jacob gorender. a questão agrária no brasil 2 [regime territorial no brasil escravista,...

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6. REGIME TERRITORIAL NO BRASIL ESCRAVISTAI JACOB GORENDER I. Plantagem e grande propriedade fundiciria Segundo observa~ao generalizada, a abundancia de terras fer- teis e de Hcil acesso constitui uma das condi~6es primordiais do desenvolvimento do escravismo colonial. Saliente-se: condi~ao e nao causa determinante. A plantagem, por sua vez, determinou a utiliza~ao do fator terra sob a forma de grande propriedade e de grande explora~ao. 0 que se patenteia no exame das circunsdncias inerentes a plantagem de a~ucar. Dizia Silva Lisboa que "(. ..) um proprietirio que tem 50 escravos de trabalho constame e regular pode ter sem dificuldade 100 tarefas de cana (...)''.2 Medindo a tarefa baiana 4.356 m 2 , segue-se que um engenho mediano cultivaria, cada ano, 43,5 hectares de cana. Um gran- de engenho, com 100 escravos de trabalho, teria um canavial de 87 hectares. PeIo padrao atual, estamos longe do que seria uma grande explora~ao. Devemos levar em coma, nao obstante, as peculiaridades 1 Publicado no livro 0 Escravismo Colonial, Atica, 1976. 2 LISBOA, Silva. op. cit., p. 500.

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  • 6. REGIME TERRITORIAL NO BRASIL ESCRAVISTAI

    JACOB GORENDER

    I. Plantagem e grande propriedade fundiciria

    Segundo observa~ao generalizada, a abundancia de terras fer-

    teis e de Hcil acesso constitui uma das condi~6es primordiais do

    desenvolvimento do escravismo colonial. Saliente-se: condi~ao e

    nao causa determinante. A plantagem, por sua vez, determinou a

    utiliza~ao do fator terra sob a forma de grande propriedade e de

    grande explora~ao. 0 que se patenteia no exame das circunsdncias

    inerentes a plantagem de a~ucar.Dizia Silva Lisboa que "(. ..) um proprietirio que tem 50 escravos

    de trabalho constame e regular pode ter sem dificuldade 100 tarefas

    de cana (...)''.2 Medindo a tarefa baiana 4.356 m2, segue-se que um

    engenho mediano cultivaria, cada ano, 43,5 hectares de cana. Um gran-

    de engenho, com 100 escravos de trabalho, teria um canavial de 87

    hectares. PeIo padrao atual, estamos longe do que seria uma grande

    explora~ao. Devemos levar em coma, nao obstante, as peculiaridades

    1 Publicado no livro 0 Escravismo Colonial, Atica, 1976.

    2 LISBOA, Silva. op. cit., p. 500.

  • hectares efetivamente aproveitados. Em termos aproximados, a meta-

    de desta area seria impudvel a um engenho mediano.

    Os engenhos precisavam ainda de matas para extra

  • segundo Gayoso, 0 algodoeiro dava duas ou tn~s safras em terreno

    recem-desbravado. Segundo Spix e Martius, rarameme um algo-

    doal era explorado por mais de W~s ou quatro anos: a fertilidade

    das terras virgens fazia preferivel nova planta

  • 13 Cf. VARNHAGEN. Op. cit., t. 1, pp. 180-184; HANDELMANN. Op. cit., cap. 2;

    RIBEIRO, Joao. Op. cit.. pp. 61-67; ABREU, Capistrano de. Capitulos de Historia

    Colonial. Op. cit., pp. 92-95; DIAS, Carlos Malheiros. "Introduc,;ao" e "0 Regime

    Feudal das Donatarias". In HCPB, v. 3; PRADO JUNIOR, Caio. Evolufiio Polftica

    do Brasile Outros Estudos. 2' ed. Sao Paulo, Ed. Brasiliense, 1957, pp. 13-14; DUARTE,

    Nestor. Op. cit., pp. 18-25; SODRE, Nelson Werneck. Formafiio Historica do Brasil.

