jacarepaguÁ - rio de janeiro-rj # vieira fazenda - rj

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J.AC.ARÉP.AGU.A.~ ANTIQUALHAS E MEMORIAS DO RIO DE JANEIRO 305 Do novo edificio fez minuciosa descripção o dr. Antonio de Paula Freitas , Deste trabalho extrallimos o documento acima resumido. Pois bem, é a memoria de Paula Freitas que nos servo de prova para mostrar quanto era diminuta a cêrca dos religiosos . Basta ver a estampa 1", em que taes limites estão discriminados. Consiste em linhas diviso rias, obliquamente estabelecidas em vãrías dírecções , Basta dizer o limite mais extenso: o que olha para o lado da Ajuda si fosse prolongado passaria :íJquem do theatro. O muro do fundo que dá para a Barreira tem o mesmo comprimento assignaladopelo engenheiro Bulhões em 1796. De tudo nos resulta a seguinte convicção: - os Francis- canos autorizados pelo papa, só podiam vender, como livres de fôro e outro qualquer Oll'US, a parte do morro exclusiva- mente por elles occupada e com limites certos . . O mais do outeiro pertence bom repetir) ao pau-imo- nio municipal. E'-nos difficil explicar porque o Govêrno Geral incluiu nos proprios nacionaes um immovel, dominio directo do Mu- nicipio. Temos concluido. 111 de Seplembro de 1911. Conlinúa ainda ho~ em festa o importante bairro de Jacarépaguá ou Jacarépaúá, como escreviam os antigos chro- nistas. Realiza-se a sequencia da romaria em honra de Nossa Senhora da Penna, patrona de literatos e scientistas, e cujo dia couimemoratívo coincide 'Com a data da Natividade de Nossa Senhora. Pena synonymo de Penha, roi sua denominação, e aSSITl1 Iigura tal nome em documentos de antanlio . Ignoro a epooha e quem auctorízou o accrescirno de mais um n ao primitivo titulo. (Dizem os entendidos que Jucorépaqiui significa planicie habitada por jacarés. Explica-se o facto pelas proximidades das lagóas alli existentes, onde se refrescavam estes terríveis amphihios que têm o poder de chocar ovos com os olhos. Vê- se que os caboclos tinham dedo para dar nome aos bois. Felizmente já por alli não iam muito destes freguezes, dos quacs só conheço os pintados ou os reproduzidos em bronze pelo' mestre Valentím no tanque do Passeio Público. 20

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JACAREPAGUÁ, trecho de livro de autoria do historiador vieira fazenda, história

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Page 1: JACAREPAGUÁ - RIO DE JANEIRO-RJ # VIEIRA FAZENDA - RJ

J.AC.ARÉP.AGU.A.~

ANTIQUALHAS E MEMORIAS DO RIO DE JANEIRO 305

Do novo edificio fez minuciosa descripção o dr. Antoniode Paula Freitas , Deste trabalho extrallimos o documentoacima resumido. Pois bem, é a memoria de Paula Freitasque nos servo de prova para mostrar quanto era diminuta acêrca dos religiosos . Basta ver a estampa 1", em que taeslimites estão discriminados.

Consiste em linhas diviso rias, obliquamente estabelecidasem vãrías dírecções , Basta dizer o limite mais extenso: oque olha para o lado da Ajuda si fosse prolongado passaria:íJquem do theatro.

O muro do fundo que dá para a Barreira tem o mesmocomprimento assignaladopelo engenheiro Bulhões em 1796.

De tudo nos resulta a seguinte convicção: - os Francis-canos autorizados pelo papa, só podiam vender, como livresde fôro e outro qualquer Oll'US, a parte do morro exclusiva-mente por elles occupada e com limites certos .

. O mais do outeiro pertence (é bom repetir) ao pau-imo-nio municipal.

E'-nos difficil explicar porque o Govêrno Geral incluiunos proprios nacionaes um immovel, dominio directo do Mu-nicipio.

Temos concluido.

111 de Seplembro de 1911.

