

pessoal ou doméstico. Falava-se então de uma mulher que, idealmente,

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Espoletíssima & pioneira

sem descuidar da casa, começava a conquistar um espaço no mercado

de trabalho. Uma mulher que, sem perder seus atributos femininos, se

impunha e disputava lugar no mercado de trabalho: a Mulher Moderna.

Uma absoluta novidade no Brasil, um país que sempre abrigou uma

sociedade machista, centrada no pátrio poder masculino. E ridiculamente

preconceituoso.

Pelo menos nas principais emissoras, como as crônicas vespertinas

sustentavam alto índice de audiência junto às ouvintes, o radioteatro que

as acompanhava também se destacou. No fi nal da década de 40, surgiram

inovações, como a associação aos temas típicos do dia-a-dia feminino da

época: a liberdade e a necessidade de partir para o mercado de trabalho,

as difi culdades em conjugar a dupla jornada, a educação dos fi lhos no

mundo contemporâneo (com ampliação dos conhecimentos culturais e

noções de psicologia), entre vários outros assuntos.

O fazer rádio se renovava. Os programas radiofônicos estavam na

ordem do dia até para intelectuais, escritores, atores. E para o grande

público brasileiro, é claro.

Maria Muniz, ela própria uma personifi cação desse modelo

de mulher moderna, foi a principal responsável por tal mudança no

rádio. Aos poucos, ela se tornou uma especialista em programas que

se dirigiam à mulher, usando os esquetes para exemplifi car o texto de

suas crônicas, destinadas àquelas que já não consideravam as prendas

domésticas – fosse isso por força do que se defendia como recato,

decência, vocação ou natureza feminina – como única opção de vida. A

obra de Maria Muniz no radioteatro estava ali para provar que a mulher

tinha de fazer suas escolhas, era uma exigência do mundo, agora. Ou

seja, deixar de apenas confi ar no homem, confi ar também em si mesma,

não se sujeitar à tutela incondicional, mas valorizar seu próprio bom

senso, sua visão de mundo... Isso, é claro, além de começar a admitir

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Maria Muniz: a Sherazade do rádio

que a tal natureza feminina poderia ser um mito. Tal como Chiquinha

Gonzaga, a maestrina atrevida que fez história na música popular do

Brasil durante décadas a fi o 50 anos antes, Maria Muniz também abriu

as cortinas do pioneirismo. Só que dentro dos estúdios. Mas falando

para milhares de pessoas espalhadas por todo o Brasil.

Era preciso que a mulher que fi zesse rádio voltasse os olhos para

o que acontecia à sua volta. E assim o radioteatro deixaria de ser pura

fantasia, transporte para ambientações e contextos idílicos, para abordar,

por meio de diálogos e situações fi ccionais, questões presentes na vida

real das ouvintes.

Maria Muniz se tornou uma pioneira relevante – e muitos

teimam em fechar os olhos para essa realidade concreta – quando

criou os programas voltados exclusivamente para o público feminino.

Descobridora de talentos que marcariam não só o rádio, mas o todo da

atividade cênica no Brasil, ela participou ainda da implantação da TV

Tupi carioca, onde criou o primeiro jornal feminino da televisão, sendo

a desbravadora de um estilo que é explorado até hoje. Maria antecede

– não tenho dúvida em afi rmar – Edna Savaget, Martha Suplicy, Hebe

Camargo, Ana Maria Braga, e a própria TV Mulher.

Mas nesses anos originais em que a comunicação se tornava de

massas, não apenas uma curiosidade, e sim um elemento indissociável

da vida brasileira, Maria Muniz foi um dos expoentes entre aqueles que

colocaram os nascentes veículos nesse rumo. Embora sempre envolvida

com realizações de teor cultural, erudito e de informação, seu maior

êxito – o que a tornou amada, visita diária, bem-vinda e amiga em

muitos lares brasileiros – foram programas em que tocar o coração de

suas ouvintes era a grande obsessão. As crônicas diárias e programas de

radioteatro de Maria Muniz compunham-se de elementos que são ainda

essencialmente reconhecíveis na comunicação de massas contemporânea,

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“Acho que a biografia de Maria Muniz desvendará o caminho de uma corajosa

mulher que, desafiando as convenções, deixou um rastro luminoso dentro do

rádio brasileiro – e chega aos cem anos como um paradigma para todos aqueles

que ainda tentem fazer uma rádio cultural e educativa no Brasil.”

Hermínio Bello de Carvalho

“Quando fui contratado em 1957 por Murilo Miranda para ler as crônicas do

programa Quadrante na Rádio Ministério da Educação, Maria foi meu anjo bom.

Era quem me fazia companhia, aplainava dificuldades burocráticas, resolvia

pequenas complicações [...] com a autoridade que a alta qualidade de seu

trabalho lhe outorgava. [...] Os cronistas, um para cada dia da semana, eram,

apenas: Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meirelles,

Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Dinah Silveira de

Queiroz.”

Paulo Autran

“[...] ela é uma mulher tão cheia de vida, tão interessada nas coisas, e eu conheci

a Maria, o que? com seus 50 e tanto anos, 60 anos. Ela é mulher apaixonada e

apaixonada mesmo: com seus romances, com seus amores, uma mulher

vibrante, sabe como é?”

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