    Sao Paulo, Ed. Brasiliense, 1962, pp. 77-82; ANDRADE, Manuel Correia de. Eco-

    nomia Pernambucana no Siculo XVI. Op. cit., pp. 17-27; SIMONSEN. Op. cit., t. I,

    pp. 122-129; MARCHANT, Alexander. "Feudal and Capitalistic Elements in the

    Portuguese Settlement of Brazil." in The Hispanic American Historical Review. 1942,

    v. 22, n 3, pp. 493-512.

    o sistema deve ser compreendido, segundo penso, como ma-nifesta

  • conservava sobre as novas capitanias brasilicas urn protetorado,

    com poderes mui limitados, a troco de poucos tributos, incluin-

    do 0 do dizimo; do qual tribmo ela mesma pagava 0 cuho publi-

    co e a redizima aos senhores das terras. Quase que podemos dizer

    que Portugal reconhecia a independencia do Brasil, antes dele se

    colonizar".15

    Ora, os donatcirios nao receberam nenhum poder legislativo,

    subordinando-se integralmente as Ordena

  • de socio menor da Coroa ao qual cabia modesto quinhao da re-

    ceita fiscal.18

    positaria da Ordem do Mestrado de Cristo. Os Forais dos

    donatarios mantiveram 0 carater isen to das terras, que deviam ser

    repartidas em sesmaria, "( ... ) livremente sem foro nem direito

    algum, somente 0 dizimo que serao obrigados de pagar a ordemde mestrado de nosso Senhor Jesus Cristo de tudo 0 que nas di-

    tas terras houverem (... )". Veremos adiante que 0 dizimo eclesias-

    tico perdeu no Brasil a natureza de tributo feudal e se converteu

    em imposi

  • pelo menos urn indicio da indecisao da Corte lisboeta quanto ao

    rumo a seguir. Este indicio e fornecido pelo episodio das duas

    Cartas Regias passadas a Martim Afonso de Sousa sobre doas:ao

    de sesmarias no Brasil, ambas registradas com a mesma data de

    20 de novembro de 1530. Na verdade, trata-se de duas vers6es

    da mesma Carta Regia, a primeira derrogada pela segunda, apos

    a partida do delegado real para 0 Brasil. 0 "misterio" das duas

    vers6es, ambas autenticas, se esclarece a luz das ops:6es provavel-

    mente debatidas entre os conselheiros da Coroa a respeito do re-

    gime territorial a ser implantado no dominio colonial. A ops:ao

    adotada na primeira versao denota inspiras:ao feudal, na medida

    em que veta a transmissao hereditciria das terras doadas a parti-

    culares, com 0 que as tornava inalienaveis, enquanto concede ao

    delegado real Martim Monso de Sousa, homem da alta nobreza,

    o direito de se apossar de terras ilimitadas sem aquela restris:ao. A

    tomada de consciencia da inviabilidade de semelhante regime

    territorial no Brasil explica as alteras:6es introduzidas na segunda

    versao, principalmente 0 direito de transmissao hereditaria das

    terras doadas a quaisquer pessoas.22

    Nem desse episodio, houve algumas tentativas frustradas de

    transplantar procedimentos feudais ao ambito colonial. Capistrano

    acertadamente chamou a atens:ao para duas doas:6es com caracte-

    rlsticas que nao prevaleceram no regime territorial brasileiro. Uma

    delas, a sesmaria concedida a Bras Cubas, incluia a clausula de

    inalienabilidade perpetua e determinava a sucessao em linha direta

    transversal. A outra, a doas:ao da ilha de Santo Antonio a Duarte

    de Lemos pelo donatcirio do Espirito Santo, Vasco Fernandes

    Coutinho, transferiu ao beneficiario quase todas as prerrogativas

    publicas do proprio donatcirio.23 Em ambos os casos, as doas:6es

    copiaram procedimentos feudais e adquiriram a feis:ao de

    subenfeudas:6es. Por isso mesmo, nao se generalizaram no Brasil,

    limitando-se a ensaios isolados que nao deixaram vestigios. 0 di-

    reito sesmeiro na Colonia, pela propria letra da lei, opunha-se a

    subenfeudas:ao.

    4. Metamorfoses institucionais

    Cumpre agora esclarecer 0 carater e a funs:ao que tiveram no

    Brasil certos institutos tambem procedentes de Portugal: 0 dizimo

    eclesiastico, os foros enfiteuticos e os morgadios.