Conlinúa ainda ho~ em festa o importante bairro deJacarépaguá ou Jacarépaúá, como escreviam os antigos chro-nistas. Realiza-se a sequencia da romaria em honra de NossaSenhora da Penna, patrona de literatos e scientistas, e cujodia couimemoratívo coincide 'Com a data da Natividade deNossa Senhora.

Pena synonymo de Penha, roi sua denominação, e aSSITl1Iigura tal nome em documentos de antanlio . Ignoro a epoohae quem auctorízou o accrescirno de mais um n ao primitivotitulo.

(Dizem os entendidos que Jucorépaqiui significa planiciehabitada por jacarés. Explica-se o facto pelas proximidadesdas lagóas alli existentes, onde se refrescavam estes terríveisamphihios que têm o poder de chocar ovos com os olhos. Vê-se que os caboclos tinham dedo para dar nome aos bois.

Felizmente já por alli não iam muito destes freguezes,dos quacs só conheço os pintados ou os reproduzidos embronze pelo' mestre Valentím no tanque do Passeio Público.

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300 REVISTA DO INSTITUTO, HISTORICO

Em verdade, no habitei, abandonado pelos parentes doscrocodilos, reside gente laboriosa e de gravata lavada. Péde-se ir lá sem sustos ou receios de máos encontros.

'Confesso envergonhado o meu pecoado , Eu, velho Ca-rioca, nunca me perdi por este importante departamento doDistricto Federal. Quando era intendente municipal fui con-vidado para ir á fazenda do barão da Taquara, galhardo sue-cessor dos antigos Telles Meneses, senhores de baraço e cutelonaquellas redondezas. Um maldícto defluxo me impediu dessahonra e do prazer de bôa e numerosa companhia .

Ora, hoje, estou livre de culpa e pena. E quem me pozna bocca a pedrinha de sal foi o meu amigo e dístíncto.com-patricio dr. Pereira da Silva, profundo conhecedor até detodos os recantos cariocas.

Ainda hontem distribuiu elle excellente opúsculo, no qualcom proficiencia e exactidão relata o historíco e as maravi-lhas de Paquetá . 'E, o que é mais, citou uma quadra minhaque de improviso e na intimidade lhe recitei na barca depoisdas festas das arvores, em Junho do a'nno passado. Ora, esteobscuro escrevinhador, arvorado em poeta I Era motivo parahaver no Parnaso geral e merecido protesto.

Ao meu amigo já perdoei esta pequena imprudeneia,tendo em vista a magnifica tarde de 15 de Agosto de 1911,que em sua companhia passei, indo visitar o' sanctuario daPena ou Penna, sitio que no dizer de frei Agostinho de SanetaMaria, sem embargo de ser muito eminente e elevado, estáconvidando para ser buscado; porque é muito alegre e vistosopelos muitos horizontes que mostra de terra e mar.

Depois do referido já eu não posso, paraphraseando, dizercom o poeta do D. Jayme: "Nunca vi Jacarépaguá e tenhopena". O dia esplendido nos convidava a uma longa digressãode recreio.

Tomámos o bonde de Cascadura e em pouco mais de umahora saltámos na respectiva estação. Esse percurso que antesda Central e da Líght se fazia a cavallo em 'quatro ou cincohoras, realiza-se em cêrca de 60 minutos.

E digam lá que não temos progredido depois da inaugu-ração da Estrada de Ferro Pedra lI! Dia memoravel em queeu e outros companheiros demos uma gazeta no collegio . Epor signal, ficamos no alto do morro de S. Diogo pa'ra che-garmos á casa á hora do costume e não gerar desconfiançano espirito de nossos papaes e mamães.

Tomámos o bonde de Jacarépaguá, puxado ainda porburros e, passado o trecho da antiga estrada Real de SanctaCruz, entramos na vereda que conduz ao coração do bairro dafreguezia de Nossa Senhora do Loreto. Mais uma hora de

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ANTIQUALHAS E MEMORlAS DO RIO DE JANEIRO 307

traiecto e chegárnos á Porta d'água, onde afinal puzemos péem terra não sem ter as pernas et reliquia um pouco ma-goadas.