    o dizimo eclesidstico - Afirma Armando Castro que 0 dizimoeclesiastico teve natureza de renda feudal nas condis:6es economi-

    co-sociais portuguesas, enquanto Caio Prado Junior 0 considerou

    simples imposto, obviamente nas condis:6es de sua incidencia no

    Brasip4 Com efeito, evidencia-se desde logo uma diferens:a funda-

    mental, rel acionada com a posis:ao ocupada pelo clero catolico e

    pela Igreja na Metropole e na Colonia. Em Portugal, 0 clero cons-

    tituia urn dos estamentos privilegiados, isento de tributos como a

    nobreza. 0 dizimo eclesiastico pertencia as entidades clericais e lhes

    vinha ter as maos diretamente. A colonizas:ao do Brasil se fez sob a

    jurisdis:ao religiosa da Ordem de Cristo, cujo mestrado os papas

    atribuiram a Casa Real. Resultou dai que a propria Coroa passasse

    a cobrar 0 dizimo eclesiastico, obrigando-se a pagar 0 sustento dos

    sacerdotes no Brasil. Em con sequencia, 0 clero colonial caiu numa

    situas:ao anaIoga a do funcionalismo publico. Se esta circunsrancia

    ja era suficiente para conferir ao dizimo urn carater fiscal, acresce

    22 Cf "Carta para 0 Capitao-Mor Dar Terras de Sesmaria." In HCPB, v. 3, p. 160. Ver

    tambem p. 147. Texto da segunda versao da mesma Carta In MADRE DE DEUS,

    Frei Gaspar da. Op. cit., pp. 9-10.

    23 Cf ABREU, Capistrano de. "Nota." In SALVADOR, Frei Vicente do. Op. cit .. p. 85.

    Ver texto da doac;:aoa Duarte de Lemos. In HCPB, v. 3, pp. 265-266.

    24 Cf CASTRO, Armando. Op. cit., v. 1, p. 279 et seqs.; PRADO JUNIOR, Caio. Op.

    cit., p. 14. 0 dlzimo edesiastico nao deve ser confundido com outros tributos tam-

    bem chamados de dizimo, a exemplo dos ineidentes sobre a exportac;:aoe importac;:ao.

  • ainda que, atingindo sua cobran
  • seu beneficio, e nao por sesmeiros particulares, na condi
  • dente a concessao de sesmaria a indicayao de fiador idoneo es-

    tabelecido no Recife para se responsabilizar pelo pagamento do

    respectivo foro. 0 qual nao podia deixar de ser considerado ir-

    ris6rio, tratando-se das terras provavelmente mais rentaveis

    naquela epoca. Meio seculo depois de instituido, 0 rendimento

    do foro para a Fazenda Real em Pernambuco estava avaliado em

    240$570, montante que demonstra serem poucos os proprieta-

    rios que 0 pagavam.32

    Por fim, alei de 15 de novembro de 1831, no seu art. 51, 3.,

    declarou abolidos os foros de sesmarias.33 0 fato de essa medida

    legislativa ter sido incluida sumariamente numa lei oryamentaria -

    a primeira do Brasil com jurisdiyao nacional- da bem ideia de que

    o tributo nunca foi senao simples imposto territorial, de muito ma

    vontade aceito pelos latifundiarios e por isso quase sem efetividade.

    o foro que denominei de estatal, instituido em 1695, eracobrado pelo poder concedente das sesmarias e incidia sobre os

    titulares delas. Diferenciava-se do foro cobrado pelos pr6prios

    titulares aos foreiros estabelecidos em suas sesmarias. A este ul-

    timo denomino de foro particular e 0 considero uma forma de

    renda da terra. Desse foro particular, caracteristicamente

    enfiteutico, ja temos notlcia nos fins do seculo 16, atraves de

    Gabriel Soares de Sousa34 e se tornou usual cobra-Io de sitios

    arrendados para criayao de gado no Nordeste. A Coroa reco-

    nheceu sua legalidade ao admitir a pratica da enfiteuse na ja

    citada Provisao de 20 de janeiro de 1699.35 Mais tarde, a Coroa

    mudou de rumo e tentou opor-se a tendencia espontanea a di-

    fusao da renda da terra, sob formas de aforamento e arrenda-

    mento, identificando nessas praticas urn obstaculo ao povoa-

    mento mais rapido do territ6rio colonial. Proibiu, por isso, que

    os beneficiarios de sesmarias as aproveitassem por meio de

    foreiros ou rendeiros.36 Exceto nos epis6dios de interveny6es

    t6picas, como foi a que inspirou a Carta Regia de 20 de outu-

    bro de 1753, a proibiyao teria de ficar no papel, pois, aIem de

    contrariar pratica antiga, chocava-se com as tendencias ineren-

    tes a estrutura latifundiaria, criada e mantida com 0 benepIacito

    da pr6pria Coroa.

    Caso especial de foro enfiteutico foi 0 cobrado pelas camaras

    municipais, como as de Salvador e do Rio de Janeiro, por conta

    de sesmarias que Ihes tinham sido concedidas pelos governado-

    res. Em conseqiiencia, 0 solo municipal ocupado por pessoas pri-

    vadas se conservava propriedade publica e seu uso se tornava Fonte

    de receita patrimonial. Neste sentido 0 entendeu 0 alvara de 5 de

    outubro de 1795, no seu 29, pois mandava conceder as cama-

    ras datas de sesmaria que poderiam ser aforadas segundo a legis-

    layao do Reino. Isto e, 0 que fica implicito, sob forma enfiteutica.

    Alias, no alvara de 10 de abril de 1821, que trata das terras muni-

    cipais do Rio de Janeiro, a enfiteuse e expressamente menciona-

    da, pois a restabeleceu com a revogayao do Ac6rdao de 20 de ju-

    nho de 1812 do Juizo dos Feitos da Fazenda. Como tambem

    naquele alvara se mencionam 0 laudemio e 0 carater perpetuo do

    aforamento. Ora, 0 fato de nas Canas Regias referentes ao foro

    estatal nao haver qualquer menyao a legislayao do Reino sobre

    aforamento, a enfiteuse, laudemio ete., como ocorria nas conces-

    32 Cf "Fragmentos". Op. cit., p. 380; ASN, v. 28, pp. 293, 340; Documentarao HistOrica

    - Sesmarias. v. 1. pp. 63-65; FREIRE, Felisbelto. Op. cit., v. 1. pp. 137-138 et pas.;

    BORGES, Fragmon Carlos. "0 Problema da Terra em Pernambuco - Origens Histo-

    ricas da Propriedade da Terra." In Estudos Sociais. Rio de Janeiro, 1958, n 1, p. 55.

    33 CLIB, 1831.

    34 Cf. SOUSA, Gabriel Soares de. Op. cit., pp. 148, 153 et pas.

    35 ABN, v. 28, pp. 293-294.

    36 Ver Confirma

  • soes de terras municipais, vem confirmar que 0 foro estatal sobre

    as sesmarias privadas nao tinha senao a fei

  • de terras desacompanhada da de escravos ou da possibilidade de

    compra-Ios. Compreende-se que, em alguns casos, as terras de

    morgadio ou de capela ficassem simples mente abandonadas, como

    anotou Koster.41

    A dinamica propria do escravismo nao se adequava avinculas;ao perpetua, porem a desvinculas;ao, a alienabilidade

    plena da terra. A respeito de vendas de terras, temos noticia ja

    nos comes;os do seculo 17, atraves de Fernandes Brandao. Den-

    tre os que recebiam terras de sesmaria, observou 0 cronista, al-

    guns nao possuiam cabedal para levantar engenhos e se viam

    fors;ados a vender suas sesmarias. 0 Conde de Linhares, her-

    deiro de Mem de Sa (por casamento com a filha do govern a-

    dor), vendeu em lotes grande parte de sua propriedade. Antonil

    nos fala de hipotecas e vendas de terras como algo rotineiro e

    dedica toda uma pagina a conselhos aos compradores de terras.

    Wenceslau Pereira da Silva e Silva Lisboa, no seculo 18, infor-

    maram sobre a pratica corrente de operas;6es de compra e ven-

    da de engenhos na Bahia. Em Sao Paulo, constatou Schorer

    Petrone, a compra se tornou com 0 tempo 0 meio predominan-

    te de aquisis;ao de terras nas areas da regiao as;ucareira mais pro-

    xima do litoral e de exploras;ao mais antiga. No Vale do Paraiba,

    o incremento da cafeicultura valorizou a regiao e houve latifun-

    diarios que lucraram com a venda de terras antes adquiridas gra-

    tuitamente ou por pres;o irrisorio. Por ai se ve que a disponibi-

    lidade de terras no Brasil colonial nao pode ser considerada com

    a latitude indefinida que the conferem alguns autores. Fertili-

    dade e localizas;ao estabeleciam limites e gradas;6es a preferen-cia dos plantadores, aos quais podia ser conveniente comprar 0