Excuso dizer: -- durante a viagem o dr. Pereira da Silvanão deixou de íallar' sóbre J acarépaguá: parecia até uma con-ferencia pública. Não houve rio, estrada, venda, ranchos,blocos, arvores, pontes, morros, passaros, nomes de moradoresque escapassem á loquella do meu meticuloso cicerone. Nãolhe passou camarão por malha. Eu, para avivar idéas, aochegar ao meu tugurio tractei de verificar quanto ouvira domeu companheiro. Tudo conforme e exacto , Para verifi-cação muito me serviram trabalhos do Noronha Santos. Si odr. Pereira da Silva se apresentasse candidato ao logar de pro-fessor de Geographia dava-lhe meu voto.

Quanto á disposição orographica eu levava á cabeça ummappa em relevo das montanhas do Districto Federal organi-zado pelo dr. Derby. Este illustre geologo me pzera' presentede uma cópia, em menores proporções, do paciente trabalhoque figurou na Exposição de 1908.

Como é sabido, o accesso do morro é difficil. Este in-conveniente é minorado por tóscos bancos de páo, onde o vi-sitante repousa. Tem, então, pouco a pouco sob seus olhosmagníficas vaizagens. Lá embaixo vai ficando o valle •Vêem-se rios e riachos, que 'Por entre alvas pedras vão se des-lisando sonoros os . Das arvores desprendem-se aromas agra-dabilissimos, mixtos de muitos e muitos vegetaes odoriferos.O ar muito oxygenado enche o organismo de novas energias ea gente sente prazer pela vida. Vão surgindo novas e sur-prehendentes surprezas. Melhor é experimenta-Ias que jul-gar, dizia Ü' grande Camões, cuja figura veneranda anda porahi agora pregada em cartazes e em Jogares pouco dignosdelle !

Entramos na egreja do Loreto r . Bonita de architectura,modesta, muito airosa e ccnfortaval. A simplicidade dejuncto á elegancia. Tocou a minha vez de soltar o verbo.Lembrei ao Pereira da Silva uma egIoga de Virgilio . Umpastor convidou a outro para certo passeio: um recitariaversos, e outro tocaria flauta. Elle, o Silva, fizera a topo-logia de Jacarépaguá, a mim tocava embocar a avena' e ta-garelar sôbre o historico da localidade. Fiz como muitagente. Fui prevenido para' o que désse e viesse. Quanto aosprimordios da freguezia, fallei em tudo, repetindo 'que disseo frei Agcetínho, o Pizarro e todos quantos os têm copiado.Lembrei os nomes de José Rodrigues de Aragão, do padreManuel de Araujo, rico e virtuoso sacerdote que não só fundoua capella do Lorefo como a outra a'cima - a da Penna ,

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REVISTA DO INSTITUTO HISTORICO

Que toda aquella zona pertencêra a Salvador de Sã edepois a seus fil.hos Martim d Sã e Gonçalo de Sã. Que aparte deste tocou a d. Victoria de Sã, casada com d. Luiz Ces-pedes, governador do Paraguai , D. Victoria, em testamento,deixou seus engenhos aos monges de S. Bento, os quaes lhederam sepultura na capella-mór do 'Convento; no morro deManuel de Brito . A parte de Martirn tocou em partilha a seufilho Salvador Benevides, que por sua vez possuiu dous mor-gadios, um delles chamado dos Assecas, etc., ete.

Si por alli houvesse um taohygrapho teria eu feito umgrande figurão.

Tudo era, porêm, silencio, interrompido pelo canto de umou outro passarinho, ou pelo gargalhar das brisas da tardepor entre. a: ramagem dos frondosos arvoredos.

O dia ia a pouco e pouco morrendo. Era preciso attingirnossa méta . Um último exfôrço e eis-nos em pleno atrio daSenhora da Pena. Quanta magnificencia \ e maravilha nosdeu o ímmenso panorama limitado pelos morros da 'I'ijuca eGavea e pelas serras de Guaratiba e Campo Grande! E aofundo o Atlantico como um vasto espelho a reflectir os raiosdo sol poente.