    terreno relativamente caro no litoral, ao inves de recebe-Io de

    sesmaria a titulo gratuito em regiao afastada e arida.42

    Em Portugal, precisou-se da revolus;ao liberal-burguesa do se-

    culo 19 a fim de extinguir os morgados e capelas e desamortizar

    todas as terras vinculadas, 0 que foi levado a efeito atraves de longa

    sucessao de medidas legislativas. No Brasil, a extins;ao dos morga-

    dos e capelas prescindiu de uma revolus;ao. Bastaram a conquista

    da independencia politica e 0 influxo das ideias liberais europeias,

    devidamente interpretadas de acordo com as conveniencias da classe

    dominante de senhores de escravos. Em 1828, a Camara dos De-

    putados aprovou 0 projeto de lei de abolis;ao dos vinculos, mas, no

    ano seguinte, 0 Senado 0 rejeitou por maio ria de apenas um voto,

    gras;as ao esfors;o reacionario de Jose da Silva Lisboa, Visconde de

    Cairu. Os defensores do projeto de lei argumentaram, de maneira

    muito pertinente, com a diferens;a existente entre os "tempos feu-

    dais", que justificariam a necessidade do morgadio, e as condis;6es

    brasileiras, dentro das quais seria uma instituis;ao inteiramente "exo-

    tica", impropria a organizas;ao social. No entanto, nao demorou aabolis;ao completa dos morgados e capelas, pois veio com a Lei nQ

    57, de 6 de outubro de 1835, aprovada pelaAssembleia Legislativa

    e promulgada pela Regencia. Assim, 0 Brasil se antecipou a suaantiga Metropole, onde medida 60 drastica so entrou em vigor com

    o decreto de 19 de maio de 1863.43 E que no Brasil se tratou ape-

    41 Cf. TEIXEIRA, Cid. "Contribui

  • nas de eliminar urn apendice extravagante, prejudicial ao

    escravismo, enquanto, em Portugal, todo urn processo revolucio-

    nario se requereu a fim de arran car as raizes de seculares institui-

  • capiraes donadrios, Martim Afonso e seu irmao Pero Lopes de

    Sousa procediam da alta nobreza, porem os demais sairam da pe-

    quena nobreza ou do medio escalao burocratico. Em seguida a eles,

    alguns altos titulares da nobreza adquiriram capitanias hereditari-

    as no Brasil. Ao todo, nao passaram de poucas dezenas as familias

    privilegiadas com a doac;:aoou a compra de donatarias. Ja 0 ntlme-

    ro de sesmeiros subiu a varios milhares e s6 uma pequena frac;:ao

    deles se inclui nas relac;:6esgeneal6gicas nobilitantes dos Jaboatao e

    Pedro Taques. Afinal, mesmo que sejam corretas as genealogias

    arrumadas por esses e outros autores do seculo 18, elas fornecem

    base muito estreita para as afirmac;:6es de Oliveira Vianna e Olivei-

    ra Lima sobre uma classe senhorial brasileira oriunda da antiga

    nobreza lusa. Ja Alcantara Machado desfez rao grata ilusao no que

    se refere aos primeiros povoadores de Sao Paulo. No Nordeste,

    houve certo numero de colonos procedentes da pequena nobreza,

    possuidores de minusculos dominios em Portugal e por isso atrai-

    dos pela perspectiva de enriquecer alem Atlantico, como se dava

    tambem com uns tantos filhos segundos de casas nobres que as

    regras do morgadio deserdavam. Mas semelhante caracteristica

    social nao se aplica a maior parte do universo de beneficiarios desesmarias.

    Vale, a prop6sito, mencionar os degredados que as naus portu-

    guesas despejavam continuamente no litoral brasileiro e que aqui

    prosperaram. Em resposta a uma objec;:ao de Alviano sobre 0 pri-

    mitivo povoamento do Brasil "por degredados e gente de mau vi-

    ver", disse Brandonio com ironia bem grossa:

    "Nisso nao ha duvida. Mas deveis de saber que esses

    povoadores, que primeiramente vieram a povoar 0 Brasil, a pou-

    cos lanc;:os, pela largueza da terra deram em ser ricos, e com a

    riqueza foram largando de si a ruim natureza, de que as neces-

    sidades e pobrezas que padeciam no Reino os faziam usar. E os

    filhos dos tais, ja entronizados com a mesma riqueza e governo

    da terra, despiram a pele velha, como cobra, usando em tudo

    de honradissimos termos, com se ajustar a isto 0 haverem vin-

    do depois a este Estado muitos homens nobilissimos e fidalgos,

    os quais casaram nele, e se liaram em parentesco com os da ter-

    ra, em forma que se ha feito entre todos uma mistura de sangue

    assaz nobre."47

    E possivel perceber, alias, que a pr6pria Coroa teve de recuar combrevidade do prop6sito de uma colonizac;:ao aristocratica, se e que

    chegou a concebe-Ia claramente. Em ambas as vers6es da Carta Re-

    gia de 20 de novembro de 1530, consta a mesma f6rmula acerca da

    doac;:aode terras a pessoas que 0 merecerem "por seus servic;:ose qua-

    lidades". 0 que importaria numa discriminac;:ao a favor dos elemen-

    tos de origem nobre. Ja 0 Foral de Duarte Coelho, datado de 24 de

    setembro de 1534, prescreveu categoricamente que 0 capitao e seus

    sucessores repartissem todas as terras de sesmaria "( ...) a quaisquer

    pessoas de qualquer qualidade e condic;:ao que sejam, contanto que

    sejam cristaos (...)". Ao passo que 0 Regimento de Tome de Sousa

    sequer alude a qualidades ou condic;:6es sociais dos pretendentes de

    sesmarias.48 0 Alvara de 8 de dezembro de 1590 ordenou que "( ...)

    a todas as pessoas, que forem com suas mulheres e filhos a qualquer

    parte do Brasil, lhes sejam dadas terras de sesmarias (...)". A mesma

    Coroa reconhecia a futilidade de uma colonizac;:aoaristocratica, pois

    o que importava era a valorizac;:aoeconomica imediata do territ6rio

    brasileiro. A guisa de amostragem, pode-se verificar que, num perio-do de 42 anos, entre 1689 e 1730, nenhum dos candidatos a sesmarias

    em Pernambuco e capitanias anexas invocou dtulos de nobreza, sen-

    47 BRANDAo, Ambrosio Fernandes. Op. cit., p. 134. Constitui poHtica deliberada da

    Coroa a de povoar 0 Brasil com degredados. Cf. GARCIA, Rodolfo. Ensaio sobre a

    HistOria Politica e Administrativa do Brasil (1500-1810). 2.a ed. Rio de Janeiro, Liv.

    Jose Olympio Ed. (em convenio com 0 Instituto Nacional do Livro), 1975, p. 22.

    48 Cf. MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Op. cit. pp. 9-10; HCPB. v. 3, pp. 160,

    312,345-350.

  • do as alega
  • sesmaria concedida e sua confirmas:ao dentro de urn a do is anos

    pelo Conselho Ultramarino, em Lisboa.53

    Impona reals:ar que nunca deixaram de subsistir contradis:oes

    flagrantes entre a legislas:ao emanada da Metr6pole e sua aplicas:ao

    na Colonia. Basta examinar as repetidas tentativas de limitas:ao da

    extensao das sesmarias e de efetivas:ao da exigencia do seu cultivo

    em certo prazo. Dispenso-me de entrar em detalhes ja abordados

    por varios autores.54 0 que me parece imponante e destacar a im-

    potencia das barreiras legais a tendencia inerente ao escravismo no

    sentido do principio do direito pleno a propriedade privada da ter-

    ra. Em tese, a legislas:ao das sesmarias nao supunha esse direito ple-

    no, uma vez que a doas:ao da terra, subordinando-se a cIausula do

    cultivo, era revogavel. Na realidade dos fatos, prevalecia a fors:a social

    dos latifundiarios, que conservavam a propriedade de extensoes

    muito superiores as suas possibilidades de aproveitamento.55

    A partir da Carta Regia de 16 de mars:o de 1682, dirigida ao

    governador do Rio Grande do None, sucedem-se varias ordens reais

    mandando revogar e transferir, no todo ou em parte, a propriedade

    das sesmarias conservadas incultas, exigindo demarcas:ao e confir-

    mas:ao e determinando a limitas:ao das futuras doas:oes a urn maxi-

    mo de extensao que, afinal, foi fixado em tres leguas quadradas.56

    Este maximo tornou-se de fato usual, sem deixar de admitir nao

    poucas exces:oes e burlas escandalosas. Pode-se imaginar, outrossim,

    que a revogas:ao e a transferencia de concessoes anteriores nao de-

    penderiam da simples invocas:ao da lei e da comprovada den uncia

    de incultura total ou parcial da sesmaria. Prevaleceriam no caso as

    relas:oes de fors:a entre 0 primitivo titular e 0 novo pretendente.57

    53 0 Alvara de 5 de outubro de 1795 provavelmente despertou tamanha tesisteneia que, a

    pretexto da dificuldade de cumprimento da clausula de medi

  • Em contraposi
  • passa despercebido, a quem tern por dogma a associa
  • feudal, sendo a terra 0 principal e mais importante dos meios

    de prodU

  • qiiencia, nao leva em conta a terra, a culturas, edifica