Continuei a Locar flauta, isto é, a massar o meu com-panheiro com o producto adventicio de ehronicas e ai farra-bios. Não vale a pena reproduzir aqui o que a minha 10-quella produziu. O que eu disse é muito conhecido.

Corno a outra, esta capella é elegante e collocada' em sitiopittorescc. No altar-rnór, em destaque, vê-se Nossa Senhoracom o menino Jesus, tendo ella na mão direita uma alva:pena. No livro de visitantes que nos foi' apresentado, nãovimos os nomes dos nossos coripheus litterarios. Natural-mente preferem as grandes obras de Marco 'I'ullio ás sábiascombinações da maravilhosa e sempre nova Natureza.

Em redor das paredes da egreja notam-se grandes azulejosrepresentando quadros da vida de Nossa Senhora. Disse-noso encarregndo que taes azulejos são muito apreciados por ex-trangeiros, máxime lnglezes. Para obtc-los, si fosse possí-vel, dariam grande quantia pela raridade desses trabalhos deantiga Ceramica. Em um dos corredores vimos o retrato demonsenhor Antonio Marques de Oliveira, que durante longosannos foi o digno pastor do rebanho jacarépaguense e incan-savel reconslructor dos dous sanctuarios. Coitado, nem porser bom e virtuoso escapou da sanha de larapios e de gravatalavada! Cousas da' vida, ou antes miseria, como diria o velhocoveiro de S. Pedro ,

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TRES DATAS

ANTIQUALHAS E MEMORIAS DO RIO DE JANEIRO 309

Aos pés do relvado estão sepultados os paes do digno sa-cerdote, cujas restos vão ser exhumados e reunidos alli aos deseus progenitores. Falleceu ha cinco annos .

Na pequena sacrístía existem quadros de valor e cadeirasde estylo antigo, magnífica obra de marcenaria que honra osartistas antigos cá da terra. A capella da' Penna é talvez aunica, em que se conservam promessas e votos em pequenastaboletas, nas quaes estão relatados os milagres de Nossa Se-nhora. Já delles faz menção frei Agostinho : "e as paredesdaquella casa estão dando testimunho de suas muitas mara-vilhas nas muitas memorias que se veem pender, como sãomortalhas, quadros e muitos signaes de cêra".

Entre ellas se destaca um: caco de vidro engolido por umacriança. Foi expeli ido sem ser preciso a gastroto.mia!

Vimos em um paredão um antiquissimo relogio do sol,que regula ainda perfeitamente.

Ia entardecendo. Era mistér descer para apanhar obonde. O prodigioso scenario ia perdendo o seu fulgor, graçasás sombras da noite. Aqui e alli f'ulgiarn pyrilampos comopedras preciosas caldas da abobada celeste. Demos um úl-timo olhar de saudade e de satísiacção, pelo dia tão bempassado.

Em um dos braços da cruz, no alto da torre, pousado no-tamos um "bem-te vi". Cantava, Parecia despedir-se dosdous velhos palra dores, ou então convidar os companheiros aregressnrem aos penates, o campanario da elegante capellinha.

Os nossos relogios marcavam seis horas e vinte minutos!Estava terminada a excursão historico-topolog ica e topo-

gr phica.

Domingo, 10 de Septembro de 1911.

Em fóco tem estado o vetusto Convento de Sane to Antonio.Nestes ultimas dias é elle o thema de commentarios e dis-cussões. Refugio outr'ora de frades trefegos, desordeiros e ca-balistas, foi' felizmente também academia, onde brilharamillustres lheologos, scientistas, eloquentes prégadores, artistase muitos que seguiram a gloriosa carreira das letras.

Nos fastos desta casa conventual encontram-se por outrolado figuras meigas, t)"pos do mais acendrado altrnismo, osquacs ?e perto seguiram os exemplos do scraphíco Francisççq\:l ASSIS t